A Dama ou o Tigre

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A Dama, ou o Tigre? um conto de Frank R. Stockton © copyright 2007 Gabriel Pons © copyright 2007 Gabriel Pons curtas bilingues ficções

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“A Dama, ou o Tigre?” é uma ideia de livro livre da Companhia da Palavra: http://dapalavra.wordpress.com/. Livro bilingue (português-inglês, para leitores de língua portuguesa) em pdf, com propósitos educacionais, sobretudo para alunos de inglês.

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A Dama, ou o Tigre?

um conto de

Frank R. Stockton

© copyright 2007 Gabriel Pons

© copyright 2007 Gabriel Pons

curtas bilingues ficções

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A Dama, ou o Tigre? The Lady, or the Tiger?

Frank Richard Stockton , USA, 1882

curtas bilingues

ficções

uma ideia de livro livre da Companhia da Palavra

dapalavra.wordpress.com

traduzido e editado por João P. Cruz

[email protected]

Fevereiro de 2009

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Nota Fui apresentado a esta história há muitos anos atrás em versão declamada, em antigo LP de vinil, pela magnífica voz, suave e quase hipnótica, de Toyah Willcox, acompanhada pela guitarra “planante”, etérea, brilhante do marido, Robert Fripp. O disco contava a história de uma questão: The Lady, or the Tiger?, A Dama ou o Tigre?, e este é o conto, ou peque-na novela, que imortalizou o escritor norte-americano Frank Stockton, autor prolixo de contos e fábulas infantis e de muitas outras prosas para adultos.

Este A Dama, ou o Tigre?, escrito em 1882, é um dilema em forma de história inacabada. É antes de mais, um desafio ao leitor. Não é por acaso que grande parte da popularidade des-ta história advenha do facto de ser uma das tarefas mais recorrentes nas aulas de inglês dos Estados Unidos desde há décadas, no sentido de estimular a criatividade dos alunos ou levá-los a explorar conceitos como a ética, o amor ou a justiça. A todos os leitores é colocado o desafio de resolver este dilema moral e de dar um desfecho a esta história “incompleta”.

Foi essa também, aliás, uma das principais razões para esta edição bilingue (português-inglês para leitores de língua portuguesa), que possa servir de apoio a professores e forma-dores de línguas e literaturas, sobretudo do ensino secundário.

Por ter esse valor pedagógico, além do literário, foi então esta história escolhida para come-çar esta série de pequenos livros digitais a dois idiomas publicados pela Companhia da Pala-vra, no capítulo “ficções”.

João P. Cruz 02/02/09

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a dama. ou o tigre? a companhia da palavra

The Lady and The Tiger por Gabriel Pons

(obra reproduzida com autorização do artista)

© copyright 2007 Gabriel Pons

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versão em português europeu

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Em tempos mais antigos vivia um rei semi-bárbaro, cujas ideias, apesar de algo polidas e aguçadas pela influên-

cia progressista de distantes vizinhos latinos, eram ainda vastas, floreadas e indomadas, como convinha à metade

bárbara do seu ser. Era um homem de imaginação exuberante e, não obstante, de uma autoridade tão irresistível

que, a um gesto da sua vontade, transformava as suas diversas fantasias em factos. Era muito dado à autossuficiên-

cia e quando entrava em acordo consigo próprio sobre qualquer coisa, a coisa podia considerar-se feita. Quando

todos os membros dos seus sistemas domésticos e políticos se moviam suavemente nos seus rumos traçados, a sua

natureza era branda e amigável; mas sempre que surgia um pequeno obstáculo, e algum dos seus satélites se des-

viasse da sua órbita, ficava ainda mais brando e amigável, pois nada lhe agradava mais do que endireitar o que esta-

va torto e esmagar qualquer irregularidade.

Entre as noções importadas, pelas quais a sua barbárie se tinha reduzido a metade, contava-se a de arena públi-

ca, na qual, mediante exibições de valentia humana e animal, as mentes dos seus súbditos se aperfeiçoavam e culti-

vavam.

Mas mesmo aqui se afirmava a sua faceta exuberante e bárbara. A arena do rei fora construída, não para dar ao

povo uma oportunidade de ouvir as rapsódias de gladiadores moribundos, ou para permitir que assistisse ao inevi-

ing

lês

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tável desfecho de um conflito entre opiniões religiosas e mandíbulas famintas, mas com propósitos muito melhor

adaptados ao alargamento e ao desenvolvimento das energias mentais do povo. Este vasto anfiteatro, com as suas

galerias circulares, as suas misteriosas abóbadas e suas passagens secretas, constituía um agente de justiça poética,

onde o crime era punido ou a virtude recompensada, pelos decretos de uma imparcial e incorruptível fortuna.

Quando um vassalo era acusado de um crime de importância suficiente para despertar a atenção do rei, era

divulgado um anúncio público designando o dia em que o destino da pessoa acusada seria decidido na arena do rei,

uma estrutura que bem merecia este nome, visto que, embora a sua forma e a sua planta tivessem sido importadas

do estrangeiro, o seu propósito emanava unicamente do cérebro deste homem, que não conhecia tradição a que

devesse maior lealdade do que a de agradar aos seus caprichos, e que imprimia a cada forma adotada de pensamen-

to e acção humanas o rico vigor de seu idealismo bárbaro.

Quando todo o povo se encontrava reunido nas galerias e o rei, rodeado pela sua corte, se sentava no seu alto

trono real num dos lados da arena, este dava um sinal, uma porta de baixo dele abria-se, e o súbdito acusado saia

para o anfiteatro. Diretamente em oposição a ele, no outro lado do espaço fechado, existiam duas portas, exata-

mente iguais e lado a lado. Era dever e privilégio do indivíduo em julgamento caminhar diretamente para essas

portas e abrir uma delas. Ele poderia abrir a porta que mais lhe agradasse; não estava sujeito a nenhuma orientação

ou influência, à exceção da já referida sorte, imparcial e incorruptível. Se abrisse uma, sairia dela um tigre faminto,

o mais feroz e cruel que tivesse sido encontrado, o qual imediatamente saltaria sobre ele e o faria em pedaços,

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como punição pela sua falta. No momento em que o caso do criminoso assim se decidia, dolentes sinos de aço

ressoavam, grandes lamentos eram lançados por indivíduos alugados para esse fim e colocados nas imediações da

arena, e a enorme multidão, de cabeças inclinadas e corações abatidos, tomava vagarosamente o caminho das suas

casas, lamentando grandemente que uma pessoa tão jovem e bela, ou tão velha e respeitada, tivesse merecido tão

horrível destino.

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Mas se a pessoa acusada abrisse a outra porta, sairia dela uma dama, a mais adequada à sua idade e condição,

que pudesse ter sido escolhida por Sua Majestade entre as suas belas vassalas; e com essa dama ele era imediata-

mente casado, como recompensa de sua inocência. Não importava que ele já possuísse mulher e filhos, ou que a

sua afeição pudesse estar comprometida com alguém da sua própria escolha; o rei não consentia que tais arranjos

interferissem no seu grande plano de retribuição e recompensa. Esses atos, como no outro caso, tinham lugar ime-

diatamente a na própria arena. Abria-se uma outra porta por baixo do rei, e um sacerdote, seguido por um bando

de coristas e de bailarinas, modulando jubilosos epitalâmios em cornetas douradas, avançava até ao lugar onde se

encontrava o par, lado a lado, e o casamento era pronta e alegremente celebrado. Então os festivos sinos de bron-

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ze repicavam animados, o povo lançava brados de contentamento, e o homem inocente, precedido por crianças

que espalhavam flores no seu caminho, conduzia a noiva para a sua casa.

Era este o método semi-bárbaro de administração de justiça do rei. A sua imparcialidade perfeita é óbvia. O

criminoso não poderia saber de que porta sairia a dama; abriria a que mais lhe agradasse, sem ter a mínima ideia se,

no instante seguinte, iria ser devorado ou casado. Numas ocasiões, o tigre saía por uma porta, noutras pela outra.

As decisões deste Tribunal eram não apenas justas, mas também irremediáveis: o acusado via-se imediatamente

punido, quando culpado e, quando inocente, era recompensado no acto, quer quisesse quer não. Não havia como

escapar aos julgamentos da arena do rei.

A instituição era extremamente popular. Quando o povo se reunia num dos grandes dias de julgamento, nunca

sabia se iria testemunhar uma morte sangrenta ou um matrimónio festivo. Esse elemento de incerteza emprestava

à ocasião um interesse que de outro modo não poderia ser atingido. Assim, as massas divertiam-se e consolavam-

se, e a parte pensante da comunidade não podia acusar o sistema de injusto, pois não tinha o acusado o julgamento

nas suas próprias mãos?

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Este rei semi-bárbaro tinha uma filha, tão bela como as suas mais esplêndidas fantasias, e com uma alma tão

ardente e imperiosa como a sua própria. Como costuma acontecer em tais casos, ela era a menina dos seus olhos, e

era amada por ele acima de toda a humanidade. Entre os seus cortesãos havia um jovem com aquela pureza de

sangue e vileza de condição, comuns aos heróis de romance que amam donzelas reais. Esta donzela real estava

bem satisfeita com o seu amado, porque ele era formoso e destemido, num grau não ultrapassado em todo o reino;

e ela amava-o com um ardor que possuía o barbarismo suficiente para fazê-lo excessivamente ardente e forte. Esta

relação amorosa prolongou-se feliz por muitos meses, até um dia em que o acaso levou o rei a descobrir a sua exis-

tência. Este não hesitou nem vacilou no que respeita aos seus deveres e dadas as premissas. O jovem foi imediata-

mente lançado na prisão, e foi marcado o dia para o seu julgamento na arena do rei. Esta, naturalmente, era uma

ocasião especialmente importante, e Sua Majestade, assim como toda a população, estavam grandemente interessa-

dos nos preparativos e no desenvolvimento deste processo. Jamais ocorrera um caso semelhante; jamais um súbdi-

to ousara amar a filha do rei. Em anos posteriores tais coisas tornaram-se bastante comuns, mas nessa altura elas

constituíam uma espantosa novidade.

Todas as jaulas de tigres do reino foram vistoriadas, para se encontrarem as bestas mais selvagens e implacáveis,

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dentre as quais seria selecionado o monstro mais feroz para ser levado à arena; e todas as categorias de virgens

jovens e belas foram cuidadosamente inspecionadas por juízes competentes, de modo a que o rapaz pudesse ter

uma noiva conveniente, no caso de a fortuna não lhe reservar diferente destino. Evidentemente, todos sabiam que

ato lhe era imputado fora cometido. Ele tinha amado a princesa, e nem ele nem ela, ou quem quer que fosse, pen-

saria jamais em negar esse fato; mas nem sequer ocorria ao rei permitir que uma circunstância como esta pudesse

interferir nos trabalhos do tribunal, dos quais retirava tão grande deleite e satisfação. Fosse qual fosse o desfecho,

o jovem seria descartado, e o rei teria o prazer estético de observar o curso dos acontecimentos, que determinavam

se o moço tinha cometido um erro ou não, ao permitir-se amar a princesa real.

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O dia designado chegou. Proveniente de longe e de perto, o povo foi-se reunindo e comprimindo nas grandes

galerias da arena e multidões, impossibilitadas de entrar, amontoavam-se contra as paredes exteriores. O rei e a sua

corte estavam nos seus lugares, do lado oposto às portas gémeas, aquelas portas fatídicas, tão terríveis na sua simi-

litude.

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Tudo estava pronto. O sinal foi dado. Uma porta por baixo da bancada real abriu-se, e o amante da princesa

entrou na arena. Alto, belo, elegante, o seu aparecimento foi saudado com um surdo rumor de admiração e ansie-

dade. Metade da assistência não sabia que um tão magnífico jovem pudesse viver entre eles. Não era de admirar

que a princesa o amasse! Que terrível situação a dele!

Quando o jovem avançou pela arena voltou-se, como era o costume, para reverenciar o rei, mas ele não pensa-

va de todo naquele personagem real. Os seus olhos estavam presos na princesa, que se sentava à direita do seu pai.

Não fora pela metade de barbarismo na sua natureza, é provável que a dama não estivesse ali; mas a sua alma

intensa e ardente não lhe permitira ausentar-se a um acontecimento que tão terrivelmente lhe interessava. Desde o

momento em que fora divulgado o decreto, segundo o qual o seu amado decidiria o próprio destino na arena do

rei, ela não pensara em mais nada, noite e dia, a não ser nesse grande acontecimento e nos vários assuntos com ele

relacionados. Possuindo mais poder, influência e força de carácter do que qualquer outra pessoa interessada até

então em semelhante caso, ela tinha feito aquilo que nenhuma outra pessoa conseguira: havia-se apossado do

segredo das portas. Sabia em qual dos dois compartimentos, que ficavam por detrás daquelas portas, se encontrava

a jaula do tigre, e em qual deles aguardava a dama. Através das espessas portas, pesadamente forradas com peles

pelo lado de dentro, era impossível que algum ruído ou sugestão chegasse aos ouvidos da pessoa que se aproxi-

masse para levantar a aldrava de uma delas. Mas o ouro, e o poder da vontade de uma mulher, conseguiram trazer

o segredo à princesa.

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E não somente sabia ela em que compartimento estava a dama pronta para aparecer, toda ruborizada e radiante,

assim que a sua porta se abrisse, como também sabia quem era a dama. Fora uma das mais belas e amáveis donze-

las da corte, a que havia sido escolhida como recompensa para o jovem acusado, assim seja provada a sua inocên-

cia do crime de aspirar a alguém tão acima do seu estatuto; e a princesa odiava-a. Muitas vezes ela tinha visto, ou

imaginara ter visto, aquela bela criatura lançando olhares de admiração sobre a pessoa do seu amado, e às vezes

pensava que esses olhares eram percebidos e até retribuídos. Vira-os conversar, uma vez ou outra. Conversas que

haviam durado apenas um momento, porém muita coisa pode ser dita num breve espaço de tempo; poderia ter

sido sobre temas triviais, mas como poderia ela sabê-lo? A jovem era adorável, mas ousara levantar os olhos para o

amado de uma princesa; e, com toda a intensidade do sangue selvagem transmitido através de longas linhagens de

ancestrais inteiramente bárbaros, ela odiava a mulher que corava e tremia atrás daquela porta silenciosa.

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Quando o seu amado se voltou, os seus olhos encontraram-se com os dela e viu-a sentada, com a face mais

pálida que qualquer outra naquele vasto oceano de fisionomias ansiosas que a rodeavam, ele percebeu, pelo poder

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de rápida perceção que é dado a todos aqueles cujas almas são uma só, que ela sabia atrás de que porta se encon-

trava o tigre e atrás de qual delas estava a dama. Ele esperara que ela havia conseguido saber isso. Compreendia-lhe

a natureza, e a sua alma estava segura de que ela nunca descansaria, até ter esclarecido esta coisa escondida de

todos os outros espectadores, até do rei. A única esperança para o jovem de agir de maneira certa e segura, era

baseada no sucesso da princesa em descobrir o mistério; e no momento em que a fitou, percebeu que ela tinha

obtido o êxito que ele tanto lhe almejara.

E foi assim que o seu olhar rápido e ansioso formulou a pergunta: “Qual?”, Foi para ela tão claro como se ele

tivesse gritado a pergunta do lugar onde se encontrava. Não havia um instante a perder. A pergunta foi feita num

relâmpago; deveria ser respondida com outro.

O braço direito da princesa repousava sobre o parapeito almofadado que se estendia à sua frente. Ela levantou

a mão e fez um leve e rápido movimento para a direita. Ninguém, a não ser o seu amado, viu o gesto. Todos os

olhos, a não ser os dele, estavam fixos no homem no centro da arena.

Ele voltou-se, e com o passo firme e rápido atravessou o espaço vazio. Todos os corações pararam de bater,

toda a respiração foi suspensa, todos os olhares estavam fixados naquele homem. Sem a menor hesitação, ele diri-

giu-se à porta da direita, e abriu-a.

Agora, o ponto da história é este: Foi o tigre que saiu daquela porta, ou foi a dama?

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Quanto mais refletimos sobre esta questão, tanto mais difícil se torna o responder. Ela envolve um estudo do

coração humano que nos conduz através dos tortuosos labirintos da paixão, para fora dos quais é difícil encontrar

um caminho. Pense nela, honrado leitor, não como se a decisão relativa à questão dependesse de si, mas daquela

princesa de sangue ardente e semi-bárbara, com a alma aquecida ao branco sob os fogos combinados do desespero

e do ciúme. Ela tinha-o perdido, mas quem o devia possuir?

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Quantas vezes, nas suas horas de vigília e nos seus sonhos, tinha ela estremecido de desenfreado horror, e havia

coberto o rosto com as mãos, enquanto pensava no seu amado abrindo a porta, do outro lado da qual esperavam

as garras cruéis do tigre!

Mas quantas vezes mais ela o tinha visto na outra porta! Nos seus mortificantes devaneios, tinha rangido os

dentes e arrancado os cabelos, ao ver o tremor de arrebatadora satisfação que se apossava dele, quando abria a

porta da dama! Como a sua alma ardera em agonia quando o viu lançar-se ao encontro daquela mulher, com a sua

face ruborizada e o seu faiscante olhar de triunfo; ao vê-lo conduzindo-a para fora, com todo o seu corpo inflama-

do na alegria da vida recuperada; ao ouvir os brados alegres da multidão e o desenfreado e festivo repicar dos

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sinos; ao ver o sacerdote, com a sua alegre comitiva, a avançar até ao par, fazendo-os marido e mulher diante dos

seus próprios olhos; e ao vê-los afastarem-se, juntos, pelo seu caminho de flores, acompanhados pelos tremendos

brados da alegre multidão, no qual um único grito de desespero — o dela — ficou perdido e afogado!

Não seria melhor que ele morresse de uma vez, e que fosse esperar por ela nas abençoadas regiões da semi-

bárbara vida futura?

E, no entanto, aquele terrível tigre, aqueles gritos, aquele sangue!

A sua decisão foi comunicada num instante, mas tinha sido tomada depois de dias e noites de angustiada delibe-

ração. Ela sabia que ele lhe faria aquela pergunta, tinha decidido o que lhe responderia e, sem a mais leve hesitação,

movera a mão para a direita.

A questão da sua decisão não deve ser levianamente considerada, e não me cabe a mim presumir que sou eu a

pessoa capaz de lhe dar resposta. Assim, deixo-a para todos vós, leitores: Qual saiu da porta aberta — a dama ou o

tigre?

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versão original em inglês

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In the very olden time there lived a semi-barbaric king, whose ideas, though somewhat polished and sharpened

by the progressiveness of distant Latin neighbors, were still large, florid, and untrammeled, as became the half of

him which was barbaric. He was a man of exuberant fancy, and, withal, of an authority so irresistible that, at his

will, he turned his varied fancies into facts. He was greatly given to self-communing, and, when he and himself

agreed upon anything, the thing was done. When every member of his domestic and political systems moved

smoothly in its appointed course, his nature was bland and genial; but, whenever there was a little hitch, and some

of his orbs got out of their orbits, he was blander and more genial still, for nothing pleased him so much as to

make the crooked straight and crush down uneven places.

Among the borrowed notions by which his barbarism had become semified was that of the public arena, in

which, by exhibitions of manly and beastly valor, the minds of his subjects were refined and cultured.

But even here the exuberant and barbaric fancy asserted itself. The arena of the king was built, not to give the

people an opportunity of hearing the rhapsodies of dying gladiators, nor to enable them to view the inevitable con-

clusion of a conflict between religious opinions and hungry jaws, but for purposes far better adapted to widen and

develop the mental energies of the people. This vast amphitheater, with its encircling galleries, its mysterious

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vaults, and its unseen passages, was an agent of poetic justice, in which crime was punished, or virtue rewarded, by

the decrees of an impartial and incorruptible chance.

When a subject was accused of a crime of sufficient importance to interest the king, public notice was given

that on an appointed day the fate of the accused person would be decided in the king's arena, a structure which

well deserved its name, for, although its form and plan were borrowed from afar, its purpose emanated solely from

the brain of this man, who, every barleycorn a king, knew no tradition to which he owed more allegiance than

pleased his fancy, and who ingrafted on every adopted form of human thought and action the rich growth of his

barbaric idealism.

When all the people had assembled in the galleries, and the king, surrounded by his court, sat high up on his

throne of royal state on one side of the arena, he gave a signal, a door beneath him opened, and the accused sub-

ject stepped out into the amphitheater. Directly opposite him, on the other side of the enclosed space, were two

doors, exactly alike and side by side. It was the duty and the privilege of the person on trial to walk directly to

these doors and open one of them. He could open either door he pleased; he was subject to no guidance or influ-

ence but that of the aforementioned impartial and incorruptible chance. If he opened the one, there came out of it

a hungry tiger, the fiercest and most cruel that could be procured, which immediately sprang upon him and tore

him to pieces as a punishment for his guilt. The moment that the case of the criminal was thus decided, doleful

iron bells were clanged, great wails went up from the hired mourners posted on the outer rim of the arena, and the

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vast audience, with bowed heads and downcast hearts, wended slowly their homeward way, mourning greatly that

one so young and fair, or so old and respected, should have merited so dire a fate.

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But, if the accused person opened the other door, there came forth from it a lady, the most suitable to his

years and station that his majesty could select among his fair subjects, and to this lady he was immediately married,

as a reward of his innocence. It mattered not that he might already possess a wife and family, or that his affections

might be engaged upon an object of his own selection; the king allowed no such subordinate arrangements to in-

terfere with his great scheme of retribution and reward. The exercises, as in the other instance, took place immedi-

ately, and in the arena. Another door opened beneath the king, and a priest, followed by a band of choristers, and

dancing maidens blowing joyous airs on golden horns and treading an epithalamic measure, advanced to where the

pair stood, side by side, and the wedding was promptly and cheerily solemnized. Then the gay brass bells rang

forth their merry peals, the people shouted glad hurrahs, and the innocent man, preceded by children strewing

flowers on his path, led his bride to his home.

This was the king's semi-barbaric method of administering justice. Its perfect fairness is obvious. The criminal

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could not know out of which door would come the lady; he opened either he pleased, without having the slightest

idea whether, in the next instant, he was to be devoured or married. On some occasions the tiger came out of one

door, and on some out of the other. The decisions of this tribunal were not only fair, they were positively determi-

nate: the accused person was instantly punished if he found himself guilty, and, if innocent, he was rewarded on

the spot, whether he liked it or not. There was no escape from the judgments of the king's arena.

The institution was a very popular one. When the people gathered together on one of the great trial days, they

never knew whether they were to witness a bloody slaughter or a hilarious wedding. This element of uncertainty

lent an interest to the occasion which it could not otherwise have attained. Thus, the masses were entertained and

pleased, and the thinking part of the community could bring no charge of unfairness against this plan, for did not

the accused person have the whole matter in his own hands?

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This semi-barbaric king had a daughter as blooming as his most florid fancies, and with a soul as fervent and

imperious as his own. As is usual in such cases, she was the apple of his eye, and was loved by him above all hu-

manity. Among his courtiers was a young man of that fineness of blood and lowness of station common to the

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conventional heroes of romance who love royal maidens. This royal maiden was well satisfied with her lover, for

he was handsome and brave to a degree unsurpassed in all this kingdom, and she loved him with an ardor that had

enough of barbarism in it to make it exceedingly warm and strong. This love affair moved on happily for many

months, until one day the king happened to discover its existence. He did not hesitate nor waver in regard to his

duty in the premises. The youth was immediately cast into prison, and a day was appointed for his trial in the king's

arena. This, of course, was an especially important occasion, and his majesty, as well as all the people, was greatly

interested in the workings and development of this trial. Never before had such a case occurred; never before had

a subject dared to love the daughter of the king. In after years such things became commonplace enough, but then

they were in no slight degree novel and startling.

The tiger-cages of the kingdom were searched for the most savage and relentless beasts, from which the fierc-

est monster might be selected for the arena; and the ranks of maiden youth and beauty throughout the land were

carefully surveyed by competent judges in order that the young man might have a fitting bride in case fate did not

determine for him a different destiny. Of course, everybody knew that the deed with which the accused was

charged had been done. He had loved the princess, and neither he, she, nor any one else, thought of denying the

fact; but the king would not think of allowing any fact of this kind to interfere with the workings of the tribunal,

in which he took such great delight and satisfaction. No matter how the affair turned out, the youth would be dis-

posed of, and the king would take an aesthetic pleasure in watching the course of events, which would determine

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whether or not the young man had done wrong in allowing himself to love the princess.

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The appointed day arrived. From far and near the people gathered, and thronged the great galleries of the

arena, and crowds, unable to gain admittance, massed themselves against its outside walls. The king and his court

were in their places, opposite the twin doors, those fateful portals, so terrible in their similarity.

All was ready. The signal was given. A door beneath the royal party opened, and the lover of the princess

walked into the arena. Tall, beautiful, fair, his appearance was greeted with a low hum of admiration and anxiety.

Half the audience had not known so grand a youth had lived among them. No wonder the princess loved him!

What a terrible thing for him to be there!

As the youth advanced into the arena he turned, as the custom was, to bow to the king, but he did not think at

all of that royal personage. His eyes were fixed upon the princess, who sat to the right of her father. Had it not

been for the moiety of barbarism in her nature it is probable that lady would not have been there, but her intense

and fervid soul would not allow her to be absent on an occasion in which she was so terribly interested. From the

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moment that the decree had gone forth that her lover should decide his fate in the king's arena, she had thought

of nothing, night or day, but this great event and the various subjects connected with it. Possessed of more power,

influence, and force of character than any one who had ever before been interested in such a case, she had done

what no other person had done - she had possessed herself of the secret of the doors. She knew in which of the

two rooms, that lay behind those doors, stood the cage of the tiger, with its open front, and in which waited the

lady. Through these thick doors, heavily curtained with skins on the inside, it was impossible that any noise or sug-

gestion should come from within to the person who should approach to raise the latch of one of them. But gold,

and the power of a woman's will, had brought the secret to the princess.

And not only did she know in which room stood the lady ready to emerge, all blushing and radiant, should her

door be opened, but she knew who the lady was. It was one of the fairest and loveliest of the damsels of the court

who had been selected as the reward of the accused youth, should he be proved innocent of the crime of aspiring

to one so far above him; and the princess hated her. Often had she seen, or imagined that she had seen, this fair

creature throwing glances of admiration upon the person of her lover, and sometimes she thought these glances

were perceived, and even returned. Now and then she had seen them talking together; it was but for a moment or

two, but much can be said in a brief space; it may have been on most unimportant topics, but how could she know

that? The girl was lovely, but she had dared to raise her eyes to the loved one of the princess; and, with all the in-

tensity of the savage blood transmitted to her through long lines of wholly barbaric ancestors, she hated the

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woman who blushed and trembled behind that silent door.

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When her lover turned and looked at her, and his eye met hers as she sat there, paler and whiter than any

one in the vast ocean of anxious faces about her, he saw, by that power of quick perception which is given to

those whose souls are one, that she knew behind which door crouched the tiger, and behind which stood the lady.

He had expected her to know it. He understood her nature, and his soul was assured that she would never rest un-

til she had made plain to herself this thing, hidden to all other lookers-on, even to the king. The only hope for the

youth in which there was any element of certainty was based upon the success of the princess in discovering this

mystery; and the moment he looked upon her, he saw she had succeeded, as in his soul he knew she would suc-

ceed.

Then it was that his quick and anxious glance asked the question: "Which?" It was as plain to her as if he

shouted it from where he stood. There was not an instant to be lost. The question was asked in a flash; it must be

answered in another.

Her right arm lay on the cushioned parapet before her. She raised her hand, and made a slight, quick movement

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toward the right. No one but her lover saw her. Every eye but his was fixed on the man in the arena.

He turned, and with a firm and rapid step he walked across the empty space. Every heart stopped beating,

every breath was held, every eye was fixed immovably upon that man. Without the slightest hesitation, he went to

the door on the right, and opened it.

Now, the point of the story is this: Did the tiger come out of that door, or did the lady?

The more we reflect upon this question, the harder it is to answer. It involves a study of the human heart which

leads us through devious mazes of passion, out of which it is difficult to find our way. Think of it, fair reader, not

as if the decision of the question depended upon yourself, but upon that hot-blooded, semi-barbaric princess, her

soul at a white heat beneath the combined fires of despair and jealousy. She had lost him, but who should have

him?

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How often, in her waking hours and in her dreams, had she started in wild horror, and covered her face with

her hands as she thought of her lover opening the door on the other side of which waited the cruel fangs of the

tiger!

But how much oftener had she seen him at the other door! How in her grievous reveries had she gnashed her

teeth, and torn her hair, when she saw his start of rapturous delight as he opened the door of the lady! How her

soul had burned in agony when she had seen him rush to meet that woman, with her flushing cheek and sparkling

eye of triumph; when she had seen him lead her forth, his whole frame kindled with the joy of recovered life;

when she had heard the glad shouts from the multitude, and the wild ringing of the happy bells; when she had

seen the priest, with his joyous followers, advance to the couple, and make them man and wife before her very

eyes; and when she had seen them walk away together upon their path of flowers, followed by the tremendous

shouts of the hilarious multitude, in which her one despairing shriek was lost and drowned!

Would it not be better for him to die at once, and go to wait for her in the blessed regions of semi-barbaric fu-

turity?

And yet, that awful tiger, those shrieks, that blood!

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Her decision had been indicated in an instant, but it had been made after days and nights of anguished delibera-

tion. She had known she would be asked, she had decided what she would answer, and, without the slightest hesi-

tation, she had moved her hand to the right.

The question of her decision is one not to be lightly considered, and it is not for me to presume to set myself

up as the one person able to answer it. And so I leave it with all of you: Which came out of the opened door - the

lady, or the tiger?

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Fim

The End