A Demarcação Entre Ciência e Metafísica

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“A demarcação entre ciência e metafísica” Karl Popper Publicado em Realism and the Aim of Science (1983) O significado do problema da demarcação: 1. “tomo consciência de que na verdade não acredito na indução.” P.203 2. A indução sequer te um papel significativo nas ciências 3. Se, abandono a indução, como distinguir ciência de não-ciência? Sugestões - critérios de solução para o problema da indução: refutabilidade, falsificabilidade, testabilidade. “Quando ansiamos por saber, quando o nosso objectivo é aprender algo acerca do Mundo, não nos preocupamos muito com os compartimentos ou departamentos que possam ser atribuídos ao que virá a ser o nosso conhecimento. Tal como eu disse na introdução, assuntos e outras divisões do saber são fictícios e enganadores, ainda que possam ser de alguma conveniência enquanto unidades administrativas. No que toca à ciência e à metafísica, não acredito de maneira nenhuma em algo como uma demarcação clara” P.204 Racionalidade científica discutibilidade de hipóteses Testabilidade (discutibilidade por meio de argumentos empíricos) “Assim, o problema de demarcação é mais do que uma questão de classificar teorias para se ser capaz de lhes chamar ou ‘cientificas’ ou ‘metafísicas’. Ele dá, na verdade, acesso a alguns dos mais fundamentais problemas da teoria do conhecimento, e, assim, da filosofia.” P.208 “... alguns dos mais fundamentais problemas da teoria do conhecimento” Distinção entre teorias racionais e crenças irracionais Outro aspecto da importância do problema é mais pragmático: teorias psicológicas e empíricas que reivindicam estatuto científico: psicologia individual de Adler, Psicanálise e marxismo. Essas teorias reivindicam

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“A demarcação entre ciência e metafísica”Karl Popper

Publicado em Realism and the Aim of Science (1983)

O significado do problema da demarcação:

1. “tomo consciência de que na verdade não acredito na indução.” P.2032. A indução sequer te um papel significativo nas ciências3. Se, abandono a indução, como distinguir ciência de não-ciência?

Sugestões - critérios de solução para o problema da indução: refutabilidade, falsificabilidade, testabilidade.

“Quando ansiamos por saber, quando o nosso objectivo é aprender algo acerca do Mundo, não nos preocupamos muito com os compartimentos ou departamentos que possam ser atribuídos ao que virá a ser o nosso conhecimento. Tal como eu disse na introdução, assuntos e outras divisões do saber são fictícios e enganadores, ainda que possam ser de alguma conveniência enquanto unidades administrativas. No que toca à ciência e à metafísica, não acredito de maneira nenhuma em algo como uma demarcação clara” P.204

Racionalidade científica discutibilidade de hipóteses Testabilidade (discutibilidade por meio de argumentos empíricos)

“Assim, o problema de demarcação é mais do que uma questão de classificar teorias para se ser capaz de lhes chamar ou ‘cientificas’ ou ‘metafísicas’. Ele dá, na verdade, acesso a alguns dos mais fundamentais problemas da teoria do conhecimento, e, assim, da filosofia.” P.208

“... alguns dos mais fundamentais problemas da teoria do conhecimento”

Distinção entre teorias racionais e crenças irracionais

Outro aspecto da importância do problema é mais pragmático: teorias psicológicas e empíricas que reivindicam estatuto científico: psicologia individual de Adler, Psicanálise e marxismo. Essas teorias reivindicam verificação através de diversas provas observacionais. Toma critica como hostilidade. São teorias testáveis?

“era precisamente esse facto – o facto de que essas análises batiam sempre certo, de que eram sempre verificadas, - que impressionava seus aderentes. Comecei a pensar que essa aparente força, era, na verdade, uma fraqueza e que todas essas “verificações” eram demasiadamente pouco válidas para serem tomadas por argumentos.” P.210

Óculos da teoria ou o martelo que faz tudo virar prego.

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Procurar verificações pouco válido, inconsistente=

Método da crítica – falsificação

Um caso de verificacionismo: análise da “Interpretação dos sonhos” de Freud. Seria crítica a sua abordagem?

Duas razões pelas quais Popper empreende esta referência:

1. Pela influencia que tal obra teve em sua idéia sobre o problema da demarcação2. Pela grande descoberta freudiana:

“estou, pelo menos, convencido de que há um mundo do Inconsciente e de que as análises de sonhos que Freud dá neste livro estão, no fundamental, corretas, ainda que, sem dúvida, incompletas e, necessariamente de certo modo distorcidas. Digo “necessariamente” porque até mesmo a observação “pura” nunca é neutra – é necessariamente resultado de interpretação. (as observações são sempre colecionadas, ordenadas, decifradas e ponderadas à luz das nossas teorias. É, em parte, por esta razão que as nossas observações têm a tendência para apoiar as nossas teorias. Esse apoio tem pouco ou nenhum valora, a não ser que adoptemos conscientemente uma atitude crítica e que procuremos refutações das nossas teorias, e não “verificações” delas.” P.212

Sonhos como realização de desejo. E os pesadelos? Sonhos de ansiedade?

“E, no entanto, não há dúvida de que Freud era menos dogmático do que a maior parte de seus discípulos, que se inclinariam para fazer da nova teoria uma religião, uma religião completa, com mártires, heréticos e cismas, e que viram em cada critério um inimigo – ou, pelo menos, alguém “não-informado” (isto é, a precisar de ser analisado).” P.220

Problema e argumento do puzzle

Puzzle: juntando-se todas as peças, encaixando bem os eventos, damos significados à teoria. As verificações feitas aqui e acolá são juntadas no esforço de tornar a teoria coerente. Assim, cada vez mais vamos “encontrando evidencias” já prenunciadas pelas hipóteses, com o sentimento de que tudo se encaixa e está de acordo com o previsto, decorrendo do indutivismo e falta de critica sobre a própria teoria.

Ainda assim, para Popper:

1. A Interpretação dos Sonhos é uma grande conquista.2. Uma teoria metafísica é melhor que nenhuma outra.3. Pode ser um programa para a ciência psicológica tendo em vista o atomismo, materialismo, a teoria

eletromagnética da matéria ou teoria dos campos de Faraday – que possuíam elementos até então metafísicos.

4. “Mas é um erro fundamental acreditar que, por estar a ser constantemente “verificada” tem de ser uma ciência, baseada na experiência. Um poderoso dogmatismo anda sempre lado a lado com o verificacionismo.” P.227

“Porque a minha finalidade é mostrar que o meu problema da demarcação foi, desde o início, o problema prático de avaliar teorias e de ajuizar das suas pretensões. Não era, decerto, um problema de classificar ou

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de distinguir alguns assuntos chamados “ciência” e “metafísica”. Era, antes, um problema prático urgente: em que condições é que é possível um apelo crítico à ciência – um apelo que pudesse dar algum fruto?” p.231

“A extensa linha de demarcação entre ciência empírica por um lado, e pseudociência, metafísica, lógica e matemática pura, por outro, tem de ser traçada mesmo a cruzar o coração da região do sentido – com teorias dotadas de significado em ambos os lados da linha divisória -, e não entre as regiões de sentido e de sem-sentido. Rejeito, mais especificamente, o dogma de que a metafísica tem de ser destituída de significado.” P.234

Atomismo – já fez parte do conjunto de teorias não testáveis – era metafisca.Mais tarde, com o desenvolvimento tecnológico, passou a fazer parte da física, como teoria aceita.

“mas, tenciono repetir, até ao fim, que a confusão entre o problema da demarcação e do significado é um dos erros capitais da escola positivista de pensamento.” P.236

A negação de enunciados com significado, tem significado. A negação de enunciados sem significado, não terá, portanto, algum significado.

“Quanto à questão do caráter cientifico ou metafísico dos enunciados existenciais, é importate recordar que o meu critério se aplica a sistemas teóricos, e não a enunciados retirados de um contexto de um sistema teórico. Isto deve-se ao facto de eu estar muito mais interessado em saber aquilo que uma teoria diz do que em como ela o diz.” P.239

Todos os corvos são pretos enunciado universal É falsificável

Existe, (em alguma parte do universo, quer seja passado, presente ou futuro) um corvo que não é preto.

Enunciado existencial Não falsificávelNenhuma quantidade de dados observacionais pode falsificar

Enunciados existenciais podem ser testáveis, falsificáveis. Dependência do contexto, da teoria.

“existe um elemento que tem o número atômico 72” p.23

Enunciado existencial Entretanto, a teoria dá indicações de onde podemos achar este elemento

“Não creio que a metafísica seja algo sem sentido e não acho que seja possível eliminar todos os elementos metafísicos da ciência: eles estão intimamente entrelaçados com os restantes. No entanto, julgo que sempre que seja possível encontrar-se em ciência um elemento metafísico que possa ser eliminado, a eliminação será benéfica.” P.241

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“não chamo “metafísico” a um enunciado puramente existencial isolado por ele ser “difícil” de verificar, mas por ser logicamente impossível falsificá-lo empiricamente ou testá-lo. E sempre salientei, é claro, que a impossibilidade lógica de falsificar um enunciado existencial deste gênero é exatamente a mesma coisa que a impossibilidade lógica de verificar a sua negação universal” P.247

1. Todas as coisas têm a propriedade P.....................hipótese explicativa – enunciado universal

2. A coisa a tem a propriedade P

3. Existe uma coisa que tem propriedade P.............................. enunciado existencial

“realmente, só podemos falsificar sistemas de teorias e qualquer atribuição de falsidade a qualquer

enunciado particular no interior de um sistema desses é sempre altamente incerta”. P.254

“Os nossos procedimentos científicos nunca se baseiam inteiramente em regras; há sempre conjecturas e

intuições envolvidas: não podemos remover da ciência o elemento de conjectura e de risco.” P.256

“A irrefutabilidade não é uma virtude mas sim um vício.” P.258

Exemplo de pseudociência: astrologia – muitas verificações através do indutivismo. Associação de significado mágico à nomes divinos dos planetas.

Teoria lunar – rejeitada por Galileu, aceita por Newton – a influencia da lua nas marés, e de outros corpos supralunares nas atividades terrestres.

Atomismo primitivo – sistema metafísico: não era testável! Generalização: “não há mais nada senão átomos e vazio” Demócrito, cf. Popper, p. 262 O atomismo explicava o conhecido através do desconhecido.

“De facto, o exemplo do atomismo estabelece a inadequação da doutrina de que a metafísica é um mero palanfrório sem significado.” P.263