A Dança do Sabre

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A Dana do Sabre Joelson

I Um cruzeiro misterioso. O Prncipe Savil na Europa. O alarme na Imprensa. No Mar Negro. Por aquele ms de Junho bonanoso, um lindo iate de recreio, ostentando a bandeira estrelada dos Estados-Unidos, fazia o mais delicioso cruzeiro que um amador de viagens pode sonhar. Fizera a travessia do Atlntico, visitara as ilhas maravilhosas dos Aores e viera aportar a Vigo, um dos primeiros grandes portos do continente europeu. O vulto elegante do iate, todo branco como um cisne a balouar-se nas guas tranquilas do porto, provocara a curiosidade dos jornalistas, que logo se dirigiram a bordo, com a certeza de l encontrarem um rei da finana ou da indstria norte-americana em gozo de frias. Mas grande foi a surpresa dos reprteres ao serem recebidos no luxuoso salo do navio, com requintes Principescos por um jovem elegante e msculo, que lhes revelou sem hesitaes a sua identidade. Era o Prncipe Savil. Este nome logo recordou aos jornalistas uma srie de aventuras extraordinrias, cuja notcia de quando-em-quando os jornais americanos e as agncias telegrficas traziam Europa. No se cansaram os representantes da Imprensa espanhola os de dirigir Perguntas indiscretas a Sua Alteza. Mas escassas foram as informaes que obtiveram. Deixaram o Rajah com a impresso de que acabavam de abandonar um maravilhoso palcio oriental, que, por mgico prodgio, se houvesse deslocado de Bagdad ou de qualquer cidade misteriosa do Industo, para as glaucas guas dos oceanos. Acompanhavam o Prncipe Fernando Orlik de Savil, alm dos seus familiares, Pessoas discretas, muito sbrias de palavras, um chins mido e impassvel uma jovem de beleza estonteante, que enchia de pasmo e encanto quem, embora furtivamente, tivesse a dita de a contemplar. Mas os jornalistas nunca souberam quem eram aquelas personagens, nem que posio ocupavam junto do misterioso Prncipe. Dois dias depois, o lindo barco, que balouava o seu vulto airoso nas guas tranquilas de Vigo, desaparecera to misteriosamente como tinha surgido. Foi visto mais tarde a pairar em frente de Nice, bordejando toda a Cte dAzur, tornejando as lindas praias da Ceclia e desaparecendo em direco do Mediterrneo Oriental. Alertada pelas espalhafatosas notcias dos jornais espanhis, qusi toda a Imprensa europeia se ocupou da viagem do misterioso iate, que fora visto em vrios pontos do Mediterrneo. Faziam-se conjecturas sobre os provveis desgnios do Prncipe Savil, que talvez tivesse transferido para a Europa o campo de aco das suas audaciosas aventuras.

Dividiam-se no Velho Mundo como na Amrica as opinies sobre o famoso Prncipe. Uns punham em destaque a intrepidez e a generosidade do gentil aventureiro, outros, confiando mais nas opinies adversas de certos sectores yankees, dirigiam s autoridades conselhos e avisos, lembrando-lhes que Fernando Orlik de Savil fora por vrias vezes perseguido pela polcia do Novo Mundo, devendo apenas a sua liberdade extraordinria habilidade e audcia com que sempre soubera escapar-se. Chegaram alguns a pr de sobreaviso os chefes de famlia ricos que tivessem filhas bonitas, porque o aventureiro era especialista em raptos de formosas jovens que representassem alguns milhes de fortunas. E a propsito lembravam o rapto de miss Damby Leamington, que tanta sensao produzira em todo o continente americano. Afirmavam que a formosa herdeira, forada a assinar documentos que fizeram transitar para as mos de Savil alguns milhes de dlares, quedava sequestrada numa ilha misteriosa do Pacfico, onde o bandido estabelecera a sede da sua quadrilha. E enquanto estas notcias e quejandas corriam o continente europeu, o Rajah, to imperturbvel como o seu proprietrio, seguia o seu rumo. medida que o iate se afastava para o Oriente, ia-se aquietando o rumor na Imprensa da Europa. Quando a formosa nave se internou no mar Egeu, aps breves paragens em alguns portos da Grcia, j as primeiras pginas dos jornais haviam encontrado outros assuntos para saciar a curiosidade dos seus leitores. Sempre com um tempo esplndido, o comandante Milwankee, rijo marinheiro de epiderme curtida pelas brisas do mar, aproou aos Dardanelos, qusi sem lanar um olhar paisagem paradisaca de Gallipoli, que se desenrolava ao Sul, nem se recordar talvez de que fora ele, um dos heris que durante a Grande Guerra se batera ao lado da marinhagem inglesa na luta titnica que tivera por teatro aquele cenrio de sonho. Passaram por Constantinopla sem se deter. Os binculos dos passageiros mantiveram-se assestados sobre a linda cidade de Stambul, que se erguia em anfiteatro, com suas cpulas e minaretes orientais, nas margens do Bsforo azul. Mas o comandante parecia ter pressa de safar-se daquelas passagens estreitas e no descansou enquanto o seu navio no se internou no Mar Negro, cercado apenas pelo azul da extensa superfcie lquida e protegido por um horizonte to lmpido e luminoso como uma bno divina que viesse das alturas. O Rajah, minsculo ponto branco no meio da imensidade azul, no deixou vestgios da sua passagem, porque a efmera esteira de espuma que deixava, por momentos, a borbulhar r, breve se apagava. E o seu destino era segredo de trs pessoas a bordo: o Prncipe Savil, o comandante Milwankee e Chang, o chins misterioso. II A bordo do Rajah. Confidncias de Chang. Evoca-se um Velho trtaro. O diamante azul de Gengis Klan. Atravs das montanhas do Cucaso.

Despenhado num precipcio. Terminara o jantar no luxuoso salo do Rajah. As ltimas claridades do sol poente entravam pelas vigias abertas de par em par, nessa tarde tpida de fins de Primavera. Com a doce claridade infiltrava-se no salo uma brisa mais suave do que uma carcia. A melancolia daquela hora parecia insinuar-se no esprito dos convivas. Alguns deles lanavam pelas vigias um olhar nostlgico para o mar que de negro s tinha o nome, pois nesse entardecer aparecia todo coberto de prpura como um rei gigantesco e fabuloso. Parava no salo um silncio qusi religioso. O comandante Milwankee, sentado em frente do Prncipe Savil, inclinava para diante a sua ampla fronte de escasso cabelo nas tmporas e parecia muito entretido na contemplao dos delicados desenhos coloridos que ornavam as louas japonesas da baixela de bordo. No outro topo da mesa, Savil erguia para a vigia os seus olhos escuros em que se reflectia a prpura do poente. Na outra face da ampla banca de jantar sentava-se uma mulher de extraordinria beleza. Tocada pelas ltimas claridades solares, rosto que o cinzel da natureza esculpira com requintes de arte inexcedvel, dir-se-ia mais uma figura de sonho do que um ser vivente. O olhar dessa mulher pousava embevecido no vulto esbelto do principie; havia, porm, uns olhos que no a desfitavam. Eram os de Zaira, a misteriosa beldade oriental, de epiderme sedosa e escura, grandes olhos pretos que longos clios dulcificavam. Havia, porm, nas pupilas de Zaira um estranho fulgor, um misterioso brilho que no se sabia se era alimentado por um sentimento de espanto, se de curiosidade ou de dio. Sentavam-se ainda mesma mesa mais trs convivas, que pareciam apagar-se ofuscados pelo brilho que os outros irradiavam: Beachy, precioso auxiliar do audacioso aventureiro, Mac Koffrey, seu brao direito em tantas e to perigosas faanhas, e Chang, o chins impassvel. Enquanto todos os outros se mostravam impressionados pela beleza mstica daquela hora solene do dia, o chins dava-se ao trabalho paciente e difcil de equilibrar no fundo de um prato vazio outro prato apoiado apenas no rebordo, mantendo-o naquela posio prodigiosa durante longos instantes. Quando, por qualquer imperceptvel oscilao do iate naquele mar de leite, o prato perdia o equilbrio, logo Chang lhe lanava a mo esguia e o forava a nova prova durante largos instantes. E o chins parecia indiferente ao suave entardecer, s preocupaes dos seus companheiros de mesa, beleza helnica de miss Damby, formosura misteriosa de Zaira e suave temperatura que tornava aquele salo num verdadeiro recanto de Paraso. Foi o Prncipe Savil quem violou aquele silncio, dirigindo-se ao comandante. IA que horas conta lanar ferro, Milwankee? Inquiriu ele. Os circunstantes estremeceram ligeiramente, com se, acordando de um sonho que os houvesse levado para muito longe, cassem subitamente na realidade. Chang, abandonando o seu passatempo, pousou sem rudo um prato sobre outro e ergueu para o chefe os olhitos midos e negros como bicho-deconta. E o comandante, passando pelo rosto tostado a sua mo forte, como se

fizesse um esforo para reunir ideias, respondeu, por fim: Devemos fundear s onze e meia da noite. O Prncipe pareceu meditar um pouco sobre esta resposta. Depois, volvendo-se para Chang, pronunciou: Est tudo a postos para o desembarque, creio eu. O chins fez apenas com a cabea um sinal de assentimento. Vais pr prova todos os teus recursos Prosseguiu Savil, aps uma breve pausa. Confio inteiramente no teu triunfo. Ests no Oriente. o meio propcio para a tua maneira de actuar. Ditas estas palavras ergueu-se da mesa. E o seu movimento foi como que o sinal aos restantes para o imitarem. Um criado surgiu, discreto, entrada da sala. -Serve-me o caf no meu gabinete Ordenou-lhe o Prncipe. Encaminhou-se, seguido de Chang, para uma das sadas. Poucos instantes depois encontravam-se ambos comodamente instalados em maples no confortvel gabinete de trabalho do Prncipe. O criado, mal pousando os ps no tapete, entrara a passos abafados, servira o caf e retirarase silencioso, fechando a porta atrs de si. Os dois homens quedaram completamente ss no compartimento, que apenas uma luz velada iluminava. L fora comeava a cair a noite. A prpura que cobria o mar tornara-se num extenso manto violeta, sombrio e triste. Agora, que estamos a dois passos de nos lanarmos nesta aventura, talvez a mais perigosa pelo meio desconhecido em que vou actuar, convm que recapitulemos a histria do diamante disse Savil, depois de ter sorvido dois ou trs goles de aromtico caf. O chins concordou com um movimento de cabea. Sorveu, por sua vez, a sua chvena de caf e, numa voz branda, melflua, proferiu: J lha contara em Nova-York. Repito-a hoje. No se trata de um conto de fadas, como primeira vista parece, mas da mais incontestvel realidade, uma realidade oriental que, aos olhos de europeus e americanos, se afigura sempre deliciosa fantasia. Fez uma pausa. Nos seus olhitos negros perpassou um lampejo frio, magntico, como o que por vezes se nota nas pupilas dos reptis. Savil, soprando o fumo da sua cigarrilha para o teto, no notara a maneira como o chins o olhara. Antes de me fixar nos Estados-Unidos Prosseguiu este viajei, como sabe, um pouco por todo o globo, com as mais diversas profisses e at com as misses mais melindrosas. Durante meia dzia de anos, fazendo parte de caravanas que ainda hoje mantm carreiras comerciais seculares entre a Rssia, a China e a ndia, percorria todos esses pases, que para os brancos no passam de regies de sonho: o Turquesto, a Prsia, a sia-Menor, a Gergia e o Cucaso. As praias do Mar Negro e do Mar Cspio tambm no tm segredos para mim. Certa vez, aps uma viagem de meses, a minha caravana veio acampar numa pequena cidade do Cucaso, onde havia um rico mercador que costumava

pagar-nos por bom preo as mercadorias que trazamos da Monglia. Esse homem, por seu turno, negociava os nossos carregamentos, por fraces, pelos povoados remotos que existem dispersos pelas montanhas. H regies cujos habitantes, vivendo nos recessos das serranias, qusi no tm contacto com o resto do mundo, permanecendo fechados nos seus hbitos milenrios e olhando os estrangeiros com desconfiana e receio. Sempre que visitava aquela cidade e ali descansava da fadiga da viagem durante duas ou trs semanas, senti-me assaltado pela tentao de acompanhar os servos de Petrovitch, o rico mercador, na sua digresso pelas montanhas. Era um mundo desconhecido que me espicaava de curiosidade. Algumas vezes que falei do meu desejo a Petrovitch, um moscovita que ali viera fazer fortuna, ele dissuadia-me com um bom sorriso bonacheiro. No pense nisso dizia-me. Seriam capazes de mat-lo, no por maldade, mas por desconfiana. Aquela gente das montanhas a mais desconfiada do mundo. Aceite o meu conselho: no tente a aventura. prefervel arrostar com o perigo dos bandidos do Turquesto, a que voc est' habituado, a afrontar a desconfiana dos montanheses. E contava-me histrias terrveis de tribos indomveis de certos recantos das Serranias, sobre as quais a autoridade da Rssia no passava de um mito. Essa gente regia-se por leis suas, observava ritos estranhos e cruis, respeitava as clusulas terrveis de um cdigo que, embora de tradio oral, tinha mais fora do que todas as leis escritas dos povos civilizados. Que faria voc dizia-me ele, s vezes, com certa sombra de terror nos olhos se fosse condenado a participar na dana do sabre! Quis saber o que era isso de dana do sabre. Mas Petrovitch limitava-se a dar-me a entender, por gestos de pavor, que era qualquer coisa de horrvel. Nunca me descreveu a dana do sabre. Chang deteve-se um instante. Fez saltar a tampa de uma caixa de bano, que se encontrava na mesinha de charo, onde fora servido o ch, tirou um autntico cigarro turco, que Savil amavelmente lhe acendeu, e prosseguiu: Ora, sucedeu que, de uma outra viagem que fiz atravs do Turquesto Oriental, me encontrei com um Velho trtaro de olhar muito vivo e inteligncia muito lcida. Durante uma noite de inverno, achegados ao lume da grande cozinha da estalagem onde pernoitramos, esse Velho, que era uma pgina viva da histria do mundo, contou-me episdios j perdidas na noite dos tempos. Orgulhava-se o meu interlocutor de ser ainda descendente do grande Gengis Klan, que em princpios do sculo XIII, depois de conquistar a China, Bokhara, Tachkent e o Turquesto, se assenhoreara totalmente da Rssia, trazendo as suas hordas at Europa Central. Falando-lhe eu das minhas repetidas viagens ao Cucaso, o Velho trtaro, com um lampejo no olhar, exclamou: Oh! Quem me dera ter a sua idade e o seu vigor para poder empreender jornada semelhante! Garanto-lhe que havia de trazer de l o grande diamante azul da espada de Gengis Klan! A uma observao minha, o trtaro explicou: Esse diamante azul, que foi roubado h uns setecentos anos dos punhos da espada de Gengis Klan, quando, por morte do grande conquistador, ela passara s mos do filho seu herdeiro, considerado a maior e a mais rara

jia no seu gnero. Vale fortunas. Um sbdito do Velho Gengis Klan roubara-o ao filho deste. Esse diamante d o poder e a invulnerabilidade a quem o possuir. Soube-se que o ladro se refugiara nas montanhas do Cucaso, onde formara uma tribo, que ainda hoje subsiste. de crer que o diamante ainda esteja no Cucaso. Esta notcia que guardei com aparente indiferena no meu ntimo ps-me em alvoroo. Foram as palavras desse trtaro que te impeliram para a tal aventura?... Inquiriu Savil. Sim corroborou o chins. Fiz logo projecto, durante essa mesma jornada, de me apoderar do diamante azul de Gengis Klan. Confesso que no sentiria remorsos em roub-lo, se acaso no o pudesse comprar. Seria muito mais til na minha mo do que na de um brbaro montanhs do Cucaso. O seu valor chegava para suavizar milhares de desgraas murmurou o Prncipe, sonhador. Chang lanou-lhe um olhar furtivo das suas pupilas pequeninas e metlicas. Depois continuou, como se no tivesse ouvido a observao de Savil: Quando, ao cabo dessa viagem, cheguei novamente cidade de Mikovisky, no Cucaso, tratei logo de me avistar com o mercador Petrovitch. Mas no obtive dele mais pormenores que elucidassem sobre a tribo terrvel de que ele me havia falado. Metera-se-me em cabea, depois de juntar mentalmente o que ouvira de Petrovitch e do trtaro, que localizara a tribo onde possivelmente se encontrava o diamante roubado a Gengis Klan. Pedi ento a Petrovitch que me deixasse acompanhar os seus servos s montanhas das cercanias. Queria fazer uma viagem de estudo. O mercador, um pouco desconfiado das minhas intenes, acedeu, no sem mais uma vez me fazer ver o grande perigo que corria em meter-me em tal aventura. Parti na madrugada seguinte. A viagem decorreu bem de comeo. A paisagem rude dos grandes montes de uma beleza forte e impressionante. De longe-em-longe, atravessvamos um povoado, e os habitantes acorriam chegada dos mercadores, que, alm de especiarias, levavam tecidos e rendas, que encantavam as mulheres, e notcias do mundo, que enchiam os homens de admirao. A nossa caravana compunha-se de trs pessoas (comigo quatro) e quatro muares ajoujadas de fardos. Tnhamos que fazer a viagem a p, restando-nos a consolao de que no regresso, j sem carrego, os animais nos trariam no dorso. Os caminhos, medida que nos internvamos por aqueles ddalos, aquelas speras sendas talhadas entre rochas e desfiladeiros, eram cada vez mais difceis, e os povoados mais raros. A minha presena, notei-o, causava desconfianas e retraimentos. Os meus companheiros explicavam que eu era um amigo do patro, mas tais explicaes parece no terem tido grande influncia no nimo daquela gente. Julguei mesmo surpreender alguns olhares de dio. Certo dia, quando trepvamos uma encosta, ao fazermos alto para um breve descanso, Boris, o chefe da caravana, homem dos seus cinquenta anos, severo e duro como uma rocha, disse-me, na sua voz repousada, qusi meiga: Sabes, Chang, a tua

companhia comea a causar-nos embaraos ao negcio. Todos desconfiam de ti. E acrescentava estas palavras de mau-agoiro: E se desconfiam de ti, alguma razo devem ter. A caravana prosseguiu, esse dia, sem mais incidentes. Mas eu notei que a desconfiana invadia os meus prprios companheiros. Olhavam-me de soslaio, cessavam as conversas quando eu me aproximava. No me tratavam com a mesma franqueza do comeo. Principiava a augurar mal aquela aventura. Pensei em retroceder, mas isso seria mostrar um receio talvez mais perigoso e arrostar o perigo de atravessar sozinho, as povoaes onde j tivera acolhimento pouco amvel. Resolvi continuar, sucedesse o que sucedesse. Faltavam apenas trs dias de caminho para chegar ao corao das montanhas, cidade de Minsky, capital de uma regio que era dominada por um tal Nicolau Yegolf, cuja fama irradiava por todo o Cucaso. Era essa regio que eu pretendia alcanar, embora soubesse ser a mais perigosa e a mais selvtica. Os meus companheiros, porm, que no pareciam animados a apoiar os meus intentos, pois logo na noite seguinte me aconteceu um percalo, cujas culpas lhes atribuo. A-pesar-dos nossos esforos, no logrramos alcanar com dia a povoao onde tencionvamos pernoitar. Desde o meio da tarde que caminhvamos em plenos domnios de Yegolf, o terrvel chefe da tribo caucasiana, de quem Petrovitch me falara sempre com terror. Marchvamos cautelosamente, por entre desfiladeiros terrveis. A escurido mal deixava entrever uns palmos adiante do nariz. Cada homem seguia ilharga de um animal, embora as muares, guiadas pelo seu instinto, avanassem com mais segurana do que ns. De sbito, ao atravessarmos um desfiladeiro, soou na escurido um grito terrvel, que ainda hoje no sei se era de homem, se de fera. Sei que a mula que seguia a meu lado assustou-se e saltou, dando-me um forte encontro de surpresa, e rolei pelo despenhadeiro. Uns arbustos ainda me detiveram, por instantes, na queda; o meu peso, porm, arrancou-os e eu resvalei, numa velocidade louca. E ca de uma altura enorme. Quedei sem acordo. Chang calou-se um momento. Depois ciciou numa voz adocicada: Preferia tomar agora um pouco de ch. O caf no o meu fraco.... Savil fez soar um gong e, ao criado, que prontamente acorreu, ordenou: Serve-nos ch. E dize a Messrs. Mac Koffrey e Beachy que podem entrar. No estamos a falar em segredo. Os dois colaboradores do Prncipe no tardaram, acomodando-se em maples para ouvir, pela primeira vez, a grande aventura de Chang nas montanhas do Cucaso. O chins, depois de alguns goles de ch sua bebida preferida Prosseguiu em sua vozita discreta, narrando sempre com a mesma inflexo os acontecimentos felizes ou os adversos. III Entre gente estranha. Teodsia Yegolf.

Uma ave de mau-agoiro. Informaes lacnicas. No corao das montanhas. Em poder de Yegolf. Mac Koffrey e Beachy sabiam que aquele misterioso cruzeiro obedecia a uma sugesto de Chang, mas no faziam a mais pequena ideia que espcie de aventura seu amo iria empreender assim to longe do continente americano. Foi, pois, com a mais viva curiosidade que se dispuseram a escutar o estranho chins, que, com sua subtileza oriental, tantos e inestimveis servios j havia prestado ao Prncipe Savil. Quando despertei, j era dia claro disse Chang, prosseguindo na sua narrativa. Calculei que estivesse toda a noite sem sentidos no fundo do precipcio. Tinha o corpo muito modo, como se me tivessem dado uma tareia, e s a muito custo consegui reunir ideias e recordar-me do que me acontecera. Abrira os olhos, mas a forte claridade do dia obrigara-me a fech-los de novo. Sentia-me bem naquela meia inconscincia, espcie de transio entre o sonho e a realidade. Ao abrir novamente os olhos, apercebi-me de que uns vultos se moviam minha volta. Como estava deitado de dorso no solo, pareciam eles uns gigantes ou uns animais monstruosos, contribuindo para esta minha impresso o facto de aqueles indivduos envergarem trajos talhados em pele de urso pardo, que abunda naquelas regies. E a minha surpresa aumentou quando um dos vultos me falou num dialeto russo, em que reconheci muitas palavras chinesas, j em desuso, e numa voz muito fresca e cristalina de donzela. Compreendi ento tratar-se de uma mulher muito jovem ainda e bonita, pois fixei no seu rosto o meu olhar incerto. Acompanhavam-na homens rudes e fortes, qusi todos barbudos, que se lhe dirigiam em atitude deferente. Como conheo os dialetos e idiomas daquelas regies, que atravessara durante anos, no me foi difcil compreender o que a jovem me dizia. Perguntava-me apenas se me sentia melhor. Respondi-lhe afirmativamente e tentei erguer-me. As foras, porm, traam-me. No consegui mover-me do local onde me encontrava estirado. Ento, a uma ordem dela, aproximaram-se de mim dois homens robustos, que me ergueram do solo com tanta facilidade como se pegassem numa criana. Amparado a eles, dei alguns passos. Mas a minha marcha era muito vagarosa, pelo que resolveram transportar-me aos ombros numa espcie de maca improvisada com dois varapaus e uma larga manta. Para onde me levavam? Quem era aquela gente? Que destino seria o meu? Eram estas as Perguntas que atormentavam o meu esprito. Calou-se o chins, tomou a chvena de porcelana e bebeu lentamente alguns sorvos de ch. Mac Koffrey e Beachy entreolharam-se. Savil aproveitou a pausa para comentar: Se se escrevesse um livro com essa narrativa, ningum a tomaria por verdadeira. E no entanto a mais pura realidade acrescentou Chang. Eu no

tenho, alis, nem um cntimo de imaginao. Georges Cooper, se conhecesse esta aventura, no escreveria o argumento dos gangsters, que lhe ia custando a vida; escreveria o argumento do Cucaso, que o imortalizaria. Conta-nos o resto Ordenou o Prncipe. O tempo no abunda. Milwankee aproxima-se de terra. Chang pousou a chvena e retomou o fio sua histria. Em breve, depois de descermos a encosta ngreme, penetrmos numa floresta densa. A mulher que me falara, caminhava na frente daquela estranha caravana, seguida dos quatro homens que me transportavam na maca. Na cauda vinham seis homens armados de carabina e longas espadas. Todos envergavam trajos de pele e turbantes altos e felpudos, como os mujicks russos. Calavam botas altas, vulgares em terras eslavas. No tardou que desembocssemos numa clareira. Soaram trombetas de caa. E eu vi moverem-se na minha frente vrios outros homens, igualmente vestidos e armados, que saudavam os que chegavam com exclamaes guturais. A jovem era tratada com o respeito que se deve a uma rainha. Pousaram ento a minha maca, com muito cuidado, sobre a relva fofa da clareira e afastaram-se. curioso notar que, durante todo o trajecto, no trocaram comigo uma nica palavra. E logo que chegaram clareira, onde eram, decerto, aguardados por aqueles que os saudaram to solenemente, a jovem manteve aparte com um homem alto e membrudo, de grandes barbas patriarcais, um animado concilibulo. Vi ento que acendiam lume e preparavam uma refeio. Trouxeram-me um pedao de carne assada no espeto e ch. Devorei com apetite. Ao portador do meu quinho quis arrancar algumas informaes. Perguntei-lhe a que povo pertencia. No me volveu resposta. Julguei que no me entendesse e inquiri em russo se me entendia. Limitou-se a acenar afirmativamente com a cabea. Mais contente, Perguntei-lhe: Que dama esta que se mostrou to caridosa para comigo?. Olhou-me com espanto da minha ignorncia e respondeu, como se se tratasse de coisa sabida em todo o mundo: Feodsia Yegolef. Este nome trouxe-me memria o nome que Petrovitch, o mercador de Mikovisky, pronunciava sempre com um frmito de terror: Nicolau Yegolef. Embora o homem se tivesse afastado, sem me dar mais informes, aquele nome Feodsia Yegolef quedara no meu crebro como um ponto de luz a brilhar na obscuridade da minha ignorncia. Aquela mulher era, decerto, uma parente muito prxima do terrvel chefe da mais rude tribo caucasiana, precisamente a que constitua o objectivo da minha viagem. Compreendi que tinha de usar de toda a prudncia no trato daquela gente. Estava perfeitamente sua merc, sem recomendao nem apoio de algum que me protegesse junto daqueles selvagens. Parecia-me, no entanto, de bom augrio a humanidade com que me tratavam. Acaso teria eu cado nas boas-graas de Feodsia? Seria ela mulher ou filha de Nicolau? Resolvi aguardar pacientemente os acontecimentos. Cerca de uma hora depois de termos chegado clareira, o numeroso grupo pusera-se em marcha. Voltamos a embrenhar-nos na floresta, que subia e

descia conforme o acidentado das montanhas. Aqueles homens no proferiam seno uma ou outra palavra, de longe-em-longe. Feodsia mantinha-se cabea daquele estranho destacamento, marchando a passo largo e seguro, como um homem. Tudo nela denotava deciso, energia, certamente adquiridas no exerccio do comando e no rude contacto com a Natureza. Apenas uma vez, durante a marcha, a vi deter-se um curto instante para elevar a carabina c disparar. Ouviu-se uma detonao e logo em seguida um corvo caiu a alguns passos ferido de morte. Um homem da escolta afastou o cadver da ave com a ponta da espada recurva e no a apanhou. Soube mais tarde que o corvo era considerado por toda a tribo, um animal portador de maus pressgios. uma superstio muito generalizada lembrou Savil. Confesso que no bicho da minha predileco confessou Mac Koffrey, enchendo o seu cachimbo. Talvez os caucasianos tenham razo na sua crena acrescentou Beachy, em ar pensativo. O resto da tarde decorreu sem percalo continuou Chang. noitinha, acampamos na orla da floresta. No havia mais rvores. Na nossa frente, erguia-se qusi a pique uma montanha, cujas cristas nevadas, l numa altura estonteante, brilhavam tocadas pelos ltimos raios do sol. De novo a carne rechinou ao lume, espalhando na atmosfera serena de fins de outono um perfume aliciante. Com a mesma discrio, voltaram a servir-me o quinho que me pertencia, dando-me a beber o ch a bebida que eu mais aprecio. Aproveitei o ensejo para Perguntar ao portador da refeio se ainda faltava muito para chegarmos ao fim da jornada. O homem olhou para o alto da montanha, como se quisesse medir, de relance, a distncia a percorrer, e respondeu: Trs horas. No consegui obter mais do que esta informao lacnica. Efectivamente, engolida a refeio, o destacamento meteu-se de novo a caminho. O percurso era mais difcil e fazia lembrar o que fizera na companhia dos servos de Petrovitch, at que me despenhei no precipcio. Subia-se sempre, atravs de estreitas gargantas, verdadeiras fendas abertas nas altas muralhas de basalto, ladeando precipcios sem fundo, qusi rastejando ao longo de paredes, servindo-nos de passagem acanhados degraus. Eu perguntava a mim mesmo como logravam transportar-me na maca por sendas to estreitas. Temia a cada passo que me deixassem cair nos abismos que se cavavam a nossos ps. Mas aqueles montanheses pareciam ter garras nas altas botas de couro. Apenas alumiados por archotes resinosos, que espalhavam em redor uma claridade hesitante e avermelhada, marchavam a passo to cadenciado como se percorressem uma liza pista de corridas. A medida que subamos, o frio ia-se tornando mais intenso. A temperatura devia ter descido alguns graus abaixo de zero. Notavam-se nas ngremes encostas manchas nevadas que, luz dos archotes, brilhavam num claro sangrento. Uma lua muito plida e fria surgiu por sobre os mais altos picos, e o estranho panorama, formado por sucesses de cristas nevadas, em contrastes

de branco-leitoso e negro-profundo, metia respeito. Calculo que seria mais de meia-noite quando avistamos num largo recncavo da serrania uma povoao. Era um aglomerado de choupanas acachapadas l em baixo, com os telhados de colmo cobertos de neve. Entramos ento num piso mais suave, que nos conduziu, em brando declive, at ao povoado. Ignorava-se ali a iluminao pblica. A lua, porm, desempenhava-se dessa misso oficial, banhando em cheio uma larga praa, onde o destacamento fez alto. Tornei a Perguntar a mim mesmo que destino me dariam. O comandante daquela gente conferenciou com Fedosia. Supus que fosse a meu respeito, porque em seguida aproximou-se arrastando a longa espada e deu uma ordem breve aos maqueiros. Estes puseram-se em marcha, meteram-se por uma ruela estreita e soturna e, depois de algumas voltas e contravoltas no labirinto dos arruamentos, detiveram-se junto de uma porta, que abriram com um pontap. Estava no interior de um lar que mal distinguia, devido pouca claridade de um lampio que pendia de uma trave no teto e ao fumo que enchia toda a casa. Dois vultos moveram-se l dentro. Eram: um Velho de longa barba branca e uma velha muito enrugada e sem dentes. Um dos maqueiros falou ao Velho, que o escutou mui atento, mas eu, por mais que apurasse o ouvido, nada percebi daquele dialeto muito serrado, proferido entre dentes. Depuseram em seguida a maca no cho, junto da chamin, onde ardia um lume brando, e retiraram-se. Os Velhos sumiram-se ao fundo da casa, noutro compartimento, cuja porta eu mal entrevia na sombra. Fez-se silncio. L fora, de quando-em-quando, latia um co. Pela madrugada levantara-se vento que gemia angustiosamente. A quentura da lareira, porm, qusi fazia de mim um ente feliz, a despeito da incerteza do meu destino. Estava na cidade de Minsky, a capital dos domnios do feroz Yegolf. Era aquele ponto que eu queria atingir, confiado nos servos de Petrovitch. Que seria feito deles? Julgar-me-iam esfarelado no fundo do abismo? J teriam chegado, por sua vez, a Minsky? Saberiam que o incidente no me vitimara e que, por milagre, completara a viagem mais facilmente do que a iniciara. Estas preocupaes bailaram-me no crebro durante qusi toda a noite, pois nunca lograra conciliar um sono profundo. Ao romper da manh, o Velho, que eu entrevira ao chegar quela casa, surgiu subitamente na minha presena e pronunciou lentamente, para que o entendia bem: Estrangeiro, experimenta levantar-te, porque Nicolau Yegolf, nosso amo, deseja ver-te! No restava a menor dvida: estava em poder de Yegolf, o Terrvel, cuja ferocidade tinha fama, em todo o Cucaso. IV No palcio de Nicolau Yegolf. Perante o chefe da tribo. Espectativa. Os aposentos de Chang. Apreenses. Um jantar na corte de Minsky. Um dilogo animador.

A narrativa de Chang prendia os ouvintes como um conto fantstico. Uma histria de fadas no manteria meninos mais quietos e atentos do que se encontravam, esta noite, o Prncipe Savil, Mac Koffrey e Beachy. O chins parecia tomar gosto s suas prprias palavras. Ele, que habitualmente no proferia em cada vinte e quatro horas mais de meia-dzia de frases, no se poupava a esforos, chegando mesmo a esbanjar os termos de que era ento avaro, para dar aos seus companheiros a ntida impresso da realidade dos factos. Pouco habituado a falar por muito tempo, tivera necessidade de descansar uns momentos, beberricando ch e fumando mais um turco, ante a impacincia de Mac Koffrey e Beachy, que ignoravam totalmente aquela aventura do chins. Olhavam-no com curiosidade, como se ele fosse uma daquelas caixinhas orientais, que tm dentro umas das outras mais caixinhas, sempre mais caixinhas, em inesgotvel profuso. No podendo conter por mais tempo a sua impacincia, Beachy Perguntou: E sempre conseguiu ir presena de Yegolf? Chang respondeu afirmativamente com a cabea, deu ainda algumas fumaas e pronunciou: Embora me sentisse ainda muito alquebrado, reuni todas as minhas foras e ergui-me da maca. Tinha pressa em restabelecer-me, a-fim-de estar pronto para qualquer eventualidade. No sabia se me encaminhava para o perigo, se para a felicidade. Lembrava-me de que estava na regio onde possivelmente se ocultava o valioso diamante azul de Gengis Khan. Que probabilidade teria eu de apossar-me dessa jia de preo inestimvel? Sabia tambm que os servos de Petrovitch haviam de visitar aquela povoao. Corria o risco de encontr-los. Eu estava convencido de que a minha queda no precipcio fora uma manobra deles para se verem livres de mim. Se me encontrassem vivo nos domnios do terrvel Yegolf, seriam muito capazes de me intrigarem junto do chefe da tribo por forma a criarem-me embaraos. Foi sob o peso destas preocupaes que me arrastei pelas ruas miserveis da cidade de Minsky at residncia de Yegolf. O palcio real era um edifcio de pedra e madeira, coberto de colmo, um pouco menos miservel na aparncia e mais avantajado do que as outras edificaes. Erguia-se numa praa larga, e uma ampla escadaria de pedra dava acesso entrada principal. C fora passeava uma sentinela de espingarda a tiracolo e espada ao ombro. O Velho que me acompanhava tinha uma longa barba branca que lhe cobria o peito e parecia pessoa de importncia, porque os homens que encontrvamos o saudavam militarmente. Subi, conforme pude, as escadas do palcio, estudando mentalmente o que havia de dizer ao soberano daquele pas estranho. O interior do palcio era muito mais rico do que o exterior. Amplas salas assoalhadas, mveis muito antigos mas talhados em madeiras ricas, tapearias raras da Prsia e da Babilnia, constituam o seu recheio, que, confesso, me encheu de surpresa. Um lacaio de aspecto marcial introduziu-nos numa sala, de cujas paredes pendiam dois amplos quadros j qusi sumidos pelo tempo, que representavam: um, a

ascenso de Jesus, pelo que depreendi que Yegolf talvez fosse cristo; outro, uma batalha antiga, que confirmou uma tradio militar que eu vinha surpreendendo minha volta. No demorou muito que o lacaio surgisse de novo e com um simples aceno nos convidasse a segui-lo. Vais presena do nosso amo disseme o Velho a meia-voz. Enchi-me de coragem e segui-los. Percorremos um corredor e entramos numa grande sala, iluminada por uma claridade muito discreta. Ao fundo, numa cadeira, sobre um estrado, sentava-se um homem forte, de barba grisalha, gorro branco, envolto numa grande pele alva de urso da Sibria. Era Nicolau Yegolf, o Terrvel. O Velho dobrou um joelho e curvou-se numa reverncia profunda. Imiteio. Depois avanou para o trono. Segui-o. E s ento notei que de um lado e outro havia outros homens de espada nua, envoltos em peles de urso pardo, hirtos como esttuas. Compreendi nesse momento que a tribo de Yegolf era qualquer coisa de mais importante do que eu supunha. Chegado ao primeiro degrau do estrado que servia de trono, o Velho deteve-se. Detive-me tambm. Yegolf fitava em mim o seu olhar agudo cheio de curiosidade. Pude examin-lo com ateno. Era um homem robusto, dos seus cinquenta anos, barba grisalha, longo bigode pendente aos cantos da boca, olhitos negros ligeiramente oblquos, a denunciar talvez uma remota ascendncia monglica. O solene silncio que pesava na sala foi quebrado pela voz brusca do soberano que se dirigiu ao Velho: Peter, Pergunta a esse homem se compreende bem a nossa lngua. Apressei-me a responder: Compreendo perfeitamente, grande Nicolau Yegolf. Este franziu o sobrolho e eu receei-me de ter cometido uma imprudncia. Olhou-me demoradamente, depois falou-me assim: Minha filha contou-me que te encontrou cado no fundo de um precipcio, quando regressava de uma cidade dos meus domnios. Que vinhas fazer, a este reino?. A Pergunta era embaraosa, mas eu no podia hesitar na resposta. Vinha ver-te e falar-te, Nicolau Yegolf Retorqui prontamente. Que me queres tu? Outra Pergunta embaraosa, para a qual improvisei esta resposta inspirada: Dizer-te o que li sobre o teu destino nas estrelas que consultei demoradamente. O efeito produzido pelas minhas palavras foi muito alm do que eu calculara. Yegolf, colhido de surpresa, debruava-se todo para a frente, como se quisesse devorar-me com os olhos; o Velho volveu para mim o seu rosto encarquilhado cheio de espanto; e os homens da guarda, quebrando a rgida disciplina, estremeceram, deixaram de fitar um ponto no vcuo para descer sobre mim o seu olhar pleno de assombro. s adivinho? Pronunciou, por fim, o chefe da tribo. Leio nos astros o destino dos homens Respondi serenamente, apercebendo-me de que poderia, com certa habilidade, criar uma situao de prestgio naquele ambiente impregnado de desconfiana. Compreendi que os propsitos de Nicolau Yegolf a meu respeito, se acaso j havia formado, ficaram profundamente abalados pelo que acabara de escutar. Circunvagou o olhar numa atitude cismtica. Depois pronunciou, na sua

voz brusca, que no admitia rplicas: Ficars hospedado no meu palcio. Quero ouvir-te a ss e demoradamente, para saber at que ponto as tuas palavras correspondem verdade. Ergueu-se do longo cadeiro em que repousava, e o seu movimento foi o sinal da retirada. Verguei o joelho e sa acompanhado pelo Velho que me levara. Voltamos sala de espera. Ali, o Velho, que sabia chamar-se Ivan, pois fora assim que o amo o tratara, despediu-se apertando-me a mo com deferncia, ao mesmo tempo que me dizia: Se a tua cincia dos astros no engana, quero ouvir-te sobre o destino de meu filho Alexandre, que me trs apreensivo. Poucos momentos fiquei s no salo. Instantes depois o lacaio procuravame para que o acompanhasse aos aposentos que me destinavam. Era um quarto vasto e confortvel, mobilado antiga, cuja janela deitava para a vasta praa fronteira do palcio. Tudo minha volta era antiquado e eu tinha a impresso de ter regressado ao tempo da Idade-Mdia europeia, que conhecia de leitura e de estampas. Entretanto, um problema me preocupava: como provaria eu que a minha cincia dos astros era infalvel? certo que eu aprendera alguma coisa de astrologia, mas no tinha suficiente confiana em mim para traar um horscopo, para o qual, alis, naquele desterro, me faltavam livros auxiliares. Tinha que confiar-me minha boa estrela e minha perspiccia. Cerca do meio-dia, o lacaio veio avisar-me de que o soberano me esperava para o jantar. Dava-me a honra de tomar as refeies mesa real, como hspede de qualidade. A notcia agradou-me. Colocavam-me numa altura de que no devia cair. Arrastei-me para o austero salo de jantar. Yegolf e a filha estavam mesa. Noutro topo sentava-se uma personagem, na qual reconheci o comandante da escolta que me transportara para Minsky. Havia em frente do comandante um lugar vago. Compreendi que era o meu e ocupei-o. A comida era bastante tragvel, sobretudo para quem estava, como eu, habituado s mais variadas culinrias de todo o Oriente, desde o simples arroz chins aos terrveis picantes indostnicos. O comeo da refeio, servida por dois criados hirsutos, decorreu num profundo silncio, que talvez a minha presena ditasse. Achei conveniente manter-me calado at que o soberano desse o exemplo de uma conversao. Foi ele, efectivamente, quem rompeu o silncio, dizendo: Estranhei bastante a tua lembrana de vires procurar-me aos meus domnios. Como te transportaste at ao local onde te encontraram?. Atravessoume de sbito a ideia de aproveitar o ensejo para me prevenir contra uma possvel intriga dos servos de Petrovitch, por isso contei uma histria em parte verdadeira e em parte fantstica. Disse-lhe que era astrlogo e vivia habitualmente no Turquesto Oriental. Um dia, a meio das minhas observaes dos astros, descobri a estrela de um homem poderoso que vivia nas montanhas. Procurei a ascendncia desse soberano e fui encontr-la no grande conquistador Gengis Khan, que setecentos anos antes fundara um grande imprio, vindo com suas hordas guerreiras desde o fundo do Oriente at qusi ao extremo ocidental da

Europa. Um grande general de Gengis Khan, proclamando-se independente, fundara nas montanhas do Cucaso um reino duradouro e feliz. E a essa dinastia pertences tu, Nicolau Yegolf. A satisfao que as minhas palavras lhe davam transpareceu no seu rosto. Compreendi que os meus crditos melhoravam. Urgia consolid-los, e ajuntei, insinuando: Para a felicidade desta dinastia contribuiu um facto que no ouso revelar seno a ti, Yegolf, longe de outras testemunhas. Ele lanou-me um olhar de inteligncia e pronunciou: Falaremos depois de jantar desses assuntos mais melindrosos. Conta-me como chegaste ao meu reino. Fiz-lhe a vontade, inventando uma histria menos mal urdida. Viera a Mikowishy onde me relacionara com Petrovitch: (Ao pronunciar este nome, notei em Nicolau Yegolf um sorriso mau). Fazendo-me passar por mercador, pedi ao rico negociante que me deixasse acompanhar os seus servos at Minsky. Petrovitch acedera de m vontade e eu partira sabendo que os servos tinham ordem de desembaraar-se de mim a meio do caminho. Consultando as estrelas soube que seria vtima de uma emboscada preparada por Petrovitch, mas sabia que havia de escapar e chegar presena do soberano. Por isso no hesitara em aventurar-me na companhia dos servos de Petrovitch. Adivinhei ento disse que Petrovitch quisera em tempos furtar-te um precioso talism e que tu o maltrataras. O soberano, acudiu em alvoroo: Falam verdade as tuas estrelas. Petrovitch foi mandado aoitar por mim. Tive a fraqueza de deix-lo escapar com vida, pois o seu crime merecia castigo de morte. Intimamente satisfeito por ter acertado nas minhas dedues, completei o meu relato fantstico, dizendo que tudo me sucedera, como tinha previsto, e a prova estava na minha presena, ali, sua mesa, recebido com a galhardia tradicional dos Yegolfs. O chefe da tribo estava contente e eu no estava menos. Percebi que ardia em curiosidade por ouvir-me a ss. Mal terminou o jantar, que ali ainda se tomava ao meio-dia, e no noite como nos pases civilizados, Yegolf levantouse apressado e disse-me: Acompanha-me, astrlogo, quero escutar-te sem testemunhas. Creio que poders ajudar-me a resolver vrios problemas que muito me preocupam. Segui-o, com o corao em sobressalto. Sabia que uma imprudncia poderia inutilizar todo o trabalho que vinha realizando com tanta habilidade. Aqui, o chins abriu uma larga pausa, como se quisesse disfrutar a visvel impacincia dos circunstantes. L fora apenas se ouvia o marulhar das guas, que o iate ia cortando com rumo desconhecido. V As insinuaes ardilosas de Chang. O segredo de Petrovitch. Uma vtima da dana do sabre. Uma ideia diablica de Chang. A fortuna ou a morte. Chang lograra empolgar os seus ouvintes. Com excepo do Prncipe Savil, os outros ignoravam o desfecho daquela extraordinria aventura. Por isso

se sentiam impacientes por que ele chegasse ao fim da narrativa. O chins recomeou-a ento na sua voz pausada, sem altos nem baixos, ferindo sempre a mesma nota. Mas a histria era to cativante que os companheiros de Savil esqueciam a pouca eloquncia do narrador. Nicolau Yegolf, aps a refeio, foi isolar-se comigo num pequeno compartimento mais propcio a confidncias. Eu notei com surpresa que o caucasiano se estirava numa espcie de triclnio romano, mvel muito Velho que, se falasse, talvez pudesse esclarecer muitos pontos obscuros da Histria. Agora, podes falar vontade disse ele, acomodando-se no Velho leito, cuja origem ele decerto ignorava. Chang compreendeu que chegara o momento em que devia falar com muito tacto, no se abalanando a afirmaes que comprometessem a confiana que aquele rude soberano das montanhas principiava a ter na sua cincia dos astros. Quando h pouco aludi discretamente a qualquer coisa que trouxe aos teus antepassados a benevolncia das foras ocultas que governam no destino dos homens disse Chang, dando-se ares de grande circunspeco e profunda sabedoria falava apenas para a tua inteligncia, Yegolf. Tu sabes o que eu queria dizer por meias palavras... Sim Pronunciou Yegolf, desvanecido por aquela aluso sua inteligncia. Referias-te ao diamante azul que protege minha famlia. Exactamente! Exclamou contente o astuto chins por obter, por forma to subtil, a confirmao de que o diamante azul de Gengis Khan se encontrava na mo de Yegolf. Era precisamente o que ele calculara. Adivinhaste tambm o motivo por que me zanguei com Petrovitch... Insinuou o chefe caucasiano. Chang fez com a cabea um sinal afirmativo. Supunha que fora por causa do diamante, mas, como no tinha a certeza, no se arriscou a uma afirmao concreta. Ensaiou percorrer outro caminho, que o conduzisse a melhores resultados. Eu sei disse ele em tom misterioso que esse talism tem sido atravs dos sculos o protector do teu pas. A ele se deve a segurana e a estabilidade do trono. No te parece, no entanto, Nicolau Yegolf, que certos factos estranhos se tm passado na tua vida, de molde a fazer crer mais na influncia malfica dessa jia do que na sua proteco benfica? O chefe da tribo permaneceu um longo instante silencioso. Dir-se-ia passar mentalmente em revista os acontecimentos da sua vida que pudessem ter sofrido a influncia nefasta de alguma fora oculta. Chang arriscou ento um passo temerrio. A que atribuis a perda de tua mulher? Perguntou. O semblante de Yegolf carregou-se subitamente. Realmente confessou, por fim a sua morte quedou misteriosa. Dirse-ia ter sido fulminada por uma fora desconhecida. Era jovem, Sadia. Uma dor

sbita no peito, umas golfadas de sangue e, em menos de trs semanas, morria, magra, esqueltica, sem se compreender como nem porqu. Chang pisava bom terreno. Ia obtendo com meias afirmaes pormenores que nunca poderia adivinhar. A tens um facto que tu, s por ti, nunca poders explicar e que me apareceu claro no dia em que descobri a tua estrela disse o chins. Para te prevenir dos perigos que corres, vim l do fundo do Turquesto. Achas que corro perigo? Perguntou Yegolf, com um olhar de desconfiana. Sim Respondeu o chins, sem hesitaes. Uma evasiva naquele momento poderia ser-lhe fatal. Notou que Yegolf parecia agora interessado em desviar o rumo da conversa, certamente no intuito de meditar um pouco sobre o que acabava de ouvir. Escuta disse ele. A que atribuis o empenho de Petrovitch desviarte do meu caminho? Porque calculava que eu vinha prestar-te valiosos servios Replicou Chang, com prontido. E como te odeia, impedindo-me que eu chegasse a avistar-te, contribua indirectamente para a tua perdio. O canalha!... Rosnou Yegolf. Ele no te contou que pretendia enganar-me para se apossar do diamante azul? No, mas eu adivinhei-o disse Chang, muito grave. At aludi discretamente a esse facto durante a nossa refeio, lembraste? Lembro-me. Foi realmente como tu adivinhaste confirmou o chefe da tribo. Mas ele ignorava que esse diamante s pode sair das mos da nossa famlia quando conquistado fora de espada numa cerimnia a que ns chamamos a dana do sabre. Petrovitch teve ocasio de assistir a uma cerimnia dessas... Chang escutava Yegolf com grande interesse. Lembrava-se do terror com que Petrovitch falava na dana do sabre e ansiava por saber do que se tratava; por isso incitava Sobano a falar, sem que ele o notasse. Petrovitch ainda hoje treme de pavor quando se lembra da dana do sabre disse ele. Contou-te? Perguntou Yegolf, interessado. No, adivinhei eu o seu terror. No vs que eu fiz em sua presena uma demonstrao sria dessa cerimnia contou Yegolf. Quis a minha pouca sorte que, pela primeira vez na histria da minha famlia, o herdeiro do trono fosse uma mulher: minha filha Fodosia. Considero isso uma verdadeira desgraa. A morte sbita de minha mulher impediu que nascesse um varo que herdasse a minha coroa. Assim, por minha morte, ser Fodosia a soberana. Isto enche-me de desgostos e apreenses sobre o futuro. A minha espada, com o talism, passar para as mos da minha filha. Ela mulher e, embora eu a educasse nas artes de guerra e se mostre decidida e valente, sempre mulher e, portanto, sujeita a paixes, fraquezas e at a ser vencida espada por algum que cobice o diamante. que

o vencedor fica com o direito de guardar o diamante para si. At hoje, atravs dos tempos, nunca um Yegolf se deixou vencer na dana do sabre e o talism conservou-se sempre na nossa famlia. Um sbdito meu, alis, de alta estirpe, alimentava a ambio de sentar-se no meu trono, mas sem arriscar a pele, compreendes? Pediu-me Fodosia em casamento. O plano era bem urdido e no oferecia risco.' Eu morria, e ele ocupava comodamente o meu lugar... Coincidiu a minha descoberta deste plano com a presena de Petrovitch em Minsky. Um dia, depois de grandes rodeios, props-me comprar o diamante por um preo fabuloso: carregamentos de sedas da China, especiarias da ndia, nardo persa, um mundo de objectos valiosos. Ri-me nas barbas dele. Eu no era to nscio que fosse vender-lhe um talism que, uma vez perdido, me traria as maiores desgraas e me impediria de gozar o que ele me oferecia em troca. Expliquei-lhe que s havia uma forma de ele me arrancar o diamante: vencendome na dana do sabre. E como ele ignorasse que espcie de bailado era esse, uma noite mandei chamar o pretendente mo de Fodosia e disse-lhe: Casar com minha filha equivale a apoderar-se do diamante azul. Ora, como este precioso dote da coroa no pode ser obtido seno pela violncia, ficas intimado a disput-lo hoje na dana do sabre na presena da corte. O pobre fidalgo experimentou a lmina da espada que pretendia conquistar. Varei-lhe o corao. Perdeu o diamante, a vida e a mo de minha filha, perdeu tudo... Petrovitch assistia a esta cena de olho espavorido. Yegolf sentia um grande prazer em contar este episdio sangrento. Chang bebia-lhe as palavras para melhor se orientar no seu ataque. Levado que foi o cadver do fidalgo Prosseguiu o fero soberano voltei-me para Petrovitch e disse-lhe:' assim que se conquista o diamante azul. O patife calou-se. Comeou a ruminar outro plano. Conservou-se ainda uns dias em Minsky at que, uma manh, depois de uma despedida muito cordial, abalou, alegando que o chamavam os seus negcios em Mikowshy. Partiu. A meio da tarde, assaltado por um sbito pressentimento, fui procurar a minha espada e verifiquei que lhe faltava o diamante azul. Ia endoidecendo de furor. Ordenei a minha filha: Parte a toda a brida com uma escolta e traz-me esse vilo pelas orelhas. No dia seguinte, Fodosia trazia-me o ladro. Hsde bailar fora na dana do sabre! Gritei-lhe eu, enfurecido. Mandei que lhe dessem uma espada para se bater comigo. Mas no houve forma de manter aquele cobarde de p na minha frente. Arrojou a espada para longe e lanou-se no cho a chorar. No podia bater-me com aquele trapo. Arredei-o do meu caminho com um pontap e ordenei que o aoitassem e o mandassem embora. Nem merecia a morte, aquele vilo... Depois, passado o furor, quando recordo este episdio, acho-lhe graa. Ele ainda manda aqui os seus servos fazer negcio e, como no h outro mercador nas proximidades, vou-lhe dando algum dinheiro a ganhar. Foi muito proveitoso para Chang o relato que Yegolf lhe fizera. Compreendeu que, para se apoderar do diamante azul, teria que bater-se espada com aquela fera. Ocultou o seu desnimo. Depois do que ouvira, no

pensava seno em abandonar o mais depressa possvel aquela terra, sem levantar suspeitas. Uma ideia diablica, porm, f-lo traar, num relmpago, um novo plano. Com ar compungido pronunciou: O que acabas de me contar, Yegolf, confirma e esclarece o que eu surpreendera na estrela do teu destino. O teu diamante , na terra, a rplica do teu astro. Proteger-te- enquanto o teu astro brilhar. Mas preciso que tenhas coragem para escutar esta notcia funesta: o astro da tua famlia comea a apagar-se. A morte da tua mulher, a falta de um filho varo e outros desgostos que veem atormentando a tua vida indicam que, perdendo a sua influncia, o diamante se transforma pouco a pouco num objecto sinistro que s atrair sobre ti e os teus os maiores perigos. Nicolau Yegolf levantava-se de repelo, com o olhar incendido, e bradara: Que dizes?! Queres enganar-me? Digo-te que, se me oferecesses o diamante, recus-lo-ia, com o mesmo receio e repugnncia com que se repele um veneno! Nicolau Yegolf deu alguns passos sacudidos pelo compartimento. Era preso de um nervosismo enorme, suas mos enclavinhavam-se no cinturo de couro, a respirao saa-lhe ruidosa por entre os dentes cerrados. Chang chegou a recear pela sua segurana. Arrependia-se de ter ido to longe no seu diablico plano. Yegolf cara, por fim, abatido no triclnio. Parecia acabrunhado por uma grande dor. Mansamente, Chang deu-lhe um pouco de alento. No te deixes vencer pelo desnimo disse-lhe em tom confidencial. Sabes que no minto. Dei-te provas da minha cincia. Afiano-te que poders abandonar sem receio essa pedra preciosa, que hoje a pedra da desgraa, porque eu procurarei no firmamento o novo astro que te proteger e acharei na terra o talism que o represente: TU s capaz do que afirmas, homem adivinho? Se no fosse, no vinha de to longe procurar-te. E que recompensa me pedes? Inquiriu o soberano. O diamante azul... Hein?! Bradou Yegolf, num novo acesso de furor, que uma suspeita ateara. Sossega tornou, fleumtico, o chins. Quero a pedra para a reduzir a p no meu laboratrio do Turquesto. Depois restituir-te-ei o p e com ele poders fulminar os teus inimigos por mais poderosos que sejam. Deixa-me meditar sobre as tuas palavras disse Yegolf. E com um gesto despediu-o. Chang saiu. Da meditao de Yegolf ia resultar a sua fortuna Ou a sua morte. VI As apreenses do chins. Uma importante personagem da corte. Mau encontro.

Corao em sobressalto. Uma rstia de esperana. Proposta embaraosa. Perigo iminente. Honraria sinistra. O chins dirigiu-se ao seu aposento, cheio de apreenses. Que deciso iria tomar Nicolau Yegolf? Desconfiaria dos seus intentos e mand-lo-ia matar como a um co tinhoso? Seria capaz de for-lo a bater-se num duelo terrvel, na clebre dana do sabre em que fatalmente viria a encontrar a morte? S, naquele vasto aposento, frio, cercado de mveis muito antigos que s lhe falavam do passado, de coisas mortas que pareciam pairar sua volta como espectros subtis, Chang perdia cada vez mais as esperanas de apoderar-se do cobiado diamante azul, que poderia transform-lo, de um momento para o outro, no homem mais rico e poderoso do mundo. E adeus sonhos de grandeza e poderio! Adeus vida, que ele tencionava viver em toda a sua plenitude! Perguntava a si mesmo se chegaria com vida ao dia seguinte. Depois de passear nervosamente ao longo daquele quarto frio, hostil, aproximou-se da janela e espreitou pela vidraa o largo fronteiro. O dia era triste e hmido. O sol conservava-se oculto. Junto das paredes, ainda permaneciam tapetes de neve que cara durante a noite. De raro em raro, passava pela praa deserta um transeunte emboado no casaco de peles. Olhando distraidamente o exterior triste e sombrio, o chins sentia-se invadir pelo desalento. Uma voz secreta dizia-lhe que no lograria alcanar o seu objectivo. O Velho trtaro no lhe mentira. O diamante azul existia. Estava ali, naquele estranho palcio, nas mos de um chefe de tribo rude e supersticioso. Qusi lhe bastaria estender a mo para lhe chamar seu. Mas quantos obstculos, quantos perigos se entrepunham entre o precioso objecto e a sua mo vida! Para vencer o desnimo e distrair-se um pouco das suas preocupaes, pensou Chang em dar pela vetusta cidade um curto passeio. Enfiou at s orelhas o seu gorro de pele, levantou a gola do casaco de fazenda grossa at s orelhas, e decidiu-se a sair. Ainda teve um certo receio de que lhe cortassem o passo, mas verificou que o pessoal do palcio quando o encontrava se afastava com deferncia. As ruas estavam qusi desertas. A temperatura agreste que fazia, convidava mais a permanecer ao canto da lareira do que em passeio por uma cidade inspida, aglomerado de casebres pobres, tristonhos, antipticos. O chins, porm, notou que os poucos transeuntes que passavam por ele o saudavam com profundo respeito, como se vissem naquele estrangeiro um chefe ou um sacerdote. que a sua fama de adivinho j se espalhara pela cidade, criando-lhe um prestgio enorme, que ele nem podia imaginar. Embora os arruamentos se parecessem todos no seu aspecto miservel, conseguiu o chins encontrar o caminho que percorrera de manh, desde a casa do Velho at ao palcio. Sentia grande curiosidade de saber que posio ocupava aquele ancio venervel junto da corte de Minsky. Pareceu-lhe que era personagem de muita importncia naquele meio. Em frente da porta, que os

maqueiros haviam aberto com um pontap, essa madrugada, hesitou em bater. Por fim decidiu-se. Respondeu-lhe do interior uma espcie de grunhido e o batente, entreabrindo-se, mostrou um rosto empergaminhado, em que brilhavam uns olhitos desconfiados. Chang reconheceu a velha, que entrevira essa noite por entre a fumaa que enchia a casa. Ela, por sua vez, tambm o reconheceu. Seus olhitos iluminaram-se, a face arrepanhou-se num sorriso afvel e, soltando um gritinho, franqueou a entrada ao estrangeiro. Chang encontrou-se de novo no largo compartimento onde pernoitara. L estava, ao fundo, numa chamin baixa e larga como um salo, o lume a crepitar e sobre a sua claridade desenhava-se a negro um vulto. Era o velho que, erguendo-se, logo viera ao encontro do recm-chegado, dizendo, em voz solene e respeitosa: Que sejas bem-vindo a esta casa, estrangeiro. Que Deus te proteja, venervel ancio Respondeu o chins, no mesmo tom. Chegaram-lhe um pesado banco de madeira junto do lume. Chang sentouse. Houve um silncio, que o visitante quebrou, por fim, dizendo: -Agradeo-te a hospitalidade desta noite. Nada tens que me agradecer Replicou o velho. Obedeci apenas s ordens de minha ama Fodosia. Ests ao seu servio? Inquiriu Chang. O ancio demorou um pouco em compreender a Pergunta. Depois respondeu: Aqui todos estamos s ordens de Yegolf e sua filha. Eu, enquanto o vigor no me faltou, exercia na corte a misso mais melindrosa, aquela que requeria inteira confiana de Nicolau. Hoje estou velho e cansado, mas no deixam de me estimar e respeitar. Cheio de curiosidade Chang inquiriu: E que funes exercias na corte? O Velho tardou um momento em responder. Depois disse, com um sorriso de modstia: Eu era o carrasco. O chins estremeceu involuntariamente. Ocultou como pde a sua comoo. Entretanto, o ancio, julgando agradar muito ao estrangeiro, contava algumas das suas proezas, que faziam eriar os cabelos aos mais valentes. Por fim, o Velho, imaginando ter falado o bastante para cair nas boas graas do chins, baixou a voz e disse em tom confidencial: J sei que tens o dom de ver as foras ocultas que influem no destino dos homens. Se acaso no te molesto e se te permitido fazer revelao a outrem, que no seja ao nosso amo Yegolf, desejaria que me dissesses algo sobre a sorte de meu filho Alexandre, que decidido, valente e vive numa grande angstia, devido ao secreto amor que nutre por uma mulher de posio to alta, que a consideramos inacessvel. O chins adivinhou, pelas palavras de Peter, uma paixo por Fodosia.

Temia, porm, enganar-se. Por isso encontrou boa desculpa para se furtar curiosidade embaraosa do anfitrio. Enquanto Yegolf, nosso amo, mo no permitir disse ele no ouso fazer revelao a outrem, seno a ele. O Velho concordou com aquela prova de respeito, e resignou-se a aguardar que o chefe da tribo desse licena quele negro de operar publicamente os seus prodgios. Chang deu-se pressa em abandonar aquela casa. A ideia de ter pernoitado sob o mesmo teto que abrigava o carrasco de Minsky causava-lhe calafrios. Parecia-lhe que, naquele povoado, o perigo o espreitava de toda a parte. Ansiava por encontrar-se de novo no seu aposento, no palcio de Nicolau. Poderia este ter tomado alguma resoluo favorvel e fora uma imprudncia afastar-se. Estugou o passo. Ao volver, porm, uma esquina, surpreendeu-o uma aglomerao ao fundo de uma viela. Curioso, dirigiu-se para o ajuntamento; mas, alguns passos andados, deteve-se, com o corao em sobressalto. Acabava de reconhecer entre a multido as quatro mulas dos servos de Petrovitch. Eram os mercadores que, decerto, chegavam a Minsky. Ignoravam certamente a sua presena na cidade. Estavam convencidos de que ele se despedaara nas arestas agudas do despenhadeiro e quedara para sempre sepultado no abismo. Se o vissem, seriam capazes de urdir alguma intriga para o perder. Apressadamente, retrocedeu e volveu a esquina, procurando atingir o palcio por outra ruela silenciosa e deserta. Quando entrou, o lacaio que, de manh, o conduzira presena de Nicolau Yegolf, disse-lhe: O nosso amo espera-te. No contava com aquela notcia to cedo. Que resoluo teria tomado o chefe da tribo? O facto de lhe mandar dizer pelo lacaio que o esperava, era indcio de que ainda mostrava por ele certa considerao. Se m vontade tivesse contra o homem que o aconselhara a desfazer-se do precioso talism, decerto no o chamaria de maneira to corts. Foi com alvoroo que se dirigiu para o gabinete, onde, Cerca de uma hora antes, decorrera a conferncia com Yegolf. Este esperava-o realmente. Chang fa2ia grandes esforos para ocultar a sua comoo. O seu destino dependia do que o caucasiano ia pronunciar. Senta-te, estrangeiro. Era qusi sempre por estrangeiro que aquela gente o tratava, sem se mostrar empenhada em saber-lhe o nome. Chang obedeceu-lhe em silncio. Yegolf fitou-o por um largo instante. Depois, cofiando a sua barba grisalha, proferiu: Meditei profundamente sobre as coisas graves que me disseste. Fez uma longa pausa, que encheu de impacincia o seu interlocutor. Pareceram-me judiciosas as tuas palavras tornou Yegolf e calou-se, de olhos fitos no solo. Chang sentia ganas de sacudir aquele homem que parecia hesitar tanto em chegar a uma concluso, da qual dependia a sua fortuna.

Com efeito disse Yegolf, pouco depois acertaste em teus vaticnios. Comeo a acreditar que foras ocultas se empenham em levantar obstculos na minha vida. Dizes que tudo provm do diamante azul que se transformou em inimigo da minha dinastia. Depois de bem meditar, concordo com a tua opinio. Calou-se de novo. Chang pressentia que se aproximava do feliz objectivo que pretendia atingir. Tudo indicava que Yegolf se convencera de que o diamante o tornava infeliz. Estou disposto a desfazer-me dessa jia maldita disse ele. Ds, com a tua deciso, uma grande prova de coragem! Exclamou Chang, sentindo-se invadido por uma alegria to esfusiante que s a sua tmpera de oriental lograva disfarar. Apenas discordo num pormenor dos teus conselhos acudiu o chefe caucasiano. O chins sentiu que um anel de ansiedade lhe apertava a garganta. A muito custo, logrou articular: Ser possvel, grande Yegolf?... Quero eu prprio assistir operao de reduzir o diamante a p Proferiu o soberano, franzindo um sobrolho desconfiado. Chang no esperava aquela dificuldade. Mas j achava de bom augrio Yegolf querer desfazer-se do diamante. Teve, por isso, coragem de objectar-lhe: De boa vontade acederia ao que me propes. Mas, como sabes, s no Turquesto possuo os ingredientes mgicos capazes de preparar o p com a dura substncia do diamante. Confio nos extraordinrios recursos da tua inteligncia tornou o chefe caucasiano. Darei ordem para que te deem tudo que pedires para obteres os ingredientes necessrios. Depois, saberei premiar condignamente os teus servios. Esboou um movimento, despedindo-o. Chang saiu, preso de uma grande apreenso. O diamante estava qusi nas suas mos. Mas, como convencer Yegolf de que o diamante se reduzia a p na sua presena? Sabia de prestidigitao, que aprendera em tempos em Pequim com um Velho compatriota que percorrera todos os circos do mundo, mostrando suas habilidades. Se estivesse prevenido com um bloco de vidro azul que imitasse perfeitamente a jia verdadeira, ser-lhe-ia fcil escamotear o diamante e, ante os olhos do soberano, reduzir a p a falsificao de vidro. Mas no viera prevenido para aquele percalo. Ver-se-ia forado a esmagar por suas prprias mos o tesouro que ambicionara? Dava tratos imaginao para resolver o problema. Insistir com Yegolf para que o deixasse levar o diamante, seria arriscado e levantaria suspeitas. Chang sentia-se metido num beco sem sada. Se quisesse recuar, arriscava-se a perder tudo, a perder a prpria vida. Mas ento ele havia de deixar escapar a fortuna depois de empregar tantos esforos e ardis para se aproveitar dela? Esta hiptese enchia-o de desespero.

Puxou os seus prprios cabelos, enfurecido por no encontrar soluo para aquele caso. Lembrou-se de dizer a Yegolf que, na impossibilidade de encontrar naquelas montanhas abruptas os ingredientes necessrios operao, iria busc-los ao seu laboratrio do Turquesto Oriental. Voltaria mais tarde com uma imitao em vidro do diamante e, depois de surripi-lo numa sorte de ilusionismo, esmagaria solenemente a jia falsa na presena de Yegolf e sua corte. Mas no mudaria o soberano, entretanto, de disposies? Decerto correria o rumor do que se passava e algum poria o chefe da tribo de sobreaviso. Arriscava-se, no seu regresso, a encontrar a morte em vez da fortuna. Urgia resolver o problema rapidamente, inventar um truque para se apoderar da jia antes que algum abrisse os olhos a Yegolf. E o tempo passava Chang apenas sentia no crebro um grande vcuo. Nem uma ideia lhe acudia. Interrompeu-lhe as locubraes a presena do lacaio, que abriu a porta do seu aposento e lhe dissera: Estrangeiro, acompanha-me imediatamente presena do nosso amo. Aquele convite to brusco e inesperado encheu de sombrias interrogaes o esprito do chins. Que teria Yegolf para lhe dizer? O lacaio meteu por um corredor que conduzia a dependncias do palcio que Chang desconhecia. Abriu uma larga porta e franqueou-lhe a passagem. O chins deteve-se petrificado no limiar. Acabava de descortinar uma cena que o enchia de maus pressgios. Yegolf, sentado num amplo cadeiro, conversava animadamente com os servos de Petrovitch, que gesticulavam. Ante a sua apario, aquietaram-se, e o chefe caucasiano, acenando-lhe do fundo da sala, gritou-lhe: Aproxima-te, adivinho! Chang cobrou alento e avanou, resoluto. Surpreendera nos olhos de Yegolf uns lampejos de ironia. Os servos de Petrovitch olhavam-no de soslaio. Era de calcular que teriam dito a Yegolf que Chang no passava de um charlato, que o seu intuito era apenas apoderar-se do talism. Aqueles homens, com alma de escravos, seriam capazes de todas as vilanias para agradar ao seu senhor. E nada havia de mais agradvel para Petrovitch do que saber que outro sofrera, como ele, um desaire, ao tentar apoderar-se do famoso diamante azul. Chang adivinhara tudo, num relance. Por isso, resolveu atacar de surpresa, frente-a-frente, aqueles que, decerto, tudo teriam tentado para o derrubar traio. Poderoso Yegolf disse em voz grave e forte, mal se abeirou de chefe da tribo, Estes homens esto ao servio de Petrovitch, aquele que pretende roubar-te o talism, julgando que ainda tinha o mgico poder de outrora. Foram eles que quiseram impedir-me de vir junto de ti. Foram eles que, com os mesmos intuitos traioeiros, pretenderam estabelecer no teu esprito o dio e a desconfiana contra mim. Todos os seus actos, afinal, tendem mais a prejudicar-te, a ti, grande Yegolf, que s poderoso e tens muito que perder, do que a mim, pobre astrlogo sem ambies. Aconselho-te a que ds tanto crdito a estes servos miserveis como o que merece Petrovitch, que tos enviou.

O exaltado discurso de Chang pareceu impressionar profundamente o nimo de Yegolf. Os servos do mercador baixaram, embaraados, os olhos ao cho, sem poder disfarar o receio que deles se apoderara. Um deles, erguendo uma voz dbil e tmida, murmurou: Ns no queremos mal a Yegolf, que sempre foi complacente... Cala-te! Bradou Nicolau Yegolf, em voz de trovo. Servos de um tratante, no podeis ser seno tratantes! Conhece-los melhor do que eu acudiu Chang para incitar o nimo do chefe contra os miserveis. No precisais de que eu te previna., Entre eles e eu podes escolher livremente. Se recusas os meus servios e preferes os deles, ordena, e eu retirar-me-ei, deixando-te entregue tua sorte. Coube a vez de Yegolf se mostrar embaraado. Coando a barba grisalha, parecia ruminar qualquer resoluo. Os servos do mercador lanavam-lhe a medo olhares cheios de ansiedade. Que iria decidir aquele homem terrvel? Por seu turno, Chang, embora mostrasse a mais perfeita presena-de-esprito, aguardava impaciente a deciso daquele homem que, por um triz, no se escapara totalmente sua influncia. Yegolf, impulsivo, ergueu-se de-repente e dirigindo-se aos criados do mercador, com um olhar chamejante, rouquejou: Vocs mereciam que eu os mandasse encher de varadas. Mas no quero sujar o ltego na vossa pele. Ide, ces malditos, que a minha vista no vos encontre mais! Os homens deram-se pressa em sumir-se, sem alarme, no fosse o fero soberano arrepender-se da sua misericrdia e os mandasse aoitar. Chang pressentiu que tinha ganho aquela grande cartada. A astcia salvara-lhe o prestgio. Quanto a ti, estrangeiro disse Yegolf, em tom grave vou fazer-te uma proposta que se ajusta mais nobreza do teu carcter. Se, na verdade, uma fora superior te incumbiu de me salvar, furtando-me influncia nefasta do diamante azul de meus antepassados, essa mesma fora te deve ter dado a invulnerabilidade para conquistar, sem perigo, pelos meios tradicionais, a jia que pretendes levar. Est bem: o diamante azul passar s tuas mos depois de te bateres comigo na cerimnia da dana do sabre. Chang reuniu todas as suas energias para no estremecer sequer ante a proposta terrificante. Esta noite disse ainda Yegolf mandarei preparar tudo para a cerimnia. Realizar-se- como no tempo dos nossos avs. luz da lua, entre os homens mais grados da arte que empunharo archotes, na clareira da floresta sagrada, onde ningum entra seno para a dana do sabre. Assim seja Pronunciou serenamente Chang. Yegolf olhou-o com simpatia, por se julgar na presena de um homem valente. VII Tudo est a postos. O arrependimento de Chang.

Uma oportunidade perdida. Savil vai procura do diamante azul. Interveno indirecta de Zaira. O relato de Chang chegara ao seu ponto culminante, sem que o chins trasse o mais leve indcio de entusiasmo pela sua aventura. O tom da sua voz mantivera uma uniformidade enervante para dois dos seus vidos,, ouvintes Beachy e Mac Koffrey. O Prncipe conhecia j aqueles acontecimentos, que Chang lhe contara em Nova-Iorque, embora com menor cpia de pormenores. Como o chins se calasse, precisamente quando os circunstantes se preparavam para saborear o desfecho daquele grande captulo de uma vida, cujo passado misterioso eles ignoravam totalmente, ele mostrou-se menos apressado e descansava. E depois?! Inquiriu Beachy, gritando convulsamente. Voc bateu-se na dana do sabre? Perguntou Mac Koffrey, todo derrubado para a frente a devorar Chang com os olhos. O chins esboou um sorriso muito leve. Levou boca outro cigarro, que acendeu lentamente. No preciso instante em que ia retomar o fio da narrativa, algum bateu discretamente porta do gabinete. Entre! Ordenou Savil. Um marinheiro assomou ao limiar. Que temos? Inquiriu o Prncipe. O nosso comandante manda dizer que lanamos ferro dentro de meia hora e convm estar tudo preparado a fim de se aproveitar a mar para o desembarque ainda esta noite. Dize ao comandante Milwankee que tudo est a postos disse o Prncipe Savil. O marinheiro retirou-se, fechando a porta. Mac Koffrey e Beachy soltaram um suspiro de alvio, por se verem livres daquela presena importuna. Suas atenes voltaram a concentrar-se sobre o chins, que se refastelara comodamente no maple, como se tivesse toda a noite sua disposio para contar a sua longa histria. Que aconteceu depois? Perguntou Beachy, mal podendo refrear a surda clera que lhe causava a impassibilidade do oriental. Pouca coisa de importncia aconteceu depois disse Chang a no ser que perdi uma oportunidade nica de me tornar o homem mais rico do mundo. Calou-se. Mas voc no se bateu em duelo? Inquiriu Mac Koffrey. No Pronunciou laconicamente o chins. Eu, no seu caso, arriscava tudo-por-tudo disse Beachy, com nervosismo. Ou vencer ou morrer! Primeiro, tratava-se de no morrer Replicou Chang, serenamente. Se me batesse morreria com certeza: por isso resolvi fugir. Mac Koffrey soltou uma gargalhada que deixou o chins perfeitamente frio, indiferente. Fugi Repetiu ele, na sua voz melflua. E hoje estou arrependido do

meu acto. Foi uma... Uma falta de coragem. Realmente, eu, no seu caso, tambm me envergonharia concordou Mac Koffrey. No, eu no me envergonho tornou Chang. Arrependo-me, que , por acaso, muito diferente. Fui precipitado na fuga. Andei durante duas semanas perdido nas serranias, passando fome, vivendo escassamente da caa, sempre com receio de ser devorado pelos ursos e pelos lobos, que nesse comeo de inverno principiavam a manifestar os seus apetites de carne humana. E, afinal, se tenho ficado, teria talvez triunfado, porque os elementos trabalhavam a meu favor. Beachy e Mac Koffrey no percebiam onde Chang queria chegar. Ento, se os elementos trabalhavam a seu favor porque no ficou, porque no se bateu com Yegolf na dana do sabre? Inquiriu Beachy. Porque eu no passava de um astrlogo falso, que nada percebia dos astros. Se andasse em dia com os acontecimentos celestes saberia que, precisamente nessa noite, talvez hora em que empunhasse a espada para me bater com o terrvel chefe caucasiano, haveria um eclipse total da Lua. Imaginem o efeito extraordinrio que eu, adivinho, astrlogo, poderia tirar deste banal incidente celeste! Imaginem o que no aconteceria se afirmasse que, minha ordem, a Lua se apagaria! A comoo produzida, mesmo nas populaes mais esclarecidas do litoral, foi to grande que, muitos dias depois, quando cheguei costa, ainda se falava com terror no caso. Petrovitch contou-me que soubera pelos seus servos, que Yegolf me mandara procurar por toda a parte para eu anular com meus prodgios a influncia nefasta que a Lua, depois daquele aviso do cu, iria desencadear sobre ele. Fodosia, quando me procurava pelos desfiladeiros, caiu e voltou qusi morta ao palcio, nos braos dos homens da sua escolta. Yegolf ficou persuadido de que era rigorosamente verdadeiro o que eu anunciara. E porque no voltou a Minsky? Inquiriu Mac Koffrey. Era muito arriscado, depois de Yegolf se ter convencido de que eu desaparecera por alta influncia dos astros. Houve uma larga pausa. Rememorava cada um, segundo o seu temperamento, os episdios novelescos daquela aventura. Mac Koffrey pensava que, no caso de Chang, ter-se-ia batido em duelo. Tudo, menos fugir. O chins, demasiado zeloso em querer salvar a pele, perdera o que a sorte trabalhava em seu favor. Beachy ainda anua em que talvez a prudncia aconselhasse a fuga, mas, chegado ao seu conhecimento o estado de esprito de Yegolf, teria voltado, melhor apetrechado de experincia, e, usando com habilidade do terror infundido pelo eclipse, apoderar-se-ia do diamante. O Prncipe Savil tambm, muito no seu ntimo, estranhava que o chins no se tivesse munido de uma jia semelhante em vidro. E, afinal, disse Chang, como se viesse ao encontro do seu pensamento Eu nem sequer chegara a ver o diamante. Se soubesse o seu tamanho certo, mandaria fazer em vidro uma jia semelhante e talvez me arriscasse a uma nova investida...

Quedaram todos novamente em silncio, devaneando sobre aquela aventura. Foi o Prncipe Savil quem falou primeiro, dizendo, depois de consultar o relgio: Meus amigos, dentro de alguns minutos, tomaremos lugar nos escaleres a gasolina, que se encontram devidamente apetrechados, para irmos desembarcar num ponto isolado da costa. Vamos conquista do diamante azul! Mac Koffrey e Beachy fitavam no seu chefe um olhar de admirao. Embora, desde que principiaram a ouvir a narrativa de Chang, fossem assaltados pelo secreto pressentimento de que o Prncipe determinara aquela viagem, aparentemente de recreio, para se apoderar do famoso diamante dc Gengis Khan, a declarao que acabavam de escutar produziu-lhes enorme comoo. A aventura seduzia-os. Dariam, de boa vontade, alguns milhes para viverem as empolgantes peripcias que Chang contara to fria como descoloridamente. Guiados pelo Prncipe, tinham a certeza de vencer a luta em que iriam empenhar-se, tal a confiana que nele depositavam. Aps uma curta pausa, Savil acrescentou: Tracei em Nova-Yorque um plano tanto quanto possvel pormenorizado para agir numa regio qusi desconhecida, de que nem sequer h mapas em que depositemos a nossa confiana. O nosso correspondente de Bucarest foi prevenido de que iramos fazer ao Cucaso uma viagem de estudo e j mandou para Mikowsky dois homens da sua inteira confiana, que so peritos em assuntos tnicos do Cucaso. Lev-los-emos connosco, pois talvez nos convenha estabelecer naquela regio, que to isolada do resto do mundo como a nossa Ilha Sem Nome, uma base de aco com influncia na Europa e em todo o Prximo Oriente. O Prncipe fizera uma pausa e Beachy, no podendo conter a sua curiosidade, atreveu-se a formular uma Pergunta que, alis, j acudira ao esprito de todos os presentes: E de que maneira ser possvel conquistar o diamante azul? O Prncipe teve um sorriso subtil. No te d isso cuidado, por enquanto. Todos respeitaram a reserva do seu chefe. Se ele entendia no dever revelar essa parte do plano, porque no achava conveniente, para o xito da empresa, divulg-lo. Nem mesmo Chang conhecia esse pormenor to importante. E agora, meus amigos, no h tempo a perder disse o Prncipe Savil erguendo-se do seu maple. Acabou-se o cruzeiro de frias. Vai comear a tarefa mais grave da nossa vida. Tenho esperana de que chegaremos a bom termo, sem lamentar qualquer desgraa pessoal. Lembremse de que o diamante azul de Gengis Khan a jia mais valiosa do mundo. O seu preo incalculvel. No quero tirar dele qualquer benefcio pessoal. Empreendo a sua conquista a pensar nos benefcios que poderemos, uma vez na sua posse, prestar Humanidade. A nossa cruzada do Bem tomar um incremento maior. Estaremos mais aptos a acudir a maior nmero de desgraas e a combater, com mais eficcia, todos os agentes do Mal. As palavras de Savil comoviam profundamente os seus ouvintes. O prprio

Prncipe dissimulava com dificuldade a sua perturbao; apenas Chang que se levantara, imitando seus companheiros, permanecia impassvel, face aptica, respirao calma. Somente por seus olhitos negros e oblquos perpassavam furtivamente estranhos fulgores. O Rajah vai lanar ferro dentro de vinte minutos. tempo de prepararmos o desembarque. Chang indicar-vos- o que preciso fazer nestes vinte minutos. Ide... Retiraram-se todos, silenciosamente, deixando Savil completamente s no seu gabinete. O Prncipe deu alguns passos atravs do aposento. Estava absorto em seus pensamentos. Dir-se-ia no ter muita pressa em ir cuidar dos seus preparativos de desembarque. Subitamente deteve-se surpreso. Um vulto desenhara-se silenciosamente no limiar da porta, que abrira sem ruido. Que me queres? Inquiriu Savil, refazendo-se rapidamente da sua surpresa. Ouvi toda essa histria do diamante azul murmurou uma voz grave de mulher. Foste indiscreta murmurou o Prncipe, em tom spero. Por teu bem Replicou Zaira, avanando no aposento, enquanto a porta se cerrava por si. Ainda te no incumbi de velares pela minha segurana tornou Savil, de semblante carregado. E, no entanto, eu velo, por minha conta e risco. Bem sabes que no vivo para outra coisa Pronunciou Zaira, cheia de tristeza. Estava bela, de uma beleza oriental e estranha. Os seus grandes olhos pretos, que os longos clios revelavam, tinham-se humedecido e brilhavam como dois enormes diamantes negros. Venho pedir-te uma coisa disse ela aps uma ligeira pausa. Dize. Que me leves na tua companhia concluiu Zaira. A tua presena s nos causaria embaraos. Pelo contrrio, ser-te-ia til Replicou ela. Sou oriental e conheo os hbitos destas terras; posso auxiliar-te em circunstncias difceis. E miss Damby ficaria s a bordo? Ela, aqui, no corre os riscos que tu vais correr por essas terras misteriosas. Em Minsky h uma mulher, jovem e linda, pelo que ouvi. Eu poderia exercer em teu favor influncia no seu esprito... Savil sorriu e insinuou: Cimes antecipados. Zaira calou-se. O Prncipe aproximou-se dela, pousou-lhe sobre os esplndidos ombros nus, de epiderme morena e lisa, as suas mos e, fitando-a de frente, disse-lhe em voz branda e insinuante: Adivinho o teu pensamento, Zaira. Leio no teu corao como num livro aberto. Para ti, o maior perigo que eu posso correr o de me apaixonar por

Fodosia, cuja beleza selvagem me poderia encantar. E por isso que me queres acompanhar. Zaira, no podendo suportar o olhar de Savil, deixou pender a cabea para o peito. Quero que fiques a bordo do Rajah continuou. Recebers notcias minhas dia-a-dia. Vamos munidos de T. S. F. e estamos em constante comunicao com o comandante Mlwankee. Vai e no levantes alarme. Miss Damby no faz a menor ideia da aventura em que nos vamos meter. E necessrio que ela permanea convencida at o fim de que vamos fazer uma excurso cientfica, sem riscos de maior. Zaira ergueu a cabea para fitar Savil. Havia tanta amargura na sua expresso, que o Prncipe no pde deixar de estremecer, comovido. dor tornava-a ainda mais bela. O seu meigo olhar era uma carcia. Os seus lbios entreabriam-se, deixando passar uma respirao clida e ofegante. Savil, num movimento lento, aproximou os seus lbios da lisa fronte de Zaira e beijou-lha ao de leve, num sculo puro de irmo. Sem uma palavra, a formosa mulher desprendeu-se das mos suaves do Prncipe, encaminhou-se para a sada e desapareceu. Savil quedou ainda um longo instante de olhos fitos no batente que se cerrara de mansinho aps a desapario daquela linda figura de sonho oriental. VIII Vultos na noite. Quatro molossos. Os foguetes luminosos. Mais dois companheiros. Notcias de Bucarest. Embora no houvesse luar, essa noite, a visibilidade era boa. Do firmamento recamado de astros rebrilhantes descia uma doce e discreta claridade. Naquela praia deserta de um recanto oriental do Mar Negro moviam-se alguns vultos. Nas guas mais plcidas que as de um lago de jardim, em que as estrelas se reflectiam tremeluzindo, duas embarcaes balouavam docemente. No areal da praia, alm de vultos de homem que se moviam na obscuridade, viam-se manchas escuras e estticas, que a vista no podia definir. De bordo de uma das embarcaes que pairavam a pouca distncia veio uma voz clara, que soou nitidamente, inquirindo: Posso largar? Larga!... Respondeu outra voz que ficou uns momentos a vibrar na imensa solido. Soaram ento rudos de motores. Algumas vozes, de bordo, dominando esse rudo, gritaram: At vista!... Boa viagem!... At vista!... Responderam unssonas quatro vozes dos que estavam na praia. As embarcaes afastaram-se rapidamente. Em breve suas silhuetas brancas se sumiram na escurido do mar. Apenas se ouvia ao longe o barulho

dos motores, cada vez mais dbil, como um zumbido de moscardo, at que se apagou completamente. Os quatro vultos, que tinham quedado imveis, voltados para a obscura superfcie lquida, tornaram a mexer-se. Em marcha! Ordenou uma voz mscula, bem timbrada. Um outro vulto soltou um grito gutural e logo as formas indecisas, que se conservavam mui quedas na areia, se moveram numa grande mobilidade. Soou um latido, e um dos homens, em tom rspido, admoestou os ces: Calados!!Nem um suspiro! Calados!... Era Chang que se dirigia, com uma energia inusitada, a quatro enormes molossos que corriam pela praia, farejando. Levavam os quatro homens grandes mochilas ao dorso, mas o peso no impedia que caminhassem agilmente, dirigindo-se atravs das dunas para o interior. Ernest e Otto devem encontrar-se uma hora da madrugada, a uma milha da costa disse o Prncipe Savil, que marchava na vanguarda. O nosso correspondente de Bucarest foi bem explcito no telegrama que nos mandou. Tem os sinais deles? Inquiriu Mac Koffrey. Tenho. No esqueci um nico pormenor Respondeu o Prncipe. Daremos sinal da nossa presena, lanando aos ares, uma menos cinco, um fogueto luminoso. Eles respondero com outro fogueto, que nos indicar a posio onde se encontram. Caminhavam em fila indiana Savil, Mc Koffrey, Beachy e Chang, que tinha a seu cargo os grandes ces, cruzados de lobo, que lhe obedeciam com a docilidade de cordeiros. Havia dois meses que Chang, na Ilha Sem Nome, amestrava aqueles quatro molossos autnticos lobos no aspecto e ferocidade. Com que fim? Ningum mais o sabia seno o chins e o Prncipe Savil. Quando embarcaram para fazer uma viagem de recreio Europa, Perguntava-se a que estranho capricho obedeceria o Prncipe para levar consigo aquelas feras. No entanto, estas, educadas sabiamente por Chang, no causavam o menor dano s pessoas que viajavam a bordo. Eram, porm, perigosssimas para com os estranhos. No havia correntes que os prendessem; quebravam-nas com tanta facilidade como se fossem simples linhas de coser. Quando o Rajah entrava em algum porto, havia o prvio cuidado de encerrar os animais numa jaula de fortes vares de ferro, capazes de guardar tigres ou lees. E quem os via julgava-se em presena de lobos autnticos, tanto eles se assemelhavam a essas feras, que ainda hoje so vulgares nas montanhas da Europa e nas estepes da sia. Os ces, que tinham nomes pomposos Imperador, Sulto, Tetrarca e Pax Entendiam-se admiravelmente com Chang. Se este lhes ordenava que permanecessem quietos, podiam chover raios e coriscos que eles no se arrendavam de onde estavam; se os proibia de ladrar no soltavam nem um rumor surdo. Eram temveis na agresso. Quando se erguiam sobre as patas

traseiras, ultrapassavam a altura de um homem e, quando atacavam, filavam a garganta. Furtavam-se, com assombrosa agilidade, aos golpes de um varapau ou de uma espada, desarmando o agressor com a facilidade de um lutador de jiujitsu. O Prncipe Savil l tinha os seus desgnios quando os mandara amestrar por forma to perfeita. Seus companheiros no compreendiam as intenes de seu amo. Mesmo Chang julgava apenas adivinh-las, muito embora Savil no lhe tivesse confessado os seus intuitos sobre este pormenor. Os quatro homens caminhavam pelo areal, embrenhados nos seus pensamentos. Pairava em torno uma grande desolao. A obscuridade no lhes permitia ver o local onde se encontravam, mas pressentiam que devia rode-los uma paisagem muito triste. Preocupava-os, porm, a aventura em que iam meter-se. Tinham a impresso de que principiavam a viver um conto fantstico, uma daquelas quimeras orientais, que, por estranho capricho do destino, se transformava em realidade. Pouco-a-pouco, o terreno que pisavam ia-se tornando mais duro, medida que se afastavam do mar. Por fim, j no havia areia. Trilhavam um campo coberto de ervas rasteiras e speras, em que, por vezes, tropeavam. Savil, ajoujado com sua mochila, caminhava ligeiramente na frente, orientando-se por uma bssola de mostrador luminoso. De sbito, consultando o seu relgio, cujos ponteiros eram fosforescentes, deteve-se. Seus companheiros rodearam-no. Faltam dez minutos para a uma disse ele a meia-voz. Chcing, prepara o fogueto. O chins pousou a mochila no solo e, luz de uma lanterna porttil que Beachy acendera, abriu o fardo e sacou de um fogueto, que tinha uma cauda de alumnio desmontvel como as pernas dos cavaletes. Em movimentos rpidos e decididos aprontou-o. De relgio em punho, Savil seguia, mui atento, a marcha lenta dos ponteiros. Quando eu disser: i Larga! Pronunciou ele Incendeiem a mecha e larguem o foguete. Fez uma longa pausa. Ouvia-se ao longe o arfar das guas do Mar Negro. Subitamente, o Prncipe exclamou: Larga! Mac Koffrey feriu lume, um jacto de lume espalhou em torno um efmero claro avermelhado e o foguete subiu nos ares como um cometa e, l nas alturas, explodiu numa luz azul-clara, que se manteve acesa por largos instantes, comeando depois a descer devagar, lentamente impelida para Leste pela branda brisa que soprava do mar. Ainda aquela estrela clara no tinha atingido o solo quando, mais alm, se viu no amplo cu constelado uma outra estrela artificial explodir numa grande luz alaranjada, que principiou como a primeira a descer de mansinho. Ei-los! Exclamou Beachy, ao ver que o sinal era correspondido. No podiam faltar murmurou Savil, recomeando a sua marcha, flectindo um pouco para Nordeste. No esto longe. Tem mo nos ces

Recomendou o Prncipe ao chins. Chang inclinou-se para os animais e, afagando-os, falou-lhes no seu idioma, no tom de quem faz muitas recomendaes a meninos traquinas. Eles pareciam compreend-lo, agitando as caudas e pulando sua volta. No tardaram a notar, a curta distncia, uma luz de lampio, que parecia vir ao seu encontro. Ento, Savil, ao divisar uns vultos, ergueu a sua voz e Perguntou: Quem vem l? Algum respondeu distintamente: Ernest Kurt e Otto Schneider. Savil! Replicou simplesmente o Prncipe. Momentos depois estavam na presena de dois homens, ambos ajoujados de sacos de alpinismo e apoiados a varapaus ferrados. luz da lanterna elctrica de Mac Koffrey puderam ver de relance que um era alto e magro e outro mais baixo e nervoso. Os ces rondaram-nos, com desconfiana. Chang manteve-os em respeito. Juzo, Imperador disse ele para o mais corpulento, que no parecia muito contente. O homem mais baixo falou ento para Savil, que se adiantou um pouco. Creio que Sua Alteza o Prncipe Savil que tenho a honra de cumprimentar Pronunciou ele, estendendo uma mo que o Prncipe estreitou, efusivamente