TRAQUINA, Nelson - Cap 2 - A Trajetória Histórica Do Jornalismo Na Democracia
A Democracia 2
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CADERNOS DE PESQUISA PPGSP - UFSC ISSN 1677-7166
SUMRIO
APRESENTAO 1 1 ESFERA PBLICA E SOCIEDADE CIVIL 3 2 AMPLIANDO O DEBATE ACERCA DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA 14 3 A QUESTO DO DESENHO INSTITUCIONAL 21 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 38
A DEMOCRACIA DELIBERATIVA: SOCIEDADE CIVIL, ESFERA PBLICA E INSTITUCIONALIDADE
LGIA HELENA HAHN LUCHMANN CADERNOS DE PESQUISA, N 33, NOVEMBRO 2002
ISSN 1677-7166
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CADERNOS DE PESQUISA PPGSP - UFSC ISSN 1677-7166
APRESENTAO
Este texto o primeiro captulo de minha tese de doutorado intitulada: Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experincia do Oramento Participativo de Porto Alegre.
Este captulo procura, luz de um novo contexto participativo no pas caracterizado pela construo e ampliao de espaos de co-gesto das polticas pblicas (a exemplo dos Conselhos Gestores e experincias de Oramento Participativo), analisar e formular um conceito de democracia deliberativa como suporte terico de avaliao destas articulaes entre sociedade civil e Estado.
Parte-se aqui do pressuposto de que a democracia deliberativa constitui-se como um modelo ou ideal de justificao do exerccio do poder poltico pautado no debate pblico entre cidados livres e em condies iguais de participao. Diferente da democracia representativa, caracterizada por conferir a legitimidade do processo decisrio ao resultado eleitoral, a democracia deliberativa advoga que a legitimidade das decises polticas advm de processos de discusso que, orientados pelos princpios da incluso, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem-comum, conferem um reordenamento na lgica de poder tradicional.
Enquanto processo decisrio, a democracia deliberativa depende, para a sua implementao, da vontade e do projeto poltico do governo, bem como da correlao de foras poltico-sociais. Os conceitos de sociedade civil e de esfera pblica so tambm centrais: o carter associativo, autnomo e tensionador da sociedade civil impe a segmentos desta esfera uma legitimidade na apresentao, problematizao e representao de demandas e interesses sociais. O conceito de esfera pblica permite deslocar os processos decisrios dos espaos fechados e restritos do poder tradicional. No entanto, para alm da implementao, a capacidade de construir e manter uma sustentabilidade democrtica requer, alm desses ingredientes, uma determinada ancoragem institucional que faa valer os princpios do pluralismo, da igualdade participativa e da promoo da justia social. Por reconhecer as dificuldades, a dinamicidade e a complexidade das relaes societais, tais como a diversidade de interesses e conflitos e as desigualdades sociais, a democracia deliberativa chama a ateno para a questo da dimenso institucional, no sentido da criao das condies para que o debate pblico seja inclusivo, plural e igual, impactando as condies sociais subjacentes. E ainda, permitindo que a ampliao do pblico deliberante no obstrua a canalizao dos conflitos em direo ao interesse comum.
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CADERNOS DE PESQUISA PPGSP - UFSC ISSN 1677-7166
DEMOCRACIA DELIBERATIVA:
SOCIEDADE CIVIL, ESFERA PBLICA E INSTITUCIONALIDADE
Lgia Helena Hahn Luchmann
A democracia deliberativa constitui-se como um modelo ou processo de deliberao
poltica caracterizado por um conjunto de pressupostos terico-normativos que incorporam a
participao da sociedade civil na regulao da vida coletiva. Trata-se de um conceito que est
fundamentalmente ancorado na idia de que a legitimidade das decises e aes polticas deriva da
deliberao pblica de coletividades de cidados livres e iguais. Constitui-se, portanto, em uma
alternativa crtica s teorias realistas1 da democracia que, a exemplo do elitismo democrtico,
enfatizam o carter privado e instrumental da poltica.
O modelo elitista, ao conceber a democracia como mecanismo de escolha de lderes
polticos pautado na competio entre os partidos atravs do voto, equipara a dinmica poltica ao
jogo do mercado. Esta concepo mercadolgica da poltica (MACPHERSON, 1978) pautada na
relao de oferta e procura que se estabelece entre os polticos-empresrios e os cidados-
consumidores, reduz a democracia a um mecanismo de escolha dos representantes polticos que
definiro os rumos, as aes e os programas pblicos. A legitimidade do governo assegurada,
aqui, pelo resultado do processo eleitoral.
O carter instrumental, individualista e competitivo deste modelo de democracia tem
sido alvo de inmeras crticas. Alm da comparao da democracia ao jogo do mercado, cuja farsa
de seu suposto equilbrio j foi exaustivamente demonstrada, ressalta-se o desprezo aos cidados,
relegados apatia e manipulao. Seguindo anlise de Macpherson (1978), neste modelo, o
equilbrio o da desigualdade e a soberania uma iluso.
exatamente tendo em vista a recuperao da dimenso normativa da democracia,
caracterizada pelo questionamento da reduo da poltica a uma lgica individualista e competitiva
e pela retomada da articulao entre o conceito de cidadania e de soberania popular, que
desenvolve-se, a partir dos anos 60, uma concepo participativa ou republicana de democracia,
pautada na idia da ampla participao dos cidados nos assuntos de interesse da coletividade. luz
de tericos clssicos como Rousseau e J.S.Mill, este referencial enfatiza o carter de auto-
1 . Dentre as teorias realistas da democracia sobressai-se a teoria do elitismo competitivo de Schumpeter e o modelo pluralista de Dahl. Segundo Held (1987), se o elitismo de Schumpeter enfatiza a concentrao de poder nas mos das elites polticas, a teoria pluralista enfatiza a ao dos grupos de interesses no processo de competio pelo poder. Para Macpherson (1978), estas teorias formam o modelo do equilbrio ou do elitismo pluralista.
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determinao da cidadania, por um lado, e o carter pedaggico e transformador da participao
poltica, por outro. Rousseau representa de forma mais direta e acabada os ideais republicanos, na
medida em que suas idias enfatizam a autoridade soberana do povo em decidir o que melhor para
a coletividade. De acordo com Held, na verso de Rousseau, a idia de auto-governo apresentada
como um fim em si mesmo; segundo ele, uma ordem poltica que oferece oportunidades para a
participao na elaborao dos negcios pblicos no deveria apenas ser um Estado, mas um novo
tipo de sociedade (HELD, 1987, p. 68).
Os ideais da democracia participativa atestam esta centralidade da auto-determinao do
povo, enfatizando a dimenso pedaggica da poltica. Para Pateman (1970), a participao
educativa e promove, atravs de um processo de capacitao e conscientizao (individual e
coletiva), o desenvolvimento da cidadania, cujo exerccio configura-se como requisito central na
ruptura com o ciclo de subordinao e de injustias sociais. A participao confere um outro ciclo,
caracterizado pela relao direta que se estabelece entre a participao cidad, a mudana da
conscincia poltica e a diminuio das desigualdades sociais (MACPHERSON, 1978)
Esta concepo republicana de democracia caracteriza-se por conferir sociedade o
poder ou a autoridade originria e legtima da formao da opinio e da vontade comum
(HABERMAS, 1997). De maneira geral, pode-se dizer que o conceito de democracia participativa
construdo sob o vis rousseaniano, assenta-se em uma concepo de poltica apresentada como um
fim em si mesma, na medida em que est preocupada com a generalizao e aprofundamento da
cidadania enquanto auto-determinao da populao na definio e construo da vida e do
interesse comum.
Trs questes so aqui assinaladas tendo em vista o desenvolvimento de uma concepo
de democracia que, luz do referencial habermasiano, coloca-se como alternativa ao modelo
republicano e participativo. Em primeiro lugar, a democracia participativa acusada de reverter a
prioridade do carter decisrio da poltica, na medida em que enfatiza a dimenso educativa, cujos
benefcios so considerados mais como um sub-produto do que um fim ltimo da atividade
poltica (ELSTER, 1997). Em segundo lugar, e de acordo com Habermas (1997, p. 44), a concepo
republicana pautada na idia de que o processo democrtico depende das virtudes de cidados
orientados para o bem comum, apresenta um carter de homogeneidade e virtuosidade que no
condiz com uma realidade complexa e plural. O reconhecimento do pluralismo cultural e social,
bem como dos conflitos de interesses sociais estimula o autor a redefinir a democracia, deslocando
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o foco da cidadania virtuosa para o dos espaos pblicos e dos procedimentos comunicativos. E por
ltimo, e ainda seguindo Habermas (1995), h que se reconhecer os limites ou fronteiras entre o
Estado e a sociedade, na medida em que compete ao primeiro a regulao e a administrao dos
problemas sociais. Ao comentar a concepo de democracia deliberativa em Habermas, Cohn (apud
HABERMAS,1995) ressalta o papel do Estado enquanto subsistema especializado em decises
coletivas obrigatrias. Mantm-se aqui, portanto, a centralidade do Estado no processo poltico
decisrio que ocorre, todavia, articulado ou pressionado pelas demandas sociais que pulsam,
dentre outros, de um processo comunicativo exercido por cidados na esfera pblica. neste
sentido que os conceitos de sociedade civil e esfera pblica tornam-se centrais neste referencial da
democracia deliberativa. Seno vejamos.
1 Esfera Pblica e Sociedade Civil
Vrios autores vm desenvolvendo uma concepo de democracia deliberativa tendo em
vista superar os limites do modelo da democracia liberal, incorporando elementos ou ideais de um
modelo republicano, pautado na idia da ampliao da poltica para alm dos limites temporais,
espaciais e de representao impostos pela regra do sufrgio universal. Habermas (1995, 1997)
apresenta uma contribuio a partir do conceito de esfera pblica que, segundo Avritzer (2000,
p.78), constitui a renovao mais importante na teoria democrtica da segunda metade do sculo
XX (...) que permite ir mais alm do debate entre o elitismo democrtico e o republicanismo.
Ao apresentar o seu modelo discursivo de processamento de tomadas de deciso
democrtico, Habermas (1995), ao mesmo tempo que absorve elementos dos modelos liberal e do
republicano, analisa alguns de seus limites, referindo-se s constrastantes concepes de cidadania e
democracia. No caso do modelo liberal, a cidadania est vinculada aos direitos subjetivos e ao
critrio das liberdades negativas, cabendo aos cidados, protegidos pelo Estado, gozar suas
liberdades e fazer valer, de acordo com a lei, os seus interesses privados. Trata-se da organizao de
um processo no qual a poltica constitui-se como competio ou como um conjunto de aes
estratgicas tendo em vista a conservao ou aquisio do poder. A participao reduz-se ao
processo eleitoral, onde "o meio a barganha, e no o argumento (...) os instrumentos de persuaso
no so reivindicaes ou razes, mas ofertas condicionais de servios e absteno" (HABERMAS,
1995, p.43).
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J a participao requerida e defendida pelo modelo republicano concebe a cidadania
como um conjunto de direitos,
"sobressaindo-se os direitos de participao e de comunicao polticas, e que so melhor entendidos como liberdades positivas (...) convertendo os cidados em autores polticos responsveis de uma comunidade de pessoas livres e iguais. (...) De um ponto de vista republicano, o objetivo de uma comunidade, ou o bem comum, consiste no sucesso de seu empenho poltico por definir, estabelecer, efetivar e sustentar o conjunto de direitos melhor ajustados s condies e costumes daquela comunidade, ao passo que num ponto de vista contrastadamente liberal, os direitos baseados na lei superior ministram as estruturas transcedentais e os limites ao poder indispensveis para a operao mais satisfatria possvel da busca pluralista de interesses diferentes e conflitantes" (HABERMAS, 1995, p. 41-42).
Sem abdicar dos princpios do Estado de Direito, garantidores dos mecanismos
comunicativos sem constrangimentos, a teoria do discurso habermasiana, enquanto modelo
procedimental de poltica deliberativa, absorve o processo poltico de formao de opinio e de
vontade do modelo republicano, rompendo com o pressuposto liberal da ao e deliberao pautado
nos interesses individuais, e apresenta-se como alternativa comunicativa de deliberao dos
assuntos de interesse pblico a serem acionados ou gerenciados pelo sistema poltico.
nesta perspectiva que os conceitos de esfera pblica e de sociedade civil tornam-se
centrais. No que diz respeito ao conceito de esfera pblica, Avritzer (2000) destaca duas
caractersticas que esto diretamente ligadas ao debate democrtico contemporneo, quais sejam:
A primeira delas a idia de um espao para a interao cara a cara distinto do Estado. Neste
espao, os indivduos interagem uns com os outros, debatem as decises tomadas pelas autoridades
polticas, discutem o contedo moral das diferentes relaes existentes no nvel da sociedade e
apresentam demandas ao Estado (AVRITZER, 2000 , p. 78).
Caracterstica central da esfera pblica , portanto, a participao igualitria e pblica
de um sujeito plural que discute os problemas a partir de um processo comunicativo ou dialgico
onde prevalece a autoridade do melhor argumento.
O segundo elemento, ou caracterstica central do conceito de esfera pblica a idia de
ampliao do domnio pblico2 ou de ampliao e/ou incorporao de novos temas, problemas e
questes que passam a ser objeto de uma discusso pautada na argumentao racional de carter
pblico. Neste sentido, a esfera pblica habermasiana igualitria no apenas porque requer e
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2 . Avritzer, op.cit., p.79
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permite a livre participao, como tambm porque incorpora novas questes que antes eram tratadas
ou relegadas ao mbito do espao privado3.
De acordo com Habermas (1997, p. 92), a esfera pblica pode ser descrita como uma
rede adequada para a comunicao de contedos, tomadas de posio e opinies; nela os fluxos
comunicacionais so filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opinies pblicas
enfeixadas em temas especficos . A sociedade civil apontada como um setor relevante na
construo da esfera pblica democrtica, na medida em que est ancorada no mundo da vida, e
portanto, apresenta maior proximidade com os problemas e demandas do cidado comum, ao
mesmo tempo que um menor grau de contaminao pela lgica instrumental.
A recuperao do conceito de sociedade civil em Habermas est pautada no
reconhecimento de que, no atual contexto histrico, seu carter ou ncleo definidor no est mais
centrado na esfera econmica e/ou no sistema de necessidades como em Marx e Hegel4, mas em
um conjunto de instituies de carter no-econmico e no-estatal, que, a exemplo dos
movimentos sociais, caracterizam-se por ancorar as estruturas de comunicao da esfera pblica
nos componentes sociais do mundo da vida (HABERMAS, 1997, p. 99).
Habermas incorpora a anlise de Cohen e Arato (1992), centrada na construo, ou na
atualizao de um conceito de sociedade civil que, articulada com uma noo pblica e tripartite,
pretende-se alternativo perspectiva liberal, na medida em que esta reduz a sociedade civil esfera
3 . Avritzer, op.cit.
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4 . Segundo Arato (1994, p. 43), Hegel o autor mais bem sucedido em apresentar o conceito de sociedade civil, numa formulao terica que procura dar conta da diferenciao e complexidade da sociedade moderna. Hegel situa a sociedade civil entre as esferas da famlia e do Estado. Em Princpios da Filosofia do Direito, Hegel apresenta o sistema de necessidades e sua satisfao pelo trabalho; o aparato jurdico; a administrao pblica e as corporaes como as esferas constitutivas da sociedade civil (HEGEL, 1990), que apresentam uma ambivalncia tica, caracterizada pela tenso entre o ser e o dever-ser (ARATO, 1994). Ou seja, a sociedade civil contm uma eticidade e uma anti-eticidade, j que se por um lado representa a busca da satisfao de necessidades prprias de cada indivduo, configurando a primazia da particularidade sobre a universalidade; por outro lado, caracteriza-se como a raiz tica do Estado, contendo organizaes (como as corporaes ) que permitem a elevao dos indivduos ao nvel da eticidade - estgio de auto-reflexo e liberdade - caracterizada pela solidariedade e identidade na constituio do esprito pblico - encontrando no Estado, a sua forma mais acabada. Esta ambigidade tica no conceito de sociedade civil vai receber um tratamento diferenciado em Marx, apesar de sua assimilao distino hegeliana entre Estado e sociedade civil. A concepo dualista presente nos escritos de Marx inaugura um conjunto de pressupostos tericos sob cujo enquadramento poltico delineia-se um projeto de transformao radical da configurao societal bipartite, caracterizada, no capitalismo ou na sociedade burguesa, pela diviso entre, por um lado, o indivduo e suas necessidades egostas a serem satisfeitas no mbito das relaes de produo, a sociedade civil; e por outro,o cidado, membro de uma comunidade abstrata, o Estado. Em "A Questo Judaica" Marx analisa o processo de "emancipao poltica" levado a cabo pela constituio do Estado de Direito, enquanto mecanismo de mistificao das reais contradies sociais, atravs da reduo do homem por um lado, ao indivduo egosta, membro da sociedade burguesa, e por outro lado, ao cidado. A emancipao humana distingue-se da emancipao poltica, uma vez que significa o rompimento com essa dualidade dissimuladora da dominao de classe, que se manifesta atravs da universalizao dos direitos individuais e da neutralizao do Estado. Em "A Ideologia Alem", Marx e Engels colocam que atravs da emancipao da propriedade privada em relao comunidade, o Estado adquire uma existncia particular, ao lado de fora da sociedade civil: mas este Estado no mais do que a forma de organizao que a burguesia necessariamente adota, tanto no interior como no exterior, para a garantia recproca de sua propriedade e de seus interesses(MARX; ENGELS, 1989, p. 97-98). Nesta perspectiva, a sociedade civil a esfera por excelncia da dominao e explorao, e portanto, isenta de uma eticidade propulsora da liberdade e igualdade.
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privada (ao individual, do contrato e das trocas mercantis), seguindo uma ordem ou lgica
independente e separada do Estado locus da poltica e do espao pblico5.
A reatualizao do conceito de sociedade civil promovida pelos autores de Civil
Society and Political Theory est fortemente inscrita pela emergncia de uma multiplicidade de
manifestaes coletivas, em diferentes contextos sociais, e que vo ser consideradas sujeitos
centrais para os processos de (re)democratizao das sociedades. No leste europeu, principalmente
na Polnia, o conceito ressurge a partir do questionamento da onipresena do Estado socialista,
questionamento que se estende s outras sociedades de regimes autoritrios, e que vai permitir um
olhar especial esfera da sociedade civil, redesenhado teoricamente frente as novas demandas e
relaes sociais6.
Tambm nos pases da Amrica Latina, bem como nos pases democrticos centrais, o
conceito de sociedade civil passa a assumir um lugar de destaque nas cincias sociais a partir da
dcada de 70. No primeiro caso, devido principalmente insurgncia de movimentos sociais que
fazem oposio aos regimes autoritrios; e no segundo, s manifestaes de protesto e defesa frente
ao crescente processo de burocratizao e regulao social promovidas pelos modelos de Welfare
State.
Movimentos ecolgicos, Organizaes No Governamentais, levantes populares contra
Estados autoritrios, organizaes pacifistas, feministas, raciais, enfim, a emergncia de uma
multiplicidade de movimentos sociais, vo se constituir em base emprica suficiente para se
repensar as relaes entre Estado, mercado e sociedade. Nesta perspectiva, o resgate contemporneo
do conceito de sociedade civil apresenta-se intimamente relacionado aos movimentos sociais (ou
novos movimentos sociais).
Uma j bastante conhecida citao de Arato e Cohen ilustra bem a relao entre estes
movimentos e a construo de um referencial terico que absorve diferentes perspectivas analticas:
Movimentos sociais no Leste e no Ocidente, no Norte e no Sul tem se apoiado em tipos interessantes embora eclticos de sntese, herdados da histria do conceito de sociedade civil. Eles pressupem, em diferentes combinaes, algo da diviso gramsciana tripartite entre sociedade civil, estado e mercado, ao mesmo tempo em que preservam aspectos chaves da crtica marxista
5 . Concepes liberais de sociedade civil podem ser encontradas, entre outros, em Dahrendorf (1992) e Gellner (1996). A abordagem da sociedade civil que enfatiza o seu carter pblico no-estatal (concepo tripartite) pode ser encontrada tambm em Taylor (1990); Walzer (1991); Wolfe (1992) dentre outros. Na Amrica Latina, ressalta-se os trabalhos de Avritzer (1993); Vieira (1995); Costa (1997); Peruzzotti (1998) e Olvera (1996, 1998).
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6 . De acordo com Avritzer, o que torna as revolues de 1989 peculiares a percepo de que o fim ltimo das revolues j no mais a reestruturao do Estado a partir de um novo princpio, mas a redefinio das relaes entre Estado e Sociedade sob o ponto de vista desta ltima (1993, p. 213).
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sociedade burguesa. Eles tambm reivindicam a defesa liberal dos direitos civis, a nfase dada por Hegel, Tocqueville e outros pluralidade societria, a importncia dada por Durkheim ao componente da solidariedade social e a defesa da esfera pblica e da participao poltica acentuados por Habermas e Hannah Arendt (ARATO; COHEN, 1994, p. 150).
Atravs do resgate desses pressupostos, Cohen e Arato (1992) elaboram um conceito de
sociedade civil como indicador de um campo que, embora articulado e ameaado pelas lgicas do
Estado e do mercado, constitui-se como o espao de expanso ou aprofundamento da democracia
nos regimes liberais Os autores partem do modelo de diferenciao entre sistema e mundo da vida
desenvolvido por Habermas, sistematizando um conjunto de pressupostos que permitem elevar a
sociedade civil ao status de "esfera das virtudes democrticas".
Na teoria da ao comunicativa, Habermas (1987) apresenta uma diferenciao entre
sistema e mundo da vida como diagnstico dos problemas contemporneos. O sistema composto
por dois subsistemas: o Estado e o mercado. Os mecanismos de coordenao da ao nestes
subsistemas so respectivamente o poder e o dinheiro, caracterizando, portanto, uma ao baseada
na racionalidade estratgica e/ou instrumental. J o mundo da vida caracteriza-se pela ao
comunicativa. Trata-se da esfera das tradies, da cultura compartilhada, da solidariedade e
cooperao. De acordo com Habermas, o agir comunicativo distingue-se, pois, do estratgico, uma
vez que a coordenao bem sucedida da ao no est apoiada na racionalidade teleolgica dos
planos individuais de ao, mas na fora racionalmente motivadora dos atos de entendimento,
portanto, numa racionalidade que se manifeste nas condies requeridas para um acordo obtido
comunicativamente (HABERMAS, 1990a p.72).
O processo de modernizao provocou um desequilbrio na integrao dessas esferas,
com a colonizao do mundo da vida pela racionalidade dos dois subsistemas. Se o mundo da
vida, caracterizado pela solidariedade, responsvel pela integrao social; o sistema, baseado na
ao estratgica, responsvel pela integrao sistmica, no sentido de assegurar a reproduo
material e institucional da sociedade. A crise significa o desengate entre essas duas racionalidades,
com o predomnio e expanso das relaes de poder e da lgica do mercado sobre as relaes
sociais. Mas este processo de diferenciao mltipla que caracteriza a prpria modernidade, permite
o crescimento e desenvolvimento do grau de racionalidade das estruturas comunicativas, ou seja,
no campo da comunicao moral, do saber prtico, do agir comunicativo e de regulamentao
consensual dos conflitos de ao (...) estruturas de racionalidade que encontram expresso nas
imagens do mundo, nas idias morais e nas formaes de identidades, que tm eficcia prtica nos
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movimentos sociais e que, por fim, se materializam em sistemas de instituies (HABERMAS,
1990b, p.13).
O conceito de sociedade civil desenvolvido por Arato e Cohen no se configura como a
totalidade ou reproduo da concepo do mundo da vida de Habermas. Segundo os autores:
O conceito habermasiano de mundo da vida possui duas dimenses distintas que uma vez diferenciadas e esclarecidas, nos permitem apontar o lugar exato da sociedade civil no modelo global. Por um lado, o mundo da vida se refere a um reservatrio de tradies implicitamente conhecidas e de pressupostos automticos que esto imersos na linguagem e na cultura e utilizados pelos indivduos na sua vida cotidiana. Por outro lado, o mundo da vida, de acordo com Habermas, contm trs componentes estruturais distintos: a cultura, a sociedade e a personalidade (ARATO; COHEN, 1994).
Enquanto membros de uma sociedade, os indivduos compartilham tradies,
internalizando valores e desenvolvendo identidades individuais e sociais. Desenvolve-se, neste
sentido, instituies responsveis e especializadas na reproduo das culturas, tradies, identidades
e solidariedades. Estas instituies correspondem esfera da sociedade civil, e apresentam como
caracterstica bsica uma prxis comunicativa voltada para o entendimento, diferente, portanto dos
outros subsistemas.
Essa diferenciao estrutural do mundo da vida apresenta-se como o eixo central de
delimitao da sociedade civil, uma vez que os potenciais de racionalidade comunicativa
desencadeados pelo complexo processo de diferenciao multisistmica e que dizem respeito
modernizao do mundo da vida, caracterizam-se pelas reais e concretas possibilidades - luz das
garantias dos complexos de direitos dos Estados liberal-democrticos7 - de questionamento das
ordens tradicionais baseadas em fundamentalismos, coeres e controles, ou monopolizao da
racionalidade estratgica. tendo em vista esta monopolizao que a anlise do processo de
modernizao da sociedade civil apresenta no somente aspectos positivos caracterizados pela
publicizao, reflexividade, mudana, autonomia, liberdade e emancipao. Os aspectos negativos,
to enfaticamente analisados e reconhecidos pelo autor da "Teoria da Ao Comunicativa" so
extremamente limitativos para o aprofundamento e ampliao da racionalidade comunicativa. A
transformao do cidado em consumidor (subordinado aos imperativos do subsistema econmico)
e em cliente (subordinado aos imperativos do sistema poltico), caractersticos de um processo de
burocratizao e monetarizao, ancora-se em uma racionalidade pautada nos interesses
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7 . Arato e Cohen (1994) identificam trs complexos de direitos: direitos de reproduo cultural (liberdade de pensamento, imprensa, expresso e comunicao), direitos que garantem a integrao social (liberdade de associao e reunio) e direitos que garantem a socializao (proteo da privacidade, intimidade e inviolabilidade do indivduo).
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individualistas, suprimindo os espaos de autonomia, diluindo solidariedades e limitando a
participao coletiva. No entanto, este processo de "reificao" ou "colonizao do mundo da vida,
esbarra nos mecanismos de diferenciao, atravs da "liberao" da racionalidade estratgica do
mundo da vida e sua localizao no mundo sistmico, cuja legitimidade requer uma "ancoragem
institucional em um mundo da vida que permanece simbolicamente estruturado, comunicativamente
coordenado e, ao menos em parte, modernizado e integrado socialmente" (ARATO; COHEN, 1994,
p.161).
A articulao com os movimentos sociais d-se, na medida em que este tipo de prtica
associativa configura-se como um conjunto de procedimentos de busca de entendimento mtuo, de
troca de conhecimentos, informaes e reflexes. A associao configura-se como mecanismo de
articulao de estratgias tanto defensivas quanto ofensivas, ou seja, como mecanismo que
comporta uma tarefa dupla da democracia radical auto-limitada, qual seja, a aquisio pelo pblico
de influncia sobre o Estado e a economia; a institucionalizao dos ganhos dos movimentos sociais
dentro do mundo da vida" (ARATO; COHEN, 1994, p. 174). Os movimentos sociais so portanto
os sujeitos ativos e pblicos de uma sociedade civil modernizada, demandatrios de um duplo
processo de democratizao: na esfera dos valores e prticas sociais; e na esfera dos subsistemas e
prticas institucionais. Este carter dual nas atribuies dos seus sujeitos coletivos (ofensivos e
defensivos), est intimamente articulado com a dupla insero da sociedade civil nas esferas pblica
e privada, complexificando e superando um modelo dicotmico, a partir de um modelo tripartite
que gera agora dois conjuntos de dicotomias entre o pblico e o privado: um no nvel dos
subsistemas (Estado/mercado) e outro no nvel da sociedade civil (formao da opinio
pblica/famlia)8. A articulao da sociedade civil com a racionalidade comunicativa e portanto
com um conjunto de atores que constrem novas identidades e solidariedades, tematizam
problemas, demandam novos direitos, instituem novos valores e reivindicam novas instituies;
bem como a sua insero em um contexto societal ancorado no Estado de Direito e portanto,
protegido pelas garantias de associao, comunicao, expresso e privacidade dos direitos
constitucionais, definem a especificidade desta esfera, articulada com os princpios amplamente
reconhecidos por aqueles que compartilham a concepo da sociedade civil diferenciada do Estado
8 . Estas articulaes podem ser melhor visualizadas no esquema:
Pblico Privado Subsistemas Estado Mercado Sociedade Civil Esfera pblica Famlia; amizades...
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e do mercado quais sejam: pluralidade, privacidade, legalidade e publicidade. Nas palavras de
Cohen e Arato:
"Plurality: families, informal groups, and voluntary associations whose plurality and autonomy allow for a variety of forms of life; publicity: institutions of culture and comunication; privacy: a domain of individual self-development and moral choice; and legality: structures of general laws and basic rights need to demarcate plurality, privacy and publicity from at least the State and, tendentially, the economy. Together structures secure the institutional existence of a modern, differenciated civil society" (COHEN; ARATO, 1992, p.346).
A racionalidade comunicativa liberada dos processos de constrangimento, enquanto
expresso de uma comunicao pautada na busca de entendimentos intersubjetivos possibilitam o
desenvolvimento de aes reflexivas e formas de sociabilidades, ou formas de associao,
publicidade, solidariedade e identidades ps-tradicionais, ps-convencionais, igualitrias e
democrticas (ARATO; COHEN, 1994, p. 158).
A especificidade da sociedade civil, nesta perspectiva, diz respeito a diferente
racionalidade que coordena ou mediatiza as aes e relaes sociais. Trata-se, nesta vertente terica,
de um conjunto de atores e instituies que se diferenciam dos partidos e outras instituies
polticas (uma vez que no esto organizados tendo em vista a conquista do poder), bem como dos
agentes e instituies econmicas (no esto diretamente associados competio no mercado).
Pluralismo, autonomia, solidariedade e influncias/impactos na esfera pblica completam, portanto,
o quadro de caractersticas desta concepo de sociedade civil moderna, que, identificando-se como
modelo utpico auto-limitado, procura compatibilizar o ncleo normativo da teoria da democracia
com as complexas e diferenciadas estruturas da modernidade.
exatamente por se constituir em um conjunto de sujeitos que tematizam novas
questes e problemas, que clamam por justia social e que organizam e representam os interesses
dos que so excludos dos debates e deliberaes polticas, construindo e ampliando a esfera
pblica, que a sociedade civil passa a se articular, ou a se constituir em um ncleo central do
conceito de democracia deliberativa.
A incorporao deste referencial na anlise da democracia deliberativa habermasiana
confere uma dimenso mais realista da democracia se comparada aos pressupostos republicanos.
Se a articulao entre os conceitos de esfera pblica e sociedade civil possibilitam uma ampliao
na concepo de democracia e de prtica poltica, esta perspectiva apresenta alguns limites no
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tocante a um ideal democrtico que incorpore efetivamente os cidados no processo de deciso
poltica.
Vimos que o conceito de esfera pblica habermasiano vai alm do modelo liberal, na
medida em que prev o estabelecimento de estruturas comunicativas voltadas discusso e busca
de entendimentos de carter coletivo, sobressaindo-se o papel e a atuao dos atores da sociedade
civil. Entretanto, sua perspectiva de democracia apresenta limites no tocante capacidade e
legitimidade efetivamente deliberativa desses espaos e atores sociais. De acordo com Habermas
(1997), a democracia deliberativa configura-se como uma estratgia dual, caracterizada pela
existncia de esferas pblicas diferenciadas quanto ao grau e ao poder de discusso, organizao e
deciso. Por um lado, segundo Habermas, temos a esfera pblica geral, responsvel pela
tematizao pblica dos problemas e temas que afetam a sociedade. Por outro lado, permanece o
papel deliberativo do sistema poltico, enquanto esfera pblica procedimentalmente regulada,
responsvel, portanto, pela tomada de decises refletidas pelos interesses e as influncias da esfera
pblica geral, ou dos fruns de discusso extra-institucionais. Nas palavras do autor:
A formao da opinio, desatrelada das decises, realiza-se numa rede pblica e inclusiva de esferas pblicas subculturais que se sobrepem uma s outras, cujas fronteiras reais, sociais e temporais so fluidas. As estruturas de tal esfera pblica pluralista formam-se de modo mais ou menos espontneo, num quadro garantido pelos direitos humanos. E atravs das esferas pblicas que se organizam no interior de associaes movimentam-se os fluxos comunicacionais, em princpio ilimitados, formando os componentes informais da esfera pblica geral. Tomados em sua totalidade, eles formam um complexo selvagem que no se deixa organizar completamente. Devido a sua estrutura anrquica, a esfera pblica geral est muito mais exposta aos efeitos de represso e de excluso do poder social distribudo desigualmente da violncia estrutural e da comunicao sistematicamente distorcida, do que as esferas pblicas organizadas do complexo parlamentar, que so reguladas por processos. De outro lado, porm, ela tem a vantagem de ser um meio de comunicao isento de limitaes, no qual possvel captar melhor novos problemas, conduzir discursos expressivos de auto-entendimento e articular, de modo mais livre, identidades coletivas e interpretaes de necessidades. A formao democrtica da opinio e da vontade depende de opinies pblicas informais que idealmente se formam em estruturas de uma esfera pblica poltica no desvirtuada pelo poder. De sua parte, a esfera pblica precisa contar com uma base social na qual os direitos iguais dos cidados conseguiram eficcia social (HABERMAS, 1997, p.32).
Como corolrio desta perspectiva dual de esfera pblica, Habermas preconiza uma
atuao poltica mais comedida por parte da sociedade civil se comparado com a concepo
republicana, advertindo quanto ao limitado mbito de ao que a sociedade civil e a esfera pblica
possibilitam para as formas de expresso poltica e os movimentos polticos no institucionalizados
(...) uma autolimitao estruturalmente necessria da prtica democrtica radical (HABERMAS,
1997, p.45). Tendo em vista a garantia da articulao entre a integrao social e funcional em
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sociedades altamente complexas e diferenciadas, retm-se, aqui, a importncia do Estado de Direito
(e suas instituies) para a garantia de uma cultura poltica liberal no contexto de um mundo da vida
racionalizado, o que vai evitar o florescimento de movimentos antidemocrticos, a exemplo dos
populismos e fundamentalismos. sociedade civil reservado o papel de influncia e canalizao
de temas e problemas a serem democraticamente encaminhados, regulados e gerenciados pelos
outros subsistemas jurdico-polticos (judicirio, poltico, administrativo...): a influncia pblica s
se transforma em poder poltico aps passar atravs dos filtros dos procedimentos
institucionalizados de formao de vontade e opinio democrticas, ser transformada em poder
comunicativo e adentrar atravs dos debates parlamentares o processo legislativo legtimo
(HABERMAS, 1997).
nesta perspectiva que Habermas apresenta uma concepo mais branda no que se
refere participao social se comparado ao modelo republicano, na medida em que em sua
concepo de democracia deliberativa os cidados no se constituem enquanto uma vontade
coletiva que define e delibera as questes pblicas de forma auto-determinada. Os limites
sistmicos esto colocados, sendo que o sistema poltico, o judicirio, o sistema econmico, enfim,
o processo de diferenciao funcional que caracteriza as sociedades complexas so impeditivos
estruturais para uma atuao da sociedade civil enquanto auto-definidora e gerenciadora das
deliberaes polticas. Mas por outro lado, sem a sua interveno e participao, a vida pblica
perde o seu carter democrtico, j que as estruturas de comunicao da esfera pblica so
vinculadas s esferas da vida privada de um tal modo que d periferia da sociedade civil, em
oposio aos centros da poltica, a vantagem de uma maior sensibilidade para detectar e identificar
novas situaes problemticas (HABERMAS, 1997, p.55). Os movimentos sociais, utilizando-se
de uma srie de mecanismos organizacionais de debate, interlocuo e influncia, podem dramatizar
as questes de forma a impactar a agenda da mdia, tornando-as acessveis ao grande pblico e
ganhando um lugar na agenda pblica, sendo que algumas vezes, requer-se o apoio de aes
espetaculares, de protestos de massas e de incessantes campanhas antes que um tema possa avanar,
atravs de votos vitoriosos, de pontos programticos dos partidos estabelecidos cuidadosamente
ampliados, dos acrdos, das smulas, do judicirio, etc... at a rea central do sistema poltico e ali
receber considerao formal9
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9 . Habermas, op.cit. p. 56
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Enfim, a democracia deliberativa habermasiana constitui-se em uma nova articulao
entre o Estado e a sociedade que questiona a prerrogativa unilateral da ao poltica em um dos
polos deste binmio. A importncia atribuda aos conceitos de esfera pblica e sociedade civil diz
muito mais respeito ao seu carter de oxigenao, tensionamento, problematizao do poder
poltico, do que um papel diretamente poltico-decisrio destes espaos e atores:
A soberania do povo retira-se para o anonimato dos processos democrticos e para a implantao jurdica de seus pressupostos comunicativos pretensiosos para fazer-se valer como poder produzido comunicativamente. Para sermos mais precisos: esse poder resulta das interaes entre a formao da vontade institucionalizada constitucionalmente e esferas pblicas mobilizadas culturalmente, as quais encontram, por seu turno, uma base nas associaes de uma sociedade civil que se distancia tanto do Estado como da economia (HABERMAS, 1997, p. 24).
Esta perspectiva difere-se, por um lado, da concepo liberal, seja em uma vertente
pluralista ou elitista, e por outro lado, da vertente republicana. A anlise acerca da esfera pblica e
da sociedade civil apresenta o mrito de vislumbrar na sociedade uma esfera de sujeitos e aes
que, diferente dos grupos de interesses, estabelece as articulaes (discursivas) entre os indivduos
e/ou os problemas do mundo da vida e o poder poltico estatal. Relativiza, por outro lado, os
ideais do cidado virtuoso do modelo republicano. Costa (1997) sintetiza esta perspectiva ao
assinalar que a teoria de Habermas recusa
a frmula rousseausta, segundo a qual a virtude cvica dos cidados individuais proporcionar per se a constituio de um conjunto de cidados orientados para o bem comum. A fonte da legitimidade poltica no pode ser, conforme Habermas, a vontade dos cidados individuais, mas o resultado do processo comunicativo de formao da opinio e da vontade coletiva. esse o processo que, operado dentro da esfera pblica, estabelece a mediao entre o mundo da vida e o sistema poltico, permitindo que os impulsos provindos do mundo da vida cheguem at as instncias de deciso do sistema democrtico (COSTA, 1997, p.12).
Entretanto, exatamente este carter de excessiva informalidade da participao
social entre outros fatores10 - que induz alguns autores ao questionamento da concepo de
democracia deliberativa habermasiana, na medida em que a sua combinao de princpios liberais e
republicanos no leva a um projeto de reformulao mais profunda ou radical da institucionalidade,
ou das regras do jogo da democracia representativa tradicional.
Alguns autores so aqui resgatados, na medida em que apresentam uma concepo de
democracia deliberativa que pretende ir alm da perspectiva procedimentalista habermasiana
(COHEN, 2000), enfatizando, entre outras, a importncia de medidas institucionais para a
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10 . Como a construo de consensos luz de um procedimento deliberativo pautado na fora do melhor argumento. (De VITA, 2000).
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superao das principais dificuldades da democracia deliberativa, como o pluralismo cultural, as
desigualdades sociais e a complexidade social (BOHMAN, 2000).
2 Ampliando o Debate Acerca da Democracia Deliberativa
Um conjunto de anlises acerca da democracia deliberativa vem se desenvolvendo no
sentido de apresentar novos elementos para o debate. Dentre as questes levantadas, ressalta-se: a) o
resgate da idia de soberania popular, no sentido de um reconhecimento de que cabe aos cidados
no apenas influenciar, como de decidir acerca das questes de interesse pblico: a outorga de
autoridade para o exerccio do poder do Estado deve emergir das decises coletivas de seus
membros (COHEN, 2000, p. 24); b) a nfase no carter dialgico dos espaos pblicos enquanto
formadores da opinio e da vontade. Aqui, diferente da perspectiva agregativa da democracia11, as
preferncias so endgenas ao modelo; c) o reconhecimento do pluralismo cultural, das
desigualdades sociais e da complexidade social (BOHMAN, 2000) reclama para a importncia dos
impactos dos processos deliberativos no contexto scio-cultural subjacente; d) o papel do Estado e
dos atores polticos mais notadamente os partidos polticos para a criao de esferas pblicas
deliberativas e a implementao das medidas advindas de processos deliberativos; e) e por ltimo, e
frente as dificuldades e riscos da democracia deliberativa, ressalta-se a importncia do formato e da
dinmica institucional.
Um ponto central dos defensores da idia da democracia deliberativa - enquanto modelo
de soberania dos cidados - repousa na tese de que este um modelo ou um ideal de justificao do
exerccio do poder poltico de carter coletivo que d-se a partir da discusso pblica entre
indivduos livres e iguais. Constitui-se, portanto, como processo de institucionalizao de espaos e
mecanismos de discusso coletiva e pblica tendo em vista decidir o interesse da coletividade,
cabendo aos cidados reunidos em espaos pblicos, a legitimidade para decidir, a partir de um
processo cooperativo e dialgico, as prioridades e as resolues levadas a cabo pelas arenas
institucionais do sistema estatal. Para alm, portanto, da influncia ou de uma orientao informal,
compete aos cidados a definio e/ou a co-gesto das polticas pblicas.
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11. A democracia agregativa caracteriza-se por conceber a poltica como resultado da agregao das preferncias ou dos interesses dos indivduos, sendo que estes so considerados como exgenos ao modelo (Elster, 1997; Cohen, 1999; 2000; Bohman, 1996; 2000).
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De acordo com Bohman (2000, p. 57), a razo pblica exercida no pelo Estado, mas
na esfera pblica de cidados livres e iguais. A nfase nas condies de liberdade e igualdade dos
sujeitos deliberativos tambm encontrada em Cohen (1999, p. 73), que concebe os resultados
como sendo democraticamente legtimos apenas quando forem objeto de um acordo argumentativo
estabelecido entre indivduos livres e iguais.
O autor prope trs princpios bsicos para o estabelecimento de condies para a livre
discusso racional entre cidados iguais, tendo em vista a autorizao para o exerccio do poder
poltico, quais sejam: a) o princpio de incluso deliberativa, caracterizado pela idia de que todos
so cidados com os mesmos direitos, independente de sua insero social, poltica, religiosa,
econmica e cultural. De acordo com Cohen, as restries s liberdades (religiosas, de expresso)
configuram-se como uma negao da condio igualitria enquanto membros de um povo soberano,
o que significaria a excluso e o empobrecimento de um ideal de exerccio do poder mediante um
processo de argumentao entre cidados livres e iguais (COHEN, 1999). Trata-se, portanto, do
respeito ao princpio do pluralismo; b) o princpio do bem comum, que diz respeito possibilidade
de um acordo pblico a respeito das prioridades sociais, tendo em vista a promoo de maior justia
social; e c) o princpio da participao, caracterizado pela garantia de direitos iguais de participao,
incluindo os direitos de votar, de associao, de expresso poltica, de ser eleito para um posto
pblico, de garantias de igualdade de oportunidades para o exerccio de uma influncia eficaz,
sendo que este ltimo requerimento condena a desigualdade de oportunidades para ser eleito e o
exerccio da influncia poltica, que resultam do desenho da estrutura das decises coletivas
(Cohen, 1999, p. 38).
A combinao desses trs princpios permite, segundo Cohen, uma concepo de
democracia deliberativa que articule processos com resultados, e que faa valer de fato as
expresses pelo povo e para o povo que so prprias do ideal de democracia. Entre o conjunto
de sujeitos deliberativos, o autor destaca o papel das associaes secundrias12, na medida em que
representam os interesses de uma ampla base social que, de outra forma, encontra-se sub-
representada. A atuao desse associativismo fundamental para corrigir as desigualdades
econmicas subjacentes e garantir a competncia regulatria requerida para a promoo do bem
comum13.
12 . Enquanto grupos organizados que so intermedirios entre o mercado e o Estado (COHEN, 2000, p. 43).
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13 . Cohen, op.cit.
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Menos preocupado com a exigncia de uma racionalidade discursiva pautada na idia
do consenso luz do melhor argumento, Bohman defende a idia de um processo de justificao
pautado na cooperao, no dilogo e no comprometimento dos cidados para com os resultados ou
respostas advindas de uma interlocuo pblica de carter aberto, plural e inclusivo. A justificativa
das opinies e decises d-se a partir da construo do interesse comum democraticamente
acordado (BOHMAN,1996).
H que se destacar a importncia do poder pblico e das organizaes partidrias neste
processo, ou a importncia do projeto poltico-partidrio enquanto elo condutor da implementao
de espaos pblicos deliberativos e de investimentos na inverso das prioridades sociais. Pelo
menos trs argumentos justificam principalmente em se tratando da realidade brasileira - a
centralidade do poder pblico e do projeto poltico-partidrio para a implementao de experincias
de democracia deliberativa.
Em primeiro lugar, o associativismo civil, ou o quadro da organizao da sociedade
civil complexo, plural e desigual. Compe-se de um leque variado de interesses, estratgias,
recursos que conformam um mosaico de diferentes cores e perspectivas. Mesmo em se tratando dos
movimentos sociais que procuram melhorar as condies de vida, estudos indicam que os mesmos
tendem a ser locais, corporativos e parciais. E ainda, seguindo anlise de Kowarick e Singer (1993,
p. 196), por mais amplos e gerais que sejam, so as instncias propriamente polticas, o poder do
Estado e as organizaes partidrias, que podem levar maior universalidade na aglutinao e
representao de muitos e variados interesses inerentes a uma sociedade marcada por ampla
desigualdade.
Em segundo lugar, e tendo em vista que a sociedade brasileira apresenta um quadro de
carncias e desigualdades que forma, como corolrio, uma massa atomizada14, o poder pblico
passa a ter um papel importante no estmulo e no desenvolvimento de mecanismos que permitam ou
potencializem a ampliao de um associativismo civil atuante e vigoro, ao mesmo tempo que
evitando a exaltao de determinados grupos e/ou o facciosismo entre eles (COHEN, 1999).
Em terceiro lugar, a participao igual e plural dos cidados e coletividades, ou o ideal
de pluralismo igualitrio no garante ou no sustenta, frente a este quadro de desigualdades e
excluses, uma relao imediata entre a participao, o dilogo pautado no interesse comum e a
14 . Trata-se, segundo Santos (1993, p. 98), de uma enorme massa atomizada que, sujeita a carncias de todo tipo, vem usando com parcimnia o recurso do voto, indiferente aos polticos e governantes e fugindo s malhas organizacionais de partidos, associaes
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promoo da justia social. De acordo com De Vita (2000), uma deciso pode ser injusta, mesmo
sendo resultante da aplicao correta de procedimentos deliberativos eqitativos. Em nosso
entendimento, essa proposio apresenta maior validade na medida em que est relacionada a uma
realidade social pautada tanto na excluso de significativos setores sociais, quanto em uma incluso
permeada por relaes de desigualdade (desnveis educacionais, organizacionais, etc...). Da a
importncia de uma instncia responsvel pela promoo de aes tendo em vista a incluso, de
criao de mecanismos de salvaguarda do princpio de igualdade participativa, de promoo de
medidas pautadas na efetivao da justia social.
Vrios tericos da democracia deliberativa sustentam a tese de que esta vai alm da
articulao e agregao de preferncias e convices, na medida em que contribui, atravs do
debate pblico, para a prpria reformulao destas preferncias. Trata-se, portanto, de um processo
educativo, na medida em que a troca de conhecimentos, interesses, crenas e expectativas provoca
mudanas em direo ampliao de perspectivas e horizontes. A deliberao estimularia as
pessoas no apenas a expressar suas opinies polticas mas tambm a formar essas opinies atravs
do debate pblico (VITULLO, 2000). Ou seja, parte-se do pressuposto de que as opinies so tanto
exgenas quanto endgenas ao modelo.
Convm ressaltar que o fato de que as crenas e opinies so endgenas ao processo
deliberativo pode representar tanto alteraes tendo em vista o bem comum, quanto alteraes de
interesses e convices tendo em vista a implementao de medidas que beneficiem interesses
pessoais e/ou corporativos. De acordo com De Vita (2000, p. 13)15, em funo do quadro de
desigualdades (renda, riqueza, tempo, capacidade de organizao, informaes, educao, etc...), a
deliberao pblica pode, ao contrrio de fazer com que as pessoas votem com base nas melhores
razes, lev-las a constituir crenas falsas sobre a relao entre polticas e resultados ou a substituir
crenas verdadeiras por crenas falsas. Se as preferncias exgenas so mais facilmente
compartilhadas por diferentes setores e atores sociais16, as preferncias e crenas endgenas,
caracterizadas por definir a melhor forma de resolver os problemas, so as que sofrem mais forte e
diretamente as influncias daqueles que apresentam maior capacidade e recursos para o
convencimento ou o aceite de suas idias. Neste sentido, organizaes sociais fortes e com
comunitrias, sindicatos e associaes profissionais (...) e vtima de mltiplos exemplos de violncia pblica e privada, vem negando a existncia de conflito. 15. O autor ancora-se nas crticas de Przeworski (1998) s teorias da democracia deliberativa que estabelecem uma relao direta entre procedimentos igualitrios e resultados justos.
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16 . Por motivos tambm diferentes, exemplos: a reduo da pobreza, da violncia, etc...
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capacidade de exercer influncias e lobbies, grupos econmicos, partidos polticos, entre outros, so
os que efetivamente apresentam maiores impactos na formulao de preferncias endgenas.
Mesmo em se considerando a importncia do carter pblico e coletivo da democracia deliberativa
enquanto antdotos imprescindveis contra os mecanismos de manipulao, h que se resguardar o
papel do projeto e/ou do partido poltico que, comprometido com os ideais da participao e da
promoo da justia social, faa valer e garantir a ampliao, a pluralizao e a igualdade de
participao. Torna-se imprescindvel, neste sentido, a institucionalizao de mecanismos que
garantam a efetivao desses ideais.
A concepo de democracia deliberativa prev, portanto, formas participativas mais
institucionalizadas, ou mais formalizadas tendo em vista no apenas a discusso pblica de um
sujeito plural, como tambm o poder de deciso, luz do estabelecimento pblico e coletivo de
ideais ou princpios vinculados promoo do bem comum. Este ideal de democracia deliberativa
combina, de acordo com Cohen (apud FARIA, 2000), a aprendizagem local e o auto-governo com a
aprendizagem social mais ampla, atravs da articulao entre a participao direta junto aos
problemas locais com a institucionalizao de vnculos, ou de uma coordenao deliberativa de
diferentes unidades locais. A participao direta importante, na medida em que canaliza
conhecimento e valores locais relevantes na tomada de decises (...) estimula a expresso das
diferenas e a proviso de informaes. O respeito expresso atravs da argumentao mtua que
define a deliberao refora um compromisso com as normas do dilogo, com a sinceridade, a
confiana, e com a soluo dos problemas (apud FARIA, 2000, p. 65).
J a institucionalizao de vnculos ou articulaes entre as unidades locais pretende
superar a estreiteza comumente associada com o localismo17.
Um ponto fundamental de diferena da proposta destes autores com relao ao ideal
habermasiano diz respeito, portanto, ao carter deliberativo de fato dos cidados na resoluo dos
problemas sociais. Seguindo anlise de Faria, Cohen reclama do limitado poder de transformao
da institucionalidade estatal encontrado na teoria habermasiana, uma vez que se tomarmos como
pressuposto de que as principais instituies polticas solucionadoras de problemas (parlamento,
administrao e partidos) permanecem fixas no seu desenho e concepo, e que os cidados devem
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17 . apud FARIA, op.cit.
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DEMOCRACIA DELIBERATIVA: SOCIEDADE CIVIL, ESFERA PBLICA E INSTITUCIONALIDADE
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discutir direes polticas e no resolverem problemas, ento, inevitavelmente, a capacidade de
contribuio pblica para dirigir o Estado permanece como uma questo aberta18.
A questo da institucionalizao tambm objeto de anlise e preocupao de Bohman,
para quem o xito de uma forma deliberativa de democracia depende da criao de condies
sociais e de arranjos institucionais que propiciem o uso pblico da razo. A deliberao pblica na
medida em que estes arranjos permitam o dilogo livre e aberto entre cidados capazes de formular
juzos informados e racionais em torno s formas de resolver situaes problemticas (BOHMAN,
2000, p. 49).
Segundo o autor, a democracia deliberativa uma atividade social compartilhada e que
requer o dilogo e a cooperao em um contexto de extrema complexidade, conflituosidade e
desigualdade. Este contexto configura-se como um desafio para a viabilizao da democracia
deliberativa, na medida em que diz respeito a um quadro marcado pelo:
pluralismo cultural, o qual mina a possibilidade de existncia de uma vontade geral, de um bem comum unitrio e de uma razo pblica singular; pelas desigualdades sociais, que podem produzir um crculo vicioso de excluso com respeito efetiva participao na deliberao; pela complexidade social, a qual se faz necessria a insero da deliberao em mbitos institucionais cada vez mais amplos e poderosos; e pela diversidade de interesses dentro de uma mesma comunidade, a qual pode restringir a comunicao pblica, assim como a gama de solues factveis dos problemas e conflitos sociais (BOHMAN, 2000, p. 49).
Nesta perspectiva, a democracia deliberativa, enquanto processo decisrio centrado em
debates pblicos protagonizados por um sujeito plural tendo em vista a resoluo de problemas
sociais, deve tambm ser capaz de interferir nas condies de desigualdades sociais subjacentes,
promovendo, ou oportunizando a igualdade participativa e deliberativa.
Trata-se, portanto, de um processo que, ao incorporar a idia de publicidade
habermasiana, vai alm do conceito de esfera pblica deste autor, na medida em que prev a
reformulao da institucionalidade democrtica tradicional, atravs de um dilogo crtico e
constante entre as instituies e seus pblicos. De acordo com Bohman (2000, p. 49), este processo
deliberativo deve desenvolver-se em um marco institucional e interpretativo em constante reviso;
o contnuo dilogo entre o pblico deliberante e as instituies que organizam a deliberao,
mantm esse marco aberto e democrtico. Sem este dilogo, a democracia perde a sua capacidade
de gerar um poder legtimo. A no institucionalizao da opinio pblica limita a sua capacidade
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18 . Cohen (apud FARIA, op.cit., 67).
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DEMOCRACIA DELIBERATIVA: SOCIEDADE CIVIL, ESFERA PBLICA E INSTITUCIONALIDADE
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de se efetivar como poder poltico, reduzindo as possibilidades ou condies de um controle pblico
eficaz e tornando estas instituies dependentes de formas de poder no democrticas.
A democracia deliberativa constitui-se, portanto, como um processo de
institucionalizao de um conjunto de prticas e regras (formais e informais) que, pautadas no
pluralismo, na igualdade poltica e na deliberao coletiva, sejam capazes de eliminar ou reduzir os
obstculos para a cooperao e o dilogo livre e igual, interferindo positivamente nas condies
subjacentes de desigualdades sociais. neste sentido que o princpio do pluralismo, em um modelo
democrtico-deliberativo, vai alm do respeito diversidade e ao conflito, na medida em que se
assenta em um conjunto de regras inclusivas dos setores historicamente excludos dos
procedimentos deliberativos. Uma institucionalidade de gesto participativa de carter democrtico
seria ento, aquela que no apenas oferece a oportunidade de participao a diferentes atores
sociais, como tambm, e fundamentalmente, potencializa a participao atravs de um conjunto de
mecanismos - princpios e regras - institucionais.
Percebe-se, portanto, uma importante aproximao com os ideais republicanos de
participao e/ou soberania popular. A nfase no carter efetivamente decisrio dos cidados e na
ampliao da esfera da poltica um importante sinalizador neste sentido. Pode-se dizer, neste
sentido, que a democracia deliberativa (ou participativa) articula: participao social em condies
de igualdade e liberdade; processos de deciso advindos de uma discusso coletiva e pblica;
condies de pluralismo; e a busca ou promoo da justia social. Trata-se de um referencial que
reclama uma maior ateno questo institucional, tendo em vista o carter de reconfigurao do
prprio Estado como agente central deste processo. Mais, ou para alm da idia de esferas pblicas,
o modelo parece referir-se instituio de esferas pblicas formatadas que garantam no apenas a
abertura da participao social, como tambm atuem no sentido da reduo e/ou eliminao de
barreiras a uma participao ampla, efetiva e legtima da populao nos processos decisrios.
Vrios autores vm apontando uma srie de riscos democracia deliberativa, que vo
desde o populismo, o elitismo, caracterizado pelo predomnio e/ou o favorecimento dos grupos mais
organizados e com maior poder e recursos, o risco de coero da maioria, a fora dos interesses
privados ou egostas (ELSTER, 1997), a manipulao das preferncias por grupos com maior poder
poltico e econmico (PRZEWORSKI, 1998; STOKES, 1998). A importncia da dinmica ou do
formato institucional diz respeito, neste sentido, a um conjunto de procedimentos (formais ou
informais) que reduzam ou eliminem estes riscos e que permitam o estabelecimento de um processo
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no qual: os desiguais se tornem mais iguais, e as individualidades possam se expandir sem efeitos
desagregadores e egostas (...) uma sntese de novas formas societais de organizao e participao
e de novas formas estatais de representao e deciso. Em uma palavra: sntese de democracia
direta e democracia representativa (NOGUEIRA, 1998, p. 20).
Porm, tratar da questo da institucionalidade significa pens-la em uma dupla
perspectiva, na medida em que, se por um lado, as instituies so resultantes de articulaes e
foras scio-polticas, por outro lado, apresentam um carter (mais ou menos) impositivo no sentido
de impactar relaes sociais. Em se tratando de uma perspectiva democrtica deliberativa, pensar a
institucionalidade significa pensar em uma construo institucional pautada em mecanismos
democrticos de garantia dos princpios da igualdade, pluralismo e liberdade. Diferente, portanto,
da tradio democrtica liberal que sustenta que o poder deve organizar-se democraticamente
atravs de instituies que mediam a relao entre os interesses privados dos indivduos e o poder
(FARIA, 2000, p. 58), sustenta-se aqui que o poder deve organizar-se democraticamente atravs de
instituies que, construdas coletivamente atravs da discusso pblica, mediam as relaes entre
os interesses individuais e coletivos, na construo do interesse pblico a ser implementado pelo
complexo administrativo estatal. Requer-se, neste sentido, um aparato institucional pautado em
regras e critrios que, resultantes de processos deliberativos, sejam capazes de desobstruir os canais
que impossibilitam ou limitam a efetividade decisria dos processos participativos, tais como: as
diferenas de poder e/ou as desigualdades sociais, a cultura clientelista e autoritria e a lgica
burocrtica da organizao poltico-institucional.
Uma institucionalidade efetivamente democrtica parece ento ser aquela que impacte
positivamente o quadro social e poltico subjacente. Isso significa dizer que o formato institucional
um fator importante a ser considerado nas avaliaes acerca da maior ou menor capacidade ou
potencialidade democrtica das experincias. E nesta perspectiva que incorpora-se aqui alguns
elementos da anlise institucional, na medida em que determinadas vertentes desta corrente terica
recuperam no apenas a importncia da instituio para a conformao da vida societria, como
tambm alertam para uma concepo mais articulada e interdependente entre as foras sociais e as
instituies estatais na conformao de novas relaes poltico-sociais.
3 A Questo do Desenho Institucional
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A recuperao dos pressupostos da democracia deliberativa tratados anteriormente nos
permite assinalar: a) o carter de publicidade da participao igualitria de um sujeito plural que,
atravs do dilogo, apresenta e discute problemas, debate questes e demanda solues. Alm de
apresentar uma potencialidade emancipatria junto aos cidados e coletividades, a esfera pblica
intercede ou impacta a institucionalidade poltica, alargando os temas, os espaos e os mecanismos
de discusso; b) a ampliao das responsabilidades de participao, na medida em que esta passa a
apresentar um novo status, agora de carter decisrio no sentido de re-significar a estrutura ou os
mecanismos de comando do poder estatal; c) a importncia da institucionalizao de arenas ou
esferas pblicas com efetivo poder de deciso, criando, portanto, condies institucionais para que o
uso pblico da razo se converta em poder efetivo e legtimo de deliberao.
A dimenso institucional torna-se, portanto, central, na medida em que constitui-se
como substrato ou suporte da dinmica poltica, definindo as condies de ampliao e de
sustentabilidade das experincias participativas.
Trs questes parecem centrais na anlise que pretende incorporar a dimenso
institucional. Em primeiro lugar, a idia de que as instituies apresentam um importante carter de
estabilidade ou durabilidade, constituindo-se em um conjunto de regras (ou normas) que, mais ou
menos formalizadas, organizam de alguma forma as diferentes atividades sociais. Em segundo
lugar, as instituies regularizam, modelam ou impactam comportamentos. A questo central da
vertente neo-institucional, parte suas diferenas e especificidades19, est ancorada na idia bsica
de que, embora os indivduos construam as regras, as normas e as condutas, eles so limitados e
condicionados por escolhas passadas (SCOTT, 1995). Nesta perspectiva, os interesses e
preferncias so constrangidos por mecanismos e sistemas institucionais. Uma diferena importante
com os primeiros institucionalistas est no fato de que o neo-institucionalismo rejeita uma anlise
esttica (MARQUES, 1997), na medida em que percebe que ao mesmo tempo que as instituies
constrangem comportamentos, elas tambm "empoderam" (empowernment) os atores sociais,
estruturam novas agendas, mudam preferncias e comportamentos sociais20. Em terceiro lugar, as
19 . As diferenas dizem respeito no apenas aos campos de conhecimento - economia, antropologia, cincia poltica e sociologia - como tambm a diferenas no interior dos prprios campos. No caso da cincia poltica, o neo-institucionalismo est subdividido em duas correntes: a corrente da escolha racional e a corrente do neo-institucionalismo histrico. A primeira caracteriza-se por analisar as instituies como produto das aes estratgicas dos atores, sendo portanto, resultado da procura de proteo de interesses individuais. Aqui as preferncias so exgenas ao modelo. No segundo caso, as preferncias so endgenas, senso construdas, constrangidas e modificadas no processo de ao e relao social. Immergut soma a estas correntes a teoria organizacional (IMMERGUT, 1998).
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20. Uma das principais caractersticas do neo-institucionalismo diz respeito a sua insurgncia como contraponto abordagem behavioral que foi hegemnica durante as dcadas de 50 e 60. De acordo com Immergut (1998), esta abordagem caracteriza-se por
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instituies no apenas apresentam um importante ancoramento cultural, como tambm sofrem
importantes influncias e mudanas advindas das correlaes de interesses e foras sociais. Neste
sentido, se por um lado no se pode negar o papel de constrangimento da esfera ou do campo
institucional na conformao da ao e do comportamento social, por outro lado, h que se resgatar
e ressaltar o carter aberto e contingente das lutas e conflitos sociais no processo de organizao
ou reorganizao institucional. Ou seja, resgatar o papel da agncia humana na estruturao da
vida poltico-social.
Estas consideraes gerais resultam da absoro de alguns pressupostos desta ampla,
complexa e diversificada corrente denominada neo-institucional, sob cujo termo subjaz uma
confuso (HALL; TAYLOR, 1996) de tendncias, conceitos, perspectivas. O que h em comum
nas diferentes abordagens a nfase nas influncias e nos impactos institucionais junto ao
comportamento individual e coletivo, nos diferentes contextos sociais. Ou, como assinala Marques
(1997), a nfase no olhar institucional tendo em vista o entendimento dos processos sociais.
A partir deste ncleo comum as semelhanas parecem diluir-se na conformao de um
quadro ou mosaico interpretativo com forte grau de elasticidade. De acordo com determinada
abordagem, o conceito de instituio recebe um tratamento mais ou menos abrangente e mais ou
menos articulado com o contexto ou com as determinaes scio-econmico-poltico-culturais mais
gerais. Scott (1995, p. 33) apresenta uma concepo de instituio que pretende abarcar as
diferentes vertentes tericas, qual seja, o entendimento de que as instituies so estruturas
cognitivas, normativas e regulativas que garantem estabilidade e significado ao comportamento
social. Em uma perspectiva mais abrangente, as instituies envolvem, portanto, regras formais e
informais, cdigos de comportamento, normas e papis sociais que estruturam e/ou constrangem o
comportamento de indivduos e grupos sociais (GOODIN, 1996; MARQUES, 1997). J uma
abordagem mais especfica caracteriza-se por enfatizar os aspectos formais ou legais das
instituies. Para esta vertente, as instituies apresentam um importante componente organizativo
e decisrio, sendo as instituies polticas consideradas modelos exemplares (LEVI, 1991).
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analisar os processos e instituies polticas a partir do comportamento e interesse individual, ou seja, os interesses e preferncias individuais so considerados o ponto de partida para a ao poltica. A crtica a uma perspectiva utilitria remonta aos primeiros institucionalistas que, de acordo com Scott (1995), contrapunham-se, ainda no sc. XIX aos princpios abstratos e universais do "homem econmico". Tais princpios vo se constituir na base da teoria que a partir dos anos 30 hegemoniza a cincia poltica com uma concepo utilitria pautada na idia de que a ao produto do auto-interesse calculado. O desenvolvimento, a partir dos anos 70, de uma vertente denominada "neo-institucionalista" retoma a centralidade das instituies em moldarem o comportamento social.
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Procurando oferecer um maior entendimento acerca dos diferentes recortes e
perspectivas analticas, Hall e Taylor (1996) apresentam trs abordagens neo-institucionalistas que
se destacam neste corpo no unificado, e que sintetizamos a seguir:
a) O (neo) institucionalismo histrico que, na rea da cincia poltica, caracteriza-se
basicamente por entender as organizaes polticas como fatores determinantes na estruturao do
comportamento coletivo e na gerao de resultados distintos. De maneira geral, esta vertente
enfatiza mais especificamente o papel do Estado (e/ou dos atores estatais) como complexo de
instituies estruturantes da organizao social. Sem negar a importncia dos motivos individuais
dos atores, bem como do contexto social, esta corrente apresenta uma perspectiva mais autnoma
das instituies polticas. De acordo com March e Olson (1984), o Estado no apenas sofre
impactos da sociedade como tambm a impacta. A democracia poltica depende no apenas das
condies econmicas e sociais, como tambm do desenho de suas instituies polticas. Nesta
perspectiva, a esfera da poltica (stricto sensu) apresenta uma certa dose de autonomia cujo grau
varia de acordo com as inter-relaes dos diferentes atores sociais.
Skocpol (1985), contrapondo-se s abordagens marxistas, funcionalistas e pluralistas
que subordinam - de forma diferenciada - a ao e o papel do Estado sociedade, recupera, a partir
do referencial weberiano, a importncia do sistema poltico para a determinao da organizao
societal. De acordo com uma perspectiva weberiana, "o Estado mais do que um governo, j que
configura-se como um sistema contnuo de administrao, leis, burocracia e coero que forja
relaes no apenas entre a sociedade civil e a autoridade pblica na poltica, como tambm
estrutura vrias relaes cruciais no interior prprio da sociedade civil" (STEPAN apud SKOCPOL,
1985, p. 07). Nesta perspectiva, apesar de o Estado no ser tudo, mais do que mera arena onde
grupos levam as suas demandas ou classes organizam e defendem seus interesses. Este maior grau
de autonomia no significa que o Estado uma entidade desinteressada e separada da sociedade.
Segundo Skocpol (1985, p. 15), as aes do Estado sempre defendem determinados interesses,
sejam de grupos, classes sociais (ou mesmo interesses no desejveis), seja pelo fato de que refora
a autoridade e o controle social dos agentes e/ou aparatos estatais em determinado tipo de poltica.
O maior ou menor grau de autonomia depende de um conjunto complexo de articulaes sociais.
Mais importante aqui a idia de que direta ou indiretamente as estruturas ou capacidades do
Estado (recursos, habilidades dos funcionrios, soberania, burocracia, etc...) impactam ou
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condicionam o comportamento dos atores e das classes sociais.
b) O (neo) institucionalismo da escolha racional, caracterizado por enfatizar o
comportamento instrumental dos atores sociais tendo em vista, ou na medida em que estes agem
buscando maximizar as suas preferncias ou interesses. Este comportamento calculista
constrangido pelas instituies, cujas regras operam como mecanismos de coao que conformam
um conjunto de interaes estratgicas na determinao dos resultados polticos.
c) O (neo) institucionalismo sociolgico, por seu turno, questiona a tradicional distino
entre racionalidade (eficincia das modernas formas de organizao e da burocracia) e cultura
(sistema de valores e atitudes compartilhadas). Para esta vertente, as instituies so muito mais
amplas do que as organizaes (OFFE, 1996), na medida em que incluem sistemas ou modelos
normativos e cognitivos, ou sistemas simblicos, scripts cognitivos, modelos morais. Neste
sentido, a cultura ela prpria instituio (HALL; TAYLOR, 1996)21.
Recuperando anlise de Scott (1995), possvel ainda especificar melhor as diferentes
abordagens atravs de suas articulaes com os diferentes pilares, ou estruturas institucionais, tais
como o pilar regulativo, o normativo e o cognitivo. O pilar regulativo define-se pelo conjunto de
regras e sanes que limitam e/ou constrangem o comportamento social. Trata-se de uma
caracterstica marcante na vertente da escolha racional, na medida em que, no caso da esfera da
poltica, as instituies operam atravs de sistemas de regras e leis, na aplicao de sanes que
envolvem recompensas ou punies tendo em vista regular e/ou influenciar o comportamento auto-
interessado.
O pilar normativo diz respeito ao conjunto de valores e normas sociais que estruturam
ou modelam o comportamento coletivo. H aqui uma clara associao entre a idia de instituio e
os papis sociais, pois estes prescrevem as normas de condutas (HALL; TAYLOR, 1996) que
so socializadas e internalizadas. Seguindo uma abordagem durkheimiana, os atores sociais se
comportam em funo dos papis sociais, e no a partir de interesses ou estratgias calculadas-
maximizadoras. Diferente, portanto, da abordagem da escolha racional, aqui as preferncias (ou os
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21 . Berger e Luckmann (1985) so expoentes desta vertente. Os autores propem uma concepo dialtica entre instituio e agncia humana: A sociedade um produto humano, a sociedade uma realidade objetiva. O homem um produto social. Analisa-se, aqui, o carter de controle da instituio no estabelecimento de padres previamente definidos de conduta humana.
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interesses) so endgenas ao aparato institucional, na medida em que este prov os modelos ou
normas de conduta social.
Por ltimo, o pilar cognitivo caracteriza-se em avaliar ou recuperar a dimenso
cognitiva da esfera institucional. Ou seja, as instituies provem no apenas os modelos de
conduta, como fundamentalmente provem representaes simblicas, sistemas cognitivos,
afetando as preferncias e a formao de identidades sociais. Trata-se, portanto, de uma perspectiva
mais construtivista, na medida em que, oferecendo suportes para a construo de significados, as
instituies operam no apenas no direcionamento do qu os indivduos devem fazer ou como
devem agir, mas tambm no sentido de saber agir em determinado contexto22.
O institucionalismo sociolgico configura-se, portanto, como representao exemplar
dos pilares normativo e cognitivo23, seja em uma perspectiva mais abrangente de instituio, que
eleva a prpria cultura a um patamar de centralidade institucional, seja em uma perspectiva mais
especfica, como no caso das anlises voltadas para as instituies estatais. Neste ltimo caso a
abordagem sociolgica recupera o suporte cultural da esfera ou do campo institucional. Offe
(1996) apresenta uma abordagem dualista de instituio que ao mesmo tempo que no se limita ao
campo das normas e valores sociais, possibilita uma diferenciao entre instituio e organizao.
De acordo com o autor, as instituies apresentam duas caractersticas fundamentais, quais sejam, a
capacidade de modelar comportamentos e ditar normas, agindo diretamente como mecanismo de
socializao, por um lado, e o forte grau de efetivao dos objetivos e metas que lhes do
justificao. Nesta perpectiva, as instituies existem e se estabilizam tanto pelo fato de "fazerem
sentido" ao conjunto dos atores sociais, quanto pelo fato de apresentarem resultados funcionais. As
22 . Hall; Taylor, op.cit., p. 948. 23 . Seguindo a diferenciao proposta por Hall e Taylor (1996), podemos estabelecer um quadro-sntese das trs vertentes do neo-institucionalismo tal como segue:
Escolha Racional Inst. Histrico Inst. Sociolgico Pilares Regulativo Regulativo e Normativo Normativo e Cognitivo Preferncias Exgenas Endgenas Endgenas
Convm ressaltar a simplificao abusiva deste quadro, na medida em que a literatura apresenta no apenas maior diversidade de tendncias, como maior grau de capilaridade entre elas. No caso do institucionalismo histrico, por exemplo, Hall e Taylor (1996) destacam a ocorrncia de duas abordagens diferentes: a abordagem calculista, e a abordagem cultural. A primeira focaliza os aspectos do comportamento humano de carter instrumental. Aqui, as preferncias so exgenas ao modelo, que se aproxima da escolha racional. A Segunda abordagem enfatiza o comportamento a partir da concepo de mundo, ou do quadro/sistema moral. Aqui, no apenas as preferncias so endgenas no sentido dado pelo pilar normativo, como tambm no sentido cognitivo. March e Olson (1984), por exemplo, so apresentados como representantes desta vertente, pois que analisam as instituies no apenas como provedoras de informaes, punies e certezas, como tambm enquanto estimuladoras nos processos de construo de identidades e de alterao de preferncias dos atores.
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instituies apresentam, portanto, um forte elo de ligao tanto interna quanto externa (OFFE, 1996,
p. 201). Diferenciam-se das organizaes, entre outros, pelo fato de que enquanto os deveres
organizacionais so didicos, no sentido de que dizem respeito apenas aos interesses e atores
internos organizao, as instituies apresentam um carter "tridico", uma vez que envolvem
"terceiras partes" que no fazem parte da interao institucionalizada. Alm disso, os deveres, no
caso das organizaes, esto subordinados a resultados pretendidos ou previstos, sendo muito mais
restritos em seu escopo, validade e expectativas. No que se refere s instituies, os deveres e as
regras apresentam uma abrangncia que tem o potencial de ordenar os diferentes setores e/ou o
conjunto da vida social. As instituies diferem-se dos hbitos, rotinas e tradies por alocarem
privilgios, licenas e deveres que so passveis de conflitos, principalmente no que se refere s
instituies responsveis pela produo e distribuio de valores centrais nas sociedades
contemporneas, a exemplo da sade, educao, paz, poder, conhecimento, justia, etc... (OFFE,
1996, p. 204).
Alm do que, as instituies aliviam energias e custos sociais, e neste sentido,
configuram-se no apenas como mecanismos de constrangimento, como tambm de liberao
(licena) e capacitao. O carter (ou pilar) cognitivo das instituies central nesta abordagem24.
Regras, poder, normas, abrangncia, estabilidade e funcionalidade so, portanto,
algumas das caractersticas das instituies que, no caso mais especfico dos processos polticos,
tendem a apresentar importantes impactos e/ou influncias na dinmica societal.
Em que medida este conjunto de pressupostos contribuem para o desenvolvimento
terico da democracia deliberativa? A nfase no carter determinante e constrangedor das
instituies apresentada por esta corrente terica no a desautoriza enquanto contribuio para o
entendimento da democracia deliberativa, na medida em que esta ancora-se na idia exatamente
oposta de vislumbrar o campo das prticas e lutas sociais tendo em vista alterar e/ou transformar o
aparato institucional tradicional?
Como vimos, a democracia deliberativa constitui-se como um grande desafio da teoria
democrtica que pretende revelar a validade e a viabilidade da participao cidad nos processos
decisrios, mesmo em se tratando de uma realidade ou contexto marcado pela complexidade,
pluralidade e desigualdades sociais. Ou, como afirma Bohman (1996), pretende revelar como a
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24 . Thus, good citizens make good institutions, and good institutions are good to the extent they generate and cultivate good citizens or the better selves of citizens, who at least get used to and feel at home in those institutions, develop a sense of loyalty, and come to adopt the cognitive expectati