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A DESCONFIANÇA POLÍTICA E OS SEUS IMPACTOS NA QUALIDADE DA DEMOCRACIA – O CASO DO BRASIL SUMÁRIO Parte I: QUE FATORES AFETAM A ADESÃO À DEMOCRACIA? Introdução: Efeitos da Desconfiança Política para a Legitimidade Democrática – José Álvaro Moisés e Rachel Meneguello I. Cidadania, Confiança e Instituições democráticas – José Álvaro Moisés II. O Significado da Democracia Segundo os Brasileiros – José Álvaro Moisés III. As Bases do Apoio ao Regime Democrático no Brasil – Rachel Meneguello IV. Desafios da Maioridade das Eleições Democráticas – José Álvaro Moisés V. Mídia e Apoio Político à Democracia no Brasil – Nuno Coimbra Mesquita VI. A educação brasileira e seus retornos políticos decrescentes – Rogério Schlegel Parte II – QUE EFEITOS PRODUZEM A CORRUPÇÃO POLÍTICA E A DESCONFIANÇA DO JUDICIÁRIO, DA POLÍCIA E DOS SERVIÇOS PÚBLICOS? VII. A Corrupção Política no Brasil Contemporâneo – José Álvaro Moisés VIII. Telejornal e Corrupção: Notícias Negativas, Percepção Negativa? – Nuno Coimbra Mesquita IX. Impacto da Corrupção sobre a Qualidade do Governo Democrático – Umberto Guarnier Mignozzetti X. A Avaliação do Judiciário e o Acesso à Cidadania na Visão dos Brasileiros - Fabíola Brigante Del Porto XI. Por que os Brasileiros Desconfiam da Polícia? Uma Análise das Causas da Desconfiança na Instituição Policial – Cleber da silva Lopes XII. Serviços Públicos: o Papel do Contato Direto e do Cidadão Crítico nas Avaliações das Instituições – Robert Bonifácio e Rogério Schlegel Considerações Finais: O Papel da Confiança para a Democracia e as suas Perspectivas – Rachel Meneguello e José Álvaro Moisés

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A DESCONFIANÇA POLÍTICA E OS SEUS IMPACTOS NA QUALIDADE DA DEMOCRACIA – O CASO DO BRASIL

SUMÁRIO

Parte I: QUE FATORES AFETAM A ADESÃO À DEMOCRACIA?

Introdução: Efeitos da Desconfiança Política para a Legitimidade Democrática –

José Álvaro Moisés e Rachel Meneguello

I. Cidadania, Confiança e Instituições democráticas – José Álvaro Moisés

II. O Significado da Democracia Segundo os Brasileiros – José Álvaro Moisés

III. As Bases do Apoio ao Regime Democrático no Brasil – Rachel Meneguello

IV. Desafios da Maioridade das Eleições Democráticas – José Álvaro Moisés

V. Mídia e Apoio Político à Democracia no Brasil – Nuno Coimbra Mesquita

VI. A educação brasileira e seus retornos políticos decrescentes – Rogério Schlegel

Parte II – QUE EFEITOS PRODUZEM A CORRUPÇÃO POLÍTICA E A DESCONFIANÇA DO JUDICIÁRIO, DA POLÍCIA E DOS SERVIÇOS PÚBLICOS?

VII. A Corrupção Política no Brasil Contemporâneo – José Álvaro Moisés

VIII. Telejornal e Corrupção: Notícias Negativas, Percepção Negativa? – Nuno Coimbra Mesquita

IX. Impacto da Corrupção sobre a Qualidade do Governo Democrático – Umberto Guarnier Mignozzetti

X. A Avaliação do Judiciário e o Acesso à Cidadania na Visão dos Brasileiros -

Fabíola Brigante Del Porto

XI. Por que os Brasileiros Desconfiam da Polícia? Uma Análise das Causas da

Desconfiança na Instituição Policial – Cleber da silva Lopes

XII. Serviços Públicos: o Papel do Contato Direto e do Cidadão Crítico nas

Avaliações das Instituições – Robert Bonifácio e Rogério Schlegel

Considerações Finais: O Papel da Confiança para a Democracia e as suas

Perspectivas – Rachel Meneguello e José Álvaro Moisés

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INTRODUÇÃO

EFEITOS DA DESCONFIANÇA POLÍTICA PARA A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS e RACHEL MENEGUELLO

Este livro apresenta os resultados de uma pesquisa inédita realizada no Brasil em

2006 sobre a desconfiança dos cidadãos brasileiros das instituições democráticas. Trata-se

da continuidade das análises apresentadas originalmente no livro Democracia e Confiança –

Por que os Cidadãos Desconfiam das Instituições Públicas?, organizado por José Álvaro

Moisés e publicado pela EDUSP em 2010. O novo livro discute aspectos não explorados no

volume anterior em torno dos significados e das conseqüências para a teoria empírica da

democracia do fenômeno contemporâneo de descontentamento e de descrença política.

Embora o pano de fundo da análise esteja fortemente apoiado na comparação com outros

casos de democratização recente, os estudos apresentados a seguir concentram-se,

sobretudo, no caso do Brasil, e pretendem constituir-se em uma contribuição para o

desenvolvimento da agenda internacional de pesquisa que, desde as três últimas décadas

do século passado, vêm examinando a natureza e a dinâmica das transformações políticas

pelas quais passaram os países que substituíram os seus regimes autoritários pelas

estruturas institucionais da democracia.

Nas duas ou três últimas décadas, mudanças políticas ocorridas em escala mundial

afetaram as novas e velhas democracias de diferentes modos. Por toda parte, as análises

comparativas de processos de democratização mostraram que a desconfiança política é

uma variável comum afetando o papel do Estado e a relação dos cidadãos com o regime

democrático. No entanto, enquanto o fenômeno de descontentamento e de descrença

política nas velhas democracias estimulou, em vários casos, os cidadãos a adotarem novas

atitudes políticas e formas de participação na vida pública e, em algumas oportunidades, a

defenderem a reforma das instituições democráticas, nos países recentemente

democratizados os cidadãos que protagonizam a síndrome da desconfiança institucional

tenderam, muitas vezes, a afastar-se da política ou a desinteressar-se de seus rumos. Em

vários casos de novas democracias, embora a maioria do público expresse cada vez mais a

sua adesão ao significado normativo do regime democrático, a frustração com o

desempenho das instituições democráticas produz desconfiança que, por sua vez, se

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mostra associada com sentimentos negativos dos cidadãos a respeito de sua eficácia

política, com baixos níveis de interesse político, pouca participação cívica e, algumas vezes,

até com a preferência por modelos de democracia que excluem os partidos políticos e os

parlamentos (MOISÉS e CARNEIRO, 2010).

O debate em torno dos significados das atitudes do público quanto aos governos e

às instituições democráticas ocupa os analistas políticos há muito tempo. Uma das

questões mais relevantes desse debate refere-se precisamente ao impacto que os

indicadores de confiança em instituições políticas têm sobre o regime político como um

todo. Expressariam esses indicadores uma reação pública saudável a respeito do

desempenho dos políticos, dos partidos e dos governos ou, ao contrário, sinalizam a perda

da crença dos cidadãos nas principais instituições da democracia representativa? Outra

importante questão que permanece analiticamente obscura, como alguns especialistas

chamaram a atenção recentemente, refere-se à distinção entre o apoio público aos

princípios da democracia e o apoio aos resultados práticos dos governos democráticos

(Norris, 2011). Tendo em vista que na época presente a adesão do público aos valores

democráticos se universalizou, como se observa na maioria dos regimes que se reivindicam

democráticos, seria razoável esperar que os valores e os princípios fundamentais da

democracia que se espalham e se consolidam por toda parte, ajudem a recuperar a

confiança dos cidadãos nas instituições da democracia representativa? Ou,

alternativamente, o fenômeno de desconfiança generalizada de políticos e de governos, e a

falta de crença pública nas instituições de representação estão minando ou corroendo, não

apenas as expectativas usuais, mas também a legitimidade do próprio regime democrático?

E em que medida os efeitos de práticas anti-republicanas como a corrupção e o nepotismo

sobre as avaliações públicas do regime agravam essa possibilidade, afetando a motivação

dos cidadãos de participar politicamente ou mesmo a sua percepção sobre a efetividade

dos direitos de cidadania?

A questão da legitimidade e, conseqüentemente, dos difíceis processos de

legitimação de novos regimes democráticos, diz respeito a fenômenos que estão no centro

das possibilidades referidas antes. Com efeito, quando os modelos analíticos que se

ocupam centralmente desses aspectos do desempenho de muitos dos regimes

democráticos contemporâneos são mobilizados, uma situação complexa e aparentemente

paradoxal se torna evidente, apontando para a necessidade de mais reflexão e mais

pesquisa: ao lado de sinais ocasionais de deslegitimação de velhas democracias, observados

em certas áreas do mundo, verifica-se a legitimação mais ou menos generalizada da

democracia em outras regiões, ainda que de formas precárias ou incompletas. Trata-se,

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neste caso, de um fenômeno devido principalmente ao fracasso de diferentes modelos

autoritários de regime político (a exemplo do que ocorreu recentemente na Tunísia, no

Egito, na Líbia e em outros países do norte da África e do Oriente Médio), cujo ocaso abre

uma nova era política, mas não assegura necessariamente que os novos regimes serão

democráticos em conseqüência da derrocada da alternativa anterior. O fenômeno, no

entanto, sugere que, a noção de legitimidade, a despeito das idas e vindas dos processos

envolvidos e das controvérsias teóricas em torno do conceito, quando referida a um

conjunto de atitudes dos cidadãos a respeito das instituições democráticas - essas tendo

sido consideradas como as mais apropriadas estruturas de governo por uma dada

sociedade em um dado tempo histórico -, constitui-se em um critério indispensável de

análise da esfera da política (MORLINO, 2010).

O PAPEL DA CONFIANÇA

Essa questão reatualiza a indagação da literatura especializada sobre o papel da

confiança política para o funcionamento do regime democrático. Confiança em linguagem

comum designa segurança de procedimentos em face de diferentes circunstâncias que

afetam a vida das pessoas. Ela se refere às expectativas que as pessoas alimentam a

respeito do comportamento dos outros com quem convivem e interagem; e diz respeito à

ação desses outros quanto aos seus interesses, aspirações ou preferências. Nas ciências

sociais, o interesse pelo conceito está associado com a preocupação com os processos

informais através dos quais as pessoas enfrentam as incertezas e as imprevisibilidades que

decorrem da crescente complexificação da vida no contexto de um mundo crescentemente

globalizado, interdependente e fortemente condicionado por avanços tecnológicos que

afetaram profundamente a comunicação social. Essa situação implica em conhecimento

limitado de parte das pessoas comuns quanto aos processos de tomada de decisões

próprios do regime democrático que afetam a sua vida.

Em face disso, autores tão diferentes como Luhmann (1979), Giddens (1990),

Sztompka (1999), Offe (1999), Warren, (1999), Hardin (1999), Levi (1998) e Tilly (2007),

entre outros, chamaram a atenção para o fato de que a velha demanda por coordenação

social, que está na origem do Estado moderno, se reatualizou na época contemporânea ao

se articular com as exigências de cooperação social requeridas pela ordem democrática.

Contudo, para se deixar coordenar e para cooperar com as instituições da democracia as

pessoas precisam ter alguma capacidade de previsão sobre o comportamento dos outros e,

em especial, sobre o funcionamento de regras, normas e estruturas institucionais que

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condicionam esse comportamento e cujos efeitos afetam a sua vida; daí a demanda por

confiança política. Ela é vista como uma espécie de atalho diante das adversidades e

imprevisibilidades que afetam as pessoas comuns face à complexidade do processo

democrático; nas últimas décadas, o conceito vem sendo usado para designar grande

variedade de fenômenos que, mesmo envolvendo riscos, refere-se à coesão necessária ao

funcionamento de sociedades complexas, desiguais e diferenciadas que escolheram a

alternativa democrática para se autogovernar.

A literatura tem tratado a questão tanto pela abordagem dos racionalistas como

Hardin (1999), como por aquelas adotadas pelos cultores dos modelos de “cultura cívica”

de Almond e Verba (1963), “capital cultural” de Bourdieu (1970), “capital social” de Putnam

(1993), “pós-materialismo” de Inglehart (1990), e “cidadãos críticos” de Norris (1999),

Klingemann e Fuchs (1998). Os racionalistas consideram que a confiança envolve a

expectativa racional da pessoa que confia sobre o curso de ações da pessoa que é objeto

de confiança. A imprevisibilidade humana e o fato de o comportamento alheio não poder

ser completamente controlado – a não ser em situações-limite -, implicaria, contudo, em

risco de dano ou de vulnerabilidade de quem confia diante do depositário da confiança. O

ato de confiar sendo insuficiente per se para determinar o resultado da interação levou

autores como Hardin (1999) a supor que só não haverá abuso da confiança se a relação

encapsular os interesses das partes. Ou seja, quando quem confia tem segurança prévia

sobre a motivação solidária do confiado e a expectativa de que seus interesses não serão

desconsiderados por ele. Nesse caso, a confiança interpessoal envolveria as situações em

que interesses mútuos, que geram benefícios comuns e eliminam os riscos de abuso da

confiança, podem ser mobilizados; mas, afora isso, a confiança não se justificaria, e Hardin

(1999) rechaça enfaticamente qualquer possibilidade de que a confiança interpessoal possa

ser estendida à esfera das instituições que, sendo objetos inanimados e impessoais,

controlados por burocratas distantes e desconhecidos das pessoas comuns, não poderiam

gerar reciprocidade ou lealdade mesmo nos regimes democráticos, cuja dinâmica envolve,

por definição, a disputa por interesses diferentes e por vezes contraditórios.

Tal diagnóstico, no entanto, está longe de ser consensual entre os autores que

rejeitam a abordagem estritamente racionalista da questão, pois a decisão das pessoas de

confiar não seria sempre racional, nem a confiança se determinaria exclusivamente, mesmo

no caso de uma decisão baseada estritamente no cálculo de custos e benefícios, pelo nível

de informação disponível a respeito do comportamento dos outros. Os indivíduos têm

capacidade cognitiva limitada para acessar as informações adequadas, na quantidade e na

qualidade necessárias, para avaliar a conduta alheia ou a utilidade das interações em que

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estão envolvidos, inclusive as que se referem às suas relações com as instituições públicas.

A necessidade de eficiência diante de desafios coletivos, a crescente pluralização de papéis

sociais e políticos e a mobilidade derivada da dinâmica das sociedades contemporâneas

ampliam as possibilidades de escolhas dos indivíduos, mas a complexidade dos processos

de tomada de decisões na democracia limita a sua capacidade de controlar a informação

necessária para que suas decisões atendam aos seus interesses, aspirações ou preferências.

Nessas circunstâncias, o recurso representado pela confiança em instituições representa

uma alternativa adequada para que as dificuldades que caracterizam a relação dos cidadãos

com as instituições do regime democrático sejam minimizadas.

Desenvolvimentos recentes da teoria empírica da democracia sobre o tema foram

sintetizados em torno de cinco pressupostos que se referem aos dilemas que envolvem a

confiança política e a relação dos cidadãos com o regime democrático:

1. Diferente de outros tipos de regime político, a democracia requer altos níveis de

confiança pública nos mecanismos institucionais de formação de governos em

conseqüência da delegação voluntária de soberania e de poder que os cidadãos

fazem aos seus representantes eleitos - assim como aos funcionários acreditados -,

em conseqüência de regras estabelecidas por constituições democráticas; mas a

confiança em instituições não se confunde ou se limita à confiança em governos ou

governantes ocasionais (WARREN, 1999; SZTOMPKA, 1999);

2. A promessa de alternância no poder, implícita nas regras democráticas, depende da

expectativa dos que foram derrotados na competição eleitoral de que a sua vez

chegará com base na regularidade e na probidade das eleições, e na confiança de

que os detentores do poder honrarão o compromisso e não usurparão o direito dos

recém eleitos (NORRIS, 1999);

3. O compromisso de cooperação dos cidadãos com o regime democrático, em

especial a sua submissão à lei em conexão com a estrutura de direitos de cidadania -

e à margem de mecanismos de coerção -, depende da existência de garantias de

que sua expectativa de que os demais cidadãos farão a sua parte não será fraudada

por “expedientes” extralegais como a evasão de pagamento de impostos, a recusa

de cumprir o serviço militar ou a impunidade diante de penalidades que visam coibir

práticas de corrupção, malversação de fundos públicos, etc (LEVI, 1998);

4. Da perspectiva dos atores, a democracia é um sistema político que envolve mais

riscos do que as suas alternativas, a exemplo das incertezas dos seus resultados;

mas, por isso mesmo, as redes de confiança que se estabelecem entre os cidadãos

concentram o foco de sua atenção nos mecanismos institucionais desenhados para

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tornar efetivas as promessas de liberdade e igualdade, justificando dessa forma a

colaboração voluntária dos cidadãos com o sistema (TILLY, 2007);

5. A confiança nas instituições democráticas não é, portanto, neutra, indeterminada

ou genérica, nem definida exclusivamente pela avaliação do desempenho de

governos do dia, mas diz respeito propriamente à missão atribuída às instituições

para a realização das promessas da democracia. Por isso, os conteúdos normativos

das instituições – a sua justificação relativa aos princípios de liberdade e igualdade e

as suas implicações para a estrutura de direitos de cidadania -, são o objeto central

da confiança. Ela será tanto maior e mais consistente quanto o desempenho das

instituições assegurarem a universalidade, a impessoalidade, a probidade e a

justeza de procedimentos no desempenho de sua missão (OFFE, 1999).

Nesse cenário, a desconfiança política decorreria do fracasso das possibilidades

antevistas acima ou das circunstâncias que ameaçam a sua realização. Seus sintomas

envolveriam o cinismo, a alienação e os sentimentos de indiferença dos cidadãos diante da

política e, especialmente, a sua descrença de que as instituições públicas asseguram de fato

os seus direitos. Nesse sentido, enquanto os indicadores usuais de satisfação com a

democracia existente variam de acordo com o desempenho de governos e com a sua

capacidade de resolver dilemas percebidos como prioritários, a desconfiança dependeria da

avaliação dos cidadãos de que as instituições não cumprem a missão para a qual foram

criadas, contrariando a sua justificação ética e normativa. A desconfiança resultaria, assim,

tanto da avaliação racional das pessoas quanto aos resultados práticos do desempenho das

instituições, como da percepção de que seus fundamentos normativos não estão se

realizando. As análises apresentadas nos próximos capítulos deste livro tratam dos

desdobramentos práticos dessas questões e dos seus efeitos para a qualidade da

democracia brasileira.

A ORGANIZAÇÃO DO LIVRO E DOS CAPÍTULOS

Além da introdução e da conclusão, o livro está organizado em doze capítulos

divididos em duas partes principais. A primeira parte apresenta um balanço de seis

capítulos, baseados em dados da pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições

Democráticas (2006), sobre as atitudes e as orientações dos brasileiros a respeito do regime

democrático. Em três capítulos de sua autoria, José Álvaro Moisés discute, em primeiro

lugar, as relações entre os conceitos de cidadania e de confiança política na teoria empírica

da democracia. O argumento retoma as tradições democrática e republicana, segundo as

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quais o conceito remete ao compromisso dos membros da comunidade política de

compartilharem normas e práticas cívicas que, mais do que definirem um objetivo comum

único dos cidadãos, organizam os meios e os modos de a disputa por interesses ou

preferências conflitantes se realizar de forma democrática. Moisés apresenta, em outro

capítulo, as respostas dos brasileiros à pergunta aberta O que é democracia?, incluída em

pesquisas coordenadas por ele entre 1989 e 2006, ou seja, os significados atribuídos pelos

entrevistados ao conceito. A análise mostra que, em um período de quase 20 anos, a

definição do público se concentrou sobre os princípios de liberdade e os procedimentos

institucionais, como direito de voto, fiscalização e controle de quem governa, algo que

pode ser visto como uma base potencial de superação da desconfiança dos cidadãos das

instituições democráticas. Ainda nessa parte do livro, o autor discute em outro capítulo o

importante papel que a contínua realização de eleições livres e competitivas assumiu para a

consolidação da democracia brasileira nos últimos 20 anos, apontando para os desafios que

a conseqüente intensificação da participação popular coloca para o Congresso Nacional e

os partidos políticos.

Em seguida, em outro capítulo fortemente apoiado em dados empíricos, Rachel

Meneguello retoma de outra perspectiva a questão da adesão dos brasileiros à democracia.

Meneguello mostra como a consolidação de mecanismos e procedimentos de participação

eleitoral, em que pese a sua importância, não redimensionou a frágil relação dos cidadãos

brasileiros com as instituições representativas. A primeira parte do texto indaga se a adesão

do público ao regime democrático resulta da sua relação com as instituições

representativas, o que comporia um construto normativo articulado e capaz de embasar os

posicionamentos políticos sobre o desenvolvimento e a construção institucional do

sistema. A segunda parte identifica as referências com as quais os cidadãos avaliam o

desempenho da democracia e desenvolvem níveis de sua satisfação com regime. Em

conjunto, a análise desses aspectos sugere que, embora as instituições representativas

ocupem um terreno menos articulado ao apoio ao regime democrático, a avaliação pública

de partidos e do Congresso Nacional tem papel central para o entendimento do

desempenho do regime. As percepções de sua atuação, bem como da atuação do Estado

através da execução de serviços públicos, são as principais dimensões constitutivas da

satisfação das pessoas com o desempenho da democracia brasileira.

O capítulo seguinte dessa parte do livro foi escrito por Nuno Coimbra Mesquita. O

autor parte da indagação sobre o papel da mídia na formação das convicções do público

sobre o regime democrático. A mídia tem sido vista como responsável por fomentar o

cinismo e a desconfiança entre os cidadãos ou, alternativamente, como fonte de

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informações capaz de estimular o seu engajamento político. Diante da enorme importância

alcançada por seu segmento eletrônico no Brasil, a televisão em especial - presente em

mais de 90% dos domicílios brasileiros -, Mesquita se pergunta sobre a influência dos meios

de comunicação de massa para a qualidade da democracia no país. Seu capítulo analisa as

inter-relações entre diferentes dimensões do tema, partindo da hipótese de que os meios

de comunicação jogam papeis diferentes na formação de atitudes democráticas. A análise

se concentra, por uma parte, sobre a audiência à televisão em geral e, por outra, no tele-

notíciário em particular, e examina se essas duas variáveis estão associadas positiva ou

negativamente a fatores como a adesão democrática, o vínculo dos cidadãos com o Estado-

Nação e a aceitação dos partidos políticos como um componente indispensável da

democracia. Uma das principais conclusões da análise sugere que, além dos diferentes

papeis desempenhados pela mídia, fatores como a sofisticação política, a confiança nos

próprios meios de comunicação e o apoio a governos específicos interagem com as

mensagens produzindo resultados diferentes entre si, mas não necessàriamente negativos.

Finalmente, o último capítulo da primeira parte do livro, de autoria de Rogério Schlegel,

trata de um tema central da literatura da teoria empírica da democracia: a relação entre

educação e as convicções democráticas dos cidadãos. O conhecimento convencional parte

da premissa de que existe uma associação relevante entre educação e o comportamento

político próprio da democracia. Em conseqüência, se infere usualmente que os aumentos

nos níveis de escolaridade são acompanhados por ganhos em atitudes de apoio à

democracia, disposição de participar politicamente e confiança em instituições públicas. Em

seu capítulo, Schlegel testa essas hipóteses para o Brasil com base na análise de dados de

surveys nacionais realizados entre 1989 a 2006, sob a coordenação de José Álvaro Moisés

(este último em parceria com Rachel Meneguello). Os resultados de sua análise contrariam

a abordagem tradicional. A associação entre escolaridade e os comportamentos individuais

analisados não foi confirmada para um terço das dimensões observadas. E os ganhos

agregados pelo ensino médio e pelo superior, importantes nos anos iniciais pesquisados,

declinaram no intervalo de duas décadas, chegando a se anular em alguns casos. As

evidências colocam em xeque os ganhos esperados no nível agregado para o Brasil a partir

da elevação da escolaridade média, e esse resultado remete para o debate a respeito da

queda na qualidade do ensino. Educação de pior qualidade pode gerar menos habilidades e

afetar a cognição das pessoas, sendo plausível admitir que isso afeta negativamente as

percepções públicas sobre a política. Schlegel discute criticamente essas questões em sua

contribuição.

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CORRUPÇÃO E DESCONFIANÇA DA JUSTIÇA, POLÍCIA E SERVIÇOS PÚBLICOS

A segundo parte do livro é composta por outros seis capítulos, e se abre com três

análises sobre o impacto da corrupção sobre o fenômeno de desconfiança dos cidadãos de

instituições democráticas. Em seguida, três outros capítulos analisam os casos específicos

de desconfiança pública da justiça, da policia e de alguns serviços públicos com base nos

dados da pesquisa de 2006.

Nos três capítulos que tratam do tema, a corrupção política é vista como um dos

problemas mais severos e complexos enfrentados por novas e velhas democracias. Ela

envolve o abuso do poder público para qualquer tipo de benefício privado, inclusive

vantagens para os partidos de governo em detrimento da oposição; ela frauda, portanto, o

princípio de igualdade política inerente à democracia, pois os seus protagonistas podem

obter ou manter o poder e benefícios políticos desproporcionais aos que alcançariam

através de modos legítimos e legais de competir politicamente. Ao mesmo tempo, ela

distorce a dimensão republicana da democracia porque faz as políticas públicas resultarem,

não do debate e da disputa aberta entre projetos diferentes, mas de acordos de bastidores

que favorecem interesses espúrios. A partir dessas premissas, a análises do livro

procuraram explicar o impacto da percepção da corrupção para a legitimidade democrática.

O primeiro dos três capítulos, de autoria de José Álvaro Moisés, aborda o impacto

das percepções públicas da corrupção sobre o apoio a governos, instituições e o próprio

regime democrático. A análise testou, por um lado, o efeito de indicadores apontados

usualmente como determinantes da corrupção como o desenvolvimento econômico

(avaliação da economia, escolaridade e localização ecológica dos entrevistados) e o

desenho institucional; e, por outro, a influência de valores políticos. De modo geral, os

testes confirmaram a hipótese que atribui influência, além de fatores apontados

usualmente pela literatura internacional, também de aspectos da cultura política como a

aceitação social da corrupção para a percepção dos cidadãos sobre o impacto da corrupção

na democracia. O capítulo seguinte sobre o tema, escrito por Nuno Coimbra Mesquita,

discute o papel da mídia para a percepção do fenômeno da corrupção. A análise examinou

o impacto do tele-noticiário para a percepção do problema pelos indivíduos, e o efeito

dessa percepção para a avaliação dos cidadãos das principais instituições democráticas.

Mesquita parte do pressuposto de que a percepção da corrupção não é função somente da

experiência prática dos cidadãos com ela. Mesmo indivíduos que nunca tenham recebido

propostas de suborno podem ter a sua percepção afetada por informações dos meios de

comunicação de massa; nesse sentido, a indagação testada pelo autor foi se as abordagens

da mídia - da televisão, em especial - sobre o comportamento corrupto de agentes públicos

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afetam a relação das pessoas com a democracia. Os resultados mostraram que o principal

telejornal do país, o Jornal Nacional da Rede Globo, mais do que influenciar a visão crítica,

reflete os fatos ligados à corrupção, embora quanto maior seja a escolaridade dos

entrevistados, pior seja a sua avaliação. A interação entre a audiência do telejornal e a

escolaridade tem uma associação negativa para a avaliação dos partidos. O terceiro capítulo

que aborda o tema é de autoria de Umberto Mignozzetti. Ele analisou o impacto da

corrupção para a qualidade da democracia em diversos países desde uma perspectiva

comparativa. Seus dados revelam que a corrupção, medida pelo Índice de Percepções da

Democracia – IPC, da Transparência Internacional, de fato afeta a qualidade da democracia.

Para a mensuração, foram utilizados – como variável aproximada – os dados de painel de

154 países para o período entre 1996 e 2005 computados pela Freedom House, baseados no

nível de liberdades civis e políticos observados nos países analisados. A análise foi feita,

primeiramente, tomando em conta todos os regimes políticos e, em seguida, um modelo

controlado para os países democráticos. O resultado mostrou que quanto maior a

corrupção observada, menor o desempenho dos países no índice democrático. O trabalho

mostrou de forma consistente que a corrupção pesa na qualidade do governo, e que esse

efeito é especificamente mais consistente nos países de regime democrático.

O primeiro dos três capítulos seguintes da segunda parte do livro trata das percepções

dos brasileiros sobre o acesso aos direitos de cidadania e a mecanismos de sua efetivação

através do poder judiciário. Desde o advento do regime democrático no país, diversas

pesquisas mostraram haver pouco conhecimento dos direitos civis e ser baixa a procura dos

tribunais de justiça pela população brasileira para resolver conflitos envolvendo os seus

direitos. As pesquisas mostraram que usualmente as pessoas questionam a responsividade, a

imparcialidade, a igualdade de tratamento e a eficiência do judiciário. Isso pode implicar não

apenas no distanciamento da população das instituições de justiça, mas comprometer a sua

crença na legitimidade do poder judiciário como organismo encarregado de garantir o império

da lei. O acesso à justiça, simbolizando a efetividade do acesso a direitos fundamentais de

cidadania, pode ficar prejudicado se os meios de ação e de processo, como os recursos

materiais e o conhecimento necessário para colocá-los em prática são falhos. Para analisar a

relação dos cidadãos com o poder judiciário, Fabíola Brigante Del Porto analisou a associação

existente entre as percepções sobre o tema e a confiança política. Com base no survey

nacional de 2006, procurou explicar, por um lado, a origem e a natureza da desconfiança dos

cidadãos das instituições de justiça e, por outro, verificou se essa desconfiança impacta suas

percepções sobre a efetividade da cidadania. Os resultados da análise mostram que a

desconfiança do judiciário aparece associada, primeiro, às percepções sobre as leis do país e,

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depois, à avaliação da atuação do poder judiciário. Por isso jogam papel importante na

avaliação dos entrevistados os sentimentos de desigualdade perante a lei e de acesso à justiça

sobre a confiança dos cidadãos no poder judiciário. No exame da relação entre a confiança no

poder judiciário e a cidadania, a crença na igualdade da lei e no acesso à justiça não se

mostraram impactadas pela confiança nas instituições judiciárias. Nessa análise, o que se

destacou foi o aumento da razão de chance daqueles que confiam no poder judiciário

acreditarem que os brasileiros cumprem, em alguma medida, as leis.

O capítulo seguinte discute a desconfiança dos cidadãos da polícia. O autor, Cléber

Lopes da Silva, partiu da premissa de que a confiança é um aspecto importante da qualidade

do trabalho da instituição. Encarregada da função do Estado de monopolizar a força física, a

polícia é uma das principais responsáveis pela efetividade do primado da lei, uma das

dimensões centrais de uma democracia de qualidade. Mas, embora a confiança na polícia seja

importante para a qualidade do policiamento, o fenômeno tem sido insuficientemente

abordado e boa parte das análises empíricas sobre o tema trata do caso dos EUA, onde a

polícia, apoiada pela maioria da população, é vista com desconfiança pelas minorias étnicas,

sobretudo os negros. Mas no caso do Brasil por que a maioria dos brasileiros desconfia da

polícia? Que fatores explicam essa desconfiança? Para responder a essas perguntas, Lopes da

Silva analisou dados de duas pesquisas, A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições

Democráticas (2006) e a Pesquisa Social Brasileira (2002), para testar, por meio de regressão

logística, duas hipóteses: i) a desconfiança da policia se explica pela incapacidade da instituição

de sinalizar para os cidadãos seu comprometimento com valores e princípios que justificam a

sua existência; ii) a desconfiança se explica pela percepção pública de que a polícia trata os

cidadãos de maneira injusta. Os resultados confirmaram que os déficits institucionais

percebidos pela população, e não variáveis contextuais ou sócio-demográficas, explicam a

desconfiança da policia. A confiabilidade da polícia, quando existe, está relacionada com as

expectativas públicas sobre os resultados da instituição no combate à criminalidade e,

principalmente, ao modo como os policiais usam sua autoridade e tratam os cidadãos. Ou seja,

a desconfiança na polícia deriva principalmente da percepção de que a polícia utiliza a sua

autoridade de maneira ilegal ou injusta: desrespeita os direitos dos cidadãos, não trata as

pessoas de forma igual, recorre a subornos, utiliza a violência de maneira abusiva e causa mais

medo do que segurança em suas abordagens.

Finalmente, o último capítulo da segunda parte do livro trata do impacto da

avaliação dos serviços públicos para a confiança política. Essa avaliação corresponde a um

indicador relevante da responsividade (responsiveness) de governos por expressar o grau

de satisfação dos cidadãos com a forma como o Estado cumpre algumas de suas tarefas

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centrais, propiciando serviços como saúde e educação a partir de impostos pagos por eles;

por isso, é também um insumo decisivo da legitimidade democrática, segundo diferentes

abordagens teóricas. Os serviços públicos são, de fato, a face mais concreta do Estado e a

principal vitrine de desempenho governamental, a sua avaliação podendo impactar de

forma indireta a confiança em políticos e no poder executivo. Rogério Schlegel e Robert

Bonifácio, autores do capítulo, apontam para dois resultados importantes, com base em

suas análises empíricas, sobre a forma como o brasileiro percebe os serviços públicos: por

um lado, são os setores mais escolarizados e informados os que avaliam mais

negativamente os serviços prestados pelo Estado, endossando a hipótese do cidadão

crítico de Norris (1999); por outro, não se verificam sinais de associação consistente entre a

percepção pública dos serviços públicos e as informações obtidas via contato direto ou por

meio da mídia. As evidências foram constatadas a partir da análise de dados da pesquisa A

desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas, de 2006. Um índice geral de

avaliação dos serviços públicos foi desenvolvido pelos autores para permitir que os seus

determinantes fossem analisados com modelos de regressão multinomiais, e os resultados

obtidos sugerem que se a experiência das pessoas com as instituições é importante para a

percepção sobre elas, será preciso aprofundar a investigação sobre o que se entende por

experiência. Nos modelos estatísticos testados no capítulo, os usos da mídia, por exemplo,

não mostraram influência importante para a avaliação dos serviços públicos. A variável

relativa à mídia que teve impacto – a atenção prestada às notícias políticas na televisão – se

refere muito mais ao perfil do indivíduo do que à exposição ou aos conteúdos veiculados.

Variáveis sobre a audiência à televisão em geral e ao Jornal Nacional especificamente não

tiveram efeito independente sobre a percepção dos serviços públicos. Também o contato

direto com os serviços públicos se revelou pouco decisivo para a avaliação dos usuários dos

mesmos. Prevaleceu a percepção negativa em contraposição à positiva, mas ela não

mostrou ser um preditor da avaliação regular.

O livro se constitui em uma contribuição importante para o desenvolvimento das

pesquisas empíricas da democracia brasileira e, em especial, para a avaliação do papel

desempenhado pela confiança política para a legitimidade democrática. Sobressai, em

especial, a contribuição dos capítulos de análise empírica para a análise das relações entre o

fenômeno de desconfiança política e a qualidade da democracia brasileira. Uma das

dimensões mais importantes da abordagem da qualidade da democracia é a

responsividade, entendida como a capacidade de governos e de lideranças políticas de

responderem positivamente às expectativas dos eleitores; a análise do fenômeno da

desconfiança de instituições e de serviços públicos representa, nesse sentido, a agregação

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de uma nova dimensão de conhecimento do tema, possibilitando, ao mesmo tempo, que o

caso brasileiro possa ser mais bem avaliado desde uma perspectiva comparativa.

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I.

CIDADANIA, CONFIANÇA POLÍTICA E INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS1

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

INTRODUÇÃO

Até recentemente não era evidente na literatura política contemporânea que

existem questões relevantes de ordem teórica e empírica envolvidas nas relações entre

cidadania, confiança política e democracia. A teoria liberal clássica nasceu da desconfiança

diante de estruturas tradicionais de poder, e a liberdade dos modernos comparada à dos

antigos, como Benjamin Constant mostrou em sua célebre conferência de 1819, limitou a

soberania dos cidadãos ao instituir o sistema de representação baseado na idéia de que

quem escolhe um representante delega o seu poder de decidir. A tradição republicana, no

entanto, com Maquiavel e outros autores, contribuiu para a recuperação do lugar da

soberania dos cidadãos e, desde Montesquieu, a representação política é vista como uma

derivação do seu direito de participação política.

Mas foram as extraordinárias transformações políticas das três últimas décadas do

século XX - e as que estão começando a ocorrer nas primeiras do século XXI -, com o

impulso à democratização de vários países da Europa, da América Latina, da Ásia e, mais

recentemente, do norte da África e do Oriente Médio que provocaram a retomada das

abordagens que associam a democracia com a expansão dos direitos dos cidadãos,

recuperando e, ao mesmo tempo, indo além do que Marshall (1965) e Bendix (1977) haviam

proposto sobre o tema no século passado. De fato, embora o vínculo entre democracia e os

direitos dos cidadãos seja parte das tradições liberal, republicana e democrática, a novidade

das abordagens atuais, depois de décadas de desuso do conceito de cidadania, está na

importância atribuída à confiança dos cidadãos para o funcionamento das instituições

democráticas. O que está em questão agora não é apenas a adesão ou a exigência de

obediência cega às instituições públicas, mas a confiança derivada, por um lado, de sua

justificação ética e normativa e, por outro, da avaliação racional de seu desempenho pelos

cidadãos em sua condição de eleitores.

1 Este texto retoma argumentos apresentados na aula de erudição do autor no concurso para o cargo de professor

titular do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP realizado

em 24/6/2005.

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No Brasil, vários autores trataram das relações entre os efeitos das transformações

decorrentes do fim do regime autoritário e a consolidação dos direitos de cidadania, e

alguns até reconheceram a centralidade da questão para o processo de democratização,

mas raramente o problema foi posto em termos das relações entre confiança política e

instituições públicas. O historiador José Murilo de Carvalho (2002) é uma das poucas

exceções; em seu livro Cidadania no Brasil – O longo caminho, e em textos recentes, ele

argumentou que o complexo processo de reconstrução das instituições democráticas no

país converteu o tema dos direitos de cidadania no foco das expectativas geradas pela

reforma das instituições que, em 1988, concluíram com a promulgação da Constituição

Cidadã. Mas não deixou de chamar a atenção para o fato de que a reconquista da liberdade

e a ampliação de direitos sociais e de participação política não impediram que os

fenômenos de desencanto e descrença políticos e de déficit de confiança dos cidadãos nas

instituições democráticas emergissem com força, em que pesem os avanços realizados por

diferentes governos democráticos no terreno econômico e social.

Outros autores como Elisa Reis (1998), embora partindo de premissas teóricas

distintas, também se perguntaram recentemente por que fomos levados a deslocar

gradualmente a discussão da democratização para o terreno da consolidação da cidadania.

Suas respostas sugerem que o renascimento do conceito está associado ao fato de a

cidadania constituir-se em uma espécie de princípio de articulação das demandas por

emancipação e por inclusão social que emergem no contexto do conflito de interesses

divergentes que caracterizam as sociedades complexas, desiguais e diferenciadas. Suas

abordagens retomam a análise de Marshall (1965) sobre a expansão tridimensional da

cidadania, relativa a direitos civis, políticos e sociais, e incorporam a importância da

formação das identidades dos atores e de seu impacto sobre as relações de raça, etnia,

gênero, entre outros, para o processo de consolidação da cidadania. Moisés (1990) e

Benevides (1988), em textos baseados em premissas teóricas diferentes, também se

referem ao papel da participação política para a educação do cidadão ativo, chamando a

atenção para a inovação representada por mecanismos semi-diretos da democracia como o

referendo, o plebiscito e a iniciativa popular de lei que foram introduzidos na Constituição

de 1988. Nessas diferentes análises, ao se superar uma leitura excessivamente evolucionista

e seqüencial da obra de Marshall, há uma evidente ampliação do conceito de cidadania, mas

a questão de saber se, por que e como os cidadãos confiam em instituições democráticas

não está suficientemente desenvolvida, justificando a necessidade de novos estudos e

pesquisas sobre o tema; este capítulo pretende contribuir para isso.

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EVIDÊNCIAS DA EMERGÊNCIA DE UM NOVO FENÔMENO

Em âmbito mundial, as atitudes dos cidadãos diante das instituições públicas e, em

especial, das instituições democráticas, dando origem ou aprofundando o fenômeno de

desconfiança política em várias partes do mundo, foram documentadas por extensa

literatura desde os anos 80 e 90. Estudos comparativos editados por Klingemann e Fuchs

(1988), Norris (1999), Levi (1998), Nye et al. (1997) e Warren (1999) apontaram para a

complexidade e, principalmente, para a grande variação dos modos de expressão do

fenômeno. Assim, nas democracias que se consolidaram em meados do século XX, a

exemplo da Itália, do Japão e, em menor grau, da Alemanha, o cinismo e o desconforto

com o funcionamento de parte das instituições democráticas se generalizou a partir das

experiências de burocratização da vida pública, de engessamento do sistema de partidos

políticos, das práticas continuadas de corrupção, e de outros déficits de desempenho

institucional. Aonde existe uma tradição de melhor desempenho da missão dessas

instituições, no entanto, sinalizando um grau mais efetivo de sua auto-justificação, como na

Holanda, Noruega, Finlândia e Dinamarca, a confiança dos cidadãos também oscila, mas

dentro de patamares muito mais altos, sem que se possa falar, nesses casos, de uma crise

de confiança política.

A variação realmente dramática ocorreu, contudo, em algumas democracias mais

antigas, como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Suécia e mesmo o Canadá, onde

os resultados de pesquisas realizadas por mais de quatro décadas seguidas mostraram que

a confiança em autoridades e em instituições públicas caiu sistematicamente, nos últimos

40 anos, invertendo a tendência verificada durante a prosperidade econômica e a

tranqüilidade política que se seguiram ao fim da II Guerra Mundial. Enquanto naquele

período, em especial entre meados dos anos 50 e 60, cerca de ¾ de cidadãos dos países

mencionados mostravam-se satisfeitos, deferentes e confiantes em seus governos,

instituições e burocracias públicas, a partir dos anos 80 e 90 apenas 25% dos entrevistados

expressaram essa atitude, revelando uma evidente disposição crítica diante das crises

políticas, escândalos e, principalmente, a deterioração do padrão republicano de

funcionamento das instituições. Em todos esses casos, ainda que de modo diferente, as

mudanças afetaram o comportamento dos cidadãos em relação aos mecanismos básicos da

democracia representativa como partidos e eleições. De um modo geral, caíram as taxas de

identificação com ou a mobilização dos eleitores por partidos, o comparecimento em

eleições e o interesse por política em países como os Estados Unidos, Inglaterra e boa parte

da Europa continental. Só recentemente surgiram sinais de mudança nesse panorama, a

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exemplo do crescimento da participação por ocasião da eleição de Barack Obama, nos

Estados Unidos, ou da emergência de formas não-convencionais de participação política em

alguns países europeus; mas a tendência ainda não se reverteu e permanece como um

tema de interesse da literatura especializada.

A situação dos regimes nascidos da terceira onda de democratização, nos termos

definidos por Huntington (1991), é, no entanto, mais preocupante, embora guardando

especificidades próprias. Enquanto, por exemplo, em vários países do Leste Europeu a

avaliação do regime democrático implantado depois da queda do Muro de Berlim, em 1989,

não ultrapassava, em avaliações do início dos anos 90, os índices favoráveis ao regime

anterior, em boa parte dos países latino-americanos – onde a tradição democrática é

sabidamente frágil, descontínua e cheia de contradições -, apenas 1/5 do público declarava,

no início desse milênio, ter ‘muita’ ou ‘alguma’ confiança em parlamentos e partidos

políticos, e menos de 1/3 confiava em governos, funcionários públicos, policia ou judiciário.

Pesquisas relatadas no livro organizado por Moisés (2010), Democracia e Confiança –

Por que os Cidadãos Desconfiam das Instituições Públicas?, sobre vários países do continente,

também associaram os sentimentos de apatia ou de impotência política com ao fenômeno

de desconfiança dos cidadãos de instituições democráticas2. Não é diferente a situação da

Coréia do Sul, estudada por Shin (2005), ou a de alguns países do sudeste europeu

analisados por Torcal e Brusattin (2010). Em boa parte desses casos, as instituições

democráticas nasceram de estruturas autoritárias anteriores, herdaram distorções daquelas

experiências, nem sempre as tornaram coerentes com seus objetivos; e, mesmo

reformadas, não completaram o que se designa como o processo de rotinização das novas

estruturas institucionais que, no caso das democracias originárias, malgrado seu mal estar

recente, foi um aspecto importante da longa acomodação dos cidadãos às inovações da

ordem política democrática.

Em todos esses casos não há sinais de preferência por um regime antidemocrático,

mas a desconfiança dos cidadãos de instituições públicas aponta para um paradoxo cujos

efeitos para a continuidade da democracia em longo prazo precisam ser mais bem

conhecidos e avaliados. É razoável supor que a democracia pode conviver indefinidamente

com o descrédito dos cidadãos em normas, procedimentos e instituições que, por

definição, tem a função de mediar a competição de interesses divergentes e, ao mesmo

tempo, promover a coordenação e a cooperação sociais necessárias ao funcionamento das

sociedades complexas? A continuidade do regime no tempo é suficiente para dirimir os

2 Ver também Moisés (1995), Os Brasileiros e a Democracia – As bases sócio-políticas da legitimidade democrática,

Durand Ponte (2004), Ciudadanía y Cultura Política, sobre o México, e Huneeus (2003) Chile, un país dividido.

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efeitos da desconfiança política? E como avaliar a qualidade de um regime cujos

mecanismos básicos de funcionamento suscitam tantas dúvidas entre os cidadãos, como no

caso das instituições democráticas?

Para responder a essas questões três argumentos são apresentados neste capítulo.

Em primeiro lugar, é preciso redefinir o conceito de cidadania a partir da controvérsia entre

a concepção liberal clássica, para a qual a cidadania é essencialmente um status jurídico e

administrativo formal, e a crítica comunitarista que pretende resgatar a noção cívico-

republicana da sua tradição. Em segundo lugar, é necessário enfrentar a premissa da

tradição liberal da democracia segundo a qual o risco de abuso do poder supõe

desconfiança e não confiança nas instituições. E, finalmente, estabelecida a relevância

teórica do conceito de confiança política, é preciso examinar, contra tendências usuais de

tomá-la como um fenômeno de face única, a sua natureza multidimensional, bem como as

implicações que isso tem para a teoria empírica da democracia.

A QUESTÃO DA CIDADANIA

O vocábulo cidadão provém do termo latino civitas, mas como observaram vários

autores, suas fontes intelectuais encontram-se nas religiões da Antiguidade e na civilização

greco-romana, cujo legado remete às noções de liberdade, igualdade e virtudes

republicanas. As referências à idéia abstrata de igualdade já estavam presentes em textos

religiosos antigos para os quais todo ser humano deveria ter status igual diante de Deus.

Mas foi na antiguidade grega que os conceitos de igualdade e liberdade adquiriram

relevância a partir da emergência da pólis, isto é, da cidade protegida da hostilidade de

vizinhos ou estrangeiros, cujos laços de lealdade e de identidade de seus cidadãos

formavam a base da comunidade voltada para o bem público; na polis os cidadãos

participavam, em graus diferentes e de modo desigual, das decisões que afetavam o seu

destino; reunidos na ágora, os homens (mas não as mulheres, nem os escravos ou

trabalhadores manuais) tomavam decisões que afetavam a vida das pessoas – como as

relativas às leis, à economia e a guerra -, e escolhiam ou eram escolhidos, por sorteio, para

assumir funções ligadas à administração e a justiça.

Mais tarde, do período medieval em diante, o burgo ocupou o lugar da pólis, dando

novas dimensões à idéia de liberdade, e o burguês converteu-se no protótipo do cidadão,

sendo a cidade o seu habitat natural. Na continuidade dessa tradição, nos séculos XVII e

XVIII, o contratualismo de J. Locke e de J. J. Rousseau forneceu as bases filosóficas do

conceito de cidadania do liberalismo, e as revoluções inglesa, americana e francesa

validaram o seu uso ao estabelecer um vínculo jurídico-legal entre as noções de liberdade,

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igualdade, fraternidade e Estado-Nação. A adoção da premissa de que “os homens nascem

livres e iguais” ofereceu os fundamentos para a concepção segundo a qual o cidadão, ao se

associar politicamente para reverter “a guerra de todos contra todos”, tem de ser visto

como detentor de um status formal capaz de reconhecer o seu pertencimento à

comunidade política nacional e, ao mesmo tempo, de assegurar o seu direito de escolher

governos e seus representantes; e, inclusive, de ser escolhido para as funções

correspondentes.

A concepção liberal clássica deu origem a uma perspectiva protetora do cidadão

como membro da associação política. O objetivo principal era proteger o indivíduo de riscos

de arbitrariedade, opressão ou a violação de seus direitos por parte tanto de quem exerce o

poder, assim como dos outros indivíduos. Locke (1973) formulou essa concepção de

proteção em termos do direito natural à vida, à liberdade e à propriedade. Por isso, as

liberdades modernas foram entendidas como negativas, isto é, como mecanismos que

institucionalizam a ausência de coerção estatal ou privada para evitar que o indivíduo seja

impedido de realizar os seus interesses. Essa concepção negativa está na origem da

desconfiança que a tradição liberal alimentou contra os detentores de poder e as estruturas

do Estado Moderno.

Em linha com essa tradição, o modelo de democracia minimalista – cujos

desenvolvimentos mais recentes datam de meados do século passado - supõe uma

estrutura jurídico-legal que assegura a separação de poderes, o funcionamento do sistema

de representação, a obrigação de obediência às leis, o direito de participar da escolha da

elite governante, mas , ao mesmo tempo, a aceitação pelos cidadãos comuns de que essa

participação tem limites, as tarefas governativas devendo ser deixadas para os políticos e

para os especialistas - premissas que M. Weber e J. Schumpeter viram como o principal

objetivo da democracia. Operando, contudo, no terreno aberto por essa concepção, mas,

ao mesmo tempo, ampliando os seus marcos analíticos, alguns teóricos do pluralismo

democrático como Dahl (1966) e Bobbio (1984) deslocaram o foco da análise do indivíduo

para o papel de facções, grupos de pressão e de interesses na competição política,

mostrando que sem o reconhecimento da diversidade política não pode existir democracia.

O modelo protetor e minimalista da democracia, baseado no princípio normativo da

igualdade formal dos cidadãos, supõe que as diferenças de posses materiais, poder ou

status social não eliminam a igualdade de todos em face da lei, tomada como o fundamento

da igualdade de direitos e, em especial, do direito de voto. Mas essa igualdade não é vista

como um fim em si, destinado a fundar uma comunidade de interesses, mas sim como

instrumento de proteção do indivíduo contra a opressão e a injustiça.

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Foi em oposição a essas premissas e às suas implicações práticas que se colocaram

as objeções de K. Marx e de seus seguidores, segundo as quais, a noção de cidadania

centrada nas formalidades jurídico-legais oculta a exclusão e a desigualdade real dos

indivíduos originadas pelas relações assimétricas que caracterizam o modo de produção

capitalista. Marshall (1965), em sua celebrada conferência sobre o tema, reconheceu isso

claramente ao designar como uma espécie de “guerra” o processo contínuo – e, em certo

sentido, seqüencial - de conquistas de direitos de cidadania verificadas desde o século XVIII

na Inglaterra. Mesmo autores como J. Rawls, cuja preocupação principal está centrada nas

exigências de justiça do sistema de cidadania, vêm os cidadãos como motivados a usar os

seus direitos essencialmente para alcançar os seus interesses próprios. Embora na

formulação de Rawls (1971) isto deva se dar no contexto de constrangimentos impostos

pela exigência de respeito aos direitos dos outros, a sua ênfase é a defesa do “direito dos

indivíduos de definir, revisar e buscar racionalmente seus interesses privados e sua

concepção particular de bem”, e não a participação dos cidadãos para a consecução do

bem público como suposto pela tradição clássica de cidadania, reivindicada mais tarde

pelos comunitaristas.

Com efeito, é precisamente sobre isso que incide a crítica comunitarista de autores

como Volin (1992) e Sandel (1982). Segundo eles, a tradição liberal teria relegado as

preocupações normativas da política ao campo da moralidade privada. A política teria sido

destituída do seu componente ético – associado na concepção cívico-republicana com o

desenvolvimento das virtudes requeridas pela participação na pólis e na república – para

assumir uma concepção essencialmente instrumental, voltada apenas para a realização de

interesses privados que seriam definidos longe ou independentemente do debate público –

tomado como expressão do debate de interesse de todos. Isso teria levado ao

esvaziamento da noção de cidadania baseada na propensão natural dos cidadãos de

associar-se com os seus iguais para definir a ação coletiva necessária à realização do bem

almejado pela comunidade política, e teria dando origem a uma noção descomprometida

do ser político, empobrecedora da cidadania como comunidade constitutiva, cujo processo

para definir objetivos comuns seria o fundamento da identidade política dos indivíduos.

Assim, segundo os comunitaristas, a concepção liberal apenas reconheceria o surgimento

de uma comunidade instrumental em que os indivíduos participariam com interesses e

identidades previamente constituídos, sem vínculo ou raiz social, o que minimizaria ou

reduziria a importância da esfera pública para o desenvolvimento das virtudes cívicas

necessárias ao funcionamento do bom governo.

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Os comunitaristas advogaram, então, o retorno da visão cívico-republicana de bem

público como algo que antecede e é independente dos interesses individuais. Essa

concepção, raramente presente no debate político contemporâneo, inspira-se na tradição

greco-romana, na experiência das repúblicas italianas da Idade Média e no pensamento

republicano inglês do século XVII. O valor fundamental da atividade política para ela seria a

busca do bem comum concebido como uma dimensão que se sobrepõe aos interesses

privados - como também reivindicou Rousseau com a sua noção de vontade geral –, e,

supostamente, algo que só seria alcançável pela participação direta e ativa dos cidadãos no

processo de tomada de decisões coletivas, e não pela representação. Vista como fim em si,

a participação dos cidadãos seria a fábrica, por assim dizer, a partir da qual se pode

desenvolver a comunalidade necessária ao advento do governo virtuoso, e a liberdade,

mais do que efeito da limitação dos excessos do governo ou da avidez dos outros cidadãos

– como na tradição liberal -, seria a condição de seu compromisso com o bem público,

entendido então como expressão dos interesses de todos.

Contudo, essa visão, que implica, por certo, um modelo de cidadania mais ativa,

com vantagens para a educação de cidadãos ativos e responsáveis diante das exigências da

vida pública, padece de uma limitação importante, expressa pela retomada de uma noção

pré-moderna da política ao advogar uma concepção essencialista de bem comum que, por

definição, exclui a divergência de interesses e o conflito inerente à disputa em torno da boa

vida e do bom governo. A concepção da comunidade política organizada em torno de uma

idéia única de bem público é incompatível com a natureza conflitual da sociedade moderna

e com as conquistas das revoluções democráticas dos séculos XVII e XVIII que envolveram

as liberdades individuais, o reconhecimento do pluralismo e o direito de organização da

sociedade civil como expressões da diversidade de interesses que está na base da

competição política. O risco representado por essa idéia de um bem comum único está na

substantivação do processo político e na desqualificação da natureza conflitual da política

moderna.

A grande novidade da democracia moderna, como argumentou Lefort (1981), foi a

dissolução dos marcos de certeza que articulavam as crenças sobre o mando e a obediência

nas sociedades tradicionais, e a alocação da disputa pelo poder – este considerado como

um espaço vazio – em um terreno de indeterminação que é incompatível com a idéia de

garantia final de resultados ou uma noção substantiva do bem comum. A democracia supõe

necessàriamente incertezas quanto aos resultados do processo através do qual as

sociedades resolvem os seus dilemas coletivos, e essa condição não pode ser contraditada

por uma concepção que limita, por definição, a natureza do conflito que está na raiz da

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política moderna; fosse o contrário, e a política não poderia ser definida pelo

reconhecimento da legitimidade desse conflito em torno de bens materiais e simbólicos

escassos.

Tendo em conta os limites tanto do modelo liberal, como da concepção

comunitarista - como resumidos antes – os filósofos políticos C. Mouffe e J. Leca

argumentaram, recentemente, que uma concepção de cidadania adequada às exigências

das sociedades complexas contemporâneas – por natureza, desiguais, diferenciadas e

fortemente marcadas por novos processos de produção e comunicação derivados da

globalização - tem de articular as conquistas da revolução democrática dos três últimos

séculos com aspectos da tradição cívico-republicana. Essa nova concepção deveria

incorporar, em um mesmo movimento constitutivo, a prioridade dos direitos individuais

sobre a noção de um bem comum substantivo e a importância da idéia de inserção dos

indivíduos na comunidade política em decorrência de seu interesse de associar-se para agir

e participar do processo de tomada de decisões públicas. A dimensão pública que

corresponde a essa concepção refere-se, não a um projeto essencialista que estipula

previamente os resultados da competição política, mas ao processo de construção da ação

política como resposta a dilemas coletivos reconhecidos como tal pela comunidade política.

O que os cidadãos compartilham não é a presunção de consenso prévio ou uma visão

homogênea quanto à solução dos conflitos em jogo, mas o compromisso político derivado

da decisão de reconhecer como legítimas as suas diferenças e de associar-se - malgrado elas

- em função de sua decisão de agir em comum para alcançar objetivos públicos. Esse

compromisso envolve a aceitação de princípios como a liberdade e a igualdade,

decorrentes das transformações democráticas e, ao mesmo tempo, estabelece as bases das

relações de lealdade entre atores que, por circunstância ou por escolha, estão associados

entre si. Essa lealdade os une e funda as bases da noção de direitos de cidadania que se

refere, não apenas às diferenças de status político ou social, mas à diversidade de

identidades políticas derivadas de relações de gênero, sexualidade, raça, etnia, religião ou

cultura.

A idéia – que Mouffe (1992) toma emprestada do filósofo inglês M. Oakeshott –

supõe que essa associação envolve uma prática comum através da qual seus membros

definem condições específicas para realizar o seu compromisso público. Essa prática cívica,

designada como res pública, mais do que definir fins últimos da ação dos cidadãos,

estabelece as regras e as práticas que eles aceitam subscrever para agir em comum. Como a

ação coletiva em tais condições envolve, por definição, a divisão e o antagonismo próprios

da política moderna, essas condições incluem um complexo de normas, procedimentos e

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instituições cujo objetivo é regular o modo dos cidadãos reconhecerem e resolver as suas

diferenças e, ao mesmo tempo, oferecer as bases do julgamento político que fazem ao

participar da realização de objetivos coletivos. Trata-se de uma associação política de que

participam atores de diferentes orientações que, a despeito de também pertencerem a

associações definidas por interesses particulares, como partidos, grupos de pressão ou

corporações, não estão em conflito com sua decisão de integrar a comunidade política mais

abrangente. Ou seja, a sua identidade como cidadãos pertencentes à res publica decorre da

comunalidade expressa pela definição e pela adoção de regras de intercurso civil que

organizam suas relações políticas. Oakeshott (1975) enfatiza o caráter ético e moral - não

instrumental - da adesão dos cidadãos a essas regras, mas isso se refere menos a uma visão

abrangente da finalidade da sociedade, e mais às propriedades e à qualidade do código

ético-político que norteia a mediação e a regulação da disputa por interesses políticos

divergentes.

Nessa visão, diferente de concepções tradicionais sobre o papel do Estado, a

autoridade pública não é um instrumento neutro de conciliação de interesses, nem o

comitê executivo dedicado à promoção de interesses privados, mas a esfera que autoriza,

segundo regras bem específicas que esses interesses participem da disputa política,

normatizando o modo dessa disputa se dar. Diferente também da concepção usual de que

o império da lei é suficiente per se para legitimar a associação política necessária à garantia

da liberdade e da igualdade, importa muito a sua articulação com o conteúdo normativo de

regras e instituições escolhidas pelos atores políticos, e isso, em última análise, está no

centro da dinâmica das relações entre cidadãos e a esfera pública; está no centro e define a

natureza dessas relações e, por isso, atribui um papel especial para as instituições, vistas,

então, como os meios por excelência de mediação dos conflitos políticos modernos.

A QUESTÃO DA CONFIANÇA

A abordagem convencional do fenômeno de confiança dos cidadãos em instituições

democráticas costuma associar o tema à questão da legitimidade política. Contudo, o

conceito de legitimidade tem sido objeto de controvérsias nas ciências humanas,

particularmente, no que se refere ao exame da articulação de aspectos do sistema político

global, como é o caso de suas estruturas institucionais, com as orientações individuais dos

cidadãos sobre a política (MCDONOUGH et al., 1992). A sociologia política de Max Weber

ofereceu, nesse sentido, um ponto de partida amplamente reconhecido pela literatura

política ao distinguir entre as dimensões de poder e de autoridade, e ao advogar a

superioridade da última para tratar da natureza da coesão social da comunidade política.

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Enquanto no caso da autoridade a relação dos cidadãos, assim como do pessoal burocrático

e administrativo do Estado, com os governantes e as autoridades públicas estaria motivada

por aquiescência voluntária, isto é, por adesão de natureza não-coercitiva, no caso do

poder a relação envolveria necessàriamente o uso da força, ainda que esse tenha de ser

regulado por lei para ser aceito como legitimo.

A questão, então, estaria em saber o que motiva a aquiescência voluntária dos

cidadãos e do pessoal administrativo e burocrático às autoridades públicas e às instituições

do sistema político. Weber (1974) respondeu a essa questão propondo a sua famosa

tipologia tripartite da legitimidade: o primeiro tipo refere-se à aceitação da autoridade

motivada pelo respeito à tradição, embora as sociedades que se modernizaram ou estão

em vias de concluir esse processo não possam ser incluídas aí; o segundo tipo alude às

qualidades carismáticas atribuídas a certas lideranças políticas ou a certas idéias expressas

por elas, mas, claramente, esse constitui um caso especial; para o terceiro tipo a

aquiescência depende de sua ordenação racional-legal, ou seja, os cidadãos se conformam

e manifestam respeito à autoridade definida por regras legais e racionais. Embora se

considere que nesse caso a situação corresponde à racionalidade própria da modernidade,

não fica inteiramente claro na teoria se os cidadãos e os funcionários do Estado aceitam

obedecer e submeter-se a ordens e regras simplesmente porque elas correspondem a

procedimentos considerados legalmente “corretos”; pois, dado que as leis e as normas não

são auto-executáveis ou auto-impositivas, a submissão a elas dependeria ainda de algum

outro fator que precisa ser explicado.

Offe (1999) sugeriu duas respostas a esta questão: a primeira, baseada nos escritos

políticos de Weber do período entre 1917 e 1919, aponta para a necessidade de uma

combinação de fatores racional-legais com os que se referem às qualidades morais e éticas

de autoridades e instituições, sem os quais os primeiros seriam insuficientes; esses fatores

selariam, por assim dizer, os motivos pelos quais os indivíduos aceitariam se submeter às

instituições, às leis e às autoridades. A segunda se refere ao conteúdo normativo de regras

e procedimentos racional-legais, particularmente, o relativo aos princípios de equidade,

justiça, impessoalidade e imparcialidade que seriam próprios das instituições democráticas;

o conhecimento dessas normas e princípios, pelos cidadãos, seguido de sua realização

prática pelos encarregados de seu funcionamento, geraria a confiança política necessária

para que o poder público seja capaz de realizar as tarefas de coordenação social e política

que se espera dele. Complacência, submissão e confiança em regras e normas de

funcionamento de instituições públicas dependeriam, nessa concepção, da sinalização e da

realização prática de valores como universalismo, reciprocidade e participação, sem os

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quais os cidadãos tenderiam a perceber o jogo político como uma fraude ou como algo em

que a diversidade de interesses envolvida não estaria devidamente garantida, e em que os

eventuais infratores de regras universais não sofreriam quaisquer restrições ou punições de

parte do sistema político; daí o fenômeno da desconfiança política (OFFE, 1999; LEVI, 1998).

Confiança em linguagem comum designa segurança de procedimento ou crença em

outros com quem se interage e se convive. Nas ciências sociais, o interesse pelo conceito

está associado à preocupação com os processos informais através dos quais as pessoas

enfrentam as incertezas e as imprevisibilidades que decorrem da crescente complexificação

da vida no quadro de um mundo globalizado, interdependente e crescentemente

condicionado por avanços tecnológicos no campo da comunicação. Essa situação implica

em conhecimento limitado sobre os processos de tomada de decisões coletivas e as ações

de governos que afetam a vida das pessoas. Diante disso, autores como Luhmann (1979),

Giddens (1990) e Offe (1999) chamaram a atenção para o fato de que a velha demanda por

coordenação social que está na origem do Estado moderno se reatualizou, na época

contemporânea, ao se associar com as exigências de cooperação social; contudo, para se

deixar coordenar e cooperar as pessoas precisam ter alguma capacidade de previsão sobre

o comportamento dos outros e, em especial, sobre o funcionamento de regras, normas e

instituições que condicionam esse comportamento, cujos efeitos afetam a sua vida.

Esse é o ponto em que a demanda por confiança se atualiza. Autores de diferentes

orientações teóricas argumentaram que ela é a resposta adequada para essa situação de

adversidade e de imprevisibilidade e, nas últimas décadas, o conceito vem sendo usado

para designar grande variedade de fenômenos sociais e políticos que, malgrado colocar os

indivíduos envolvidos em situação de risco, refere-se à coesão social necessária ao

funcionamento das sociedades complexas, desiguais e diferenciadas. O tema envolve uma

controvérsia a respeito da relação entre os conceitos de confiança interpessoal e confiança

política, algo abordado na literatura especializada por enfoques tanto dos racionalistas,

como dos cultores dos modelos de “cultura cívica” de Almond e Verba, “capital cultural” de

Bourdieu, “capital social” de Putnam, “pós-materialismo” de Inglehart e “cidadãos críticos”

de Norris, Klingemann e Fuchs.

Para os racionalistas, a confiança interpessoal envolve a expectativa racional de A (o

confiante) sobre o curso de ações a ser adotado por B (o confiado). Diante da

imprevisibilidade humana, isto é, do fato de o comportamento alheio não poder ser

completamente controlado – a não ser em situações-limite -, a situação implicaria em risco

de dano ou de vulnerabilidade de A diante de B. Como o ato de confiar é insuficiente para

determinar o resultado da interação, autores como Hardin (1999) supõem que só não existe

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abuso de confiança se a relação encapsular os interesses das partes. Ou seja, quando quem

confia tem segurança sobre a motivação solidária do confiado por saber por antecipação

que seus interesses serão levados em consideração por ele. A confiança interpessoal

abrangeria, assim, as situações em que interesses mútuos, que geram benefícios comuns e

eliminam os danos derivados de abuso da confiança, podem ser mobilizados; mas, afora

isso, a confiança seria injustificável do ponto de vista racional.

Os críticos dessa perspectiva sustentaram, no entanto, que essa situação está longe

de ser a mais comum, não sendo sempre racional a decisão de confiar, nem a atitude se

determinando exclusivamente – como no caso de uma decisão baseada no cálculo de

custos/benefícios – pelo nível de informação disponível a respeito do comportamento dos

outros, pois os indivíduos têm capacidade cognitiva limitada para acessar, na quantidade e

na qualidade necessárias, as informações adequadas para avaliar a conduta alheia ou a

utilidade da interação em que estão envolvidos. A eficiência, a pluralização de papeis e a

mobilidade social típicas das sociedades complexas ampliam as possibilidades de escolhas

dos indivíduos, mas a complexidade social e política inerente aos processos que envolvem a

tomada de decisões coletivas limita a sua capacidade de controlar a informação necessária

para que suas decisões sejam compatíveis com seus interesses, aspirações ou preferências.

A confiança preencheria, portanto, o vazio deixado pela impossibilidade de as

pessoas mobilizarem de modo completo os recursos cognitivos requeridos para avaliar as

suas habilidades e julgar as decisões políticas que afetam suas vidas. Com base em

premissas estabelecidas nas obras de Tocqueville (1969) e de Almond e Verba (1965),

autores como Putnam (1993) e Inglehart (1997) argumentaram, em anos recentes, que a

confiança interpessoal ou social se explica a partir do contexto sócio-cultural em que se

expressa. Sua ocorrência, baseada na experiência social e em valores compartilhados,

favoreceria a disposição das pessoas para agir em comum e a acumulação de capital social

daí resultante levaria à acumulação de capital político favorável ao funcionamento do

regime democrático. O fato de as pessoas confiarem umas nas outras estimularia a sua

cooperação e favoreceria o surgimento de virtudes cívicas, como a submissão às leis e

normas e a participação política, reforçando a capacidade dos grupos envolvidos de obter

benefícios comuns desejados e, ao mesmo tempo, estimulando os indivíduos a

pressionarem as instituições públicas a se desempenharem para cumprir os objetivos para

os quais foram criadas.

Contudo, a premissa de que a confiança social gera a confiança política tem de

enfrentar a objeção segundo a qual a política moderna nasceu da suposição de que quem

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detém o poder não é confiável, e de que os procedimentos a que recorrem os seus

detentores para mantê-lo precisam ser socialmente controlados para que o seu abuso seja

evitado. Segundo essa premissa liberal, a vantagem da adoção de regras, normas e

instituições democráticas consiste precisamente no controle e na limitação do poder

propiciados por elas. A inovação democrática decorreria da existência de normas de

procedimento que permitem colocar em cheque os poderes discricionários implícitos nas

relações de poder. Em conseqüência, a democracia implicaria em supervisão e

monitoramento do exercício do poder pelos cidadãos. Ou seja, ela implicaria em

desconfiança e, para fazer valer isso, operaria com instituições desenhadas para que os

riscos de origem sejam antevistos e controlados. Nesse caso, como falar em confiança

política?

Os autores que contra-argumentaram em favor da confiança inverteram o sentido

das formulações anteriores. Para Warren (1999), Offe (1999) e Sztompka (1999), entre

outros, diante da impossibilidade de se ter garantia absoluta de que o conflito de interesses

se resolva pacificamente, a democracia moderna institucionalizou regras e normas de

procedimentos, geridas e ativadas pelas instituições democráticas, para assegurar um

padrão civilizado de competição política, algo também sugerido por autores como Mouffe

(1992) e Oakeshott (1975). Com efeito, mecanismos ou dispositivos como eleições,

representação política, liberdade de expressão e de associação, direito de julgamento justo

e imparcial, divisão de poderes e a obrigação de prestação de contas por governos

capacitam os cidadãos para desafiar as relações de poder de que justamente desconfiam,

mas, para fazer isso, a sua “desconfiança” precisa ser “institucionalizada”, ou seja, tornada

permanente através de mecanismos que, mobilizados, asseguram que eles podem

competir por seus interesses sem risco para a sua liberdade e para os seus direitos, a

começar pelo direito à vida.

A idéia é que direitos e prerrogativas democráticas sejam “naturalizados” pelas

instituições e “internalizados” na ordem institucional. Para isso, contudo, os cidadãos têm

de aceitar o caráter impositivo de regras que traduzem os princípios de liberdade e de

igualdade política, e o fato de elas garantirem, uma vez que funcionem a contento, o seu

direito de controlar as circunstâncias que geram “desconfiança”. Ou seja, a

institucionalização da “desconfiança” implica também na “internalização” pelos cidadãos

dos meios pelos quais podem enfrentá-la e, nessa medida, supõe a existência de uma

cultura de confiança nos instrumentos que tornam isso possível, ou seja, as instituições

democráticas. Nesse sentido, Sztompka (1999) fala de pelo menos cinco práticas

democráticas que requerem a confiança para operar com sucesso. A primeira é a

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comunicação entre os cidadãos com vistas à definição de objetivos públicos comuns; a

segunda é a prática da tolerância e da aceitação do pluralismo político; a terceira é o

consenso mínimo sobre o funcionamento dos procedimentos democráticos; a quarta é a

civilidade requerida pela relação de atores que competem por objetivos diferentes; e, a

última, é a participação dos cidadãos seja em associações da sociedade civil, seja em

organizações de objetivos propriamente políticos, como os partidos. Todas são

consideradas indispensáveis à democracia, todas se retroalimentam e, por isso mesmo,

todas requerem graus razoáveis de confiança para funcionar a contento.

O argumento de Offe (1999), contudo, é ainda mais complexo. Para ele, com a

crescente interdependência dos sistemas complexos que constituem as sociedades

contemporâneas, o Estado assumiu funções de articulador, não mais e nem exclusivamente

de responsável único pela solução dos dilemas coletivos que, antes, se esperava que

pudessem ser solucionados pela sua intervenção. Em face das transformações provocadas

pela globalização e pelas pressões para diminuir o seu papel de ator direto nas esferas da

economia e da sociedade, o Estado se fragilizou e, para implementar políticas públicas

correspondentes, tem de se apoiar cada vez mais na cooperação social. A coordenação

necessária a essa implementação demanda o envolvimento dos cidadãos, quando menos,

como no caso dos serviços de arrecadação de impostos que alimentam o fundo público,

para apoiar as instituições no cumprimento da missão para a qual foram criadas; mas isso

não se realiza sem que as instituições tenham a confiança das pessoas. Contudo, confiar em

instituições não é a mesma coisa que confiar em pessoas, de quem se pode esperar

reciprocidade, indiferença ou hostilidade; em contraste com Hardin (1999), para quem a

inexistência de confiança em instituições é resultado da informação limitada de que

dispõem os indivíduos, Offe (1999) enfatiza os recursos éticos e normativos das

instituições, e a relação que isso enseja com a experiência política das pessoas. Confiar em

instituições supõe, então, conhecer, em alguma medida, a idéia básica ou a função

específica atribuída a elas, a exemplo da crença de que a policia existe para garantir a

segurança e a sobrevivência das pessoas. Isso se explicitaria tanto pela sua retórica de auto-

justificação como pelas regras constitutivas das instituições, as quais remetem a conteúdos

éticos e normativos que resultaram da disputa dos atores para atribuir sentido à política

democrática; por isso, essas regras constituem uma referência necessária tanto da ação dos

responsáveis pelas instituições, como do comportamento das pessoas comuns que, a partir

de sua experiência política, se orientam pelo que aprendem do funcionamento das

instituições.

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Em vista disso, as instituições não podem ser vistas como neutras ou vazias, mas

como mecanismos de mediação política informados por valores derivados das escolhas que

a sociedade fez com vistas a enfrentar os seus desafios políticos. A confiança política dos

cidadãos não é, portanto, cega ou automática, mas depende de as instituições estarem

organizadas para permitir que eles conheçam, recorram ou interpelem os seus fins últimos

– fins aceitos, desejados e considerados legítimos pelos cidadãos. Nesse sentido, regras

institucionais democráticas como a imparcialidade em eleições, a probidade no uso de

recursos públicos ou a igualdade de acesso à justiça, ao “naturalizar” os direitos de

cidadania, gerariam expectativas sociais correspondente sobre o seu funcionamento, e é

isso, precisamente, que afetaria a relação dos cidadãos com elas. Dito de outro modo, a

confiança política dos cidadãos em instituições dependeria da coerência delas com a sua

auto-justificação normativa; o repertório de significações resultante do funcionamento das

instituições ajudaria a determinar a medida dessa confiança, a qual pode ou não se estender

aos seus responsáveis, dependendo de o quanto o seu comportamento seja compatível

com aqueles objetivos. A dinâmica envolveria, portanto, a experiência dos cidadãos com as

instituições e isso ajudaria a determinar a ocorrência do fenômeno de confiança.

UM CONCEITO MULTIDIMENSIONAL

A abordagem proposta retoma uma idéia original de Easton (1965) que, analisando

a natureza do apoio público aos sistemas políticos, meio século atrás, falou de apoio

específico e de apoio difuso como dimensões diferentes. Enquanto o primeiro se refere à

satisfação dos cidadãos com o desempenho de governos e de lideranças políticas, o apoio

difuso diria respeito à sua atitude em relação ao sistema político como um todo,

independentemente do desempenho de seus responsáveis.

Easton queria demonstrar como essa distinção tem implicações para o

conhecimento e para o comportamento político e argumentou que o apoio político está

relacionado com a experiência das pessoas. Os cidadãos se identificam com as instituições

porque aprendem a fazê-lo através de processos sucessivos de transmissão de seu

significado para as diferentes gerações mas, principalmente, porque as suas experiências

políticas, ao longo de sua vida adulta, qualifica-os para avaliar racionalmente o seu

desempenho. A participação em eleições e a vivência de processos institucionais que

ampliam ou restringem o seu acesso a direitos estabelecidos por lei fornece as bases do seu

julgamento. Essa avaliação inclui a percepção de resultados do desempenho das

instituições, a exemplo de avanços nas áreas sociais e econômicas, mas também do

cumprimento da missão normativa atribuída a elas pela sociedade. As pessoas aprendem a

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distinguir entre as diferentes dimensões envolvidas no processo e, uma vez que isso se

torne parte de sua rotina, elas passam a diferenciar a ação de governos do desempenho

específico de instituições. Isso se refere a esferas de ação governamental, a serviços

públicos e a instituições específicas que, a exemplo do judiciário, simbolizam o acesso dos

cidadãos a direitos estabelecidos por lei.

Em conseqüência disso, o apoio público às instituições políticas não pode ser visto

como um fenômeno unidimensional, mas como algo de face múltipla que explicita para os

cidadãos as qualidades da ação institucional. Ademais, as diferentes dimensões

institucionais não podem ser confundidas sob pena de ocultamento da realidade; por essa

razão, partindo das observações originais de Easton, alguns autores refinaram o foco da

análise através da inclusão de novas dimensões no escopo das pesquisas empíricas do

tema. Identificaram cinco níveis de confiança política que, embora relacionados, tem de ser

pesquisados separadamente: a comunidade política per se, os princípios do regime

democrático, o desempenho específico do regime, as instituições democráticas e os atores

políticos.

O primeiro nível refere-se ao apoio difuso dos cidadãos à comunidade política,

através da qual se sentem pertencendo ao Estado-Nação, isto é, às fronteiras territoriais e

políticas que definem a sua identidade coletiva (LINZ E STEPAN, 1996). Orgulho, lealdade e

expectativas relativas às suas aspirações sociais, étnicas ou religiosas são alguns dos

sentimentos correspondentes; a ligação dos cidadãos com sua comunidade política seria

parte do capital social que favorece a confiança social e o engajamento cívico (NEWTON,

1999). O segundo nível alude à adesão dos cidadãos ao regime democrático como um ideal,

isto é, aos valores que, mesmo sem se constituir em um consenso absoluto, distinguem

esse regime dos demais; admitindo-se que a democracia tem significados diferentes para

pessoas diferentes de sociedades diferentes (THOMASSEN, 1995; SIMON, 1996; MILLER,

HESLI E REISINGER, 1997), alguns valores a definem, no entanto, em oposição a outros

regimes: as noções de liberdade, igualdade, império da lei, equidade, participação,

tolerância diante da diferença e respeito por direitos e deveres estabelecidos

constitucionalmente (BETHAM, 1994; SIMON, 1996). O terceiro nível permite verificar o

funcionamento prático da democracia, isto é, o desempenho objetivo do regime no dia-a-

dia em contraste com o seu significado ideal. Para isso, importam as percepções dos

cidadãos, menos sobre os princípios do regime democrático, e mais sobre a sua capacidade

de solucionar problemas percebidos socialmente como prioritários (MCDONOUGH et al.,

1992; MOISÉS, 1995). Essa distinção permite captar, de modo mais adequado, as avaliações

individuais sobre o desempenho específico do sistema democrático, em dado momento e

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lugar, em contraste com a percepção de suas vantagens em relação a outros regimes

(KLINGEMANN E FUCHS, 1998). O quarto nível refere-se às instituições democráticas per se

e abrange o universo de atitudes e percepções dos cidadãos a respeito de parlamentos,

partidos políticos, executivo, judiciário, sistema legal, serviços públicos como educação,

saúde e segurança pública, burocracia estatal e as forças armadas em contraposição ao

desempenho de seus ocupantes ou líderes ocasionais (LIPSET E SCHNEIDER, 1987;

LISTHAUG E WIBERG, 1995); a ênfase é posta na missão permanente das instituições e na

expectativa que isso implica, menos do que em seus resultados práticos (HIBBING E THEISS-

MORSE, 1995). O último nível analítico refere-se ao apoio dos cidadãos aos atores políticos,

isto é, aos líderes e membros do segmento que se convencionou chamar de classe política;

o objetivo é examinar a avaliação pública que emerge de seu desempenho específico e,

dessa forma, separar analiticamente essa dimensão da que se refere à confiança ou

desconfiança em governos ou em instituições políticas (ROSE, 1995).

Essa distinção de níveis empíricos permite explorar analìticamente o fato de as

pessoas experimentarem e confiarem de modo desigual em diferentes dimensões

institucionais, excluindo a hipótese simplista de que a confiança em um nível implica

necessariamente em confiança em outro. Isso permite explicar, por exemplo, porque

indivíduos que valorizam positivamente o regime democrático, avaliam negativamente o

funcionamento de instituições públicas, como ocorre em muitas das novas democracias, ou

porque apóiam algumas instituições, mas não os governos do dia.

Norris (1999) e colaboradores observaram ainda que os sentimentos gerados a

partir da experiência institucional dos cidadãos referem-se, fundamentalmente, ao jogo

proporcionado pelas regras constitucionais vigentes, escritas ou não, que resultam na

interação entre ganhadores e perdedores do processo político-institucional. Nesse sentido,

as experiências de derrotas e vitórias de partidos políticos, grupos de interesse ou

associações civis, ao longo do tempo, com o executivo, o legislativo e o judiciário

influenciam as atitudes políticas dos cidadãos. As pessoas tendem a apoiar as instituições se

as regras do jogo asseguram que o partido de sua preferência chegue ao poder, mas a

capacidade da ordem institucional de absorver e processar as suas demandas, mesmo se

não adotadas de imediato, também conta. Em sentido contrário, uma eventual sucessão de

derrotas do partido político de preferência dos cidadãos ou a impermeabilidade de

governos, legislativos ou tribunais de justiça às suas demandas por direitos indicam que seu

poder de influir sobre o processo decisório não existe, provocando frustração,

desconfiança e a crítica das instituições.

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A idéia é que arranjos constitucionais que maximizam as oportunidades dos

ganhadores produzem níveis mais altos de confiança institucional e Norris, baseando-se em

resultados de pesquisas empíricas realizadas em 25 democracias, demonstra que existe

associação significativa entre a desconfiança em instituições democráticas e o mau

funcionamento de regras institucionais, liberdades civis e direitos políticos - cujo objetivo,

em última análise, é facilitar a inclusão política e ampliar o acesso dos cidadãos às

oportunidades do sistema democrático. O diagnóstico confirma também os resultados de

estudos de Della Porta (2000) e de Pharr (2000), segundo os quais a deterioração da

imagem das instituições democráticas em países como a Itália e o Japão, em décadas

recentes, está diretamente relacionada com práticas de corrupção, de malversação de

fundos públicos e com o déficit de funcionamento dos sistemas de partidos e de

representação política. Esse cenário oferece, aliás, um paralelo, embora em condições

distintas, com a experiência vivida, nas últimas décadas, por várias das novas democracias

latino-americanas.

Em conjunto, esses estudos confirmam a tese de que as experiências dos cidadãos

influem decisivamente sobre a confiança política e que elas estão associadas com a vivência

de regras, normas e procedimentos que decorrem do princípio de igualdade de todos

perante a lei. Mas elas também mostram que a avaliação dos cidadãos sobre as instituições

depende do aprendizado propiciado a eles pelo seu funcionamento prático. Uma vez que

sejam capazes de sinalizar, de modo inequívoco, o universalismo, a imparcialidade, a justeza

e a probidade de seus procedimentos, assegurando que os interesses dos cidadãos sejam

efetivamente levados em conta pelo sistema político, as instituições geram apoio,

solidariedade e ganham a confiança dos cidadãos. Em sentido contrário, quando prevalece

a ineficiência ou a indiferença institucional diante de demandas para fazer valer direitos

assegurados por lei ou generalizam-se práticas de corrupção, de fraude ou de desrespeito

ao interesse público, instala-se uma atmosfera de suspeição, de descrédito e de

desesperança, comprometendo a aquiescência dos cidadãos à lei e às estruturas que

regulam a vida social; floresce, então, a desconfiança e o distanciamento dos cidadãos da

política e das instituições democráticas, a exemplo da experiência recente de vários países

da América Latina e, inclusive, do Brasil.

A vantagem dessa perspectiva em relação às abordagens tradicionais do tema é que

a explicação da confiança política radica nas instituições e na sua significação cultural e

política. Longe de sugerir uma perspectiva desenraizada de seu contexto social, a ênfase

posta na experiência dos cidadãos com as instituições restabelece a conexão entre as

dimensões micro e macro da política, ou seja, reconhece que as atitudes individuais afetam

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e são afetadas por fatores macro-políticos como o desempenho das estruturas

institucionais. Assim, ao colocar a sua ênfase na significação normativa das instituições,

tanto em seus objetivos éticos e políticos, como em seus modos concretos de mediar a

competição política, a abordagem proposta retoma o sentido de comunalidade associado

com o compromisso dos cidadãos de participar da vida pública e, nessa medida, recupera a

identificação racional dos interesses dos indivíduos com aqueles da cidadania através da

mediação institucional.

Não se trata, portanto, de que as instituições existem simplesmente para proteger

os cidadãos para que possam realizar os seus interesses privados, e, mais uma vez, separem

os indivíduos da sua comunidade; nas condições da mediação institucional adotada pelo

regime democrático para que a sociedade logre enfrentar os seus dilemas coletivos, trata-

se de colocar esses interesses em sintonia e cooperação com as exigências dos interesses

públicos. Essa abordagem retoma a conhecida formulação de Tocqueville (1969) sobre o

“interesse bem compreendido” e, nessa medida, enfatiza a dimensão cívico-republicana da

política sem excluir, no entanto, o fato de que o processo democrático implica, por

definição, a diversidade de perspectivas a respeito dos projetos de sociedade almejados

pelos membros da comunidade política. Nesse sentido, a confiança em instituições é um

modo através do qual os cidadãos asseguram que os seus direitos de cidadania são

respeitados e, ao mesmo tempo, um meio pelo qual confirmam o seu compromisso com as

exigências de seu pertencimento à comunidade política. A confiança é, assim, uma condição

necessária da cidadania, e o seu meio de realização são precisamente as instituições

democráticas. Nisso reside a conexão analítica desses três conceitos. E por isso a pesquisa

sobre a qualidade da democracia tem de considerá-los em sua interação.

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II.

OS SIGNIFICADOS DA DEMOCRACIA SEGUNDO OS BRASILEIROS1

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

INTRODUÇÃO

Perto de completar um quarto de século depois de ter sido restabelecida no Brasil, a

democracia é o regime político preferido por mais de 2/3 dos cidadãos brasileiros (Tabela

2)2. O significado desse fato para a história política contemporânea do país não pode, no

entanto, ser bem compreendido se não se levar em conta que, em mais de um século de

regime republicano, os brasileiros experimentaram as virtudes do regime democrático

apenas em dois períodos de duas décadas cada, ou seja, entre 1946 e 1964 e, mais

recentemente, entre 1988 e o dia de hoje. Fora desses curtos períodos de tempo,

predominaram no país, durante a maior parte do século XX, sistemas políticos oligárquicos,

autoritários ou semi-liberais que, por definição, não asseguravam as liberdades

fundamentais, a competição política, a participação popular ou os direitos de cidadania. Em

uma perspectiva temporal longa, portanto, a democracia é um fenômeno político

relativamente novo no Brasil e, ao mesmo tempo, frágil e descontínuo na experiência

política dos brasileiros. Por si só, esta é uma razão importante para se tentar avançar o

conhecimento sobre o que os brasileiros pensam a respeito do regime democrático.

No presente, diferente de outros períodos de sua história, a atitude positiva a

respeito da democracia é majoritária no país e, mais importante que isso, a adesão dos

cidadãos ao regime democrático é validada pela rejeição de mais de 2/3 do público a

alternativas antidemocráticas como a volta dos militares ao poder ou o estabelecimento de

um sistema de partido único (Gráfico 1). A relevância do apoio estável dos cidadãos ao

regime democrático foi enfatizada por diversos autores da literatura comparada de

1 Versão revista do texto apresentado à mesa redonda “Os significados da democracia na América Latina e suas

medidas”, IV Congresso da Associação Latino-americana de Ciência Política – ALACIP, 5-7/8/08, Costa Rica e ao I Seminário Internacional de Estudos sobre o Legislativo - 20 anos da Constituição, 9-11/9/08, Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. 2 Segundo o World Values Survey, da Universidade de Michigan - que cobre atualmente mais de 80% da população

mundial - a democracia é hoje o regime político preferido pela maioria dos consultados (Inglehart, 2003). O Latinobarometro, por sua vez, confirma os resultados para a América Latina: em que pesem casos específicos de alguns países, a preferência pela democracia supera a marca dos 50% no continente ao longo de mais de dez anos (Informe Latinobarometro 2007, www.latinobarometro.org).

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democratização, mas, especialmente, por Shin (2005) e por Linz e Stepan (1996) que, ao

discutir os diferentes aspectos dos processos de consolidação democrática, consideraram

que a dimensão atitudinal é uma das mais importantes, uma vez que “um regime

democrático só está consolidado quando uma forte maioria da opinião pública acredita que

os procedimentos e as instituições democráticas constituem o modo mais apropriado de

governar a vida coletiva numa sociedade como a deles, e quando o apoio a alternativas anti-

sistêmicas é pequeno ou isolado da atitude predominante entre as forças pró-

democráticas” (LINZ E STEPAN, 1996, p. 6). Essa observação reatualiza a perspectiva

predominante em parte da literatura que tratou do tema e que, de modo geral, se apoiou

nas conhecidas formulações de Max Weber (1974), segundo as quais, a legitimidade

atribuída às instituições pelos cidadãos é um aspecto central do funcionamento da vida

política de qualquer regime político e, no caso da democracia, é particularmente mais

relevante porque a aquiescência dos cidadãos às decisões que afetam a sua vida – a

exemplo das políticas públicas - não depende da coerção política, mas é voluntária.

A despeito disso, pesquisas recentes do tema demonstraram que o crescimento da

adesão normativa do público de massas à democracia convive com um paradoxo

caracterizado por proporções muito altas de sua desconfiança das instituições

democráticas (MOISÉS, 1995; 2008A; 2008B), como, aliás, também ocorre na maior parte

dos países latino-americanos (a Tabela 1 mostra os dados para o Brasil). É como se as

pessoas comuns ouvidas pelas pesquisas de opinião estivessem dizendo, por uma parte,

que amam a democracia, mas, de outra que, se não odeiam, têm sentimentos

contraditórios ou ambíguos a respeito de normas, procedimentos e regras que

caracterizam as instituições democráticas, cuja função é assegurar a sua participação na

competição pelo poder e nos mecanismos pelos quais as decisões públicas são tomadas.

Com efeito, sem que os membros da comunidade política sejam motivados para recorrer às

instituições e referenciar a sua ação por elas, as principais promessas da democracia – como

a liberdade política, a igualdade dos cidadãos perante a lei, os seus direitos individuais e

coletivos, e a obrigação dos governos de prestarem contas à sociedade de suas ações –

ficam limitadas às formalidades da ordem constitucional. Criadas para assegurar a

distribuição do poder na sociedade e também a possibilidade de os cidadãos, em sua

condição de eleitores, avaliarem e julgarem o desempenho dos que governam em seu

nome, o descrédito ou a desvalorização pública das instituições podem provocar o seu

esvaziamento e a perda do seu significado (MOISÉS, 2007).

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Os dados da Tabela 13 demonstram, com efeito, que a despeito de a adesão

normativa à democracia ser majoritária no Brasil, os brasileiros desconfiam das instituições

democráticas em geral e, em particular, dos partidos políticos, do Congresso Nacional e do

sistema judiciário. Os índices mais altos de confiança se referem a poucas instituições

públicas e privadas que são baseadas em estruturas hierárquicas, como a igreja e as forças

armadas; além disso, os brasileiros também se caracterizam por sua escassa confiança nas

pessoas - em especial, as que estão longe de sua intimidade ou da convivência caracterizada

por laços de sangue -, como colegas de trabalho e estranhos em geral. Os baixos índices de

confiança interpessoal entre os brasileiros oferecem, assim, uma alternativa para se

entender os também baixos níveis de participação política no país. Testes de associação

realizados pelo autor (mas não mostrados aqui) tendem a confirmar essa hipótese, ou seja,

que depositando pouca confiança uns nos outros, os brasileiros padecem de um estímulo

importante para vencer os obstáculos que dificultam a decisão de enfrentar os dilemas da

ação coletiva.

Como as atitudes contraditórias de adesão à democracia e de desconfiança das

instituições são vistas por vezes como se referindo a uma única e mesma dimensão do

fenômeno de apoio político, analistas céticos têm sido levados a questionar se as

expressões de apoio popular a muitas das novas democracias não são desprovidas de

3 A tabela apresenta freqüências simples e a confiança varia de 0 a 3; as médias foram calculadas com base neste

intervalo. As médias mais altas são para a confiança na família, nos bombeiros e na igreja, e as mais baixas para os partidos, a maioria das pessoas, os empresários e o Congresso Nacional.

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sentido. Com efeito, esses céticos argumentam, em primeiro lugar, que a despeito de

convalidarem o estabelecimento dos novos regimes democráticos através da sua

participação em eleições para formar governos, as populações dos países pobres ou em

desenvolvimento estão mais preocupadas com as suas necessidades econômicas e sociais

do que com as virtudes ou os valores da democracia. Além disso, os que sustentam essas

posições também consideram que os cidadãos desses países - em muitos casos dotados de

baixos níveis de escolaridade e de renda e, portanto, em tese, detentores de cognição

política insuficiente para compreender a complexidade do sistema democrático -, ao

expressar apoio à democracia podem estar simplesmente manifestando a sua simpatia a

uma noção cercada de conotação positiva – particularmente após o fracasso de suas

alternativas em escala mundial – que, ademais, teria apenas um sentido vago para eles. Os

céticos sugerem também que, devido à difusão internacional das imagens positivas do

regime democrático após os acontecimentos que culminaram com a queda do Muro de

Berlim, no final dos anos 80, a atual adesão do público de massas à democracia

representativa, sob crescente influência dos meios massivos de comunicação, pode estar

traduzindo, mais do que a aceitação de valores políticos, o desejo das pessoas comuns de

conquistarem os níveis de renda e de consumo usualmente associados com a realidade das

democracias ocidentais. Por outras palavras, mais do que expressar a escolha pelos

princípios de um regime político específico, a preferência majoritária pela democracia seria,

de fato, uma função de escolhas de outra natureza (SCHAFFER, 1998; BAVISKAR E

MALONE, 2004; SCHEDLER E SARSFIELD, 2004; DALTON, SHIN E JOU, 2007).

As implicações deste cenário, caso a realidade empírica viesse a confirmar essas

previsões, são bem conhecidas: elas apontariam para a possibilidade de formação de uma

democracia sem democratas que, a exemplo da República de Weimar, na Alemanha entre

1919 e 1933 (GAY, 1978), poderia colocar em risco os novos regimes na eventualidade deles

enfrentarem crises econômicas e sociais (déficits fiscais, quedas de investimento, inflação,

desemprego, migrações em massa, etc.), às quais os governos e as lideranças políticas do

dia não fossem capazes de responder com a eficiência e a agilidade necessárias. Assim,

mesmo tendo em conta que as experiências dos últimos trinta anos de mudanças de regime

político mostraram alguns países como Argentina, Brasil e Espanha avançando o processo

de sua democratização a despeito das crises econômicas e sociais enfrentadas na fase final

da transição, a hipótese anterior envolve um dilema político e uma exigência de

conhecimento: sem menosprezar o que já sabemos a respeito, é preciso avançar mais na

análise dos conteúdos atribuídos pelos cidadãos comuns ao conceito de democracia nos

novos sistemas políticos surgidos da terceira onda de democratização mundial. Como os

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entrevistados de pesquisas de opinião definem o conceito de democracia? Essa definição

permite distinguir a democracia de outros regimes políticos? E no caso de países como o

Brasil, cujas estruturas econômicas e sociais são caracterizadas por profundas

desigualdades, os indivíduos consultados pelas pesquisas expressam preferência por

conteúdos relacionados com suas carências materiais em detrimento de definições relativas

aos valores e aos procedimentos típicos da democracia?

Este trabalho procura responder a algumas dessas indagações com base na análise

de dados de quatro pesquisas nacionais de opinião e atitudes dirigidas pelo autor entre

1989 e 20064. A análise é exploratória e o estudo examina o significado do conceito de

democracia para as pessoas comuns a partir da pergunta aberta "Para você, o que é

democracia?", incluída em quatro surveys realizados em um espaço de 17 anos. A

codificação das respostas foi feita com o objetivo de elucidar os significados mais

importantes do conceito, ou seja, se eles são relativos à dimensão de procedimentos, de

princípios e liberdades ou de conteúdos substantivos, de modo a permitir avançar o nosso

conhecimento sobre a crescente adesão dos brasileiros ao regime democrático. A análise

empírica mais extensa utilizou os dados do survey de 2006, começando pela descrição de

freqüências e, em seguida, pela análise fatorial de variáveis que, em tese, poderiam estar

associadas com as respostas à pergunta aberta mencionada. Por último são apresentados

os resultados de uma análise de regressão logística com a variável construída com base nas

respostas dos entrevistados que souberam definir o que é a democracia. O objetivo, neste

caso, era entender os determinantes das respostas.

Os resultados mostram que os brasileiros associam a democracia majoritariamente

com uma noção normativa fundamental, relativa às liberdades, mas, também, com os

procedimentos desse regime. Embora também citado nas entrevistas, o conteúdo relativo à

dimensão social ou à substantivação da democracia tem surpreendentemente pouco peso

no conjunto das amostras. Ou seja, desde que a democracia está vigente no país, a partir de

1988, os brasileiros confirmaram a sua adesão à democracia em termos que se referem, ao

mesmo tempo, às liberdades fundamentais e aos procedimentos institucionais,

4 As pesquisas “Democratização e Cultura Política”, realizadas em 1989 (setembro e dezembro), 1990 (março) e

1993 (março), foram elaboradas e dirigidas por José Álvaro Moisés, e realizadas com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico – CNPq e Fundação Ford, tendo contado, em alguns casos, com a parceria do Datafolha. Os bancos de dados correspondentes podem ser obtidos por solicitação ao autor ou ao Centro de Estudos de Opinião Pública – CESOP, onde estão depositados para uso público. A pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, realizada em 2006 (junho), é dirigida por José Álvaro Moisés e Rachel Meneguello (UNICAMP), com apoio da FAPESP e do CNPq. Dados da pesquisa “Cultura Política e Cidadania”, da Fundação Perseu Abramo, realizada em 1997, também são utilizados neste estudo, assim como dos surveys ESEB, de 2002 e 2006, coordenados por Rachel Meneguello, do CESOP.

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combinando, portanto, uma idéia normativa ligada aos princípios democráticos com outra

de natureza prática, relativa ao desempenho das instituições. As duas dimensões são

importantes e estão relacionadas com a qualidade da democracia que, precisamente, supõe

a integração desses fatores (DIAMOND E MORLINO, 2005).

SOBRE AS DEFINIÇÕES DE DEMOCRACIA

A experiência de pesquisas de opinião e de atitudes políticas mostra que ao serem

interrogadas sobre o que pensam do conceito de democracia as pessoas comuns podem

mostrar-se com freqüência hesitantes ou mesmo perplexas diante de um estimulo que não

é usual em sua vida cotidiana. Em tal situação, não é incomum os entrevistadores obterem

como primeira reação afirmações como “Eu não sei bem, preciso pensar mais...”, para

depois ouvirem um comentário complementar como “Eu acho que é uma coisa

importante...” ou “Acho que precisamos dela...”, recebendo respostas tópicas ou

incompletas. Em sentido semelhante, Dalton, Shin e Jou (2007) lembraram, recentemente,

em um texto dedicado ao exame do “entendimento da democracia em lugares

improváveis”, que em 1989 um estudante chinês que participava das famosas

manifestações anti-autoritárias na praça de Tiananmen portava um cartaz com a

mensagem: “Eu não sei o que significa democracia, mas sei que precisamos dela”.

Que implicações têm essas observações? Ambas apontam para duas questões

importantes para a pesquisa do tema. Em primeiro lugar, elas mostram as dificuldades que

uma parte das pessoas comuns enfrenta ao serem colocadas diante da solicitação de definir

um conceito complexo como o de democracia: afora as que se sentem à vontade para

responder por conta de sua instrução educacional e/ou de sua experiência, muitas hesitam,

mencionam aspectos parciais, respondem equivocadamente ou simplesmente não sabem

responder. O problema não diz respeito apenas aos cidadãos de nações pobres ou em

desenvolvimento, que estabeleceram o regime democrático nas últimas décadas, mas

também aos habitantes de nações ricas ou mais desenvolvidas, onde a experiência

democrática é longeva e está consolidada há décadas ou séculos. A literatura sobre a

sofisticação e o conhecimento político dos públicos de massa mostrou, já algum tempo,

que as pessoas comuns podem ser limitadas em sua compreensão do mundo da política por

fatores como o seu insuficiente interesse por ela, a pouca centralidade atribuída às

diferentes dimensões do sistema político e, principalmente, os seus níveis insuficientes de

escolarização ou de educação formal (NEUMAN, 1986). Mesmo em países como os Estados

Unidos, Inglaterra ou Alemanha verificou-se a existência de porções importantes do público

que, não obstante serem favoráveis ao regime democrático e terem idéias sobre ele, têm

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dificuldades para defini-lo em termos precisos. Nada disso desqualifica as convicções e

percepções dos entrevistados, quaisquer que sejam elas, mas sugere que talvez não seja o

caso de esperar, por exemplo, que nos países latino-americanos, da mesma forma que na

Rússia, na Ucrânia, no Afeganistão ou na África do Sul - onde os níveis de desigualdades

econômicas e sociais afetam o acesso à educação de importantes contingentes de suas

populações e, em conseqüência, também a sua cognição política -, sejam encontradas uma

maioria de respostas com graus elevados de elaboração ou de complexidade para a

indagação “O que é democracia?”. Uma hipótese aparentemente mais realista, neste caso,

recomendaria esperar que contingentes minoritários dotados de níveis mais altos de

escolarização sejam capazes de responder à pergunta, mas não necessariamente a maioria

dos entrevistados; mas essa alternativa desconsidera tanto os efeitos negativos da

experiência autoritária para mudar as convicções das pessoas, como a influência de

mudanças culturais provocadas por processos de modernização econômica e social

(SOARES, 1973; MOISÉS, 1995; INGLEHART E WELZEL, 2005). Em conseqüência, uma das

questões relevantes de pesquisa consiste em saber como respondem os diferentes

segmentos do público que passaram por essas experiências, qual a variância das respostas

e qual a relação delas com o funcionamento do regime. Ou seja, além de fatores

contingenciais – como a difusão internacional da democracia ou sua associação com o êxito

econômico de governos do dia -, outras variáveis de efeito mais duradouro também

precisar ser levadas em conta na análise do tema. Seu exame precisa levar em conta a sua

multidimensionalidade.

Outra questão importante refere-se ao fato de a democracia ter diferentes

significados que podem ser expressos diferentemente pelos diferentes segmentos dos

públicos de massa. Em si mesmo, o conceito de democracia envolve diferentes conteúdos,

formulados e articulados no longo processo histórico de sua formação, os quais resultaram

na variedade de significações que ele tem hoje, mas, como é evidente, eles não se opõem

ou se anulam. Não é tão simples, então, mesmo para os segmentos mais escolarizados,

oferecer de pronto uma definição capaz de sintetizar as diversas significações que o

conceito adquiriu ao longo de séculos de desenvolvimento da tradição democrática.

Embora pesquisas anteriores tenham, às vezes, sugerido que existe um sentido comum na

compreensão geral do termo pelo público, estudos recentes envolvendo países que se

democratizaram nas últimas décadas mostraram que as compreensões do conceito de

democracia variam bastante entre as nações e entre os seus públicos, sem envolver um

padrão único ou completamente definido (BRATTON, MATTES E GYIMAH-BOADI, 2004;

CAMP, 2001). Isso também não desqualifica as respostas, mas significa que uma hipótese

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realista levaria a esperar, ao invés de uma resposta sintética dos entrevistados, capaz de

integrar as diferentes dimensões do conceito, menções desagregadas com diferentes

significações, traduzindo visões distintas do público a respeito do regime democrático.

Além disso, qualquer que seja o percentual de entrevistados capazes de oferecer essas

visões, a segunda questão relevante do estudo consiste em saber que fatores estão

associados às suas respostas, e quais aspectos do desempenho do regime eles reforçam ou

fragilizam.

Na literatura acadêmica, o significado mais usual da democracia se refere aos

procedimentos e aos mecanismos competitivos de escolha de governos através de

eleições, mas existem outras perspectivas que ampliam a compreensão do conceito,

incluindo tanto as dimensões que se referem aos conteúdos da democracia, como também

os seus resultados práticos esperados no terreno da economia e da sociedade. Por uma

parte, acompanhando a abordagem minimalista de Schumpeter (1950) e a

procedimentalista de Dahl (1971), vários autores definiram a democracia em termos de

competição, participação e contestação pacífica do poder. Assim, o estabelecimento de um

regime democrático implicaria basicamente em condições mínimas como: 1) direito dos

cidadãos escolherem governos por meio de eleições com a participação de todos os

membros adultos da comunidade política; 2) eleições regulares, livres, competitivas,

abertas e significativas; 3) garantia de direitos de expressão, reunião e organização, em

especial, de partidos políticos para competir pelo poder; e 4) acesso a fontes alternativas

de informação sobre a ação de governos e a política em geral. Essa definição deixa claro

que qualquer sistema político que não se baseie em processos competitivos de escolha de

autoridades públicas, capazes de torná-las dependentes do voto da massa de cidadãos, isto

é, do mecanismo por excelência de accountability vertical, não pode ser definido como uma

democracia.

Mas a ênfase minimalista de Schumpeter e de seus seguidores é vulnerável ao que

outros autores classificaram como uma “falácia eleitoralista”, isto é, a tendência de se

privilegiar as eleições sobre outras dimensões da democracia (KARL, 2000). De fato, ao

definir a democracia essencialmente como um método de escolha de governos dentre as

elites que competem pela posição, essa perspectiva desconsidera o fato de que mesmo

nações que adotam o mecanismo eleitoral podem conviver com a realização de eleições

que não são inteiramente livres, tornando discutíveis os seus resultados. Além disso, a

vertente minimalista dá pouca importância ao que acontece com as demais instituições

durante a democratização. Instituições como o parlamento, os partidos, o judiciário ou a

polícia podem funcionar de forma deficitária ou incompatível com a doutrina da separação

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de poderes, mesmo convivendo com um regime de regras eleitorais. Exemplos recentes

são os casos da Rússia, do Paquistão e, no contexto latino-americano, do Peru sob Fujimori,

da Bolívia e do Equador na fase de decisão sobre as suas novas constituições, e da

Venezuela sob os governos de Chávez.

Em vista de limitações desse tipo, Dahl (1971) ampliou e completou a definição

da democracia com sua abordagem das poliarquias, mostrando que para que o princípio de

contestação do poder esteja assegurado é também indispensável que condições específicas

assegurem a participação dos cidadãos na escolha de governos e, inclusive, a possibilidade

de eles próprios serem escolhidos para formá-los; outra característica central da

democracia, segundo o autor, é a exigência de responsabilização de governos e lideranças

políticas diante dos cidadãos. Essas condições implicam em garantias relativas ao direito de

organização e representação da sociedade civil, em especial, em partidos políticos, por

intermédio do que a pluralidade de concepções e interesses que constituem a sociedade

pode se expressar e se realizar. Mas elas implicam também na tradição do que se designou

como constitucionalismo, isto é, a necessidade de que princípios internalizados em

instituições – como mecanismos de pesos e contrapesos – sejam garantidos por uma

constituição aceita como legítima pela sociedade, isto é, pela dimensão jurídico-legal que

envolve valores compartilhados pela maioria dos membros da comunidade política. Embora

essa visão faça referência a alguns conteúdos da democracia, é evidente que a sua ênfase

mais importante são os procedimentos democráticos, cujo funcionamento depende da

existência e do desempenho adequado de instituições específicas da democracia.

Uma perspectiva concorrente (e complementar) com as anteriores define a

democracia em termos da sua qualidade, tornando explícito o foco nos conteúdos do

regime democrático. Utilizando-se de uma analogia com o funcionamento do mercado, o

conceito refere-se à qualidade do produto ou serviço produzido segundo procedimentos,

conteúdos e resultados singulares. A qualidade envolve processos controlados por

métodos e timing precisos, capazes de atribuir características específicas ao produto ou

serviço, de modo a satisfazer as expectativas de seus consumidores potenciais. No caso da

democracia, espera-se que esse regime seja capaz de satisfazer as expectativas dos

cidadãos quanto à missão que eles atribuem aos governos (qualidade de resultados);

confia-se que ele assegurará aos cidadãos e às suas associações o gozo de amplas

liberdades e de igualdade políticas necessárias para que possam alcançar suas aspirações

ou interesses (qualidade de conteúdo); e conta-se que suas instituições permitirão, por

meio de eleições e de mecanismos de checks and balances, que os cidadãos avaliem e

julguem o desempenho de governos e de representantes (qualidade de procedimentos).

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Instituições e procedimentos são vistos, neste caso, como meios de realização de

princípios, conteúdos e resultados esperados pela sociedade do processo político que

envolve a governança democrática.

Com base nos pressupostos anteriores, Diamond e Morlino (2004) identificaram

oito dimensões segundo as quais a qualidade da democracia pode variar. As cinco primeiras

correspondem a regras de procedimentos, embora também sejam relativas ao seu

conteúdo: o primado da lei, a participação e a competição políticas, e as modalidades de

accountability (vertical, social e horizontal); as duas seguintes são essencialmente

substantivas: de um lado, o respeito por liberdades civis e os direitos políticos e, de outro,

como conseqüência do anterior, a progressiva implementação da igualdade política e de

seus correlatos, como a igualdade social e econômica; por último, é mencionado um

atributo que integra procedimentos a conteúdos, ou seja, a responsividade de governos e

dos representantes, por meio do que os cidadãos podem avaliar e julgar se as políticas

públicas, assim como o funcionamento prático do regime (leis, instituições, procedimentos

e estrutura de gastos públicos) correspondem aos seus interesses e preferências. Embora

esta perspectiva defina a democracia fundamentalmente em termos dos seus princípios e

conteúdos mais importantes, fica claro que ela integra procedimentos institucionais e

conteúdos, sem deixar de se referir aos resultados práticos do regime por meio do

pressuposto de que a igualdade social e econômica pode ser alcançada se e quando a

igualdade política seja efetiva.

Não obstante essas definições que focalizam procedimentos, princípios e

conteúdos da democracia, uma terceira abordagem enfoca primordialmente a dimensão

social do regime democrático, enfatizando a contraposição entre a sua substância e a sua

formalidade, segundo a argumentação de autores que analisaram o processo de

democratização de países pobres ou em vias de desenvolvimento. Ou seja, em acréscimo às

noções que fazem referência aos direitos civis e políticos, as definições inspiradas nas

tradições social-democrata, socialista e comunista européias tendem a incluir direitos

sociais como serviços de saúde, educação, habitação, etc. na formulação do conceito;

baseada na crítica marxista da estrutura assimétrica da sociedade de classes, essa

perspectiva argumenta que, a menos que os membros da comunidade política tenham

condições suficientes para atender às suas necessidades básicas de sobrevivência e

expressão, os princípios de liberdade, igualdade e participação política são destituídos de

significação para eles (HUBER, RUESCHEMEYER AND STEPHENS, 1997). Por outro lado,

Dalton, Shin e Jou (2007) observaram que a dimensão substantiva da democracia é

enfatizada também pela perspectiva que tende a ver o apoio do público de massas ao

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regime democrático como uma conseqüência da demanda por níveis de vida identificados

com aqueles vigentes nas sociedades industriais avançadas, cuja riqueza e afluência são

associadas com a experiência da democracia consolidada e estável. A idéia é que as

respostas positivas a respeito da democracia pressupõem que, junto com a instalação do

regime, vem o advento de níveis elevados de renda e de consumo. Neste caso, longe de

considerações sobre os procedimentos institucionais ou os princípios fundamentais do

sistema democrático, as percepções do público estariam conformadas por uma perspectiva

essencialmente instrumental da democracia.

É evidente que ao responder espontaneamente aos pesquisadores, os públicos

de massas podem dar outras respostas às perguntas sobre a democracia, mas as

perspectivas mencionadas acima, além de ser parte constitutiva do debate público

contemporâneo, referem-se a escolhas substantivas que aparecem nos resultados de

diferentes pesquisas internacionais sobre o assunto. Nesse sentido, as três abordagens

mencionadas oferecem um enquadramento analítico útil para o exame dos níveis de apoio

dos cidadãos ao regime democrático, mesmo a correspondência entre essas abordagens e

as respostas dos entrevistados não sendo mecânica. Cada alternativa tem, de fato,

implicações diferentes para a interpretação do apoio da opinião pública aos regimes

resultantes dos processos de democratização das últimas três décadas. Por isso, neste

estudo, considerou-se que elas oferecem uma base útil para a análise dos dados empíricos.

OPINIÕES E ATITUDES SOBRE A DEMOCRACIA

Na tradição brasileira de estudos de cultura política, as opiniões e as atitudes

quanto ao regime democrático têm sido medidas preferencialmente por estímulos

nominais diretos, isto é, por perguntas fechadas ou estruturadas que mencionam a palavra

democracia. A alternativa mais comum usada no país (MOISÉS, 1995; MENEGUELLO, 2007)

é a utilizada também na Europa e na América Latina (neste caso, pelo Consórcio

Latinobarometro), e leva em conta a memória do público dos regimes autoritário e

democrático com o objetivo de captar, ao mesmo tempo, a escolha por um deles ou a

indiferença dos entrevistados diante de alternativas que se referem a diferentes

experiências históricas e legados político-culturais. É um teste, portanto, de envolvimento

político e de preferência entre alternativas políticas antitéticas. A formulação usual da

pergunta é a seguinte:

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“Com qual dessas três afirmações você concorda mais?

- A democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo;

- Em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do que um regime democrático;

- Tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura”.

Os dados da Tabela 2 abaixo apresentam os resultados para os anos em que a

pergunta foi incluída nas pesquisas relatadas. Dois aspectos mais importantes sobressaem

desses resultados desde logo: por um lado, fica claro que em um período de quase 20 anos

de experiência com o novo regime, independentemente de algumas oscilações, a

preferência pela democracia cresceu aproximadamente 28 pontos, ultrapassando a marca

de 2/3 do público, mesmo se se considerar que os resultados do survey de dezembro de

2006 foram provavelmente influenciados pela mobilização política das eleições

presidenciais; de fato, observando-se os resultados do survey de junho de 2006, quando a

campanha eleitoral ainda não havia mobilizado a opinião pública, a diferença a favor da

preferência pela democracia em relação à pesquisa de 1989 é de 21 pontos, totalizando

cerca de 2/3 dos entrevistados; em dezembro, no entanto, a diferença chegou perto de 30

pontos.

O segundo aspecto a se ter em conta é mais relevante: o crescimento da

preferência pela alternativa democrática ao longo do tempo se dá às expensas,

principalmente, da opção de indiferença quanto ao regime político e de diminuição do

contingente dos que não souberam ou preferiram não responder à pergunta: no primeiro

caso, a escolha da alternativa “Tanto faz a democracia ou a ditadura” diminui mais de três

vezes, enquanto no segundo, os que antes não tinham condições de responder caem pela

metade. Por outras palavras, embora o percentual dos que preferem o autoritarismo tenha

se mantido em torno de 15% por todo o período, na resposta ao estimulo nominal direto a

maioria absoluta dos brasileiros escolheu a democracia. A se levar em conta as teorias

originárias de cultura política (ALMOND E VERBA, 1965), este fato seria indicador de que no

Brasil as estruturas do regime democrático tornaram-se, no período considerado,

congruentes com os valores e as orientações majoritárias na sociedade. Mas pesquisas

anteriores do autor deste capítulo mostraram que a cultura política dos brasileiros começou

a se transformar mesmo antes da mudança do regime político, sob influência de fatores

econômicos, sociais, políticos e culturais: a modernização da sociedade, sob impulso do

crescimento econômico dos anos 60 e início dos 70, a experiência

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Fonte: 1, 2 e 3: Pesquisas “Democratização e Cultura Política ”; 4: Pesquisa “Cultura Política e Cidadania” (Fund. Perseu Abramo); 5: Pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”; 6: Pesquisa “Estudo Eleitoral Brasileiro – ESEB” 2006.

generalizada de terror do Estado e a sobrevivência contraditória de um sistema eleitoral

semi-competitivo durante todo o regime autoritário (MOISÉS, 1995). Autores como

Inglehart e Welzel (2005) sustentam que a cultura política tem grande capacidade de

duração no tempo, mas admitem que ela se transforma sob o impacto dos efeitos da

modernização e do próprio processo político. Para eles, o fator determinante de mudança

das convicções políticas está associado com a emergência de valores pós-materialistas; no

entanto, os processos de democratização do Brasil e de outros países latino-americanos, do

mesmo modo que de africanos, apontam para uma direção diferente: mesmo nações que

não se modernizaram ou que conheceram processos incompletos de modernização – como

é o caso de vários países latino-americanos - passaram pela mudança dos valores políticos

de seus cidadãos antes e/ou durante os processos de transição e consolidação políticas. A

mobilização e a politização da sociedade civil jogaram papel importante para isso. Ou seja, a

cultura política foi um fator importante, mesmo que isso não tenha significado a

emergência generalizada de valores pós-materialistas, indicando assim que ela muda ao

longo do tempo sob efeito de condições que envolvem transformações econômicas e

sociais e mobilização da sociedade.

Alguns autores argumentam, no entanto, que pesquisas realizadas com perguntas

diretas sobre a democracia podem não revelar as efetivas opiniões e atitudes dos

entrevistados que, em face da crescente difusão mundial de valores democráticos que se

seguiu à queda do Muro de Berlim através da propaganda e dos meios de comunicação de

massa, tenderiam a responder positivamente à indagação sobre a preferência por regimes

políticos5. Por causa das implicações metodológicas desses argumentos, as pesquisas

5 Em sentido semelhante, Porto, em um artigo de 2000, argumentou que o uso da pergunta mencionada acima

produziria resultados espúrios, pois “pois as pessoas teriam que optar entre dois extremos: democracia ou ditadura”, e a preferência pela primeira alternativa expressaria a adesão pelo lado “correto” da vida. Ele

Tabela 2. Preferência por Regime Político no Brasil 1989 – 2006 (%)

1989[1] 1990[2] 1993[3] 1997[4] 2006 [5] 2006 [6]

Democracia 43,6 54,7 57,9 56,1 64,8 71,4 Ditadura 19,4 16,7 13,7 12,3 13,5 14,2 Indiferença 21,3 17,1 13,7 16,9 16,9 6,9 NS/NR 15,7 11,5 14,7 14,7 4,8 7,6

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mencionadas incluíram nos questionários, em ordem de apresentação destinada a evitar a

influência de uma questão sobre a outra, estímulos relativos a atitudes antidemocráticas

sem fazer menção direta ao termo democracia, de modo a permitir que convicções

diferentes da formulação nominal direta viessem à tona. Os resultados dessas perguntas

são comparados no gráfico 1 abaixo com os índices de adesão nominal à democracia. Todos

os indicadores crescem ao longo do tempo, mas a rejeição à volta dos militares ao poder,

assim como o apoio a um sistema de partido único são significativos. Apesar disso,

registrou-se um leve declínio de ambas as tendências em 1993, imediatamente após a grave

crise política que resultou no impeachment do ex-presidente Collor de Mello; isso poderia

indicar uma restrição quanto à efetividade da adesão à democracia ou mesmo uma

atenuação da memória crítica em relação ao período do autoritarismo, mas na pesquisa

daquele ano a preferência pelo regime democrático cresceu levemente, indicando que,

mesmo divididos em face de uma situação crítica para o novo regime, os brasileiros

confirmaram a sua escolha democrática anterior à crise.

Ainda com o objetivo de testar a efetividade da adesão à democracia, foram

incluídas nos surveys perguntas sobre a concordância dos entrevistados quanto a ações

que o Estado poderia adotar em face de conflitos sociais e políticos típicos das sociedades

desconsiderou, no entanto, o fato de a pergunta oferecer uma terceira alternativa, “Tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura”, além de os entrevistados poderem dizer que não sabiam ou não queriam responder. Por outro lado, em contradição com a sua crítica de 2000, o próprio Porto se baseou na mesma pergunta, em um texto de 2004, para discutir o grau de apoio difuso à democracia em 17 países latino-americanos com base em dados do Latinobarometro (Porto, 2000; 2004).

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complexas e desiguais. As perguntas abordaram ações adotadas por governos militares ou

não envolvendo a quebra da legalidade democrática. A idéia foi oferecer um estímulo

antitético capaz de oferecer parâmetros para avaliação da consistência das convicções

reveladas pelas respostas aos estímulos nominais diretos. Os dados da Tabela 3 revelam

que para cinco alternativas apresentadas sem menção à palavra democracia, a maioria dos

entrevistados rejeitou a possibilidade de os governos adotarem ações antidemocráticas,

embora, no caso de conflito entre trabalhadores e empresários, a aceitação de proibição do

direito de greve tenha passado de 32 para 50% em 17 anos. Nos outros casos, apenas ¼ ou

menos dos entrevistados concordaram que o governo pode intervir em sindicatos, proibir a

existência de algum partido político, censurar os meios de comunicação ou fechar o

Congresso Nacional, confirmando a predominância das orientações democráticas sobre as

autoritárias. Ainda que os patamares sejam ligeiramente superiores aos índices de

indicadores diretos de preferência por um regime autoritário, a tendência geral segue o

sentido esperado. Duas observações, no entanto, são necessárias: quanto ao direito de

greve, é provável que a diminuição da rejeição dos democratas em autorizar os governos a

adotarem medidas que proíbam os movimentos grevistas, mais do que uma recusa do

direito em si, esteja ligada à percepção dos efeitos do aumento do número de greves semi-

legais que afetaram serviços públicos fundamentais ao longo das últimas décadas. De fato,

ainda que o direito de greve seja garantido pela Constituição de 1988, do mesmo modo

como ocorreu após a constituinte de 1946, o seu exercício não foi regulamentado pelo

Congresso Nacional, deixando em aberto a possibilidade de que profissionais dos serviços

públicos de saúde, educação, segurança e previdência social, para não falar de bancos e

outros serviços públicos, paralisem as suas atividades a qualquer tempo, mesmo

contrariando determinações da Justiça do Trabalho e, assim, prejudicando o atendimento à

população. Nessas circunstâncias, a aceitação da alternativa que autoriza em tese os

governos a agirem contra os movimentos grevistas pode expressar uma demanda por

regulação das condições de ocorrência do conflito no sistema democrático.

A segunda observação é sobre o fato de que, ao longo dos quase vinte anos

considerados, para quase todas as alternativas propostas a porcentagem dos que disseram

que não sabiam ou não queriam responder diminuiu, indicando outra vez que o

crescimento da rejeição de ações antidemocráticas se deu às expensas dessas categorias de

respostas. Ou seja, ao longo do tempo, um contingente importante de respondentes que

não sabia ou não queria se pronunciar sobre o papel do Estado quanto a importantes

questões que afetam os direitos dos cidadãos tornou-se capaz de definir a sua preferência.

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TABELA 3. Ações que o Governo poderia tomar em Situações de Conflito Social e Político 1989/2002 (em %)

Fonte: (1),(2), (3), (4): Cultura Política e Democratização; (5): Fund. Perseu Abramo; (6): Eseb

A efetividade da adesão à democracia também transparece de outro tipo de dados:

dois dos surveys realizados no período considerado incluíram questões fechadas que

estimulavam os entrevistados a dizer a que princípios, direitos e valores eles associavam a

noção de democracia. A idéia, neste caso, foi testar com a menção de elementos

conceituais mais estruturados a percepção do público quanto a diferentes dimensões do

regime democrático. Os dados da Tabela 4 chamam a atenção para alguns aspectos

importantes: em primeiro lugar, nas duas pesquisas - separadas por um período de 13 anos

– todas as porcentagens de respostas “tem muito a ver” e “tem a ver” para os conteúdos

da democracia cresceram entre 7 e 32 pontos, com exceção daquele que associa a

democracia com a igualdade de direitos para as mulheres, que teve 1,5% a menos na

segunda pesquisa; por outro lado, nos dois anos os conteúdos mais associados com a

democracia foram o direito de escolher governos através de eleições, as liberdades de

organização e de expressão e a idéia de que cabe aos governos atender às necessidades de

emprego, saúde, educação, etc. Com efeito, entre 1993 e 2006, as alternativas que mais

cresceram na preferência estimulada dos respondentes foram as relativas às liberdades em

questões morais e sexuais (31,9% a mais), o combate à corrupção e ao tráfico de influência

nos governos (31,5% a mais), o princípio de igualdade social (26,1% a mais), a idéia de que os

governos devem ser fiscalizados pelo Congresso Nacional e pelo poder judiciário (24,5% a

TIPOS DE AÇÕES Set. 1989 (1) Dez. 1989 (2) 1990 (3) 1993 (4) 1997 (5) 2002 (6)

Sim 32,5 33,3 26,5 28,3 28,6 49,7

Não 55,1 50,8 60,8 67,5 64,5 47,3

Proibir greves NS/NR 12,5 15,9 12,7 4,1 6,9 2,9

Sim 28,2 27,0 - 25,5 26,0 -

Não 57,7 50,4 - 65,3 59,5 -

Intervir em sindicatos NS/NR 14,0 22,6 - 9,1 14,4 -

Sim 19,5 17,5 - 24,5 18,2 -

Não 69,5 67,9 - 67,3 69,1 - Proibir a existência de algum partido NS/NR 11,0 14,6 - 8,1 12,8 -

Sim 23,4 19,3 - 24,6 - 24,6

Não 64,8 64,9 - 68,3 - 67,3 Censurar os meios de comunicação NS/NR 11,8 15,8 - 7,0 - 8,0

Sim 15,5 11,6 - 21,9 17,3 -

Não 68,6 70,3 - 66,4 64,0 - Fechar o Congresso Nacional NS/NR 15,9 18,0 - 11,6 18,8 -

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mais) e o primado da lei (21,3%). Todas essas alternativas estão relacionadas com a

perspectiva da qualidade da democracia, referindo-se ao primado da lei, aos princípios de

liberdade e igualdade, e aos procedimentos destinados a tornar efetiva a responsabilização

dos governos. Ou seja, os indicadores mostram como os cidadãos conceituam o regime

democrático quando são estimulados a fazer isso. Nos treze anos entre uma pesquisa e

outra, os porcentuais dos que não sabiam ou não queriam responder às perguntas

diminuíram entre 6 e 11%, tendo caído mais para os que identificaram a democracia com o

combate à corrupção e ao tráfico de influência (10,8%). Mesmo admitindo-se que a crise do

mensalão, entre 2005 e 2006, tenha influenciado as respostas sobre esse aspecto, não se

pode desconsiderar o fato de que já em 1993 50% dos respondentes identificavam a

democracia com o combate a práticas políticas contra o patrimônio público; ou seja, esses

elementos formam as visões do público a respeito do regime. Controlar a corrupção é uma

função dos mecanismos de accountability que, por sua vez, são centrais para o conceito de

qualidade da democracia.

Tabela 4 . Conteúdos Associados com a Democracia (resposta estimulada): 1993 e 2006 (%)

1993 (1) 2006 (2)

Você acha que a democracia tem a ver com:

Muito a ver

Tem a ver

Pouco a ver

Não tem a ver

NS/NR

Muito a ver

Tem a ver

Pouco a ver

Não tem a ver

NS/NR

Direito de escolher o governo através de eleições

57,1 21,3 8,1 5,2 8,3 57,6 31,9 3,7 4,9 1,9

Liberdades políticas de organização e expressão (sind., movimentos, etc.)

44,8 20,5 15,4 6,7 12,5 48,2 35,1 7,3 5,9 3,5

Igualdade social 36,7 18,7 19,1 12,8 12,6 50,8 30,7 8,4 7,0 3 Igualdade perante a lei

41,9 18,4 16,1 12,2 11,4 51,9 29,7 8,6 6,8 2,9

Fiscalização do governo p/ Congresso e Tribunais de Justiça

35,6 16,9 21,2 11,4 14,9 45 32 10,6 7,8 4,6

Menos corrupção e tráfico de influência

35,3 14,5 15,9 19,3 15,0 40,3 31,2 10,5 13,8 4,2

Governo como provedor de saúde, emprego, educação, etc

49,1 20,1 13,4 7,5 9,9 55,6 32,3 5,3 4,4 2,3

Igualdade de direitos p/ as mulheres

47,6 20,4 14,7 7,3 10,1 54 32,5 6,2 4,8 2,5

Liberdade em questões morais e sexuais

33,9 15,9 17,5 18,3 14,5 44,3 33,4 9,4 8,5 4,4

Fonte: (1) Cultura Política e Democratização; (2) A Desconfiança das Instituições Democráticas

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A DEMOCRACIA NAS PALAVRAS DOS BRASILEIROS

Em que pesem os resultados apresentados acima, a validade de pesquisas que se

referem diretamente ao conceito de democracia continua sendo objeto de controvérsia.

Em vista disso, com o objetivo de oferecer uma nova alternativa para o exame da questão,

o estudo voltou-se para os significados atribuídos pelos brasileiros à democracia em suas

próprias palavras, ou seja, analisou as respostas à pergunta aberta sobre o assunto incluída

nos questionários aplicados no período. A vantagem do uso de perguntas abertas em

pesquisas de opinião é conhecida: elas solicitam e garantem, ao mesmo tempo, que os

respondentes definam conceitos, categorias e situações de vida em seus próprios termos,

ou seja, mobilizando a sua familiaridade e o seu repertório verbal a respeito do assunto com

base em sua experiência e cognição políticas. Trata-se de um teste rigoroso de captação da

opinião dos entrevistados que é complementar e confirmatório da metodologia usual

baseada em perguntas fechadas ou estruturadas sobre termos como democracia e outros.

Ambos os procedimentos de mensuração foram utilizados neste estudo. No caso das

respostas à pergunta aberta sobre o significado da democracia, elas foram codificadas de

modo a contemplar as três perspectivas discutidas em seções anteriores, ou seja,

princípios/liberdades, procedimentos/instituições e dimensão social e, na prática, o

procedimento mostrou que elas incluíam a maior parte das respostas dadas, para alem das

inconsistentes. Princípios e liberdades incluem, neste caso, menções a liberdades políticas,

liberdade de organização e de expressão, liberdade de participação, direito de ir e vir e

outros correlatos; procedimentos e instituições incluem menções a governo do povo, direito

de voto, eleições livres, direito de escolher governo, regra de maioria, representação

política, acesso à justiça e fiscalização e controle de governos; dimensão social inclui

igualdade social, acesso a serviços de saúde, educação, habitação, emprego, salários justos

e desenvolvimento econômico; e, finalmente, as respostas inconsistentes envolveram

menções como “a democracia é boa”, “é governo honesto”, “é corrupção”, “é governo de

brigas” e semelhantes (vide Anexo 1 com a lista completa de menções). Os resultados da

codificação indicada são apresentados no Gráfico 2.

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Os dados revelam que, entre 1989 e 2006, a maior parte dos brasileiros

consultados foi capaz de definir a democracia nos termos discutidos antes; de fato, 54%

fizeram isso em 1989, 65% quatro anos mais tarde, 47% em 1997 e quase 71% em 2006; ou

seja, entre o primeiro e o último survey a diferença é de quase 18 pontos para mais, em que

pese a tendência ter oscilado para baixo em 1997, quando nada menos que 53% dos

entrevistados não souberam responder à pergunta ou ofereceram respostas

inconsistentes. Em suas respostas espontâneas, mais de 32% definiu a democracia em

termos dos princípios de liberdade e direitos correlatos em 2006. O contingente dos que

definiram a democracia assim era superior a 40% no início do período, provavelmente

refletindo a percepção de falta de liberdade durante o regime militar, mas nos anos

seguintes a taxa se estabilizou em cerca de 1/3 do público pesquisado. Os dados também

mostram que um contingente de entrevistados quase igual ao anterior definiu a democracia

em termos de procedimentos e instituições na última pesquisa, chamando a atenção ainda

o fato de que, embora essa escolha oscile ao longo do período, ela cresce no último ano

considerado, totalizando cerca 30% do público que, a esta altura, tinha passado por vários

anos de experiência com o funcionamento relativamente estável das instituições

democráticas. Surpreendentemente, no entanto, levando-se em consideração o peso das

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desigualdades sociais e econômicas para a maior parte da população brasileira, a alternativa

que recebeu a menor taxa de preferência dos entrevistados nas quatro pesquisas é a que se

refere à dimensão social; assim, ao final do período analisado, quando a taxa alcança o seu

patamar mais elevado, apenas 8 em cada 100 brasileiros definiram a democracia em termos

de objetivos substantivos, o que coloca em questão a hipótese segundo a qual as pessoas

comuns preferem a democracia porque identificam esse regime apenas com o

atendimentos de suas necessidades sociais; em realidade, as análises relatada a seguir

mostram que, sem descartar completamente esses objetivos, os indivíduos definem

preferencialmente a democracia em termos de princípios, conteúdos e procedimentos.

Outro achado importante desse exame preliminar dos dados é que, somadas as

respostas inconsistentes com as dos que não sabem ou não respondem à pergunta, o

volume de brasileiros incapazes de definir a democracia diminuiu ao longo do tempo: eles

eram cerca de 46% em 1989 e são menos de 30% em 2006. De fato, o número de

entrevistados que responde de modo inconsistente cai de 7 em cada 100, em 1989, para

menos de 3 em 2006, o que contraria uma observação de Dalton, Shin e Jou (2007) sobre o

Brasil em seu artigo sobre o tema6. Por outras palavras, no último ano do período

considerado, depois do regime democrático ter completado cerca de duas décadas de

existência no país, mais de 70% dos entrevistados brasileiros foi capaz de oferecer respostas

consistentes sobre o significado da democracia, uma proporção comparável à encontrada

em alguns países de democracia consolidada e em países do Leste Europeu, como o estudo

dos autores citados acima indica. Mas a grande novidade dos dados sobre o Brasil está no

fato de a maior parte dos indivíduos consultados definirem o regime em termos de dois dos

mais importantes componentes do processo democrático, isto é, as liberdades e os

procedimentos institucionais criados para defendê-las e para realizar os seus corolários.

Isso evidencia que, ao contrário das suposições dos céticos e de parte da literatura, para a

maioria dos brasileiros a democracia não é apenas “lip service”, ou seja, a suposta repetição

do lado “correto” da vida, mas algo que se refere a aspectos fundamentais da sua

experiência política recente.

Uma interpretação usual desses resultados baseia-se na premissa de teorias

institucionalistas segundo a qual a adesão dos cidadãos à democracia decorre precisamente

6 Dalton, Shin e Jou (2007, p. 7), depois de analisarem a série histórica de dados do Latinobarometro dos últimos

dez anos, observaram que a maioria dos brasileiros, em 2001, não foi capaz de dar uma resposta à pergunta sobre a democracia e acrescentaram que, em vários outros países da América Latina, os entrevistados se caracterizam por níveis baixos de consciência democrática. Os dados das minhas pesquisas desconfirmam esse diagnóstico para o Brasil, e uma explicação possível refere-se ao fato de o Latinobarometro não ter usado amostras representativas em todos os anos pesquisados, envolvendo amostras reduzidas ao público das capitais de Estados em algumas pesquisas no Brasil.

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da sua experiência com esse regime, ou seja, que a sua continuidade no tempo levaria as

pessoas comuns a se habituarem às suas vantagens e a aderirem a valores democráticos

como princípios, liberdades e seus procedimentos institucionais (RUSTOW, 1970). Outros

autores, no entanto, enfatizam o efeito dos valores sobre as instituições em decorrência da

modernização das estruturas econômicas e sociais, com implicações para o papel da

escolaridade e dos meios de comunicação de massa (INGLEHART E WEZEL, 2005); com

efeito, adotando uma perspectiva probabilística em contraposição às abordagens

deterministas, esses autores ressaltam a importância da cultura política para explicar o

crescimento da preferência pela democracia. Em vista de que o atendimento de ensino

fundamental no país ultrapassou a marca dos 95%, nos anos 90, e de que mais de 90% da

população brasileira tem acesso à televisão, esses aspectos foram incluídos na análise. A

premissa adotada neste trabalho, no entanto, não considera essas alternativas

contraditórias, mas complementares como o autor argumentou em outra ocasião (MOISÉS,

2008B). Além disso, pesquisas anteriores mostraram que a percepção da democracia pelo

público se desdobra em duas dimensões, uma baseada em valores e ideais, e outra apoiada

em sua expressão prática; no primeiro caso, a dimensão da cultura e dos valores políticos é

importante; no segundo, o papel das instituições e do seu desempenho é decisivo para

definir como os cidadãos percebem o regime (SHIN, 2005; MOISÉS, 2007). Na perspectiva

da qualidade da democracia, as duas dimensões são relevantes porque enquanto a primeira

se refere aos conteúdos e princípios fundamentais do regime, a segunda diz respeito aos

meios através dos quais aqueles conteúdos se tornam efetivos; mas essas dimensões têm

expressão e mensuração empíricas distintas. As respostas dos brasileiros às perguntas

estruturadas sobre a democracia, assim como à pergunta aberta sugerem que para eles

princípios como a liberdade ou os procedimentos democráticos tomados isoladamente são

insuficientes para definir o conceito: a democracia significa mais do que essas partes, e este

significado está relacionado tanto a aspectos que afetam a capacidade dos indivíduos de

controlar a sua própria vida - através do gozo da liberdade -, como os procedimentos

através dos quais isso se torna possível pelo desempenho das instituições. Em certo

sentido, é como se os brasileiros estivessem sugerindo, em suas próprias palavras, que

forma e conteúdo não podem ser separados na consideração sobre o significado da

democracia, pois ambos fazem parte do mesmo processo.

Os testes de associação relatados na Tabela 5 oferecem uma primeira

aproximação com a questão. As associações apresentadas entre a variável formada pelos

que souberam responder o que é a democracia - com base na soma dos que mencionaram

as dimensões de liberdades, procedimentos e fins sociais - com indicadores sócio-

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demográficos, de cultura política, confiança interpessoal e institucional, memória política,

avaliação do funcionamento do regime e de suas instituições, são as que se mostraram

significantes ao nível de 0,01 e 0,05. As variáveis usadas no teste são binárias, a exemplo da

preferência pela democracia, cuja escolha é tomada aqui em contraposição a todos os que

preferiram outras opções (vide relação completa de variáveis testadas no Anexo 2).

Tabela 5 . ASSOCIAÇÃO ENTRE ´SABE O QUE É DEMOCRACIA´ E INDICADORES ATITUDINAIS Variáveis Coef. de

contingência Sociodemográficas

Renda mensal familiar (baixa - até R$780,00) .086

Idade (acima de 39 anos) .059

Regiões (Sul e Sudeste) .059

Sexo masculino .089

Escolaridade (baixa: analfabetos e até colegial incompleto) .195

Democracia

Preferência por regime: democracia .171

Democracia= direito de escolher governo .185

Democracia= liberdades políticas .150

Dem0cracia= igualdade social .135

Democracia= igualdade perante a lei .161

Democracia= fiscalização do governo pelo Congresso .130

Democracia= controle da corrupção e do tráfico de influência .069

Democracia= educação, saúde, emprego, etc. .133

Democracia= fiscalização do governo pelo Ministério Público e Justiça .141

Democracia= igualdade de direitos para as mulheres .105

Democracia= liberdades em questões morais e sexuais .131

Democracia= multipartidarismo .114

Partidos são indispensáveis à democracia .125

Presidente pode tomar decisões sem ouvir o Congresso .075

O país funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder .-164

O Brasil seria melhor se existisse apenas um partido político .-155

Só uma ditadura daria jeito no Brasil .-130

Cidadania

Votaria mesmo que o voto não fosse obrigatório .133

Existe igualdade perante a lei .058

As leis trabalhistas protegem os cidadãos .065

Entrevistados não compreendem a política .069

Prestam atenção a notícias políticas na TV .149

Têm interesse por política .181

Confiança

Confiança interpessoal .062

Avaliação / Satisfação

As eleições no Brasil são limpas e honestas .083

Apesar de problemas, democracia é a melhor forma de governo .081 Fonte: Pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006). NB – As variáveis consideradas são binárias, sendo o seu atributo = 1, e o contrário = 0.

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Os dados indicam que, além da escolaridade, existe associação entre as

respostas de quem sabe o que é a democracia e diferentes indicadores atitudinais como

preferência pelo regime e aos conteúdos da democracia, valores políticos, interesse por

política, participação eleitoral, percepções da cidadania e atenção às informações políticas

através da televisão. Vários indicadores de avaliação de desempenho do regime ou de

governos incluídos na análise não se mostraram significantes, a exemplo da satisfação com

a democracia, avaliação da economia e outros (excluídos da Tabela 5). Os poucos

indicadores de avaliação do regime que são significantes apresentaram, no entanto,

coeficientes de associação muito baixos. Os resultados sugerem que a opinião dos que

sabem o que é a democracia se associa tanto com indicadores de cultura política e valores

políticos como de percepção sobre o papel reservado às instituições democráticas. Esses

resultados são parcialmente diferentes dos que foram encontrados por Meneguello (2007)

em um estudo sobre as bases da adesão democrática no Brasil entre 2002 e 2006, em que a

avaliação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e da situação econômica surgiram como

fatores explicativos daquela adesão. Alguns testes apresentados a seguir retomam a

questão a partir do ângulo adotado neste capítulo.

FATORES ASSOCIADOS À DEFINIÇÃO DE DEMOCRACIA

Uma análise fatorial da variável formada pelos que souberam responder a

pergunta sobre a democracia e de outros indicadores foi feita em seguida (vide Anexo 3

para a relação completa das variáveis incluídas no modelo). O teste serviu para a

averiguação do sentido de agregação de variáveis relativas a duas abordagens

concorrentes, a institucionalista e a culturalista, a respeito das percepções do público sobre

a democracia.

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Tabela 6. FATORES FORMADORES DAS VISÕES DA DEMOCRACIA NO BRASIL- 2006

Rotated Component Matrix(a) Component

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Significado de democracia ,406 Atenção às notícias sobre política na TV

,681

Confia na maioria das pessoas ,304 Confia no Poder Judiciário ,718 Confia no Congresso Nacional ,794 Confia nos Partidos Políticos ,766 Confia no Governo ,661 Partidos Políticos são necessários ao país

,812

Deputados e Senadores são necessários ao país

,808

Tribunais de Justiça são necessários ao país

,733

Orgulho de ser brasileiro ,746 Igualdade perante a lei ,642 Os brasileiros cumprem as leis ,713 A lei deve ser obedecida sempre

,388

Sente-se protegido pelas leis trabalhistas

,453

Viveria em outro país -,700 Satisfeito com a democracia ,540 Democracia pode funcionar sem partidos

,833

Democracia pode funcionar sem Congresso

,835

Não importa que o governo passe por cima de leis, Congresso e instituições, em situação de crise

,782

Prefere a democracia a um líder salvador que não seja controlado pelas leis

,615

Em crise, o presidente pode deixar de lado o Congresso e os Partidos Políticos

,779

O país funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder

,842

Só uma ditadura pode dar jeito no Brasil

,842

Avaliação positiva do governo Lula

,756

Avaliação positiva da situação econômica do país

,715

Interessado por política ,755 Sente-se próximo aos partidos políticos

,532

Os partidos são indispensáveis à democracia

,394

Votaria se não fosse ,359

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obrigatório Avaliação positiva do Poder Judiciário

,633

Avaliação positiva do Congresso Nacional

,826

Avaliação positiva dos Partidos Políticos

,779

Avaliação positiva do Governo ,609 Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization. Fonte: “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, 2006.

O modelo incluiu variáveis binárias relativas a valores, conteúdos e instituições

da democracia - particularmente, relativas à participação eleitoral e os partidos - e variáveis

de avaliação da política, do governo Lula e da economia do país7. Com capacidade de

explicação da variância acima de 54%, a matriz resultante formou 10 fatores, o que sugere

certa dispersão das categorias analíticas: a) o primeiro fator ficou formado pelas variáveis

de confiança em instituições (com peso entre .60 e .70) e confiança interpessoal (neste

caso, com um peso bastante mais baixo, de .30); b) o segundo fator agrupou as variáveis de

avaliação de instituições como o governo, partidos, congresso e o judiciário (com peso

entre .60 e.80); c) o terceiro fator revelou a agregação de variáveis que se referem a

instituições consideradas necessárias para que o país siga em frente, como partidos, o

congresso e o poder judiciário (com peso variando entre .70 e .80); d) o quarto fator

agrupou duas variáveis de avaliação, uma do governo Lula, e outra da economia do país e,

além disso, uma variável sobre a submissão à lei e outra sobre a disposição de participação

no processo eleitoral (enquanto as duas primeiras tiveram pesos em torno de .70, as duas

últimas ficaram em torno de .30); e) o quinto fator foi formado pela variável relativa aos

que sabem o que é a democracia e mais as variáveis de exposição à informação política

através da televisão, o interesse pela política e proximidade com os partidos políticos

(estas, com peso variando entre .50 e .70, enquanto a primeira ficou abaixo de .50); f) o

sexto fator agregou duas variáveis sobre a necessidade de partidos e do Congresso para

que a democracia possa existir (com peso superior a .80); g) o sétimo fator ficou formado

por duas variáveis que expressam orientações autoritárias (com peso superior a .80); h) o

oitavo fator agregou outras variáveis relativas à escolha entre o autoritarismo e a

democracia (com peso entre .60 e .70); i) o nono fator mostrou que variáveis relativas à

satisfação com a democracia, a percepção sobre o princípio de igualdade perante a lei,

assim como de cumprimento da lei e proteção das leis trabalhistas estão juntas (com peso

7 As variáveis incluídas no modelo são binárias; aquelas cujos pesos é menor que .50 estão grafadas em itálico.

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variando entre .50 e .70, mas a última não chegou a .50); j) finalmente, o último fator foi

formado por duas variáveis relativas ao sentimento de pertencimento à comunidade

política (com peso variando em torno de .70).

Algumas observações importantes derivam da análise apresentada. Prima

faciae, as respostas dos entrevistados sobre a democracia se agregam apenas com a sua

exposição às notícias sobre política na televisão, ao seu interesse geral por política e, de

forma notável, à sua proximidade dos partidos políticos; em princípio, isso pareceria dar

razão, por uma parte, às hipóteses que se referem ao efeito da difusão internacional da

democracia, mas também à identificação deste regime com uma das mais importantes

instituições de representação, isto é, o partido político. Chama a atenção ainda que fatores

como confiança política, avaliação de instituições, escolha de instituições necessárias para o

país seguir em frente e indicadores de pertencimento à comunidade política apareçam

distribuídos em fatores distintos. Isto confirma as hipóteses de Pippa Norris (1999),

baseadas na contribuição de David Easton (1963), de que o fenômeno de apoio político não

pode ser considerado em bloco, mas tem de ser visto a partir da distinção de diferentes

dimensões que funcionam com lógica própria, às vezes separando-as e outras indicando a

existência de pontos de conexão entre elas. Esse parece ser o caso das dimensões que se

referem à comunidade política, ao apoio a valores políticos e, finalmente, à avaliação do

desempenho de governos e de instituições. Note-se ainda que a participação em eleições e

o reconhecimento da importância de partidos, do parlamento e do judiciário estão

agregados em um mesmo fator, mas aparecem separados de indicadores atitudinais

semelhantes. Por outras palavras, enquanto há aparentemente mais coerência na

percepção em torno de variáveis que envolvem as liberdades, a perspectiva a respeito dos

procedimentos institucionais da democracia revela-se bastante mais dispersa. Meneguello

(2007) também relatou alguma dispersão dos fatores institucionais ao tratar da adesão

democrática no texto mencionado antes.

DETERMINANTES DOS SIGNIFICADOS ATRIBUIÍDOS À DEMOCRACIA

Os resultados relatados até aqui mostram que, ao contrário das expectativas

pessimistas, a maior parte dos entrevistados brasileiros tem idéias definidas sobre a

democracia como um ideal, mas os testes anteriores não permitiram identificar os

determinantes dessas convicções. Por essa razão, o passo seguinte do estudo consistiu na

realização de uma análise de regressão logística da variável dependente formada pelas

respostas dos que sabem o que é democracia e, como explicativas, um conjunto de

indicadores sócio-demográficos, de cultura cívica, de confiança interpessoal, de

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participação política, de avaliação de instituições e de avaliação do desempenho do

governo do dia (vide Anexo 4 para a relação completa de variáveis testadas). O

procedimento teve por objetivo testar o efeito de indicadores associados com hipóteses

concorrentes, ou seja, tanto com as sustentadas por este trabalho, como as relativas ao

papel da difusão internacional em torno da democracia, o efeito da modernização

econômica e social, a influência do desempenho do governo – especialmente da economia -

, a influência das crenças religiosas, do capital social e de diferentes modos de participação

política. O modelo não é parcimonioso; o seu R quadrado ajustado está perto de .30. As

linhas em negrito indicam as variáveis que não são significantes e que, portanto,

descomprovam as hipóteses correspondentes discutidas pela literatura.

TABELA 7 . REGRESSÃO LOGÍSTICA DE “SABE O QUE É DEMOCRACIA” – 2006

VARIÁVEIS EXPLICATIVAS B Sig. Exp(B) Intercept -2,752 .000

Homens 0,298 ,014 1,347 Escolaridade média ou mais 0,651 .000 1,917 Renda familiar + de R$ 1.300 0,312 ,071 1,366 Integra a PEA 0,344 ,006 1,410 Cidades + 500 mi habitantes 0,022 ,869 1,022 Regiões Sudeste e Sul -0,539 .000 0,583 Confiança interpessoal 0,322 ,025 1,380 Católicos 0,109 ,372 1,115 Brancos 0,410 ,001 1,507 Atenção às not. Políticas na TV 0,423 ,003 1,526 Tem interesse por política 0,620 ,001 1,859 Gov. tem de respeitar leis e instituições, mesmo na crise 0,315 ,007 1,371 Rejeita retorno dos militares 0,688 .000 1,990 Rejeita sist. De partido único 0,507 .000 1,661 Votaria se voto ñ fosse obrigatório 0,264 ,027 1,302 Conversa sobre política 0,534 ,001 1,706 Assinaria abaixo-assinado 0,359 ,005 1,432 Participaria de boicotes 0,302 ,047 1,353 Participa de grupo religioso -0,225 ,093 0,798 Existe igualdade perante a lei -0,273 ,054 0,761 Partidos representam população e eleitores 0,271 ,040 1,311 Eleições são limpas no Brasil 0,321 ,007 1,378 Gov. deve intervir mais na economia 0,319 ,015 1,376 Funcionários ñ levam em conta o que os cidadãos pensam 0,283 ,061 1,327 Órgãos públicos ñ prestam informações aos cidadãos 0,229 ,046 1,257 Confia na policia -0,205 ,130 0,815 Confia no Congresso Nacional 0,248 ,095 1,282

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Prefeituras são necessárias -0,290 ,126 0,748 Avalia bem habitação -0,259 ,033 0,772 Avalia bem previdência social -0,294 ,023 0,745 Avalia bem transportes públicos 0,411 ,002 1,508 Corrupção é problema sério 0,905 ,011 2,473 Políticos usam caixa dois em campanhas eleitorais 0,511 ,007 1,666 Brasileiros usariam caixa dois (no lugar de políticos) -0,534 ,002 0,586 Brasileiros faturariam obras públicas (no lugar de políticos) 0,369 ,020 1,446 Sit. econômica familiar é boa -0,105 ,372 0,900 Votou em Lula em 2004 -0,176 ,146 0,839 Sit. econômica do país melhorou com Lula -0,108 ,382 0,898

Fonte: “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, 2006 Nagelkerke R Square: .286; as variáveis do modelo são binárias.

No modelo adotado, os determinantes mais importantes das respostas capazes

de definir a democracia em termos de liberdades, procedimentos institucionais e fins sociais

são – pela ordem derivada dos coeficientes de significância e das odds ratio das variáveis

explicativas – a percepção de que a corrupção é um problema sério (duas vezes e meia mais

de chance), a rejeição ao retorno dos militares ao poder (99% mais de chance), a

escolaridade de níveis médio e superior (91% a mais de chance), o interesse pela política

(85% a mais de chance), o hábito de conversar com amigos a respeito (70% mais chance), a

rejeição a um sistema de partido único (66% mais chance) e a percepção pública de que os

políticos brasileiros se utilizam do “caixa dois” em suas campanhas eleitorais (66% mais de

chance também). É notável, por outro lado, que diferente de suposições de parte da

literatura especializada, na interação produzida pelas variáveis incluídas no modelo

adotado, em comparação com os habitantes de cidades médias e pequenas, a variável

correspondente à resposta dos habitantes das cidades de mais de 500 mil não interfere nos

resultados, nem aquela relativa aos que têm renda familiar superior a R$ 1.300 ao mês

mostra-os como mais propensos a definir a democracia; ou seja, controlando-se pelas

demais variáveis, esses fatores não são definidores da capacidade das pessoas de

responder à pergunta, essa possibilidade está espalhada entre os entrevistados de renda

inferior e também entre os que vivem em cidades pequenas e médias, o que pode indicar

que mudanças na cultura política dos brasileiros não dependem diretamente desses

fatores. A percepção crítica de que os funcionários do governo não prestam a atenção ao

que pensam os cidadãos não é significante, mas de que os órgãos públicos não dão as

informações necessárias ao público sim (25% mais de chance). A confiança na polícia e no

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Congresso Nacional, a convicção de que as prefeituras são importantes, da mesma forma

que as crenças religiosas não exercem influência para a definição da democracia; neste

caso, aliás, os dados desconfirmam uma das hipóteses de Inglehart, segundo a qual, o

Brasil como parte da América Latina faria parte do mapa cultural caracterizado pela

tradição ibérica e católica. Ser católico ou professar outra crença não influi nos resultados.

Os resultados mais surpreendentes, no entanto, se referem às hipóteses a

respeito da influência da avaliação positiva do desempenho do governo do dia, em especial,

da situação da economia do país e da situação econômica da família dos entrevistados:

nenhuma dessas variáveis se revelou significante no modelo rodado, nem mesmo aquela

relativa ao voto no presidente Lula em 2004. Ou seja, diferente de uma das conclusões de

Pippa Norris (1999), os vencedores do jogo político, no caso brasileiro, não são os mais

propensos a saber definir a democracia. São os cidadãos críticos quanto ao desempenho

das instituições no que se refere à corrupção e quanto a alguns serviços públicos os que

têm mais chance de saber o que é a democracia; diferente, nesse sentido, de achados de

Meneguello (2007), as variáveis de avaliação positiva dos resultados da ação do governo,

pelo menos, no que se refere à economia do país ou ao governo de modo geral, não ajudam

a explicar a variável dependente. Isso sugere que precisamos de mais pesquisa sobre a

relação entre o desempenho de governos e da economia com os indicadores de adesão ou

de preferência pela democracia.

Chama a atenção ainda que, com odds ratio mais próximas de 1, entre as

variáveis sócio-demográficas, estar integrado à população economicamente ativa (PEA)

(41% mais de chance) ou pertencer ao sexo masculino (34% a mais) são indicadores de

capacidade de responder à pergunta; entre as variáveis de cultura política, ser branco (50%

mais de chance), prestar a atenção às notícias políticas na TV (52% mais), confiar na maioria

das pessoas (38% mais) e acreditar que o governo não está autorizado a desrespeitar as leis

e as instituições do país, mesmo em situações de crise (37% mais), são fatores favoráveis à

capacidade de responder a pergunta. Um aspecto importante tem de ser destacado aqui: as

razões de chance da variável relativa ao papel da mídia (e, portanto, da difusão

internacional da democracia) não apresenta nenhum resultado espetacular, indicando que

embora ela conte quando considerada em conjunto com os outros fatores incluídos no

modelo, a sua capacidade de explicação não tem a força suposta por parte da literatura

discutida antes. Saber o que é democracia está ligado também a outros fatores como

indicado a seguir. Entre as variáveis de avaliação do funcionamento das instituições, a

crença de que os partidos representam a população e os eleitores (em contraposição à

noção de que eles representam basicamente os próprios políticos) e de que as eleições no

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país não estão sujeitas a fraudes são fatores determinantes das respostas sobre a

democracia (nos dois casos, essa percepção aumenta em mais de 30% a chance das pessoas

saberem o que é a democracia). Mas a percepção de que os políticos brasileiros usam o

caixa dois (66% mais de chance) e de que superfaturariam as obras públicas, como a maioria

acredita que fazem os políticos (44% a mais), são fatores determinantes da capacidade de

responder o que é democracia, embora não a crença de que os brasileiros, no lugar dos

políticos, usariam o caixa dois. Há nisto uma clara conexão entre a democracia vista como

um ideal e as funções normativas atribuídas às instituições. No que se refere à avaliação dos

serviços públicos, são os que avaliam negativamente a habitação e a previdência social os

que têm mais chance de saber o que é a democracia, enquanto no caso dos transportes são

os que têm uma avaliação positiva dos serviços. Aparentemente, os resultados são

contraditórios, mas não é impossível que os mais críticos em relação a áreas de

atendimento consideradas mais deficitárias – habitação e previdência social – são os que

esperam mais do regime democrático, enquanto os que estão satisfeitos com os serviços

de transportes públicos – de mais fácil acesso, em que pesem déficits existentes – podem

manifestar-se assim porque acreditam que a situação relativamente positiva do setor deriva

do funcionamento da democracia.

Em conjunto, os fatores listados dizem respeito tanto à tradição das teorias de

cultura política, como às que enfatizam o desenho e o desempenho das instituições

democráticas. O modelo adotado neste trabalho mostra, ainda, que os preditores dos

significados escolhidos pelos entrevistados para definir a democracia supõem o

envolvimento das pessoas comuns com o mundo da política e com os mecanismos de

escolha de governos: os que conversam sobre política com os outros (70% mais chance) os

que assinariam abaixo-assinados de petições ou de protestos (43% mais de chance), os que

participariam de boicotes se necessário (35% mais de chance) e os que votariam mesmo se o

voto não fosse obrigatório (aproximadamente metade da amostra, com 30% a mais de

chance) têm mais chance de saber o que é democracia. Os resultados sugerem que a

memória do regime militar e a velha tradição brasileira de pouca participação na vida

pública podem estar perdendo força na atualidade. Ao mesmo tempo, confirmando

algumas hipóteses de Putnam (1998), a confiança interpessoal tem importância para os

resultados relatados. Nos termos das análises de Linz e Stepan (1996), esses resultados

sugerem que a adesão à democracia no Brasil - além da transformação das próprias

instituições políticas -, está baseada em atitudes favoráveis ao regime, expressas na rejeição

de alternativas que poderiam colocá-lo em risco, mas também em uma visão que reflete

uma demanda quanto à qualidade da democracia: a preocupação com a situação da

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corrupção sugere ainda que existe na sociedade brasileira uma demanda por maior

eficiência dos mecanismos de accountability.

BREVES CONCLUSÕES

O estudo sugere algumas conclusões. Em primeiro lugar, os dados mostram

que, diferente do que pensam os céticos, a maior parte dos brasileiros é capaz de definir a

democracia em termos que envolvem duas das mais importantes dimensões do conceito,

isto é, por um lado, o princípio de liberdade e, por outro, os procedimentos e estruturas

institucionais. Essas definições da democracia distinguem, claramente, este regime de suas

alternativas concorrentes, ou seja, não são idéias vagas e imprecisas que, sob influência da

difusão internacional, apenas reproduzem a imagem positiva adquirida pela democracia. Os

testes mostram que as respostas majoritárias sobre a democracia, envolvendo as

liberdades e os procedimentos do regime, são influenciadas pela atenção dos entrevistados

às notícias políticas na TV, mas ao mesmo tempo, por valores políticos como a rejeição de

alternativas autoritárias, o reconhecimento do papel das instituições de representação, o

interesse pela vida pública e a participação política; neste sentido, os dados confirmam os

achados de Dalton, Shin e Jou (2007) sobre os entrevistados do Leste Europeu, da Ásia, da

África e de outros países da América Latina: pessoas comuns, mesmo em ambientes não

inteiramente favoráveis, sabem definir a democracia e essa definição está associada, por

uma parte, com o seu apoio normativo ao regime, isto é, aos ideais que ele envolve e, por

outra, com as expectativas que ele suscita a respeito do desempenho prático de suas

instituições como meio de realizar aqueles ideais.

As definições de democracia dos brasileiros são influenciadas por alguns valores

da cultura política e por sua percepção a respeito do desempenho das instituições, mas

chama a atenção que, incluídas nos modelos de análise, as variáveis de avaliação do

desempenho da economia e do governo do dia não se mostrem importantes para explicar

as respostas dos entrevistados. As definições envolvendo as duas dimensões mais

importantes do conceito de democracia - liberdades e procedimentos - são determinadas

basicamente por valores e outros fatores políticos, como a avaliação da situação da

corrupção e das instituições em geral, a escolaridade e a influência das informações

transmitidas pela mídia. Da perspectiva da abordagem da qualidade da democracia isso

significa que, no Brasil, a democracia é vista sim como expressão de procedimentos

institucionais - a exemplo da participação em eleições -, mas ao mesmo tempo como uma

construção referida também a princípios e valores do regime, como as liberdades, que

distinguem claramente o processo democrático das alternativas autoritárias. Como

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chamaram a atenção Inglehart e Wezel (2005), essas dimensões são fundamentais para a

percepção do regime como causa e efeito do desenvolvimento humano, ou seja, como uma

perspectiva que concebe os indivíduos como capazes de definirem os rumos e o sentido de

suas vidas, o que implica que se reconheçam como livres e iguais para fazê-lo.

Uma nota final de cautela, no entanto, é necessária. Como observaram Dalton,

Shin e Jou (2007), saber definir o que é a democracia é muito importante, mas é insuficiente

per se para consolidar o regime porque o processo democrático exige mais do que a sua

simples definição. O funcionamento do sistema democrático, assim como a sua qualidade,

exige o envolvimento público com as instituições e o acompanhamento dos cidadãos –

através da mídia, de partidos e de associações da sociedade civil - do desempenho de

governos e do poder público. No caso brasileiro, o paradoxo representado por níveis

elevados de contínua desconfiança dos cidadãos das instituições políticas poderia se

constituir em um fator desfavorável para isso, uma vez que a desconfiança está associada

com os déficits de funcionamento das instituições democráticas (MOISÉS, 1995; 2008b).

Neste sentido, o fato das definições comuns de democracia envolverem, no período de

quase 20 anos de pesquisas, significados que se referem a valores humanos fundamentais

como as liberdades políticas e individuais, e os meios que permitem torná-los efetivos como

os procedimentos assegurados pelo funcionamento das instituições democráticas, sugerem

uma possibilidade de saída do paradoxo. Os resultados sugerem que pode estar emergindo

de um novo padrão da cultura política dos brasileiros: diferente dos sinais apontados por

estudos sobre países de tradição democrática frágil (ALMOND E VERBA, 1965), as visões da

democracia das pessoas comuns no Brasil mostram-se mais complexas do que no passado e

envolvem, ao mesmo tempo, valores humanos e os meios de sua realização, oferecendo

uma base potencial de apoio político para a superação das atuais distorções e déficits

institucionais. A percepção sobre a corrupção, por um lado, e sobre o papel dos partidos e

instituições de representação, de outro, são exemplares nesse sentido. Nos significados

atribuídos à democracia pelos brasileiros pode estar contida a base do que Pippa Norris

(1999), analisando casos de democracias consolidadas, chamou de cidadãos críticos. Com

efeito, ao mesmo tempo em que os partidos são reconhecidos como indispensáveis à

democracia, o seu desempenho concreto é severamente avaliado, como exemplifica a

atitude de desconfiança dos cidadãos dos mesmos; mas mais do que querer eliminá-los, a

maioria dos cidadãos parece estar dizendo que deseja que eles funcionem efetivamente

como mecanismos de representação. A percepção razoavelmente sofisticada dos cidadãos

brasileiros sobre a democracia pode servir de base para iniciativas de pressão sobre o

sistema político no sentido da reforma das instituições de representação. Por último, a

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preocupação com a corrupção também mostra que existe uma demanda sobre o

desempenho das instituições encarregadas da responsabilização de políticos e governos.

Para um país cuja experiência democrática é relativamente recente, esses sinais não são de

pouca importância.

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ANEXO 1. RECODIFICAÇÃO DAS RESPOSTAS À PERGUNTA ´O QUE É DEMOCRACIA´ - 1989 a 2006

Liberdades – menções a: Liberdade de criticar o governo Direito de ir e vir Liberdade de expressar-se Poder lutar por melhores salários Todos podem exercer seus direitos Liberdade para organizar-se Liberdade sem repressão Liberdade de informação Governo garantir a segurança do povo Direito de opinar Consciência de direitos e deveres País livre onde não se vive como escravos Procedimentos/Instituições – menções a: Cidadão exercer seus direitos e deveres Obrigação de votar Necessidade de leis severas Governo não ser corrupto Partidos políticos c/ igual espaço nos meios de comunicação Governo com leis através de um parlamento País governado pelo Congresso Cumprimento da Constituição Povo poder fiscalizar o governo Organização do povo respeitando as leis Governo cumprir com suas obrigações Forma de governo Governo com participação de todas as classes sociais Governo onde vence a maioria É saber exigir seus direitos, cobrar seus direitos País onde leis para ricos e pobres são as mesmas Direito dos cidadãos serem reconhecidos por lei Mesma lei para ricos e pobres Equilíbrio entre três poderes: judiciário, legislativo e executivo

Respeito ao cidadão Direitos e deveres legislados e aplicados Punir os políticos que roubam o povo Fins Sociais – menções a: Direito à saúde pública independente de raça, sexo, cor Direito a um transporte digno Direito ao trabalho Governo dar melhores condições de vida para as pessoas de baixa renda Direito à educação País com muito trabalho, onde não falte emprego Direitos iguais entre os povos Igualdade entre os cidadãos Igualdade entre homens e mulheres/direitos iguais Não ter discriminação de cor/raça Inconsistentes/NS/NR É violência Falta de respeito ao cidadão É bom Brigas entre políticos / Brigas na política País com política honesta Não cumprimento das leis Presidente corrupto no governo / políticos Diferença entre ricos e pobres / desigualdade social Discriminação entre raças Falta de honestidade Governantes impor leis não compatíveis com as necessidades do povo Regime dominado por políticos da elite Sistema onde todo mundo manda

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ANEXO 2 . Variáveis binárias utilizadas na análise bivariada, mas na tabela 5 foram incluídas apenas as variáveis que significantes. Atributo=1; outros=0. Renda mensal familiar (baixa - até R$780,00) Idade (acima de 39 anos) Regiões (Sul e Sudeste) Sexo masculino Cidades com mais de 500 mil habitantes Escolaridade (baixa: analfabetos e até colegial incompleto) Preferência por regime: democracia Democracia está associada com: Direito de escolher governo Liberdades políticas Igualdade social Igualdade perante a lei Fiscalização dos atos do governo pelo Congresso Menos corrupção e controle do tráfico de influência Educação, saúde e emprego Fiscalização do governo pelo Ministério Público e Tribunais de Justiça Igualdade de direitos para as mulheres Liberdades em questões morais Multipartidarismo A democracia não pode funcionar sem partidos A democracia não pode funcionar sem Congresso Nacional Os partidos são indispensáveis à democracia O Presidente da República deve ser identificado com um partido político Partidos políticos são necessários para o progresso do país Deputados e Senadores são necessários para o progresso do país Tribunais de Justiça são necessários para o progresso do país Prefere a democracia a um líder salvador não controlado por leis Se o país enfrenta dificuldades, o presidente pode tomar as decisões sozinho independentemente do Congresso e das leis O país funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder Daria um cheque em branco a um líder salvador que resolvesse os problemas do país O Brasil seria melhor se existisse apenas um partido político Só uma ditadura daria jeito no Brasil Votaria mesmo que o voto não fosse obrigatório Existe igualdade perante a lei

Os brasileiros são cumpridores das leis A lei deve ser obedecida sempre Os brasileiros fazem valer os seus direitos Os brasileiros são conscientes de suas obrigações Os brasileiros são conscientes de seus direitos Sente-se protegido pelas leis trabalhistas Pessoas como eu não compreendem o que está acontecendo na política Eu não tenho como influenciar o governo O voto permite que pessoas como eu influam nos acontecimentos do país Orgulho de ser brasileiro Viveria em outro país Assiste até duas horas de TV por dia Prestou atenção nas notícias de política que deram na TV na última semana Interesse por política Sente-se próximo de partidos políticos brasileiros Votou nas últimas eleições presidenciais (2002) Confiança interpessoal Confiança no Poder Judiciário Confiança no Congresso Nacional Confiança nos Partidos Políticos Confiança no Governo As eleições no Brasil são limpas e honestas Nos últimos 5 anos a corrupção não aumentou No último ano a corrupção não aumentou Está satisfeito com a democracia Avaliação positiva da situação política do país Apesar de problemas, democracia é melhor forma de governo O governo pode passar por cima das leis e das instituições do país para resolver uma situação difícil A situação econômica melhorou durante o governo Lula A situação econômica melhorou durante o governo FHC A situação econômica melhorou durante a Ditadura Militar Os Direitos Humanos melhoraram durante o governo FHC Os Direitos Humanos melhoraram durante o governo Lula Os Direitos Humanos melhoraram durante a Ditadura Militar

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ANEXO 3 . Variáveis utilizadas na análise fatorial (Tabela 4)

Interesse por política; Até 2 horas de TV por dia; Atenção em notícias políticas na TV; Baixa escolaridade; Cidades + 500 mil habitantes; Democracia é melhor forma de governo; Preferência por regime democrático; Democracia=direito de escolher governo; Democracia=liberdades políticas; Democracia=igualdade social; Democracia=igualdade perante a lei; Democracia=fiscalização do governo pelo Congresso; Democracia=controle da corrupção e tráfico de influência; Democracia=atendimento necessidades saúde, emprego e educação; Democracia=fiscalização do governo p/ tribunais de justiça e Ministério Público; Democracia=direitos das mulheres; Democracia=liberdades morais e sexuais; Partidos são necessários p/ democracia; Congresso é necessário p/ democracia; Proximidade de partidos; Partidos indispensáveis p/ democracia; Presidente deve ser identificado com partido; Partidos são necessários ao país; Deputados e Senadores são necessários ao país; Tribunais são necessários ao país; Votou nas últimas eleições; Votaria se o voto não fosse obrigatório; Sabe o que é democracia. ANEXO 4.- Variáveis utilizadas na regressão logística (Tabela 7) Sexo (homens), Escolaridade (média ou mais), Renda (+ de R$ 1.300), PEA (integra), Cidades (+ 500 mil habitantes), Região (sul e sudeste), Confia na maioria das pessoas, Religião (católicos), Cor (brancos), Presta atenção às notícias políticas na TV, Tem interesse por política, Acha q. Governo deve respeitar leis e instituições em crises, Rejeita o retorno dos militares, Rejeita sistema de partido único, Votaria se voto não fosse obrigatório, Conversa sobre política, Assinaria abaixo-assinados, Participaria de boicotes, Participa de comunidades religiosas, Existe igualdade perante a lei, Partidos representam a população e os eleitores, Eleições são limpas, Acha q. governo deve intervir + na economia, Funcionários não levam em conta a opinião dos cidadãos, Órgãos públicos não prestam informações aos cidadãos, Confia na policia, Confia no Congresso Nacional, Prefeituras são necessárias ao país, Avalia bem habitação, Avalia bem previdência social, Avalia bem transportes, A maioria dos políticos usam caixa 2 em campanhas eleitorais, Brasileiros, no lugar dos políticos, usariam caixa dois, Brasileiros, no lugar dos políticos, superfaturariam obras públicas, Situação econômica familiar é boa, Votou em Lula, Situação econômica do país melhorou com o governo Lula.

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1

III.

AS BASES DO APOIO AO REGIME DEMOCRÁTICO NO BRASIL

RACHEL MENEGUELLO

INTRODUÇÃO

A literatura sobre as características e o funcionamento dos processos de

democratização é volumosa, muito tem sido produzido sobre as bases de apoio às democracias

da terceira onda, em específico sobre os processos políticos desencadeados na America Latina,

ou ainda, aqueles desenvolvidos no Leste Europeu, após a queda do Muro de Berlin, e somam um

conhecimento valioso para a reflexão comparada às experiências das democracias ocidentais

mais consolidadas no tempo. Sabemos que para os cidadãos que vivenciam sistemas

democráticos consolidados, a aceitação do regime e as suas bases de funcionamento são

inquestionáveis e há uma compreensão básica sobre as instituições e os processos políticos que

sustentam o seu funcionamento. Mesmo que nestas democracias sejam observados níveis

consideráveis de insatisfação com o funcionamento regime, e de desconfiança nas instituições e

nos governos do momento, a adesão e a identificação dos cidadãos com o regime democrático

não sofrem abalos significativos, garantindo a estabilidade do sistema.

No caso das democracias mais recentes, a literatura é menos positiva, os estudos e

evidências mostram que mesmo em países em que regras básicas e procedimentos foram

implantados e têm funcionamento regular, como a realização de eleições livres e justas, isso não é

suficiente para a democratização, há deficits significativos no terreno do respeito às leis, direitos

e liberdades, pondo em risco permanente o apoio político que se estabelece no início do novo

regime (ZAKARIA, 1997; ROSE AND SHIN, 2001)

No caso das democracias latino-americanas, os dados de pesquisas realizadas ao final

da última década mostram que, na maioria dos países, e mesmo apesar do impacto da crise

econômica, o apoio ao regime democrático tem sido sustentado em bases significativas (Informe

Latinobarômetro, 2006; SELIGSON AND SMITH, 2010). As informações apontam que os cidadãos

da região têm acolhido em uma tendência crescente a democracia como a melhor forma de

governo, apesar de o apoio normativo “churchilliano” compartilhar um terreno denso de

constrangimentos que condicionam a satisfação com o funcionamento do sistema, os níveis de

confiança institucional e pessoal, o interesse e a participação na política.

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Nesse terreno, destaca-se a dinâmica representativa. Por um lado, as eleições

sobressaem como marco de inclusão e intervenção políticas, e a percepção da eficiência e

validade dos processos eleitorais agem como garantia ao funcionamento do regime democrático.

Além disso, partidos e parlamentos são considerados _ao menos simbolicamente_ como eixos do

funcionamento do regime, e desfrutam de um apoio geral importante. Entretanto, são os

partidos políticos e o congresso as instituições que acolhem os menores graus de confiança

institucional em toda a região, apesar de variações significativas observadas entre países (BOIDI Y

QUEIROLO, 2010).

A experiência democrática brasileira reproduz esse cenário. Os dados de apoio ao

regime democrático são crescentemente positivos ao longo do período pós-1985. No registro das

pesquisas realizadas entre 1989 e 2006, a preferência pela democracia aumentou 21 pontos

percentuais entre a população, de 43,6 para 64,8% (Gráfico 1). Os avanços ao longo desse

processo também foram de ampliação do entendimento sobre o regime. No período entre 1989 e

2006, houve uma ampliação considerável da proporção de pessoas que adquiriram entendimento

sobre o significado de democracia, embora esse entendimento estivesse limitado e

predominantemente atrelado à idéia de realização de eleições e de constituição de governos que

dessem solução às necessidades econômicas e sociais, refletindo o cenário de crise que marcou o

inicio da democratização no país e na região nos anos 1980 (MENEGUELLO, 2010).

Igualmente aos os vários processos de democratização na região, os cidadãos

brasileiros envolveram-se em uma dinâmica eleitoral regular e intensa desde o início do novo

regime, tendo definido na eleição presidencial direta de 1989 o marco do alinhamento de forças

políticas e preferências. Os dados das pesquisas realizadas nesse período mostram, entretanto,

que a consolidação de mecanismos e procedimentos de participação eleitoral não redimensionou

a frágil relação com as instituições representativas. O país conta com vários dos mais baixos

índices de confiança e de avaliação positiva dos partidos, do Congresso e dos políticos observados

na região nas duas últimas décadas, e claramente reflete os constrangimentos próprios das

denominadas ‘democracias incompletas’ (SELIGSON AND SMITH, 2010; SHIN, 2007).

O objetivo deste artigo é contribuir para a resposta a algumas questões que norteiam

os estudos sobre o processo de democratização brasileira. A primeira delas diz respeito ao

entendimento do papel que as instituições representativas possuem no mapa de referências de

apoio ao regime democrático. A segunda questão diz respeito às bases da legitimidade do

sistema, entendida como resultante das percepções do desempenho e funcionamento da

democracia no país.

Assim, a primeira parte do trabalho procura identificar em que medida a crescente

preferência dos cidadãos pelo regime democrático observado ao longo das ultimas décadas

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resulta da sua relação com as instituições representativas, a qual comporia um construto

normativo articulado que embasaria os posicionamentos políticos sobre o desenvolvimento e a

construção institucional do sistema. A segunda parte procura identificar as referências das quais

os cidadãos lançam mão para avaliar o desempenho da democracia e criar níveis de satisfação

com regime. O suposto básico é que o fenômeno da adesão à democracia resulta da congruência

entre o apoio normativo ao regime e a satisfação com o seu funcionamento.

Gráfico 1. Evolução da preferência por regime político Brasil, 1989-2006 (%)

Fontes: Banco de Dados do CESOP/Unicamp: Coleção Cultura Política, 1989 (DATAFOLHA/BRASIL89.SET-00186), 1990(DATAFOLHA/BRASIL89.DEZ-00210) e 1993(DATAFOLHA/BRASIL93.MAR-00322); Estudo Eleitoral Brasileiro_ESEB-CSES2002 (CESOP_FGV/BRASIL02.DEZ-01838); Pesquisa Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas, 2006 (CESOP_NUPPES/BRASIL06.JUN-02330)

ALGUMAS DEFINIÇÕES

Tal como afirmam Collier and Levitsky (1996), a proliferação de tipos e subtipos de

processos de democratização nas várias regiões do mundo apresentou aos estudiosos o desafio

de dar conta das variações de casos nacionais sem que, ao mesmo tempo, fosse estirado o

conceito de democracia. Não é a intenção desse trabalho oferecer uma nova apropriação do

conceito de democratização, mas sim, organizar as noções que orientam a investigação sobre as

bases do apoio e legitimidade democráticas que encontramos a partir da pesquisa a Desconfiança

dos Cidadãos nas instituições Democráticas (“Pesquisa Desconfiança”). Algumas definições prévias

são, portanto, necessárias.

A idéia de adesão democrática está estabelecida neste trabalho sobre o construto do

sistema representativo. A teoria democrática define nas instituições representativas cânones da

legitimidade do regime, pois são essas instituições que, de forma indireta, investem o povo de

autoridade perante o sistema, além exercerem, com variações entre as distintas democracias,

64,8

59,1

57,9

54,7

43,6

15,6

19,4

13,5

16,7

13,7

15,2

21,3

17,1

13,7

16,9

15,7

11,4

14,7

9,9

4,8

1989

1990

1993

2002

2006

Democracia Ditadura Tanto faz ns/nr

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algum grau de controle e responsabilidade sobre o poder executivo. Assim, apesar dos níveis

significativos de desconfiança nos partidos e nos políticos, e mesmo da avaliação

predominantemente negativa da atuação do parlamento e dos políticos em geral, a existência e

manutenção das instituições representativas são valores inabalados nas democracias

consolidadas.

Nos regimes que transitam de ditaduras para democracias, por sua vez, a questão

central não reside na confiança nos parlamentares ou na avaliação do desempenho legislativo

mas, sobretudo, na crença se o legislativo deveria estar funcionando, ou ainda, no apoio à

necessidade de sua existência para o funcionamento do novo regime (MISHLER AND ROSE, 1994)

. Igualmente, o papel exercido pelos partidos políticos figura como um dos elementos que

compõem esse quadro de apoio ao sistema representativo. A necessidade de um sistema

pluripartidário que sustente a competição e a representação de interesses e grupos variados e a

crença em sua utilidade para as vias de transmissão entre os cidadãos e o estado emergem como

elementos ao menos simbólicos do apoio ao regime.

No caso da transição brasileira, uma série de estudos sobre a cultura política

democrática apontam o papel central das eleições na constituição da noção de democracia para

o período pós-85 (LAMOUNIER, 1985; MOISES, 1990 E 1995; MUSCINSKY E MENDES, 1990;

LAVAREDA,1989). Esses trabalhos indicam que a idéia de democratização no final do período da

ditadura de 1964 e início do período democrático de 1985 esteve associada de forma

predominante aos mecanismos de participação eleitoral, em especifico, à realização de eleições

diretas para a presidência da república. Com efeito, essa dinâmica concentrou, em grande parte,

as ações da dimensão do que poderíamos chamar de engajamento cívico na transição.

Entretanto, esse engajamento não resultou em um apoio generalizado à ruptura com as bases do

regime militar e a ampliação da democracia representativa.

De fato, dados de survey realizado em capitais estaduais durante a última fase da

ditadura militar, no período das eleições pluripartidárias de 1982 mostram um cenário de

expectativas híbridas e conflitantes quanto à formação do novo regime. Por exemplo, em média,

80% dos eleitores apoiavam a realização de eleições diretas e mais de 61% afirmavam a disposição

em votar se o voto não fosse obrigatório; entretanto, esse mesmo survey apontava uma clara

divisão no eleitorado ao considerar a manutenção da presença dos militares no poder, assim

como na opinião sobre o aumento do poder do congresso nacional no novo período (ver Tabela 1,

Anexo 1). Esses dados coletados ainda antes da implantação do novo regime indicam, em alguma

medida, o perfil “incompleto” que marcaria o desenvolvimento da democratização iniciada em

1985.

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A presença das referências ao regime anterior no conjunto de crenças dos cidadãos

sobre o sistema político, ou ainda, os altos níveis de desconfiança e as avaliações negativas das

instituições representativas e do funcionamento da política observados nas pesquisas realizadas

no início do período democrático (MOISES, 1990; 1995), assim como no período mais recente

(MENEGUELLO, 2006; MOISES E CARNEIRO, 2008), comprovam a natureza híbrida do

entendimento sobre as bases de funcionamento da democracia no país. Em estudo realizado

sobre as bases da preferência pela democracia no Brasil a partir de dados de pesquisa de 2002

(MENEGUELLO, 2006), encontrou-se que a adesão e a legitimidade do regime democrático

estavam significativamente associados à valorização das eleições como forma de intervenção na

política. Sabemos que à luz da teoria democrática representativa, a associação das eleições ao

funcionamento democrático é esperada; entretanto, a mesma valorização não ocorreu quanto às

instituições representativas. O mesmo descompasso foi encontrado na análise das bases da

satisfação com o funcionamento do regime democrático, quando as dimensões da satisfação com

a democracia e da avaliação das instituições emergiram dissociadas, sugerindo que no mapa de

valores dos cidadãos o entendimento do bom funcionamento democrático não está

imediatamente associado à percepção do desempenho das instituições públicas -inclusive

representativas- e instituições privadas. Além disso, os dados indicavam que para o cidadão

comum, a ‘execução’ do cotidiano, o desempenho do governo, o funcionamento do sistema

democrático e a ação das instituições não compõem dimensões articuladas. Voltamos a explorar

esses pontos através dos dados da “Pesquisa Desconfiança”.

A noção de legitimidade democrática também é definida. A legitimidade deve ser

pensada como um tipo ideal relacionado às crenças dos cidadãos de que a política democrática e

as instituições sobre as quais se estabelece são a forma mais apropriada para estruturar-se o

sistema político. Esta noção está também baseada na ‘hipótese de Churchill’ (a democracia como

mal menor comparado aos regimes não-democráticos) compreendida na abordagem que possibilita

a comparação entre duas situações políticas distintas experimentadas no tempo (ROSE, 2001;

GUNTHER E MONTERO, 2003). A noção de concorrência entre regimes é adequada ao caso

brasileiro, dada a experiência democrática relativamente recente, e a presença de boa parte do

eleitorado tendo tido sua experiência política em dois tipos de regimes distintos, autoritário e

democrático.

Acompanhando a sugestão da maior eficácia das medidas realistas de apoio ao

regime nas democracias incompletas (MISHLER AND ROSE, 2001), a análise do desempenho do

regime foi constituída a partir da percepção da atuação das instituições e da gestão pública, e da

percepção sobre o funcionamento da democracia no país.

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AS BASES DO APOIO À DEMOCRACIA

A literatura sobre democratização menciona os limites da utilização de medidas

idealistas de apoio ao regime democrático, uma vez que, nas novas democracias, e em função das

demandas que incidem sobre o funcionamento do sistema, a presença de um apoio normativo ao

regime não é suficiente para a sua sobrevivência (MISHLER AND ROSE, 2001). As limitações das

medidas idealistas são ainda conferidas, em parte, ao entendimento rudimentar dos cidadãos

comuns sobre o regime, seu significado e as bases de seu funcionamento, algo observado mesmo

entre os cidadãos das democracias estabelecidas. Entretanto, o apoio de massa ao regime

democrático não funda-se na cognição sofisticada sobre a política, mas sobretudo, na

compreensão e experiência da vida pública, nas ações e na percepção de que as ações e

procedimentos influenciam o sistema, aspectos que resultam tanto do legado do regime anterior,

quanto do desenvolvimento político do atual regime. A valorização das instituições

representativas e a compreensão de sua importância para o funcionamento da política

democrática revelam, no mínimo, a disposição para a vida democrática, o que é básico para

constituir a legitimidade do sistema.

Nessa direção, investigamos em que medida os aspectos valorativos sobre o sistema

representativo e sobre o regime em geral fariam parte do construto da adesão dos cidadãos

brasileiros à democracia. Elaboramos dois modelos para investigar a articulação entre valores e o

apoio ao regime. O primeiro deles compõe-se de aspectos normativos sobre a democracia e sobre

o regime democrático no país. O segundo modelo adiciona àquele conjunto de variáveis

normativas uma dimensão comparativa entre períodos políticos para identificar as bases do apoio

ao regime.

As nove variáveis selecionadas para o primeiro modelo constituem um conjunto

normativo sobre a democracia em geral e aspectos de sua vertente representativa., notadamente

a importância do voto, dos partidos e do Congresso (Tabela 1). A distribuição simples dos dados

mostra uma maioria de mais de 60% de indivíduos que preferem a democracia comparada à

ditadura, afirmam a importância dos partidos para a democracia, a importância do Congresso

para a democracia e para o país e a importância do voto para a política em geral. A mesma ênfase

na preferência pela democracia frente à ditadura não ocorre com a afirmação mais enfática sobre

considerar o melhor regime em geral, quando apenas 32% dos indivíduos concordam muito com a

idéia da democracia como melhor regime. Os indivíduos dividem-se quase ao meio quando se

trata da disposição em votar sem obrigatoriedade e sobre a relação do presidente da republica

com um partido político. Finalmente, há uma relação ambígua com os partidos: embora 63%

afirmem que sem partidos não pode haver democracia, quase 60% consideram que partidos

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servem apenas para dividir pessoas. As duas variáveis sobre a opinião a respeito dos partidos não

são excludentes, mas um cruzamento simples entre as duas questões revela um pequeno núcleo

incongruente de 6% do total de indivíduos da amostra que, ao mesmo tempo em que afirmam os

partidos indispensáveis à democracia, afirmam que o regime pode funcionar sem eles.

Tabela 1. Variáveis de apoio à democracia e a aspectos da democracia representativa

Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas, 2006 (*)as diferenças dos totais para 100% referem-se a ns/nr

Para responder nossa indagação sobre como esses valores se articulam no construto do

apoio ao regime para os cidadãos brasileiros em 2006, utilizamos uma metodologia de análise

multidimensional que envolve elementos de duas técnicas de análise de componentes principais,

Variáveis em % A maneira como as pessoas votam pode fazer com que

as coisas mudem 62,3 Influência do voto sobre o que acontece

Não importa como as pessoas votam, não fará com que as coisas mudem

36,2

Sim 48,7 Não 49,1

Votaria na eleição para presidente se voto não fosse obrigatório

Talvez/Depende 2,1 A democracia é sempre melhor que qualquer outra

forma de governo 64,8

Em certas circunstâncias é melhor uma ditadura 13,5

Apoio à democracia 1

Tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura

16,9

Concorda muito que a democracia pode ter problemas, mas é a melhor forma de governo

57.2

Concorda pouco 32.2 Discorda muito/discorda pouco 8.1

Apoio à democracia 2

Nem concorda, nem discorda 2.5 Sem partidos não pode haver democracia 63,0 Necessidade dos partidos para democracia 1

A democracia pode funcionar sem partidos 31,5 São indispensáveis à democracia 36,3 Necessidade dos partidos para democracia 2

Só servem para dividir as pessoas 59,4 Sem Congresso Nacional não pode haver democracia 66,1 Necessidade do Congresso para democracia

A democracia pode funcionar sem Congresso Nacional 28,7 O país precisa da Câmara e do Senado 66,2 Necessidade do Congresso para o país

Poderíamos passar bem sem a Câmara e o Senado

30,4

É melhor um presidente identificado com um partido 53.9 Relação entre o presidente e os partidos

É melhor um presidente que não dê importância aos partidos

41.8

N 2.004

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inicialmente a análise de componentes principais para variáveis categóricas e, em seguida, para as

variáveis resultantes, a análise fatorial. Os resultados estão na Tabela 2.

Tabela 2. Dimensões normativas que compõem o apoio ao regime

Variáveis 1 2

necessidade do Congresso Nacional para o Brasil .701 necessidade dos partidos para a democracia .789 necessidade do Congresso Nacional para a democracia .786 presidente deve ser identificado com partidos ou não .517 democracia como melhor forma de governo .666 preferência entre democracia e ditadura .616 importância do voto para mudar as coisas .638 disposição para votar no presidente mesmo se voto não fosse obrigatório .616 Variância explicada 25.33% 20.05% Variância total explicada 45.38% Extraction Method: Principal Component Analysis; Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.

Os dados mostram uma solução de 2 fatores, com capacidade explicativa de α=45.3%,

onde figuram na primeira dimensão as 4 questões associadas ao papel dos partidos políticos e do

Congresso Nacional, tanto para o país como para a democracia em geral, algumas delas com

cargas altas, maiores que 0.7 (consideramos apenas scores iguais ou maiores que 0,5). Embora

com menor score, na mesma dimensão aparece a questão associada aos partidos, ainda que

especificamente indagando a preferência por um presidente da república relacionado a partido

político. A segunda dimensão, por sua vez, compõe um interessante conjunto em que a

preferência pela democracia (medida através das duas questões) está associada ao voto, seja

quanto à percepção de seu papel para intervenção no sistema, seja quanto à adesão ao voto

voluntário para escolha do presidente da república. Finalmente, não figura em nenhuma das

dimensões a variável que solicitava ao entrevistado a sua percepção sobre o papel dos partidos

(se indispensáveis à democracia, ou instituições que apenas dividem pessoas).

Esta separação das variáveis em duas dimensões supostamente associadas é o ponto

que nos intriga. Em quê medida as instituições representativas estão dissociadas da idéia de votar

e dar apoio à democracia?

Cientes dos efeitos de separação dos dados produzidos pela técnica de rotação na

análise fatorial, investigamos as associações entre todas as variáveis, de forma a identificar

possíveis relações e, como podemos ver na Tabela 3, o apoio à democracia - nas suas duas

versões indagadas - mostra associações muito reduzidas com o apoio aos partidos e ao

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Congresso, tanto em termos de apoio geral quanto para o caso brasileiro. No caso do papel do

voto, a disposição em votar para presidente e a percepção do voto como mecanismo de mudança

têm associações reduzidas com o apoio genérico aos partidos e ao Congresso.

Tabela 3. Associações entre as variáveis do apoio à democracia. Coeficientes de Contingência e fatores associados

Necessidade

Congresso p/ democracia

Presidente identificado c/partido

Necessidade Congresso para o Brasil

Democracia como melhor forma de governo

Preferência pela democracia ou ditadura

Importância do voto para mudança

Voto obrigatório

Fator 1

Fator 2

Necessidade dos partidos p/democracia

0,493 0,258 0325 0,135 0,160 0,135 0,095 ,789 ,016

Necessidade do Congresso p/ democracia

0,216 0,381 0,163 0,171 0,136 0,094 ,786 ,036

Presidente identificados c/partido

0,297 0,105 0,111 0,197 0,101 ,517 ,187

Necessidade Congresso para o Brasil

0,199 0,174 0,184 0,213 ,701 ,150

Democracia como melhor forma de governo

,121 ,666

Preferência pela democracia ou ditadura

0,282 ,132 ,616

Importância do voto para mudança

0,255 0,219 ,134 ,638

Voto obrigatório

0,209 0,178 0,213 ,033 ,616

Esses dados sugerem uma real ‘independência‘ entre as dimensões encontradas e, se

observarmos as associações intra-fatores, encontramos associações importantes, mas de nível

médio. No caso do Fator 1, em que as referências institucionais do sistema representativo estão

presentes, os valores se alteram, e as associações entre o apoio à existência do Congresso e dos

partidos chegam a 0,493 no caso do apoio normativo aos partidos e ao Congresso, a 0,381 para a

necessidade do congresso para a democracia e para o país, e a 0,325 para a relação entre a

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necessidade do Congresso para o Brasil e dos partidos para a democracia. No caso do Fator 2, que

acolhe o apoio ao regime e a valorização do voto, a maior associação ocorre entre as duas opções

de apoio ao regime democrático, e não chega a 0,3 (0,282). Apesar desta congruência observada,

o que se destaca na relação entre os fatores são as baixas associações com as variáveis de apoio

ao regime democrático.

O segundo modelo para avaliar as bases do apoio ao regime está baseado na

comparação entre situações políticas distintas, incluindo a comparação entre governos

democráticos e entre o presente regime democrático e a ditadura que vigorou no país até 1985.

Nas democracias consolidadas, boa parte do apoio à democracia sustenta-se no

processo de longo termo de socialização dos cidadãos com os valores democráticos; nas

democracias recentes, por sua vez, o apoio ao regime sustenta-se inicialmente na expectativa

sobre o novo período, ou ainda, na rejeição ao regime anterior, mas o desempenho do regime é

um fator central para que o apoio normativo se sustente. O novo regime deve mostrar-se capaz

de satisfazer as expectativas coletivas quanto a aspectos centrais da mudança política. No caso da

pesquisa em análise, esses aspectos estão traduzidos na dimensão da economia, dos direitos

humanos e na situação da corrupção e tráfico de influência.

Um dos supostos que orientam esse construto é a idéia de que a democratização

brasileira está marcada por alguns ‘eventos politizadores’ (ROSE, 1999) que criam conteúdos de

apoio ao governo e apoio ao sistema. O primeiro deles, mencionado no início deste trabalho, diz

respeito ao próprio sistema representativo e à valorização do voto direto. A transição brasileira

teve seu fluxo notadamente estabelecido na arena eleitoral já durante o regime militar, e

estabeleceu uma retórica fundadora do regime democrático na qual as eleições diretas para

presidência da república marcavam a construção do novo regime. De fato, as movimentações em

torno das eleições presidenciais abrigaram momentos de intensa mobilização popular na

transição para a democracia.

O segundo evento politizador do período reside no terreno da intersecção entre a

economia e a política e resultou do impacto das políticas econômicas. Adotadas com o objetivo

de superar os cenários marcados pela depressão generalizada, depreciação dos indicadores de

crescimento e o déficit social herdado do regime autoritário, tais políticas criaram parâmetros de

avaliação de governos. Os referenciais econômicos, como o controle inflacionário e as tendências

de melhoria de renda e emprego, tiveram papel central no conjunto de expectativas da sobre a

democratização no país, formando preferências políticas. Já no início do regime democrático,

estudos identificavam nas referências de expectativa de bem-estar e busca dos patamares

mínimos de sobrevivência as bases da noção de democracia no país.

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Com a implementação do plano de estabilização monetária em 1994 – o Plano Real –

e as conseqüentes mudanças positivas nos níveis de atividade econômica e de renda, houve uma

transformação significativa do quadro de pobreza e da capacidade de acesso ao mercado de

consumo de produtos básicos por segmentos da população antes marginalizados (HOFFMAN,

2001). Este foi um componente central do capital político da Presidência da República no período,

estabelecendo as referências centrais de apoio e aprovação governamental. Os quatro anos do

primeiro governo FHC (1995-1999) promoveram uma experiência de estabilidade monetária

desconhecida de várias gerações de brasileiros e, mesmo sem estar atrelado a uma política de

desenvolvimento capaz de produzir e enraizar as bases dessa estabilidade, o governo foi capaz de

produzir um alto grau de popularidade baseado na avaliação prospectiva da melhora global do

país. Tais referências produziram uma relação simbiótica entre as tendências de avaliação do

desempenho presidencial e do desempenho da economia constitutiva das percepções da

população em geral sobre o governo no período entre 1995 e 2006 (MENEGUELLO, 2007).

As dez novas variáveis desse segundo construto incluem a avaliação comparada entre

três períodos políticos _o governo do momento, os oito anos do governo anterior (1994-2002) e

os últimos 10 anos da ditadura militar (1974-1984)_ para três aspectos, a situação da economia,

dos direitos humanos e da corrupção e tráfico de influências, além da avaliação geral do governo

Lula (2002-2006).

Os dados sugerem que no âmbito da economia e dos direitos humanos houve

avanços positivos importantes no decorrer da democratização percebidos pelos cidadãos no

período atual (Tabela 4). As percepções mais positivas ocorrem na comparação entre o governo

do momento e os governos militares, refletindo os efeitos da conquista e ampliação de direitos e

liberdades civis, por um lado, e o desempenho das políticas econômicas, por outro. De toda

forma, tais percepções apontam para a constituição de um terreno significativo de apoio ao

regime democrático. O mesmo não ocorre para a situação da corrupção e o trafico de influências;

nesse caso, a percepção negativa do fenômeno ocorre em todas as comparações de períodos

políticos. É importante mencionar o potencial impacto sobre a percepção dos entrevistados

exercido pelas denúncias de corrupção envolvendo políticos, partidos e o governo ocorridas um

ano antes da realização desta pesquisa. Os resultados da análise multidimensional para o segundo

modelo estão apresentados na Tabela 5.

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Tabela 4. Variáveis de comparação entre períodos políticos, incluídas no modelo de apoio à democracia

Avaliação da situação econômica no governo Lula comparada ao período anterior

Melhorou 51 % piorou 20.1

igual 28.8 Avaliação da situação econômica do governo Lula comparada aos últimos 10 anos de governos militares (1973-1984)

Melhorou 56.3 piorou 21.7

igual 22 Avaliação da situação econômica do governo FHC comparada ao periodo anterior

Melhorou 32.6 piorou 30.8

igual 36.6 Avaliação da situação dos direitos humanos no governo Lula comparada ao periodo anterior

Melhorou 51.3 piorou 13.7

igual 35.1 Avaliação da situação dos direitos humanos no governo FHC comparada ao periodo anterior

Melhorou 36.0 piorou 20.8

igual 43.2

Avaliação da situação dos direitos humanos no governo Lula comparada aos últimos 10 anos de governos militares (1973-1984)

Melhorou 60.4 piorou 16.8

igual 22.8 Avaliação da corrupção e tráfico de influência no governo Lula comparado ao periodo anterior

Melhorou 25.9 piorou 48.5

igual 25.5 Avaliação da corrupção e tráfico de influência no governo FHC comparado ao periodo anterior

Melhorou 21.6 piorou 37.2

igual 41.3 Avaliação da corrupção e tráfico de influência no governo Lula comparada aos últimos 10 anos de governos militares (1973-1984)

Melhorou 33.2 piorou 37.9

igual 28.9 Avaliação governo Presidente Lula

(bom+muito bom) 49.5 N 2004

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Tabela 5. Dimensões normativas e comparações entre períodos políticos como bases do apoio ao regime

1 2 3 4 5

Avaliação geral do governo Lula ,838 Comparação direitos humanos governo Lula com período anterior ,741 Comparação situação econômica governo Lula com períodos anteriores ,843 Comparação situação econômica governo FHC com período anterior ,693 Comparação situação econômica governo Lula com governos militares ,637 Comparação direitos humanos governo FHC com período anterior ,740 Comparação direitos humanos governo Lula com governos militares ,643 Necessidade dos partidos para a democracia ,806 Necessidade do Congresso Nacional para a democracia ,811 Necessidade do Congresso Nacional para o Brasil ,676 Importância do voto para mudar as coisas ,669 Democracia como melhor forma de governo ,618 Preferência entre democracia ou ditadura ,601 Disposição para votar para presidente mesmo se voto não fosse obrigatório ,600 Comparação corrupção governo FHC com o período anterior ,636 Comparação corrupção governo Lula com governos militares ,673 Comparação corrupção governo Lula com o período anterior ,594 ,601 Variância explicada 14,3% 12% 11.6% 10.3% 8.5%

Variância explicada total 56.62%

Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.

Neste segundo modelo, os dados apontam a força das percepções sobre o governo

do momento no construto de apoio ao regime. O modelo produziu 5 fatores, com uma variância

explicativa de α=56,6%. O Fator 1 é o fator governo Lula. Ali residem as variáveis de avaliação do

governo e da economia com as maiores cargas da matriz (maiores que 0.8) , além da avaliação

dos direitos humanos no governo atual (0,741). Também figura a avaliação da corrupção no

governo atual, mas com uma carga pouco menor (0,594).

O Fator 2 é considerado o fator comparação política propriamente dito, pois compõe-se

exclusivamente da avaliação da situação econômica e dos direitos humanos comparada no

governo Fernando Henrique e com os governos militares entre 1975 e 1985. O que está

substantiva e subjetivamente incluído na disposição dos Fatores 1 e 2 é o papel do Plano Real

como referência de avaliação às situações econômicas de períodos políticos anteriores. Contudo,

não parece aleatório o fato da avaliação da situação da economia no governo Lula estar em fator

separado às avaliações da economia em governos anteriores. O Fator 1 indica a proeminência da

avaliação do governo do momento nos seus vários aspectos, sobre as demais referências político-

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temporais. O Fator 3 é denominado instituições representativas, pois nele constam apenas as

questões que afirmam a necessidade dos partidos políticos e do Congresso para a democracia,

bem como a necessidade do Congresso para o Brasil, em específico. Não figuram nessa

dimensão e em nenhuma outra duas questões relacionadas aos partidos políticos: se partidos são

indispensáveis à democracia ou apenas dividem pessoas (a qual também não figurou na matriz do

primeiro modelo), e a questão sobre a preferência em ter um presidente associado a partido

político. É apenas no Fator 4, denominado Democracia, que emergem as questões sobre a

preferência democrática, associadas às 2 questões que valorizam o exercício do voto. Estes dados

repetem a associação entre democracia e eleições que encontramos anteriormente, mas neste

segundo modelo essa relação tem força especial, pois esta noção de democracia não se altera

quando ponderamos em conjunto as percepções sobre a economia do país nos governos Lula,

FHC e os governos militares, tampouco as percepções sobre direitos humanos e corrupção

nesses três períodos.

Finalmente, o Fator 5 de avaliação da corrupção, agrega as três questões de avaliação

em todos os períodos políticos, inclusive no governo Lula, com a questão que aparece tanto neste

Fator (com carga 0.601) como no Fator 1( com carga 0,594).

Este segundo modelo de análise do apoio à democracia aponta para quadro político

imediato como a primeira referência que os cidadãos têm para estabelecer-se frente o sistema

democrático. Neste caso, trata-se do peso do governo do momento, no caso o governo Lula e seu

desempenho nas dimensões da economia e dos direitos humanos. A preferência pelo regime não

está imediatamente associada a essas duas dimensões e, como já mencionamos, mantém-se

relacionada ao voto. Mesmo emergindo em dimensão de menor peso explicativo, é importante

reafirmar o papel das eleições na referência ao regime. Tanto a força das percepções sobre o

governo do momento, quanto o impacto da comparação entre períodos políticos distintos,

inclusive entre a democracia e a ditadura que vigorou no país, não alteraram a separação já

constatada no primeiro modelo de apoio ao regime, entre a preferência pelo regime democrático

e as concepções sobre o papel das instituições representativas (Fatores 3 e 4).

Por último, os dados sobre a percepção da corrupção e o tráfico de influência

merecem maior análise. Afinal, as três questões que pedem a avaliação de sua situação no tempo,

procurando medir os avanços resultantes dos processos políticos emergem juntas, no fator mais

distante das referencias imediatas definidas para entender o apoio político (Fator 5).

Os estudos que abordam a corrupção com enfoque realista e crítico, como um

fenômeno universal que atinge todos os países, apontam o seu impacto sobre aspectos que

afetam a legitimidade do sistema democrático, como o apoio ao regime e a confiança nas

instituições (SELIGSON, 2001 E 2002; POWER E GONZÁLES, 2003). A corrupção seria a causa e

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conseqüência do baixo desempenho do sistema, levando à redução da confiança dos cidadãos

nas instituições, no governo e na sua capacidade para a solução de problemas, e afetando,

portanto, o apoio ou a adesão ao regime. Nessa direção, Warren (2004) aponta que a corrupção

tem efeitos significativos sobre a democracia, ela rompe com os pressupostos fundamentais do

regime, como a igualdade política e a participação; reduz a influência da população no processo

de tomada de decisões, seja por fraudes nos processos decisórios, como nas eleições, seja pela

desconfiança e suspeita que ela gera entre os próprios cidadãos, e com relação ao governo e as

instituições democráticas, e reduz a transparência das ações dos governantes.

Assim, tal como constituído no segundo modelo de apoio ao regime, o Fator 5

sugere a existência de um déficit de entendimento sobre o terreno normativo da preferência pela

democracia, no qual a transparência e o império da lei são aspectos centrais. Por um lado, esse

cenário nos ajuda a entender a crise política de 2005, em que os escândalos de corrupção não

abalaram a avaliação do governo e do presidente, bem como a preferência pela democracia. Mas

aponta, por outro lado, para um problema mais complexo, que é compreender as causas das

dimensões independentes encontradas no modelo, em especifico, as motivações para que as

percepções sobre as situações da corrupção de governos distintos sejam estabelecidas de forma

relativamente isolada.

A SATISFAÇÃO E APOIO AO REGIME DEMOCRÁTICO

Nas democracias consolidadas, boa parte do apoio à democracia sustenta-se no

processo de longo termo de socialização dos cidadãos com os valores democráticos; nas

democracias recentes, por sua vez, o apoio ao regime sustenta-se inicialmente na expectativa

sobre o novo período, ou ainda, na rejeição ao regime anterior, mas o desempenho do regime é

um fator central que o apoio normativo se sustente (ROSE AND MISHLER, 1999; 2007). O novo

regime deve mostrar-se capaz de prover os bens coletivos almejados e, nesse sentido, o apoio

torna-se, em boa medida, contingente ao desempenho econômico.

Apoio ao regime democrático e satisfação com o funcionamento da democracia são

fenômenos distintos (GUNTHER E MONTERO, 2003), dizem respeito, respectivamente, a aspectos

valorativos e avaliativos e implicam medidas distintas. Nessa direção, constituímos um construto

sobre o desempenho do regime baseado na satisfação com a democracia existente no país e

aspectos que permitem avaliar o desempenho do sistema, como a avaliação governamental

difusa e a avaliação dos serviços públicos.

Quatro conjuntos de questões foram definidos para mensurar a crítica do cidadão ao

estado de coisas em que vive o país. O primeiro coloca em avaliação o próprio desempenho do

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regime, através da medida de satisfação com o funcionamento da democracia, o grau de

completude do regime e a validade dos processos eleitorais. O segundo conjunto aborda a

economia nas suas dimensões sociotrópicas retrospectiva, presente e futura; a avaliação da

situação econômica pessoal e familiar, presente, retrospectiva e prospectiva, além da avaliação

da capacidade do salário. O terceiro conjunto baseia-se na hipótese de que a avaliação do

desempenho do regime está associada ao desempenho governamental e, especificamente, com

relação aos serviços públicos, dado que esta é uma relação cotidiana direta dos cidadãos com o

Estado (LISTHAUG, 1998). Finalmente, o quarto conjunto é composto de uma única questão com

avaliação múltipla de itens que avalia o desempenho de instituições públicas e privadas.

Dimensionar a capacidade das instituições exercerem sua função de intermediários entre os

cidadãos e o sistema é central para avaliar o desempenho do regime.

A distribuição simples dos dados para essas variáveis mostra uma percepção crítica

majoritariamente negativa sobre quase todos os fatores indagados nas 13 questões selecionadas

(Tabela 6). Apesar da preferência majoritária pela democracia, observada nas medidas normativas

sobre o regime analisadas no item anterior, os cidadãos são insatisfeitos e críticos sobre o seu

funcionamento no país: apenas 21% são satisfeitos com a democracia, mais de 70% consideram que

a democracia brasileira tem grandes problemas, e pouco mais de 55% consideram que as eleições

são limpas. Este último é um dado a destacar, afinal, nessa variável reside grande parte da

legitimidade do sistema. A percepção negativa atinge a avaliação da atuação de boa parte das

instituições, notadamente o Congresso, os partidos e as leis do país. Destacam-se as avaliações

positivas das instituições privadas, como a Igreja e a televisão mas, sobretudo, cabe salientar a

percepção positiva da atuação das Forças Armadas, com mais de 75%. É fato que ao longo dos 21

anos de democratização, as Forças Armadas foram desvinculadas da política e associadas aos

temas ligados à gestão da segurança e defesa no mapa de referências dos cidadãos; mesmo

assim, com um passado relativamente recente marcado pela ditadura militar, é curiosa a sua

posição no conjunto de instituições avaliadas positivamente.

Com relação à economia, a percepção sobre seu desempenho é positiva em geral, e

destacam-se as perspectivas otimistas declaradas tanto com relação à situação geral do país,

quanto à situação pessoal, assim como a avaliação positiva retrospectiva. Finalmente, a avaliação

positiva dos serviços públicos indica um déficit importante das respostas do estado frente às

demandas da gestão do cotidiano dos cidadãos, com boa parte das avaliações positivas menores

que 50%.

Também buscamos entender a articulação dessas variáveis na composição do

construto do desempenho do regime, e procedemos novamente com a análise multidimensional.

O resultado está exposto na Tabela 7.

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Tabela 6. Variáveis de avaliação do desempenho do regime

Variáveis em % Como considera a democracia no Brasil O Brasil é uma democracia plena 4.5 Uma democracia com pequenos problemas 18,9 Uma democracia com grandes problemas 70.9 O Brasil não é uma democracia 5.7 Como considera as eleições no Brasil Eleições são limpas 55.1 Eleições são objeto de fraude 44.9 Satisfação com funcionamento da democracia no país

(muito satisfeito+satisfeito) 21.2

Avaliação da economia no governo Lula comparada ao período anterior

(melhor) 51.1

Avaliação da economia do país hoje (boa+muito boa) 42.7 Avaliação de economia do país daqui a um ano (muito melhor + pouco melhor) 70.1 Situação econômica pessoal e da família (boa+muito boa) 49.3 Situação econômica pessoal e da família daqui a um ano

(muito melhor + pouco melhor) 78.5

Situação econômica pessoal e da família comparada há 10 anos atras

(melhorou muito + melhorou um pouco) 71.8

Capacidade do salário suficiente 38.7 Avaliação Partidos (ótima+boa) 19.3 Avaliação Congresso 28.9 Avaliação Igreja 88.0 Avaliação Forças Armadas 75.1 Avaliação Polícia 43.6 Avaliação Poder Judiciário 50.9 Avaliação emissoras de TV 78.5 Avaliação Sindicatos 44.7 Avaliação Empresários 37.9 Avaliação Governo 40.2 Avaliação Presidente 49.7 Avaliação Bombeiros 93.4 Avaliação Leis do país 35.9 Avaliação governo Presidente Lula (bom+muito bom) 49.5 Avaliação serviços Habitação (bom+ótimo) 44.2 Avaliação serviços Polícia 38.5 Avaliação serviços saúde 34.8 Avaliação serviços educação 49.0 Avaliação serviços transporte 50.7 Avaliação serviços seguro-desemprego 53.1 Avaliação serviços saneamento 39.2 Avaliação serviços previdência social 34.4 N 2.004

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Encontramos uma solução com 6 fatores, que mostram que a avaliação do desempenho

do sistema democrático depende, primeiramente, da avaliação das instituições que embasam o

regime, que compõem exclusivamente o Fator 1, e da avaliação dos serviços públicos, que

compõe exclusivamente o Fator 2. Este cenário indica que para os cidadãos a capacidade de

gestão do sistema é avaliada segundo a gestão pública do cotidiano e as referências institucionais

que conduzem o governo e a representação de interesses.

Neste conjunto de instituições do Fator 1 não figuram as Forças Armadas, que apenas

aparecerão no Fator 4, o que sugere um efeito importante na formação das referências

institucionais para o funcionamento efetivo do sistema democrático. Figura juntamente neste

fator a avaliação dos bombeiros, indicando que se forma aqui uma referencia geral de avaliação

institucional associada à segurança. Do total de instituições avaliadas, não figuram em toda a

matriz a ‘Igreja’, a ‘Televisão’ e as ‘leis do país’. No Fator 3 estão as variáveis de maior carga de

toda a matriz (maiores que 0.8) e tratam da avaliação do presidente e da economia do país, tanto

retrospectiva quanto prospectiva, sendo que a dimensão econômica pessoal emerge em 2

questões apenas no Fator 5. A disposição dessas variáveis e a força de seu efeito sugerem a

estreita vinculação das percepções sociotrópicas sobre a economia na percepção do desempenho

político. Finalmente, apenas no 6º fator emergem as questões que medem a satisfação com a

democracia e avaliam seu desempenho através dos processos eleitorais e dos problemas

percebidos no país, A capacidade explicativa total do modelo elaborado, de α= 53,5%, está

concentrada sobretudo nos 3 primeiros fatores (α=36,8%), que definem o desempenho do regime

segundo os conjuntos de variáveis que agregam a avaliação da atuação de instituições, o

desempenho dos serviços públicos, e a avaliação geral da economia, associada ao governo do

momento. Esses dados sugerem a presença de um entendimento razoável das bases de

funcionamento do sistema, em que as instituições e a gestão pública têm papel central.

Entretanto, também sugerem que essas medidas têm primazia sobre a própria percepção da

eficácia democrática, traduzida aqui na percepção dos processos eleitorais e na completude do

regime.

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Tabela 7. Dimensões do desempenho do regime

BREVES CONCLUSÕES

Que papel têm as instituições representativas na constituição do apoio de massa à

democracia no Brasil? Levando-se em conta os resultados de nossas analises, esse papel é menor

do que as teorias sobre a democracia representativa apontariam. Vimos que o apoio político ao

regime, repetindo resultados de estudo sobre período anterior, emerge associado à dinâmica

eleitoral e ao voto e, embora as referências normativas relativas aos partidos e ao Congresso

constituam parte do entendimento sobre o funcionamento do regime democrático, elas não se

articulam diretamente às medidas de eficácia e de atuação no sistema.

1 2 3 4 5 6 Aval. Poder Judiciário ,579

Aval. Polícia ,593 Aval. Congresso Nacional

,749

Aval. Partidos

,708

Aval. Sindicatos

,601

Aval. Empresas

,687 Aval. Governo ,667 aval. serviços públicos- habitação

,634

aval. serviços públicos -polícia

,570 aval. serviços públicos -saúde

,753 aval. serviços públicos –educação

,724 aval. serviços públicos transporte

,719 aval. serviços públicos – seguro-desemprego

,598 aval. serviços públicos – saneamento ,653 aval. serviços públicos – previdência social ,658 Avaliação governo Lula

,813

Aval. economia no governo Lula comparada ,811 Aval. Situação economica atual ,660 Expectativa sobre situação econômica do país ,601 Aval. Presidente ,640

Aval. Forças Armadas

,626 Aval. Bombeiros ,608 Aval. Situação econômica pessoal e familiar ,792 Aval. Capacidade do salário ,761 Satisfação com democracia no país ,629 Brasil é plena democracia ou democracia com problemas

,660 Eleições brasileiras são limpas ou fraudulentas ,596 Variância explicada 13.4% 12.8% 10.7% 6.2% 5.7% 4.8% Variância total explicada 53.6%

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A comparação entre períodos de situações políticas diversas tem efeito relativo sobre

o construto normativo do apoio ao regime. Provavelmente devido ao processo bem sucedido de

implantação de mecanismos e procedimentos para o funcionamento democrático desenvolvido

ao longo de mais de 20 anos no país, bem como da conquista de patamares positivos de

crescimento econômico, efetivamente percebidos pela população, a comparação entre a situação

presente e o regime autoritário terminado em 1985 perde força como referência para constituir a

preferência e o apoio político à democracia, uma situação distinta do que se observou nas novas

democracias no Leste Europeu no inicio dos anos 1990. No caso brasileiro, as percepções sobre o

governo do momento nas várias dimensões analisadas constituem a principal referência para

avaliação do desempenho do regime, o que por sua vez, condicionam em parte o apoio geral à

democracia.

Embora as instituições representativas ocupem um terreno menos articulado às

noções de apoio ao regime democrático, a avaliação das instituições em geral, incluindo partidos

e congresso, tem papel primordial para o entendimento do desempenho do regime. As

percepções sobre sua atuação, bem como da atuação do estado através da execução dos serviços

públicos, são as principais dimensões constitutivas da satisfação com o desempenho do sistema.

Ainda sobre a satisfação com o desempenho da democracia, os dados sobre os

efeitos da dimensão da economia devem ser ressaltados. A variável de avaliação da situação

econômica do país tem presença permanente no mapa de referências sobre o sistema. Não se

trata de referendar a relação unívoca que define o apoio político como resultante de

considerações econômicas, mas sim, de levar em conta o peso central que essa dimensão tem na

formação de posicionamentos sobre a política e sobre o apoio ao sistema em geral. É plausível

sugerir que, de fato, as políticas econômicas do período democrático, em especifico, as mudanças

promovidas pelo Plano Real exerceram um ‘efeito politizador’ sobre os posicionamentos políticos

dos cidadãos, observados ao menos até 2006.

A aplicação de conceitos e a busca de referências valorativas em uma pesquisa

específica em determinado período tem suas conclusões condicionadas às circunstâncias de sua

realização (ROSE, 2007). A pesquisa de 2006 foi realizada pouco antes do início da campanha

para as eleições gerais daquele ano, e o apoio ao governo do momento _ o primeiro governo

Lula_ , marcado por altos índices de popularidade e com perspectivas sólidas de reeleição,

constituiu um pano de fundo importante para as referências sobre o funcionamento do sistema

em geral. Os achados desta análise devem observados à luz dos condicionantes daquele

momento.

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Anexo 1

Tabela 1. Valores sobre aspectos do sistema representativo e o presença dos militares Survey _As Eleições Brasileiras de 1982, IDESP

Obs: Pesquisa coordenada pelo IDESP (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo) nas eleições de 1982_ survey realizado em 7 capitais estaduais (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Salvador, Fortaleza). Banco de Dados do CESOP: IDE/cap82_02603. Ver ainda Souza e Dentzien, 1983.

1 Concorda mais com o voto direto 80%

2 Concorda mais com o voto indireto 17.8

Uns dizem que: a melhor solução para o Brasil é o próximo presidente, que vai ser eleito em 1985, pelo povo, em voto direto. Outros dizem que: a melhor solução para o Brasil é a eleição indireta do presidente da República pelo Congresso. Qual é a sua opinião?

3. Discorda de ambas

2,2

1 Deveriam ter mais poder 53.1

2 Deve ficar como está 37.4

3 Deveriam ter menos poder 7.1

Gostaria de saber sua opinião sobre a atuação do Congresso, isto é, dos deputados e senadores. O Sr.(a) acha que eles deveriam ter mais poder do que tem atualmente, que deve ficar como está ou que deveriam ter menos poder?

4 Outras respostas 2.4

1 Votaria 61.3 Se o voto não fosse obrigatório, o Sr. votaria assim mesmo ou não votaria?

2 Não votaria 38.7

1. Concorda mais que os partidos são inúteis

27.2

2 Concorda mais que os partidos prestam bom serviço

65.8

Uns dizem que: as discussões e os debates entre os partidos são inúteis, e que os partidos fazem mais mal do que bem ao país. Outros acham que: as discussões entre os partidos ajudam o povo a compreender muitos problemas e que portanto prestam um bom serviço ao país. Qual é a sua opinião?"

3 Discorda de ambas 7.0

N

4.322

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Anexo 2. Questões utilizadas nas análises multidimensionais 1) Modelo 1- Apoio à democracia 1. O Sr(a) concorda ou discorda com a seguinte afirmação: A democracia pode ter problemas, mas é o melhor sistema de governo. o Sr(a) concorda ou discorda? 2. Gostaria que o Sr(a) me dissesse com qual dessas três afirmações o Sr(a) concorda mais a) A democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo. b) Em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do que um regime democrático. c) Tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura. 3. Tem gente que acha que sem partidos políticos não pode haver democracia, outras pessoas acham que a democracia pode funcionar sem partidos políticos. O que você acha? a) Sem partidos não pode haver democracia b) A democracia pode funcionar sem partidos 4.O que é melhor, um presidente da República que...? a) Seja identificado com um partido político ou b)Um presidente que não dê importância para os partidos 5.. Na sua opinião, os partidos políticos são a)Indispensáveis à democracia b)Só servem para dividir as pessoas c)Outras respostas 6. O Congresso Nacional é formado por deputados federais e senadores eleitos pelo povo. Tem gente que acha que sem Congresso Nacional não pode ter democracia, enquanto outras pessoas acham a) Sem Congresso Nacional não pode haver democracia b) A democracia pode funcionar sem Congresso Nacional 7.. Você acha que o Brasil precisa do Congresso Nacional, isto é, da Câmara de Deputados e do Senado, ou nós poderíamos passar bem sem ele? a) O país precisa da Câmara dos Deputados e do Senado b) Poderíamos passar bem sem a Câmara de Deputados e Senado 8) Se o voto não fosse obrigatório, você votaria nas próximas eleições para Presidente da República? Sim Não

9.. Você acha que: 1 A maneira como as pessoas votam pode fazer com que as coisas 2 Não importa como as pessoas votam, não fará com que as coisa 2) Modelo 2 _ Apoio à democracia (questões adicionais) 1) Na sua opinião, o presidente Lula está fazendo um governo: 1 Muito bom 2 Bom 3 Regular 4 Ruim 5 Muito Ruim 2) E quanto à situação econômica do Brasil no governo Lula - desde janeiro de 2003 - Você diria que a situação econômica do país melhorou, piorou ou ficou igual ao que era antes? 1 Melhorou 2 Ficou igual 3 Piorou 3)E durante o governo FERNANDO HENRIQUE - entre janeiro de 1994 e dezembro de 2002 - Você diria que a situação econômica do país melhorou, piorou ou ficou igual em relação ao que era antes? 4) E em comparação com os últimos 10 anos dos governos militares, no tempo dos generais Geisel e Figueiredo, Você diria que a situação econômica atual ... ao que era antes? 5) Falando dos direitos humanos, a situação, durante o governo de FERNANDO HENRIQUE ... em relação ao que era antes? 6) E no governo de Lula, você diria que a situação dos direitos humanos ... em relação ao que era antes? 7) E em comparação com os últimos 10 anos dos governos militares no tempo do generais Geisel e Figueiredo, a situação atual dos direitos humanos no Brasil ...: 8) Falando de corrupção e tráfico de influência: No governo FERNANDO HENRIQUE essas coisas ... ao que era antes? 9)E no governo Lula, falando de corrupção e tráfico de influência, as coisas ... ao que era antes? era antes? 10) E em comparação com os últimos 10 anos dos governos militares no tempo dos generais Geisel e Figueiredo, à corrupção e tráfico de influência, as coisas ... ao que era antes?

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3) Modelo sobre avaliação do desempenho democrático 1) Você diria que está muito satisfeito, satisfeito, pouco satisfeito ou nada satisfeito com o funcionamento da democracia no Brasil? 2) Como você acha a democracia no Brasil? uma democracia plena, uma democracia com pequenos problemas, uma democracia com grandes problemas, ou o Brasil não é uma democracia1 O Brasil é uma democracia plena a) Uma democracia com pequenos problemas b) Uma democracia com grandes problemas c) O Brasil não é uma democracia d) Não sei o que é uma democracia

3) Na sua opinião, o presidente Lula está fazendo um governo: 1 Muito bom 2 Bom 3 Regular 4 Ruim 5 Muito Ruim

4) E quanto à situação econômica do Brasil no governo Lula - desde janeiro de 2003 - Você diria que a situação econômica do país melhorou, piorou ou ficou igual ao que era antes? 1 Melhorou 2 Ficou igual 3 Piorou

5) Você acredita que as eleições no Brasil são limpas ou são objeto de fraude? 1 As eleições são limpas 2 São objetos de fraude

6) Como você avalia a situação econômica do país hoje? 1 Muito boa 2 Boa 3 Regular 4 Ruim 5 Muito Ruim 7) E no próximo ano, a situação econômica do país será: 1 Muito melhor 2 Um pouco melhor 3 Igual 4 Um pouco pior 5 Muito pior

8) A sua situação econômica atual e a de sua família é: 1 Muito boa 2 Boa

3 Regular 4 Ruim 5 Muito Ruim

9) E nos próximos 12 meses, você acha que a sua situação econômica e da sua família será ... que a situação econômica que vocês tem hoje? 1 Muito melhor 2 Um pouco melhor 3 Igual 4 Um pouco pior 5 Muito pior 10)Pensando em sua situação econômica de hoje e comparada com a de 10 anos atrás, você diria que ela ... em relação ao resto dos brasileiros? 1 Melhorou muito 2 Melhorou um pouco 3 Permaneceu igual 4 Piorou um pouco 5 Piorou muito 11) O salário que você ganha e o total de rendimentos de sua família lhe permite cobrir satisfatoriamente suas necessidades? Por favor, me indique em qual das seguintes situações Você se encontra? 1 É suficiente, permite economizar 2 É suficiente, não tenho grandes dificuldades 3 Não é suficiente, tenho dificuldades 4 Não é suficiente, tenho grandes dificuldades

12)Como você avalia os serviços públicos do pais em ao relação serviço de (...) Você acha que é: Habitação Saúde Transportes Polícia Educação Seguro-desemprego Esgoto e saneamento Previdência social

13) Gostaria que você avaliasse a atuação de cada uma das seguintes instituições Igreja Forças armadas Poder judiciário Polícia Congresso Nacional Partidos políticos Televisão Sindicatos Empresários Governo Presidente Bombeiros Leis do país

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1

IV.

DESAFIOS DA MAIORIDADE DAS ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS1

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

In memoriam de Maria Dalva Kinzo2

INTRODUÇÃO

Vinte e um anos após a primeira eleição para presidente da República depois do

retorno da democracia no Brasil, 135 milhões de eleitores escolheram o governo do país

para os próximos quatro anos, em 3 de outubro de 2010; ao mesmo tempo, escolheram os

representantes encarregados de defender seus interesses e preferências no parlamento.

Nem sempre eleições majoritárias e proporcionais coincidiram no país, mas os resultados

dessas duas décadas de ciclos eleitorais regulares, previsíveis e livres – controlados por um

órgão de monitoramento independente como a Justiça Eleitoral - apontam para a

consolidação de duas características fundamentais do regime democrático, a participação

do demos e a contestação política (DAHL, 1971). Enquanto no primeiro caso a expansão do

sufrágio no país, em comparação com as últimas eleições do período democrático anterior,

representou a inclusão quase da totalidade da população adulta na polity (ver gráfico 1), a

intensa competição política dos anos 90 e desta década deu origem ao atual

multipartidarismo, um sistema não tão moderado quanto suas origens prenunciavam, mas

capaz de garantir a alternância no governo de diferentes contendores políticos (KINZO,

2004; RODRIGUES, 2002).

Temos razões de sobra, portanto, para celebrar a consolidação da democracia

eleitoral no país. A participação eleitoral dos brasileiros, apoiada na valorização do voto

como meio de influir nos negócios públicos - como revelado por diferentes pesquisas de

opinião (MOISÉS, 1995; 2008A; MENEGUELLO, 2010) -, indica que os cidadãos estão hoje

mais mobilizados para exercer a sua cidadania política, embora se mostrem também, em

aspectos bastante importantes, mais críticos e mais severos no julgamento da vida pública

do que no início da democratização. O regime democrático brasileiro convive, assim, com

1 Capítulo de livro organizado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo para celebrar 20 anos de eleições

democráticas no Brasil (Imprensa Oficial de São Paulo, no prelo). 2 Maria Dalva Kinzo foi professora do Departamento de Ciência Política da USP (1987-2009) e, especialista no

estudo do sistema partidário, escreveu importantes contribuições sobre os partidos políticos brasileiros.

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2

um paradoxo: enquanto a participação e a adesão normativa à democracia tem sido

crescentes nas últimas duas décadas3, os índices de desconfiança de instituições

democráticas verificados desde os primeiros anos após o fim do ciclo autoritário

permanecem elevados e, em alguns casos, têm aumentado significativamente, sinalizando

a existência no Brasil de uma cisão na percepção pública da democracia como um ideal e

como realização prática. O fenômeno não diz respeito à credibilidade em eleições, mas

coloca em questão o desempenho de algumas instituições cujos mandatos são preenchidos

através delas4. A questão se refere menos à saudável desconfiança de quem governa

(titulares de cargos executivos e representantes) - importante para monitorar o seu grau de

responsividade5 -, e mais à descrença do como ou do modo de funcionar de instituições cuja

missão é assegurar e tornar efetivos direitos de cidadania.

A desconfiança política atinge quase todas as instituições públicas brasileiras, mas

ela é particularmente mais severa no caso dos partidos políticos e do parlamento6. Por isso,

ao atingirmos a maioridade do ciclo de eleições democráticas do país, isso aponta para um

desafio para a democracia representativa: embora usualmente haja cooperação entre os

poderes republicanos, o executivo e o legislativo não têm as mesmas funções institucionais

no regime de separação de poderes e, para bem desempenhar o que deles se espera, têm

de preservar a autonomia e a independência entre ambos; já quanto aos partidos políticos,

além de funcionar como elementos de agregação e articulação de interesses e preferências

dos eleitores, espera-se que operem como elo de mediação entre a sociedade civil e o

Estado. As funções de agregação e de articulação per se são insuficientes se não forem

completadas por aquelas de expressão e representação da contraditória diversidade que

caracteriza as sociedades complexas e desiguais como o Brasil. Isso significa que, ao

atuarem no parlamento em nome dessa diversidade, levando para dentro do sistema

político as demandas e aspirações tanto da maioria como das minorias (MILL, 1964), não se

espera que os partidos funcionem apenas na arena decisória, como garantia de

3 Pesquisas de cultura política realizadas pelo autor entre 1989 e 2006 mostram que, um ano após a promulgação

da Constituição de 1988, apenas 46% dos entrevistados preferiam a democracia à ditadura, mas esse índice cresceu ao longo das últimas duas décadas e alcançou mais de 74% em 2006 (Moisés, 2008a). 4 A pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2005-2009), coordenada por José Álvaro

Moisés e Rachel Meneguello da Unicamp, mostrou que as instituições do executivo, do legislativo e do judiciário são objeto de altos índices de desconfiança dos brasileiros, em alguns casos, ultrapassando 2/3 dos entrevistados. O acesso ao banco de dados pode ser obtido através de solicitação ao NUPPs/USP. 5 Responsividade (responsiveness) é o conceito utilizado pela literatura anglo-saxão para se referir à obrigação de

governos e representantes de tomar decisões quanto a políticas públicas em consonância com as demandas e expectativas dos membros da comunidade política. 6 Dados de survey nacional realizado no âmbito da pesquisa citada na nota 3 indicam que, em 2006, mais de 78%

dos entrevistados desconfiavam do Congresso Nacional e cerca de 82% desconfiavam dos partidos (Moisés, 2010a).

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3

governabilidade de alianças ou coalizões governamentais formadas no presidencialismo de

coalizão (ABRANCHES, 1988; SANTOS, 2003; CINTRA, 2007).

Governabilidade é um requisito indispensável da governança democrática, como

corretamente têm observado alguns analistas (FIGUEIREDO E LIMONGI, 1999), mas o seu

preço não pode ser os partidos e os parlamentos deixarem de exercer plenamente as suas

funções no sistema de accountability que compõe a estrutura da democracia

representativa; nesse regime, as instituições de representação complementam a chamada

accountability vertical - isto é, o escrutínio direto dos governantes exercido pelos eleitores

através do voto. Aos partidos e parlamentos são atribuídas funções constitucionais de

controle e fiscalização do exercício do poder e da responsabilização de quem governa

perante a opinião pública e o judiciário – trata-se, nesse caso, da accountability horizontal, à

qual ainda se soma a accountability social (O´DONNELL, 2005; SMULOVITZ E PERUZZOTTI,

2005). Enquanto a accountability vertical supõe algum grau de informação e conhecimento

dos eleitores do que está em jogo nas disputas eleitorais, a accountability horizontal implica

na inexistência de obstáculos ou estímulos à inação na relação do legislativo com o

executivo e, ao mesmo tempo, na capacidade dos partidos de sinalizarem para a sociedade

as alternativas existentes de manutenção ou mudança do status quo. São mecanismos

institucionais complementares que perdem o seu sentido se um deles faltar.

Eleições democráticas, competitivas e livres, como as que o país vem realizando nas duas

últimas décadas, são um elemento essencial da complexa dinâmica política que diferencia a

democracia de suas alternativas. Por um lado, asseguram a inclusão do demos, nos termos

de Dahl (1971), e, por outro, dão expressão às diferentes perspectivas existentes na

sociedade através da organização de partidos (BOBBIO, 2000). Uma pergunta, no entanto,

deriva desse quadro: consolidada a democracia eleitoral no país, ela é suficiente para

assegurar as expectativas que a sociedade deposita no regime democrático como um ideal?

Este capítulo pretende discutir a relação entre democracia eleitoral e democracia efetiva no

quadro das mudanças políticas ocorridas no país nos últimos 21 anos. A preocupação

central do texto é com as implicações dos avanços eleitorais para o aperfeiçoamento da

democracia representativa e, em particular, para a avaliação de alguns dos principais

problemas enfrentados pelo sistema partidário e pelo parlamento no Brasil. O texto está

organizado em três seções: a primeira discute as inovações analíticas introduzidas pela

abordagem da qualidade da democracia em relação às definições usuais do conceito; a

segunda retoma as análises de autores como Kinzo (2004) e Nicolau (2002) sobre as

implicações da participação eleitoral no Brasil contemporâneo; e a terceira debate alguns

dos principais problemas envolvidos na relação entre partidos e parlamento após a

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4

democratização. A conclusão aponta para a atualidade da reforma política como meio de a

democracia representativa enfrentar os seus desafios no momento em que o ciclo de

eleições democráticas do país chega à sua maioridade.

A QUALIDADE DA DEMOCRACIA

A experiência internacional confirma que eleições são indispensáveis para a

existência da democracia, mas a análise dos processos de democratização dos últimos 40

anos, em várias partes do mundo, mostrou que elas não garantem per se a instauração de

um regime político capaz de assegurar princípios fundamentais como o primado da lei, o

respeito aos direitos civis, políticos e sociais dos cidadãos e o controle e a fiscalização de

governos. Apesar de sinalizar que o antigo regime terminou e que, doravante, a escolha de

quem governa está submetida ao princípio da soberania popular, a vigência de eleições não

tem impedido que, em vários casos, mesmo evoluindo no sentido de garantir a

governabilidade, democracias eleitorais não atendam necessariamente a todos os critérios

segundo os quais um sistema político autoritário se transforma em democrático. No Leste

Europeu, na Ásia e na América Latina, países que consolidaram processos eleitorais

competitivos convivem com a existência de governos que violam os princípios de igualdade

perante a lei, usam a corrupção e a malversação de fundos públicos para realizar objetivos

privados e dificultam ou bloqueiam o funcionamento dos mecanismos de accountability

vertical, social e horizontal. Nesses casos, o que está em questão não é se a democracia

existe, mas a sua qualidade (SHIN, 2005; MORLINO, 2002; DIAMOND E MORLINO, 2005;

O’DONNELL, CULLELL E IAZETTA, 2004; SCHMITTER, 2005; LIPJHART, 1999).

É por essa razão que a definição de democracia voltou a ocupar o debate político

contemporâneo. Apesar das controvérsias herdadas do século XIX, a literatura sobre as

experiências recentes de democratização classificou-a como um fenômeno de natureza

multidimensional que envolve eleições, diferentes instituições e a cultura cívica dos

cidadãos. Enquanto o significado mais usual de democracia, na literatura especializada, se

refere preferencialmente aos procedimentos e aos mecanismos competitivos de escolha de

governos através de eleições, outras abordagens do fenômeno democrático ampliaram a

compreensão do conceito, incluindo tanto as suas dimensões institucionais como aquelas

que se referem aos conteúdos da democracia e os seus resultados práticos no terreno da

economia e da sociedade.

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5

Sob a influência das abordagens minimalista de Schumpeter (1961) e

procedimentalista de Dahl (1971), vários autores definiram a democracia em termos de

participação, competição e contestação pacífica pelo poder. Assim, o estabelecimento de

um regime democrático implicaria basicamente em condições mínimas como: 1) direito dos

cidadãos escolherem governos por meio de eleições com a participação de todos os

membros adultos da comunidade política; 2) eleições regulares, livres, competitivas e

abertas; 3) garantia de direitos de expressão, reunião e organização, em especial, de

partidos políticos para competir pelo poder; e 4) acesso a fontes alternativas de informação

sobre a ação de governos e o processo político. Essa definição explicita porque qualquer

sistema político que não se baseie em processos competitivos de escolha de autoridades

públicas, capazes de torná-las dependentes do voto da massa de cidadãos, isto é, do

mecanismo de accountability vertical, não pode ser considerado uma democracia.

Mas a ênfase minimalista de Schumpeter e de seus seguidores é vulnerável ao que

outros autores classificaram como “falácia eleitoralista”, isto é, a tendência de se privilegiar

as eleições sobre outras dimensões da democracia (KARL, 2000). De fato, ao definir a

democracia essencialmente como um método de escolha de governos entre elites que

competem pela posição, a vertente minimalista dá pouca importância ao que acontece com

as demais instituições durante a democratização. Instituições como o parlamento, os

partidos, o judiciário ou a polícia podem funcionar de forma deficitária ou incompatível com

a doutrina da separação de poderes, mesmo convivendo com um regime de regras

eleitorais. Exemplos recentes são os casos da Rússia, do Irã, do Paquistão e, no contexto

latino-americano, do Peru sob Fujimori, da Bolívia e do Equador na fase de decisão de suas

novas constituições, e da Venezuela sob Chávez. Nesses casos, freqüentemente a oposição

não apenas tem sido impedida de competir em condições de igualdade – o que contraria os

critérios das abordagens citadas antes - como não encontra amparo em instituições como a

policia judiciária, o ministério público, o próprio poder judiciário ou o parlamento, quando,

por exemplo, restrições à liberdade de imprensa e/ou à mídia eletrônica constrangem o

direito de participação e o acesso dos cidadãos a informações alternativas sobre o processo

político.

Por outra parte, ao discutir os procedimentos democráticos, Robert Dahl (1971)

ampliou a definição do conceito com sua análise das poliarquias, mostrando que para que o

princípio de contestação do poder esteja assegurado é também indispensável que a

participação dos cidadãos na escolha de governos seja universal e assegure a possibilidade

de que eles próprios possam ser escolhidos para formá-los. Outra característica central da

democracia, para o autor, é a exigência de responsividade de governos e lideranças políticas

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diante dos cidadãos. Essas condições envolvem garantias relativas ao direito de

organização e representação da sociedade civil, em especial, em partidos políticos, através

dos quais se supõe que a pluralidade de concepções e interesses que constituem a

sociedade possam se expressar. Mas elas implicam também na necessidade de que

princípios internalizados em instituições – como a noção de equilíbrio entre poderes ou o

respeito aos direitos de minorias – sejam garantidos por uma constituição aceita como

legítima pela sociedade, ou seja, pela dimensão jurídico-legal relativa a valores

compartilhados pela maioria dos membros da comunidade política. Embora essa visão faça

referência a conteúdos da democracia, a sua ênfase mais importante são os procedimentos

democráticos, cujo funcionamento depende da existência e do desempenho de instituições

criadas para esse fim.

Uma perspectiva concorrente, embora complementar às outras, define a

democracia em termos de sua qualidade, tornando mais central o foco nos conteúdos do

regime democrático. Utilizando-se de uma analogia com o funcionamento do mercado, o

conceito refere-se à qualidade do produto ou serviço produzido segundo procedimentos,

conteúdos e resultados singulares. A qualidade envolve processos controlados por

métodos e timing precisos, singulares, capazes de atribuir características específicas ao

produto ou serviço oferecido para satisfazer as expectativas de seus consumidores

potenciais. No caso da democracia, espera-se que esse regime seja capaz de satisfazer as

expectativas dos cidadãos quanto à missão que eles atribuem aos governos (qualidade de

resultados); à garantia de seus direitos de associação e de gozo da liberdade e da igualdade

políticas necessárias para que possam alcançar seus interesses e preferências (qualidade de

conteúdo); e à existência de mecanismos institucionais, de escolha de governantes e de

checks and balances, destinados a capacitar os cidadãos a avaliar e julgar o desempenho de

governos e de representantes escolhidos (qualidade de procedimentos). Instituições e

procedimentos são vistos, então, como meios de realização de princípios, conteúdos e

resultados esperados pela sociedade do processo político. Além disso, a exigência de

participação dos cidadãos envolve a existência de graus de cultura cívica capazes de

legitimar e dar vitalidade ao sistema.

Com base nesses pressupostos, Diamond e Morlino (2005) identificaram oito

dimensões segundo as quais a qualidade da democracia pode variar. As cinco primeiras

correspondem a regras de procedimentos, embora também sejam relativas ao seu

conteúdo: o primado da lei, a participação e a competição políticas, e as modalidades de

accountability (vertical, social e horizontal); as duas seguintes são essencialmente

substantivas: de um lado, o respeito por liberdades civis e os direitos políticos e, de outro,

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como conseqüência do anterior, a garantia de igualdade política e de seus correlatos, como

a igualdade social e econômica; por último, é mencionado um atributo que integra

procedimentos a conteúdos, ou seja, a responsividade de governos e dos representantes,

por meio do que os cidadãos podem avaliar e julgar se as políticas públicas, assim como o

funcionamento prático do regime (leis, instituições, procedimentos e estrutura de gastos

públicos) correspondem aos seus interesses e preferências. Embora esta perspectiva defina

a democracia fundamentalmente em termos dos seus princípios e conteúdos mais

importantes, o que supõe a percepção dos cidadãos a seu respeito, fica claro que ela faz a

integração de procedimentos institucionais a conteúdos, sem deixar de se referir aos

resultados práticos do regime com base no pressuposto de que a igualdade social e

econômica pode ser alcançada se e quando a igualdade política for efetiva. A noção de

qualidade da democracia tem exigências, portanto, que vão além da simples

institucionalização de eleições livres e competitivas; essas são meios de afirmar e garantir

direitos de cidadania em decorrência da participação popular, mas também, fator propulsor

de condições institucionais que estabelecem o equilíbrio entre os poderes e a obrigação de

governos e representantes prestarem contas de suas ações; é quanto a isso que o papel

dos partidos políticos e do parlamento é indispensável.

IMPLICAÇÕES DA PARTICIPAÇÃO ELEITORAL

Sem precedentes na história do país, a expansão do sufrágio a partir de 1982 -

quando se realizaram as primeiras eleições diretas para governos de Estados, após a

interrupção imposta pelo regime autoritário (1964-1985) -, é um marco da democratização

brasileira. Nesse sentido, três questões são examinadas a seguir: a expansão do eleitorado

brasileiro nesse período, o impacto dessa expansão para o advento da democracia, e os

limites da participação eleitoral em uma sociedade marcada por desigualdades econômicas

e sociais.

Contrastando com o fato de que menos da metade da população adulta era

apta a votar nas eleições de 1960 (15,5 milhões), o eleitorado em 1982 tinha crescido quase

quatro vezes, representando agora perto de 60% da população adulta do país (59 milhões).

Mas o crescimento mais expressivo de eleitores potenciais ocorreu após a universalização

do direito de voto estabelecida com a inclusão política dos analfabetos em 1985, direito que

se ampliou ainda mais com a Constituição de 1988, a qual reduziu para 16 anos a idade

mínima para votar (embora o voto seja facultativo para os que não atingiram 18 anos de

idade). A obrigatoriedade do voto, tornando compulsória a inscrição e a participação

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eleitoral, está na base do crescimento observado, mas a inclusão de novos contingentes na

comunidade política resultou de pressões para o aprofundamento do processo de

democratização.

Como mostram os dados do gráfico 1, em 1989, na primeira eleição presidencial

após o fim do ciclo militar, o Brasil já tinha mais de 82 milhões de eleitores, ou seja, cinco

vezes a mais do que em 1960 e quase 25 milhões a mais do que nas eleições de

governadores em 1982; entre 1994 e 2002, o número de eleitores chegou a 94 milhões, e

atingiu 125 milhões nas eleições de 2006; em abril de 2010, segundo informações do

Tribunal Superior Eleitoral, estavam aptos a exercer o direito de voto nada menos que 134

milhões de brasileiros, totalizando agora 95% da população adulta. Isso faz do Brasil uma

das cinco maiores democracias de massa do mundo, só comparável a países como a Índia,

Estados Unidos, Indonésia e Federação Russa (embora onde o voto é voluntário, como nos

Estados Unidos, o comparecimento dos eleitores raramente ultrapasse 50%). A primeira

grande implicação dessa realidade é que o advento da democracia eleitoral de massas no

Brasil - qualificada pelo aperfeiçoamento da legislação relativa ao controle da tutela, da

compra de votos e dos gastos eleitorais, e pelo criterioso monitoramento da Justiça

Eleitoral -, acelerou a dissolução – malgrado algumas poucas sobrevivências - de estruturas

oligárquicas de poder, outrora associadas ao coronelismo, ao patrimonialismo e à influência

de chefes políticos locais (LEAL, 1993; VIANNA, 1952). O crescimento do número de

eleitores não elimina per se tais fenômenos, mas torna muito mais difícil e complexa a

possibilidade de tutela sobre o voto ou o uso aberto de corrupção eleitoral7.

7 Afora o crescimento do eleitorado, a corrupção eleitoral no país vem sendo cada vez mais enfrentada devido à

promulgação da Lei de Improbidade Administrativa, de 1999, resultado de uma iniciativa popular, da mesma forma que a chamada Lei da Ficha Limpa que acaba de ser aprovada pelo Congresso Nacional. Com base na primeira, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato de 3 governadores e inúmeros prefeitos acusados de compra de votos; com base na segunda, pessoas que infringiram a lei não poderão se candidatar. Tais avanços mostram que a cultura política dos brasileiros está em mudança, que a reforma política é possível e está sendo realizada por iniciativa da sociedade civil com apoio da Justiça Eleitoral [com base em instrumentos como a iniciativa popular de lei (vide a respeito, Moisés, 1990)].

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Gráfico 1 - Eleitorado Brasileiro 1960 - 2010

Fonte: TSE

Mas a ampliação do sufrágio a partir de 1982 tem de ser vista tanto em sua

dimensão quantitativa como qualitativa. Impulsionado pelas transformações que estavam

ocorrendo na economia e na sociedade nos anos 70 e 80, com a intensificação dos

processos de industrialização e urbanização do país, o crescimento do eleitorado, que

agora recuperava parcialmente seus direitos políticos, levou ao aprofundamento do

significado plebiscitário que as eleições vinham adquirindo desde 1974, quando, pela

primeira vez, em mais de 10 anos, o regime autoritário foi derrotado pela oposição

parlamentar, representada pelo MDB, nas eleições para o Senado Federal. Em 1982, quando

algumas regras eleitorais foram liberalizadas pelo regime, sob pressão da sociedade, foram

eleitos vários governadores oposicionistas, como Franco Montoro, em São Paulo, e

Tancredo Neves, em Minas, aos quais, junto com o deputado paulista Ulisses Guimarães,

coube liderar nos anos seguintes a mais expressiva mobilização política de massas da

história brasileira, o movimento por “Diretas Já”, que propugnava pelo direito de os

presidentes da República serem escolhidos pelo voto popular. Embora a emenda

constitucional que abolia o voto indireto não tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional,

onde o governo militar tinha maioria, o movimento ampliou as bases sociais de apoio da

oposição parlamentar e de algumas das suas principais lideranças, as quais conduziriam o

processo de negociações que marcaram a transição política e levaram à instalação da Nova

República, em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência da

República (LAMOUNIER, 2005).

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Os maiores contingentes de eleitores brasileiros estavam concentrados, agora,

nas grandes cidades e, nos anos seguintes, passaram a exercer influência decisiva nos

resultados das eleições. Mesmo considerando-se que a maioria desse novo eleitorado

detinha níveis muito baixos de escolaridade e, em conseqüência, níveis limitados de

informação política, ao se deslocar da zona rural e das pequenas cidades do Brasil profundo

para os centros urbanos médios e metropolitanos, esse eleitorado passou a decidir as

eleições (KINZO, 2004). Esse foi o cenário político-geográfico que deu origem ao

ressurgimento da sociedade civil e a emergência de novos movimentos sociais - como o

chamado “novo sindicalismo” (MOISÉS, 1982) e o associacionismo das novas corporações

profissionais (LAMOUNIER, 2005) -, os quais, surgidos em grande parte no Estado de São

Paulo, deram origem, com base na participação de trabalhadores industriais e da classe

média, aos que viriam a ser alguns dos mais importantes partidos da política brasileira

contemporânea, o PT e o PSDB. Em anos recentes, essa concentração geográfica do

eleitorado nas áreas mais modernizadas do país, do ponto de vista econômico e social,

traduziu-se também na concentração de quase 60% dos eleitores, como mostra a tabela 1,

nos estados das regiões Sudeste e Sul do país. Isso explica, embora não exclusivamente, o

fato de em 16 anos de um total de duas décadas de democracia o país ter sido governado

por presidentes paulistas que, ao mesmo tempo, foram fundadores daqueles dois partidos.

Tabela 1 . Eleitorado Brasileiro por Região (2010)

Região Eleitorado %

SUDESTE 58.384.124 44

NORDESTE 36.091.327 27

SUL 20.091.480 15

NORTE 9.796.530 7

CENTRO-OESTE 9.547.231 6,92

EXTERIOR 169.825 0,09

TOTAL 134.080.517 100

Fonte: TSE (abril de 2010)

A universalização da participação eleitoral, no entanto, tem limites que devem

ser considerados. O voto obrigatório no Brasil envolve uma importante controvérsia por ele

ser visto, às vezes, como um dever prejudicial à liberdade de participação dos cidadãos. Um

dos aspectos mais críticos disso se refere ao comparecimento dos eleitores ou ao que

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alguns autores chamaram de não-participação (NICOLAU, 2002). Embora as taxas de

entrevistados de pesquisas de opinião que afirmam que votariam mesmo se o voto não

fosse obrigatório oscilem entre 45 e 50% desde meados dos anos 80 (MOISÉS, 1995), os

percentuais de eleitores que votam em branco ou anulam seu voto é considerado

excessivamente alto, e devido, em parte, à obrigatoriedade do voto e aos baixos níveis de

escolaridade do eleitorado. Na primeira democracia de massas (1946-1964), a taxa de votos

brancos e nulos oscilou abaixo de 10% dos votantes, mas quando em 1962 a Justiça Eleitoral

introduziu uma cédula oficial para as eleições proporcionais, não sendo mais permitida a

utilização de cédulas oferecidas pelos partidos como antes, a proporção de eleitores que

votou em branco ou anulou seu voto saltou para quase 18%; durante o regime militar essa

taxa cresceu mais, chegando a 22%, mas em 1970, quando houve uma intensa campanha a

favor da anulação do voto como forma de protesto contra o regime, votos brancos e nulos

somaram mais de 30% do total. Ou seja, fatores políticos, além daqueles ligados a

dificuldades dos mecanismos eleitorais, influíram nos resultados.

Após a democratização, no entanto, as taxas foram particularmente altas nas

eleições para a Câmara dos Deputados, saltando de 28% em 19868 para quase 44% em 1990 e

mais de 41% em 1994, algo que diferenciava o comportamento dos eleitores em eleições

proporcionais e aquelas para cargos majoritários. Muitas vezes essa diferença foi

interpretada como desinteresse dos cidadãos por instituições como a Câmara dos

Deputados, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais, mas os índices de votos

brancos e nulos começaram a cair a partir de 1998, quando foi introduzido o voto eletrônico

no país, o que reduziu drasticamente a complexidade do ato de votar e a possibilidade de

fraudes; desde então as taxas oscilaram entre 20%, naquele ano, e 10,% em 2006, com clara

tendência de queda; um dos aspectos mais importantes dessa mudança reside no fato de

que o declínio de votos brancos e nulos foi acompanhado de um significativo crescimento

de votos dados a candidatos ou partidos políticos, revelando novo interesse dos eleitores

nos objetos de sua escolha eleitoral. Em sua análise, Nicolau (2002) sustentou que a taxa de

não-participação dos eleitores brasileiros era muito alta quando comparada - com base em

eleições legislativas dos anos 90 -, com as taxas de outros países onde o voto também é

compulsório e, mais ainda, com as taxas de países em que esse direito é voluntário:

enquanto a média de não-participação de 53 países, naqueles anos, não ultrapassava a 3,6%,

a média dos demais países de voto obrigatório era de 7,4%, mas o Brasil sustentava taxas

8 A cédula utilizada a partir de 1986, antes da introdução da urna eletrônica, foi considerada uma das mais

complexas do mundo, pois, além de solicitar um grande número de escolhas de parte do eleitor, supunha que ele escrevesse o nome do candidato em quem desejava votar, o que esbarrava nos limites representados pela baixa escolaridade da maioria do eleitorado (NICOLAU, 2002).

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em torno de 20% que, contudo, nas eleições da primeira década do século atual diminuíram

(ver gráficos e tabelas na seção seguinte).

Gráfico 2 . Votação para a Câmara dos Deputados 1982 – 2006

Fonte: TSE

Uma forma alternativa de medir a participação eleitoral consiste em observar a

taxa de abstenção dos eleitores, isto é, o percentual dos que não comparecem sobre o total

de eleitores oficialmente inscritos. Em vinte anos de eleições para a Câmara dos Deputados,

apesar das oscilações verificadas, essa taxa se multiplicou por mais de três: foi 5% em 1986,

14,2% em 1990, 17,2% em 1994, 21,4% em 1998, 17,7% em 2002 e 16,7% em 2006, segundo dados

do TSE. O não-comparecimento, no entanto, tem de ser examinado com cautela, pois, com

base no que estabelece a lei, os eleitores faltosos podem justificar a sua ausência, indicando

que o seu absenteísmo não significa necessariamente uma decisão de não participar; os

dados disponíveis, contudo, mostram que enquanto nas eleições de 1989 e 1990 o

percentual dos faltosos que se justificou foi de pouco mais de 60% a cada ano, em 1998

menos de 27% apresentou justificação por não ter ido votar, e em 2000, só 32% o fizeram.

Isso sugere que um contingente de 2/3 dos absenteístas, nesses últimos anos, não quis ou

não tinha razões para justificar a sua ausência; por isso, se a título de hipótese se admitir

que metade deles não compareceu por não desejar participar do processo eleitoral, as

taxas de não-participação, somando os votos brancos, nulos e a outra metade das

abstenções, chegariam em 2002 a 16% e, em 2006, a quase 19%. Nicolau (2002) observou

que, comparada à de outros países, a taxa de abstenção brasileira é “normal”, mas a

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avaliação hipotética sugerida antes mostra que essa conclusão sobre o comportamento

eleitoral dos brasileiros é discutível.

Embora a obrigatoriedade do voto possa explicar parte desse quadro, uma vez

que seu caráter compulsório poderia ser responsável pela decisão de parte dos eleitores de

protestarem votando em branco, anulando seu voto ou simplesmente se abstendo, esse

não é o único fator que conta. Os analistas têm apontado - além da complexidade da cédula

ou dos modos de votação em diferentes eleições -, os baixos níveis de escolaridade da

maior parte dos inscritos como causa de rasuras, erros, sinais de anulação, o voto em

branco ou mesmo a abstenção (NICOLAU, 2002; KINZO, 2004). As diferenças de acesso à

educação constituem fator apontado também pela literatura internacional para explicar a

participação eleitoral em outros países e, no caso do Brasil, elas traduzem as enormes

desigualdades econômicas e sociais que ainda caracterizam a sociedade brasileira. Como

mostra a tabela 3, o contingente de eleitores, na atualidade, que se declaram analfabetos,

alfabetizados funcionais e detentores do 1º. grau incompleto de escolaridade chega a 54%,

mas, se a eles foram somados os que não informaram o seu grau de instrução (0.12%) e os

que apenas completaram o 1º. grau (7,6%), esse contingente chega a 62%.

Tabela 2. Eleitorado Brasileiro por Gênero e Escolaridade – 2010

Grau de instrução Masculino %M/T Feminino %F/T Não informado

%N/T Total %T/TT

Não informado 70.422 45.8 78.875 51.05 5.195 3.36 154.492 0.12

Analfabeto 3.736.497 46.72 4.248.426 53.13 11.927 15 7.996.850 5.96

Le e Escreve 10.020.506 50.54 9.721.426 49.03 84.394 43 19.826.326 14.79

Primeiro Grau Incompleto

22.606.913 50.72 21.943.371 49.23 23.895 .05 44.574.179 33.24

Primeiro Grau Completo

5.019.396 48.99 5.217.256 50.9 8.727 9 10.245.379 7.64

Segundo Grau Incompleto

11.806.207 47.13 13.241.958 52.86 4.120 .02 25.052.285 18.68

Segundo Grau Completo

7.330.184 41.88 10.162.696 58.07 8.271 5 17.501.151 13.05

Superior Incompleto

1.686.038 46.07 1.972.337 53.89 1.405 4 3.659.780 2.73

Superior Completo

2.180.169 43 2.887.450 56.95 2.456 5 5.070.075 3.78

Total 64.456.332 48.07 69.473.795 51.81 150.390 11 134.080.517 99.99

Fonte:TSE

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É um contingente muito grande de cidadãos que, chamados a participar de

escolhas que afetam decisivamente as decisões sobre políticas públicas, contam com

recursos limitados para exercer seus direitos políticos. A sua experiência política, ao longo

da vida adulta, ajuda-os por certo a enfrentar as dificuldades decorrentes das exigências de

participação, mas a educação, mesmo sem implicar automaticamente em alta cognição

política, é uma porta de entrada para que os eleitores tenham algum senso crítico quanto

ao desempenho de seus governantes e representantes. A accountability vertical depende

disso, e não é por outra razão que a literatura especializada tem chamado a atenção, nos

últimos anos, para os riscos envolvidos na combinação de formas exacerbadas de

presidencialismo, como existe em vários países da América Latina, com polities constituídas

por eleitores com níveis muito baixos de escolaridade. Ao contrário de uma perspectiva

elitista, diferentes analistas chamaram a atenção para os riscos de neopopulismo

associados com as experiências em que os eleitores mais pobres e menos escolarizados

abrem mão de seu protagonismo político em troca de depositar confiança, às vezes cega ou

ilimitada, em lideranças que se apresentam como sendo as únicas alternativas possíveis de

avanços econômicos e sociais em seus países (mesmo quando estiveram envolvidas em

corrupção) [CARNEIRO, 2008; MOISÉS, 2010B].

Nesse sentido, cabe discutir a enorme discrepância existente nas respostas

dadas por alguns dos principais responsáveis diante desse desafio: enquanto a Justiça

Eleitoral, particularmente nos três ou quatro últimos pleitos, tem realizado um competente

trabalho de persuasão dos eleitores potenciais, através de campanhas na TV, para fazê-los

usar conscientemente os seus direitos de cidadania política, o sistema educacional

brasileiro falha quase que completamente, não só pelos limites à universalização do acesso,

mas particularmente no ensino de 2º. grau – ao menos enquanto mudanças curriculares não

foram possíveis9 -, na sua missão de introduzir os mais jovens no conhecimento do sistema

democrático e dos direitos civis, políticos e sociais que ele implica. Longe de uma

perspectiva ideológica ou normativa em sentido estrito, a informação e o ensino a respeito

do complexo funcionamento do regime democrático podem ajudar os eleitores a se

qualificar para interagir com instituições complexas como a justiça, o parlamento ou os

conselhos de saúde, educação, meio ambiente, etc, para exercer seus direitos de cidadania.

Essa tarefa terá de ser enfrentada pelos governos democráticos, nos próximos anos, e

talvez a Justiça Eleitoral sensibilize, com seu exemplo, as autoridades educacionais para

9 Após a aprovação, pelo Congresso Nacional, da inclusão de sociologia e filosofia nos currículos do 2º. grau, alguns

estados, como São Paulo, passaram a incluir conteúdos que fazem referência aos direitos de cidadania e alguns aspectos do sistema política, mas os resultados dessa mudança ainda não apareceram porque ela foi introduzida em 2009.

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essa necessidade. Mas na democracia não é apenas o sistema educacional que tem

responsabilidades quanto à educação cívica: a sociedade civil organizada, como os

sindicatos, as igrejas e a mídia impressa e eletrônica, têm papel singular na qualificação dos

eleitores e, nesse sentido, a responsabilidade dos partidos políticos é insubstituível. Os

partidos se constituem em um atalho que diminui os custos de informação dos eleitores

diante de escolhas políticas difíceis, mas isso não impede que, através de sua prática, de sua

auto-justificação pública e, em especial, de programas específicos de ação educativa (cursos

de formação, publicações, programas de TV, debate público, etc) também contribuam para

a formação cívica dos eleitores. A condição para isso, além de sua representatividade, é que

sejam autônomos e se disponham a exercer tal função.

PARTIDOS E PARLAMENTOS NO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO

O atual sistema partidário começou a surgir em 1979 quando os dirigentes do

regime militar quiseram se livrar do bipartidarismo e dividir a oposição agrupada no MDB. A

reforma política que deu origem ao pluripartidarismo levou à criação, além do PDS (em

lugar da antiga Arena) e do PMDB (no lugar da oposição parlamentar), do Partido dos

Trabalhadores - PT, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e Partido Democrático Trabalhista –

PDT. Afora o PDS, constituído majoritariamente por lideranças do Norte, Nordeste e outras

regiões, e do PDT de Brizola, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, surgido por causa de

uma disputa interna do trabalhismo, é notável que tenham sido criados em São Paulo o PT e

mesmo o PTB de Ivete Vargas, além de grande parte do PMDB. Como observado antes, foi

nesse Estado que surgiram as expressões mais significativas da sociedade civil organizada, e

a reorganização partidária refletiu essa nova realidade. Em 1986, nas eleições que

escolheram os constituintes, outros dois partidos foram registrados, o PCB e o PCdoB,

pondo fim à interdição da organização política dos comunistas que vinha desde os anos 40;

tratava-se, até esse momento, de um pluripartidarismo moderado, cuja fragmentação

pouco afetava o desempenho dos partidos na arena eleitoral. Nessa fase, a constituição

dessas novas siglas sinalizou a emergência de novas identidades políticas capazes de

sensibilizar parte significativa dos eleitores: quase metade dos entrevistados de pesquisas

de opinião nessa época declarava ter alguma identidade partidária (MOISÉS, 1995). Mas as

regras de organização dos partidos aprovadas na constituinte – em contrapartida às

imposições do período autoritário – criaram exigências muito brandas de

representatividade para sua organização e representação no parlamento, facilitando assim

o surgimento de dezenas de novas agremiações nem sempre dotadas de perfil político

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próprio e de elementos de diferenciação entre elas: entre 1982 e 1994, competiram em

eleições legislativas 68 partidos e, no final de 1995, 23 agremiações estavam representadas

no Congresso; nas eleições seguintes, embora tenha havido pequenas reversões, os

partidos somavam perto de três dezenas e, em 2010, eles eram 27, segundo o TSE. O

número efetivo de partidos, no entanto, tem oscilado no período recente entre 7 a 9, o que

reduz em parte os efeitos eleitorais de exacerbação do multipartidarismo, mas ainda torna

discutível a classificação do sistema partidário brasileiro como moderado10. A razão disso é

que, embora a existência de muitos partidos em si não envolva necessàriamente restrições

ao funcionamento do sistema político, em contextos caracterizados por maiorias de

eleitores com níveis muito baixos de escolaridade, em que a informação é uma condição da

participação popular, a existência de legendas que pouco se diferenciam entre si ou apenas

sobrevivem através das coligações que integram não facilita o processo de escolha dos

eleitores11.

A literatura especializada tem analisado o desempenho dos partidos com base

na sua atuação em duas arenas específicas, a decisória e a eleitoral. Enquanto na primeira

se trata do papel dos partidos como atores que compartilham com os governos a

formulação e as decisões de implementação de políticas públicas, para o que a legitimidade

adquirida em eleições é uma condição essencial de sua capacidade de negociar decisões

tomadas nas esferas executiva e parlamentar, na arena eleitoral os partidos competem pelo

apoio dos eleitores com o objetivo de adquirir posições de poder, mas, para isso, têm de ser

reconhecidos por eles como elos efetivos entre a sociedade civil e o Estado, pois é “por

meio desse mecanismo (...) que se forma a cadeia que vincula os cidadãos às arenas

públicas de tomada de decisões” (KINZO, 2004, P. 25). Nesse sentido, a identificação entre

eleitores e partidos é fundamental mas, na experiência brasileira recente, isso enfrenta um

limite considerável representado pelos efeitos da fragmentação que, ao constranger as

condições de formação do que Lamounier (2005) chamou de fixação estrutural do sistema

partidário – um requisito da accountability vertical -, estimula a migração (ou

“transfugismo”) de parlamentares eleitos por partidos de menor expressão para aqueles

que formam a base de apoio parlamentar utilizada pelo executivo para governar; nesse

sentido, a fragilização partidária é estimulada pela atuação de governos cujos partidos de

apoio não alcançam maioria nas eleições legislativas e que, a exemplo do que ocorreu no

10

Elaborado por Marku Laakso e Rein Taagepera (1979), o índice de partidos efetivos leva em conta o peso das maiores agremiações em relação ao das menores, traduzindo melhor a situação do sistema partidário. Uma controvérsia interessante sobre o tema pode ser encontrada em Nicolau (2005). 11

Para uma discussão das controvérsias envolvidas nessas e outras questões a respeito do sistema partidário brasileiro vide Rodrigues (2002).

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primeiro mandato do presidente Lula da Silva, formam a coalizão de governo mesmo com

partidos cujo perfil ideológico e programático discrepa completamente daquele do partido

do presidente; mas o problema não se refere somente a esse governo: entre 1983 e 1999,

de um total de 2.329 deputados federais, entre titulares e suplentes, 686 (quase 30%)

migraram para outras legendas; em 1994, mais de 64% dos 513 deputados tinham trocado

de partido ao menos uma vez (NICOLAU, 1996, APUD RODRIGUES, 2002) e, entre 2003 e

2005, 237 parlamentares, estimulados a isso, trocaram de partido, anulando a significação

do voto dados a eles pelos eleitores (RODRIGUES, 2002; LAMOUNIER, 2005); mesmo

considerando, como mostraram alguns autores, que a maior parte das migrações ocorre

dentro de blocos ideológicos supostamente semelhantes, a tendência fragiliza a conexão

entre eleitores e partidos. Essa situação, no entanto, pode estar começando a mudar com

uma recente decisão da Justiça Eleitoral em 2008, segundo a qual o mandato pertence ao

partido e não aos parlamentares, o que poderá inibir o “transfugismo”. Mas ainda será

necessário esperar alguns anos para se conhecer os efeitos dessa mudança.

Agrava ainda mais a situação descrita o sistema eleitoral proporcional adotado

no Brasil: como abundantemente discutido pela literatura, distorções importantes tornam a

distribuição de cadeiras desproporcional, com Estados da federação, a exemplo de São

Paulo, em que são necessários mais votos do que em outros para eleger um parlamentar

(SOARES, 1973; KINZO, 1981; LIMA JUNIOR, 1993; NICOLAU, 1991). O sistema proporcional

brasileiro, a despeito da recente decisão do TSE, personaliza a escolha dos representantes

populares: como cada partido pode apresentar listas abertas de candidatos até uma vez e

meia o número de cadeiras de cada Estado-distrito eleitoral (no caso de São Paulo, mais de

uma centena), além da possibilidade de coligações que praticamente dobram esse número,

o eleitor se vê à frente de várias centenas de opções para fazer sua escolha sem que, afora

escassos dados pessoais dos candidatos, conte com uma efetiva referência política para

orientar o seu voto. A conseqüência disso é que os votos dispersos que recebem em

distritos de dimensões muito grandes não apenas dificulta a identificação dos

parlamentares sobre qual é a sua constituency, à qual devem prestar contas de seu

trabalho, como cria uma distância quase intransponível entre representantes e

representados, os quais, além de rapidamente perderem a memória de a quem dedicaram

seu voto, tornam-se incapazes de exercer qualquer controle sobre os eleitos. Somam-se a

essas dificuldades as regras de cálculos de coeficiente eleitoral, coeficiente partidário e

sobras eleitorais, o que muitas vezes leva a ocuparem cadeiras parlamentares candidatos

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diferentes daqueles votados pelos eleitores (e, no caso das coligações, candidatos de

partidos diferentes dos escolhidos por eles)12 [NICOLAU, 2003; DESPOSATO, 2007].

Malgrado os efeitos negativos desse quadro, cabe mencionar, no entanto, que a

introdução do voto eletrônico, em 1998, vem sinalizando uma importante mudança na

tendência tradicional dos eleitores de darem mais atenção a cargos majoritários do que a

legislativos: como mostram as tabelas 4, 5 e 6 adiante, a partir das eleições daquele ano a

curva dos votos válidos para deputados federais, estaduais e vereadores praticamente

encontrou aquela correspondente aos votos para presidentes da República, governadores

de Estados e prefeitos (enquanto as curvas de abstenção caíram). Isso pode significar que,

diferente das interpretações mais usuais, a consolidação do processo eleitoral nos últimos

20 anos e o aperfeiçoamento da forma de votar estão contribuindo para tornar os eleitores

mais atentos aos objetos de sua escolha e, assim, potencialmente, mais interessados no seu

desempenho, o que, por si, pressiona os partidos e parlamentos a enfrentarem o desafio de

resolver os limites existentes quanto à conexão eleitoral e a representação política13.

Gráfico 4 . Votos Válidos para Presidente, Deputados Federais e Senadores - 1989-2006

Fonte: TSE

12

O coeficiente eleitoral é obtido dividindo-se o total de votos válidos (por exemplo, para Câmara dos Deputados) pelo número de cadeiras; o coeficiente partidário dividindo-se o total de votos dados aos partidos (ou coligações) pelo coeficiente eleitoral; em uma primeira etapa, um partido recebe tantas cadeiras quantas vezes atingiu o coeficiente eleitoral; como sobram cadeiras, nas etapas subseqüentes essas são distribuídas segundo a fórmula D´Hondt, ou seja, o total de votos de cada partido (ou coligação) é dividido pelo número de cadeiras obtidas mais um; os partidos com as maiores médias recebem as cadeiras não alocadas na primeira etapa. Isso significa que o voto dado aos candidatos mais votados de um partido serve para eleger os menos, sem que o eleitor tenha expresso essa vontade; no caso de coligações, o voto do eleitor em um partido pode levar a eleger candidatos de outro partido; em ambos os caso, as regras fragilizam a representação. 13

A desatenção dos eleitores aos órgãos legislativos pode contribuir para a queda da qualidade do desempenho dos mesmos, seja porque isso diminui a fiscalização e o controle da sociedade sobre eles, seja porque instituições pouco operantes não atraem os melhores entre os quadros disponíveis, mas a observação de que a atenção às eleições presidenciais leva o eleitor a descuidar das legislativas não tem mais amparo nos fatos, ao contrário do que acredita Abramo (FSP, 19/6/2010, p. A14).

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Gráfico 5 . Votos válidos para Governadores e Deputados Estaduais - 1989-2006

Fonte: TSE

Gráfico 6 . Votos válidos para Prefeitos e Vereadores - 1996-2004

Fonte: TSE

Ao mesmo tempo, em que pesem os fatores críticos mencionados antes, no que

se refere à arena propriamente decisória, uma série de pesquisas recentes tiveram grande

impacto ao demonstrar que, diferente das análises mais tradicionais, como resumido por

Rodrigues (2002), o exame do comportamento dos parlamentares na Câmara dos

Deputados revela um alto índice de disciplina quanto à orientação de seus líderes,

refletindo-se em forte coesão de seus partidos. Figueiredo e Limongi (1999; 2003) estão

entre os autores que mais contribuíram para mudar os rumos do debate sobre o sistema

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partidário brasileiro, mostrando que o comportamento dos partidos no Congresso

corresponde a um claro alinhamento ideológico, com cerca de sete partidos dispondo-se no

continum direita-esquerda; no período analisado (1989-1993 e 1989-1998), os partidos do

mesmo bloco ideológico votaram de modo similar, embora com diferenças de

comportamento no interior dos partidos: os deputados da esquerda foram mais

disciplinados do que os da direita e do centro. Os pesquisadores apuraram ainda que a

probabilidade de que um parlamentar votasse obedecendo a orientação de seu partido

chegava a perto de 0,90, o que, segundo seus cálculos, permitia predizer o resultado de

cerca de 94% das votações nominais na Câmara dos Deputados (FIGUEIREDO E LIMONGI,

1998, APUD RODRIGUES, 2002; NICOLAU, 2002). Esses resultados reduzem, com efeito,

mas sem anular completamente, os efeitos da fragmentação partidária.

A partir desses achados, os autores mencionados redefiniram o chamado

presidencialismo de coalizão no Brasil: diferente da tese original de Abranches (1988), que

elencava um conjunto de fatores institucionais causadores de risco permanente de

instabilidade política, especialmente, de paralisia decisória derivada de relações

conflituosas entre o executivo e o legislativo, o país teria consolidado um sistema político

que, semelhante ao parlamentarismo, asseguraria não apenas a capacidade do executivo

de ter os seus projetos de leis e de políticas aprovados pelo parlamento, mas também o

domínio quase absoluto dos presidentes sobre a agenda política do parlamento. Os

constituintes de 1987-88 decidiram, de fato, manter as prerrogativas outorgadas ao

presidente da República pelo regime autoritário de 1964-1985 no que tange ao direito de

iniciar legislação. A exemplo do antigo decreto-lei, eles institucionalizaram o poder

exclusivo do executivo de emitir medidas provisórios capazes de alterar de imediato o

status quo; confirmaram a prerrogativa unilateral dos presidentes de introduzir legislação

tributária e o orçamento da união e, no mesmo sentido, ampliaram a sua competência

quanto à organização administrativa do Estado, às decisões sobre os efetivos das forças

armadas e às medidas de política externa, como tratados internacionais (ABRANCHES,

1988; AMORIM NETO E SANTOS, 1997). Em poucas palavras, as análises mostraram que os

presidentes brasileiros podem iniciar com exclusividade legislação em áreas específicas e

forçar unilateralmente a sua apreciação pelo legislativo, utilizando-se para isso tanto de

prerrogativas constitucionais - pedidos de urgência na votação de matérias do seu interesse

ou emissão de medidas provisórias com força de lei -, como de procedimentos regimentais

que centralizaram o processo de tomada de decisões no Congresso Nacional em mãos das

mesas diretoras e do Colégio de Líderes. Os presidentes podem, assim, impedir que

eventuais minorias parlamentares venham a se constituir em veto-players capazes de

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dificultar ou bloquear as suas iniciativas. Além disso, o executivo sempre tem em mãos,

além da distribuição de cargos aos partidos que formam a sua base de apoio, a liberação

das emendas individuais dos parlamentares apresentadas quando da aprovação do

orçamento federal.

A supremacia do executivo sobre o parlamento tem sido tão grande que acabou

por transformá-lo, e não o Congresso Nacional, no grande legislador no Brasil. A despeito das

vantagens que isso implica segundo as abordagens que priorizam o papel do executivo, a

questão tem implicações para a qualidade da democracia e, em especial, para as funções de

fiscalização e controle que cabem ao parlamento e aos partidos políticos; diante de incentivos

institucionais tão eficazes para que os parlamentares componham a maioria governativa, é

duvidoso que reste espaço, quando isso é necessário, para a crítica e a correção de posições do

executivo. Mesmo autores como Figueiredo e Limongi (2003) admitem que o sistema é tão

eficiente em impor restrições à atuação especificamente legislativa dos parlamentares que

limita a sua eficácia institucional: “o Congresso Nacional atou as próprias mãos”, segundo eles,

ao aceitar uma configuração institucional que delega a iniciativa e o poder de agenda ao

executivo. Ainda assim, eles sustentam que não se trata de abdicação, pois os parlamentares

podem aprovar as iniciativas dos governos ou deixar de fazê-lo, mas o fato é que as

proposições de iniciativa dos parlamentares limitam-se a algumas políticas distributivistas,

localistas ou regionalistas, todas incapazes de alterar o status quo econômico e social do país.

Por isso, nas palavras de outro analista, o diagnóstico é o de um processo de “encarceramento

ou travamento” do parlamento, em vista da contradição observada entre os parâmetros

constitucionais - que asseguram a divisão de poderes -, e os procedimentais adotados pelo

parlamento, o que comprometeria parte de sua autonomia (SANTOS, 2003; CINTRA, 2007).

Nesse sentido, um levantamento recente do Núcleo de Pesquisa de Pesquisa de

Políticas Públicas da USP14 constatou que do total de iniciativas legislativas aprovadas pela

Câmara dos Deputados entre 1995 e 2006, envolvendo tanto a produção de leis como decisões

sobre políticas públicas, menos de 15% tiveram origem no parlamento, enquanto 85,5% das

proposições levadas a votação no plenário foram iniciadas pelo executivo. Outro

levantamento, do site Congresso em Foco, confirmou o quadro ao constatar que, em março de

2010, 2.472 projetos estavam acumulados nos plenários da Câmara e do Senado, embora

2.438 deles já estivessem em condições de ser levados à deliberação nas duas casas

legislativas (o total excluiu requerimentos, pareceres e decisões de escolha de autoridades).

14

A pesquisa “O Congresso Nacional no Contexto do Presidencialismo de Coalizão”, realizada com apoio da Fundação Konrad Adenauer, foi coordenada por José Álvaro Moisés e resultou no e-book recém lançado pelo Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP O Papel do Congresso Nacional no Presidencialismo de Coalizão,

cujo download pode ser feito no site www.usp.br/nupps.

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Segundo o levantamento, 2.135 proposições formavam o que foi designado como “matérias na

fila” na Câmara dos Deputados e 337 no Senado Federal, formando um universo de iniciativas

cuja tramitação, levando-se em conta a dinâmica dos procedimentos atualmente adotados

pelo Congresso, tomaria 1 ano e ½ no caso do Senado e cerca de 10 no caso da Câmara dos

Deputados15. A pesquisa constatou, ainda, que, no período entre 1995 e 2006, a duração de

tramitação de projetos submetidos à Câmara dos Deputados pelo executivo e pelo legislativo

apresentou uma discrepância tão grande que questionou a eficácia da ação parlamentar no

curso de cada legislatura. Enquanto a média de tramitação das iniciativas do executivo foi de

271,4 dias, ela atingiu 964,8 no caso do legislativo, ou seja, quase quatro vezes mais; enquanto

os parlamentares não conseguiram aprovar nenhum projeto de sua iniciativa no mandato de

um presidente, o executivo fez isso em cerca de nove meses16. É preciso levar em conta, no

entanto, que a situação pode estar começando a mudar: com a reinterpretação das regras de

trâmite das medidas provisórias no Congresso, introduzida pelo presidente da Câmara,

deputado Michel Temer, do PMDB, elas continuam trancando a pauta das sessões ordinárias e

a votação dos projetos de lei, mas não a pauta das sessões extraordinárias, nas quais emendas

à Constituição, leis complementares, decretos legislativos e resoluções podem ser votados.

Isso, em parte, liberou a pauta da Câmara dos Deputados e, se isso se confirmar ao longo do

tempo, representará uma mudança importante17.

A questão, no entanto, não se refere apenas à capacidade do executivo de

assegurar a governabilidade, entendida como a garantia de que a vontade e os projetos dos

governos sejam aprovados, mas à possibilidade efetiva de que os parlamentares possam

exercer a sua missão de representação, inclusive, quando se tratar de discordar das

proposições do executivo ou quando tiverem que negar seu apoio a esse poder em defesa

de interesses de minorias contra imposições da maioria. Parte da literatura recente tem

sido pródiga em apontar as vantagens das relações entre executivo e legislativo no

contexto do presidencialismo de coalizão, mas os problemas derivados, por uma parte, dos

limites ainda existentes quanto à conexão entre partidos e eleitores e, por outra, de um

15

O levantamento do Congresso em Foco refere-se às 2.472 matérias que tramitaram nos plenários da Câmara e do Senado até o dia 29 de março de 2010. A fonte das informações é a Secretaria Geral da Mesa da Câmara e a página do Senado no site do Congresso, e foram coligidas sob orientação de servidores da Secretaria Geral da Mesa da CD e outros (www.congressoemfoco.org.br). 16

Vide Relatório de pesquisa “O Congresso Nacional no contexto do Presidencialismo de Coalizão” (NUPPs/USP, 2010). 17

A Câmara dos Deputados, segundo Temer, alcançou um recorde nas votações de 2009, com 230 proposições ao longo do ano. “Pela primeira vez desde 2001, o plenário aprovou mais propostas de iniciativa de parlamentares do que do executivo. Foram 46 de autoria de deputados e senadores ante 42 do governo (...) A essas matérias somam-se 124 projetos de decreto legislativo, em sua maioria acordos internacionais. As comissões permanentes da Câmara ainda aprovaram uma quantidade recorde de 341 projetos de lei em caráter conclusivo, ou seja, sem a necessidade de votação pelo Plenário” (Temer, www2.camara.gov.br/presidência).

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23

legislativo quase que estritamente reativo (em relação às iniciativas dos governos) e pouco

operante em face das expectativas dos cidadãos, raramente foram incluídos nas análises

mencionadas antes. Da perspectiva da qualidade da democracia, isso introduz um déficit

analítico para o qual esse texto chama a atenção. Vários casos de democracias consolidadas

mostraram, no entanto, que o conceito de governabilidade se refere à capacidade do

governo de governar compartilhando escolhas e decisões com as assembléias de

representantes.

DISCUSSÃO

Este capítulo partiu do exame das implicações da consolidação da democracia

eleitoral no Brasil e, ao mesmo tempo, dos desafios que a maioridade das eleições

democráticas impõe para as instituições de representação, em especial, os partidos e os

parlamentos. O texto analisou o impacto da universalização do sufrágio no país para o

processo de democratização e, ao mesmo tempo, examinou a permanência de problemas

associados com os baixos níveis de escolaridade do eleitorado e seus reflexos para a

participação eleitoral. Em vista das exigências dessa participação e da accountability

vertical, e, ao mesmo tempo, dos altos índices de avaliação negativa que aos cidadãos

fazem dos partidos e dos parlamentos, o trabalho examinou criticamente os reflexos para a

qualidade da democracia de algumas características do funcionamento e do desempenho

das instituições de representação no contexto do presidencialismo de coalizão. Por um

lado, se verificou que, em que pese a continuidade de relativa fragmentação partidária no

país, os partidos são mais coesos e disciplinados do que a literatura tradicional avaliava e,

ao mesmo tempo, são a base em que se apóiam as maiorias parlamentares para dar

sustentação aos governos do período democrático (com exceção do governo Collor); por

outro, foram observados os efeitos que a combinação da relativa fragmentação partidária,

“transfugismo” de parlamentares, limites do sistema de eleições proporcionais e

desempenho quase que estritamente reativo do parlamento (em face das iniciativas

governamentais) têm para o aperfeiçoamento da democracia no país. O exame dessas

questões e do desequilíbrio das relações entre executivo e legislativo focalizou os

problemas derivados daí para o adequado funcionamento dos mecanismos de

accoutanbility horizontal no país. A democracia eleitoral está consolidada no país, mas a sua

dimensão representativa enfrenta problemas que ainda precisam ser mais bem

equacionados.

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24

Recentemente tem predominado entre parte dos analistas brasileiros a tendência

de considerar que, em vista do fato de que ao longo dos últimos 21 anos as instituições têm

funcionado com razoável harmonia, mesmo apresentando distorções ou limites

importantes no seu funcionamento, pouco ou nada haveria para mudar ou para aperfeiçoar

o sistema democrático vigente. A discussão apresentada neste capítulo rema contra essa

corrente e, embora sem desconhecer os avanços verificados, advoga uma atitude crítica em

face dos limites da democracia representativa existente no país. “As implicações (da

situação) para a qualidade da democracia estão no terreno normativo. Embora essa possa

ser uma discussão pouco afeita ao debate que hoje domina a ciência política brasileira, não

há porque evitá-la. Além disso, não se conhece, até o momento, meios alternativos de

construção e consolidação de uma forma democrática de convivência política capazes de

substituir os mecanismos institucionais que são os pilares das democracias ocidentais”

(KINZO, 2004, p. 36). Nesse sentido, os problemas apontados neste capítulo reatualizam o

debate da reforma política. Não há tempo e espaço para tratar de forma substantiva dessas

reformas neste texto, mas cabe indicar a atualidade de algumas propostas. Os temas vão

desde medidas destinadas a assegurar a fidelidade partidária, a representatividade mínima

para que os partidos tenham direito a representação no Congresso Nacional, a adoção de

listas fechadas de candidatos e de distritos eleitorais menores (com ou sem a adoção do

chamado sistema distrital misto), a correção da proporcionalidade, o financiamento de

campanhas eleitorais até a recuperação de prerrogativas pelo poder legislativo em face do

presidencialismo de coalizão. Não se trata de reformar o sistema político por completo, mas

introduzir mudanças que, de uma parte, permitam estabelecer o equilíbrio entre os poderes

executivo e legislativo e, de outra, assegurem aos cidadãos-eleitores o seu direito de terem

traduzidas, na estrutura institucional do país, os interesses e preferências que expressam

através do seu voto. Para isso, são importantes partidos que, além de disciplinados e

coesos no parlamento, sejam capazes de efetivamente se conectar com os anseios da

sociedade, e parlamentos que, afora garantirem a necessária governabilidade, abriguem

tanto as demandas da maioria como das minorias, sem abrir mão de sua missão de fiscalizar

e controlar o exercício do poder.

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1

V.

MÍDIA E APOIO POLÍTICO NO BRASIL1

NUNO COIMBRA MESQUITA

INTRODUÇÃO

Com a democracia brasileira já tendo ultrapassado o marco de seus 20 anos –

considerando sua nova constituição democrática e as primeiras eleições presidenciais

diretas após o regime militar - o apoio ao regime passa por sua melhor fase. Em 1989

apenas 44% dos brasileiros acreditavam ser essa a melhor forma de governo. Em 2006

esse número cresceu para 71% (MOISÉS, 2008). O apoio político é fundamental para

entender a qualidade do regime democrático. Após a democracia se espalhar para a

maioria dos países do mundo, a atenção dos estudiosos tem se voltado mais para esse

aspecto do que para a análise das transições propriamente ditas (DIAMOND E MORLINO,

2004).

Perspectivas teóricas que lançam luz sobre o tema são variadas, seja enfatizando

valores políticos ou orientações normativas dos cidadãos (ALMOND E VERBA, 1963;

INGLEHART, 2002), seja valorizando o desempenho real dos governos e suas instituições

(COLEMAN, 1990; NORTH, 1990). Sem desconsiderar essas hipóteses, destaca-se a

importância de uma outra dimensão a ser analisada: o papel dos meios de comunicação

de massa.

A mídia tem sido apontada tanto como a responsável por fomentar o cinismo e a

desconfiança entre os cidadãos (PATTERSON, 1998; CAPPELLA E JAMIESON, 1997;

MERVIN, 1998), quanto como importante vetor de fornecimento de informações capazes

de promover o engajamento do cidadão com a democracia (NORRIS, 2000; NEWTON,

1999). Seja qual for a perspectiva adotada perante a mídia, a informação acerca das

instituições nos meios de comunicação é peça constitutiva do instrumental à disposição

dos cidadãos para que se posicionem ante elas, para além das experiências concretas que

possam ter. O que se pode dizer então, sobre o papel desempenhado pelos meios de

1 Este trabalho é parte de um projeto de pós-doutorado sobre mídia e apoio político no Brasil, desenvolvido

junto ao Departamento de Ciência Política da USP e financiado pela Fapesp (processo 08/57470-0). Uma primeira versão deste texto foi apresentada no 7

o Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política - ABCP, Recife-PE;

4 – 07/08/10. Agradeço a leitura cuidadosa e sugestões do Prof. José Álvaro Moisés e Rogério Schlegel.

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2

comunicação para a qualidade da democracia? Mais especificamente, como o apoio

público ao regime democrático é afetado pelas informações veiculadas pela mídia?

Defende-se aqui a idéia de uma dupla multidimensionalidade do fenômeno. Por

um lado, o apoio público à democracia compreende dimensões distintas. As pessoas

podem se mostrar deferentes ao regime democrático per se, mas desconfiarem de suas

instituições; podem aderir à comunidade política, mas estarem insatisfeitos com o

funcionamento da democracia como ela se apresenta ou, ainda, avaliarem mal suas

instituições. Por outro lado, essa multidimensionalidade também se aplica aos meios de

comunicação. As informações contidas em – bem como o alcance potencial junto ao

público – não são os mesmos em um jornal de qualidade ou em um telejornal. Na

televisão, existem programas de entretenimento com características diversas, cada qual

com o potencial de se relacionar distintamente com o entendimento que o cidadão tem

sobre os assuntos do Estado.

O objetivo desse capítulo é analisar as inter-relações entre essas diferentes

dimensões, onde se propõe que a mídia não pode ser vista de maneira uníssona. Dessa

forma, propõe-se que os meios de comunicação possuem papel plural para atitudes

democráticas, a depender tanto da dimensão de apoio político, quanto do meio do qual

se está falando. Em vista disso, este trabalho concentra sua análise em duas variáveis da

mídia: a audiência televisiva e o telenoticiário, além de em três dimensões importantes

para a qualidade democrática. Quer se saber se essas duas variáveis da mídia estão

associadas positivamente ou negativamente à adesão democrática, ao vínculo dos

cidadãos ao Estado Nação e à aceitação dos partidos políticos como elemento necessário da

democracia. Para isso, utilizam-se dados do survey “A Desconfiança dos Cidadãos das

Instituições Democráticas” (2006).

Este capítulo discute inicialmente os conceitos de qualidade democrática e de

apoio político, tratando as diferentes abordagens sobre o papel dos meios de

comunicação para a democracia. Diferenciam-se a teoria dos efeitos negativos e a teoria

da mobilização para, logo após, abordar hipóteses empiricamente verificáveis dessas

perspectivas teóricas. Em seguida, apresentam-se as análises relativas ao papel da

televisão - seguidas pelos dados referentes ao telejornal - para o apoio político.

Finalmente, avaliam-se alguns fatores que podem interagir com as informações da mídia

para a formação de atitudes políticas. As considerações finais buscam refletir sobre o

papel desempenhado pelos meios de comunicação para a qualidade democrática.

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3

MÍDIA E APOIO PÚBLICO À DEMOCRACIA

Dentre as várias inter-relações que os meios de comunicação podem ter com

processos políticos contemporâneos e que suscitam curiosidade acadêmica, está seu

impacto sobre a qualidade da democracia. A investigação da qualidade dos regimes foi

impulsionada após a terceira onda de democratização e também depois de sinais de

crescente insatisfação com o funcionamento concreto das democracias mais antigas.

Dessa forma, aumentou o esforço acadêmico com o intuito de investigar como de fato

funcionam os regimes, superando os questionamentos de por que as transições

ocorreram. Diamond e Morlino (2004) definiram o império da lei, a competição, a

participação, accountabilities vertical e horizontal e societal, a liberdade, a igualdade e a

responsividade como dimensões cruciais para a qualidade da democracia. Esses autores

sugerem que a qualidade do regime varia tanto mais quanto as dimensões mencionadas

interagem e articulam-se entre si.

Destaca-se aqui a dimensão da responsividade. Como diz respeito à consonância

entre as políticas adotadas pelos representantes eleitos com os anseios dos cidadãos-

eleitores, relaciona-se com o grau de satisfação com o desempenho do regime e a

legitimidade que lhe atribuem os participantes da comunidade política. Sob essa

perspectiva, portanto, é crucial ao entendimento da qualidade da democracia o estudo

do apoio público ao regime. O problema do apoio público à democracia compreende

dimensões diferentes. A idéia original de Easton (1965) acerca do apoio difuso – relativo à

atitude em relação ao sistema como um todo – e específico – referente à satisfação dos

cidadãos com o desempenho dos governos e de lideranças políticas – tem sido retomada

e ampliada por alguns autores.

Para não confundir as diferentes dimensões institucionais que compreendem o

apoio político, alguns autores propuseram a análise de cinco níveis desse tipo de atitude:

o apoio à comunidade política (relacionado ao vínculo dos cidadãos ao Estado-nação e

geralmente medido pelo sentimento de orgulho da nacionalidade); ao regime

democrático per se (referente à adesão dos cidadãos à democracia como um ideal, ligado

a valores como liberdade, o império da lei, participação e tolerância); ao desempenho real

do sistema democrático medido pela satisfação com o regime; às instituições democráticas

(mensurado pela confiança depositada nas instituições públicas) e aos atores políticos

(referente à avaliação de líderes e políticos) (NORRIS, 1999; MOISÉS E CARNEIRO, 2010).

O apoio político, levando em conta essas diferentes dimensões, tem variado em

regimes consolidados. Enquanto o apoio à comunidade e aos princípios democráticos

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permaneceu alto, a confiança nos políticos e a avaliação do desempenho do sistema

democrático têm caído em muitas democracias consolidadas e também nas mais jovens

(NORRIS, 1999; DALTON, 1999). No Brasil, o apoio público ao regime apresenta um

quadro paradoxal. Enquanto a adesão à democracia como ideal atinge 2/3 dos cidadãos –

tendo aumentado desde 1989, quando atingia cerca de metade – a confiança nas

instituições, a avaliação dos principais atores e a satisfação com o funcionamento do

regime democrático possuem níveis inversos (MOISÉS, 2007), apesar de o governo e o

judiciário contarem com uma avaliação menos rigorosa. Por outro lado, a adesão à

comunidade política – medida pelo orgulho da nacionalidade – também ostenta índices

altos.

Tabela 1. Apoio Político no Brasil – 2006 (%)

Confiança Instituições Públicas Nenhuma Pouca Alguma Muita ns/nr

Governo 24,9 40,7 28,4 5,8 0,2

Partidos Políticos 36,6 44 16,9 2,0 0,4

Congresso Nacional 26,4 45,5 22,4 4,6 1,0

Judiciário 13,6 41,7 33,1 10,9 0,7

Avaliação das Instituições Públicas

Muito Ruim/ Péssima

Ruim Regular Boa Ótima/ Muito boa

ns/nr

Governo 12,8 30,6 16,1 37,9 2,1 0,5

Partidos Políticos 22,8 43,3 13,5 18,4 0,6 0,4

Congresso Nacional 14,4 40,2 15,1 26,7 1,7 1,9

Judiciário 5,5 26,8 16,2 45,8 4,4 0

Satisfação c/ democracia Nada

Satisfeito Pouco

Satisfeito Satisfeito

Muito

Satisfeito ns/nr

28,9 48,1 17,9 2,7 2,3

Adesão Democrática

Democracia sempre Melhor do

que outra forma de Governo

Em certas circunstâncias, é

melhor uma ditadura

Tanto faz democracia ou ditadura

ns/nr

64,8 13,5 16,9 4,8

Adesão à Comunidade Política _Orgulho da nacionalidade

Nada Orgulhoso

Pouco Orgulhoso

Orgulhoso Muito Orgulhoso

ns/nr

5,5 7,1 29,3 57,9 0,1

Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006). ns/nr: não sabe, não respondeu

Apesar de certa unanimidade na literatura sobre a constatação do fenômeno da

desconfiança em diversos países, são várias as interpretações lançadas sobre as causas

do problema (NYE, 1997; DALTON, 1999; PUTNAM E PHARR, 2000). Enquanto estudos de

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cultura política, por exemplo, dão ênfase a aspectos como valores políticos ou

orientações normativas de cidadãos (ALMOND E VERBA, 1963; INGLEHART, 2002), teorias

institucionalistas da democracia, por sua vez, desconsiderando esses fatores, acreditam

mais no desempenho real dos governos e suas instituições como elementos que explicam

fenômenos como confiança ou apoio ao regime (COLEMAN, 1990; NORTH, 1990). A

percepção do problema da corrupção, por exemplo, demonstrou ser fator relevante

causador de desconfiança (MOISÉS, 2007).

Essas perspectivas não significam hipóteses necessariamente concorrentes.

Tanto a cultura política como a avaliação das instituições podem afetar de diferentes

modos a experiência dos indivíduos e influir sobre suas orientações políticas. Para o caso

brasileiro, por exemplo, Moisés (2010) sustenta que orientações valorativas e

pragmáticas não representam perspectivas contrapostas para a explicação das atitudes e

percepções intersubjetivas dos indivíduos quanto ao regime político. Ao contrário, as

duas abordagens desempenham um papel na relação dos cidadãos com o regime

democrático.

Para além dos fatores mencionados, defende-se a importância de uma nova

dimensão de significado empírico e teórico. Dada a importância destacada dos meios de

comunicação nas sociedades contemporâneas, no seu papel de informar os cidadãos

acerca das questões públicas, defende-se que estes exercem uma influência sobre a

percepção pública das instituições e da democracia.

A partir da década de 1990, críticas à mídia tornaram-se comuns. Uma postura

excessivamente crítica em relação à política e aos políticos por parte da mídia – com uma

cobertura majoritariamente negativa do processo político – estaria levando a um

desencantamento dos cidadãos para com seus líderes e instituições políticas, levando a

atitudes de cinismo em relação à política e aos políticos (PATTERSON, 2000; CAPPELLA E

JAMIESON, 1997), bem como degradando processos de deliberação pública e

enfraquecendo os partidos políticos, em sua função de mecanismo eleitoral (MERVIN,

1998). Um jornalismo com ênfase em escândalos políticos e notícias negativas fomentaria

o cinismo nos telespectadores, contribuindo para a queda de confiança no governo. A

televisão, como meio, também seria culpada por outros males cívicos na sociedade

contemporânea, como pelo desaparecimento do “capital social” (PUTNAM, 1995). A

confiança interpessoal – variável central dos estudos de capital social – está associada à

confiança em instituições democráticas (MOISÉS, 2007; RENNÓ, 2001). Dessa forma, a

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televisão teria o potencial de abalar, ainda que de forma indireta, a confiança que os

cidadãos depositam nas instituições públicas.

Contudo, essa visão negativa acerca do papel dos meios de comunicação de

massa para os processos democráticos não é unânime. Existe a perspectiva teórica de

que uma combinação de níveis educacionais cada vez mais altos com o acesso cada vez

maior a informações políticas tem ajudado a mobilizar os cidadãos, tanto em termos de

aumento do conhecimento quanto em termos comportamentais. Não é que a mídia

possua apenas efeitos positivos. A audiência televisiva pode até se associar a um menor

conhecimento e entendimento sobre política. Não obstante, a leitura de jornais e o

noticiário televisivo tem relação inversa, fomentando inclusive a confiança nas

instituições e a satisfação com o funcionamento da democracia (NEWTON, 1999). A mídia

noticiosa representaria um “círculo virtuoso”, onde a atenção às notícias gradualmente

reforça o engajamento cívico, assim como o engajamento cívico favorece o consumo de

informação. A mídia jornalística não seria positiva somente para a confiança, mas

também para o apoio a princípios democráticos (NORRIS, 2000).

Ainda que essas duas perspectivas convirjam para a preocupação quanto ao

efeito nocivo do consumo generalista de televisão, não se pode afirmar que os conteúdos

assistidos têm efeitos negativos. Como a programação televisiva é plural, cada

mensagem tem significado diferenciado em termos de estímulos positivos ou negativos

para a qualidade democrática. Estudos com o impacto de programações diversas têm

demonstrado como os resultados não são unidirecionais. Variáveis como a confiança

interpessoal e o engajamento cívico, por exemplo, podem ser favorecidas ou

desfavorecidas pela audiência a depender do tipo de programação (SHAH, 1998;

USLANER, 1998).

No Brasil, existe uma lacuna no que diz respeito ao estudo das inter-relações

entre a mídia e o apoio público à democracia. Existe maior interesse no papel dos meios

de comunicação para os processos eleitorais (STRAUBHAAR, OLSEN E NUNES, 1993; LINS

DA SILVA, 1993; PORTO, 1996 E 2007; MIGUEL, 1999, 2003 E 2004). Existe, também, um

interesse em análises de conteúdo dos meios de comunicação. Nessas, há um tratamento

comum e unânime que apontam o caráter antipolítico da mídia no Brasil. A cobertura da

mídia jornalística – especialmente do poder legislativo – é frequentemente descrita como

negativa, focando temas como a corrupção, o nepotismo, o clientelismo e outras

irregularidades. Ainda que necessário em uma democracia, esse jornalismo de

investigação e seu caráter antipolítico teriam o potencial de disseminar a desconfiança e

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o rechaço à política, colocando sérios obstáculos à legitimidade do próprio regime

democrático (CHAIA E AZEVEDO, 2008; PORTO, 2000A; CHAIA E TEIXEIRA, 2001). Existe,

não obstante, a perspectiva de que esse tratamento negativo em relação aos políticos

como indivíduos falha ao não reconhecer que parte dos problemas apontados também

são fruto de um sistema político com necessidade de reformas. Assim, esse tipo de

cobertura – ainda que negativo em relação aos políticos – teria um caráter deferente ao

sistema político e suas principais instituições (MIGUEL E COUTINHO, 2007).

Ainda que esses estudos possam sugerir hipóteses interessantes, parte-se, aqui,

do pressuposto de que a mídia não pode ser apenas estudada pela análise de conteúdo

das mensagens emitidas, já que o público não as interpreta de maneira homogênea.

Qualquer um – tendo elementos de representação do real, como a cultura popular e

organizações comunitárias, por exemplo – é capaz de absorver criticamente aquilo que

consome pela televisão (LINS DA SILVA, 1985). A relevância do papel da televisão e de

outros meios de comunicação como fontes de informação se dá em um contexto maior,

no qual igualmente pesam fontes interpessoais, como família e amigos, bem como

organizações como a Igreja, sindicatos e associações de bairro (STRAUBHAAR, OLSEN E

NUNES, 1993).

Dessa forma, ainda que estabelecido o caráter antipolítico dos meios de

comunicação no Brasil, não é certo que ele represente um obstáculo à democracia

através da reprodução de casos de corrupção e irregularidades que pudessem levar a

uma descrença em políticos e instituições como um todo. Primeiro, é preciso ir mais a

fundo no próprio conteúdo da mídia. Existe certo consenso de que o retrato negativo

que a mídia faz da política se restringe à representação crítica de agentes públicos. Os

meios de comunicação não são acusados de serem cínicos em relação ao sistema ou

instituições políticas. O que existe é a suposição de que essa caracterização individual

negativa representa, por extensão, também uma visão negativa das instituições (PORTO,

2000A; CHAIA E AZEVEDO, 2008). Por outro lado, pode-se argumentar que a ênfase no

conflito e a cobertura de informações negativas é uma função democrática da mídia, que

também deve atuar como watchdog, responsabilizando governos e autoridades políticas

por suas ações (SCHMITT-BECK E VOLTMER, 2007). Longe de abalar a confiança nas

instituições, por exemplo, seria a percepção de que a mídia vigia o poder, um dos

garantidores do clima de geral de confiança.

Em contraposição ao que abordagens focadas em análises de conteúdo propõem,

estudos baseados em surveys apontam mais para efeitos modestos e mais de orientação

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positiva em relação ao sistema político do que negativos. Meneguello (2010) encontra

relação modesta entre informações veiculadas pela mídia, sobretudo eletrônica, e

avaliações críticas do funcionamento da democracia, bem como com a desconfiança

institucional. Por outro lado, a despeito de um período em que os noticiários foram

repletos de notícias sobre casos de corrupção envolvendo políticos de diversos partidos

políticos, a audiência do telejornal Jornal Nacional se mostrou positivamente associado à

confiança em diversas instituições públicas, bem como à satisfação com a democracia

brasileira (MESQUITA, 2010). Ainda que não se afirme uma preferência por uma ou outra

direção de causalidade, esses resultados desafiam a suposição de que uma mídia com viés

antipolítico possa minar a confiança que os cidadãos depositam em suas instituições.

Diferentemente do que sugere parte da literatura no Brasil, portanto, os cidadãos

parecem diferenciar desvios individuais de falhas no funcionamento de suas instituições.

Ao se dar publicidade a irregularidades e, ao mesmo tempo, aos órgãos encarregados de

investigá-las, os cidadãos são confrontados com mecanismos de fiscalização e

accountability presentes no sistema democrático. Dá-se ao público, então, condições de

avaliar positivamente as instâncias democráticas. A mídia jornalística, por outro lado,

também favorece várias formas de participação política (RENNÓ, 2003), além da adesão

aos partidos políticos como elemento necessário à democracia (SCHLEGEL, 2006), o que

demonstra o papel positivo do jornalismo também para outras variáveis da qualidade do

regime.

Apesar de a mídia jornalística parecer desempenhar um papel positivo para a

qualidade democrática, a programação de entretenimento desempenha papel mais

plural, a depender de suas características (SHAH, 1998). Como existem programações de

caráter diverso, cada uma com conteúdos e implicações diferentes, seu estudo constitui

um desafio. No Brasil, existe a perspectiva de que a ficção, em especial as telenovelas,

constroem uma representação extremamente negativa do campo da política. A

alternativa de uma solução moral proveniente de fora do campo político, geralmente por

meio de algum justiceiro, é frequentemente apresentada, dando margem a respostas e

movimentos autoritários ou personalistas (PORTO, 2000b).

Com o intuito de avançar na investigação do papel da mídia para o apoio político,

propõe-se aqui a consideração de duas dimensões: o apoio à comunidade política e aos

princípios do regime. Além dessas duas dimensões do apoio político, inclui-se ainda a

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dimensão da representação via partidos políticos. A aceitação dos partidos como

instituição necessária à democracia apresenta-se como aspecto essencial de uma cultura

democrática. Assim, é importante saber se a exposição à mídia é relevante para

orientações dos cidadãos quanto ao sistema partidário. Importa saber se essa exposição

é benéfica ou perniciosa para a criação de uma cultura política que favoreça e valorize o

papel dos partidos para a representação dos cidadãos no sistema político. Essas três

dimensões anteriores são as variáveis dependentes do estudo. As variáveis

independentes são, além da audiência de televisão no geral, a variável de audiência do

telenoticiário Jornal Nacional, da Rede Globo.

No Brasil, existe um entendimento, ainda que careça de maior evidência empírica,

de que a televisão, ao apresentar um viés antipolítico, poderia restringir interpretações

disponíveis para que as pessoas entendam conteúdos políticos (Porto, 2005). Esse papel

pernicioso desse meio para a democracia, de certa forma, também é consistente com os

dados disponíveis sobre casos internacionais (NEWTON, 1999; NORRIS, 2000). Dessa

forma, se espera que, no Brasil2:

H1: Assistir televisão esteja negativamente associado à adesão à democracia e à comunidade

política, bem como à valorização do papel de representação dos Partidos Políticos.

Entretanto, em contraposição às hipóteses da literatura nacional sobre o tema, que

acreditam em um efeito nocivo também do jornalismo brasileiro para a ligação dos

brasileiros com a política, propõe-se uma hipótese alternativa. Em consonância com os

dados de um papel positivo desempenhado pela audiência do telejornal para a confiança

nas instituições, bem como a satisfação com a democracia (MESQUITA, 2010), propõe-se a

seguinte hipótese:

H2: Assistir Jornal Nacional está associado à maior adesão democrática, maior apoio à

comunidade política e à uma maior valorização do papel de representação dos Partidos

Políticos.

Apesar de se utilizar nesse texto, por vezes, a linguagem da causalidade, está

implícito que o que se fala aqui é de correlações, já que não se pode atribuir relações de

causa e efeito com esse tipo de dados.

2 No survey de 2006, é possível testar a variável que representa o número total de horas a que os indivíduos

costumam se expor à televisão. Entretanto, exceção feita ao telenoticiário em questão, não é possível saber que outros programas são assistidos. Dessa forma, é possível testar apenas a hipótese de que o número total de horas gasto em frente à TV seria de alguma forma pernicioso a interações sociais dos indivíduos, o que, por extensão, poderia também abalar negativamente variáveis de apoio político.

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TV E APOIO POLÍTICO

Os dados relativos ao impacto da audiência televisiva mostram que as associações

não são unidirecionais. A tabela 2 mostra o impacto dessa variável na explicação de cada

uma das variáveis listadas. Sendo as variáveis ordinais, optou-se por realizar o

procedimento de Regressão Categórica.3 Com relação à adesão democrática, a televisão

representa um papel negativo para a maioria das variáveis testadas, como esperado.

Quem mais assiste televisão, mais concorda com ‘o governo desrespeitar as leis em caso

de dificuldades’, que ‘o presidente pode deixar de lado o congresso e os partidos em caso

de dificuldades’, que ‘daria um cheque em branco a um líder salvador que resolvesse os

problemas’, e que ‘só uma ditadura pode dar jeito no Brasil’. A única exceção ficou por

conta da variável ‘prefere a democracia a um líder salvador’, onde a relação foi inversa,

quem mais assiste televisão, mais concorda com a frase.

Tabela 2: Audiência TV e Apoio Político Coeficientes de regressão (beta) de Audiência de TV,

controlados por variáveis socioeconômicas (sexo, idade, escolaridade, renda)

Adesão democrática

Discorda com Governo desrespeitar leis em dificuldades

Prefere democracia do que líder salvador

Discorda Presidente deixar de lado Congresso e Partidos no caso de dificuldades

Discorda País melhor com volta dos militares

Discorda Daria cheque em branco a líder salvador que resolvesse problemas

Discorda só uma ditadura pode dar jeito no Brasil

Audiência TV -0,048*** 0,054*** -0,086*** ns -0,077*** -0,048*** R2 0,018 0,013 0,021 0,028 0,033 N 1753 1750 1754 1753 1710

Vínculo dos cidadãos com o Estado Nação

Orgulho de ser Brasileiro Audiência TV 0,064***

R2 0,012 N 1836

Representação via Partidos Políticos

Democracia a ver com a existência de diversos partidos políticos

Discorda Brasil melhor se existisse apenas um partido político

Proximidade aos partidos políticos

Audiência TV -0,035* -0,071*** 0,048** R2 0,014 0,023 0,021 N 1784 1704 1830

Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas. Sig: *p< 0,10, **p < 0,05, ***<0,01.

3 (Optimal Scalling no SPSS). A regressão categórica quantifica dados categóricos dando valores numéricos às

categorias. Isso resulta em uma equação de regressão linear optimal para as variáveis transformadas. Todas as variáveis do estudo foram recodificadas para que um coeficiente (Beta) positivo representasse sempre maior apoio à democracia. Assim, para uma variável dependente como “prefere a democracia do que um líder salvador”, um Beta positivo representaria maior concordância com a frase. Para frases do tipo “País melhor com a volta dos militares” um coeficiente positivo representa maior discordância. Assim, todos os coeficientes positivos do estudo referem-se a maior impacto positivo sobre a dimensão em questão.

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A televisão também se mostra como fator negativo para a valorização do papel

de representação dos partidos políticos, com exceção para a proximidade em relação aos

partidos políticos. Quanto mais se assiste a televisão, mais próximo o cidadão se sente a

eles. Entretanto, de maneira distinta, quem mais assiste TV, mais discorda das afirmações

de que a ‘democracia tem a ver com a existência de diversos partidos políticos’ e mais

concorda que ‘o Brasil seria melhor se existisse apenas um partido político’.

Também se efetuou uma regressão logística com a variável em que o

respondente tinha que afirmar com qual frase concordava mais: “A democracia é sempre

melhor do que qualquer outra forma de governo”; “em certas circunstâncias é melhor

uma ditadura do que uma democracia” ou “tanto faz se o governo é uma democracia ou

uma ditadura”. A tabela 3 mostra um impacto negativo: quanto mais se assiste TV, menos

se acredita que a democracia é melhor do que qualquer outra forma de governo.

Tabela 3. Regressão Logística: Democracia melhor forma de governo

B S.E. Wald df Sig. Exp(B) Audiência TV -.088 .035 6.428 1 .011 .916

Constant -.654 .308 4.513 1 .034 .520 Democrata vs outros (autoritários e ambivalentes). Controlado por: sexo, idade, escolaridade, renda. Nagelkerke R Square: 0,033. Porcentagem de acerto do modelo: 62,9%. Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006). N=1573.

Esses resultados confirmam a associação negativa entre o consumo total de

televisão com vários aspectos da qualidade democrática (PUTNAM, 1995; NEWTON, 1999,

SHAH, 1998). Entretanto, como não há no survey “Desconfiança” (2006) questões sobre

os conteúdos assistidos, só é possível argumentar que o quanto se assiste de TV parece

ser prejudicial à percepções sobre a democracia e partidos. Quanto ao quê se assiste,

ainda seria necessário maiores estudos para corroborar ou rejeitar teses sobre o que

conteúdos específicos podem representar.

Os dados da tabela 2 também apontam outro resultado, por sua vez menos

esperado. A dimensão de apoio à comunidade política, medido pelo orgulho da

nacionalidade, é favorecido pela audiência televisiva, e não o contrário, como previa a

hipótese. Os resultados indicam o papel plural que um mesmo meio pode ter para

diferentes aspectos da qualidade democrática. Ainda que se possa imputar à TV um papel

pernicioso para a vivencia democrática, concorrendo com o tempo necessário para

interações sociais, o que fortaleceria o engajamento cívico e a confiança interpessoal

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(PUTNAM, 1995, SHAH, 1998), não se pode dizer o mesmo sobre seu significado para a

ligação dos cidadãos com a comunidade política.

TELEJORNAL (JN) E APOIO POLÍTICO

A segunda série de resultados diz respeito ao papel que representa o telenoticiário

Jornal Nacional, da Rede Globo, para as dimensões de apoio político. Quem assiste ao JN

está exposto também a várias outras mensagens políticas da televisão. Parece razoável

supor que haja uma diferença entre quem assiste ao JN três vezes por semana, ao mesmo

tempo em que vê apenas uma hora de TV por dia e outra pessoa que assista à mesma

quantidade de edições do JN, mas ao mesmo tempo tenha um consumo televisivo de

quatro horas diárias. Assim, utilizou-se uma taxa de audiência do Jornal Nacional, que

corresponde à proporção de consumo do noticiário em relação ao total de horas

dedicadas à televisão, criada através da uma divisão entre a audiência de JN pela

audiência de TV.

A idéia aqui não é apenas uma possível “diluição” de informação comparada a uma

informação mais “pura”. Espera-se que um telespectador que praticamente restrinja seu

consumo televisivo ao noticiário tenha uma relação mais atenta ao seu conteúdo, já que

liga seu televisor com o intuito específico de saber as notícias do dia. Entretanto, um

padrão de audiência distinto, em que o indivíduo deixa seu televisor ligado desde o

período em que chega do trabalho até a hora de dormir, assistindo o telejornal “entre as

novelas”, pode indicar que esteja menos atento ao que nele se passa. Essa variável criada

provou-se mais consistente do que a simples audiência do telejornal em estudo anterior

(MESQUITA, 2010). Ao falar-se de audiência de Jornal Nacional, de agora em diante, está

se referindo sempre a essa taxa, ou seja, sempre levando em consideração, também, o

consumo televisivo.

A tabela 4 mostra o impacto dessa taxa na explicação de cada uma das variáveis

listadas. Os dados comprovam a hipótese inicial de um papel positivo do JN. Entretanto,

ao contrário do que se verificou sobre o impacto dessa mesma variável independente

sobre outras dimensões do apoio político, como a confiança institucional (MESQUITA,

2010), os resultados são bem mais modestos. Com relação à dimensão de adesão

democrática, somente uma variável está associada à taxa JN após o controle de variáveis

socioeconômicas. Quem mais assiste o Jornal Nacional, mais discorda da afirmação de

que “daria um cheque em branco a um líder salvador que resolvesse os problemas”.

Todas as outras variáveis testadas não têm significância estatística. Para o vínculo dos

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cidadãos com o Estado Nação, a audiência do telejornal não é uma variável a ser

considerada, já que ela não interfere no orgulho de ser brasileiro. A valorização dos

partidos políticos como mecanismo de representação também tem pouco a ver com a

audiência do telenoticiário. Ela somente influi – positivamente – na proximidade que se

tem a eles. As outras variáveis testadas não alcançam significância estatística.

Tabela 4.TXJN e Apoio Político - Coeficientes de regressão (beta) de Taxa JN, controlados por

variáveis socioeconômicas

Adesão democrática

Discorda com Governo desrespeitar leis em dificuldades

Prefere democracia do que líder salvador

Discorda Presidente deixar de lado Congresso e Partidos no caso de dificuldades

Discorda País melhor com volta dos militares

Discorda Daria cheque em branco a líder salvador que resolvesse problemas

Discorda que só uma ditadura pode dar jeito no Brasil

TXJN ns ns ns ns 0,069*** ns R2 0,027 N 1753

Vínculo dos cidadãos com o Estado Nação Orgulho de ser Brasileiro TXJN ns R2 N

Representação via Partidos Políticos

Democracia tem a ver com a existência de diversos partidos políticos

Discorda Brasil melhor se existisse apenas um partido político

Proximidade aos partidos políticos

TXJN ns ns 0,060** R2 0,022 N 1830 Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= número de casos. Controlado por: sexo, idade, escolaridade, renda.

Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).

É possível que esses resultados mais modestos em comparação com as dimensões

de confiança e de avaliação institucional se deva ao fato de o telenoticiário abordar

diretamente assuntos que remetam ao desempenho das instituições. Assim, faz mais

sentido que as pessoas que mais se expõem a esse tipo de informação confiem mais e

avaliem melhor as instituições do regime. Ao mesmo tempo, questões como a dos

princípios do regime não têm relação direta com as mensagens do telenoticiário e por isso

somente uma variável apareceu como significante. Na dimensão relativa a valorização do

papel dos partidos, essa mesma hipótese pode ser sustentada. As variáveis em que se

questiona aspectos normativos – como a importância dos partidos políticos para a

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democracia – não estão correlacionadas com a audiência do JN. Entretanto, o telejornal

apareceu como relevante na proximidade que se tem a eles, demonstrando sua

importância quando se trata de uma orientação mais pragmática.

ASPECTOS MODERADORES DA MÍDIA

Levar a mídia em conta como fator relevante para as atitudes políticas dos

cidadãos não significa, necessariamente, dar primazia a essa explicação. Tampouco se

desconsidera elementos explicativos que possam agir paralelamente a essa forma de

opinião mediada. Para além de uma tese “concorrente”, onde diversos outros fatores

podem influir – de maneira independente – sobre orientações políticas, acredita-se em

um processo interativo entre diferentes elementos.

Processos interativos correspondem a um padrão de influência recíproca, sendo o

conceito de interação próximo ao conceito de comunicação. Trata-se de uma abordagem

concorrente ao modelo de transmissão unidirecional dos efeitos da comunicação. Essa

perspectiva encontra maior eco em estudos culturais, que enfatizam a forma como os

indivíduos interagem, interpretam e se apropriam de símbolos e ideias presentes na

cultura popular, ao invés de serem apenas influenciados por ela (NEUMAN, 2007).

Partindo-se dessa autonomia dos indivíduos frente às mensagens às quais estão

expostos, cabe também analisar que fatores podem interagir com estas. Sem a intenção

de abarcar todas as possíveis (e inesgotáveis) variáveis que podem influenciar a maneira

como as pessoas percebem mensagens da mídia, buscou-se aqui avançar com cinco

desses elementos.

Um fator a ser levado em consideração na mediação entre mensagens

provenientes da mídia e atitudes políticas é a sofisticação política, que remete a questões

como educação, bem como ao interesse por política e a eficácia política. Pessoas com

maior educação formal tendem a se interessar mais por política, além de se exporem com

maior probabilidade a mensagens que remetem a assuntos públicos e, dessa forma,

interpretarem conteúdos de maneira mais crítica (NEUMAN, 1986). A variância do

interesse por política que cada cidadão tem, por sua vez, pode influenciar na relação que

este estabelece com o conteúdo político ao qual está exposto pela mídia. A televisão é

considerada como meio que potencialmente pode influenciar mais as pessoas que se

interessam menos por política, criando um efeito de ‘encapsulamento’. Isso se deve ao

fato de essa mídia ser menos seletiva em termos de audiência. Não obstante, a cobertura

política chega mais facilmente aos mais interessados (SCHOENBACH E LAUF, 2004). A

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eficácia política remete ao lado afetivo do envolvimento com a política, sendo medida

pela percepção se a política é ou não vista como algo incompreensível, sendo o seu

oposto a apatia política (NEUMAN, 1986). Essas três dimensões da sofisticação política

podem não ter relação direta com o apoio político em si, mas podem se mostrar

importantes variáveis moderadoras.4

Outros dois elementos que podem influir na maneira de os indivíduos absorverem

as mensagens da mídia é o apoio ao governo da vez e a confiança que se deposita na mídia.

Existem evidências de que o apoio ao sistema é influenciado pelo fato de os indivíduos se

encontrarem entre os vencedores ou os perdedores de disputas eleitorais (NORRIS,

1999). Assim, indivíduos que se encontram entre os partidários do governo da vez

tendem a dar mais apoio ao sistema, rejeitando mensagens negativas ou reforçando

mensagens positivas sobre a política. A confiança que se têm na própria televisão deve

ser um elemento a ser considerado, já que quando as pessoas não confiam na mídia, elas

tendem a rejeitar o clima mediado de opinião (TSAFATI, 2003).

Esses cinco elementos foram incorporados na análise estatística com um

procedimento denotado como interação.5 Para se fazer esse procedimento, primeiro

efetuou-se uma regressão categórica com uma variável resposta6 e as variáveis

explicativas7 (sem interações), quando ocorre a quantificação das variáveis. Depois criou-

se as variáveis de interação. Por último fez-se uma regressão múltipla (usual) com as

4 Neuman (1986) demonstra como a sofisticação política não está ligada diretamente a posições mais autoritárias

ou moderadas, variando de acordo com as diferentes dimensões em questão. Para o autor, no entanto, a sofisticação política é um importante fator moderador que aumenta a probabilidade de uma variável (de estímulo de mobilização) sobre outra (de comportamento político). 5 Em modelos de regressão com interações, queremos verificar se a mudança simultânea entre duas ou mais

variáveis, mantidas as demais constantes, provoca impacto na variável dependente. Os efeitos de interação também são conhecidos como efeitos moderadores porque a terceira variável de interação, que modifica a relação entre as duas variáveis originais, modera a relação original. A associação entre renda e conservadorismo, por exemplo, pode ser moderada dependendo do nível de educação. O coeficiente utilizado foi o beta, que é referente as variáveis padronizadas (média 0 e desvia padrão 1), o que permite comparação entre quaisquer valores de betas: “Adiciona-se variáveis de interação ao modelo como produtos das independentes padronizadas e/ou independentes dummy, normalmente colocando-as após as variáveis independentes simples de ‘efeitos principais’ (...).’padronizada’ significa que para cada dado, a média é subtraída e o resultado dividido pelo desvio padrão. O resultado é que todas as variáveis tem uma média 0 e um desvio padrão 1. Isso permite a comparação de variáveis de diferentes magnitudes e dispersões.” (Garson, 2008). 6 Variáveis de adesão à democracia, aos partidos políticos e à comunidade política.

7 Além das variáveis independentes originais (audiência TV e TXJN), inseriu-se as moderadoras de interesse por

política, escolaridade (medida pela grau de instrução formal), eficácia política (medida pela discordância com a frase “as vezes a política e o governo parecem tão complicados que uma pessoa como você não pode realmente entender o que está acontecendo” – onde um beta positivo corresponde a maior eficácia política, e um negativo a maior apatia), apoio ao governo da vez (medida pelo apoio ao governo Lula) e a confiança na mídia (medida pela confiança depositada na TV). Manteve-se as variáveis sexo e renda como controle. Variáveis de interação foram incluídas em todos os modelos em que pelo menos a variável de audiência era significante. Em alguns casos, portanto, ainda que uma dessas variáveis independentes possam não ter impacto isoladamente, é possível que se apresentem como moderadoras entre audiência e atitudes políticas.

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variáveis transformadas. Os modelos com variáveis de interação para a audiência

televisiva apresentam resultados significativos, como demonstram as Tabelas 5 e 6.

As componentes da sofisticação política, como aponta a literatura (NEUMAN,

1986), não têm relações unidirecionais com as dimensões do apoio político. De maneira

geral, o interesse por política e a escolaridade aparecem associados de maneira positiva a

variáveis das dimensões de adesão democrática e da valorização do papel dos partidos

políticos.

Tabela 5. Audiência TV e Apoio Político (interações)

Coeficientes de regressão (beta) da audiência TV com variáveis moderadoras

Adesão Democrática

Discorda com Governo desrespeitar leis em dificuldades

Discorda Presidente deixar de lado Congresso e Partidos no caso de dificuldades

Discorda Daria cheque em branco a líder salvador que resolvesse problemas

Discorda que só uma ditadura pode dar jeito no Brasil

Audiência TV - 0,043* - 0,079*** - 0,061** - 0,044* Sexo ns ns ns ns Idade 0,111*** ns ns ns Renda ns ns 0,066*** - 0,045* Escolaridade 0,095*** 0,097*** 0,122*** 0,182*** Interesse política 0,086*** 0,068*** 0,062*** ns Adesão gov. Lula - 0,097*** - 0,07*** ns 0,059** Confiança mídia - 0,076*** - 0,041* ns ns Eficácia política ns 0,04* - 0,109*** - 0,049** Audiência TV vs.

escolaridade ns ns ns 0,042*

Audiência TV vs. interesse política

0,056** ns ns 0,049**

Audiência TV vs. adesão gov. Lula

- 0,037* - 0,035* ns ns

Audiência TV vs. confiança mídia

ns ns ns - 0,054**

Audiência TV vs. eficácia política

ns ns ns - 0,063***

R2 0,041 0,032 0,039 0,046

N 1714 1717 1716 1675

Representação via partidos e adesão à comunidade política

Democracia a ver com existência de diversos partidos políticos

Discorda Brasil melhor se

existisse apenas um partido político

Proximidade aos partidos

políticos8

Orgulho de ser

Brasileiro

Audiência TV - 0,043* - 0,058** 0,051** 0,05**

8 Para essa variável dependente, no modelo com as variáveis moderadoras, a audiência de TV deixou de ser

significante, o que significa que uma das novas variáveis, de alguma forma estava impactando a audiência, deixando-a fora do modelo. Rodou-se novos modelos retirando as variáveis moderadoras uma a uma para ver qual produzia esse efeito. O modelo constante na tabela, portanto, é o sem a variável interesse por política. Ao se retirar essa variável, a audiência voltou a ser significante a 0,05.

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Sexo - 0,054** ns - 0,098*** 0,041* Idade ns ns 0,049** 0,066*** Renda 0,049* - 0,061** 0,05** 0,06** Escolaridade 0,052** 0,109*** ns 0,06** Interesse política 0,075*** 0,085*** ----- ns Adesão gov. Lula ns 0,05** 0,169*** 0,112*** Confiança mídia ns 0,06** 0,108*** 0,065*** Eficácia política - 0,053** 0,067*** 0,101*** 0,046* Audiência TV vs.

escolaridade ns ns -0,053** ns

Audiência TV vs. interesse política

ns ns ----- ns

Audiência TV vs. adesão gov. Lula

ns ns ns ns

Audiência TV vs. confiança mídia

0,039* ns ns ns

Audiência TV vs. eficácia política

ns ns ns ns

R2 0,023 0,041 0,072 0,032

N 1746 1670 1785 1787

Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= 2004. Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).

Tabela 6: Regressão Logística: Democracia Melhor Forma de Governo

Controlado por: sexo, idade, escolaridade, renda.

Nagelkerke R Square: 0,041. Porcentagem de acerto do modelo: 63,8%. N=1549. Estão expostas apenas as variáveis das quais as categorias produziram coeficientes a 0,05 de significância. Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).

A eficácia política, por sua vez, possui papel mais paradoxal. Os que menos

consideram a política como algo complicado – e que, portanto, ostentam maiores níveis

de eficácia política – rejeitam a idéia de o presidente deixar de lado o Congresso e os

partidos no caso de dificuldades. Ao mesmo tempo, mais concordam em dar um cheque

em branco a um líder salvador e que só uma ditadura pode dar jeito no Brasil. Esse

mesmo caráter ambíguo é mantido em relação a valorização dos partidos políticos, a

depender da variável em questão.

Ainda que dois componentes da sofisticação política – educação e interesse por

política – pareçam contribuir de forma positiva para o apoio político de forma mais clara,

B S.E. Wald df Sig. Exp(B)

Audiência TV -.139 .057 6.059 1 .014 .870

Interesse por Política .123 .056 4.812 1 .028 1.131

Constant -.684 .940 .530 1 .467 .504

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os resultados para eficácia política desafiam o argumento “coerente e de senso comum,

de que a noção de aprendizado social apela para os instintos democráticos da pessoa e

para o otimismo sobre o futuro de longo prazo e a estabilidade dos regimes

democráticos” (NEUMAN, 1986, p 162). As associações ambíguas encontradas confirmam

o que Neuman chamou de “paradoxo da política imoderada”, em que a educação e a

sofisticação política não levam necessariamente a moderação política.

A adesão ao governo Lula apresenta resultados contraditórios. Apesar de quem

mais apóia o governo Lula mais rejeitar a noção de que só uma ditadura pode dar jeito no

Brasil, mais concorda em desrespeitar leis ou deixar de lado o congresso e partidos no

caso de dificuldades, mesmo padrão apresentado por aqueles que mais confiam na TV.

Com relação a percepção do papel dos partidos políticos, essas duas variáveis se

associam de maneira positiva. Ou seja, o apoio ao governo da vez pode aumentar o apoio

ao sistema, na forma de satisfação com o funcionamento do regime (NORRIS, 1999) e

também favorecer a importância dada aos partidos políticos, mas esse papel parece ser

mais ambíguo em relação aos princípios democráticos. A dimensão de apoio à

comunidade política é favorecida pela maioria das variáveis independentes do modelo.

Quanto maior a escolaridade, a adesão ao governo Lula, a confiança na mídia e a eficácia

política, maior o orgulho da nacionalidade.

A audiência de TV interage com escolaridade em dois modelos. Com a variável

dependente “concorda que só uma ditadura pode dar jeito no Brasil” e com a

proximidade aos partidos políticos. Em ambas, reverte os efeitos da audiência. Quem

mais assiste TV, mais concorda com essa alternativa autoritária. No entanto, esse efeito é

diversificado entre os mais instruídos. Quanto mais instruído e mais se assiste TV, mais se

rejeita essa alternativa antidemocrática. A audiência televisiva também aproxima a

audiência dos partidos políticos. Entretanto, os mais instruídos, aos assistirem mais

televisão, mais se distanciam destes.

Esse efeito é semelhante com o do interesse por política. A despeito de a

audiência televisiva favorecer percepções contrárias aos princípios do regime, em dois

modelos a interação com o interesse por política tem relação inversa. Aqueles que

demonstram maior interesse, ao se exporem mais a televisão, reforçam mais atitudes de

valorização da democracia. Esses dois componentes da sofisticação política demonstram

que cidadãos mais equipados com instrução formal e mais interessados em questões

públicas tem maior capacidade de absorver criticamente o conteúdo televisivo. Já o

outro componente da sofisticação política possui resultado diverso. Aqueles que menos

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acreditam que a política é complicada, ao assistirem mais televisão, mais concordam com

uma alternativa antidemocrática, com intensidade maior do que essas duas variáveis

separadas (comparando-se os coeficientes). Significa que esses menos apáticos têm sua

atitude antidemocrática potencializada ao se exporem à televisão.

Tanto o apoio ao governo Lula quanto a audiência se associam com a

desvalorização dos princípios do regime democrático. Em dois modelos quando aparece

o efeito de interação, essa nova variável mantém essa mesma tendência negativa. Nos

dois casos, entretanto, esse efeito não é potencializado como no caso da eficácia política.

Comparando-se os coeficientes de regressão, o efeito de interação é menor do que o das

duas variáveis de forma independente. Ou seja, a audiência da televisão “atenua” essa

desvalorização de alguns princípios do regime.

A confiança na TV, por sua vez, deveria sempre potencializar o efeito da audiência,

já que pessoas que desconfiam desse meio poderiam rejeitar as mensagens que de

alguma forma estivessem influenciado os indivíduos. De fato, é o que acontece para a

adesão democrática em um dos modelos testados. A confiança na TV potencializa a

atitude antidemocrática de quem mais assiste esse meio. No entanto, ao contrário das

expectativas, essa mesma confiança reverte a desvalorização dos partidos como

essenciais à democracia, associação que a audiência televisiva, de forma isolada favorece.

Esse dado reforça a perspectiva de que as associações negativas entre audiência

televisiva e apoio político encontradas se devem mais ao número de horas assistidas do

que a mensagens antidemocráticas por ventura nela existentes. Indivíduos mais expostos

a mensagens contrárias aos princípios do regime, ao confiarem mais nesse tipo de meio,

deveriam estar mais sujeitos a essa potencial influência, e não o contrário. Nesse caso,

mais investigações nesse sentido se fazem necessárias para entender o porquê da

confiança reverter a desvalorização do papel dos partidos entre aqueles que mais

assistem TV.

É importante notar que as variáveis moderadoras escolhidas não são

necessariamente relevantes para explicar o apoio político em si. Sua escolha se deveu ao

fato de serem elementos importantes que poderiam interagir com as variáveis de

audiência. Esse dado pode ser evidenciado nos modelos analisados. Em quatro deles a

variável moderadora não tem impacto sobre o apoio político de forma isolada. Apenas

quando interage com a audiência televisiva é que ela se torna relevante. Quem mais

confia na mídia, por exemplo, não rejeita mais – nem concorda mais – com a idéia de que

só uma ditadura pode dar jeito no Brasil. Entretanto, essa confiança reforça a

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concordância com essa alternativa antidemocrática por parte daqueles que mais assistem

televisão. Os mais instruídos, por sua vez, não são nem mais, nem menos, próximos aos

partidos políticos. No entanto, maior instrução distancia mais aqueles que mais se expõe

a TV. Neuman (1986) já havia alertado que a sofisticação política, por exemplo, não é

necessariamente determinante para inclinar os indivíduos a determinadas opiniões, mas

funciona como importante variável interveniente. Os dados apresentados aqui sugerem

que o mesmo pode ser verdade também para a confiança depositada na mídia.

A Tabela 7 abaixo mostra os modelos com interações quando a variável

independente principal é a audiência do Jornal Nacional. A escolaridade favorece a adesão

democrática, nos modelos analisados, mas distancia os cidadãos dos partidos políticos. A

eficácia política tem relação inversa, favorecendo a proximidade aos partidos políticos,

mas ao mesmo tempo se associando a atitudes antidemocráticas. As outras variáveis

moderadoras (interesse por política, adesão ao governo Lula e confiança na mídia)

apresentam a mesma relação, qual seja a de favorecer a proximidade com os partidos

políticos. Diferentemente dos modelos com a variável audiência televisiva, entretanto, os

modelos com a TXJN não apresentaram nenhum efeitos de interação.

Tabela 7: Taxa JN e Apoio Político (interações)

Coeficientes de regressão (beta) da taxa JN com variáveis moderadoras

Discorda daria cheque em branco a

líder salvador que resolvesse os problemas

Proximidade aos partidos políticos

TXJN 0,064*** 0,049** Sexo ns - 0,062*** Idade ns ns Renda 0,065** 0,058** Escolaridade 0,125*** - 0,077*** interesse política ns 0,258*** adesão gov. Lula ns 0,139*** confiança mídia ns 0,086*** eficácia política - 0,109*** 0,075*** TXJN vs. Escolaridade ns ns TXJN vs. interesse política ns ns TXJN vs. adesão gov. Lula ns ns TXJN vs. confiança mídia ns ns TXJN vs. eficácia política ns ns R2 0,036 0,133

N 1716 1782

Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= 2004. Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).

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21

BREVES CONCLUSÕES

A mídia é um fator relevante a ser considerado quando se trata do entendimento

dos cidadãos acerca dos assuntos do Estado. A informação contida nela pode auxiliar no

engajamento dos cidadãos com a democracia, ou torná-los mais avessos a princípios

democráticos. Para entender o papel que a mídia representa para o apoio público à

democracia, é preciso levar em conta uma dupla multidimensionalidade: do apoio político

e da própria mídia.

Os dados aqui apresentados confirmam esse papel plural dos meios de

comunicação, a depender tanto do meio, quanto da dimensão de apoio político em

questão. De um lado, o telejornal Jornal Nacional se apresentou como elemento positivo

para a adesão democrática e para a valorização dos partidos políticos, de maneira

semelhante à confiança institucional, bem como à satisfação com o desempenho do regime

(MESQUITA, 2010). No entanto, o número de variáveis em que a audiência do

telenoticiário se mostrou relevante para as dimensões testadas aqui, foi pequeno em

comparação aos apresentados em relação à confiança institucional.

Os resultados sugerem que a mídia jornalística parece ser mais relevante para

essas dimensões mais pragmáticas, do que para as variáveis que representam dimensões

de ordem mais normativa. Essa diferença faz sentido, já que telejornais apresentam

informações diretamente ligadas ao funcionamento de governos e instituições. Quanto

mais os cidadãos se expõe a esse tipo de informação, maior a capacidade de se formar

uma atitude frente aos mesmos. Questões mais normativas como as dos princípios do

regime democrático, bem como a importância dada aos partidos políticos, são mais

indiretamente ligadas aos conteúdos jornalísticos, o que explica os resultados mais

modestos apresentados aqui.

Por outro lado, resultados mais robustos foram verificados em relação ao

consumo de televisão no geral, onde verificou-se uma associação com um maior número

de variáveis testadas. De maneira geral, esse tipo de audiência se associa negativamente

a variáveis que representam a adesão democrática e a valorização dos partidos políticos,

conforme a hipótese do estudo. Não obstante esse papel negativo, os dados também

apontaram que a televisão favorece uma maior adesão à comunidade política.

Esses resultados demonstram que é preciso cautela ao se responsabilizar um viés

antipolítico da mídia por atitudes negativas que os cidadãos tem relação à democracia.

Ainda que se aceite como fato uma atitude mais crítica em relação à política por parte da

mídia jornalística, existe controvérsias sobre isso representar, por extensão, também

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uma atitude antiinstitucional. Aqui, como na literatura especializada internacional focada

em surveys (NORRIS, 2000; NEWTON, 1999), o telejornal tem aparecido constantemente

como fator positivo para a qualidade democrática.

Já com relação à audiência televisiva, os resultados confirmam, de alguma forma,

preocupações levantadas quanto ao seu significado para percepções da democracia no

Brasil. Ainda assim, esses resultados demandam cautela, já que parecem estar mais

associados ao tempo gasto com a televisão do que aos conteúdos nela existentes. Para

se confirmar possíveis efeitos negativos de conteúdos, seriam necessários mais estudos

com surveys que contassem com perguntas mais detalhadas sobre a programação

assistida. Estudos de recepção também poderiam ser úteis nesse sentido. Além disso,

ressalta-se que o papel da televisão em relação à adesão dos cidadãos à comunidade

política é positivo.

Esse resultado positivo para o orgulho da nacionalidade poderia estar relacionado

com a grande penetração da televisão pelo território nacional, com a disseminação de

valores comuns. Tomando como exemplo o gênero das telenovelas, todas as classes

sociais assistem a esse tipo de programação, conversando sobre seus temas e tramas, o

que demonstra o papel da televisão como laço social. Ao se mostrar como espelho da

sociedade brasileira, as novelas se apresentariam, ainda, como fator estruturador da

identidade brasileira (WOLTON, 1996). Assim, o papel da televisão pode ser visto como

paradoxal. Ainda que – a exemplo dos dados internacionais – pareça estar ligado de

alguma forma a atitudes mais negativas em relação à política, ao mesmo tempo parece

desempenhar, no caso brasileiro, um papel ativo – possibilitando que as audiências

construam entendimentos complexos sobre o passado, o presente e o futuro do país.

Os modelos com as variáveis de interação também demonstram a importância de

se considerar outros fatores na mediação da mensagem. Cidadãos mais instruídos e mais

interessados por política parecem se relacionar de forma diferente com a audiência

televisiva, já que essas características beneficiam - ao invés de desfavorecerem - a adesão

aos princípios do regime. Uma explicação poderia ser diferenças cognitivas entre esses

indivíduos no momento de processar mensagens semelhantes. Como a programação

televisiva é plural, e não se pode saber de antemão se as pessoas estão expostas ao

mesmo tipo de mensagem, seria possível afirmar, também, que essa diferença se deve a

um padrão distinto de consumo dessa mídia. É plausível que aqueles com maior

instrução formal e mais interessados em política se exponham a programações de

conteúdos diversos, com maior ênfase em programas de informação, por exemplo, em

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comparação aos demais indivíduos, o que explicaria esse efeito de interação. De uma

maneira ou de outra, reforça-se a importância de mais estudos sobre o impacto de

diferentes conteúdos apresentados pela televisão.

Mais do que constatar o papel plural da mídia para a qualidade democrática, os

resultados reforçam a idéia de que não se deve encarar indivíduos como impotentes

diante do poder da mídia. Diversos fatores como a sofisticação política, a confiança que

se tem no meio e também convicções políticas – como o apoio ao governo da vez –

interagem com essa mensagem dos meios de comunicação. Mais do que o potencial de

rejeitar determinadas mensagens, os resultados aqui sugerem que indivíduos interagem

com elas de maneiras distintas, a depender dos elementos característicos de cada um.

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ANEXO

Variáveis Utilizadas

Audiência de TV “Quantas horas por dia você gasta assistindo TV (Até 1, 2, 3, 4, 5 horas, mais de 5 horas? Ou você não costuma assistir TV?)” Audiência do Jornal Nacional “Com que freqüência você assiste o Jornal Nacional da TV Globo durante a semana? (1, 2, 3, 4, 5 vezes, todos os dias ou você nunca assiste o Jornal Nacional?)” Adesão aos princípios democráticos Gostaria que você dissesse se (discorda muito, discorda pouco, concorda pouco, concorda muito): “quando há uma situação difícil no Brasil, não importa que o governo passe por cima das leis, do Congresso Nacional e das instituições para resolver os problemas do País”. “prefiro a democracia do que um líder salvador que tenha todo o poder, sem ser controlado pelas leis” “Se o País enfrenta dificuldades sérias, o presidente pode deixar de lado o Congresso os partidos e tomar as decisões sozinho” “O País funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder” “Eu daria um cheque em branco a um líder salvador que resolvesse os problemas do País” “Só uma ditadura pode dar jeito no Brasil” “Qual das afirmações concorda mais: ‘ A Democracia é sempre melhor do qualquer outra forma de governo’; ‘ em certas circunstâncias é melhor uma ditadura do que uma democracia’; ‘tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura’.” (Codificação: Democrata vs outros). Adesão à comunidade política “Você tem orgulho de ser brasileiro?” (muito orgulhoso, orgulhoso, pouco orgulhoso, nada orgulhoso) Valorização do papel de representação dos partidos políticos “Falando dos partidos políticos brasileiros, como você se sente em relação a eles?” (muito próximo, próximo, pouco próximo, não é próximo a nenhum” “O Brasil seria bem melhor se existisse apenas um partido político” “Falando de Democracia, você acha que a democracia te a ver com: a existência de diversos partidos políticos?” (tem muito a ver, tem a ver, tem pouco a ver, tem nada a ver) Variáveis moderadoras: Eficácia política: “Vou ler algumas frases sobre política e gostaria de saber se: As vezes a política e o governo parecem tão complicados que uma pessoa como você não pode realmente entender o que está acontecendo” (discorda muito, discorda pouco, concorda pouco, concorda muito). Interesse por política: “E quanto ao seu interesse por política, você diria que é: muito interessado, interessado, pouco interessado ou nada interessado” Escolaridade: Grau de instrução: Analfabeto/primário incompleto; primário completo; ginásio incompleto; ginásio completo; colégio incompleto; colégio completo; universitário incompleto; universitário completo ou mais. Confiança na TV: “Vou citar alguns órgãos públicos e particulares e gostaria de saber qual o grau de confiança que você tem em cada um deles: na televisão” (muita confiança, alguma confiança, pouca confiança, nenhuma confiança) Adesão ao governo Lula: “Na sua opinião o Presidente Lula está fazendo um governo muito bom, bom, ruim ou muito ruim?” (regular espontâneo)

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1

VI.

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E SEUS RETORNOS POLÍTICOS DECRESCENTES

ROGERIO SCHLEGEL

INTRODUÇÃO

O aumento da escolaridade média verificado no país nas últimas décadas terá mudado

o comportamento político do brasileiro? Este capítulo pretende fazer avançar a resposta a essa

pergunta. A perspectiva teórica convencional espera que aumentos da instrução formal da

população torne seus comportamentos e atitudes mais democráticos. Essa expectativa é

compartilhada pelas elites brasileiras, que consideram que o baixo nível de escolaridade da

população é o principal entrave à democracia, segundo os mais recentes dados disponíveis

(REIS, 2000).

A educação é dos fatores mais relevantes como preditor do comportamento político do

cidadão. Mesmo em modelos multicausais, a escolaridade costuma ser apontada nos estudos

da Ciência Política como um dos determinantes cruciais para atitudes desejáveis para a

convivência democrática, como apoio à democracia e disposição de participar. No nível

individual, a instrução formal é a variável socioeconômica e demográfica com os mais claros

efeitos em análises do tipo transversal (cross-sectional), que contemplam um único ponto no

tempo. Nesses estudos, ela aparece em correlação consistente, forte e positiva com dimensões

como interesse por política, uso da mídia, conhecimento de informações políticas,

comparecimento às urnas ou com indicadores relacionados a atitudes democráticas e

legitimidade, como tolerância, eficácia política e confiança nas instituições – neste último caso,

com sinal negativo. Por conta disso, a educação já foi descrita como “solvente universal” em

tentativas de explicar diferentes facetas do comportamento político (CONVERSE, 1972).

O impacto de mudanças nos níveis médios de escolarização de uma nação foi teorizado

apenas lateralmente nos estudos que lançaram a base para a compreensão das relações entre

educação e política. Há um ponto em comum nessas análises: a partir das associações válidas

para a escolaridade elevada em um ponto do tempo, o usual foi inferir resultados semelhantes

para a elevação da escolaridade ao longo do tempo. Nessa linha, o aumento da escolarização foi

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2

retratado como “provavelmente o mais importante” elemento para criar e manter a adesão à

democracia (DAHL, 1961), COmo determinante crucial da cultura cívica, capaz de gerar um ator

político diferenciado (ALMOND E VERBA, 1965), e como fator cuja expansão na sociedade torna

“muito provável” a elevação da participação e da atenção à política (CONVERSE, 1972). A

presunção de que o aumento da escolaridade média leva ao aumento sustentado do

conhecimento sobre política, da participação, da tolerância e do apoio à democracia pode ser

descrita como “visão dominante” nos meios acadêmicos (NIE ET AL., 1996: 97/98) e, para maior

clareza na argumentação, será chamada aqui de perspectiva convencional.

Ocorre que evidências empíricas abundantes contrariam a expectativa central dessa

abordagem. Já no final dos anos 1970, Brody (1978) apresentava o que chamou de “quebra-

cabeça da participação”: indicadores de ativação política nos Estados Unidos mostravam queda

na comparação com décadas anteriores, apesar de os recursos materiais e cognitivos – com

destaque para a educação – terem crescido de maneira pronunciada no conjunto da população.

Nie et al. (1996) apontaram estagnação ou declínio em diferentes dimensões da participação e

da atenção dada pelos norte-americanos à política no período 1972-1994. Delli Carpini e Keeter

(1996) apuraram que, no agregado, o conhecimento sobre política não cresceu nos Estados

Unidos entre os anos 1950 e a década de 1990, apesar do aumento nos níveis médios de

instrução. Em análise com 94 países, Acemoglu et al. (2004) constataram que nações com

aumento da escolaridade média entre 1970 e 1995 não mostraram tendência de se tornarem

mais democráticas pelos critérios da Freedom House.

O contexto brasileiro recente é especialmente promissor para a investigação das

relações entre educação e comportamento político. Nas últimas décadas, o acesso à escola

passou por um crescimento espetacular, atingindo proporções inéditas no país e com ritmo

raro no restante do mundo (CASTRO, 2007; MENEZES FILHO, 2008). Houve clara elevação da

escolaridade média da população (BARRO E LEE, 2000), mas com prejuízo para a qualidade do

ensino oferecido – definida em termos de retenção de conhecimento e desenvolvimento de

capacidades cognitivas. Terá essa expansão produzido o cidadão diferenciado previsto pela

abordagem convencional – alguém que se interessa por política, é participativo, tem apreço

pela democracia e saudável desconfiança nas instituições democráticas, por exemplo?

As sucessivas pesquisas de opinião realizadas por iniciativa dos coordenadores do

projeto A Desconfiança do Cidadão das Instituições Democráticas oferecem meios para

perseguir a resposta a essa pergunta. São quase duas décadas cobertas por questionários

avaliando o comportamento político do brasileiro com questões idênticas ou similares. Dados

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3

que, ainda que distantes do desenho de pesquisa ideal para o tema, têm o mérito de tornar

viável uma análise inédita sobre a questão. Aqui, me proponho a avaliar o impacto a

escolaridade em três frentes: apoio à democracia; diferentes dimensões da participação; e a

confiança nas instituições democráticas.

Em lugar de uma resposta direta e difícil de sustentar dada a complexidade do tema,

ofereço uma avaliação sobre a recompensa representada pela escolaridade no nível individual.

Para avaliar o impacto da educação, não basta descrever a trajetória ao longo do tempo do

comportamento político no agregado. Trabalho com a ideia de retorno político associado à

transição entre os diferentes níveis de escolarização. Por exemplo, quanto o ensino médio

representa de diferencial, em matéria de comportamento político, quando comparado ao

fundamental. Dessa forma, é possível quantificar o impacto da escolaridade em um ponto do

tempo e também comparar o ganho adicionado em diferentes pontos do tempo.

As evidências para o caso brasileiro contrariam a perspectiva convencional tanto na abordagem

transversal quanto na longitudinal, como se verá em detalhes adiante.

Além desta introdução, este capítulo tem outras quatro seções. Na próxima, discuto

modelos teóricos para entender os impactos políticos da educação, sobretudo nas três frentes

analisadas – apoio à democracia, participação e confiança institucional. Em seguida, descrevo o

contexto educacional brasileiro, marcado por expansão do sistema de ensino e queda na

qualidade nas últimas décadas. Na seção seguinte, apresento duas hipóteses e reproduzo as

análises estatísticas usadas para testá-las. Na conclusão, discuto as evidências encontradas.

A EDUCAÇÃO E SEUS EFEITOS

Há associações recorrentes entre escolaridade e comportamento político em estudos

transversais – tipo de análise que constituiu o padrão para a investigação das relações entre

educação e política (ACEMOGLU ET AL., 2004). No entanto, é grande a dificuldade de

estabelecer cadeias causais que dêem conta dessas relações, sobretudo devido ao impacto

abrangente da instrução formal sobre o indivíduo (BARRO, 1999; HYLLIGUS, 2005; CAMPBELL,

2009). No que toca à influência sobre o comportamento político, três efeitos amplos da

escolarização são especialmente relevantes:

- Desenvolvimento das capacidades cognitivas – Representado pela ampliação das habilidades

intelectuais que favorecem a compreensão e a capacidade de aprender. Por meio do

treinamento obtido ao longo da vida escolar, a pessoa aprende a categorizar e relacionar

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objetos do mundo objetivo, interpretar situações e resolver problemas. Os mais escolarizados

têm conhecimento mais amplo e profundo não apenas de fatos enciclopédicos, mas também

de seu mundo contemporâneo. Entre eles, é maior a probabilidade de buscar conhecimento

novo e de se manter conectado a fontes de informação ao longo de toda vida (HYMAN ET AL.,

1975; DELLI CARPINI E KEETER, 1996).

- Aprendizado de valores - Frequentando a escola, o indivíduo é socializado nos valores

prevalecentes na sociedade ou em seu grupo social, introjetando as regras sociais. Ela é um

canal para a manutenção de valores (BORDIEU E PASSERON, 1990), para eventual mudança de

valores (INGLEHART, 1993) e para o aprendizado das formas que a convivência social deve ter

(GLAESER ET AL., 2007).

- Efeitos posicionais ou de credencial – Por meio da escolarização, o indivíduo também

“aprende” seu lugar na sociedade e nas redes sociais, posição com grande influência de seu

background familiar (BORDIEU E PASSERON, 1990; NIE ET AL., 1996). Além disso, os títulos

educacionais são quesito relevante considerado nas seleções por que o indivíduo passa na vida.

Possuir determinado nível de escolaridade, independentemente do conhecimento e das

habilidades associadas a ele, favorece seu posicionamento social (COLLINS, 1979; WOLF, 2002).

Neste estudo, optei por abordar os impactos da educação sobre apoio à democracia,

participação e confiança em instituições diretamente envolvidas no funcionamento

democrático – governo, Congresso, partidos e Judiciário. Embora se trate de escolha

condicionada pelas variáveis disponíveis nas pesquisas de opinião analisadas, a literatura do

campo relata efeitos marcantes da escolaridade nas três frentes. E as três podem ser tomadas

como atitudes ou comportamentos políticos desejáveis para a convivência democrática, pelas

razões que discuto a seguir. Passemos aos marcos teóricos fundamentais para cada uma dessas

frentes e à discussão sucinta sobre a operacionalização de cada uma delas.

APOIO À DEMOCRACIA

Do ponto de vista empírico, é recorrente a correlação entre escolaridade e apoio à

democracia observando um único ponto no tempo. Mas não são inequívocos os mecanismos

mobilizados. Desenvolvimento da tolerância, rejeição a estruturas hierárquicas de poder e

preferência pela solução pacífica de conflitos são alguns dos elementos pesquisados em

décadas de estudos sobre o tema.

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Pelo lado das conseqüências, o apoio à democracia e seus princípios é desejável para

convivência na comunidade política por se tratar de uma das dimensões da legitimidade que

sustenta esse regime político. É ele que leva os cidadãos a aceitar as derrotas inerentes à

democracia, que se caracteriza justamente pela incerteza do resultado dos conflitos entre

diferentes interesses. É questionável se baixos níveis de apoio ao regime democrático levam a

ditaduras, revolução ou guerra civil, como já cogitado. A pesquisa recente demonstra que

queda nos níveis de apoio aos princípios democráticos tende a afetar negativamente a

disposição de participar (BOOTH E SELIGSON, 2009).

No Brasil, estudos apontam crescente e elevado apoio aos princípios democráticos nas

últimas décadas. Perto de dois terços dos cidadãos consideram a democracia o melhor regime

político (MOISÉS E CARNEIRO, 2008). Os estudos costumam utilizar questão em que a

preferência pela democracia aparece contrastada com a escolha por um regime autoritário e há

possibilidade de o entrevistado declarar que “tanto faz” qual o tipo de regime instalado no

país. Trata-se de uma forma de levar em conta a memória dos cidadãos com a experiência

autoritária vivida até 1988 e também de captar a indiferença diante dos dois pólos (MOISÉS,

1995; MENEGUELLO, 2007). Os surveys utilizados neste capítulo foram elaborados com esse

espírito e foi possível traçar a tendência de preferência pela democracia ao longo de 17 anos

com base nessa questão. Também foram utilizadas como indicador de apoio ao regime as

respostas “não sei” à questão sobre o significado da democracia, seguindo estudos anteriores

em contextos de baixa escolaridade, como a África Subsaariana (BRATTON ET AL., 2005).

Por fim, mostrou-se metodologicamente interessante utilizar perguntas dos

questionários que permitissem avaliar a aprovação a princípios democráticos sem que fosse

mencionada a palavra democracia – uma maneira de minimizar o eventual viés causado pelo

sentido positivo que a expressão carrega na atualidade (DALTON, 2004). Exploro aqui a defesa

da atuação de um líder “salvador” ou “que coloque as coisas no lugar”, para captar

concordância com o que O’Donnell (1991) definiu como democracia delegativa. Espera-se que

essa atitude diminua de intensidade com maiores níveis de escolaridade – mesma tendência

prevista para o desconhecimento do significado da democracia.

PARTICIPAÇÃO

Os mais escolarizados tendem a participar mais por canais convencionais –

comparecendo para votar, por exemplo – e não-tradicionais – como tomando parte em

associações voluntárias, abaixo-assinados ou manifestações (VERBA ET AL., 1995). Também em

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6

novos campos de participação, como via Internet, escolaridade costuma estar correlacionada

com maior ativação (BEST E KRUEGER, 2005).

A explicação central para essa associação é de que a escolaridade diminui os custos,

aumenta os recursos e estimula a motivação para participar (Verba et al., 1995). Pelo lado de

custos e recursos, as capacidades cognitivas ampliadas que vêm com a instrução formal tornam

o sistema político mais fácil de compreender. Também aumentam o acesso à informação

factual e sobre o funcionamento do sistema político. A educação ainda traz ganhos em outras

áreas que, da mesma forma, representam recursos adicionais para a participação; o mais

decisivo deles é a renda ampliada.

Aqui apresento a participação como desejável para a convivência democrática porque

os mais ativos têm mais chances de terem seus interesses atendidos pelo sistema político. E,

normativamente, é desejável que as decisões coletivas considerem igualitariamente as

preferências de cada cidadão.

Na operacionalização do conceito de participação, levo em conta que se trata de objeto

amplo, com diferentes dimensões, nas quais atuam mecanismos específicos. Assim, a

participação por canais tidos como tradicionais, por envolver instituições consagradas como

intermediadoras na política (voto e partidos, por exemplo), tende a apresentar queda

sustentada no período observado (INGLEHART, 2002; DALTON, 2004); canais menos

institucionalizados (como a subscrição de abaixo-assinados) se tornam proeminentes. As

chamadas novas formas de participação, que apresentam menos coordenação das elites e mais

atuação espontânea do cidadão isolado ou em redes horizontais, são apontadas como até mais

dependentes das habilidades e recursos individuais do cidadão, inclusive a escolaridade

(DALTON E KLINGEMANN, 2007).

A partir da tipificação proposta por Topf (1995), trabalho com variáveis que

representam diferentes dimensões da participação: no campo convencional, observo a

disposição de votar e a participação em partidos; no campo das novas formas de ação, analiso a

atuação em grupos formais ou informais e diferentes formas de protesto (participar de

sindicato, assinatura de abaixo-assinado, tomar parte em manifestações e participar de

greves). Duas variáveis gerais de ativação também foram incluídas na análise: interesse por

política e atração (exposição ou atenção) por notícias políticas.

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CONFIANÇA EM INSTITUIÇÕES

A confiança em instituições é outra dimensão da legitimidade democrática,

caracterizada por ter dinâmica autônoma se cotejada a outros níveis de apoio ao regime.

Moisés (2005) já apontou o aparente paradoxo existente no Brasil e em outros países latino-

americanos, nos quais elevados níveis de preferência pela democracia convivem com reduzida

confiança institucional. Em estudo recente envolvendo México e sete países centro-

americanos, maior escolarização apareceu associada a aumento do apoio aos princípios

democráticos e a redução da confiança nas instituições (BOOTH E SELIGSON, 2009).

É discutível o sentido da associação entre escolaridade e confiança nas instituições. Nie

et al. (1996) não detectaram correlação robusta entre os dois. Schlegel (2005) relatou

associações com sinais diferentes para dimensões diversas da avaliação de instituições

democráticas: no caso de avaliações imediatas de Congresso, partidos e governo, a correlação

tinha sinal negativo, isto é, maior escolaridade representava pior avaliação; avaliações

relacionadas ao papel de políticos e partidos no regime tiveram sinal positivo.

Aqui adoto como premissa a noção de que a educação desenvolve no cidadão

ferramentas que permitem observar com maior clareza os déficits no funcionamento das

instituições democráticas. A capacitação cognitiva e o aumento do acesso à informação

trazidos pela instrução formal fazem com que maior educação apareça associada à menor

confiança (NORRIS, 1999). As pesquisas empregadas oferecem oportunidade de testar quatro

dimensões da confiança: no governo, no Congresso, nos partidos e no Judiciário.

O CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO

O que torna o Brasil um caso privilegiado para a observação dos impactos políticos da

instrução formal é seu contexto educacional singular. Marcado por um atraso histórico, o

sistema de ensino brasileiro passou por uma expansão espetacular nas últimas décadas

(gráfico 1). A virtual universalização do nível fundamental foi acompanhada de queda na sua

efetividade, em termos de desenvolvimento de habilidades e retenção de conhecimentos.

Ensino médio e superior também viveram boom em termos de matrículas, no caso do primeiro

com efeitos negativos para a qualidade demonstrados em estudos quantitativos.

A trajetória descrita em balanços de diferentes matizes pedagógicos é de crescente

democratização da educação, porém com claros prejuízos à qualidade, que já não era a

desejável antes do início do processo (TORRES, 1998; SCHWARTZMAN, 2005; OLIVEIRA E

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8

ARAÚJO, 2005; CASTRO, 2007). Mas faltam dados que permitam avaliar mais precisamente as

características da perda de qualidade do ensino ocorrida paralelamente à expansão acelerada.

Qual teria sido o auge do sistema brasileiro em termos de qualidade ou qual a magnitude da

sua queda, por exemplo?

Gráfico 1 - Média de anos de estudo no Brasil

Fonte: Barro e Lee (2000), disponível em http://www.cid.harvard.edu/ciddata/ciddata.html

2,5

3,0

3,5

4,0

4,5

5,0

1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000

Pop de 25 anos ou + Pop de 15 anos ou +

Só a partir de 1995 há testes que permitem a comparação do desempenho dos alunos

em diferentes anos de aplicação. Naquele ano, o Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico1)

adotou metodologia com comparabilidade de um ano para o outro, aplicada às áreas de língua

portuguesa e matemática (gráficos 2 e 3). A prova utiliza um sistema de pontos em que os

níveis de aprendizado são tomados como cumulativos e é fixado o patamar desejável para cada

série analisada em uma escala que vai de 0 a 500 pontos.

A análise longitudinal das médias sugere processos de relevância para este estudo:

- No caso da 4ª série do fundamental, houve queda nas médias durante a segunda metade dos

anos 1990, seguida de recuperação no restante do período;

- Para a 8ª série do fundamental, foi registrada queda na segunda metade dos anos 1990,

tendendo à estabilização no final do período;

- Na 3ª série do médio, houve tendência acentuada de queda ao longo do período, com

estabilização apenas na última avaliação; no intervalo, este foi o nível de escolaridade com

maior queda na média de desempenho, em termos absolutos e relativos.

1 Implementado no Brasil em 1990, o Saeb envolve provas realizadas de dois em dois anos com alunos da 4ª e 8ª séries

do fundamental e da 3ª série do ensino médio. A base desse sistema de avaliação é amostral e também são aplicados questionários contextuais com diretores, professores e alunos.

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Gráficos 2 e 3 – Média de pontos no Saeb de língua portuguesa e matemática

Fonte: Inep (2007)

Apenas o resultado dos alunos da 4ª série do fundamental em matemática superou a

primeira marca, de 12 anos antes. As maiores quedas na comparação das duas pontas das séries

históricas ficaram para o nível médio, com o desempenho da 8ª série do fundamental

mostrando tendência intermediária. Isso sugere que cada uma dessas etapas de escolarização

– séries iniciais do fundamental, séries finais do fundamental e ensino médio – vive momento

diferente na trajetória de sua qualidade.

O mesmo ocorre em termos de expansão. Enquanto o fundamental teve seu pico de

crescimento entre 1960 e 1980, o médio passou por boom a partir do início dos anos 1990,

ainda mais pronunciado na segunda metade da década (gráfico 4). O médio apresentou a maior

perda de qualidade entre 1995 e 2007, coincidindo com sua fase de crescimento acelerado. O

período analisado aqui a partir das pesquisas de opinião coincide justamente com o de

aceleração mais marcada na expansão do médio.

A quase totalidade dos estudos sobre impactos da educação no comportamento

político não leva em conta a qualidade do ensino. De um lado, as pesquisas que fundaram as

bases desse campo de investigação foram realizadas nos Estados Unidos e países europeus,

nações que não experimentaram expansão tão concentrado e capaz de fazer oscilar a

qualidade do aprendizado de forma tão dramática quanto no caso brasileiro. De outro lado, o

usual é surveys e bases de dados sobre comportamento político não contemplarem com

riqueza de detalhes o processo educacional por que passaram os indivíduos. No entanto,

estudos que podem ser considerados exceção detectaram associação consistente entre

medidas de desenvolvimento cognitivo, escolaridade e comportamentos como engajamento

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cívico (Nie et al., 1996) e disposição de votar (Hillygus, 2005)2. Embora o desenho deste estudo

não permita incluir a qualidade nos modelos para explicar o comportamento individual, ela será

considerada na elaboração de nossas hipóteses, na seção seguinte.

Gráfico 4 – Expansão do ensino fundamental e do médio Taxa líquida da escolarização* (em %)

Fonte: Inep *A taxa de escolarização líquida representa a relação entre o número de matrículas em dado nível de instrução comparado com o número de indivíduos da população com a idade esperada para aquele nível (7 a 14 anos, no caso do fundamental, e 15 a 17 para o médio)

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000

Fundamental (7 a 14 anos) Médio (15 a 17 anos)

HIPÓTESES, DADOS E ANÁLISES

Neste capítulo, testo duas hipóteses formuladas a partir da revisão da perspectiva

convencional sobre educação e política, cotejada com o contexto educacional brasileiro:

• Em cada ponto do tempo observado isoladamente, a educação mostra impactos

positivos nos comportamentos e atitudes relacionados ao apoio à democracia e à

participação; no caso da confiança nas instituições, a associação tem o sentido inverso

(mais escolaridade será acompanhada de menos confiança);

• A recompensa política dos níveis mais elevados de instrução (médio e superior) caiu no

intervalo analisado (entre o fim dos anos 1980 e meados dos anos 2000).

A primeira hipótese se destina a verificar se a perspectiva convencional, que prevê

associação entre a educação e as variáveis políticas escolhidas, é válida para as condições

2 Nie e colegas incluíram uma medida de proficiência cognitiva em seu Citizen Participation Study, de 1990, pela qual os

respondentes eram convidados a identificar o significado de 10 palavras a partir de um grupo de respostas; essa avaliação mostrou associação positiva com anos de escolarização e com variáveis relacionadas à de participação. Hillygus empregou o Scholastic Achievement Test (SAT), destinado a medir a proficiência verbal de alunos prestes a iniciar a faculdade, e encontrou associação com dimensões da ativação política;

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brasileiras contemporâneas. Ela será confirmada se, nos modelos de regressão logística

apresentados mais adiante, maior escolaridade representar maiores chances de os cidadãos

relatarem atitudes e comportamentos mais democráticos. Estudos recentes da OCDE

(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) avaliam os “resultados

sociais da educação” (“social outcomes of education”, OECD, 2009: 170) utilizando

metodologia semelhante: surveys nacionais e o cálculo das diferenças atitudinais entre níveis

de escolaridade para avaliar os ganhos adicionados (OECD, 2007 e 2009)3.

A segunda hipótese envolve avaliar a maneira como o crescimento da escolaridade no

Brasil impactou comportamentos políticos ao longo das últimas décadas. Traçar simplesmente

a trajetória de dado comportamento no tempo para o agregado da nação não permitiria

discriminar o efeito independente gerado pelo aumento da escolarização. Digamos que a

desconfiança em relação às instituições tenha crescido desde os anos 1980 no conjunto da

população; como saber qual parcela dessa variação pode ser atribuído ao aumento da

escolaridade média dos cidadãos? O encolhimento da confiança poderia ser fruto de mudanças

históricas ou políticas, como a mudança no papel desempenhado pelos partidos no jogo

político, por exemplo. Supero essa limitação isolando o efeito independente da escolaridade

nas pontas do intervalo de 17 anos cobertos pelos surveys que utilizei. Verifico qual o retorno

agregado pelos diferentes níveis de escolaridade em cada extremidade e o comparo com o

retorno do outro extremo do período.

Levando em conta a queda na qualidade descrita por avaliações e estudos específicos, a

hipótese 2 tem caráter negativo: a expectativa é de que o retorno político da educação para

cada faixa de ensino tenha decrescido no intervalo.

Se confirmada, essa não será uma conclusão trivial, pois recompensas decrescentes

colocam em xeque a perspectiva tradicional para os efeitos do aumento da escolaridade no

tempo. A inferência de que a elevação do nível médio de educação de uma nação será

acompanhada de ganhos sustentados em comportamentos políticos parte do pressuposto de

que a recompensa do acréscimo de instrução no nível individual tem padrão estável no tempo.

Um exemplo: a previsão de que o conjunto dos cidadãos terá atitude mais democrática com a

popularização do ensino superior se baseia na ideia de que aumentará a proporção de pessoas

3 Três indicadores são considerados nesses estudos: auto-avaliação da saúde do indivíduo, seu interesse por

política e seu nível de confiança interpessoal. Os dois últimos refletiriam a “coesão da sociedade” (“cohesiveness of society”, OCDE, 2009: 170). A partir de dados do European Social Survey, ondas de 2004 e 2006, e do World Values Survey, onda 2005, os relatórios têm constatado que a relação entre educação e interesse por política (assim como a auto-avaliação da saúde) é positiva e consistente em grande número de países. Com a confiança interpessoal, a associação costuma ser positiva, mas menos consistente.

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com o comportamento esperado de um universitário (no caso, maior apoio à democracia); a

premissa subjacente é que o comportamento dos futuros universitários no ponto t1 será igual

ao do universitário médio no ponto t0. Se o comportamento político do futuro universitário

ficar aquém do esperado, num sinal de mudança do padrão da recompensa pela escolaridade

adicionada, não se pode garantir que haverá a evolução prevista para o agregado. No final do

período, pode haver maior proporção de universitários, que no entanto não terão

comportamento político diferenciado em relação a cidadãos com nível menor de escolaridade.

O achado também não será trivial considerando que a qualidade do processo de ensino e

aprendizagem costuma ser ignorada nos estudos internacionais sobre efeitos políticos da

educação. Detectar possível relação entre qualidade em queda e recompensa decrescente

serviria de alerta para essa omissão recorrente.

DESCRIÇÃO DAS PESQUISAS DE OPINIÃO

Esta empreitada representa desafio especial em termos de metodologia por ao menos

dois motivos: tem a ambição de cobrir décadas de mudança no comportamento do brasileiro e,

justamente por isso, utiliza dados secundários. Idealmente, um estudo destinado a analisar o

impacto no nível individual do aumento da escolaridade verificado nacionalmente envolveria

desenho de pesquisa complexo. Um estudo de painel poderia ser cogitado, mas haveria grande

risco de esgotamento, devido à dificuldade de localizar os mesmos entrevistados ao longo de

período tão longo (Babbie, 2001).

Sigo na trilha aberta por pesquisas com limitações semelhantes, mas que resultaram

em aproximações consistentes o bastante para gerar grande impacto em campos correlatos

(em especial JENKS ET AL., 1972; HYMAN ET AL., 1975, PAGE E SHAPIRO, 1992; DELLI CARPINI E

KEETER, 1996). Em comum, elas têm a análise secundária de dados e o uso de questões

semelhantes pinçadas de pesquisas de opinião com diferentes desenhos amostrais4.

4 Essa prática é recorrente em estudos de tendência com a ambição de abranger longos períodos (Babbie, 2001:102).

Nesse tipo de estudo, uma população é amostrada em pontos diferentes do tempo e, ainda que os indivíduos entrevistados sejam diversos em cada survey, cada amostra representa a mesma população. Dessa forma, um estudo transversal se aproxima de um longitudinal. Mesmo pesquisadores que fazem objeções ao uso de surveys para inferências acerca de processos que se desdobram no tempo são capazes de admitir seu uso para mudanças temporais quando os instrumentos utilizam questões idênticas ou “muito similares” para amostras representando a mesma população (Skocpol e Fiorina, 1999:7).

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Tabela 1 – Pesquisas de opinião utilizadas Ano Título Iniciativa (realização) Amostra N 1989 Cultura e Política José Álvaro Moisés (Cedec/Datafolha) Nacional 2.083 1990 Cultura e Política José Álvaro Moisés (Cedec/Datafolha) Nacional 2.480 1993 Cultura e Política José Álvaro Moisés (Cedec/Datafolha) Nacional 2.526 2002 ESEB (Estudo Eleitoral

Brasileiro Rachel Meneguello (Cesop - Centro de Estudos da Opinião Pública, Unicamp)

Nacional 2.514

2006 Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas

José Álvaro Moises/Rachel Meneguello (Grupo temático A Desconfiança nas Instituições Democráticas)

Nacional 2.004

Na América Latina, pesquisas de opinião raramente repetem questões idênticas por

muito tempo (Booth e Seligson, 2009). Nesse sentido, as pesquisas brasileiras utilizados neste

livro são exceção honrosa, pois cobrem 17 anos (1989-2006) repetindo parte relevante das

questões sobre cultura política e sempre com amostragem nacional (tabela 1)5.

Os contextos políticos em que foram aplicados os questionários por vezes sugerem

influência direta nos dados observados e merecem ser lembrados ainda que de forma sintética.

A pesquisa de 1989 foi realizada no mês de setembro do ano da primeira eleição direta para

presidente, após os 21 anos de ditadura militar, e menos de 12 meses após a promulgação da

Constituição de 1988, que representou o restabelecimento institucional do poder civil após o

regime autoritário. A pesquisa de 1990 foi feita em março, dias antes da posse do presidente

Fernando Collor de Mello e do bloqueio dos recursos dos brasileiros no sistema financeiro,

como parte de um plano para combater a inflação; foi realizada ainda com José Sarney no

cargo de presidente da República. O questionário seguinte foi aplicado em março de 1993, sob

impacto da renúncia de Collor (em dezembro de 1992) para escapar de processo de

impeachment e poucos meses após a posse de Itamar Franco. O de 2002 é um estudo aplicado

logo após a eleição que levou Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. Finalmente, a pesquisa de 2006

foi realizada em junho, após o escândalo do Mensalão (iniciado no ano anterior) e antes da

eleição que reconduziu Lula ao cargo de presidente para um segundo mandato seguido.

Nos testes das próximas seções, a escolaridade foi operacionalizada como variável

categórica com quatro subgrupos: até fundamental incompleto; fundamental completo; médio

incompleto e completo; e superior incompleto ou mais). As frequências originais dos surveys

aparecem à tabela 2.

5 Agradeço pela cessão dos dados ao Cesop (Centro de Estudos da Opinião Pública), da Unicamp, e ao grupo temático A

Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas, financiado pela Fapesp.

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Tabela 2 – Freqüências dos níveis de escolaridade nos surveys (em %)

1989 1990 1993 2002 2006

Até

fun

d. in

com

ple

to Não foi à

escola

7,5 Não foi à escola

8,3 Não foi à escola

6,5 Analfa./sem instrução

8,0 Analf./ 4ª inc.

22,4

1º grau incompl.

48,5 1º grau incompl.

43,0 1º grau incompleto

40,3 Até 4ª série 26,5 Até 4ª compl.

12,6

Da 5ª a 8ª incompleta

15,5 5ª a 8ª inc.

17,3

Total 56 51,3 46,8 50,0 52,3 Fund. Comp.

1º grau completo

9,0 1º grau completo

11,5 1º grau completo

12,9 Fund.. completo

5,9 Fund. comp.

8,7

Total 9,0 11,5 12,9 5,9 8,7

Méd

io in

com

. a

com

ple

to

2º grau incompl.

8,7 2º grau completo

9,0 2º grau incompl.

9,8 Médio incompl.

10,0 Médio incom.

10,3

2º grau incompl.

13,0 2º grau completo

15,0 2º grau completo

17,6 Médio completo

16,4 Médio compl.

18,4

Total 21,7 24,0 27,4 26,4 28,7

Sup

erio

or in

c o

u m

ais

Superior incompl.

4,7 Superior incompl.

5,4 Superior incompleto

5,3 Superior incompleto

4,7 Super. incom.

7,6

Superior completo

7,0 Superior completo

6,5 Superior completo

6,5 Superior completo

10,8 Super. compl. ou mais

2,8

Pós 0,8 Pós 1,0 Pós 1,1 Pós 2,1 Total 12,5 12,9 12,9 17,6 10,4

REGRESSÕES PARA ESTIMAR O QUE A EDUCAÇÃO AGREGA

Nesta etapa, foram utilizados modelos de regressão logística multivariada para dados

agrupados para permitir o controle de outros atributos pessoais além da escolaridade. Os

dados de cada pesquisa foram tratados isoladamente, para evitar violações por conta de

planos amostrais diferentes (PERES ET AL., 2008). Foi adotado modelo padrão para a regressão

de todas as variáveis dependentes, embora cada uma pudesse gerar modelo específico, a partir

de causalidades e dinâmicas próprias. Foram observadas 15 variáveis para operacionalizar os

conceitos de apoio à democracia (preferência pela democracia, desconhecimento de seu

significado e defesa de líder centralizador), participação (muito interesse por política, atração

por notícias políticas, disposição de votar se não fosse obrigatório, participação em partido, em

sindicato, em manifestação e em greves e hábito de assinar abaixo-assinado) e confiança nas

instituições (em governo, Congresso, partidos e Judiciário).

A opção por mais de uma dezena de variáveis relacionadas ao comportamento político

permite uma visão panorâmica dos impactos da educação em diferentes dimensões atitudinais,

de maneira a tornar observáveis eventuais regularidades. Cada variável tem causalidades e

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dinâmicas próprias, com trajetórias temporais particulares, mas a intenção aqui é observá-los

em conjunto, procurando efeitos da escolarização de forma independente6.

A primeira variável observada foi a preferência pela democracia. A tabela 5 reproduz os

parâmetros obtidos no melhor modelo de regressão para o ano de 1989, ajustado por razão de

verossimilhança a partir da entrada de todas as variáveis explicativas listadas7. Ao lado deste

modelo aparece o de 2006, a partir das mesmas variáveis explicativas, especificadas de forma

similar8, em um procedimento inspirado em Silva e Hasenbalg (2000) e Peres et al. (2008).

Há três tipos de observações relevantes: 1) se as categorias de escolaridade foram incluídas no

melhor modelo ajustado; 2) se cada nível de escolaridade teve significância; 3) se as razões de

chance do nível se ampliaram ou reduziram no intervalo observado. Os dois primeiros critérios

são úteis para interpretações transversais, sobre a associação entre educação e

comportamento político em um ponto do tempo. O terceiro complementa interpretações

longitudinais, sobre o aumento, queda ou manutenção da influência da educação no período

analisado.

Analisemos inicialmente cada modelo em separado. As variáveis de escolaridade

entraram no modelo ajustado de 1989. Não houve significância para o fundamental completo

(o p de Wald ficou acima de 0,05), o que estatisticamente indica ser impossível diferenciar o

cidadão que tivesse esse nível de escolaridade de alguém com apenas o fundamental

incompleto (a categoria de referência em todas as regressões) em termos de preferência pela

democracia. Ao mesmo tempo, os dois níveis de instrução mais elevados se diferenciaram do

fundamental incompleto. Em 1989, alguém com nível médio tinha 1,555 vez a chance de preferir

a democracia em relação a alguém com fundamental incompleto – ou 55% a mais de chance.

Para o superior, a razão de chance foi de 2,159. No caso do modelo para 2006, apenas o

superior teve significância, com razão de chance de 2,240.

6 Por conta disso, os valores do pseudo r

2 de Negelkerke (tomado como indicador da variabilidade explicada por cada

modelo) em geral são baixos e por vezes o teste de aderência de Hosmer e Lemeshow (que indica a adequação do modelo para prever y=1) dá resultados críticos, próximos ou inferiores a 0,010, o que não prejudica nossas análises dado o desenho do estudo 7 Em princípio, foram feitas comparações entre as duas pontas do intervalo observado (1989 e 2006), mas a pesquisa de

1989 não trouxe variável sobre renda; quando essa variável se mostrou significativa para explicar a variação de determinado comportamento em 2006, a comparação apresentada é entre a pesquisa mais antiga que inclua renda e disponha da variável de interesse. Em todos os casos, a comparação entre os resultados de surveys diferentes deve ser vista como aproximação. 8 As exceções estão descritas com asterisco: * em 1990, divisão de renda não é por quintis, mas arbitrária, tentando se

aproximar dos quintis, distribuição imposta por conta da categorização original das respostas, resultando nas seguintes freqüências: 1ª faixa tem 30,9% dos entrevistados, 2ª tem 29,4%, 3ª tem 19%, 4ª tem 12,7% e 5ª tem 8%; em 2006, divisão não é por quintis, mas arbitrária, tentando se aproximar dos quintis: 1ª faixa com 6,5%, 2ª com 30,6%, 3ª com 19,8%, 4ª com 24% e 5ª com 19,1%; ** Em 1989, não há questão sobre raça ou cor do entrevistado; *** Pesquisa de 1989 traz variável sobre localização rural ou urbana, mas não sobre o tipo de área (se interior, região metropolitana ou capital)

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Comparando os dois modelos, pode-se interpretar que o nível médio perdeu influência no

intervalo observado. Nos dois modelos, a escolaridade foi incluída na versão ajustada (o

primeiro critério). Médio e superior tiveram significância em 1989, mas o médio a perdeu em

2006 (o segundo critério). O superior apresentou significância nos dois modelos, mas suas

razões de chance não variaram de forma relevante (a diferença não superou 20%, patamar

definido arbitrariamente). Pelo terceiro critério, entende-se ter havido estabilidade nas razões

de chance.

Tabela 5 – Regressão Preferência pela democracia

Preferência pela democracia

1989 2006

Wald OR Wald OR

Escolaridade (ref.: fundamental incompleto)

Fund. compl. 0,063 1,367 0,709 1,073

Médio 0,000 1,555 0,363 1,122

Superior 0,000 2,159 0,000 2,240

Renda (referência :1º quintil*)

Renda2

Renda3

Renda4

Renda5

Idade (referência: de 16 a 25 anos)

26 a 40 0,085 1,227 0,031 1,351

41 ou + 0,000 1,832 0,010 1,447

Sexo (referência: homem)

Mulher 0,010 0,775

PEA (referência: não trabalha)

Trabalha

Área (referência: interior**)

Metropolitan

a

0,000 0,569

Capital

Região (referência: Nordeste)

Norte/CO 0,157 0,783

Sudeste 0,001 0,654

Sul 0,132 0,775

Religião (referência: não tem religião)

Católico 0,617 0,905

Outra religião 0,212 1,335

Cor auto-declarada (referência: branca***)

Preto

Outras raças

Constante 0,098 0,703 0,000 2,055

Negelkerke r2 0,048 0,036

H & L 0,152 0,777

N 1.741 1.749

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Por questões de espaço e clareza, não reproduzo na íntegra os estimadores obtidos em

todos os modelos usados. A tabela 6 traz razões de chance e significância encontradas apenas

para as variáveis de escolaridade de cada modelo9.

Tabela 6 – Sumário dos modelos de regressão com educação como categórica Fundamental

completo Médio incompleto ou

completo Sup incompleto ou

mais 1989 2006 1989 2006 1989 2006

Preferência pela democracia 1,367 (0,063)

1,073 (0,709)

1,555 (0,000)

1,122 (0,363)

2,159 (0,000)

2,240 (0,000)

Não sabe o que é democracia

0,4432 (0,000)

0,431 (0,000)

0,2072 (0,000)

0,414 (0,000)

0,0342 (0,000)

0,102 (0,000)

Defende líder centralizador 0,815 (0,236)

0,683 (0,003)

0,830 (0,218)

Muito interesse por política

1,0452 (0,802)

1,133 (0,576)

2,0042 (0,000)

1,509 (0,003)

5,0192 (0,000)

2,521 (0,000)

Notícias (atenção ou exposição)

1,037 (0,823)

1,687 (0,061)

1,951 (0,000)

2,400 (0,000)

4,307 (0,000)

2,636 (0,000)

Votaria se não obrigatório 0,837 (0,278)

1,052 (0,773)

1,346 (0,014)

1,210 (0,088)

3,778 (0,000)

2,809 (0,000)

Participa de partido

2

2 2

Participa de sindicato

1,1732 (0,419)

1,5162 (0,007)

2,5812 (0,000)

Participa de greve 1,3981 (0,112)

1,584 (0,490)

1,6971 (0,001)

3,838 (0,000)

4,3841 (0,000)

8,485 (0,000)

Participa de manifestações 1,173 (0,462)

2,341 (0,026)

1,440 (0,014)

3,782 (0,000)

3,642 (0,000)

9,594 (0,000)

Assina abaixo-assinado 1,1681 (0,351)

1,323 (0,121)

2,4061 (0,000)

1,776 (0,000)

4,0651 (0,000)

3,202 (0,000)

Confiança no governo 0,715 (0,050)

0,483 (0,000)

0,292 (0,000)

Confiança no Congresso 0,695 (0,038)

0,626 (0,000)

0,536 (0,000)

Confiança em partidos 1,1922 (0,264)

1,4812 (0,001)

2,2922 (0,000)

Confiança no Judiciário 0,794 (0,164)

0,591 (0,000)

0,704 (0,018)

1 – Indica dados de 1990 em lugar de 1989 2 – Indica dados de 1993 em lugar de 1989/ Na tabela, as variáveis com

significância têm seu índice de probabilidade (p) de Wald e razão de chance (OR) descritas em negrito

Prosseguindo com a análise para as outras 14 variáveis dependentes, chega-se ao

quadro combinando os três critérios mencionados (tabela 7). A primeira conclusão é que a

associação transversal entre educação e variáveis políticas – a base do que apresento como

perspectiva convencional – não se repete no contexto brasileiro com a força relatada em 9 O liminar de significância foi definido pelo índice p de Wald até 0,05, praxe neste tipo de análise. Embora a significância

estatística neste tipo de regressão guarde relação com o N – ela tem maior chance de ser apurada à medida que o número de casos cresce e, no limite, N igual à população gera significância em todos os testes –, esse não é problema para a interpretação dos resultados aqui, pois todos os modelos apresentam N com a mesma ordem de grandeza. O número de casos varia de 1.741 a 2.176.

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estudos bivariados. Quando são controlados fatores socioeconômicos e demográficos que

costumam compor explicações multicausais para o comportamento político, a escolaridade

deixa de ser o “solvente universal”. A associação esperada entre educação e comportamento

político não se concretizou de forma consistente em cerca de um terço dos testes – entre 9 e

25 dimensões, dependendo do nível de ensino observado.

Tabela 7 – Resumo da escolaridade nas regressões logísticas Variável

dependente Escolaridade no

modelo ajustado

Significância das variáveis categóricas de escolaridade

Razão de chance (OR)

Ad

esão

dem

o Preferência pela democracia

Não para fundamental completo em 89 e 2006; não para médio em 2006

Superior estável

Não sabe o que é democracia

Todos os níveis tiveram nas duas pontas

Fundamental estável; ORs de médio e sup. caíram em 2006

Defende líder centralizador

Não em 2006 Não para fundamental e superior em 1989

Par

tici

paçã

o Muito interesse por política

Não para fundamental em 1989 e 2006; médio e superio tiveram nas 2 pontas

ORs de médio e superior caíram em 2006

Noticiário (exp. ou atenção)

Não para fundamental em 1989 e 2006; médio e superior tiveram nas 2 pontas

OR do médio subiu em 2006; OR do superior caiu

Votaria se não obrigatório

Não para fundamental nas 2 pontas; médio não em 06; superior tem nas 2 pontas

OR do superior caiu em 2006

Participa de partido político

Não em 1993 nem em 2006

Participa de sindicatos

Não em 2006 Médio e superior tiveram apenas em 1989

Participa de greves

Não para fundamental em 1989 e 2006; médio e superior tiveram nas 2 pontas

ORs de médio e superior subiram em 2006

Participa de manifestações

Não para fundamental em 1989 e 2006; médio e superior tiveram nas 2 pontas

ORs de médio e superior subiram em 2006

Assina abaixo-assinado

Não para fundamental em 1989 e 2006; médio e superior tiveram nas 2 pontas

ORs de médio e superior caíram em 2006

Co

nfia

nça Governo Não em 2006 Todos os níveis tiveram em

1989

Congresso Não em 2006 Todos os níveis tiveram em 1989

Partidos Não em 2006 Todos os níveis tiveram em 1989

Judiciário Não em 2006 Todos os níveis tiveram em 1989

Em 8 dos 30 casos, as variáveis de instrução caíram em bloco no ajuste do melhor

modelo, o que significa que a educação não poderia ser considerada determinante relevante do

comportamento observado. Isso ocorreu marcadamente para as variáveis de confiança.

Também o fundamental completo não se diferenciou do incompleto de forma

estatisticamente consistente em 25 dos 30 modelos. O médio não se diferenciou em 10

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19

modelos, somando aqueles em que a escolaridade caiu em bloco com aqueles em que esse

nível de ensino não teve significância. O superior, em 9. São casos em que, por exemplo, um

cidadão com secundário completo não tem chance maior de preferir a democracia como

regime político do que alguém que cursou só até a quarta série.

Resta observar os resultados longitudinalmente. No balanço, médio e superior

perderam influência para 11 das 15 variáveis políticas entre a virada da década de 1990 e meados

dos anos 2000. Em 6 variáveis (líder centralizador, participação em sindicato e a confiança nas

quatro instituições) todas as categorias de escolaridade deixaram em bloco de ser incluídas no

modelo ajustado da pesquisa mais recente. Em outros 2 casos, o médio perdeu significância em

2006 (preferência pela democracia e disposição de votar); e, em 3 casos (desconhecimento do

significado de democracia, interesse por política e assinatura de abaixo-assinado), as razões de

chance do médio caíram de forma relevante em 2006. Para o superior, houve redução das

razões de chance em 5 variáveis (não sabe o que é democracia, interesse por política, consumo

de noticiário, disposição de votar e assinatura de abaixo-assinado) na comparação da virada da

década de 1990 com a pesquisa mais recente.

As evidências indicam que, no intervalo de 17 anos analisado, a instrução formal deixou

de explicar variações na confiança institucional e diminuiu seus efeitos sobre indicadores de

adesão à democracia e diferentes dimensões da participação.

BREVES CONCLUSÕES

Neste capítulo, emergiram evidências contrariando a perspectiva convencional sobre

educação e comportamento político quando aplicada ao contexto brasileiro. Foram dois os

achados principais: em análises abordando um único ponto no tempo, maior instrução formal

não apareceu associada de forma inequívoca a comportamentos políticos desejáveis para a

convivência democrática; e a recompensa política para os dois níveis mais elevados de

escolaridade (médio e superior) foi decrescente no intervalo de 17 anos observado, sugerindo

que a elevação da escolaridade média brasileira ao longo do tempo não significou

necessariamente a popularização desses comportamentos.

Voltando à primeira hipótese de trabalho, vimos que o caso brasileiro se afasta do

relato convencional de que maior escolaridade aparece associada a maior intensidade em apoio

à democracia, participação e confiança nas instituições. Um em cada três testes se apresentou

como evidência contra a presunção de que níveis mais elevados de escolaridade são

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20

acompanhados de maior intensidade nos comportamentos observados10. O resultado está

longe de permitir rechaçar globalmente a expectativa de associação, pois ela se confirma na

maioria dos casos. No entanto, mostra que essa associação não deve ser dada como certa e

inequívoca. Isso significa que há grande espaço para pesquisas que procurem definir com maior

precisão os mecanismos pelos quais a educação se relaciona com o comportamento político.

No que toca à segunda hipótese, as evidências indicaram que a recompensa em termos

políticos para os diferentes níveis de ensino diminuiu entre a virada da década de 1990 e

meados dos anos 2000. Logo após a redemocratização, ter frequentado o ensino médio ou o

superior diferenciava o cidadão em termos políticos de forma que não se reproduz hoje: ele era

mais interessado em política, mais atraído pelo noticiário e prezava mais o voto do que alguém

com menor instrução. Porém, nesse intervalo, o retorno político para os níveis de ensino mais

elevados caiu em duas de cada três dimensões analisadas11.

É uma constatação nada trivial. Ela contraria indiretamente a presunção de que o

aumento da escolarização média de uma nação gera elevação sustentada de comportamentos

favoráveis à convivência democrática. Por trás daquela inferência há dois pressupostos: cada

nível de escolaridade traria recompensas cumulativas em termos políticos; e o ganho político

no nível individual da cada ciclo teria um padrão estável no tempo. Não é outro o motivo que

faz autores apostarem que o tempo trará a popularização de atitudes mais democráticas em

princípio típicas dos mais escolarizados, a exemplo de Almeida (2007) 12.

As análises deste capítulo demonstram que no intervalo observado caiu o retorno

político do ensino médio e o do superior. E não só a recompensa política foi decrescente, como

chegou a ser nula em parte relevante das dimensões analisadas – casos em que, do ponto de

vista de comportamento político, um cidadão com ensino médio não se diferenciou de outro

que não concluiu sequer o fundamental, por exemplo.

10

É possível argumentar que a inclusão da confiança institucional, cuja associação com a escolaridade é questionada por autores como Nie et al. (1996), colaborou fortemente para esse resultado geral. Mas, considerando apenas as dimensões do apoio à democracia e participação analisadas aqui, os resultados em que a associação não se confirmou estão próximos de 1 para 4. 11

A proporção se mantém caso sejam deixados de lado os testes com confiança institucional. 12

A interpretação do autor ilustra a esperança tácita ou explicitamente depositada na educação por parte da produção da Ciência Política nacional. “Não estou negando as especificidades nacionais, apenas enfatizando que culturas nacionais podem ser menos importantes do que as de grupos sociais transnacionais, unidos pela escolarização formal. A herança ibérica nunca será abolida do DNA da cultura brasileira, mas é possível tornar os brasileiros mais seguidores da lei por meio da educação formal. Portugal será sempre nossa pátria-mãe, mas para tornar o Brasil mais liberal na economia é preciso massificar, e muito, o ensino superior. História e herança não mudam, mas o nível de escolaridade traz alterações de conseqüências bastante profundas para qualquer sociedade. Entre elas, a consolidação da democracia”, afirma em conclusão de trabalho recente (Almeida, 2007:277).

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21

Isso coloca em xeque o efeito esperado para o agregado dos cidadãos com a elevação

da educação média. No Brasil, a quantidade de escolarização está crescendo, mas cada unidade

de instrução formal acrescida não trará necessariamente o retorno político que se podia

esperar no passado. Transforma-se em nova questão para a agenda de pesquisa saber se mais

gente escolarizada – efeito positivo – com níveis de ensino que trazem recompensa política

declinante – efeito negativo – terá balanço líquido favorável no agregado. Além disso, todas as

variáveis dependentes observadas têm dinâmicas no nível individual que sofrem influência de

diversos outros fatores além da educação – para não citar fatores que estão além do indivíduo,

como os institucionais.

E como explicar o retorno político decrescente para a educação brasileira? Teoria e

intuição apontam para a queda na qualidade do ensino como principal suspeita. Uma das

interpretações para os mecanismos pelos quais a educação impacta comportamentos políticos

é de que ela atua no desenvolvimento de capacidades cognitivas e conhecimentos que

funcionam como recurso decisivo para a vivência política. Pior qualidade na educação gera

menos habilidades e menor retenção de conteúdos, portanto é plausível que tenha reflexo

negativo também em termos de recompensa política. É uma hipótese promissora, que merece

atenção em estudos futuros. Nessa frente, ainda há muita lição de casa esperando para ser

feita.

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VII.

CORRUPÇÃO POLÍTICA E DEMOCRACIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

INTRODUÇÃO

O governo de Luis Inácio Lula da Silva foi atingido, em meados de 2005, por uma

grave crise política provocada por escândalos de corrupção envolvendo o seu esquema de

apoio parlamentar, o seu partido político e os seus mais importantes ministros. As

denúncias foram feitas pelo líder de um dos principais partidos integrantes da base de

sustentação do governo no primeiro mandato do presidente1. Apesar disso, Lula reelegeu-

se, em 2006, com mais de 60% dos votos dos eleitores, o que sugere algumas

possibilidades: 1. a maioria dos eleitores brasileiros não estava informada dos fatos; 2. a

maioria, informada ou não, não estava convencida do envolvimento do presidente e do seu

partido; ou 3. a maioria não associa “o uso indevido de recursos públicos para fins

privados”2 com distorções do desempenho de governos passíveis de serem punidas nos

termos da lei, embora o voto seja o instrumento mais direto de responsabilização de

governantes (accountability vertical) à disposição dos cidadãos. A hipótese deste trabalho é

que, qualquer que seja o caso, isso é uma conseqüência, além de outros determinantes da

corrupção, da cultura política dos brasileiros. O estudo testa esta hipótese empìricamente,

assim como aquelas derivadas de abordagens concorrentes.

A corrupção política é um dos problemas mais severos e complexos enfrentados

por novas e velhas democracias. No fundamental, ela envolve o abuso do poder público

para qualquer tipo de benefício privado, inclusive, vantagens para os partidos de governo

em detrimento da oposição. Ela frauda, portanto, o princípio de igualdade política inerente

à democracia, pois os seus protagonistas podem obter ou manter poder e benefícios

1 Em entrevista publicada pela Folha de São Paulo em 6 de junho de 2005, o deputado Roberto Jefferson,

presidente do PTB, declarou que congressistas aliados do governo Lula recebiam o que chamou de um "mensalão" de R$ 30 mil do PT para votar em projetos de interesse do governo. Confirmou essas declarações nos dias 8 e 14 do mesmo mês à CPI instalada no Congresso Nacional para apurar as denúncias e acrescentou que seu partido, o PTB, recebeu do PT cerca de R$ 3 milhões para custear gastos de campanhas eleitorais. 2 Esta é a definição mais usual de corrupção política. Ver a respeito Treismam (2000).

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2

políticos desproporcionais aos que alcançariam através de modos legítimos e legais de

competir politicamente. Ao mesmo tempo, ela distorce a dimensão republicana da política

moderna porque faz as políticas públicas resultarem, não do debate e da disputa aberta

entre projetos diferentes, mas de acordos de bastidores que favorecem interesses

espúrios3.

A conduta irregular de líderes e de partidos políticos também compromete a

percepção das pessoas sobre as vantagens da democracia em comparação com as suas

alternativas, pois ao fazer crer que ela é parte da rotina usual tanto do regime democrático

como do autoritário, ela desqualifica os mecanismos adotados pelo primeiro para controlar

o abuso do poder e para garantir a soberania dos cidadãos. Por outro lado, ao desqualificar

a relação dos cidadãos com os Estados democráticos, ela compromete a cooperação social

e afeta negativamente a capacidade de coordenação dos governos para atender as

preferências dos eleitores. Os seus efeitos afetam, portanto, tanto a legitimidade quanto a

qualidade da democracia ao comprometer o princípio segundo o qual neste regime

ninguém está acima da lei e contribui para o esvaziamento dos mecanismos de

responsabilização de governos [accountability vertical, social e horizontal (O’DONNELL,

1999)].

Para ser efetiva, a accountability vertical depende de que os cidadãos tenham

consciência de que têm o direito e o dever de manter a conduta de seus líderes políticos

dentro de padrões republicanos estritos, e de puní-los quando eles violam esses padrões.

Esse tipo de accountability implica em dois requisitos básicos: em primeiro lugar, os

cidadãos precisam ser capazes de perceber que a corrupção existe, quando é o caso. Nesse

sentido, argumentar que todos os líderes políticos são corruptos ou que a corrupção se

justifica porque muitos políticos a praticam – como importantes líderes políticos,

intelectuais e artistas sustentaram em 2005 e 2006 no Brasil – é uma forma de desqualificar

a democracia porque as opções eleitorais orientadas por essa posição simplesmente

excluem a possibilidade de mudança política. Mas, além disso, os cidadãos precisam ser

capazes de avaliar, em alguma medida, os impactos políticos da corrupção para, então,

decidir se querem responsabilizar os envolvidos por meio dos mecanismos democráticos de

sanção: eleições, procedimentos legislativos e jurídicos, impeachment, denúncias,

protestos, etc; ou se querem simplesmente continuar convivendo com eles a despeito das

suas violações da lei e da constituição.

3 Ver o quadro preparado pela CPI dos Correios do Congresso Nacional sobre a coincidência entre as datas de

aprovação de projetos do governo e a suposta liberação de recursos do “mensalão” para os deputados da sua base de apoio. Cf. Relatório Final dos Trabalhos da CPMI – Íntegra do Relatório do Deputado Osmar Serraglio lido no Congresso em 29/3/2006; pp. 55 e segts.

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3

A pesquisa acadêmica sobre a corrupção política tem abordado principalmente o

papel de fatores gerais supostamente responsáveis pelo seu enraizamento no sistema

político: o desenvolvimento econômico, o desenho institucional, o perfil psicológico dos

atores, o desempenho de governos, etc. Em que pese a relevância destes fatores, até

agora, contudo, com poucas exceções (SELIGSON, 2002 E TREISMAN, 2000; 2007), a

pesquisa tratou apenas indiretamente da relação entre o abuso do poder público, a

percepção dos cidadãos sobre ele e os seus efeitos para a qualidade da democracia. O

papel dos valores e da cultura política na aceitação ou justificação da corrupção tem sido

negligenciado, ainda que o seu impacto sobre um amplo espectro de práticas civis, políticas

e negociais seja cada vez mais reconhecido pela literatura (HOFSTEDE, 1997; INGLEHART,

2002; INGLEHART E WEZEL, 2005; SHIN, 2006; KLINGEMANN, 1999).

Por isso, o foco deste estudo é a relação entre um conjunto de variáveis culturais e

institucionais - como a percepção da política, as crenças religiosas, a confiança interpessoal,

a satisfação com a democracia, o interesse e o acesso à informação política, a relação dos

eleitores com partidos e parlamentos e a influência das lideranças políticas – com a

percepção e/ou aceitação da corrupção pelos eleitores. A explicação dos modos como os

cidadãos vêm e avaliam a corrupção em seus países, e o quanto essas percepções e

convicções afetam o seu apoio a governos, instituições públicas e à democracia agregam

conhecimento novo sobre o tema. Os testes incluem indicadores de desenvolvimento

econômico (a avaliação da economia, a escolaridade e a localização ecológica dos

entrevistados) e, para fins de controle, as variáveis sócio-demográficas usuais. A análise é

exploratória e examina as implicações do fenômeno para a teoria democrática do ponto de

vista da abordagem culturalista e das suas principais alternativas concorrentes.

O texto está organizado em cinco seções. A primeira apresenta as principais linhas

de desenvolvimento teórico da pesquisa internacional sobre o tema. A segunda examina os

resultados de estudos recentes sobre a corrupção na América Latina e discute, desde uma

perspectiva comparada, a compatibilidade entre índices agregados internacionais de

percepção da corrupção e as percepções individuais dos latino-americanos sobre o tema. A

terceira avalia, com base em dados de diferentes pesquisas, primeiro o panorama da

corrupção no Brasil segundo as percepções do público e, segundo, a influência da cultura

política sobre essas percepções em anos recentes. A quarta examina os indicadores de

aceitação social da corrupção no Brasil, os seus determinantes e os seus efeitos.

Finalmente, na última seção é debatido o significado dessas percepções para a qualidade da

democracia no país.

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4

De modo geral, os testes confirmam a hipótese segundo a qual as percepções e as

atitudes dos entrevistados sobre a corrupção são influenciadas, além de fatores explorados

pela literatura internacional, também por valores e pela cultura política contemporânea dos

brasileiros. E, ao mesmo tempo, que a aceitação social da corrupção influencia a percepção

dos cidadãos sobre importantes aspectos da democracia no país.

TEORIAS SOBRE AS CAUSAS DA CORRUPÇÃO

Os modelos mais conhecidos de explicação da corrupção, de autoria de

economistas e cientistas políticos, referem-se principalmente ao papel do desenvolvimento

econômico e do desenho institucional. As principais contribuições desses estudos abordam,

por uma parte, as conseqüências sistêmicas negativas da corrupção como o clientelismo, o

nepotismo e a ilegitimidade política (BANFIELD, 1958; JOHNSTON, 1979; ETZIONI-HALEVY,

1985; SELIGSON, 2002); e, por outra, as suas supostas implicações positivas como a

estabilidade política e o chamado ‘engraxamento’ de estruturas burocráticas rígidas); elas

também tratam das implicações da corrupção para o processo de tomada de decisão de

políticas públicas, especialmente, na área econômica (, mostrando que o fenômeno afeta

negativamente as iniciativas de investimento do poder público e das empresas, afetando,

portanto, o desenvolvimento.

Estudos mais recentes ampliaram o escopo analítico das pesquisas e incluíram, além

do desenvolvimento econômico, do tipo de regime político, da distribuição de renda ou do

tamanho do Estado, variáveis explicativas como o desempenho de governos, o sistema

jurídico-legal de prevenção e punição da corrupção, o grau de competição da economia, o

peso das crenças religiosas, o grau de participação feminina na política, e etc (TREISMAN,

2000; 2007; MONTINOLA E JACKMAN, 2002). Em geral, os resultados ampliam o

conhecimento do problema em áreas específicas, mas ainda não oferecem um conjunto

sólido de conclusões. Isto transparece, por exemplo, dos resultados de trabalhos recentes

que trataram de temas como (a) a avaliação comparada dos efeitos de distintos sistemas

legais no combate à corrupção, a exemplo das diferenças entre a commom law e a civil law;

(b) o efeito dos graus de abertura do sistema político no controle de práticas políticas

ilegais, a exemplo da liberdade de imprensa e de organização de partidos; e c) a relação

entre as práticas de corrupção e a efetividade dos mecanismos institucionais previstos pela

separação de poderes. A seguir é apresentada uma resenha do tema que, sem pretender

ser exaustiva, discute algumas dessas limitações ao abordar as implicações empíricas e

teóricas das duas principais linhas de pesquisa do tema.

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5

Desenvolvimento econômico: com base em uma concepção originalmente utilizada por

sociólogos para explicar fenômenos como a democratização (LIPSET, 1960), alguns autores

atribuíram ao desenvolvimento econômico papel determinante na formação e no uso de

práticas tendentes a legitimar ou a embaralhar a distinção republicana entre as esferas

pública e privada (MYRDAL, 1970; EKPO, 1979). Desenvolvimento e modernização, com suas

conhecidas implicações para a transformação de relações econômicas e sociais e para o

fortalecimento de uma ordem política livre, pública e plural, são vistos como condição

necessária para a consolidação da capacidade do sistema político de coibir delitos contra o

interesse público. Assim, em contraposição a características consideradas típicas das

nações desenvolvidas, as sociedades tradicionais ou atrasadas tenderiam a não distinguir,

por exemplo, entre pagamentos legítimos e prebendas ilegais envolvendo as relações entre

agentes públicos e privados, e estimulariam a tolerância social diante de comportamentos

antirepublicanos. A idéia é que, diferentemente da experiência dos países que se

modernizaram sob o impacto de transformações econômicas e sociais, as nações com

baixos níveis de desenvolvimento não conseguiriam institucionalizar os procedimentos

compatíveis com a distinção entre as esferas pública e privada, legitimando práticas de

corrupção e de apropriação privada de recursos públicos. Neste caso, práticas e costumes

tradicionais se chocariam com as próprias regras legais vigentes, dificultando o enforcement

of the law e, assim, tornando inefetivo o princípio democrático do primado da lei.

A evidência empírica existente mostra que fatores como o pagamento de

prebendas, propinas ou contribuições financeiras em troca de benefícios obtidos na

realização de serviços ou obras públicas correlacionam-se com os níveis de

desenvolvimento econômico e social dos países estudados. Isso confirma a hipótese

principal dessa literatura sobre as relações entre desenvolvimento e corrupção, a qual

supõe que quanto mais alto o nível de desenvolvimento econômico e social de uma nação,

menor o nível de comportamento corrupto e, em conseqüência, de sua percepção pública.

Por isso, os testes empíricos destinados a verificar o efeito de variáveis explicativas sobre a

corrupção envolvem indicadores como os níveis de urbanização, de escolaridade, de renda

per capita, do produto interno bruto, etc – todos tratados pela literatura como correlatos

do desenvolvimento. O argumento enfatiza, portanto, que as chances de ocorrência de

comportamento corrupto entre políticos e burocratas do Estado são maiores em países de

níveis baixos ou médios de desenvolvimento econômico e social, a exemplo de nações do

continente africano, do Oriente Médio, do Leste europeu e da América Latina.

Entre os autores que testaram essas hipóteses, Treisman (2000; 2007) mostrou que

fatores como a alfabetização, a elevação dos níveis de escolarização, o controle da inflação

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6

e o estabelecimento de relações contratuais não-personalizadas – fatores característicos da

modernização econômica e social e, presumivelmente, de níveis elevados de

desenvolvimento – criam as condições necessárias para que a corrupção seja

desestimulada, enquanto Montinola e Jackman (2002) atribuíram o declínio de práticas

antirepublicanas ao fato de o desenvolvimento econômico propiciar salários mais altos aos

funcionários do setor público de países desenvolvidos, diminuindo assim os incentivos à

adoção de práticas abusivas. No mesmo sentido, outros autores demonstraram que a

corrupção tende a ser maior em países em que o monopólio de recursos naturais, como o

petróleo, encontra-se em mãos do governo - situação comum a vários países de níveis baixo

e médio de desenvolvimento -, porque isso afetaria negativamente a relação entre atores

privados e públicos. A corrupção diminuiria, nestes casos, se e quando o setor privado

pudesse se beneficiar de countervailing actions exercidas por atores usualmente

extorquidos por burocratas de Estado ou por políticos (ALAM, 1995).

Segundo Alam, essa última possibilidade aumentaria (a) com a urbanização, a

ampliação da educação e a existência de salários crescentes em geral; (b) com o

crescimento da comunicação de massa e o avanço da tecnologia de transportes e de

comunicação; (d) com a melhoria da gestão e da prestação de contas de serviços públicos;

(e) com o crescimento do setor empresarial, da classe média e da força de trabalho urbana;

e, finalmente, (f) com a ampliação da pressão democrática dos eleitores sobre os gastos

públicos. A existência de associação estatística entre estes fatores, por um lado – da mesma

forma que com níveis elevados de renda per capita e de taxas de emprego -, e os

mecanismos de controle do comportamento de políticos e burocratas, por outro, é

bastante clara nos trabalhos destes autores, indicando que para se livrar da corrupção as

nações necessitam se desenvolver e adotar as características listadas acima.

Entretanto, uma decorrência lógica dessa abordagem é que, em vista das diferentes

trajetórias históricas das nações (colonialismo, dependência, globalização, etc), elas são

afetadas de modo desigual pelos processos de desenvolvimento, sendo impossível todas

avançar econômica e socialmente da mesma forma, nem segundo o mesmo ritmo. Em tese,

a premissa definiria ex-ante, ou seja, antes da ação política, a situação de diferentes nações:

enquanto algumas seriam necessariamente livres da corrupção, outras seriam fadadas a

conviver com ela como um componente inarredável de seu sistema político, pelo menos

enquanto não lograssem se desenvolver, algo que, no contexto da globalização, independe

de fatores estritamente nacionais. Essa abordagem deixa de lado, no entanto, uma

possibilidade inerente à natureza do processo político, ou seja, a possibilidade de que os

atores políticos decidam mudar os seus padrões de comportamento e interação - entre os

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7

quais, os que sustentam as práticas de corrupção -, devido às conseqüências sistêmicas do

fenômeno. Em algum momento, a idéia normativa de que o sistema pode funcionar melhor

com a corrupção sob controle pode se tornar uma alternativa percebida como positiva para

todos, líderes políticos e eleitores4.

Desenho institucional: apesar dos avanços propiciados pela abordagem anterior, o

fenômeno da corrupção está presente, ainda que em graus diferenciados, em grande

número de nações democráticas independentemente de seus níveis de desenvolvimento.

Na realidade, além da corrupção fazer parte do cenário de países recentemente

democratizados (HUNTINGTON, 1991), a evidência existente não deixa margem para

dúvidas: diferentes formas de “uso indevido de recursos públicos” fazem parte também do

cenário de nações econômica e politicamente desenvolvidas (KLITGAARD, 1988; 1998),

embora isso não provoque a mesma repercussão do que quando ocorre em países pobres

ou de democratização recente.

Com efeito, mesmo sem considerar casos emblemáticos como o do ministro

Profumo, na Inglaterra, nos anos 60, e do Watergate, nos Estados Unidos, nos anos 70, uma

sucessão de escândalos de corrupção abalaram os governos da Itália, da Grã-Bretanha, do

Japão, da França, da Alemanha, da Bélgica e dos Estados Unidos nas últimas três décadas

(PHAR, 1999, DELLA PORTA, 1999, NDIAYE, 1998), mostrando que a prática de

irregularidades contra o patrimônio público, para além do desenvolvimento, depende

também depende de outros fatores como estruturas institucionais específicas que, em

tese, assegurariam maior transparência em decisões públicas que envolvem, por exemplo, a

construção de usinas elétricas, hidroelétricas ou nucleares, estradas, aeroportos, portos

marítimos, etc – todas somente realizáveis com a utilização de grandes somas de recursos

públicos.

Por que, então, a corrupção é mais generalizada em alguns países do que em

outros? Para responder a essa pergunta, alguns analistas deslocaram o foco da análise do

desenvolvimento para a influência do tipo de estrutura institucional sobre a corrupção e a

sua percepção pelos eleitores. Os sistemas políticos democráticos, capazes de assegurar

uma efetiva competição política, propiciariam maior escrutínio público da ação de governos

e líderes políticos; seus níveis de corrupção seriam menores, pois a estrutura poliárquica

favoreceria níveis mais altos de transparência em decisões públicas, propiciando melhores

4 Um exemplo disso é a criação da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção em março de 2009 em

conseqüência das declarações do senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, segundo o qual o apoio do seu partido a diferentes governos, nos últimas décadas, é movido essencialmente pela corrupção.

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8

possibilidades de controle sobre o comportamento dos burocratas e dos políticos por meio

da pressão dos eleitores. Em particular, a garantia de liberdade da oposição e da mídia em

geral asseguraria essa possibilidade.

As principais hipóteses vinculadas a essa abordagem referem-se, portanto, à

existência de estruturas institucionais capazes de garantir direitos civis e políticos,

liberdade de imprensa e sistemas eleitorais competitivos e abertos como condição de que

os mecanismos de accountability possam ser acionados eficazmente pelos eleitores e

pelas instituições para coibir a corrupção. Por isso, os testes destinados a verificar o efeito

de variáveis explicativas sobre a corrupção e a sua percepção pública envolvem

necessariamente o exame da associação entre índices agregados de percepção do

fenômeno com indicadores da vigência de direitos civis e políticos, assim como de

competição política, sistemas de governos e sistemas eleitorais. Nesse nível de abstração,

as análises comparadas baseiam-se em bancos de dados agregados que, diferentemente

das informações de nível individual, referem-se exclusivamente a públicos segmentados5.

Treisman (2007) resumiu a três os principais argumentos dessa abordagem: (a)

alguns autores acham que o efeito da democracia sobre a corrupção e os índices de sua

percepção pelo público é gradual, ou seja, são necessários muitos anos de experiência

democrática para que a ocorrência da corrupção e sua percepção – usualmente negativa -

sejam afetadas; (b) outros consideram que a relação entre estrutura política, corrupção e

percepções do fenômeno não é linear, ou seja, a democratização pode levar ao aumento da

corrupção no curto prazo, e só contribuir para aumentar o seu controle na medida em que

o processo se aprofundar; (c) e, finalmente, outros atribuem a estruturas institucionais

específicas - tipo de regras eleitorais, sistemas de governo, grau de liberdade de imprensa e

descentralização política, entre outros – o papel dos fatores determinantes tanto da

corrupção ou do seu controle, assim como da sua percepção.

Em geral as pesquisas mostraram que os índices de corrupção e de sua percepção

se correlacionam de fato com o desempenho das instituições mencionadas, mas os

resultados ainda são pouco conclusivos quanto ao sentido da conexão causal. Embora

alguns estudos tenham confirmado que a percepção da existência de corrupção é mais

baixa onde os direitos civis e políticos estão assegurados (TREISMAN, 2007), a relação entre

o regime democrático e as práticas antirepublicanas continua sendo objeto de controvérsia.

Enquanto Montinola e Jackmam (2002) encontraram uma relação não linear entre ambos,

5 Os principais índices internacionais agregados de percepção da corrupção são o da Transparência Internacional e o

do Banco Mundial. Ver a respeito os sites www.transparency.org e www.worldbank.org, para os relatórios anuais sobre os países.

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9

Treisman (2007) mostrou que a associação entre os indicadores de liberdades civis e

políticas e a percepção sobre a corrupção – baseada em índices internacionais agregados -

tanto pode crescer como diminuir dependendo dos níveis de mensuração considerados na

análise. Quanto à influência da duração da democracia, os resultados são erráticos, e são

mais positivos no que se refere à liberdade de imprensa: diferentes autores mostraram que

ela é uma condição indispensável para a responsabilização de políticos e de burocratas

corruptos (BRUNETTI E WEDER, 2003; ADSERA ET AL., 2003), mas Treisman (2007), depois

de refazer alguns testes, concluiu que quando outras variáveis são acrescentadas aos

modelos o peso da liberdade de imprensa se enfraquece.

Os efeitos dos sistemas eleitorais e da estrutura de centralização ou

descentralização do sistema político também foram testados, mas produziram resultados

contraditórios ou apenas marginalmente significantes (TREISMAN, 2007). A característica

institucional realmente significativa refere-se ao sistema de governo: sistemas

presidencialistas, em que o chefe de governo é eleito diretamente pelos eleitores, são

altamente associados com níveis agregados de percepção da corrupção (PANIZZA, 2001;

GERRING E THACKER, 2004, LEDERMAN ET AL., 2005). Outros autores confirmaram a

descoberta, concluindo que a influência do presidencialismo é ainda mais forte quando

combinado com a representação proporcional baseada em listas fechadas de candidatos

para eleições legislativas (KUNICOVÁ E ROSE-ACKERMAN, 2005). Treisman, depois de

inicialmente confirmar os resultados anteriores, testou modelos que incluíam, além do

presidencialismo, variáveis dummy para o catolicismo e o que chamou de países sul-

americanos e, nesses testes, o presidencialismo tornou-se insignificante. Sua conclusão, no

entanto, antes de sugerir que o sistema presidencialista não influi sobre as percepções de

corrupção, é que as duas outras variáveis são mais relevantes quando incluídas no mesmo

modelo analítico, mas isso seria devido ao fato de elas condensarem em si a outra, pois,

segundo ele, “os países sul-americanos são em sua maioria católicos, corruptos e

presidencialistas” (TREISMAN, 2007).

Treisman fez um balanço global dos resultados da pesquisa nos últimos dez anos e,

além de confirmar a importância do desenvolvimento para explicar a corrupção, concluiu

que a longevidade histórica de sistemas políticos liberais – assegurada a liberdade de

imprensa – é a principal responsável pela percepção de que os países são menos corruptos;

e, acrescentou, o sistema parlamentarista, articulado com regras eleitorais pluralistas, ao

contrário do presidencialismo, implica claramente em percepção de que a corrupção é

menor. A evidência sugere, portanto, que países desenvolvidos com regimes de democracia

liberal são menos corruptos, e que se os seus chefes de governo forem eleitos diretamente,

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a chance de incidência da corrupção é maior. Essa conclusão, embora preliminar, tem

importância para o exame da questão na América Latina e parte de suas implicações são

discutidas adiante.

Outras pesquisas mostraram, além dos determinantes da percepção, os efeitos da

corrupção para a governança democrática. Della Porta (2000) demonstrou que a corrupção

política distorce a demanda por serviços públicos, aumenta os seus custos, reduz a sua

qualidade, atrasa a realização de obras públicas e, ao mesmo tempo, dificulta o acesso de

quem não paga propina à administração pública. Ou seja, a corrupção compromete o

desempenho do Estado e afeta negativamente a eficiência de atores públicos e privados.

Por sua vez, Canache e Allison (2003) mostraram que a presença desses efeitos também

produz conseqüências para a capacidade do sistema democrático resolver problemas

coletivos, afetando a percepção dos eleitores quanto à possibilidade de que suas

expectativas sejam atendidas pelos governos.

Em seu conjunto, os estudos envolvem importantes avanços do conhecimento, mas

duas objeções precisam ser levadas em conta. Em primeiro lugar, é preciso considerar que

eles se baseiam, na maior parte dos casos, em dados de bancos agregados sobre as

percepções subjetivas de grupos segmentados da população (empresários locais,

executivos de multinacionais, diplomatas, jornalistas, consultores internacionais, etc), a

exemplo do Índice de Percepção da Corrupção, da Transparência Internacional, e o seu

equivalente do Banco Mundial, e, como advertiram alguns autores, as limitações de seu uso

exigem cautela na consideração dos resultados (HUSTED, 1999; POWER E GONZÁLEZ,

2003), mesmo que não seja o caso de descartar a sua contribuição. Opinião subjetiva não

reflete necessàriamente a realidade e isso é ainda mais provável quando a pesquisa se

apóia, não em uma amostra representativa da massa de eleitores de um ou vários países,

mas na visão de segmentos delimitados. Nessa situação, índices de percepção da corrupção

podem não revelar o que realmente acontece, podem superdimensionar o fenômeno ou

simplesmente esconder a sua magnitude. Além disso, a percepção subjetiva de um

fenômeno, quando baseada em entrevistas com setores limitados, pode refletir prima facie

a sua visão de mundo, com pouco recurso à diversidade. Nesse caso, os índices de

classificação de países como mais ou menos corruptos, ao invés de propiciar novos

elementos para o conhecimento, poderiam refletir apenas os interesses ou preferências

dos segmentos consultados, e não os déficits de desempenho das instituições com seus

reflexos para a qualidade da democracia.

Por isso, sem descartar a contribuição dos índices agregados de percepção da

corrupção para o conhecimento, as novas pesquisas deveriam começar pelo teste empírico

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de sua compatibilidade com as respostas individuais de surveys representativos do conjunto

da população de países específicos. O procedimento é indispensável para se verificar o

quanto índices agregados de percepção da corrupção refletem o que as sociedades sob

observação pensam do tema. Opiniões subjetivas, mesmo baseadas em amostras

representativas, continuam não traduzindo linearmente a realidade política ou social, mas,

coletadas segundo metodologia adequada, são elementos essenciais para o exame do

impacto das percepções da corrupção sobre clusters de atitudes, opiniões e

comportamentos que afetam a qualidade da democracia. A influência negativa da

percepção de que a corrupção aumentou, em dado período de tempo, sobre a escolha de

modelos de democracia pode reforçar a opção que rejeita os partidos e o Congresso

Nacional (MOISÉS E CARNEIRO, 2008).

Outra limitação dos estudos sumariados é a atenção insuficiente dada à cultura

política na análise da corrupção, embora alguns se refiram à influência de crenças religiosas

e da presença feminina na política. Isso contrasta com o fato de parte da literatura

especializada apontar para a influência dos fatores culturais nos processos de

democratização dos últimos 30 anos (INGLEHART E WELZEL, 2005; DIAMOND, 1999; SHIN,

2006; MOISÉS, 1995; 2008). Ademais, a relevância da cultura também foi demonstrada em

estudos sobre a relação de empresas privadas com o Estado, em situações em que o

comportamento corrupto emerge como uma alternativa possível de ação (HOFSTEDE,

1997). Recentemente, no entanto, surgiram esforços no sentido de incorporar os valores e

a cultura como dimensões analíticas da corrupção, a exemplo dos estudos que examinaram

o papel da manipulação eleitoral, dos escândalos financeiros e/ou do uso indevido de

recursos públicos para fins privados no comprometimento da autoridade de governos, de

líderes políticos e do próprio sistema democrático (SHIN, 1999; DELLA PORTA, 2000;

PHARR, 2000; SELIGSON, 2002; POWER E GONZÁLEZ, 2003; CANACHE E ALLISON , 2003).

Mas é evidente que novos esforços de pesquisa ainda são necessários nesta área.

A CORRUPÇÃO NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

Denúncias de corrupção têm sido comuns em vários países da América Latina nas

últimas décadas. No caso do Brasil, as denúncias que atingiram o governo Lula em 2005

foram amplamente divulgadas pela mídia, investigadas pela Polícia Federal e atualmente

são objeto de processo no Supremo Tribunal Federal, aberto a pedido do Ministério

Público, contra 40 pessoas. Entre os acusados estão o ex-presidente, o ex-secretário-geral e

o ex-tesoureiro do partido do presidente da República, da mesma forma que de outros

partidos da coalizão governista, e algumas das mais importantes figuras do governo à

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época, como José Dirceu, ex-Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e

Luiz Gushiken, ex-titular da Secretaria de Comunicação da presidência - todos afastados de

seus cargos em conseqüência das denúncias e dos seus desdobramentos.

Os escândalos recentes - responsáveis por uma das mais graves crises políticas

vividas pelo país desde a sua democratização em 1985 - foram precedidos por casos

semelhantes ocorridos nos primeiros anos da década de 90, como o impeachment do ex-

presidente Fernando Collor de Mello e a perda de mandato de vários membros da Comissão

de Orçamento do Congresso Nacional. Depois de 2005, uma sucessão de novos escândalos

voltou a atingir outros ministros de Estado, membros do judiciário, líderes partidários e

membros do Congresso Nacional como o ex-presidente do Senado Federal6. A corrupção

está presente, portanto, em todas as esferas da vida pública brasileira, caracterizando um

quadro fora de controle, ou seja, de natureza endêmica, em relação à qual, o sistema

político não foi ainda capaz de desenvolver anticorpos institucionais eficazes (TAYLOR,

2007; CHAIA E TEIXEIRA, 2001; SPECK, 2000).

Mas o Brasil não é um caso isolado na América Latina. Após a democratização do

continente, escândalos de corrupção também atingiram, nas últimas décadas, países como

a Argentina de Carlos Menem, o Peru de Alberto Fugimori e Alan Garcia, o México de José

Lopez Portillo e Carlos Salinas de Gortari, o Equador de Abdala Bucaram e a Venezuela de

Rafael Caldera e Carlos Andrés Pérez – este último também apeado do poder, como

ocorreu com Collor de Mello, por um processo de impeachment motivado por denúncias de

malversação de recursos públicos. Todos esses casos tiveram grande repercussão pública

por envolverem atores centrais do sistema político, mas inúmeros outros têm sido

relatados pela mídia, em vários países do continente, indicando que outras esferas da

administração pública e da burocracia de Estado, como prefeituras, governos de estados e

parlamentos locais, também são objeto de práticas de corrupção (CANACHE E ALLISON,

S/D.; POWER E GONZÁLEZ; WEYLAND, 1998).

Com base nessa evidência, alguns analistas sugeriram – não sem alguma surpresa -

que a corrupção aumentou na América Latina nos últimos 20 anos precisamente devido à

democratização. Na contramão de argumentos segundo os quais o estabelecimento da

democracia produz resultados positivos para o controle da corrupção por implicar em mais

accountability e maior transparência nas decisões sobre políticas públicas, Weyland (1998),

por exemplo, atribuiu o suposto crescimento da corrupção no continente a três fatores: em

6 Os casos de corrupção se sucedem a exemplo do suposto uso de recursos privados pelo senador Renan Calheiros,

ex-presidente do Senado Federal, para pagar pensão à mãe de sua filha; a chamada “máfia das ambulâncias”, os gastos do Executivo com cartões corporativos, etc. Para mais informação e a lista completa dos casos recentes, ver www.estadao.com.br e www.folhaonline.com.br .

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primeiro lugar, às oportunidades - mais do que aos incentivos - criadas pela dispersão de

poder que decorre da democratização, a qual permitiria que maior número de agentes

públicos transacionasse favores em troca de benefícios privados (monetários ou não); em

segundo lugar, à onda de reformas neoliberais dos anos 90, durante a qual funcionários do

Estado e políticos teriam ampliado o seu poder de decisão sobre bens públicos como as

empresas estatais, cujos processos de privatização teriam criado novas oportunidades de

extração de vantagens dos interessados em comprá-los; por último, Weyland atribuiu o

crescimento da corrupção à emergência de novas formas de lideranças personalistas ou

carismáticas, isto é, líderes políticos que, sobrepassando os partidos políticos e os grupos

de interesse, teriam chegado à presidência de seus países através da mobilização de massas

pela televisão. O argumento sustenta que o uso da televisão em campanhas eleitorais

generalizou-se em conseqüência da democratização do acesso aos meios de comunicação

de massas, mas requer o investimento de grandes somas de recursos somente mobilizáveis

através da promessa de favores aos eventuais financiadores privados (WEYLAND, 1998).

Por outras palavras, para tornar possível a mobilização requerida pela formação de

lideranças personalistas e carismáticas, os partidos e os seus dirigentes teriam

necessariamente de recorrer ao que na experiência brasileira recente foi eufemisticamente

chamado de “gastos eleitorais não contabilizados”7, isto é, a utilização de recursos privados

que não podem ser declarados à justiça eleitoral por ferir a lei.

Embora reconheça que denúncias de escândalos envolvendo o uso indevido de

recursos públicos são um sinal de progresso em países caracterizados por processos

endêmicos de corrupção, pois revelam sinais de pressão da sociedade civil no sentido do

estabelecimento de padrões republicanos de comportamento político, o estudo de

Weyland é especulativo e não oferece os testes empíricos requeridos para comprovar as

suas afirmações. Além disso, os dois primeiros fatores mencionados por ele são, em certo

sentido, irrecorríveis, ou seja, a dispersão de poder é algo intrínseco ao estabelecimento da

democracia, cujos princípios a diferenciam de regimes concorrentes precisamente por ela

se constituir em uma alternativa institucional à concentração do poder; nesse sentido,

decisões no terreno econômico que se referem à desconcentração de monopólios de bens

públicos, a exemplo das privatizações, não são per se fonte originária de corrupção, mas

podem revelar a inexistência de procedimentos jurídico-institucionais eficazes para

controlar abusos. A análise de Weyland sugere, portanto, que a democratização exige algo

7 Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, classificou dessa forma os recursos ilegais de origem privada utilizados nas

campanhas eleitorais de 2002 e 2004 do partido, entre os quais, recursos que teriam sido usados no esquema do “mensalão”.

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mais para que a corrupção deixe de ser endêmica, mas o argumento remete para um bem

público escasso, segundo muitos estudos, ou seja, para um padrão de performance de

políticos e instituições públicas inexistente em muitas democracias recentes (SHIN, 2006).

Análises como a de Weyland reiteram as teorias segundo as quais o comportamento

corrupto, em que pese também existir em países desenvolvidos, é generalizado e mais

comum em sociedades menos desenvolvidas ou em processo de desenvolvimento. Mas,

embora outros estudos também mostrem que a corrupção aumentou nos países do Leste

Europeu após a democratização e a introdução da economia de mercado (HESSEL E

MURPHY, 2000), cabe indagar se esses casos não estariam apontando, como sugeriram

recentemente Husted (1999) e Power e González (2003), para a natureza mais complexa do

fenômeno, o que exige que seu exame leve em conta fatores ainda pouco tratado nos

modelos explicativos usuais, a exemplo de valores e tradições culturais que em muitos

países justificam a corrupção. O próprio terceiro fator sugerido por Weyland para explicar o

aumento da corrupção na América Latina, ou seja, a presença de lideranças personalistas e

carismáticas que facilitariam o comportamento corrupto, aponta nessa direção. Uma longa

tradição de governos carismáticos, envolvendo a personalização das relações de poder, foi

designada pela literatura recente e antiga como populista ou neopopulista por implicar, ao

mesmo tempo, em uma relação direta entre líderes políticos e o eleitorado, e a

desvalorização de instituições de controle de abusos como partidos e instituições de

representação. Embora operando em contextos distintos daqueles que originaram os

populismos dos anos 40 e 50 na América Latina, os casos recentes de neopopulismo

exemplificam as distorções mencionadas (CARNEIRO, 2009).

Husted (1999), Power e González (2003) estão entre os primeiros que, em anos

recentes, examinaram o papel da cultura política para explicar a corrupção, tendo usado

tanto dados agregados como individuais em estudos comparados. Power e González

incluíram variáveis culturais em seus modelos analíticos e mostraram que, se por um lado o

desenvolvimento econômico continua sendo um importante preditor da corrupção, a

evidência empírica mostra que, de forma direta ou indireta, a cultura também explica o

fenômeno. Eles sustentam, neste sentido, que um modo adequado de considerar tanto o

efeito do desenvolvimento econômico como das estruturas democráticas consiste em ter

em conta os lagged effects da cultura, que influenciariam indiretamente a propensão de

algumas sociedades para adotar o comportamento corrupto. O presente estudo se insere

nesta nova tendência de pesquisa, ao buscar agregar informação e conhecimento novos

sobre a relação entre cultura política e as percepções da corrupção.

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DESENHO DA PESQUISA E METODOLOGIA

Vários conjuntos de dados foram utilizados, neste trabalho, para testar hipóteses

derivadas da literatura e da abordagem adotada. Em primeiro lugar, foi testada a

compatibilidade dos índices internacionais agregados de percepção da corrupção com as

respostas de nível individual do público latino-americano e, em seguida, se a hipótese do

desenvolvimento se aplica aos países latino-americanos. Ambos os procedimentos eram

necessários para permitir os passos seguintes da pesquisa, cujos objetivos visavam testar as

seguintes hipóteses específicas: 1. os indicadores de cultura política, tanto quando de

desenvolvimento e de desempenho institucional, importam para explicar, em graus

diferentes, os índices agregados de percepção da corrupção na América Latina e no Brasil

em anos recentes; 2. os índices de percepção da corrupção no Brasil mostram que a) os

brasileiros têm conhecimento da existência do problema no país; b) a percepção da

corrupção aumentou com as denúncias de sua existência, a exemplo do caso do

“mensalão” no governo Lula; e c) a aceitação social da corrupção no Brasil influencia

fatores associados com a qualidade da democracia.

As fontes de dados para os índices internacionais agregados de corrupção são a

Transparência Internacional e para os demais indicadores políticos e institucionais

agregados, a Freedom House; para as percepções do público sobre a corrupção em países

de diferentes níveis de desenvolvimento, o World Values Survey, entre 1995 e 2002; para a

América Latina, o Consórcio Latinobarômetro entre 2002 a 2004; para o Brasil, o Datafolha

entre 2005 e 2006 e as pesquisas dirigidas pelo autor entre 1993 e 20068. As variáveis

explicativas do estudo são, por um lado, os indicadores de desenvolvimento, de

desempenho institucional e de cultura política frente às percepções do público sobre a

corrupção na América Latina e no Brasil; e, por outro, as atitudes e opiniões dos brasileiros a

respeito da corrupção frente a diferentes objetos políticos como a confiança nas

instituições públicas, o regime democrático e a participação política. A unidade de

observação, análise e inferência adotadas são os indivíduos. Os testes realizados envolvem

análises estatísticas descritivas e análises de regressão e estão relatados no texto e nos

anexos.

PRINCIPAIS RESULTADOS

São os seguintes os principais resultados dos testes realizados:

8 As pesquisas “Cultura Política e Democratização”, de 1993, e “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições

Democráticas”, de 2006, foram dirigidas e coordenadas por José Álvaro Moisés (a última em parceria com Rachel Meneguello, da Unicamp) e financiadas pela FAPESP, CNPq e Fundação Ford.

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1. Compatibilidade entre os índices internacionais agregados de percepção da corrupção e

as respostas em nível individual por países9

Em face das objeções de parte da literatura sobre a validade de indicadores como o IPC, os

primeiros testes realizados visaram verificar, por um lado, se existe correlação entre esse

índice agregado por país e as respostas em nível individual a surveys nacionais ou regionais;

e, por outro, havendo correlação entre os dois indicadores, qual a posição dos diferentes

países no cruzamento de ambos indicadores. O primeiro teste mostrou que a correlação de

Pearson entre os indicadores é significante ao nível .001 e a associação é .90 (o r² ajustado é

.81), mostrando que a posição dos autores que criticam o uso dos índices não se sustenta,

ou seja, a corrupção percebida por segmentos específicos ouvidos por organismos como a

Transparência Internacional tem respaldo da opinião pública geral dos latino-americanos.

Em seguida, foi testada a existência de associação entre o Índice de Percepção da

Corrupção por país, de acordo com a Transparência Internacional, e a percepção da

corrupção em nível individual para diferentes países e para a América Latina segundo as

pesquisas do World Values Survey e do Latinobarômetro. Os dados confirmam

parcialmente a hipótese do desenvolvimento: por um lado, as democracias de maior nível

de desenvolvimento são aquelas em que tanto a percepção da corrupção dos grupos

segmentados como do público em geral é mais baixa, enquanto o contrário ocorre com boa

parte dos países de nível de desenvolvimento intermediário, como Espanha e Coréia do Sul

e, principalmente, com os de nível mais baixo de desenvolvimento como os países latino-

americanos. Por outro, mesmo países de desenvolvimento moderado na América Latina são

classificados como corruptos.

2. Comparação entre países de diferentes níveis de desenvolvimento

Dois aspectos sobressaem dos dados: os países de democracia consolidada e que,

intuitivamente, se sabe também serem os mais desenvolvidos, apresentam, em geral,

baixos índices de percepção da corrupção, enquanto, ao contrário, os países menos

desenvolvidos e, em boa parte dos casos, as democracias recentes apresentam índices mais

altos. Outra observação importante se refere a países de nível intermediário de

desenvolvimento que se democratizaram nos últimos 30 anos, como Espanha, Portugal e

Coréia do Sul: a percepção da corrupção diminui com o passar do tempo, confirmando, em

princípio, a hipótese de que a experiência democrática torna os países menos suscetíveis a

comportamentos antirepublicanos e, em conseqüência, menos passíveis de serem vistos

9 Devido às limitações de espaço, algumas tabelas e gráficos com resultados de testes são omitidos aqui, podendo

ser obtidos mediante solicitação ao autor pelo endereço [email protected]

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como corruptos. No contexto da América Latina, países mais pobres, como Bolívia,

Equador, Paraguai, Guatemala e Honduras, são percebidos como mais corruptos, enquanto

os países que, independentemente de seu nível de desenvolvimento, têm tradições

democráticas mais longevas, como Costa Rica, Uruguai e Chile, são percebidos como menos

corruptos. Contudo, chama a atenção o fato de que países de desenvolvimento moderado

ou em vias de desenvolvimento, como Argentina, Brasil, México e Venezuela, essa condição

não é suficiente para classificá-los por índices mais baixos de percepção da corrupção. Nem

mesmo a experiência democrática, com o passar do tempo, parece influir muito para a

diminuição dos índices de percepção da corrupção: em casos como da Argentina e

Venezuela a percepção da corrupção aumentou. Isto relativiza as hipóteses sobre o papel

do desenvolvimento e do tempo de duração da democracia, sugerindo que outros fatores

têm de ser considerados para explicar o fenômeno.

3. Determinantes da percepção da corrupção na América Latina

Em seguida tanto os índices agregados como aqueles derivados de surveys do conjunto da

população de 18 países latino-americanos sobre a percepção da corrupção foram tomados

como variáveis dependentes e submetidos a uma análise de regressão categórica (optimal

scaling procedures no SPSS) em que as variáveis explicativas, além de indicadores de

desenvolvimento econômico, social e político, eram diferentes indicadores de cultura

política. O procedimento consistiu em testar 11 modelos, mantidas as mesmas variáveis de

controle, mas com a introdução, a cada vez, de diferentes variáveis de cultura política ou

relativas a hipóteses concorrentes, além das referentes ao desempenho econômico dos

países segundo os entrevistados. Os resultados são relatados na Tabela 1.

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TABELA 1: MODELOS DE REGRESSÃO CATEGÓRICA DE ANÁLISE DOS EFEITOS DE VARIÁVEIS DE CULTURA POLÍTICA SOBRE O ÍNDICE DE PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO DA TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL PARA 18 PAÍSES LATINO-AMERICANOS (2004), CONTROLANDO POR INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO (PIB per capita, GINI, LIBERDADES CIVIL E POLÍTICA) Modelo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Variável Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig. Beta Sig.

Confiança Interpessoal

-,008 ,964

Confiança Institucional

-,553 ,001*

Tolerância a gov. não democrático

,116 ,723

Preferência regime democrático

-,579 ,019**

Preferência regime autoritário

,472 ,005*

Indiferença tipo regime

,237 ,333

Católicos ,253 ,168

Protestantes ,000 ,651

Sit. Econ. país

-,128 ,583

Sit. Econ. entrevistado

-,144 ,555

Sit. Econ. entrevistado ano anterior (2003)

,213

,400

PIBpercapita ,043 ,848 ,253 ,103 ,108 ,708 ,263 ,174 ,048 ,769 ,141 ,529 -,127 ,560 -,031 ,897 ,120 ,649 ,165 ,553 -,084 ,739

GINI ,244 ,180 ,346 ,014*** ,209 ,310 ,038 ,809 ,339 ,021 ,125 ,532 ,272 ,115 ,270 ,141 ,292 ,139 ,282 ,162 ,130 ,556

Liberdade civil

,943 ,037 ,701 ,020** ,897 ,051 1,228 ,003* ,838 ,016** 1,029 ,021 ,756 ,069 ,903 ,042 ,966 ,032 ,953 ,033 ,969 ,028

Liberdade política

-,200 ,637 ,029 ,917 -,187 ,657 -,681 ,088 -,204 ,364 -,335 ,433 -,140 ,723 -,197 ,639 -,104 ,642 -,142 ,744 -,310 ,474

R2 ajustado ,514 ,793 ,519 ,700 ,729 ,550 ,572 ,520 ,526 ,526 ,543

N 18 18 18 18 18 18 18 18 18 18 18

Fonte: Latinobarometro (2004); Freedom House (2004); Transparency International (2004); World Bank (2004); PNUD (2004). Nível de significância: *p < 0,005, **p < 0,2, ***p < 0,1.

Nota: O modelo de regressão rodado foi o Optimal Scaling Procedures para dados categóricos do SPSS. O índice de percepção da corrupção, da Transparência Internacional, foi invertido, seus valores indo de menos para mais. Para as variáveis de cultura política foram usadas porcentagens (Católicos, Protestantes, Preferências por tipos de regime e Tolerância a governo não democrático). Para as demais variáveis, foram usadas médias para os países (Confianças Interpessoal e Institucional, Situação econômica do país, do entrevistado e do entrevistado no ano anterior (2003). Paíse incluídos na análise: Argentina, Bolívia, Brasil,. Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Rep. Dominicana, Uruguai e Venezuela.

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Os modelos relevantes são os 2, 4 e 5, ou seja, aqueles em que é testado o efeito

das variáveis de confiança institucional, preferência pela democracia, preferência pelo

autoritarismo, índice de liberdade civil (segundo a Freedom House) e o coeficiente de Gini.

A capacidade de explicação desses modelos é bastante alta, isto é, respectivamente, .79,

.70 e .73. O modelo cuja explicação é mais alta é aquele segundo o qual um dos principais

determinantes da percepção da corrupção é a confiança dos cidadãos nas instituições

públicas: o beta da confiança institucional é .56, com o sinal na direção esperada, ou seja,

sinal negativo, indicando que quanto menos confiança as pessoas têm nas instituições

democráticas mais tenderão a ver a corrupção como parte do sistema político. Neste

modelo, o coeficiente de Gini, isto é, a medida de desigualdade social, também tem poder

explicativo, mas o beta é menor que o de confiança institucional, isto é, .34; outra

descoberta importante é a que se refere ao papel do índice de liberdade civil: seu beta é

.70, mostrando que a percepção da corrupção na América Latina é determinada tanto por

valores culturais como por aspectos da performance do regime que afetam a qualidade da

democracia. O modelo 4, embora com capacidade explicativa um pouco menor que o

anterior, completa o quadro sobre as variáveis determinantes da percepção da corrupção: a

preferência pela democracia e, outra vez, o índice de liberdade civil são as duas variáveis

explicativas, cujos betas respectivamente são: .57 e 1.22. Finalmente, o modelo 5 mostra

que são determinantes da percepção da corrupção a preferência pelo autoritarismo e,

outra vez, o índice de liberdade civil. Nos limites da natureza exploratória da análise, os

fatores determinantes da percepção negativa, isto é, de que a corrupção existe e afeta os

sistemas políticos latino-americanos, são a cultura política e o desenho institucional.

4. Percepção e efeitos da corrupção no Brasil

O passo seguinte da análise consistiu em examinar os resultados de pesquisas realizadas

por ocasião das denúncias sobre o “mensalão” no governo Lula (Datafolha, 2005, e as

dirigidas pelo autor em 1993 e 2006). O objetivo era verificar os níveis de conhecimento e

de percepção da corrupção pelos brasileiros no momento em que foram feitas as denúncias

e, por outro lado, com base em um indicador de memória temporal, a comparação entre

essas percepções em dois pontos no tempo, 1993 e 2006, ou seja, um ano depois dos dois

casos recentes mais conhecidos, ou seja, o de Collor de Mello em 1992 e o de Lula da Silva

em 2005; a base de comparação foi a situação percebida nos governos anteriores aos dois

casos mencionados, ou seja, o dos militares, o de Itamar Franco e o de Fernando Henrique

Cardoso. Os resultados são relatados a seguir.

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20

Fonte: Datafolha, 2005 e 2006.

Em primeiro lugar, dois aspectos sobressaem: por uma parte, verifica-se que a

maioria dos entrevistados (58%) não apenas tinha conhecimento das denúncias de

corrupção envolvendo o governo Lula em 2005, como também acreditava que o presidente

tinha “muita” ou “um pouco de” responsabilidade nos fatos (78%), embora mais de 40% não

TABELA 2: CONHECIMENTO, ATITUDES E OPINIÕES SOBRE O MENSALÃO – 2005 (%) Junho (%) Julho (%)

“Você tomou conhecimento das acusações acerca do “Mensalão"? Se sim: Está bem informado 16,60 19,30

Está mais ou menos informado 42,20 38,00

Está mal informado 15,80 17,70

Não tomou conhecimento 25,30 25,00

N 2124 2110

“Pelo que você sabe ou ouviu dizer, existem ou não casos de corrupção no governo Lula?” Sim existem 70,50 78,00

Não existem 17,00 11,70

Não sabe/não respondeu 12,50 10,30

N 2124 2110

“Se o PT pagava (o “Mensalão”), o presidente Lula está ou não envolvido nesse suposto pagamento de mesada a parlamentares em troca de apoio ao governo?” Lula está envolvido . 33,50

Lula não está envolvido . 43,40

Não sabe/não respondeu . 23,10

N . 1841

“Na sua opinião, o presidente Lula tem muita responsabilidade, um pouco ou nenhuma responsabilidade nesses casos de corrupção?”

Muita responsabilidade 28,10 28,40

Um pouco de responsabilidade 50,40 45,90

Nenhuma responsabilidade 14,50 15,20

Não sabe/não respondeu 6,90 10,50

N 2124 1866

“Na sua opinião, o desempenho do governo Lula em relação às acusações de pagamento de mesada a parlamentares em troca de apoio ao governo tem sido, até o momento: Ótimo/Bom 28,50 31,10

Regular 34,80 32,50

Ruim/Péssimo 23,30 26,00

Não sabe/não respondeu 13,40 10,40

N 2124 2110

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acreditasse no seu envolvimento direto com os mesmos. Entretanto, como se pode

verificar no gráfico abaixo, os entrevistados das pesquisas de 1993 e 2006 consideraram

que a situação da corrupção piorou no país nos governos de Collor e Lula, quando

comparados com os dos seus antecedentes. Apesar das diferenças entre esses governos, a

continuidade das percepções do fenômeno confirma o seu caráter endêmico.

Em que pese o conhecimento dos eleitores dos fatos envolvendo a corrupção e das

responsabilidades do governo Lula nos escândalos de 2005, isso não afetou o voto da

maioria nas eleições presidenciais de 2006. A questão tem importantes implicações para

efetividade dos mecanismos de accountability vertical no país, tendo levado a um novo

passo analítico dos dados de 2006. Apesar de os dados anteriores derivarem de pesquisas

diferentes, a hipótese de que a aceitação social da corrupção no país oferece um elemento

de conexão para os resultados de ambas tinha de ser verificada. O que explica a leniência

pública diante da corrupção ou mesmo a sua aceitação social e quais os seus efeitos? Uma

bateria de perguntas envolvendo a possibilidade de a corrupção

Gráfico 1 - Situação da corrupção em 1993 e 2006

18,4

22,4

32,9

47,4

2,3

42,1

18,8

5,9

25,7 25,3

20,0

31,1

42,3

25,0

38,2

71,8

7,2

29,434,4

17,1

3,9

8,4

22,5

7,5

0

10

20

30

40

50

60

70

80

1993 1993 1993 2006 2006 2006

Figueiredo e

Geisel

Collor Itamar Franco Figueiredo e

Geisel

FHC Lula

Melhorou

Ficou igual

Piorou

NS/NR

Fontes: Pesquisas “Cultura Política e Democratização” (1993); “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”

(2006).

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ser socialmente aceitável em condições em que governos e líderes políticos são vistos como

podendo responder às necessidades e expectativas dos eleitores foi utilizada no survey de

2006 e tomada como base para a construção de uma escala de aceitação social da

corrupção10.

10

A escala de aceitação social da corrupção (“Rouba, mas faz”) foi construída com base nas seguintes perguntas do survey de 2006: “Vou ler algumas frases sobre os políticos e gostaria de saber se você concorda muito, concorda pouco, discorda pouco ou discorda muito: NÃO FAZ DIFERENÇA SE UM POLÍTICO ROUBA OU NÃO, O IMPORTANTE É QUE ELE FAÇA AS COISAS QUE A POPULAÇÃO PRECISA; UM POLÍTICO QUE FAZ MUITO E QUE ROUBA UM POUCO MERECE O VOTO DA POPULAÇÃO; UM POLÍTICO QUE FAZ MUITO E QUE ROUBA UM POUCO NÃO MERECE SER CONDENADO PELA JUSTIÇA; UM POLÍTICO QUE FAZ UM BOM GOVERNO DEVE PODER DESVIAR DINHEIRO PÚBLICO PARA FINANCIAR SUA CAMPANHA ELEITORAL; O MELHOR POLÍTICO É O QUE FAZ MUITAS OBRAS E REALIZAÇÕES, MESMO QUE ROUBE UM POUCO”. O alfa de Cronbach do teste de escalabilidade é de .91. Para a explicação dos procedimentos adotados na construção da escala, ver o anexo 1.

TABELA 3: REGRESSÃO LINEAR (OLS) DA ACEITAÇÃO SOCIAL DA CORRUPÇÃO (“ROUBA MAS FAZ”) – 2006

Unstandardized Coefficients

Standardized Coefficients

VARIÁVEIS INDEPENDENTES QUE PERMANECERAM NO MODELO B Std.

Error Beta

T Sig.

(Constant) 1,532 0,215 7,136 0,000

Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste

1,268

0,123

0,229

10,302

0,000

O governo deveria oferecer menos serviços públicos como saúde e educação para reduzir os impostos

1,137

0,219

0,120

5,200

0,000

Quanto menos o governo intervir na economia, melhor para o país

0,718

0,155

0,107

4,627

0,000

O país funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder

0,564

0,153

0,085

3,691

0,000

O Brasil estaria bem melhor se nós nos preocupássemos menos com que todo mundo seja igual

0,574

0,142

0,092

4,031

0,000

Sexo feminino -0,423

0,121

-0,077

-3,504

0,000

Avaliação positiva do governo Lula 0,438

0,127

0,080

3,464

0,001

Para que o país cresça o governo deveria intervir menos na economia

-0,420

0,147

-0,063

-2,852

0,004

Escolaridade: Superior Completa ou mais

-1,028

0,379

-0,060

-2,714

0,007

Avaliação positiva da situação econômica familiar prospectiva

-0,405

0,145

-0,063

-2,794

0,005

Confiança no Congresso Nacional 0,290

0,137

0,047

2,111

0,035

Prefere a democracia à outras alternativas

-0,279

0,133

-0,048

-2,103

0,036

Dependent Variable: Escala de apoio à corrupção (rouba mas faz) Fonte: Pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, 2006

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O teste consistiu em uma análise de regressão linear envolvendo um conjunto de

variáveis independentes associadas com as hipóteses mencionadas antes. A idéia, nesse

caso, foi pesquisar os determinantes daquela aceitação. Os efeitos políticos dessa

aceitação, tratados em outro teste, são relatados adiante. A análise confirma as principais

hipóteses deste trabalho, ou seja, a aceitação social da corrupção no Brasil é determinada

por fatores ligados ao desenvolvimento, ao desempenho de instituições e de governos, e

também à cultura política. No primeiro caso, verifica-se que nas regiões do país onde os

níveis de desenvolvimento são mais baixos a aceitação da idéia de “rouba, mas faz” é

maior, diferentemente do que ocorre no Sudeste e no Sul; o mesmo resultado se verifica

também para os segmentos menos escolarizados da população (as variáveis de renda e

relativas ao tamanho das cidades dos entrevistados, no entanto, não são significantes). Ao

mesmo tempo, a avaliação positiva do governo Lula e, em contradição com a hipótese

sobre o desempenho das instituições, também a do Congresso Nacional são fatores que

explicam a aceitação social da corrupção; outro aspecto contraditório ainda emerge dessa

avaliação: os que têm uma expectativa positiva do desempenho prospectivo da economia

do país (no ano seguinte) não seguem a tendência dos que avaliam o governo e as

instituições de representação de modo positivo. Finalmente, os resultados que envolvem

variáveis de cultura política e de valores mostram que, como previsto, a adesão à

democracia ou o rechaço às alternativas autoritárias estão associadas - com os sinais na

direção esperada - com a aceitação social da corrupção. No modelo de regressão relatado

foram utilizadas também variáveis que expressam a posição dos entrevistados a respeito

do papel do Estado em face das desigualdades sociais e econômicas do país: os segmentos

que têm posições mais conservadoras são também os que oferecem base de apoio para o

“rouba, mas faz”. Em uma palavra, contemporaneamente, no Brasil, a aceitação social da

corrupção é maior entre os habitantes de regiões menos desenvolvidas, os politicamente

mais autoritários, os socialmente mais conservadores e, ao mesmo tempo, entre os que

avaliam positivamente o governo do dia e, surpreendentemente, instituições como o

Congresso Nacional.

A pergunta seguinte que o estudo procurou responder dizia respeito aos efeitos da

aceitação da corrupção para o sistema democrático. Essa aceitação afeta, de algum modo,

a adesão ou a visão da democracia dos entrevistados, a sua confiança interpessoal e

institucional ou a participação política? As questões fazem parte do debate da literatura

culturalista e institucionalista do tema e importam para a perspectiva da qualidade da

democracia. Por isso, variáveis dependentes correspondentes foram submetidas a uma

análise de regressão logística em um modelo em que a escala de aceitação social da

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corrupção (rouba, mas faz) e diferente variáveis de avaliação do governo do dia, da política

e da economia - tomadas como variáveis explicativas - foram mantidas, para fins de

controle, ao lado de variáveis sócio-demográficas, entre as quais, a região e o tamanho das

cidades dos entrevistados. Os resultados são relatados na Tabela 4 abaixo.

Em primeiro lugar, os dados mostram que a aceitação social da corrupção afeta

negativamente a adesão à democracia, enquanto o voto em Lula em 2002, a escolaridade

superior e a avaliação da política em geral influem positivamente sobre o apoio difuso ao

regime. Mas a influencia negativa sobre a adesão democrática é confirmada pelos efeitos

da aceitação da corrupção sobre opiniões em torno da possibilidade de presidentes e

governos deixarem de lado as leis e instituições como o Congresso Nacional e os partidos

políticos em situações de crise; e, em um desses casos, o voto em Lula em 2002 também

influencia essas opiniões, assim como a preferência por um líder salvador que “resolva os

problemas do país”. A aceitação da corrupção também determina alternativas como as que

envolvem a volta dos militares ao poder ou adoção de um sistema de partido único e, nesse

último caso, o voto em Lula tem efeito contrário. Os segmentos que aceitam a corrupção

como um componente da vida política do país têm opções autoritárias, mas não quando

avaliam positivamente a política do país e, em alguns casos, a economia.

Claramente, os segmentos que não compartilham da aceitação da corrupção têm

escolaridade superior, renda mais alta e são mais velhos; alguns desses segmentos, em

algumas situações, também são os que rejeitam as posições políticas autoritárias, confiam

nas pessoas e manifestam interesse em participar da vida pública. A aceitação social da

corrupção não afeta, no entanto, a satisfação com o desempenho prático da democracia,

uma dimensão que não deve ser confundida com a adesão normativa ao regime (MOISÉS E

CARNEIRO, 2008). Os mais satisfeitos com o funcionamento da democracia são do sexo

feminino e católicos, segmentos que, em outras situações, demonstram confiar menos nas

instituições e revelam menos tendências de participação política em comparação, por

exemplo, com os homens e crentes não-católicos.

Quando a análise se desloca para aspectos que envolvem a percepção dos direitos

de cidadania, participação política e avaliação de partidos políticos e o judiciário, os efeitos

da aceitação da corrupção não são significantes. Nesses casos, enquanto a avaliação

positiva da situação política em geral e o voto em Lula em 2002 têm efeitos positivos, nem

os efeitos do desenvolvimento, nem da socialização pregressa afetam a confiança em

instituições. Surpreende, contudo, que no caso de uma importante instituição da sociedade

civil, os sindicatos, a aceitação da corrupção esteja associada com a confiança nos mesmos,

algo que também é afetado pela avaliação positiva da política em geral.

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TABELA 4 – Modelos de regressão logística dos efeitos da aceitação social da corrupção (rouba, mas faz)

sobre adesão democrática, confiança e participação política, controlando por indicadores sócio-demográficos – 2006

Prefere a democracia

como forma de governo

Satisfeito com democracia no

Brasil

Em crise, o governo

prescinde leis, Congresso e instituições

Em crise, o presidente prescinde o

Congresso e os partidos políticos

O Brasil seria melhor se houvesse

apenas um partido político

Tenta convencer

alguém do que pensa

politicamente

Beta Sig Beta Sig Beta Sig Beta Sig Beta Sig Beta Sig

Aceitação da corrupção (rouba, mas faz) - 0,063 0,003 - 0,015 0,564 0,069 0,001 0,061 0,004 0,094 0,000 0,007 0,777

Sexo – feminino -0,185 0,117 -0,432 0,003 0,016 0,884 -0,005 0,967 0,111 0,356 -0,438 0,002 Faixa etária – 25 a 44 anos - 0,011 0,925 -0,326 0,029 -0,140 0,215 -0,224 0,047 -0,260 0,032 0,067 0,637 Escolaridade – superior completo ou mais 1,291 0,009 -0,164 0,736 0,337 0,322 -0,393 0,252 -0,864 0,058 0,032 0,043 Região – Sudeste -0,271 0,030 -0,742 0,267 -0,090 0,445 0,112 0,343 0,208 0,103 -0,419 0,006

Renda mensal familiar – até R$780,00 - 0,122 0,325 0,171 - 0,188 -0,042 0,723 -0,091 0,440 -0,005 0,971 -0,338 0,023

Tamanho da cidade + de 500 mil habitantes 0,032 0,802 -0,300 -0,163 -0,386 0,002 -0,199 0,107 -0,032 0,811 -0,065 0,679

Religião – católicos - 0,105 0,399 0,122 -0,053 -0,071 0,547 -0,062 0,601 0,054 0,672 -0,218 0,137 Avaliação positiva da economia do país (atual) 0,346 0,154 0,146 0,564 -0,133 0,373 -0,326 0,028 -0,115 0,464 -0,183 0,328

Avaliação positiva da política do país (atual) 0,256 0,088 0,400 0,120 -0,066 0,636 -0,123 0,375 0,012 0,935 0,168 0,331 Avaliação positiva do governo Lula - 0,001 0,995 -0,318 0,227 0,238 0,121 0,392 0,011 0,221 0,173 0,144 0,459 Voto em Lula para presidente em 2002 0,327 0,011 0,336 0,117 -0,100 0,421 -0,147 0,233 -0,251 0,055 -0,070 0,651

Nagelkerke R Square 0,055 0,205 0,030 0,027 0,039 0,039

N 1340 1340 1340 1340 1340 1340

Confia na maioria das

pessoas

Daria um cheque em

branco a um líder salvador

que resolvesse todos os

problemas

O país funcionaria

melhor se os militares

voltassem ao poder

Os brasileiros fazem valer os seus direitos

Confia nos

partidos políticos

Avaliação

positiva do Judiciário

Beta Sig Beta Sig Beta Sig Beta Sig Beta Sig Beta Sig

Aceitação da corrupção (rouba, mas faz) -0,023 0,349 0,111 0,000 0,113 0,000 0,035 0,105 0,020 0,432 -0,028 0,209

Sexo – feminino -0,108 0,409 -0,047 0,733 -0,232 0,086 -0,057 0,625 0,019 0,893 0,122 0,304 Faixa etária – 25 a 44 anos -0,331 0,013 0,043 0,759 -0,105 0,443 0,001 0,991 -0,486 0,001 -0,111 0,351

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Escolaridade – superior completo ou mais 0,779 0,022 -1,442 0,050 -0,234 0,610 0,225 0,518 -0,369 0,459 0,104 0,766 Região – Sudeste -0,015 0,912 -0,164 0,272 0,129 0,371 0,059 0,638 -0,304 0,052 0,038 0,762 Renda familiar mensal – até R$780,00 -0,366 0,008 0,103 0,481 0,115 0,420 0,111 0,373 -0,121 0,432 -0,035 0,781

Tamanho da cidade + de 500 mil habitantes -0,013 0,987 -0,173 0,268 -0,079 0,597 -0,174 0,181 -0,370 0,029 -0,494 0,000 Religião – católico 0,014 0,918 -0,016 0,911 0,027 0,851 0,210 0,092 0,086 0,579 0,028 0,822 Avaliação positiva da economia do país (atual) 0,053 0,762 -0,225 0,216 0,011 0,951 0,466 0,003 0,190 0,327 0,855 0,000 Avaliação positiva da política do país (do país) 0,401 0,012 0,143 0,398 -0,309 0,073 0,491 0,000 0,590 0,000 0,577 0,000 Avaliação positiva do governo Lula -0,166 0,359 0,066 0,722 -0,147 0,415 -0,129 0,426 0,155 0,449 0,250 0,111 Voto para presidente em Lula, 2002 0,341 0,020 -0,086 0,572 -0,238 0,103 -0,054 0,675 0,301 0,065 0,081 0,531 Nagelkerke R Square 0,036 0,048 0,043 0,054 0,081 0,153

N 1340 1340 1340 1328 1340 1340

Avaliação positiva dos sindicatos

Beta Sig

Aceitação da corrupção(rouba, mas faz) 0,045 0,037

Sexo – feminino -0,052 0,659

Faixa etária – 25 a 44 anos -0,198 0,093 Escolaridade – superior completo ou mais -0,093 0,794 Região – Sudeste 0,077 0,535 Renda familiar mensal – até R$780,00 -0,270 0,031 Tamanho da cidade + de 500 mil habitantes -0,489 0,000

Religião – católico 0,170 0,171

Avaliação positiva da economia do país (atual) 0,645 0,000

Avaliação positiva da política do país (atual) 0,560 0,000 Avaliação positiva do governo Lula 0,118 0,462 Voto para presidente em Lula, 2002 0,007 0,957 Nagelkerke R Square 0,116

N 1340

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27

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28

A aceitação social da corrupção também não afeta a confiança interpessoal; neste modelo,

apenas a avaliação positiva da política em geral, a renda mais alta e o voto em Lula afetam

positivamente essa variável. Ao mesmo tempo, no que tange a alguns indicadores de participação

política os resultados não comprovaram a hipótese de influência negativa, ou seja, a aceitação social da

corrupção não influi sobre a decisão dos indivíduos de agirem para convencer outras pessoas de suas

idéias políticas; pertencer ao sexo feminino também desestimula a participação para convencer outros

de idéias políticas, assim como habitar a região Sudeste ou cidades de mais de 500 mil habitantes, mas a

escolaridade superior tem efeito contrário. Esses achados mostram que a questão da participação

política demanda mais pesquisa e tratamento específico a ser feito em outra ocasião.

Duas limitações envolvem os resultados relatados: primeiro, embora o modelo original que

analisa os efeitos da aceitação social da corrupção envolvesse outras variáveis dependentes relativas à

qualidade da democracia, apenas aquelas mencionadas acima permaneceram na resolução final, as

demais não são significantes. Por outro lado, os coeficientes r2 ajustados dos modelos são baixos, os

resultados têm de ser tomados com cautela já que sua capacidade explicativa é limitada. Essas

limitações não impedem que os resultados sejam levados em conta, mas mostram que novos estudos a

respeito do tema são necessários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo sugerem duas conclusões importantes. Em primeiro lugar,

diferentes testes mostraram que a percepção pública da corrupção no Brasil e na América Latina está

associada, como a literatura preconiza, com o desenvolvimento e o desempenho de instituições e do

governo do dia, mas também com a cultura política; esses fatores também explicam a aceitação social

da corrupção no Brasil. Trata-se de um importante incremento no conhecimento a respeito do

fenômeno da corrupção em sua relação com a democracia, e os resultados têm que ser levados em

conta por novas pesquisas.

Ao mesmo tempo, a análise dos dados mostra que os efeitos da aceitação social da corrupção

afetam a qualidade da democracia em sentido importante: diminuem a adesão ao regime e,

principalmente, estimulam a aceitação de escolhas autoritárias que podem se converter em alternativas

contra o regime em situações de crise. Embora essa possibilidade se torne cada vez mais difícil com o

passar do tempo, o risco que ela oferece está associado com o quanto os efeitos da aceitação da

corrupção podem se conjugar com a desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas. Os

resultados a esse respeito não são conclusivos, indicando a necessidade de mais estudos.

A evidência de que a corrupção fragiliza o apoio de massa ao regime também foi demonstrada

por Seligson (2002) em um estudo sobre alguns países latino-americanos, e a sua influência para a

escolha de modelos anti-institucionais de democracia por eleitores latino-americanos e brasileiros foi

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apontada por Moisés e Carneiro (2008). Ambos os estudos são confirmados pelos dados apresentados

neste estudo e se referem a situações que podem deixar em aberto o risco de que alternativas políticas

ao regime democrático ganhem apoio de massa, além de mostrar que a corrupção rebaixa a qualidade

do regime democrático.

Com efeito, quando líderes políticos ou funcionários do Estado cometem atos de corrupção e

são colocados sob controle constitucional pela ação de cidadãos, partidos políticos, parlamento,

ministério público e judiciário isto se converte em um claro exemplo de eficiência da democracia, ou

seja, de que o regime funciona de acordo com os seus princípios e as suas promessas republicanas. Mas,

ao contrário, se uma grande parte de cidadãos pensa que a corrupção é um componente inerente ao

regime democrático (como parece ter ocorrido por ocasião da eleição presidencial brasileira de 2006), e

não devida ao comportamento de políticos específicos ou ao modo de funcionar de instituições como

partidos e legislativo, isso desqualifica elementos centrais da democracia como os mecanismos de

responsabilização de governos (accountability).

ANEXOS Metodologia de construção da escala

As dimensões de aceitação social da corrupção são compostas por diversas variáveis. Para cada dimensão,

foi avaliado o grau de associação simultânea das variáveis do grupo na tentativa de redução da dimensionalidade, o que possibilita a construção de medidas (indicadores, escalas) de forma a facilitar a interpretação dos dados e avaliar o relacionamento dessas medidas com outras variáveis de interesse. Quando as variáveis do grupo são contínuas, a técnica estatística realizada foi a de Análise Fatorial (via componentes principais, por exemplo). Na presença de variáveis categóricas, recorreu-se à Análise de Componentes Principais Categóricas (CATPCA no SPSS). Esse procedimento quantifica simultaneamente as variáveis categóricas enquanto reduz a dimensionalidade dos dados. Os fatores gerados na análise são correlacionados e representam a maior parte da informação das variáveis originais a ser interpretadas. Enquanto a análise fatorial numérica exige relacionamento linear entre as variáveis, o procedimento de aproximação de escalas ótimas permite que as variáveis sejam escalonadas para diferentes níveis, sejam nominais, ordinais ou numéricos. Assim, variáveis nominais e ordinais são quantificadas (numericamente) levando em consideração a relação entre elas e o número de dimensões pedido (no mínimo 1). Variáveis ordinais mantêm a ordem das categorias originais (embora a quantificação possa inverter o sentido), variáveis nominais são quantificadas sem levar em conta a ordem das categorias. Assim, quando se lê o sinal das cargas na tabela de ‘Component Loadings’, deve-se entender o sinal de suas categorias quantificadas para entender a direção da relação dessas com as demais variáveis. Realizada a análise fatorial pertinente a cada dimensão, verificaram-se os grupos de variáveis com cargas altas em cada dimensão. Para cada grupo de variáveis, para testar a unidimensionalidade das variáveis (construtos latentes), procedeu-se à análise de confiabilidade (ou consistência), medida pelo Alpha de Cronbach. A fórmula do coeficiente Alpha é

onde N é o número de itens (variáveis) e r é a correlação inter-item entre itens. Assim, quando o número de itens diminui, Alpha também diminui. Em escalas como a da aceitação da corrupção, há até 3 variáveis em cada grupo. Assim, poderia acontecer que, mesmo que um conjunto de variáveis tivesse uma forte associação, o valor de Alpha não atingiria um valor aceitável (de 0.70, segundo a literatura). Os escores gerados pelo SPSS® têm média próxima de 0 e variância próxima de 1. Para melhorar a interpretação do construto, foi realizada uma

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transformação na variável, de tal forma que a escala variasse de 0 (mínimo) a 10 pontos (máximo), tendo o mínimo e o máximo suas adequadas interpretações. Matematicamente, se uma variável x varia de a até b, então 10*(x-a)/(b-a) varia de 0 a 10. Variáveis do modelo de regressão logística

Dependente: Escala de aceitação da corrupção (Rouba, mas faz): varia de 0 – 10, sendo 0 a não aceitação e 10 a total aceitação da corrupção;

Independentes: − Tamanho da cidade: (“até 20 mil habitantes” = 0; “entre 20 mil e 50 mil habitantes” + “entre 50 mil e 100 mil

habitantes” + “entre 50 mil e 100 mil habitantes” + “entre 100 mil e 500 mil habitantes” + “mais de 500 mil habitantes” = 1)

− Prefere democracia à ditadura: (“em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do que um regime democrático” + “tanto faz se um governo é ditadura ou democracia” = 0; “a democracia é sempre melhor do que qualquer forma de governo” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Prefere ditadura à democracia: (“a democracia é sempre melhor do que qualquer forma de governo” + “tanto faz se um governo é ditadura ou democracia” = 0 ; “em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do que um regime democrático” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− A democracia é sempre a melhor forma de governo: (“dsicorda pouco” + “discorda muito” = 0 ; “concorda pouco” + “concorda muito” = 1; “não sabe” + “não respondeu” + “nem concorda, nem discorda” = missing)

− Você acha que democracia tem a ver com menos corrupção e menos tráfico de influência: (“não tem nada a ver” + “tem pouco a ver” = 0; “tem a ver + tem muito a ver” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− A lei deve ser obedecida sempre: (“discorda muito” + “discorda pouco” = 0; “concorda pouco” + “concorda muito” = 1; “não sabe” + “não respondeu” + “nem concorda, nem discorda” = missing)

− A privatização das empresas estatais foi boa para o país: (“discorda muito” + “discorda pouco” = 0; “concorda pouco” + “concorda muito” = 1; “não sabe” + “não respondeu” + “nem concorda, nem discorda” = missing)

− Democracia tem a ver com a existência de diversos partidos políticos: (“não tem nada a ver” + “tem pouco a ver” = 0; “tem muito a ver” + “tem a ver” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Democracia tem a ver com igualdade perante a lei: (“não tem nada a ver” + “tem pouco a ver” = 0; “tem muito a ver” + “tem a ver” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Democracia tem a ver com fiscalização dos atos do governo pelos tribunais de justiça e pelo Ministério Público (“não tem nada a ver” + “tem pouco a ver” = 0; “tem muito a ver” + “tem a ver” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− O Brasil é uma democracia plena: (“o Brasil não é uma democracia” + “uma democracia com grandes problemas” + uma democracia com pequenos problemas” = 0; “o Brasil é uma democracia plena” = 1; “não sei o que é uma democracia” + “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Trabalha por um tema que afeta a sua comunidade: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” + “muito frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)

− As pessoas pedem sua opinião sobre política: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” + “muito frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)

− Conversa sobre política com os amigos: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” + “muito frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)

− Tenta convencer alguém do que você pensa politicamente: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” + “muito frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)

− Trabalha para um partido ou um candidato: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” + “muito frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)

− Tem que ter partidos políticos para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Tem que ter deputados e senadores para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Tem que ter tribunais de justiça para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Tem que ter ministros para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

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− Tem que ter presidente da República para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Confiança no Congresso Nacional: (“nenhuma confiança” + “pouca confiança” = 0; “alguma confiança” + “muita confiança” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Confiança no governo: (“nenhuma confiança” + “pouca confiança” = 0; “alguma confiança” + “muita confiança” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Confiança no presidente: (“nenhuma confiança” + “pouca confiança” = 0; “alguma confiança” + “muita confiança” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Confiança nas leis do país: (“nenhuma confiança” + “pouca confiança” = 0; “alguma confiança” + “muita confiança” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Avaliação positiva da situação econômica do país hoje (“muito ruim” + “ruim” + “regular” = 0; “boa” + “muito boa” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− Proximidade de partidos políticos: (“não é próximo a nenhum” + “pouco próximo” = 0; “próximo” + “muito próximo” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)

− As eleições no Brasil são limpas: (“são objeto de fraude” = 0; “são limpas” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing).

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1

VIII. TELEJORNAL E CORRUPÇÃO: NOTÍCIAS NEGATIVAS, PERCEPÇÃO NEGATIVA?1

NUNO COIMBRA MESQUITA

INTRODUÇÃO

O tema da corrupção é vital para a teoria democrática. Uma das dimensões

procedimentais da qualidade da democracia, a rule of law – ou primado da lei – implica que

a corrupção seja “minimizada, detectada e punida, nos ramos políticos, administrativos e

judiciários do Estado” (DIAMOND & MORLINO, 2004: 8). Do ponto de vista econômico, a

corrupção causa aumento nos custos de transação e redução dos incentivos ao

investimento, resultando em um menor crescimento econômico. Do ponto de vista político,

existem evidências de que o contato com a corrupção faça com que as pessoas acreditem

menos na legitimidade de seu sistema político e exibam menores níveis de confiança

interpessoal (SELIGSON, 2002). Dessa forma, para além de comprometer procedimentos de

uma democracia com qualidade, a corrupção também afetaria a qualidade do seu conteúdo.

Existe, no entanto, uma outra dimensão mais subjetiva que relaciona a corrupção a

essa qualidade do conteúdo do regime: a percepção do problema. Isto é, não é só a

corrupção em si que pode afetar a qualidade da democracia, mas também a impressão –

por parte da população – de que ela esteja aumentando ou seja um problema sério, por

exemplo. Desse ponto de vista, elemento crucial a ser estudado é o papel dos meios de

comunicação. A informação política contida diariamente na mídia é parte constitutiva do

universo simbólico dos cidadãos, responsável também pela formação das convicções que

possam ter acerca de questões públicas, para além de suas experiências concretas e outras

fontes mediadas, como conversas com a família e amigos, por exemplo.

No Brasil, os meios de comunicação são frequentemente acusados de terem um

viés antipolítico, onde são fartas notícias negativas sobre esse campo (PORTO, 2000, CHAIA

& TEIXEIRA, 2001). No segundo semestre de 2005, sabe-se que notícias de escândalos de

1 Uma primeira versão deste texto foi apresentada no 6

o Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política -

ABCP, Unicamp, Campinas-SP; 29/07 – 01/08/08. Agradeço a ajuda de Clécio Ferreira com a análise estatística.

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2

corrupção, onde autoridades públicas foram alvos frequentes de escândalos políticos –

principal sendo conhecido como o do “mensalão” – dominaram o noticiário político.2 Ao

mesmo tempo, os dados do survey “A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições

Democráticas” (2006)3 indicam que quase 60% dos brasileiros acreditam que a corrupção

aumentou muito naquele último ano no Brasil, enquanto 98% acreditam que a corrupção é

um problema sério. Além disso, a maioria das pessoas percebe desvios de conduta sendo

praticados pela maior parte ou todos os políticos, como mostra a tabela 1.

Tabela 1. Percepção de comportamento dos políticos

Em %

Todos Maioria Minoria Nenhum ns/nr

Mudar de partido em troca de dinheiro ou cargo

32,1 56,7 9,3 0,5 1,3

Superfaturar obras públicas e desviar dinheiro para o patrimônio pessoal

31,4 57,4 9,8 0,2 1,2

Usar “caixa 2” em campanhas eleitorais

38,9 49,3 9,5 0,9 1,4

ns/nr: não sabe, não respondeu Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).

A questão é saber se existe conexão entre esses dois fenômenos. A preocupação

desse capítulo, portanto, é como a televisão – mais especificamente o telejornal – se

relaciona com as atitudes políticas dos cidadãos em relação à corrupção. Para esse objetivo,

pretende-se investigar, particularmente, o Jornal Nacional, da Rede Globo. Sabendo da

cobertura extensivamente negativa sobre a política que o telejornal apresentou durante o

segundo semestre de 2005, se quer saber se, de alguma forma, esse telenoticiário está

associado a atitudes negativas dos cidadãos em relação à corrupção e à avaliação que eles

fazem de seus governantes. Para isso, utilizam-se dados do survey “A Desconfiança dos

Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006) para examinar possíveis associações entre

audiência do telejornal e percepções dos cidadão sobre esses temas.

O texto discute inicialmente a questão da corrupção para a teoria democrática, bem

como as abordagens sobre o papel do jornalismo para a percepção do problema. Dessa

discussão teórica se derivam hipóteses empiricamente verificáveis. Em seguida,

apresentam-se os dados analisados referentes ao impacto do telenoticiário em questão

2 O principal telenoticiário do país, o Jornal Nacional, apresentou uma agenda extremamente negativa em relação

ao campo da política durante a crise política de 2005. Mais de 70% das notícias de esfera pública foram dedicadas à crise e a outros casos de corrupção (Mesquita, 2010). 3 Sob responsabilidade dos professores Dr. José Álvaro Moisés (USP) e Dra. Rachel Meneguello (UNICAMP).

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3

para percepção dos indivíduos do problema da corrupção e a avaliação que fazem das

principais instituições. Por fim, apresentam-se as conclusões iniciais sugeridas pelos

resultados.

MÍDIA, CORRUPÇÃO E DEMOCRACIA

Os meios de comunicação são uma variável importante para a qualidade democrática.

Parte do pressuposto democrático é a existência de liberdade de expressão e de fontes

alternativas de informação para que os cidadãos possam formular suas preferências (DAHL,

1971). Assim, é relevante saber como os assuntos do estado são tratados pela mídia e como

isso pode impactar percepções, valores e orientações dos indivíduos acerca de assuntos

públicos. Existem perspectivas distintas sobre esse papel. Alguns autores acreditam que a

mídia tem representado um papel pernicioso para a democracia na maneira que cobre os

assuntos públicos (PATTERSON, 1998; CAPPELLA E JAMIESON, 1997). Uma ênfase em

notícias negativas sobre a política, tratadas de forma simplista, acabariam afetando a

maneira como os cidadãos vêem a política, podendo fomentar o cinismo do público em

relação a políticos e à política em geral. Entretanto, também existe a perspectiva de que os

meios de comunicação têm o poder de informar e mobilizar as pessoas politicamente. O

acesso cada vez maior a informações políticas, aliado a maiores níveis educacionais

ajudariam a mobilizar os cidadãos, tanto no aumento do conhecimento, quanto em termos

comportamentais (NORRIS, 1999, NEWTON, 1999).

No geral, ainda que com hipóteses opostas, esses trabalhos se preocupam em

como as mensagens ou o consumo de mídia pode influenciar na maneira como o cidadão se

relaciona com o Estado e seus assuntos. Quer se saber, por exemplo, se a mídia é capaz de

influenciar no apoio político dos cidadãos (como abordado no capítulo V deste livro). O

tema da legitimidade democrática é uma das dimensões importantes para se investigar o

impacto dos meios de comunicação, mas não a única. Outro elemento essencial, com forte

relação com a própria legitimidade do regime, é a corrupção. Isto porque ela fere um dos

pressupostos de uma democracia de qualidade, que é o primado da lei. O uso de bens

públicos para fins privados – como usualmente se define corrupção – subverte o princípio

de que todos são iguais perante a lei.

O tema da corrupção tem recebido tratamentos distintos. Sob o ponto de vista

econômico, a corrupção tem demonstrado ter um impacto negativo no investimento e

crescimento de nações em desenvolvimento. Entre outros motivos, isso acontece porque

serviços contratados pelo Estado são feitos por empresas que pagam suborno, o que

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4

implica em serviços que não atendam a padrões de qualidade. Além disso, propinas não

pagam impostos, sonegando ao Estado receitas que poderiam ser utilizadas em benefício

da população (SELIGSON, 2002).

Sob o ponto de vista político, ainda que existam perspectivas de um possível efeito

benéfico da corrupção,4 é cada vez mais proposto o papel pernicioso que ela produz sobre

outros aspectos da comunidade política. Seligson (2002), em estudo sobre o impacto da

corrupção em quatro países latino-americanos, demonstrou que aqueles que já tiveram

alguma experiência com a corrupção, têm menor probabilidade de acreditar na

legitimidade de seu sistema político, ao mesmo tempo em que possuem menores níveis de

confiança interpessoal. O estudo demonstrou, ainda, que mesmo aqueles que acreditam

que a corrupção serve para superar certos entraves burocráticos, também têm seu apoio a

legitimidade do sistema abalado ao terem contato com práticas corruptas.

Trabalhando com dados de países da América Latina, Moisés e Carneiro (2010)

demonstraram que aqueles que mais acreditam que a corrupção seja um problema sério em

seus países, tendem a estar mais insatisfeitos com o funcionamento da democracia dos

mesmos. A porcentagem daqueles que optam por uma “democracia sem congresso

nacional” também é maior entre aqueles que acreditam que o problema da corrupção

tenha aumentado (MOISÉS, 2008).

Mignozzetti (2009), analisa o impacto da corrupção para a qualidade da democracia

em diversos países. Seus dados revelam que a corrupção, medida pelo IPC (Índice de

Percepções da Democracia) da Transparência Internacional, afeta a qualidade da

democracia. Para essa mensuração, o autor utilizou – como variável aproximada – dados da

Freedom House, que corresponde ao nível de liberdades civis e políticas. Quanto maior a

corrupção, menor o desempenho dos países nesse índice.

No caso brasileiro, trabalhando com dados do survey “A Desconfiança dos Cidadãos

das Instituições Democráticas” (2006), Dal Pino (2009), analisa o impacto da percepção do

problema da corrupção sobre a confiança governamental. Seu estudo comprovou que

maiores índices de percepção da corrupção se relaciona com menores níveis de confiança.

Esses trabalhos apontam como a corrupção, ou a percepção que se tem dela, pode

afetar importantes aspectos da vivência democrática. No entanto, a percepção que se tem

da corrupção não é função somente da experiência prática que se possa ter no dia a dia

com ela. Cidadãos que nunca tenham sido abordados com pedidos de suborno, por

4 É o caso da escola funcionalista, que considera a corrupção um mal necessário, possibilitando aos cidadãos

superar burocracias intransigentes e ineficientes, ao mesmo tempo em que aumentam a lealdade ao sistema político (cf. Seligson, 2002).

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5

exemplo, podem ter sua percepção afetada de acordo com outras informações a que estão

expostos diariamente sobre o tema, em especial nos meios de comunicação de massa. Dito

de outra forma, é relevante se as abordagens da mídia sobre comportamentos corruptos

de agentes públicos afeta a maneira como as pessoas percebem o problema da corrupção.

Em estudo sobre os países do sul da Europa, Morlino (1998) fez uma análise de

tendências entre o aumento da cobertura de casos corrupção nos meios de comunicação e

da insatisfação política. O resultado foi uma correlação significativa entre o aumento desse

tipo de notícia e o aumento da insatisfação. Sobretudo na Grécia e na Itália, a correlação foi

mais robusta, demonstrando um maior sentimento de ineficácia política nesses dois países.

De forma semelhante, Pharr (2000) demonstra que o aumento no número de notícias sobre

corrupção em um dos principais jornais do Japão corresponde a um aumento nos níveis de

insatisfação política. A autora complementa a análise de tendências com uma análise de

regressão, confirmando forte correlação entre esses dois fenômenos.

No Brasil, o estudo dos meios de comunicação como fator influente na política

concentra-se principalmente no comportamento da mídia. Existe uma abordagem quase

dominante que acusa os meios de comunicação de exacerbarem seu papel de guardião da

coisa pública, focando em especial os aspectos negativos da política. Para Porto (2000), a

mídia brasileira possui um viés antipolítico e antiinstitucional. Uma cobertura

essencialmente negativa, especialmente do poder legislativo, estaria centrada em temas

como a corrupção, o nepotismo o clientelismo e outras irregularidades.

Essa visão é compartilhada por outros autores. Chaia e Teixeira (2001) acreditam que

o jornalismo investigativo resultou em “escândalos midiáticos”. Analisando as edições das

revistas semanais Isto É e Veja durante o período em que ocorreram vários escândalos

políticos em 2001, concluíram que esse tipo de notícia pode ter o aspecto positivo de

provocar um aumento da fiscalização das atividades dos políticos. O aspecto negativo, não

obstante, fica por conta de o acúmulo de “maus exemplos” de políticos poder levar a uma

descrença nas instituições.

Lima (2006) – em análise de conteúdo de jornais, revistas e telejornais, durante o

período do “mensalão” em 2005 – observou uma cobertura predominantemente negativa

do governo e dos partidos políticos que, segundo o autor, distorceu e omitiu fatos. Para ele,

a cobertura teria se caracterizado por ser um “escândalo político midiático”, caracterizado

como um evento que só existe na e pela mídia. O autor conclui que predominou na mídia a

“presunção da culpa” dos envolvidos na crise, acarretando em um desvio das regras e dos

princípios éticos da profissão.

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6

Em um estudo sobre os editoriais de jornais paulistas entre 2003 e 2004, Chaia e

Azevedo (2008) encontraram uma ênfase na cobertura da ação do Executivo, em especial a

Presidência e os ministérios, além do funcionamento do Congresso Nacional. O Senado,

alvo principal da pesquisa dos autores, contou com uma cobertura pequena durante o

período. O conteúdo em relação a essa instituição, no entanto, foi predominantemente

negativo. Os jornais analisados compartilharam uma visão negativa que se traduziu em

críticas ao fisiologismo, ao absenteísmo, à infidelidade partidária, ao troca-troca de

legendas e a certos comportamentos morais e éticos considerados reprováveis.

Os autores mostram que as críticas são quase sempre feitas a partir de casos

individuais. Não obstante, acreditam que o enquadramento negativo em relação aos

membros do congresso, por extensão, acaba por enquadrar negativamente a própria

instituição. Ainda que os editoriais também tenham apresentado enquadramentos

positivos, os autores acreditam que são as críticas repetidas e recorrentes que formatam de

forma mais nítida a imagem da instituição para o público.

Miguel e Coutinho (2007), analisando a cobertura do escândalo do “mensalão”

também em editoriais de jornais, da mesma forma encontraram uma predominância de

notícias negativas e centradas em atores políticos que teriam descumprido regras legais ou

normas morais que deveriam reger o comportamento político. Para esses autores,

entretanto, a ênfase da cobertura negativa ser em agentes políticos e não nas instituições

tem repercussões distintas. Enquanto para Chaia e Azevedo notícias negativas sobre

indivíduos representam um tratamento negativo da própria instituição “por extensão”,

para Miguel e Coutinho essa crítica estritamente individual falha ao não reconhecer que

parte dos problemas apontados também são fruto de um sistema político com necessidade

de reformas. Ao contrário de Chaia e Azevedo, portanto, os autores acreditam que a

cobertura apresentou um caráter deferente ao sistema político e suas principais

instituições.

O tratamento negativo da política não se restringe à imprensa escrita. Porto (2002b)

em estudo de análise de conteúdo, demonstra como o tema político mais freqüente

apresentado pelo Jornal Nacional, principal telenoticiário do país, foi a corrupção e

escândalos políticos, ocupando quase metade de todo o tempo da cobertura política.

Apesar da ênfase nesse tema, seu tratamento teve um caráter mais descritivo, que o autor

chama de enquadramento episódico. 80% dos enquadramentos tiveram essa característica.

Essa informação é importante, já que, em uma pesquisa qualitativa, o autor verificou que

quando o jornal assume um enquadramento, ou interpretação, específica de um assunto –

que ele chama de enquadramento restrito – os telespectadores têm maior tendência a

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7

aceitar essa interpretação do que quando ele apresenta uma notícia com mais de uma

interpretação possível, chamado de enquadramento plural. Significa que ainda que

demonstrada uma certa influência potencial do telenoticiário, a ênfase em um uma

cobertura mais descritiva do que interpretativa representaria uma menor probabilidade de

essa influência ocorrer.

Entretanto, ao contrário do que essa literatura baseada em análises de conteúdo

pode fazer supor, não é claro que esse conteúdo afete negativamente percepções que as

pessoas têm do regime político. Utilizando dados estatísticos provenientes do survey ESEB

de 2002, Schlegel (2006) verificou que – controladas as características socioeconômicas dos

entrevistados – não há associações significativas entre se assistir a telejornais e se ter

menores níveis de confiança em instituições e atores políticos. A exceção, encontrada pelo

autor, foi uma associação positiva entre aqueles que responderam ter assistido a um

telejornal ao menos uma vez na semana (três quartos da amostra) e que apresentaram

maior adesão aos partidos, vendo-os como elemento necessário à democracia.

Estudo feito com o survey “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições

Democráticas” (2006) demonstrou que, no Brasil, esses efeitos são mais de orientação

positiva. Assistir ao telenoticiário Jonal Nacional se mostrou positivamente associado a

diversos indicadores de apoio público ao regime democrático. Quem mais assiste ao JN

tende a estar mais satisfeito com a democracia, além de possuir maiores índices de

confiança no governo, nas forças armadas, no presidente, nos bombeiros, no poder

judiciário e nos empresários (MESQUITA, 2010).

Esses resultados foram encontrados a despeito de um período em que

predominou uma agenda fortemente pautada por denúncias de corrupção. O mesmo

estudo empregou uma análise de conteúdo durante o segundo semestre de 2005. Concluiu-

se que 70% do tempo dedicado a assuntos públicos foi negativo. Apesar disso, a maneira

como o noticiário abordou os temas referentes a esse assunto não se caracterizou por uma

abordagem mais cínica em relação à política. Uma interpretação mais descritiva foi

encontrada em 90% das notícias durante o período. A agenda negativa que o JN apresentou

se restringiu à apresentação de desvios individuais, onde políticos e outros agentes

públicos foram mostrados em atividades antiéticas e ilegais. O sistema e suas instituições

em nenhum momento foram alvo de críticas ou de caracterizações depreciativas por parte

do telejornal. Esse fato ajuda a explicar por que os maiores consumidores de JN não

desconfiam mais das instituições e nem são menos satisfeitos com a democracia, mas, ao

contrário, apresentam associações positivas.

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8

Notícias sobre corrupção podem aumentar a percepção, por parte dos indivíduos, de

que os governos e autoridades são vigiados e responsabilizados por suas ações pela mídia,

o que garantiria um clima de maior confiança. No entanto, em relação à questão específica

da corrupção, as informações a esse respeito podem ter um impacto diferenciado sobre o

indivíduo, tornando-os mais cônscios do problema. Dessa forma, é possível que conteúdos

negativos da mídia brasileira não estejam afetando diretamente determinadas atitudes do

cidadão em relação a política. Mas a contínua ênfase em relatos de corrupção e

malversação de recursos públicos, pode ter a capacidade de influir na percepção que as

pessoas têm desse problema. Como a percepção da corrupção tem se demonstrado como

relevante para a desconfiança institucional e a legitimidade democrática (MOISÉS E

CARNEIRO, 2010; DAL PINO, 2009), a longo prazo – e de maneira indireta – isso poderia

fomentar maior descrédito para as instituições e a democracia.

Na literatura nacional e internacional, portanto, existe o entendimento de que tanto a

corrupção, quanto a percepção desse problema por parte dos cidadãos, é um elemento

pernicioso para a legitimidade democrática. A percepção do problema da corrupção, por

sua vez, não é função apenas do contato pessoal que se possa ter com ela, mas também

das informações a que se está exposto diariamente a esse respeito, em especial pelos

meios de comunicação. No caso brasileiro, análises de conteúdo têm demonstrado uma

persistente cobertura negativa por parte dos meios de comunicação, onde se dá um

destaque excessivo a notícias sobre corrupção de agentes públicos. Durante o segundo

semestre de 2005, o escândalo conhecido como “mensalão”, além de outros casos de

corrupção, prevaleceram no mais importante telejornal do país, o Jornal Nacional da Rede

Globo (Mesquita, 2010). Com uma forte carga de notícias negativas sobre práticas corruptas

no noticiário, a hipótese é que:

H1: Assistir Jornal Nacional afeta de maneira negativa a percepção dos indivíduos em

relação ao comportamento dos políticos (superfaturar obras públicas e desviar dinheiro

para o patrimônio pessoal, usar “caixa 2” em campanhas eleitorais e mudar de partido em

troca de dinheiro ou cargo); a percepção sobre o problema da corrupção (no último ano,

durante o governo Lula e percepção de que seja um problema sério), além da avaliação da

situação política atual.

Essa primeira hipótese leva em consideração que mensagens específicas sobre

determinados assuntos têm maior poder de impacto sobre o que as pessoas consideram

dos mesmos. Ou seja, quanto maior cobertura sobre corrupção, maior a percepção desse

problema por parte dos indivíduos. Essa maior percepção – derivada de maior informação

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9

sobre o assunto – por outro lado aumentaria a cognição dos indivíduos. Ao ver

irregularidades no trato com a coisa pública por parte de agentes do Estado sendo

expostos na mídia e, ao mesmo tempo, as instituições encarregadas de investiga-las e puni-

las (como o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito ou do Ministério Público, por

exemplo), esses indivíduos teriam condições de avaliar melhor as instituições, justamente

por vê-las em seu funcionamento. Dessa forma, e amparado em resultados anteriores que

demonstraram que a confiança institucional e a satisfação com a democracia são

impactadas de maneira positiva pela audiência do JN (MESQUITA, 2010), acredita-se que:

H2: Assistir Jornal Nacional está associado de maneira positiva a avaliação de

instituições e de políticos (governo, congresso, presidente, deputados e senadores,

partidos políticos).

RELAÇÕES: JN, CORRUPÇÃO E AVALIAÇÃO

O conteúdo do JN durante o segundo semestre de 2005 contou com uma proporção

muito grande de notícias negativas sobre o campo da política, mais especificamente relatos

de corrupção por parte de políticos e partidos. A hipótese inicial, assim, era que a audiência

do JN se associasse negativamente com a percepção que as pessoas têm de corrupção,

assim como a avaliação que elas fazem da situação política atual, mas positivamente em

relação à avaliação que os cidadãos fazem de seus representantes.

Para testar as hipóteses propostas, utilizou-se uma taxa de consumo de JN. Ela

corresponde à proporção de consumo de Jornal Nacional em relação à audiência de

televisão em geral (quanto maior a proporção de JN em relação ao resto do consumo de

televisão, maiores são os efeitos verificados).5

O primeiro passo é verificar o impacto dessa taxa na explicação de cada uma das

variáveis listadas na Tabela 2 (percepção de corrupção e avaliação). Sendo as variáveis

ordinais, optou-se por realizar uma regressão categórica.6

5 Para maiores detalhes dessa taxa, ver Capítulo V deste livro. De agora em diante, ao falar-se de consumo de Jornal

Nacional, está se referindo sempre a essa taxa, ou seja, sempre levando em consideração, também, o consumo televisivo. 6 (Optimal Scalling no SPSS). A regressão categórica quantifica dados categóricos dando valores numéricos às

categorias. Isso resulta em uma equação de regressão linear optimal para as variáveis transformadas.

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10

Tabela 2. Percepção de corrupção e avaliação

Coeficientes de regressão (beta) de Taxa JN, controlados ou não por variáveis socioeconômicas

Aumentou corrupção último ano

Corrupção é um

problema sério

Comportamento dos políticos 1 (mudar de partido em

troca de dinheiro ou

cargo)

Comportamento dos políticos 2 (superfaturar

obras públicas e desviar dinheiro

patrimônio pessoal)

Comportamento dos

políticos 3 (usar “caixa

2” em campanhas eleitorais)

Corrupção e tráfico de Influência Governo

Lula

Avaliação da situação

política

TXJN c/ controle

ns ns ns ns ns 0,043* ns

R2 0,038 N 1799

Avaliação Governo

Lula

Avaliação do

Congresso

Avaliação dos

Partidos

Avaliação do Governo

Avaliação do

Presidente

Avaliação dos Deputados e Senadores

TXJN c/ controle

ns ns 0,041* 0,041* ns 0,044*

R2 0,019 0,041 0,022 N 1814 1829 1812 Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= número de casos. Controlado por: sexo, idade, escolaridade, renda.

Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).

Como demonstrado na Tabela 2, não existe qualquer associação entre a taxa JN e a

percepção, por parte dos cidadãos, de que a corrupção tenha aumentado no último ano ou

que seja um problema sério. Também não há relação entre a taxa e a percepção de que seja

comportamento de todos os políticos superfaturar obras públicas e desviar dinheiro para o

patrimônio pessoal, usar “caixa 2” em campanhas eleitorais e mudar de partido em troca de

dinheiro ou cargo (esta, após o controle das variáveis socioeconômicas). Nem a avaliação

do presidente Lula, do governo Lula, do Congresso e da situação política atual estão

associadas à variável explicativa após o controle das variáveis socioeconômicas.7

São quatro as variáveis associadas à taxa de consumo de Jornal Nacional: a

percepção sobre a questão da corrupção e o tráfico de influência durante o governo Lula e da

avaliação dos partidos políticos, do governo e dos deputados e senadores. Todas elas, após o

controle das variáveis socioeconômicas, associam-se à taxa JN. Como esperado para o caso

da avaliação das instituições, as associações são positivas. Quanto maior o consumo de JN

melhor a avaliação da atuação do governo, dos partidos políticos e dos deputados e

senadores. Isso indica que, apesar, das notícias negativas sobre corrupção, o fato de as

instituições não serem caracterizadas negativamente e, ainda, serem apresentadas em

7 Os modelos de regressão utilizados são para efeito de predição, ou seja, avaliar que conjunto de variáveis

explicativas afetam as variáveis dependentes.

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funcionamento, pode ter ajudado a melhorar os níveis de cognição dos indivíduos, dando

subsídios para que as avaliassem melhor.

Entretanto, o resultado para a primeira hipótese não foi o esperado. Não foram

encontradas associações, positivas ou negativas, entre a taxa JN e variáveis de percepção

do problema da corrupção, com exceção de uma. Ao contrário da hipótese proposta,

quanto mais se assiste ao Jornal Nacional, mais as pessoas tendem a perceber que a

questão da corrupção e do tráfico de influência no governo Lula melhorou. Dado o período

estudado, com uma quantidade extensiva de notícias negativas sobre corrupção,

envolvendo políticos e partidos, como explicar esse resultado?

Apesar de uma proporção grande de notícias negativas sobre o campo da política,

esse tipo de abordagem se limitou a indivíduos e não instituições. Ao contrário, essas

instâncias democráticas foram mostradas em seu funcionamento. Essas informações

podem estar associadas à idéia de transparência, o que explicaria avaliações melhores de

instituições entre aqueles que assistiram ao telejornal.

A ausência de associações com a taxa JN e variáveis de comportamento de políticos

(que, de fato, foram caracterizados negativamente pelo telejornal) pode estar relacionada

com a incapacidade de o noticiário, a despeito desse conteúdo, influenciar as pessoas.

Também é possível que o ambiente maior da sociedade estivesse permeado pelo mesmo

tipo de informação.8 Não sendo exclusividade do JN a visão negativa da classe política, não

seriam seus maiores telespectadores que apresentariam uma visão diferenciada do

restante da população.

Existe, ainda, um outro elemento a ser considerado. A mídia brasileira é

frequentemente retratada como tendo um viés antipolítico. Entretanto, essa característica

não é exclusiva da abordagem dos meios de comunicação, e sim um traço mais perene da

cultura política brasileira (PORTO, 2000). Assim, é possível que o Jornal Nacional mais reflita

essa perspectiva, do que exerça algum tipo de influência.

Parte-se também do princípio de autonomia dos telespectadores frente às

mensagens a que estão expostos. A maneira como cada cidadão absorverá a informação

depende muito do contexto ao qual está inserido, podendo atuar nessa absorção de

informação diversos fatores, como educação e renda, por exemplo. Para verificar se esses

elementos poderiam, de alguma forma, se relacionar com a absorção de informação por

8 A análise de editoriais dos principais jornais durante o período sugere isso (Miguel, 2007).

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parte dos cidadãos, optou-se por realizar uma interação entre a taxa de consumo de Jornal

Nacional e a instrução e, posteriormente com a renda.9

Como é possível identificar na tabela 3, quantificadas, as variáveis explicativas todas

relacionam-se com as variáveis dependentes, com exceção de sexo e idade. Sexo não

demonstrou ser significante para nenhum dos casos, enquanto a idade foi significante

apenas para a avaliação do governo Lula, que conta com apreciação melhor entre os mais

velhos. A taxa JN tem associação menos significante para todas as variáveis. Escolaridade e

renda, por sua vez, apresentam associações mais significantes, mas ocorre que estas são

em sentido oposto. Como já exposto anteriormente, a taxa JN está relacionada a uma

melhor avaliação do governo, dos partidos políticos, dos deputados e senadores e a uma

percepção de melhora na questão da corrupção no governo Lula. Ao contrário, quanto

maior a escolaridade e maior a renda, pior se avaliam as mesmas instituições e pior se

percebe a questão da corrupção.

Tabela 3. Percepção de corrupção e avaliação com interações

Coeficientes de regressão (beta) com interações da taxa JN com escolaridade e com renda

Avaliação dos Partidos Políticos

Avaliação Deputados e

Senadores

Avaliação Governo

Percepção de Corrupção gov. Lula

TXJN 0,04* 0,042* 0,040* 0,041*

Sexo ns ns ns ns

Idade ns ns 0,067** ns

Renda -0,07*** -0,081*** -0,114*** -0,129***

Escolaridade -0,063** -0,084*** -0,088*** -0,097***

TXJN vs. renda ns ns ns ns TXJN vs. escolaridade -0,044* ns ns ns

R2 0,020 0,023 0,042 0,039

N 1814 1812 1829 1792 Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= número de casos. Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).

Não existe nenhum efeito das interações entre taxa JN com escolaridade ou com

renda com relação à avaliação do governo, dos deputados e senadores e a respeito da

percepção de corrupção durante o governo Lula. Entretanto, existe uma associação entre a

9 Ver capítulo V para maiores detalhes sobre o procedimento.

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variável de interação da taxa JN com a escolaridade e a avaliação dos partidos políticos,

como mostra a tabela 3. Isso significa que essas duas variáveis atuam conjuntamente,

afetando a avaliação dos partidos políticos. Como a interação possui uma associação

negativa com a variável dependente, assim como a escolaridade, indica que quem mais

assiste ao Jornal Nacional e mais escolaridade tem, pior avalia os partidos. Entretanto, se

comparado à escolaridade sozinha, traz menor intensidade, como pode ser percebido

comparando os dois coeficientes (escolaridade x TXJN vs. escolaridade).

Se tomarmos a audiência do Jornal Nacional como representando, de alguma forma,

uma variável de informação, então os resultados apontam para algo, em princípio,

contraditório: escolaridade e informação não seguem a mesma tendência de associação. Os

resultados para escolaridade revelam o “cidadão crítico” de Norris (1999b). Ou seja, é o

democrata que se mostra rigoroso com a avaliação do desempenho concreto das

instituições do regime. São justamente os maiores níveis de escolaridade e acesso à

informação que teriam essa atitude mais crítica. Moisés (2007) já havia encontrado – com

os mesmos dados utilizados na presente pesquisa – que, apesar de a educação dos

indivíduos afetar positivamente indicadores de mobilização, como a participação política,

ela não aumenta o apoio a instituições representativas. Os mais educados são, a despeito

de mais participativos, também mais críticos. Entretanto, a informação – considerando a

audiência do JN – aparece com tendência oposta, ou seja, melhorando a avaliação dos

cidadãos acerca das instituições.

Esses resultados podem ser entendidos a partir de três tipos de orientação da cultura

política: uma cognitiva, uma afetiva e outra avaliativa (DIAMOND, 1999). A educação e a

informação podem estar ligadas a uma orientação cognitiva, que envolve conhecimento e

crenças sobre o sistema político. Se por um lado as crenças sobre o sistema político podem

ser construídas a longo prazo por processos de maior qualificação cognitiva, onde a

educação representa um papel crucial, o conhecimento sobre o sistema político pode ser

mais dependente de informações específicas de curto prazo, onde os meios de

comunicação desempenhariam papel relevante. Sendo dois elementos distintos, é plausível

que representem orientações diferentes e, até, opostas.

Já uma orientação afetiva, que consiste em sentimentos sobre o sistema político,

pode estar ligada mais à educação, que consiste em uma construção de longo prazo, do

que a informações, mais ligadas a conjunturas de momento. Assim, o terceiro tipo de

orientação – a avaliativa – que usa informação e sentimentos, representa

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comprometimentos a valores e julgamentos políticos sobre o desempenho do sistema

político relativo a esses valores.

Dessa forma, poderíamos entender que a educação pode representar e reforçar um

traço mais perene da cultura brasileira: o viés antipolítico (PORTO, 2000). Crenças e

sentimentos acerca do sistema político brasileiro, tradicionalmente de caráter mais crítico

no Brasil, seriam reforçados por esse processo de maior qualificação cognitiva representada

pela escolaridade. Ao contrário, informações específicas sobre o funcionamento do sistema

político, representadas pela audiência do Jornal Nacional, fornecem elementos para que o

cidadão avaliem melhor suas instituições.

Assim, partindo da autonomia dos indivíduos na interpretação das informações

expostas pelo telejornal, o conteúdo negativo acerca da política não se contrasta com

elementos mais perenes já presentes na sociedade brasileira, onde a política é vista de

maneira crítica. Mas ao fornecer informação específica sobre o sistema, mostrando as

instituições em seu funcionamento, principalmente em seus papéis de accountability, dão

margem para uma melhor avaliação das mesmas.

Não se pode esquecer, entretanto, que a educação – como elemento mais

constitutivo do arsenal cognitivo dos indivíduos – é mais forte e significante do que a

informação de curto prazo fornecido pelo telejornal, o que pode ser corroborado pelos

dados. Na variável onde aparece efeito de interação constata-se, assim, que a interação

com a audiência do Jornal Nacional aparece apenas “suavizando” a avaliação negativa dos

partidos políticos daqueles com maior escolaridade. Isto é, o efeito de interação entre

escolaridade e taxa JN, apesar de negativo, é mais fraco do que o da escolaridade sozinho.

Ou seja, a escolaridade aparece tornando o cidadão mais crítico. Apesar de incapaz de

reverter essa tendência de longo prazo, a informação de curto prazo contidas no JN fazem

com que essa crítica seja menos severa.

A prevalência da tendência de variáveis socioeconômicas ou da variável de audiência

na interação pode estar relacionada à diferença entre dimensões de percepção de caráter

distinto. Uma convicção mais profunda acerca de temas políticos – mais refrataria a

mudanças conjunturais – representaria uma percepção de “fundo”. Seria o tipo de

percepção decorrente de processos de socialização a longo prazo. Diferentemente,

convicções de ordem mais pragmática ou conjuntural representariam posturas mais

imediatas e a curto prazo, mais dependentes de informações novas para serem formadas.

Podem ser chamadas de “momento”.

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A suposição é que, para essas convicções de “fundo”, variáveis socioeconômicas

prevaleceriam por serem mais fortemente constitutivas das características pessoais do

indivíduo e, portanto, menos aptas a mudarem a curto prazo. Ao contrário, percepções de

questões de “momento” seriam mais aptas a serem influenciadas por informações a curto

prazo, portanto mais susceptíveis de influência pela mídia.

Os partidos políticos brasileiros contam com um histórico de avaliações negativas

motivadas pela fragmentação partidária, afetando a inteligibilidade do sistema eleitoral e a

capacidade de o eleitor diferenciar os vários partidos (KINZO, 2004; LAMOUNIER & SOUZA,

2006). Isso implica que a avaliação dessa instituição representa uma dimensão de “fundo”,

e não de “momento”. De fato, a predominância da tendência da variável socioeconômica

de escolaridade – e não de audiência – na variável de interação, indica que nesse tipo de

dimensão, características mais “primárias” dos indivíduos são mais importantes do que a

informação dos meios de comunicação.

DISCUSSÃO

Os dados do survey “A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas”

apontam para uma visão muito crítica dos cidadãos em relação a avaliação das instituições e

percepção do problema da corrupção. O principal telejornal do país, o Jornal Nacional da

Rede Globo, parece mais refletir, do que influenciar essa visão crítica, já que as poucas

variáveis que estão associadas à audiência do JN têm uma associação positiva. Instrução e

renda parecem explicar mais essa visão crítica, já que quanto maior as duas, pior a avaliação

das instituições e percepção de corrupção.

Existe ainda, um efeito de interação da variável de audiência de JN com

escolaridade, que afeta a avaliação dos Partidos Políticos. Quanto maior escolaridade, como

visto, pior a avaliação. A interação com a taxa JN mostra que a audiência do telejornal, aliada

à escolaridade, continua com uma associação negativa com a avaliação dos partidos,

demonstrando a maior importância de características mais primárias dos indivíduos.

Os resultados presentes nessa pesquisa desafiam hipóteses levantadas por análises

de conteúdo (PORTO, 2000; CHAIA E TEIXEIRA, 2001) Em relação a possíveis efeitos nocivos

de uma cobertura jornalística pautada por denúncias de corrupção. No contexto muito

negativo de mensagens sobre o mundo político, como explicar essas associações positivas?

Primeiramente, poderia ser sugerido que o ambiente de negativismo em relação à política e

fartas notícias sobre corrupção estavam, de certa forma, tão abundantes em outros setores

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da mídia e da sociedade que não seria a audiência específica do JN que estaria associada a

efeitos negativos. Dito de outro modo, os maiores consumidores de JN não estariam mais

expostos a esse tipo de ambiente do que o restante da população.

No caso da percepção da corrupção, esse poderia ser o caso. Somente uma variável

apresentou associação significante. Restaria saber, entretanto, porque essa associação foi

positiva. De outro modo, é possível que questões que a princípio possam parecer mais

conjunturais – e por isso mais passíveis de influência a curto prazo – reflitam, na verdade,

temas mais profundamente arraigados nas convicções do indivíduos. A crise política de

2005 inicialmente poderia ser entendida como um elemento conjuntural. Assim, fartas

notícias sobre corrupção afetariam a percepção que os cidadãos tem do problema.

Entretanto, sendo o viés antipolítico um traço mais perene da cultura política brasileira, as

notícias presentes no JN sobre esse tema não representariam uma questão conjuntural

como se imaginava.10

Por outro lado, no caso da avaliação das instituições, o estudo corrobora achados

anteriores de que informações contidas no telejornal podem representar um papel positivo

para a democracia, estimulando o apoio político, ao incrementar os níveis de cognição dos

indivíduos (ver capítulo V deste livro). De certa forma, os dados amparam uma perspectiva

de que o conteúdo do JN centrado no conflito, bem como nos desdobramentos de notícias

negativas, é na verdade parte da função da mídia. O papel do jornalismo de vigiar o poder

público, na sua função de watchdog, deveria ser mais encarado como dever democrático do

que como uma ameaça à cultura cívica (SCHMITT-BECK & VOLTMER, 2007). A população,

nesse sentido, saberia muito bem separar esse conteúdo negativo das considerações que

faz sobre a política.

É possível corroborar essa explicação pela análise de conteúdo estabelecida no

período. A agenda do telejornal durante esse tempo foi sobrecarregada de notícias de

desvios de políticos, o que poderia ser esperado pela população como parte da função da

mídia. A grande maioria dessas notícias, por sua vez, não se caracterizou por um

enquadramento estratégico, ou de desvalorização das instituições. A falta desse tipo de

“interpretação” negativa nas notícias sobre corrupção pode ser o motivo da ausência de

associação entre a audiência do JN e uma pior avaliação das instituições do País.

10

Pode-se traçar um paralelo com o referendo das armas de 2005. Apesar de haver uma forte tendência da mídia a favor do desarmamento, essas informações conjunturais não foram o suficiente para afetar o resultado do pleito. A estratégia da campanha do “não” foi bem sucedida ao apelar para traços e valores que permeiam o imaginário social: a ameaça de quebra de direitos e a descrença no governo e nas instituições (Cf. Veiga & Santos, 2008).

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Há que se levar em consideração, é claro, a questão da causalidade. Não é possível

afirmar que o JN melhore a avaliação que os cidadãos têm de suas instituições e

governantes ou a percepção que têm sobre o tema da corrupção. Seria também plausível

afirmar que aqueles que mais possuem essas características, acabam sintonizando o

telejornal da Rede Globo. O que se pode dizer inequivocamente é que a audiência do Jornal

Nacional não piora a percepção do público sobre esses assuntos.

Outro aspecto a ser levado em conta é a autonomia do público em relação ao

conteúdo apresentado pela mídia. As mensagens veiculadas são interpretadas ativamente,

ao invés de absorvidas passivamente pelas pessoas. A característica pessoal de cada

indivíduo atua para que ele absorva, de maneira singular, o conteúdo ao qual está exposto.

Uma análise de como os indivíduos processam a informação, para o que se fariam

necessárias metodologias de recepção, foge ao alcance deste trabalho. Entretanto, os

resultados com variáveis de interação, demonstraram como características pessoais do

indivíduo, como a escolaridade, podem interagir com a audiência do JN.

Também é preciso destacar que o objetivo do capítulo era verificar possíveis

associações entre dois fenômenos: o consumo de JN e atitudes dos cidadãos frente a

corrupção e a avaliação das instituições. Não sendo seu propósito, portanto, buscar os

fenômenos que mais explicam essas atitudes. Assim, não se pretende afirmar que o

telejornal é “o” fator a ser levado em consideração para explicar as atitudes do cidadão em

relação ao sistema político. Entende-se que essa explicação possui, evidentemente,

múltiplas dimensões. O que se perseguiu aqui foi contribuir apenas com um aspecto de tal

problema.

Os resultados permitem afirmar que abordagens que vêem os meios de

comunicação como veículos extremamente influentes, capazes de piorar a percepção do

público sobre suas instituições e representantes, não encontram aqui subsídios para o caso

brasileiro.

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ANEXO

Variáveis Utilizadas: Audiência de TV “Quantas horas por dia você gasta assistindo TV (Até 1, 2, 3, 4, 5 horas, mais de 5 horas? Ou você não costuma assistir TV?)” Audiência do Jornal Nacional “Com que freqüência você assiste o Jornal

Nacional da TV Globo durante a semana? (1, 2, 3, 4, 5 vezes, todos os dias ou você nunca assiste o Jornal Nacional?)” Comportamento dos políticos 1 Em relação aos nossos políticos e governantes, o(a) sr.(a) diria que é um comportamento... (de todos, da maioria, da minoria ou de nenhum)... dos políticos e governantes brasileiros: mudar de partido em troca de dinheiro ou cargo. Comportamento dos políticos 2 Em relação aos nossos políticos e governantes, o(a) sr.(a) diria que é um comportamento... (de todos, da maioria, da minoria ou de nenhum)... dos políticos e governantes brasileiros: superfaturar obras públicas e desviar dinheiro para o patrimônio pessoal. Comportamento dos políticos 3 Em relação aos nossos políticos e governantes, o(a) sr.(a) diria que é um comportamento... (de todos, da maioria, da minoria ou de nenhum)... dos políticos e governantes brasileiros: usar “caixa 2” em campanhas eleitorais.

Variáveis de Avaliação: Gostaria que você avaliasse a atuação de cada uma das seguintes instituições (ótima, boa, regular, ruim, péssimo): do Congresso Nacional, dos Partidos Políticos, do Governo, do Presidente. Avaliação dos senadores e deputados Você diria que os senadores e deputados federais que estão atualmente no Congresso estão tendo um desempenho... (ótimo, bom, regular, ruim, péssimo)? Avaliação da situação política Como você avalia a situação política do Brasil hoje? (Muito boa, Boa, Regular, Ruim ou Muito Ruim)

Avaliação do governo Lula Em sua opinião, o presidente Lula está fazendo um governo (Muito Bom, Bom, Regular, Ruim ou Muito Ruim)?. Percepção de corrupção no governo Lula E no governo Lula, falando de corrupção e tráfico de influência, as coisas (melhoraram, ficaram iguais, pioraram) ao que era antes? Percepção de corrupção no último ano E no último ano, a corrupção (aumentou muito, aumentou pouco, permaneceu igual, diminuiu pouco ou diminuiu muito)? Avaliação da corrupção Você diria que a corrupção é um problema (muito sério, sério, pouco sério, não é um problema sério)?

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1

IX. IMPACTO DA CORRUPÇÃO SOBRE A QUALIDADE DO GOVERNO DEMOCRÁTICO

UMBERTO GUARNIER MIGNOZZETTI1

INTRODUÇÃO

Um problema recorrente para os países que recentemente (ou seja, nos últimos trinta anos)

passaram por processos de redemocratização é a questão da qualidade das instituições que foram

produzidas nestes movimentos. Este envolve uma série de condicionantes que estariam ligados a um

conceito mais amplo de procedimentos democráticos e, sem dúvida, se relacionam à questão do

impacto que soluções que estariam fora do escopo legal e institucional podem gerar no sistema.

Este trabalho tem basicamente duas etapas fundamentais. Na primeira etapa, em que

faremos uma discussão mais conceitual, vamos tratar do efeito observado da corrupção sobre os

diversos condicionantes de uma democracia dita com qualidade2, do ponto de vista teórico.

Basicamente, a questão do primado da lei (rule of law, tal como os anglo-saxões definem) seria o

conceito-chave no entendimento do problema da qualidade das instituições democráticas. Por fim,

abordaremos o problema da corrupção como uma violação no primado da lei e conseqüentemente,

um fator desestabilizador do projeto de uma democracia que prometa proporcionar conteúdos

qualitativamente superiores, tendo em vista outras soluções institucionais (ditaduras, autoritarismos,

totalitarismos, e etc).

Na segunda etapa, tomaremos os principais insights da discussão teórica e daremos forma em

um modelo empírico que tem como finalidade explicitar as relações entre qualidade da democracia e

1 Agradeço aos colegas do Grupo de Pesquisa sobre Desconfiança nas Instituições Políticas, coordenado pelos Professores Prof.

Dr. José Álvaro Moisés e Profª. Dra. Rachel Meneguello. Agradeço também a Rodolpho Bernabel, Erinson Otênio e Flávio Reis pelos valiosos comentários. Agradeço também o apoio financeiro da FAPESP, bolsa nº 09/54293-3. Os problemas remanescentes são de minha responsabilidade. 2 Ou seja, a corrupção muitas vezes pode ‘agilizar’ a consecução de um serviço, nem por isso pode ser considerada de algum

modo como uma ação justificável, tanto do ponto de vista ético, quanto do ponto de vista da qualidade das instituições, tal como definiremos a frente.

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2

a corrupção. Nosso objetivo é de mostrar como a corrupção impacta os diferentes indicadores de

qualidade da democracia.

DA QUALIDADE DA DEMOCRACIA

Uma definição mais abrangente de democracia, incluindo a avaliação de seu desempenho

para além dos marcos procedimentais pode ser encontrada na introdução do texto Assessing the

Quality of Democracy, editado por Diamond & Morlino3. Neste trabalho os autores defendem que a

definição minimalista (ou procedimental), não seria suficiente para dar conta do conteúdo e da

importância da democracia, de uma forma ampla.

Para identificar o que seria uma boa democracia devemos então supor que além de sufrágio

universal; eleições livres e competitivas; fontes alternativas de informação e; mais de uma escolha

política (que são os principais fatores na definição minimalista), deveremos ter também um foco nas

liberdades políticas e civis; na igualdade política; na transparência; na legalidade e legitimidade das

instituições; e por fim, na responsividade dos governantes perante os cidadãos. Nas palavras dos

autores:

…we consider a quality of democracy to be one that provides its citizens a high

degree of freedom, political equality, and popular control over public policies and

policy makers through the legitimate and lawful functioning of stable institutions.

A good democracy thus first a broadly legitimated regime that satisfies citizen

expectations of governance (quality in terms of result). Second, a good democracy

is one in which its citizens, associations, and communities enjoy extensive liberty

and political equality (quality in terms of content). Third, in a good democracy the

citizens themselves have the sovereign power to evaluate whether the

government provides liberty and equality according to the rule of law. Citizens and

their organizations and parties participate and compete to hold elected officials

accountable for their policies and actions They monitor the efficiency and fairness

of the application of the law, the efficacy of government decisions, and

responsiveness of elected officials. Governmental institutions also hold one

3 Outro texto interessante, em que aparece o mesmo problema, é o de Doh Chull Shin, Democratization: perspectives from

global citizenries de 2005. No texto temos um interessante argumento pelo ‘porque’ de olhar para a qualidade da democracia (citado de Rose): “As Rose and his associates (1998, 8) aptly point out, these institutions constitute not more than ‘the hardware’ of representative democracy. To operate the institutional hardware, a democratic political system requires the ‘software’ that is congruent with the various hardware components”. (Shin, 2005). No texto de Shin, as dimensões são nomeadas de institucionais, substantivas e culturais e o autor desenvolve sua abordagem sobre a democratização de acordo com esta tríplice chave conceitual.

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3

another accountable before the law and the constitution (quality in terms of

procedure). (DIAMOND E MORLINO, 2000, pp. xi - xii).

A questão da qualidade da democracia então envolveria três dimensões fundamentais (que

se desdobrariam em oito dimensões mais pontuais): procedimentos, resultados e conteúdos (numa

analogia com o controle de qualidade das empresas)4.

Quanto a procedimentos teríamos o modelo dahlniano da poliarquia e suas instituições

fundamentais. A diferença seria que, conforme coloca Mouffe (1992), não faria sentido se não

considerássemos também a dimensão participativa5 e os autores, mesmo sem citar textualmente,

seguem a idéia de que é necessária uma democracia onde as instancias participativas vão além da

disputa puramente eleitoral.

Os conteúdos da democracia seriam outro ponto fundamental, e teriam relação com o que

Moisés (2005) chama de conteúdo normativo das instituições. Nessa chave, as instituições não

seriam somente algo criado para resolver problemas pontuais, ou corpos que teriam como única

utilidade mediar disputas que surgiriam no seio da sociedade sobre qual visão de bem-comum se

deveria adotar. Os papéis e alcances das instituições seriam mais amplos. Nas palavras do autor:

Isso [a confiança nas instituições] se explica através das regras constitutivas das

instituições que remetem a conteúdos éticos e normativos resultantes da disputa

dos atores pelo sentido de política. (MOISÉS, 2005).

Os conteúdos da democracia seriam então a base de legitimidade (legitimidade esta que está

ligada à confiança no arcabouço institucional democrático) sob a qual foram constituídas as

representações daquilo que os indivíduos entenderiam como os valores constantes na sociedade, e

sua tradução para as instituições políticas por meio da definição dos procedimentos e resultados

possíveis, e dos problemas que as determinadas instituições deveriam resolver. Ou seja, as

instituições não seriam somente a imagem rousseauniana daquilo que viria para transformar o

homem, mas também seriam algo produzido pelos indivíduos de acordo com seus conteúdos

normativos6, e isso seria o que as definem como algo intersubjetivo com relação aos indivíduos.

4 Não desenvolvemos exaustivamente mas acreditamos que alguns dos aspectos tratados pelo conceito vale também fora das

democracias, embora ganhem mais importância e notoriedade nestes regimes. 5 Se tomarmos autores ligados ao republicanismo, teremos a ênfase em toda uma discussão sobre o fato de que, quando as

desigualdades se acentuam, teríamos uma forte deturpação na idéia de cidadania no sentido de que o ‘valor’ de cada individuo seria alterado. 6 Na discussão sobre corrupção aparecem freqüentemente textos em que a população não considera uma determinada prática

institucional como corrupta quando na verdade é (segundo a constituição). Pode-se pensar que o enforcement contra uma dessas práticas não seria tão acentuado o quanto esperado, pois não está arraigado no hábito da população.

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4

No que diz respeito aos resultados fica evidente que alguma expectativa o funcionamento das

instituições gera nos indivíduos (senão, para quê instituições?) e, o resultado destas instituições

traduzirá, juntamente com os outros fatores, se a democracia tem ou não um conteúdo qualitativo

elevado. Podemos pensar que se a finalidade das instituições é mediar a relação entre indivíduos que

estariam interagindo (não como amigos ou parentes, e sim como cidadãos), e, dado que estes

naturalmente esperam algum resultado palpável dessa relação, podemos derivar que o desempenho

das instituições tem um impacto fundamental no modo como os cidadãos pensam a política.

Temos também que a confiança institucional7 é diretamente afetada também pelo modo

como os indivíduos avaliam as instituições, e o fato de se as mesmas estariam (ou não) cumprindo o

papel que lhes fora atribuído, tanto de modo normativo (por exemplo, as pessoas têm a vida como

valor e, no intuito de preservá-la, buscam a constituição de um aparato para cumprir esta finalidade.

Daí nasce a polícia. Entretanto, se a polícia viola a integridade física dos indivíduos de modo

indiscriminado, eles acabam por perceber que os resultados que esperavam não estaria sendo

alcançado) quanto de modo positivo8 (como no fato de que a polícia tem um código a cumprir). Os

resultados, portanto, influenciam na qualidade e, bons resultados, naturalmente traduzem uma boa

qualidade da democracia, além de aumentar o apoio e fortalecer as instituições.

Estes são os pontos principais da discussão. Descendo ao nível mais especifico, eles estariam

relacionados com:

a) Participação, ou seja, uma boa democracia deveria garantir um alto grau de participação dos

indivíduos nas decisões públicas, participação que deveria estar alem do simples ato de votar

e ser votado, mas também na feitura de plebiscitos, na existência de uma sociedade civil ativa

e fortemente mobilizada e no direito a formas alternativas de ação individuais e coletivas

(como Ongs, associações, entre outras);

b) Competição, que está relacionada com o sistema eleitoral e partidário. A alternância de poder,

o fato de haver eleições limpas, e a equidade na competição, tudo isso contribui para que haja

qualidade de acordo com esta dimensão. Outros fatores relevantes são a participação e a

existência de mais de um partido sério na arena política;

7 Talvez eu tenha entrado pouco na questão da desconfiança ou confiança institucional, mas esta é fundamental e está

relacionada com o conteúdo e os resultados da cooperação dos indivíduos em sociedade. Um alto grau de confiança, tendo em vista que o regime democrático estaria fortemente relacionado com a idéia de consenso e de uma disputa baseada no fairness, acabaria por facilitar e auxiliar um bom desempenho do regime. Por outro lado, uma baixa confiança estaria ligada a um déficit

democrático. Ver para isso Norris (1999). 8 Positivo no sentido de legalmente instituído. Outro ponto é que apesar de também podermos considerar que estes códigos

também são criação dos indivíduos, e por isso, também estariam embebidos de normatividade.

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5

c) Accountability vertical, que significa que os eleitos têm, de algum modo, de prestar contas de

suas ações aos cidadãos. Eles têm que justificar suas ações, bem como as fazer plenamente

públicas e, de algum modo, agir em correspondência com as expectativas dos indivíduos;

d) Accountability horizontal, que significa que existem no próprio governo, ou na sociedade civil,

agencias que cuja principal finalidade seja a fiscalização e eventualmente, a punição de ações

governamentais impróprias. Este é chamado horizontal porque exercido por órgãos que não

necessariamente estariam excluídos do governo, neste sentido, agencias governamentais,

como no Brasil, os Tribunais de Contas, o Banco Central (através do COAF, por exemplo), as

Procuradorias e o Ministério Público, participariam da lógica de checks and balances proposta

por esta dimensão;

e) Liberdade, que pode ser classificada, segundo Diamond & Morlino, como civil, política e social.

A civil diz respeito a livre expressão, a liberdade de associação e de pensamento, entre

outras; a política estaria relacionada ao direito pleno de ação no campo político (votar e ser

votado, por exemplo), e liberdade social estaria relacionada à garantia de um patamar

mínimo de igualdade que seria indispensável ao bom funcionamento da cidadania em si

(podemos pensar que, a cidadania sem um mínimo de conteúdo educacional garantido aos

cidadãos, os dificultaria de reivindicar a plenitude de seus direitos e daí, produziria um déficit

no conteúdo qualitativo da democracia);

f) Igualdade, que seria essencial na qualidade da democracia, pois primeiramente, nas relações

democráticas temos que ter em vista que, ou os indivíduos se relacionam de igual para igual

ou não temos democracia, daí, a igualdade (em algum nível no mínimo, e no ponto ideal, em

um nível mínimo de desigualdades) é uma condição sine qua non para o funcionamento da

democracia9;

g) Responsividade (responsiveness), que estaria ligada a uma boa resposta, por parte dos

governos e instituições às demandas e necessidades dos cidadãos. Ou seja, a responsividade

em uma boa democracia, significa que os governantes, bem como as instituições como um

todo, estariam de modo efetivo representando e cumprindo com as expectativas que os

indivíduos tem sobre seu comportamento, ou seja, as demandas sociais estariam sendo

plenamente atendidas;

9 A inclusão deste ponto pode gerar discussões. Acreditamos que igualdade não precisa simplesmente estar relacionada à

igualdade de renda, e sim, pode ser algo mais interessante, como equidade, ou mesmo igualdade perante a lei (que se levada a sério é de grande valia). É razoável pensar que o mercado teria também um papel fundamental como alocador de recursos no seio da sociedade.

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6

Para finalizar a discussão sobre qualidade da democracia, devemos discutir o primado da lei

(rule of law). Este foi deixado para o fim propositalmente (este no caso, é nossa dimensão h), pois

está, alem de fortemente ligado a todas as outras sete dimensões listadas acima10, teria uma forte

relação (negativa) com a corrupção, que será discutida a frente.

Por primado da lei podemos entender basicamente que a lei vale igualmente para todos os

indivíduos que se relacionam com ela em situação de igualdade, ou seja, a lei vale para todos os

indivíduos e ninguém estaria acima dela. Para O’Donnell (2004) temos que primado da lei significa

que os direitos civis, políticos e sociais são igualmente enforçados11 e que, os indivíduos tem seus

direitos garantidos em um patamar de igualdade. Isso significa que a lei é consistente em sua

aplicação e que os indivíduos não correriam o risco de sofrerem com abusos de poder e, caso haja

alguma situação que se caracterizasse como tal, poderiam ser acionados organismos que cuja

finalidade seria coibir tal transgressão e que, como característica principal, teriam sucesso em sua

empreitada12.

Segundo O’Donnell as dimensões principais da rule of law são: o fato da lei ser enforçada para

todos igualmente; a supremacia do estado de direito sobre qualquer gap de legalidade que possa

ocorrer, o que significa que o Estado tem domínio supremo sobre o território13; a corrupção estar

sobre controle efetivo; uma burocracia preparada que haja de acordo com as normas legais; uma

força policial profissional e eficiente; cidadãos possuírem efetivo acesso às cortes e à justiça ser

limpa; a existência de agencias de accountability horizontal que assegurem o cumprimento da lei

pelos diversos órgãos de Estado. Um Estado com essas características muito faz na questão da

qualidade da democracia, pois como poderia ser facilmente deduzido, esta dimensão tem uma forte

relação teórica com as sete outras já por nós discutidas14.

10 Na verdade, todas as dimensões listadas acima estão inter relacionadas. Isso significa que uma alteração em um dos

elementos de uma das dimensões quaisquer refletiria em alterações nas outras, naturalmente, em algumas mais e em outras menos, vai depender do local onde observamos a alteração. Ou seja, se não houver primado da lei, não faz sentido falar em eleições limpas, pois se a lei não é plenamente cumprida, isso afetaria as eleições também. Se, por exemplo, não houver accountability vertical, poderíamos concluir que a responsividade estaria fortemente comprometida, e governantes que não tem a obrigação de responder às demandas sociais decerto não teria que temer em agir até mesmo contra a população e, portanto, não teríamos uma boa democracia. Portanto, a qualidade da democracia seria um fenômeno multidimensional. 11

Enforcement of the law. 12

Vale lembrar que o fato de um crime ser denunciado não significa que ele seja punido, ou até mesmo seja julgado por um tribunal independente. Assim, não só a denuncia, mas todos os passos do processo são indispensáveis para um efetivo primado da lei. 13

Alguns lugares no Rio de Janeiro poderiam ser problematizados quanto a este aspecto. 14

Na verdade todas as dimensões se inter-relacionam entre si.

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7

O’Donnell também lista o que ele qualifica como falhas na rule of law. Elas são a existência de

leis racistas e sexistas que acabariam por deturpar a própria idéia de primado da lei; as falhas

derivadas da aplicação desigual da lei15 que resultariam do uso dos recursos legais de maneira

indiscriminada em sem observância das prerrogativas de que a lei deve valer igualmente para todos;

as falhas relativas às relações entre as agências de Estado e os cidadãos comuns16; as falhas no acesso

ao judiciário e a inexistência de um processo que garanta um mínimo de equidade, que pode gerar

uma forte descaracterização do primado da lei, pois os tribunais são as instituições principais na

aplicação das garantias legais e; as falhas para complementar as situações onde haja um lack de

legislação com o intuito de punir tal ou qual transgressão, ou mesmo, de caracterizar as

transgressões que venham a aparecer.

Em uma palavra, toda nossa discussão sobre a qualidade da democracia tem o objetivo de nos

mostrar que, os conteúdos efetivos e que estão sendo observados na pratica das instituições, tem

uma grande valia no trato do problema. Não adianta termos instituições que funcionem formalmente

de modo democrático para que sejamos uma democracia. Devemos ter também uma conjunção de

conteúdos e de resultados, que associados a procedimentos democráticos nos permita não só uma

democracia eleitoral, mas sim, um sistema onde o cidadão seja suficientemente empoderado e

participe das decisões não somente como simples apertador de botões na urna eletrônica, mas como

um indivíduo consciente de que suas escolhas afetam os resultados finais do processo e por isso, não

podem ser negligenciadas. As instituições devem representar (e corroborar) de algum modo, estas

aspirações.

Uma ênfase grande é dada a definições que trabalham tão somente com as formas e as

formalidades democráticas, entretanto, em nosso argumento, elas figuram como um pé no tripé

(procedimentos, conteúdos e resultados). Não que estejamos negligenciando sua importância, mas

sim, estamos tentando buscar formas de enriquecer o conteúdo daquilo que entendemos por

democracia.

A CORRUPÇÃO E A QUALIDADE DA DEMOCRACIA

No caso da corrupção temos uma vertente do que seria uma transgressão na idéia de rule of

law. A corrupção vem sendo definida amplamente na literatura como uma apropriação privada de

15 O’Donnell nesta parte cita uma frase interessante que fora proferida segundo ele pelo Presidente Vargas: “Para meus amigos,

tudo; para meus inimigos, a lei”. (O’Donnell, 2004, p. 11). 16

Estas dizem respeito aos procedimentos adotados por essas agencias, que devem sempre tratar os indivíduos igualmente e de modo eqüitativo. Quando isso não acontece, o rule of law falha neste sentido.

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8

algum bem público. Robert Williams (1999) nos sugere basicamente uma contextualização da

evolução do conceito de corrupção com relação aos diferentes momentos das ciências sociais. O

autor nos mostra que, em tratamentos anteriores, quando o conceito não era definido

rigorosamente pela academia, a corrupção era entendida menos de forma positivada e mais de forma

moral, em termos de puramente um ato que fosse valorativamente condenável, pressupondo que a

estrutura legal fosse suficiente neutra para fazer com que o ato fosse então punido.

Posteriormente, entre os anos sessenta e oitenta, a corrupção foi definida como uso de

algum bem publico17 tendo-se em vista algum benefício privado. Esta concepção, que teria sido

estabelecida por Joseph S. Nye em seu artigo intitulado ‘Corruption: a cost-benefit analysis’ de 1967.

Esta concepção, em geral, é utilizada até hoje, com poucas variações e, a nosso ver, abordar

corrupção como uma violação do de algum bem publico com vistas a algum beneficio privado, parece

ser bem razoável.

O problema principal é que a corrupção é socialmente definida e, portanto, o estatuto jurídico-

legal que define o bem-publico em tal ou qual direção e sua apropriação em tal outra ou qual outra

direção, pode se chocar diretamente com a percepção do que os indivíduos tomam como sendo a

corrupção. Deste modo, não está evidente para muitos indivíduos, conforme mostram Peters &

Welch (1978), Atkinson & Mancuso (1985) e Jackson (1994), (apud SPECK, 2000, P. 16-17), que

algumas práticas que são corrupção, segundo as leis destes países, sejam mesmo consideradas como

tal. Os dados mostram que, enquanto no Canadá (estudado por Atkinson e Mancuso) 52.5% da

população acredita que se um funcionário publico usasse sua influencia para conseguir uma vaga em

uma faculdade para um amigo ou parente seu fosse um ato de corrupção, nos EUA e na Austrália,

respectivamente, 23.7% e 21.5%, qualificavam o mesmo ato como corrupto. O que sugere que apesar

das definições formais, devemos ter respaldo na percepção dos cidadãos para tratarmos de

corrupção18.

A questão que se coloca no final é então, como definir o que é corrupção? De modo prático,

vamos trabalhar com a definição de Nye, de que corrupção é a situação em que o bem publico é

apropriado indevidamente em beneficio privado. Devemos ter em vista, entretanto, o fato de que a

17 “The dominant difinition of corruption from the 1960s to the 1980s was a legally derived approach – the public office

definition. This built on a crucial distinction between the public and the private reams, which gradually evolved as arbitrary, autocratic and absolutist government in Europe gave way to more limited, representative and accountable forms”. Williams

(1999, p. 505). 18

Podemos pensar que, se na democracia os indivíduos têm participação na composição do poder, este poder, caso represente linearmente os indivíduos, ou seja, seus interesses sejam iguais, nos corpos políticos e na sociedade, não há nenhum incentivo para que os políticos percebam portanto, atos que nós, analistas, classificamos como corruptos. Nas palavras de Williams: “...corruption is socially defined: it is what the public in a country think it is” (Williams, 1999, p. 506).

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9

definição de bem publico em sua relação com os privados é política e, portanto, qualquer conceito

mágico que nos aponte diretamente para uma barreira precisa entre os dois pode acabar por ser

reducionista a ponto de não dar conta da profundidade do fenômeno. Assim, tomamos a percepção

sobre o tema como algo fundamental em sua definição, por pressupormos que os indivíduos em

sociedade preenchem os conteúdos dos conceitos necessários para definirmos um ato de corrupção.

Uma das principais resultados da corrupção, que impacta negativamente sobre a qualidade

da democracia, é devido a ela afetar o primado da lei, um dos principais pilares de sustentação da

democracia. Caso a pratica do suborno seja recorrente, por exemplo, teremos que, em primeiro

lugar, o primado da lei foi subvertido pelo fato de que este é um procedimento que nada tem de

equânime e justo19.

Seligson (2002) nos mostra que os economistas andaram na frente dos cientistas políticos

neste ponto. Eles esclareceram mais rapidamente o fato de que a corrupção tem um impacto

profundo sobre os investimentos do Estado e, portanto, sobre a qualidade do gasto publico20. Na

ciência política, o conceito oscilou entre algo como uma ‘graxa’, que teria como principal objetivo

desemperrar as instituições, para, algo que mina a legitimidade democrática (ou seja, para continuar

a metáfora, a corrupção seria a ‘areia’ nas engrenagens democráticas).

Acreditamos que uma demonstração clara de que a corrupção afeta negativamente no

primado da lei fornece uma chave interpretativa razoável para entendermos quanto a corrupção

impacta na produção de uma democracia de baixa qualidade (ou mesmo na produção de não-

democracias). Segundo Seligson (2002), a corrupção não afeta somente o desempenho do regime.

Ela também prejudica as relações interpessoais, pois na explicação do autor, os indivíduos que foram

expostos a situações em que tiveram que recorrer a alguma pratica de suborno são mais suscetíveis a

uma baixa confiança interpessoal, e isto impacta na confiança política (INGLEHART, 1990; PUTNAM,

1993). Alem disso, podemos constatar que a corrupção tem um grande impacto na legitimidade do

regime, pois o uso de dinheiro ou qualquer outro meio que seja publico para algum fim privado

subverte a própria idéia da finalidade de uma instituição pública, que é prestar um serviço pautado

pela equidade e justeza em suas ações.

19 Ou seja, não existe lei que diz que uma instituição deve pagar propina, e daí, ela subverte a legislação e, caso não seja punida,

perverte todo o sistema, pois, em todos os sistemas temos clausulas que prevêem a punição de corruptos e, em especial, devem estas ocorrer na democracia, pois este é um regime pautado no assentimento dos indivíduos com relação às regras do jogo. 20

“Economists have gathered some strong evidence on the negative impact of corruption on investment and growth in developing nations and this article does not challenge that evidence. Political scientists, however, have been far more anecdotal in their claims regarding the costs or benefits of corruption in those nations. (…) Corruption may not only bad for the economy it may be bad for the polity as well”. (Seligson, 2002).

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10

Em segundo lugar, este procedimento afeta a igualdade, pois nem todos os indivíduos têm

como pagar subornos e daí estaríamos segregando os indivíduos em duas classes, os da alta classe,

que são privilegiados pelo bem público, pois teriam como o comprar, e os da baixa classe, que se já

sofrem com a baixa renda, ainda seriam afetados também pela impossibilidade de usufruir do bem

público.

Em terceiro lugar, o accountability estaria afetado, pois as agências, já dado que a corrupção

seja algo corrente, não teriam efetividade em seu funcionamento e, portanto, a qualidade do regime

estaria fortemente abalada.

Em quarto lugar, podemos pensar que a competição estaria limitada, pois alguns grupos

poderiam usar a corrupção como uma fonte de vantagem comparativa, com relação a outros e então,

a equidade na competição seria violada.

Decerto estes passos não são tão lineares e claros quanto o exposto, e freqüentemente a

corrupção tem mais efeitos ruins e mais difusos ainda sobre a qualidade do regime do que bons e, por

isso, poderíamos estender a lista ainda mais para liberdades, participação, entre outras instituições

que deveriam funcionar bem em um regime de qualidade elevada.

Quanto a outro grupo de efeitos que refletiriam na qualidade da democracia, temos o fato de

que a corrupção afetaria a confiança dos indivíduos e o apoio dos cidadãos ao regime, ou seja, é

quase intuitivo aceitarmos que, se uma pessoa pagou um suborno a algum órgão publico, ela

provavelmente não avaliará bem o desempenho deste órgão, mesmo que tenha saído satisfeita com

a rapidez com o serviço após o pagamento21.

Podemos então concluir que a corrupção afeta o apoio dos indivíduos ao regime. Podemos

pensar que um regime em que haja um alto grau de corrupção, haja, por conseqüência, um alto grau

de desconfiança política por parte dos cidadãos; uma grande insatisfação com o desempenho do

regime e; um forte cinismo por parte dos indivíduos com relação às instituições políticas.

Para concluir, a corrupção impacta na rule of law, que impacta na qualidade da democracia

que por sua vez, impacta na qualidade da cidadania. Não de maneira causal direta, mas de modo

multi-causal, ou seja, a corrupção age no primado da lei que tem efeitos na qualidade da democracia e

por sua vez um impacto no primado da lei prejudica ainda mais a qualidade da democracia e tem

como efeito um aumento na apatia dos indivíduos com relação ao regime.

21 Isso é uma hipótese quase que evidente, mas que valeria a pena ver se procede estatisticamente. Aqui estamos tomando

como algo muito plausível de se acontecer.

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11

O MODELO EMPÍRICO

Dito o anterior, cumpre agora formularmos como deveremos proceder nos testes sobre a

relação entre a Qualidade da Democracia e a prática da Corrupção. Usamos na etapa empírica o

banco do projeto Quality of Governement da Universidade de Gothenburg. Montamos um painel que

vai de 1996 até 2005 para 154 países. Resolvermos excluir todos os países em que as observações

faltantes de algumas variáveis se apresentassem para toda a série de tempo22. Como o número

observações faltantes é elevado, o painel é desbalanceado23.

A variável dependente usada no trabalho tem relação com as dimensões usamos para

descrever uma boa democracia (ou, de modo geral, governo). Usamos o Índice de Qualidade do

Governo, do International Country Risk Guide (ver http://www.icrgonline.com). Este índice, que tem

na corrupção um de seus componentes, parece bem consistente no objetivo de medir um bom ou

mau desempenho de governo. O interessante para a nossa análise é que não tem por suposto que

democracias são ‘melhores’ que outros regimes, o que acaba por robustecer os resultados caso

demonstremos que a corrupção é mais incisiva em regimes democráticos.

Passando às variáveis independentes, temos uma primeira variável de controle que diz

respeito à classificação de um país como democrático ou não. Utilizamos a variável de Cheibub &

Gandhi, assumindo dois valores (dummy), ‘Democrático’ e ‘Outros’24. Outra categórica diz respeito ao

status do país no Índice de Liberdades da Freedom House25. Esta variável pode assumir três valores:

Livre (F), Parcialmente Livre (PF) e não-Livre (NF). Estas categóricas têm como objetivo controlar o

segundo grupamento de regressões, em que apresentamos as diferenças do impacto da corrupção e

outras variáveis.

As independentes de corrupção serão duas, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da

Transparência Internacional (ver http://www.transparency.org/) e o Índice de Rule of Law (RL) do

Banco Mundial. Operacionalmente, existe um grande problema na mensuração da corrupção: ou

estamos tratando de percepções, que estão sujeitas a cognição dos indivíduos, ou seja, grau de

escolaridade, atenção que dá a política, experiência pregressa com atos relacionados a prática, entre

22 No caso, usamos como critério haver valores faltantes em todo o período na variável ‘ti_cpi’ (Índice de Percepção da

Corrupção da TI). O banco pode ser solicitado pelo e-mail: [email protected]. 23

Poderia ser argumentado possível viés de seleção para os casos, entretanto, tentamos preservar o máximo que pudemos os países. Ainda assim, poderíamos ter cortado ainda mais os dados pelo fato de que este paper versa somente sobre os países democráticos. Veremos se os resultados são robustos também para situações intra-regimes. 24

Ver http://ksghome.harvard.edu/~pnorris/Data/Data.htm. 25

Ver site Freedom House (www.freedomhouse.org). Eles explicam bem detalhadamente a metodologia em que a pesquisa é conduzida.

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12

outros; ou estamos tratando de uma medida concreta para o problema. Por exemplo, se tomarmos

quanto de corrupção foi descoberto, podemos ter uma medida para um dado ano. Entretanto, o

problema é que estaríamos tomando como corrupção aquilo que foi descoberto e segundo este

critério, todo país que combatesse a corrupção estaria entre os mais corruptos, o que não parece

muito razoável.

Assim, resolvermos esta questão usando o IPC e o Índice de RL. Acreditamos em sua

confiabilidade pelo fato de que na montagem dos índices, não somente são utilizados surveys, mas

também muitos outros meios de acessar os dados como, por exemplo, relatórios de consultorias

internacionais da área financeira, entre outros26. Alguém poderia nos perguntar por que utilizar o

Índice de RL para mensurar corrupção. Respondemos que os testes de correlação mostram que estas

variáveis estão fortemente correlacionadas (0.957), o que nos permite cambia-las sem nenhuma

perda substancial nos dados. As outras variáveis usadas são o índice de Participação de Vanhagem

(IPart), o índice de Competição de Vanhagem (IComp). Estes índices medem a parte mais

procedimental da democracia (ver o Indice de Liberdade Economica (ILE) da Heritage Foundation,

que combina dez elementos de liberdade econômica em sua composição (ver

http://www.heritage.org/index/). Do Banco Mundial usamos os Indice de Accountability (Acc), de

Estabilidade Política (EPol), de Efetividade do Governo (EfGov), além do de Rule of Law (ver

http://www.worldbank.org/wbi/governance/pubs/govmatters4sra.html).

Outro ponto que vale frisar é que todas as variáveis numéricas variam de 0 a 10. Assim, basta

sabermos que podemos acrescentar em até 10 vezes o valor do coeficiente estimado para termos

uma idéia de sua magnitude. Por fim, estimaremos os parâmetros usando modelos de efeitos fixos

para os períodos estudados.

Nosso primeiro modelo, em que estudaremos as relações entre qualidade do governo e

participação política, competição política, liberdades econômicas e corrupção, será especificado do

seguinte modo27:

(1.1) QGit = αt + β1IPartit + β2ICompit + β3ILEit + β4SFH(NF)* IPCit + β5SFH(PF)* IPCit + β6SFH(F)* IPCit + εit

26 Testando a validade das variáveis, tomamos o banco cross-section do projeto QOG e cruzamos variáveis sobre, por exemplo,

pagamento de propina (ver Treisman, 2007) com o Índice de Percepção e o de Controle da Corrupção. A correlação é altíssima. Ver resultado no Anexo. 27

Para a análise descritiva das variáveis ver o Anexo.

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13

Onde αt são os efeitos fixos para o tempo28. Pressupomos que β1 seja positivo pois uma maior

participação política implica em melhoria na qualidade do governo. Para β2 esperamos também um

sinal positivo pois uma maior competitividade política, por suposto, aumentaria a qualidade do

governo (seleção política mais competitiva se reverteria em seleção de qualidade mais elevada). Para

β3 devemos ter também um sinal positivo pois quanto maior as liberdades econômicas dos agentes,

maior a qualidade da gestão governamental e, ainda que outras liberdades sejam importantes, ter

liberdade econômica, em um país não-livre, já é um passo na direção de ampliação das liberdades29.

Para β4, β5 e β6 esperamos que o sinal seja positivo e acreditamos que a corrupção pesa mais quanto

maiores forem as liberdades no país. O primeiro modelo da equação estimará os coeficientes para

todos os países, o segundo, somente para os classificados como democráticos por Cheibub e Gandhi

(ver http://ksghome.harvard.edu/ ~pnorris/Data/Data.htm). Para os democráticos temos as mesmas

expectativas quanto aos sinais, pois acreditamos que pouco se alteram as relações quando tratamos

só de países democráticos. Esperamos que o peso da participação e da competição se tornem mais

efetivos pelo fato de que estes são componentes mais propriamente democráticos. O modelo

estimado está exposto na Tabela 1:

28 Ver o Anexo para consultar os resultados para o tempo.

29 É certo que podemos discutir muito sobre este ponto. Entretanto, alguma liberdade econômica já implica em um maior

acesso à informação que nenhuma liberdade.

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14

Tabela 1. Modelo 1.1

Todos os Países

β EP Pr(>|t|)

Comp 0,005 0,020 0,793

Part 0,134 0,021 0,000

ILE 0,145 0,041 0,000

SFH(NF)*IPC 0,672 0,050 0,000

SFH(PF)*IPC 0,607 0,033 0,000

SFH(F)*IPC 0,686 0,023 0,000

R² = 0,855; α = 0,994; IC = 7,431; n=117; T=1-8; N=65830

Democráticos

β EP Pr(>|t|)

Comp 0,166 0,035 0,002

Part 0,174 0,035 0,000

ILE 0,036 0,041 0,374

SFH(NF)*IPC 0,392 0,239 0,102

SFH(PF)*IPC 0,594 0,062 0,000

SFH(F)*IPC 0,785 0,033 0,000

R² = 0,856; α = -0,784; IC = 20,038; n=84; T=1-9; N=506 Fonte: Quality Of Government - Univ. de Gothenburg

Ou seja, obtivemos todos os coeficientes conforme esperado. As discrepâncias foram,

primeiramente no modelo com todos os países, que a competição se mostrou não-significativa a

0,05. Acreditamos que isso porque competição política é eminentemente algo democrático (que é

exatamente o que o modelo só com os democráticos demonstra), ou seja, ela influencia na qualidade

de governos democráticos. As liberdades econômicas se mostraram significativas no modelo com

todos os países e não-significativas em países democráticos. Acreditamos que o motivo deste

resultado é porque temos uma diferença essencial em autoritarismos (e pós-) e totalitarismo (e pós-)

e, alguma liberdade é evidentemente melhor que nenhuma liberdade, o que significa que liberdades

no campo econômico (em geral autoritários) pressionam os governos a gerirem melhor seus

recursos. Outra discrepância fora, no modelo com todos os países, as magnitudes para os termos de

interação entre os Status no índice da Freedom House e o Índice de Percepção das Corrupções.

30 R² = R-Quadrado Múltiplo; α = intercepto de efeito fixo de tempo; IC = índice de condicionamento da matriz de variância-

covariância; n = numero de países que entraram no modelo; T = períodos que entraram no modelo; N = total de observações. Devido ao elevado numero de observações faltantes entre os não-democráticos, os modelos discrepam levemente. Não calculamos o R² Ajustado, mas devido ao elevado numero de observações, acreditamos que ele estará próximo ao R² Múltiplo.

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Pressupomos que o impacto da corrupção cresceria conforme caminhássemos positivamente (mais

liberdade) nas categorias do SFH. No entanto, parece que tem um peso menor em países

parcialmente livres. Na regressão só com países democráticos, o crescimento é evidente na direção

que pressupomos.

Nosso segundo modelo utiliza as variáveis do Banco Mundial para tratarmos da influência da

corrupção sobre a qualidade do governo31. Estudaremos o efeito do accountability, da estabilidade

política, da efetividade do governo e do Rule of Law na qualidade do governo. A especificação do

modelo será a seguinte:

(1.2) QGit = αt + β1Accit + β2EPolit + β3EfGovit + β4SFH(NF)*RLit + β5SFH(PF)*RLit + β6SFH(F)*RLit + εit

Acreditamos para este modelo que β1 será positivo porque um governo com maior

accountability tem qualidade elevada, pelo fato de ter responder ao público, e no caso do

accountability horizontal, também às agencias do próprio governo. Isso gera respostas de mais

qualidade na medida em que o público tem influência efetiva nos resultados do governo. Para β2

esperamos também que seja positivo, pois um país mais estável politicamente pode implementar um

governo de maior qualidade que um país onde a política estaria mais sujeita a volatilidade. Para β3

esperamos também um sinal positivo pois um governo mais eficiente é um governo de qualidade

superior. Esperamos ainda que este coeficiente tenha um peso relativamente grande na qualidade do

governo. Para β4, β5 e β6, interação entre Rule of Law – que estamos neste modelo usando como proxy

de corrupção (a correlação entre esta variável e o Índice de Percepção da Corrupção é de 0.9132) – e o

Status do Índice da Freedom House esperamos uma relação positiva e crescente na medida que

caminhamos de menos livre para mais livre. O αt continua sendo o intercepto para o modelo de

efeitos fixos. Os valores estimados estão na Tabela 2:

31 A idéia de usarmos variáveis da mesma fonte seria devida ao fato de que elas apresentariam homogeneidade quanto aos

processos de coleta e tratamento (ou pelo menos é isso que estamos supondo). 32

Ver Anexo.

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16

Tabela 2. Modelo 1.2

Todos Países

β EP Pr(>|t|)

Acc - 0,045 0,046 0,320

EPol 0,080 0,035 0,024

EfGov 0,368 0,061 0,000

SFH(NF)*RL 0,462 0,066 0,000

SFH(PF)*RL 0,484 0,063 0,000

SFH(F)*RL 0,562 0,064 0,000

R² = 0,844; α = 0,301; IC = 16,308; n=130; T=3-5; N=630

Democráticos

β EP Pr(>|t|)

Acc 0,295 0,075 0,090

EPol - 0,097 0,051 0,061

EfGov 0,060 0,088 0,496

SFH(NF)*RL 1,607 0,549 0,003

SFH(PF)*RL 0,918 0,099 0,000

SFH(F)*RL 0,796 0,087 0,000

R² = 0,854; α = -0.476; IC = 50,415; n=85; T=2-6; N=404 Fonte: Quality Of Government - Universidade de Gothenburg

Neste modelo temos alguns resultados interessantes. O primeiro é que Accountability é algo

propriamente democrático, podemos notar isso pelo fato de que no modelo com todos os países,

além da variável não ser significativa ela ainda ficou com sinal invertido; enquanto no modelo só com

os democráticos, a variável apresentou sinal coerente e, na medida em que aumentamos uma

unidade nela, melhoramos em 0.295, em média, o desempenho qualitativo do governo. Quanto à

estabilidade política, vemos que seu peso efetivo se aplica somente no modelo com todos os países.

Entre os democráticos, não observamos este mesmo resultado33. O modelo com todos os países

apresentou coerência nas outras variáveis e conforme esperávamos, na medida em que caminhamos

de NF para F no Status do Índice de Liberdades da Freedom House, aumenta a importância do Rule of

Law na qualidade do Governo. O resultado curioso é que se controlarmos para os democráticos, nem

estabilidade política nem efetividade do governo são as dimensões que pesam fundamentalmente. O

essencial mesmo é o Rule of Law. Na medida em que caminhamos positivamente no SFH (mais

33 Provavelmente pelo fato de as variáveis estarem muito correlacionadas (o IC do modelo só para os democráticos foi de mais

de 50), pode ter acontecido de uma variável ter pesado efetivamente na estimação da outra. Resolvemos não corrigir a multicolinearidade mas, admitimos que ela pode ter afetado este modelo quando controlamos para países democráticos.

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liberdade) o peso da relação entre SFH e RL se inverte e para um democrático que fora classificado

como não livre no SFH34, acaba sendo ainda mais essencial um bom desempenho no Índice de Rule of

Law, para que possamos considerá-lo como um governo de qualidade.

Acreditamos que estes resultados mostram, de maneira consistente, como a corrupção afeta

diretamente o desempenho dos governos. Politicamente, esperamos de um país mais corrupto um

desempenho qualitativo bem mais baixo que de um país onde estes problemas tenham sido tratados.

O problema se agrava ainda mais, quanto menos livre for o país. Se controlarmos só os países

democráticos, quanto menos livre o país, mais problema ele apresenta no que tange á corrupção (ou

seja, nas ‘democraduras’ a corrupção se mostra como um fator consistente de piora qualitativa).

Nosso modelo mostra que na medida em que controlamos os resultados para países democráticos35,

eles acabam por tornarem-se ainda mais robustos e consistentes, demonstrando claramente que o

problema da corrupção não é somente um problema para regimes autoritários, mas sim, um

problema essencial para os regimes democráticos ao redor do mundo.

34 Temos nesta situação a Russia, a Costa do Marfim e o Kenya.

35 Contando ainda que o índice de democracia de Cheibub e Gandhi apresenta uma série de problemas de classificação que

aparecem na verdade em todos os índices que tentam criar uma espécie de ‘linha de corte’ para definir o que é e o que não é uma democracia.

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Anexo

Matriz de correlação entre medidas de Corrupção

Matriz de Correlação IPC Bribery to

Government Officials

Common to pay

irregular additional payments

Have paid a bribe in any

from

Controle Corrupção

Banco Mundial

R 1,000 -0,808 0,775 -0,641 0,961

p-valor 0,000 0,000 0,000 0,000 N

IPC

101 44 74 61 101

R -0,808 1,000 -0,642 0,448 -0,803 p-valor 0,000 0,000 0,010 0,000 N

Bribery to Government

Officials 44 49 35 32 49

R 0,775 -0,642 1,000 -0,549 0,701 p-valor 0,000 0,000 0,000 0,000

N

Common to pay

irregular additional payments 74 35 79 48 79

R -0,641 0,448 -0,549 1,000 -0,656 p-valor 0,000 0,010 0,000 0,000 N

Have paid a bribe in any

from 61 32 48 66 66

R 0,961 -0,803 0,701 -0,656 1,000 p-valor 0,000 0,000 0,000 0,000

N

Controle Corrupção

Banco Mundial 101 49 79 66 188

Fonte: Quality Of Government - Univ. de Gothenburg (15Mai2008)

Matriz de Correlação entre Rule of Law e as medidas de Corrupção

Matriz de Correlação IPC

Control Corruption

Banco Mundial

Rule of Law Banco

Mundial

R 0,973 0,937

DF 745 745 IPC

p-valor 0,000 0,000

R 0,973 0,957

DF 745 1059

Control Corruption

Banco Mundial p-valor 0,000 0,000

R 0,937 0,957

DF 745 1059 Rule of Law

Banco Mundial

p-valor 0,000 0,000

Fonte: Quality Of Government - Univ. de Gothenburg (15Mai2008)

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Scatterplot-matrix para os dados do primeiro modelo

icrg_qog

-1 0 1 2 -1.5 0.0 1.0 2.0 3.0

-11

2

-11

2 ti_cpi

van_part

-20

1

-1.5

0.0

van_comp

hf_ef iscore

30

50

70

90

1.0

2.0

3.0

fh_status

-1 0 1 2 -2 0 1 30 50 70 90 1.0 1.4 1.8

1.0

1.4

1.8chga_regime

Variaveis utilizadas no Modelo 1.1

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20

Scatterplot-matrix para os dados do segundo modelo

icrg_qog

-2 0 1 -2 0 2 1.0 2.0 3.0

-20

12

-20

1 w bgi_vae

w bgi_pse

-3-1

1

-20

2 w bgi_gee

w bgi_rle

-20

2

1.0

2.0

3.0

fh_status

-2 0 1 2 -3 -1 1 -2 0 1 2 1.0 1.4 1.8

1.0

1.4

1.8chga_regime

Variaveis utilizadas no Modelo 1.2

Estatísticas descritivas das varáveis quantitativas usadas nos modelos

Variável Descrição Min 1Q Md Méd 3Q Max Miss

icrg_qog Escala Qualidade Governo 0,00 3,70 5,00 5,24 6,72 10,00 531 ti_cpi Escala de Percepção da Corrupção 0,00 2,39 3,44 4,32 5,92 10,00 554 van_comp Indice de Competição Política 0,00 2,96 6,60 5,58 8,24 10,00 154 van_part Indice de Participação Política 0,00 3,20 5,46 5,05 7,01 10,00 154 hf_efiscore Escala de Liberdade Economica 0,00 5,03 6,01 5,93 6,97 10,00 104 wbgi_vae Escala de Accountability 0,00 3,40 5,37 5,44 7,74 10,00 462 wbgi_pse Escala de Estabilidade Política 0,00 4,91 6,45 6,23 7,83 10,00 468 wbgi_gee Escala de Efetividade do Governo 0,00 3,32 4,26 4,80 6,13 10,00 468 wbgi_rle Escala de Rule of Law 0,00 3,34 4,47 4,98 6,55 10,00 464

Fonte: Quality Of Government - Univ. de Gothenburg (15Mai2008)

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21

Coeficientes de Efeitos Fixos Temporais

Efeitos Fixos Temporais - Modelo 1.1 Efeitos Fixos Temporais - Modelo 1.2 Todos os Países Democráticos

Estimado EP Pr(>|t|) Estimado EP Pr(>|t|) 1996 0,945 0,263 0,000 1996 -0,090 0,305 0,768 1997 0,537 0,266 0,043 1997 -0,083 0,308 0,789 1998 0,239 0,257 0,353 1998 0,081 0,298 0,786 1999 0,129 0,256 0,616 1999 0,070 0,306 0,818 2000 0,034 0,257 0,893 2000 -0,094 0,306 0,758 2001 -0,081 0,255 0,750 2001 -0,098 0,296 0,740 2002 -0,499 0,256 0,051 2002 0,028 0,295 0,924 2003 -0,494 0,254 0,052 2003 0,017 0,326 0,959

Democráticos 2004 0,029 0,307 0,924 Estimado EP Pr(>|t|) 2005 0,269 0,301 0,371 1996 -0,044 0,331 0,896

1997 -0,010 0,329 0,975

Fonte: Quality of Gover. - Univ. de Gothenburg; Nota: O algoritmo não conseguiu extrair os EF para todos os países.

1998 0,169 0,332 0,611 1999 0,077 0,325 0,814 2000 0,106 0,324 0,744 2001 -0,074 0,327 0,822 2002 -0,171 0,321 0,595 2003 -0,166 0,330 0,615 2004 0,046 0,324 0,888 2005 0,076 0,324 0,810

Fonte: Quality Of Govern. - Univ. de Gothenburg

Os efeitos fixos não conseguiram ser obtidos, em alguns casos para todos os anos e em outros, como é

o caso do Modelo (1.2) para todos os países, não conseguiram ser obtidos. O motivo é que os valores faltantes

não permitiram tal extração de coeficientes. Utilizamos para a análise o pacote plm do R. Apesar de pouco

eficiente em termos computacionais, o pacote se mostrou bem consistente em suas extrações. Vale ressaltar

que alguns problemas podem ser identificados pelo fato dos modelos controlados para os democráticos

reduzirem o numero de casos e com isso, permitirem alguma multicolinearidade. Outro problema que pode ser

levantado é o do viés de seleção. Acreditamos que, apesar desta possibilidade, fizemos o possível para manter

o máximo de países no painel.

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1

X. A AVALIAÇÃO DO JUDICIÁRIO E O ACESSO À CIDADANIA NA VISÃO DOS BRASILEIROS

FABÍOLA BRIGANTE DEL PORTO

INTRODUÇÃO

Este capítulo explora as visões dos cidadãos brasileiros sobre seus graus de acesso aos

direitos de cidadania e aos principais mecanismos institucionais de sua defesa, destacando a

relação de (des)confiança dos cidadãos com o poder judiciário. Tal discussão se insere no

cenário de consolidação da democracia eleitoral e representativa brasileira que, não obstante,

é acompanhado por uma ampla desconfiança dos cidadãos em suas instituições (MOISÉS,

1995, 2005a).

Com relação ao poder judiciário, desde o advento do regime democrático recente,

diversas pesquisas têm revelado o pouco conhecimento dos direitos civis e o baixo índice de

procura pelos tribunais de justiça para a solução de conflitos pela população brasileira. Quando

indagados sobre os motivos pelos quais não procuram aqueles tribunais, os cidadãos

recorrentemente questionam sua responsividade, imparcialidade e igualdade de tratamento,

assim como sua eficiência (CARVALHO, 2002; PANDOLFI et al, 1999). Trata-se de cenário

preocupante, que pode implicar não apenas no distanciamento, pela população, das

instituições de justiça, mas comprometer a própria crença na legitimidade do regime

democrático, tendo em vista que, nesse regime, o poder judiciário é o órgão

constitucionalmente autorizado para a garantia do primado da lei (DIAMOND e MORLINO,

2004). Da parte dos cidadãos, o acesso à justiça simboliza o acesso aos direitos de cidadania e,

nesse sentido, “...é direito fundamental, sem o qual os demais direitos não possuem garantia

de efetividade” (RODRIGUES, 1994, p.127). Essa garantia depende, por sua vez, dos direitos de

ação e de processo, direitos que caem no vazio sem o acesso aos recursos materiais e ao

conhecimento necessários para colocá-los em prática.

Ao mesmo tempo, o recurso à justiça pelos cidadãos é função do seu desempenho e de

seu funcionamento. É neles que se baseia a relação de confiança dos cidadãos com o poder

judiciário: ou seja, em sua capacidade de demonstrar aos indivíduos que opera com base na

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2

regularidade, eficiência, representatividade, accountability, universalismo, imparcialidade,

justeza e na probidade e que, assim, assegura a vigência dos direitos que definem a cidadania

(MOISÉS, 2005b, OFFE, 1999; SZTOMPKA, 1996). A percepção pelos cidadãos de que o poder

judiciário age em consonância com sua missão constitucional democrática é, nesse cenário,

fundamental para a consolidação do regime democrático.

Nesse sentido, ao enfocar a relação dos cidadãos com o poder judiciário, o presente capítulo

procura possíveis associações entre os fenômenos da cidadania - entendida sobretudo como

acesso a direitos - e da confiança política (conforme propôs Moisés, 2005b). Com base no em

survey nacional A desconfiança dos cidadãos nas instituições democráticas realizado em junho

de 2006, trata-se, por um lado, de explicar a origem e a natureza da (des)confiança corrente

dos cidadãos nas instituições brasileiras de justiça e, por outro lado, verificar se essa

(des)confiança impacta suas percepções dos direitos de cidadania e sua efetividade.

Para tanto, este capítulo organiza-se da seguinte forma: inicialmente, apresenta o

cenário brasileiro para o período democrático pós-1985, destacando a percepção sobre as

instituições jurídicas no survey de 2006; em seguida, apresenta os aspectos teóricos

subjacentes a esta análise e as hipóteses deles decorrentes, os dados e modelos analíticos

utilizados; e, finalmente, discute preliminarmente os resultados à luz da reflexão inicial sobre

as interconexões entre a percepção sobre o funcionamento da justiça, por um lado, e a

efetividade do exercício da cidadania segundo os brasileiros.

Percepção das instituições de justiça e dos direitos de cidadania pelos cidadãos brasileiros

Carvalho (2002) descreve o processo de reconstituição dos direitos civis no cenário

democrático brasileiro pós-1985 e sua consolidação com a Constituição promulgada em 1988.

Além de restaurar as liberdades de expressão, de imprensa e de organização, essa carta

constitucional criou o habeas data e o mandado de injunção, definiu o racismo como crime

inafiançável e imprescritível e a tortura como crime inafiançável e não anistiável. Na sequência,

em 1990, foi promulgada a “Lei de Defesa do Consumidor”; em 1995, foram criados os

“Juizados Especiais de Pequenas Causas Cíveis e Criminais” e, em 1996, foi adotado o

Programa Nacional de Direitos Humanos. Como relata o autor, apesar dessas inovações, os

direitos civis, suas extensões e garantias não se mostram muito conhecidos pelos brasileiros:

pesquisas do IBGE para 1988 apontavam que, para os cidadãos, havia pouca efetividade e

segurança na aplicação daqueles direitos. Neste mesmo ano, 4,7 milhões de pessoas com 18

anos ou mais se envolveram em conflitos e, dessas, apenas 62% recorreram à justiça para

resolvê-los. “Não acreditar na justiça”, “temer represália” e “não querer envolvimento com a

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3

polícia” foram os motivos alegados por, em média, 40% dos entrevistados para não recorrerem

às instituições jurídicas. No ano seguinte, em 1989, como informaram Linz e Stepan (1999), as

pesquisas continuavam revelando que a maioria esmagadora dos cidadãos brasileiros

acreditava que o sistema judiciário só funcionava para ajudar os poderosos e que a polícia

prendia e matava pessoas inocentes.

Quase dez anos depois, em 1997, analisando os resultados de pesquisa realizada na

região metropolitana do Rio de Janeiro (CPDOC/FGV), Pandolfi (1999) reiterou os diagnósticos

de Carvalho e Linz e Stepan, e afirmou haver no país um “déficit de cidadania”. Demonstrou

esse déficit explorando o desconhecimento dos direitos e deveres por parte dos entrevistados

e também os paradoxos nas opiniões e percepções em relação aos direitos e aos agentes e

agências encarregados de garanti-los1. Outro aspecto notável na pesquisa, ainda segundo a

autora, foi a hierarquia atribuída aos direitos, sendo os mais mencionados os sociais

(sobretudo questões relacionadas com trabalho, salário e emprego), ao passo que os direitos

civis, “espinha dorsal de uma democracia”, não tiveram referência significativa. Um percentual

irrisório, de apenas 1,6%, citou direitos políticos. A concentração de respostas neste bloco girou

em torno do voto mas, segundo a autora, nas respostas dos entrevistados, o voto apareceu

principalmente como um dever2.

A autora destacou também que, apesar do pouco conhecimento dos principais direitos

e dos meios de acesso a eles, os brasileiros questionavam sua ausência. Por exemplo, embora

a igualdade perante a lei quase não tenha sido mencionada pelos entrevistados, “...parece

existir na população um sentimento de injustiça, uma forte consciência de que, no Brasil, a lei

não é igual para todos”(PANDOLFI, op.cit., p.55). Carvalho (op.cit.) complementou que esses

sentimento e descrença da população na justiça se deviam também ao fato de que o acesso ao

judiciário é limitado porque a grande maioria da população brasileira, mesmo que conheça

seus direitos, não tem condições de fazê-los valer, sobretudo em razão dos custos dos serviços

de um bom advogado e do próprio processo. De acordo com o autor, parece evidente para a

1 Para mencionar alguns exemplos, 57% dos entrevistados não se referiram sequer a um direito; mais de 40% afirmaram

que alguém poderia ser preso por mera suspeita e só 12% citaram algum direito civil. No que se refere aos dados

referente ao recurso às instituições protetoras dos direitos de cidadania, 80% das pessoas que sofreram discriminação

ou violação dos direitos afirmaram não terem recorrido à polícia por temor ou por não acreditarem nos resultados

(PANDOLFI, op.cit.).

2 Essa hierarquia dos direitos na opinião dos entrevistados poderia estar relacionada, ainda segundo Pandolfi (op. cit.),

ao processo histórico de formação da cidadania no país, processo que remonta à era Vargas e à “cidadania regulada”.

Esse processo de constituição da cidadania no Brasil, de acordo com a autora, por outro lado, contribuiu para a crença

entre a população de que o melhor caminho para a obtenção dos direitos seria através do acesso direto às autoridades

e não através dos canais institucionais encarregados de garanti-los. Para o conceito de “cidadania regulada”, ver Santos

(1979).

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4

população a associação entre as condições socioeconômicas e o acesso à justiça no país, o que

seria uma das bases da insatisfação com o funcionamento do sistema judiciário brasileiro.

Grynszpan (1999), também com base nos resultados da pesquisa realizada na região

metropolitana do Rio de Janeiro (CPDOC/FGV, 1997), explorou a interface entre o acesso à

justiça e as noções de democracia e cidadania dos brasileiros, procurando identificar fatores

que auxiliariam a democratização do acesso à justiça no país3. Para que a justiça cumpra uma

de suas atribuições básicas, ou seja, garanta os direitos dos cidadãos, é necessário que aqueles

que se sentem injustiçados a ela recorram, e para que o cidadão busque a justiça, há uma série

de fatores intervenientes, como suas noções morais de justiça e sua visão da instituição

judiciária, a qual se relaciona com sua legitimidade. De acordo com Grynszpan,

“um dos suportes básicos da legitimidade da justiça é a crença difundida na sua inarredabilidade, na sua isenção, na imparcialidade com que se apropria das leis, no tratamento equânime que dispensa às partes em disputa e, também, na sua eficiência, o que se traduz na produção de resultados satisfatórios num tempo razoável. Ressaltar a importância desta crença significa perceber que, uma vez que ela se veja abalada, o próprio reconhecimento da legitimidade da justiça é que termina sendo comprometido, com reflexos sobre os graus em que a população a ela recorre para garantir os seus direitos, para resolver os seus conflitos”(GRYNSZPAN, op.cit., p.103).

Aos resultados apresentados por Pandolfi (op. cit.), o autor adicionou que a cor

emergiu entre os entrevistados como segundo elemento discriminador: ao mesmo tempo em

que, para 95% deles, os pobres eram tratados pela justiça com maior rigor do que os ricos para

2/3 dos entrevistados, os negros eram tratados com maior rigor pela justiça.

A percepção entre a população de que a justiça é uma instituição hostil, iníqua e

ineficiente pesa sobre a opção pelo recurso a ela. Paralelamente, o grau de desconhecimento

dos seus direitos pela população também interferia na decisão de recorrer à justiça. Ainda de

acordo com Grynszpan, embora se pudesse supor que uma tentativa por parte da própria

instituição judiciária de democratização levasse a uma inversão da visão negativa a seu

respeito entre a população, os resultados da pesquisa também indicaram que instâncias

gratuitas, ágeis e informais, como os juizados de pequenas causas, eram pouco procuradas

3 Para reduzir o fosso entre a justiça e a população, segundo o autor, seriam necessárias a expansão da oferta, a

melhoria da qualidade e da eficiência e a redução dos custos dos serviços judiciários, o que os tornaria efetivamente

acessíveis, sobretudo à população de baixa renda (GRYNSZPAN, op.cit.)

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5

pela população. Além disso, foi observada uma associação significativa entre a apropriação

desses juizados como recurso e a escolaridade dos entrevistados4.

Os resultados do survey nacional “A desconfiança dos cidadãos das instituições

democráticas” de 2006 aqui analisados corroboram esse cenário. Apesar de a democracia

brasileira mostrar-se consolidada, de suas instituições operarem com regularidade e de os

brasileiros cada vez mais também se orientarem por uma cultura política democrática

(conforme descreveu, por exemplo, Moisés, 2005a e b), a procura dos brasileiros pelos

tribunais de justiça ainda é baixa: somente 1/4 dos entrevistados já recorreram a eles. Ainda

que, dentre esses, quase 2/3 tenham concluído o processo, entre aqueles que tiveram uma

experiência negativa com a justiça, os mesmos fatores apresentados pelas pesquisas

anteriores se fazem ainda presentes: o fato de o processo tomar muito tempo foi a principal

razão apontada pelos entrevistados para “não terem conseguido abri-lo ou concluí-lo”. Além

disso, entre 22% e 27% apontaram “os custos do processo e do advogado” como empecilhos e

quase ¼ dos entrevistados afirmaram não ter aberto ou concluído o processo por “não

confiarem que teriam um tratamento justo” (Tabela 1).

Quando pedidos para apontar os principais problemas da justiça no Brasil em pergunta

aberta em outra pesquisa para o mesmo ano5, os cidadãos apontaram a lentidão e burocracia

(20,6%), a parcialidade do julgamento e a desigualdade de tratamento (17,2%), o fato de as leis e

penas não serem cumpridas (16,8%) e a corrupção (13%) como sendo os principais6.

4 Associação já afirmada, por exemplo, por CARVALHO, op. cit. e LINZ e STEPAN, op. cit.

5 Pesquisa: “Cultura Política” realizada pela Fundação Perseu Abramo entre 10 e 16 de março de 2006 com 2379

eleitores brasileiros. Disponível no Banco de Dados do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (CESOP).

6 Outros 17% não souberam ou não opinaram, e em torno de 12% apontaram outros problemas, enquanto menos de

4% afirmaram que não havia nenhum problema na justiça brasileira.

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6

Tabela 1. Experiência com a Justiça - 2006

Questões Sim (%) * Alguma vez você procurou um tribunal ou órgão de justiça? 24,8 E qual das seguintes frases reflete melhor a sua experiência? Procurou e concluiu o processo 63,2 Procurou mas não conseguiu concluir o processo 30,0 Não conseguiu abrir o processo 5,3 Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo? Não teve dinheiro para pagar as custas do processo 22,5 Não teve dinheiro para pagar o advogado 27,3 O processo tomou muito tempo 52,6 O tribunal ficava muito longe da casa onde vivia 19,8 Não confiou que teria um tratamento justo 24,7 Não soube fazer a solicitação 11,8 Achou que era melhor fazer um acordo 23,4 N 2004

Fonte: Pesquisa “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” * o complemento a 100% refere-se às respostas “não”

Os dados do survey nacional de 2006 também revelam alguns paradoxos quanto às

concepções e avaliações dos cidadãos sobre a justiça e o acesso aos direitos7. Por exemplo,

mais de 90% concordam que o país necessita dos tribunais de justiça para “ir para frente”, mas

praticamente o mesmo percentual afirma que os brasileiros não têm iguais oportunidades de

acesso à justiça; e em torno de 80% creem que não há igualdade perante a lei. Mais de 40% dos

entrevistados têm pouca confiança tanto no poder judiciário como nas leis do país (enquanto,

nos dois casos, por volta de 1/3 dos entrevistados afirma ter “alguma” confiança). Mas, ao

mesmo tempo, pouco menos da metade dos entrevistados avalia que o poder judiciário tem

tido uma boa atuação. Nessa direção positiva, os tribunais de justiça são apontados como os

órgãos públicos mais importantes do país por quase 20% dos entrevistados, ficando atrás

apenas da presidência da república (apontada por pouco mais da metade dos entrevistados

como o órgão público mais importante). Também de modo positivo, é bastante elevada a

associação que os brasileiros fazem entre as ideias de democracia e de “fiscalização dos atos

do governo pelos tribunais de justiça e pelo ministério público” e de “igualdade de todos

7 Os paradoxos nas falas dos entrevistados também apareceram na pesquisa qualitativa. A realização do survey nacional

de 2006 aqui analisado foi antecedida pela realização de entrevistas em profundidade baseadas em “Gupos Focais”,

como parte integrante do Projeto “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” (FAPESP, Processo

07952-8/04). Ferrari (2009) explorou esse material qualitativo e, entre outras coisas, ilustrou com falas dos

entrevistados suas percepções superficiais sobre o funcionamento dos mecanismos institucionais de acesso e conquista

dos direitos. Sobretudo, sua análise mostrou que os cidadãos reconhecem direitos, mas mostram distanciamento do

processo político e instituições.

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7

perante a lei” - nos dois casos quase 85% acreditam que essas premissas têm a ver ou mesmo

muito a ver com a ideia de democracia (Tabela 2).

No que se refere à aplicação das leis, a imensa maioria concorda que elas devem ser

obedecidas sempre, mas mais da metade dos entrevistados afirma também que os brasileiros

as cumprem pouco (e quase 30% indicam que as leis nem são cumpridas). Também 2/3 dos

entrevistados pensam que os brasileiros são pouco ou nada conscientes de suas obrigações,

assim como de seus direitos. Em consonância com essa percepção da pouca consciência dos

direitos pelos brasileiros, quase 3/4 dos entrevistados acreditam que os brasileiros pouco ou

nada exigem os seus direitos (embora, nesse caso, seja notável que 1/3 acredite que isso ocorra

quase sempre). Por fim, os entrevistados, pessoalmente, reclamam a ausência do acesso à

cidadania8. Por exemplo, mais de 83% concordam (muito ou pouco) que “os funcionários do

governo não se preocupam muito com aquilo que pessoas como você pensam” e quase 3/4

sentem-se pouco ou nada protegidos pelas leis trabalhistas (Tabela 2).

8 Neste capítulo, a dimensão da cidadania dos brasileiros é enfatizada em suas interações com as visões de acesso às

instituições de justiça. Com base nessa mesma pesquisa, Daniele (2008) analisou as concepções de cidadania dos

entrevistados e o conhecimento dos direitos mais importantes, e as implicações para a confiança política.

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8

Tabela 2. Percepção da Importância e Avaliação das Instituições de Justiça - 2006

Questões (%)

O país precisa dos TRIBUNAIS DE JUSTIÇA para ir em frente?

Sim 91,5 Não 8,5

Você acha que a democracia...com IGUALDADE DE TODOS PERANTE A LEI

Tem muito a ver 53,5 Tem a ver 30,6 Tem pouco a ver 8,8 Tem nada a ver 7,0

Você acha que a democracia...com FISCALIZAÇÂO DOS ATOS DO GOVERNO PELOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Tem muito a ver 49,6 Tem a ver 33,8

Tem pouco a ver 9,8 Tem nada a ver 6,8

Você acha que todos os brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à justiça?

Sim 9,4 Não 90,6

Você acha que todos os brasileiros são iguais perante a lei?

Sim 18,5 Não 81,5

Gostaria que você avaliasse a atuação de cada uma das seguintes instituições: PODER JUDICIÁRIO

Ótima................................ 4,4 Boa 46,4

Regular..............................16,4 Ruim 27,2

Péssima 5,6 Pensando na atuação da justiça no Brasil, você diria que, de um modo geral, os juízes, promotores e tribunais de justiça têm tido um desempenho:

Ótimo 3,3 Bom 39,6 Regular 17,5

Ruim 26,0 Péssimo 13,6

Por favor, diga se você concorda ou discorda da seguinte afirmação: “A lei deve ser obedecida sempre, qualquer que seja a circunstância”

Concorda muito 72,4 Concorda pouco 19,8 Discorda pouco 5,6 Discorda muito 2,2

Você diria que os brasileiros ... as leis ? Cumprem muito 2,1 Cumprem 11,3

Cumprem pouco 56,9 Não cumprem 29,7

Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes de suas obrigações?

Muito Conscientes 4,6 Conscientes 31,0

Pouco conscientes 54,4 Nada conscientes 10,1

E dos seus direitos? Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes de seus direitos?

Muito Conscientes 4,1 Conscientes 31,5

Pouco conscientes 52,7 Nada conscientes 11,6

Você diria que os brasileiros exigem os seus direitos? Exigem muito, apenas exigem, exigem pouco ou não exigem seus direitos?

Exigem muito 7,5 Exigem 19,1

Exigem Pouco 52,1 Não exigem 21,4

Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você diria que, na prática, os brasileiros conseguem fazer valer os seus direitos sempre, quase sempre, quase nunca ou nunca?

Sempre 5,2 Quase sempre 33,5 Quase nunca 49,6

Nunca 11,6

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9

E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito protegido, protegido, pouco protegido ou nada protegido?

Muito protegido 4,2 Protegido 23,4

Pouco protegido 47,3 Nada protegido 25,2

Vou ler algumas frases sobre política e gostaria de saber se você ... OS FUNCIONÁRIOS DO GOVERNO NÃO SE PREOCUPAM MUITO COM AQUILO QUE PESSOAS COMO VOCÊ PENSA

Concorda Muito 56,9 Concorda Pouco 28,3 Discorda Pouco 6,8 Discorda Muito 8,0

Vou citar alguns órgãos públicos e particulares e gostaria de saber qual é o grau de confiança que você tem em cada um deles: PODER JUDICIÁRIO

Muita confiança 11,0 Alguma confiança 33,4 Pouca confiança 42,0 Nenhuma confiança 13,7

Vou citar alguns órgãos públicos e particulares e gostaria de saber qual é o grau de confiança que você tem em cada um deles: LEIS DO PAÍS

Muita confiança 7,3 Alguma confiança 30,6 Pouca confiança 41,3

Nenhuma confiança 20,8 Fonte: Pesquisa “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas”,FAPESP

A percepção de desigualdade e sentimento de injustiça no funcionamento do poder

judiciário e em sua atuação na garantia dos direitos pode associar-se a comportamentos de

descrença e cinismo para com o mesmo. Ademais, as ambiguidades e paradoxos evidentes nas

percepções dos entrevistados sobre seus direitos e sobre as formas de acesso a eles e

garantias legais podem ter consequências para o estabelecimento da cidadania e para a

relação dos cidadãos com o próprio regime democrático (BOOTH e SELIGSON, 2005;

CARVALHO, op.cit.; MOISÉS, 2005a; NORRIS, 1999; OFFE, 1999). Os dados apresentados

indicam, então, a importância de se entender de modo mais aprofundado a natureza da

confiança no poder judiciário em específico, e suas possíveis associações e impactos sobre as

concepções de cidadania dos brasileiros. Porém, cabe ressalvar antes de tudo que, embora a

manutenção de percepções negativas da efetividade dos direitos, do cumprimento das leis e

das instituições de justiça através do tempo sejam preocupantes em si, esse cenário deve ser

compreendido como parte de um cenário amplo de desconfiança das instituições

democráticas, que se estabelece como tendência global e não apenas nos países de

democracia recente como a brasileira (NORRIS, op. cit.)9.

Na próxima seção do capítulo, apresento brevemente as principais questões teóricas

que embasam a análise proposta.

9 Embora não seja tema deste capítulo, cabe aqui uma nota a esse respeito: a generalização da desconfiança nas

instituições representativas e a avaliação crítica, por parte dos cidadãos, de funcionamento da democracia não são

sinais de crise desse regime, mas apontam para a emergência de cidadãos mais atentos ao processo e às instituições

políticas, e que visam melhorar e aprofundar a democracia (FUCHS e KLINGEMANN, 1995; NORRIS, op.cit.).

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10

A MISSÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO REGIME DEMOCRÁTICO E RELAÇÃO COM A CIDADANIA: PERSPECTIVAS TEÓRICAS DA CONFIANÇA POLÍTICA

De acordo com Linz e Stepan (op.cit.), um sistema judiciário independente é ator

fundamental para a existência de um “Estado de direito capaz de assegurar as garantias legais

relativas às liberdades dos cidadãos e à vida associativa independente” (LINZ e STEPAN,

op.cit., p.212). O Estado de direito, por sua vez, é um dos cinco campos necessários à

consolidação do regime democrático10. Diamond e Morlino (op.cit.) também destacam a

centralidade do primado da lei para a democracia e apontam ser ele a base da estrutura

multidimensional que define a qualidade desse regime11.

A importância do primado da lei para a qualidade da democracia está no fato de que

essa dimensão significa que todos os cidadãos são iguais ante a lei, que é justa e

consistentemente aplicada a todos por um judiciário independente, e significa também que as

próprias leis são claras, publicamente reconhecidas, estáveis e universais. “O sistema legal

defende os direitos políticos e procedimentos da democracia, sustenta os direitos civis de cada

um e reforça a autoridade de outras agências de accountability horizontal que asseguram a

legalidade e propriedade das ações oficiais” (DIAMOND e MORLINO, op.cit., p.23). As

condições para o estabelecimento do primado da lei são a difusão de valores democráticos e

liberais tanto entre a opinião pública como entre as elites, fortes tradições burocráticas de

competência e imparcialidade e meios institucionais e econômicos adequados, condições

difíceis de serem criadas “do zero”. Essa dificuldade aponta, então, para uma área de

sensibilidade para as novas democracias.

Sobretudo, no caso dessas últimas - embora essas sejam dimensões importantes

também às democracias longamente estabelecidas -, a consolidação do regime democrático e

a manutenção de sua estabilidade dependem do apoio político dos cidadãos e da confiança

desses nos princípios e fundamentos do regime, além da avaliação positiva do funcionamento

de suas instituições. Ainda que não haja consenso na bibliografia sobre a relação entre essas

duas dimensões - confiança e avaliação - que baseiam o apoio ao regime democrático, parece

haver fortes evidências de que se referem a construtos distintos (USLANER, 2007).

10

Os outros quatro campos da democracia, ainda segundo esses autores, são: 1.sociedade civil livre e ativa; sociedade

política autônoma e valorizada; burocracia estatal para uso do governo democrático e sociedade econômica

institucionalizada.

11

De acordo com esses autores, há sete outras dimensões nas quais uma democracia varia em qualidade: liberdade,

accountability vertical, responsividade, igualdade, participação, competição e accountability horizontal.

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11

A confiança pode ser definida como a probabilidade de que o regime, suas instituições

e autoridades produzirão os resultados preferidos pelos indivíduos sem que esses façam algo

para consegui-los, ou tampouco precisem supervisionar os objetos políticos confiados. Trata-

se, na análise de Easton (1975), de uma forma de manifestação do apoio difuso. Ainda segundo

esse autor, essa confiança é, em parte, fruto do processo de socialização, que apontaria ser

dever cívico ter confiança nos incumbentes dos cargos oficiais. Como membros da

comunidade política, os indivíduos também podem ser encorajados a acreditarem que os

objetivos do regime, suas regras e estruturas podem ser confiados na provisão de resultados

igualitários para todos. Por outro lado, a confiança pode ser estimulada ainda pelas

experiências que os indivíduos têm com as autoridades e instituições através do tempo, as

quais os qualificam para avaliar racionalmente o desempenho desses objetos políticos.

Conforme Easton, “os resultados e desempenho das autoridades podem lentamente nutrir ou

desencorajar sentimentos de confiança. Com o tempo, tais sentimentos podem ser destacados

das autoridades e tomar a forma de um sentimento autônomo ou generalizado para todas as

autoridades e talvez para o regime também”(EASTON, op. cit., p.448, tradução minha). O fato

de a experiência ser uma das fontes da confiança política não deve obscurecer as diferenças

teóricas entre essa e o apoio específico, esse último exclusivamente relacionado às constantes

avaliações do desempenho global de um conjunto de autoridades, confinadas em estreitos

limites de tempo.

Nesse contexto, a confiança é, então, o mecanismo que media a relação dos cidadãos

com as instituições públicas e é derivada da justificativa ética e normativa dessas e de seu

desempenho. Para que o cidadão avalie determinada instituição ele necessita conhecer a ideia

básica ou sua função permanente atribuída pela sociedade (EASTON, op. cit., MOISÉS, 2005a e

b). As instituições, por sua vez, assim como o complexo de normas e procedimentos que as

orienta, são os mecanismos estabelecidos e aceitos pelos cidadãos, enquanto membros da

comunidade política, para regular e organizar suas relações políticas e sua ação em comum

para alcançar objetivos públicos (OFFE, 1999)12. No regime democrático, não apenas os

cidadãos, mas também as autoridades e responsáveis pelas instituições devem orientar sua

ação por regras institucionalmente estabelecidas. É com base nessas regras e referências que,

12 Nessa perspectiva, a confiança nas instituições democráticas seria um substituto para a desconfiança horizontal entre

as massas. Se, dada a complexidade da moderna estrutura social, não é fácil encontrar razões para confiar na multidão

de concidadãos anônimos, as estruturas internas e dinâmicas das instituições representativas na democracia garantem

a efetividade de que mesmo uma altamente adversa maioria não pode representar perigo sério sobre “mim”, pois isso

significaria interferir em direitos constitucionalmente garantidos (OFFE, op. cit.).

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12

segundo Sztompka (1996), os primeiros fazem apostas sobre o comportamento futuro e

contingente dos segundos e, a partir dessas, dão ou retiram sua confiança neles. Ademais,

ainda para esse autor, há dois pressupostos implicados ao tratar a confiança como aposta:

primeiro, quem dá confiança estabelece um compromisso com as próprias ações e espera que

as ações dos outros serão benéficas para si próprios. Segundo, a confiança implica que os

outros são confiáveis, ou seja, que suas ações futuras exibirão alguma combinação dos

seguintes traços: regularidade, eficiência, confiabilidade, justeza, accountability e benevolência

(SZTOMPKA, op. cit.).

As instituições políticas, por sua vez, aplicam sobre aqueles nela envolvidos um

conjunto específico de valores, tais como a verdade e a justiça (OFFE, op.cit.). No entanto, há

que se compreender que as regras por elas aplicadas são positivas, podendo ser mudadas, e

essas aplicação e mudança estão nas mãos dos legisladores, administradores e do sistema

judiciário. Nesse sentido, também elas dependem de disposições apoiativas - do entendimento

e da conformidade a elas por parte daqueles nela envolvidos - para serem bem sucedidas. É

nesse aspecto que se centra o ponto nodal da qualidade das instituições, a qual remonta à

“...sua capacidade de fazerem sentido convincente, o que determina a extensão na qual elas

são capazes de promulgar as lealdades daqueles cujas ações elas supostamente regulam,

assim como a confiança por parte dos agentes de que esse apoio será amplamente partilhado

por outros agentes”(OFFE, op.cit., p.69, tradução minha). Em outras palavras, a qualidade das

instituições remete ao seu mecanismo potencial de indução da confiança dos indivíduos em

pessoas com quem nunca tiveram contato, mas com quem partilham o mesmo espaço

institucional e, por isso, pressupõem que, em suas ações, são orientadas e constrangidas pelas

regras por ele traçadas. Dispõem dessa qualidade apenas as instituições que o indivíduo

pressupõe serem plausíveis, significativas e convincentes à maior parte de seus concidadãos e,

dessa forma, por eles confiados. Ainda, é devido ao status de proteção de direitos que elas

proveem, que elas podem limitar o risco de confiar em estranhos (OFFE, op. cit.). É importante

destacar essa dimensão, pois, embora a discussão sobre as raízes institucionais da confiança

na cidadania em geral não seja objeto direto deste capítulo, essa é também a base da

confiança naquelas categorias de agentes que estão por trás do funcionamento das

instituições.

Da parte dos indivíduos, a confiança institucional se expressa nas percepções sobre a

eficácia, probidade e senso de justiça com que as instituições funcionam e na sua participação

em procedimentos e instituições de representatividade, como o recurso aos tribunais de

justiça e júris (MOISÉS, 2005a). No que tange ao poder judiciário em específico, a confiança é

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13

comprometida quando os cidadãos não acreditam que esse poder funciona de acordo com sua

missão e com a eficiência necessária ou quando aqueles creem que há desigualdade no acesso

aos direitos. Esse cenário se agrava quando os cidadãos creem que regras públicas

fundamentais não são respeitadas por todos, quando acreditam que há impunidade para

alguns membros da comunidade política e que, em decorrência, não vale a pena cumprir ou

obedecer às leis do país.

Para finalizar, cabe destacar que, se a confiança política radica nas instituições, ela

também é permeada pelo contexto sócio-cultural dos indivíduos (NORRIS, op. cit., DALTON,

1999). Pessoas com diferentes valores e interesses avaliam o desempenho econômico e

político das instituições de modos diferentes. Mishler e Rose (2001) explicam a origem da

confiança política a partir do modelo de “aprendizagem através da vida”, o qual combina essas

premissas culturalistas com as abordagens institucionais. Apesar da importância da

socialização primária na formação dos valores que orientarão as atitudes dos indivíduos, tais

valores podem se modificar no decorrer da vida conforme cada um desenvolve as suas

experiências com as instituições políticas. De acordo com os autores, se as influências da

socialização, de um lado, e do desempenho institucional, de outro, conflitam, as avaliações do

desempenho, mais próximas dos atores, prevalecerão sobre as influências primeiras das

normas culturais e da socialização primária sobre os indivíduos. Ao tratar da confiança no

poder judiciário no regime democrático brasileiro, este capítulo se orienta também por esse

conjunto de premissas.

ANÁLISE DOS DADOS DE 2006

FATORES POTENCIALMENTE EXPLICATIVOS DA CONFIANÇA NO PODER JUDICIÁRIO:

Primeiramente, o capítulo procura explicar a natureza da (des)confiança no poder

judiciário entre os cidadãos brasileiros em 2006, ou seja, visualizar quais critérios da avaliação

dos cidadãos predizem seu comportamento com relação à justiça. Trata-se de verificar, então,

em que medida a confiança no poder judiciário (variável dependente) pode ser explicada, por

um lado, pela ideia normativa que os cidadãos têm da missão dos tribunais de justiça e, por

outro lado, pelo uso desse serviço e pela avaliação do acesso efetivo e igualdade de

tratamento e atuação do poder judiciário (com base nas experiência e vivência individuais).

As variáveis independentes selecionadas envolvem, então, dimensões institucionais e

culturais e podem ser divididas em três grupos (além das variáveis sócio-demográficas):

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14

Variáveis de cultura política, cidadania e democracia:

• “A Constituição brasileira estabelece que todos os brasileiros são iguais perante a lei. Você acha que todos são iguais perante a lei ou que não há igualdade perante a lei no Brasil?”

• “Por favor, diga se você concorda ou discorda da seguinte afirmação: ‘A lei deve ser

obedecida sempre, qualquer que seja a circunstância’”.

• “Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você diria que, na prática, os brasileiros conseguem fazer valer os seus direitos sempre, quase sempre, quase nunca ou nunca?”

• “E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito protegido, protegido, pouco

protegido ou nada protegido?”

• “Você acha que a democracia tem muito a ver, tem a ver, tem pouco a ver ou não tem nada a ver com...IGUALDADE DE TODOS PERANTE A LEI”

• “Você acha que a democracia tem muito a ver, tem a ver, tem pouco a ver ou não tem

nada a ver com...FISCALIZAÇÃO DOS ATOS DO GOVERNO PELOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO”

• “Vou ler uma lista de órgãos públicos como polícia e escola e quero que você diga

quais tem que ter para o país ir em frente: OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA”

• “Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se concorda ou discorda de cada uma delas: MEUS AMIGOS E FAMILIARES FALAM BEM DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS”

• “Tem gente que acha que todos os brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à

justiça. Outros acham que nem todos os brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à justiça. O que você acha?”

Variáveis de experiência com a justiça

• “Alguma vez você procurou um tribunal ou órgão de justiça?”

• “E qual das seguintes frases reflete melhor a sua experiência: PROCUROU E CONCLUIU O PROCESSO”

• “E qual das seguintes frases reflete melhor a sua experiência: PROCUROU MAS NÃO

CONSEGUIU CONCLUIR O PROCESSO”

• “E qual das seguintes frases reflete melhor a sua experiência: NÃO CONSEGUIU ABRIR O PROCESSO”

• “Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: NÃO

TEVE DINHEIRO PARA PAGAR AS CUSTAS DO PROCESSO”

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15

• “Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: NÃO TEVE DINHEIRO PARA PAGAR O ADVOGADO”

• “Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: O

PROCESSO TOMOU MUITO TEMPO”

• “Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: O TRIBUNAL FICAVA MUITO LONGE DA CASA ONDE VIVIA”

• “Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: NÃO

CONFIOU QUE TERIA UM TRATAMENTO JUSTO”

• “Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: NÃO SOUBE FAZER A SOLICITAÇÃO”

• “Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo:

ACHOU QUE ERA MELHOR FAZER UM ACORDO”

Variáveis de avaliação e confiança políticas

• “Vou citar alguns órgãos públicos e particulares e gostaria de saber qual é o grau de confiança que Você tem em cada um deles: NAS LEIS DO PAÍS”

• “O que é importante para você confiar nos órgãos públicos? Qual é o mais importante:

PRIMEIRO LUGAR”

• “Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se concorda ou discorda de cada uma delas: AS AUTORIDADES E DIRIGENTES DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS SÃO DE BAIXA QUALIDADE”

• “Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se

concorda ou discorda de cada uma delas: AS ATIVIDADES DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS SÃO TOTALMENTE FISCALIZADAS”

• “Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se

concorda ou discorda de cada uma delas: OS ÓRGÃOS PÚBLICOS SEMPRE ASSUMEM SUA RESPONSABILIDADE QUANDO ERRAM”

• “Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se

concorda ou discorda de cada uma delas: OS ÓRGÃOS PÚBLICOS TRATAM TODAS AS PESSOAS IGUALMENTE”

• “Pensando na atuação da justiça no Brasil, você diria que, de um modo geral, os juízes,

promotores e tribunais de justiça têm tido um desempenho”

• “E ainda pensando na atuação da justiça no Brasil, que nota você dá para os juízes?”

• “E que nota você dá para os promotores e tribunais de justiça?”

• “Como você avalia a situação política do Brasil hoje”

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16

• “Você diria que a corrupção é um problema”

• “E no governo de Lula, você diria que a situação dos direitos humanos ... em relação ao

que era antes?”

• “E em comparação com os últimos 10 anos dos governos militares no tempo dos generais Geisel e Figueiredo, a situação atual dos direitos humanos no Brasil ...”

• “Gostaria que você avaliasse a atuação de cada das seguintes instituições: PODER

JUDICIÁRIO”

• “Gostaria que você avaliasse a atuação de cada das seguintes instituições: GOVERNO”

• “Gostaria que você avaliasse a atuação de cada das seguintes instituições: AS LEIS DO PAÍS”

Variáveis sócio-demográficas • COR • RENDA MENSAL FAMILIAR • RENDA MENSAL PESSOAL • GRAU DE INSTRUÇÃO

Primeiramente, foram verificadas as associações estatísticas significantes13 entre cada

uma dessas variáveis e a confiança no poder judiciário.

Tendo por base uma das premissas das teorias institucionais que aponta a importância

da experiência com as instituições representativas para a formação da confiança política, uma

das associações esperadas era entre as questões relativas à avaliação do funcionamento dos

tribunais de justiça com base nas respostas sobre o acesso e experiência dos entrevistados e a

confiança no poder judiciário, mas essa não foi significante. Uma possível explicação estatística

aponta para o fato de que menos de ¼ dos entrevistados “já procurou um tribunal ou órgão de

justiça” e, em consequência, a amostra dos respondentes para as questões sobre a experiência

com a justiça abrangeram um universo ainda menor14.

13

As medidas de associação utilizadas foram o “coeficiente de contingência” para as variáveis nominais e o “gamma” e

“kendall´s tau-b” para as variáveis ordinais. Nos dois casos, o nível de significância adotado foi de .01.

14

Por outro lado, procurei identificar quem é o cidadão que já recorreu a um tribunal de justiça, tanto em termos

socioeconômicos e demográficos como quanto ao seu perfil com relação às concepções de cidadania e direitos, mas,

observando o conjunto das associações entre a pergunta “Alguma vez, procurou um tribunal de justiça?” e as questões

que poderiam indicar aquele perfil, não foi encontrado um grupo específico de cidadãos no conjunto dos entrevistados,

como denotam os coeficientes de contingência da relação das variáveis. As exceções foram as associações, já

esperadas, entre o grau de instrução e a faixa de renda familiar e a procura por um tribunal de justiça, mas as duas

associações foram fracas. Foi significativa ainda, mas também fraca, a associação entre essa variável e a idade. No que

se refere aos direitos de cidadania, as percepções da igualdade perante a lei e de que os brasileiros exigem os seus

direitos, a concordância com a afirmação de que a lei deve ser obedecida sempre, a satisfação com o funcionamento da

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17

Também foi notável entre os resultados o fato de a confiança no poder judiciário não

estar associada com as concepções de democracia dos cidadãos que a relacionam fortemente

com a “existência de igualdade perante a lei” e com a “fiscalização dos atos do governo pelos

tribunais de justiça e pelo ministério público”. Em outras palavras, embora os brasileiros, em

sua grande maioria (como mostrado na Tabela 2), acreditem que o primado da lei e as

instituições que o efetivam tenham pelo menos “a ver” com a democracia, essas dimensões

não se mostram associadas à confiança que depositam no poder judiciário brasileiro.

Por outro lado, a confiança nesse poder mostrou associação significativa positiva com

as seguintes variáveis:

� na esfera da cidadania: “todos são iguais perante à lei?”; “os brasileiros conseguem

fazer valer seus direitos?”; “você se sente protegido pelas leis trabalhistas?”;

� na esfera da confiança: “confiança nas leis do país”; crença na ideia de que “o país tem

que ter tribunais de justiça para ir para frente”;“crença na ideia de que “as autoridades

e dirigentes do país são de baixa qualidade”; “amigos e familiares falam bem dos

órgãos públicos”, “as atividades dos órgãos públicos são totalmente fiscalizadas”; “os

órgãos públicos sempre assumem sua responsabilidade quando erram”; “os órgãos

públicos tratam as pessoas igualmente”;

� na esfera da avaliação política: “avaliação do desempenho dos juízes, promotores e

tribunais de justiça”; “nota para os juízes”; “avaliação da situação política do Brasil

hoje”; “situação dos direitos humanos no governo Lula em comparação a antes”;

“avaliação da atuação do poder judiciário”; “avaliação do governo”; “avaliação das leis

do país”.

� Características sócio-demográficas: “renda mensal familiar” e “grau de instrução”.

Apenas com três variáveis a confiança no poder judiciário apresentou associação

negativa, indicando que quando a desconfiança aumenta diminui a crença de que “os

brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à justiça?”; diminui a “nota para atuação dos

promotores de justiça” e aumenta a percepção de que “a corrupção é um problema sério”.

Todavia, a análise bivariada não mostra qual a força de cada variável explicativa na análise do

fenômeno da confiança no poder judiciário. Assim, as variáveis ora destacadas, cuja relação

democracia e a confiança nas leis do país mostraram associações significantes com a procura pelo judiciário, todas

fracas. Esses dados estão reproduzidos no ANEXO 1.

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18

bivariada com a confiança no poder judiciário foram significantes, foram incluídas em modelo

de regressão categórica15, com o intuito de investigar suas capacidades relativas de explicação

da variável dependente em modelo multivariado (Tabela 3):

Tabela 3. Determinantes da confiança no poder judiciário

Coeficientes padronizados Beta Erro padrão

GL F Sig.

Sentimento de proteção das leis trabalhistas ,093 ,021 3 19,104 ,000 Grau de confiança NAS LEIS DO PAÍS ,334 ,023 3 219,344 ,000 Concordância com a frase: AS AUTORIDADES E DIRIGENTES DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS SÃO DE BAIXA QUALIDADE

-,045 ,021 3 4,798 ,002

Concordância com a frase: OS ÓRGÃOS PÚBLICOS SEMPRE ASSUMEM SUA RESPONSABILIDADE QUANDO ERRAM

,062 ,021 2 9,057 ,000

Avaliação do desempenho dos juízes, promotores e tribunais de justiça

,042 ,024 2 2,961 ,052

Nota para atuação dos juízes no Brasil ,042 ,029 4 2,005 ,091 Nota para atuação dos promotores e tribunais de justiça

-,158 ,030 7 28,490 ,000

Avaliação da situação política do país -,048 ,020 2 5,485 ,004 Percepção sobre a seriedade da corrupção -,038 ,021 1 3,359 ,067 Avaliação da atuação do PODER JUDICIÁRIO ,208 ,023 3 84,670 ,000 Avaliação da atuação do GOVERNO FEDERAL ,038 ,023 2 2,741 ,065 Avaliação da atuação das LEIS DO PAÍS -,059 ,023 2 6,380 ,002 FAIXA DE RENDA MENSAL FAMILIAR ,048 ,021 2 5,075 ,006 GRAU DE INSTRUÇÃO ,048 ,021 2 5,072 ,006 Variável Dependente: Confiança no PODER JUDICIÁRIO N=1687 R²=,320 R²ajustado=,304 Fonte: “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” 2006 (N=2004). Nota 1: O número da amostra do modelo é menor do que a amostra total devido aos “missing cases” contidos na variável dependente. Nota 2: Em negrito, resultados significantes a ,01.

O modelo final explica 32% da variância da confiança no poder judiciário, apresentando,

portanto, uma medida de tolerância alta, de 0,68. Das 21 variáveis iniciais (associadas com a

variável dependente), 14 entraram nesse modelo final, sendo 10 significantes a 0,01 (8

referentes às dimensões confiança e avaliação, uma das três variáveis da dimensão da cidadania

e 2 socioeconômicas), mostrando-se, portanto, relevantes para a explicação do fenômeno da

confiança no poder judiciário no Brasil. Três variáveis são particularmente importantes nessa

explicação, como mostrado por seus Beta coeficientes. São elas: a “confiança nas leis do país”;

15

O procedimento utilizado foi o CATREG, versão 2.1, Data Theory Saling System Group (DTSS), SPSS® 13.0.

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19

a nota dada aos promotores e tribunais de justiça (o sinal negativo indica que com o aumento

da desconfiança no judiciário diminui a nota dada aos promotores e aos tribunais de justiça) e a

“avaliação da atuação do poder judiciário”.

Esses resultados sugerem a importância das variáveis de avaliação da atuação do poder

judiciário como principais preditores da confiança nessa instituição. Antes de prosseguir, cabe

uma consideração sobre a inclusão dessas variáveis de avaliação e confiança nas instituições

de justiça no modelo explicativo da confiança no poder judiciário: embora as correlações entre

as variáveis “confiança no poder judiciário”, de um lado, e as variáveis “confiança nas leis do

país”(,446) e “avaliação da atuação do poder judiciário”(,268), de outro, possam ser

indicativas de alguma colinearidade entre elas, a elevada medida de tolerância obtida para este

modelo indica que ele não foi afetado por ela. Assim, e dadas as diferenças conceituais entre

avaliação e confiança, como sugerido pelo referencial teórico do presente capítulo, elas foram

mantidas no modelo final aqui descrito. Para fortalecer essa opção, foram realizadas, como

testes, novas regressões16 sem as variáveis “avaliação da atuação do poder judiciário” e

“confiança nas leis do país”, mas a retirada dessas variáveis (separada e simultaneamente) não

alterou significativamente a capacidade explicativa dos modelos obtidos em comparação

àquele aqui apresentado.

Retomando-o, dentre as variáveis referentes à cidadania, apenas uma, o sentimento de

proteção das leis trabalhistas, foi significativa no modelo final, mas com baixa capacidade

explicativa. Ainda assim, deve-se reconhecer que essa variável não é apenas uma percepção da

cidadania, mas mede também um elemento do desempenho das instituições de justiça, sua

capacidade de garantir a proteção legal dos indivíduos. Os resultados revelam, portanto, uma

forte presença de variáveis referentes à avaliação do funcionamento das instituições judiciárias

na explicação da origem da confiança dos cidadãos no poder judiciário, sugerindo a

preponderância das premissas das teorias institucionais nessa explicação. Isso significa que a

confiança no poder judiciário radica na própria justiça como instituição e na avaliação e crença

individuais de que sua atuação está em consonância com sua missão constitucional. Embora

essa associação pareça óbvia, ela sugere a existência de um mapa de orientações e avaliações

desta missão para os indivíduos. Por sua vez, a presença das variáveis socioeconômicas no

modelo final, ainda que com impactos bastante baixos sobre a confiança no poder judiciário,

indica que a avaliação e a confiança institucionais dos indivíduos variam de acordo com sua

posição social e econômica.

16

Por questão de espaço, tais modelos não foram incluídos no presente capítulo.

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20

Efeitos da Confiança nas Instituições de Justiça sobre a Cidadania

De outro lado, procurei investigar os possíveis impactos da confiança no poder

judiciário (e seus principais preditores, como mostrado na seção anterior) sobre as percepções

que os brasileiros têm da cidadania como acesso e exercício de direitos e sua efetividade.

Assim, regressões logísticas17 avaliaram os efeitos da confiança no poder judiciário, da

confiança nas leis do país, da avaliação da atuação do poder judiciário e da nota atribuída aos

promotores e tribunais de justiça sobre as seguintes variáveis dependentes, descritivas da

cidadania dos brasileiros:

• “A Constituição brasileira estabelece que todos os brasileiros são iguais perante a lei.

Você acha que todos são iguais perante a lei ou que não há igualdade perante a lei no

Brasil?”

• “Por favor, diga se você concorda ou discorda da seguinte afirmação: ‘A lei deve ser

obedecida sempre, qualquer que seja a circunstância’”.

• “Você diria que os brasileiros exigem os seus direitos?”

• “Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você diria que, na prática, os

brasileiros conseguem fazer valer os seus direitos sempre, quase sempre, quase nunca

ou nunca?”

• “Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes, pouco conscientes

ou nada conscientes de suas obrigações?”

• “E dos seus direitos? Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes,

pouco conscientes ou nada conscientes de seus direitos?”

• “E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito protegido, protegido, pouco

protegido ou nada protegido?”

• “Tem gente que acha que todos os brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à

justiça. Outros acham que nem todos os brasileiros têm iguais oportunidades de

acesso à justiça. O que você acha?”

• “Se o voto não fosse obrigatório, você votaria nas próximas eleições para Presidente a

República?”

17

O procedimento adotado foi a Regressão Logística, método Bstep (LR), SPSS® 13.0

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21

A Tabela 4 mostra, então, as razões de chance de a confiança no poder judiciário e de

seus determinantes terem efeitos sobre as atitudes e comportamentos referentes ao

cotidiano da cidadania e sobre as percepções da efetividade dos direitos entre os brasileiros18:

18

Cada uma das variáveis dependentes foi operacionalizada como dicotômica (respostas positivas com referência às

negativas sobre a efetividade da cidadania) conforme descrito no ANEXO 2.

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22

Tabela 4. Efeitos da Confiança nas Instituições de Justiça sobre as Concepções de Cidadania -2006 [odds ratio – Exp(Beta)]

“Todos são iguais

perante a lei”

“Brasileiros cumprem as

leis”

Concordam que a lei deve ser

obedecida sempre

“Brasileiros exigem seus

direitos”

“Brasileiros conseguem fazer

valer seus direitos”

“Brasileiros são conscientes de

suas obrigações”

“Brasileiros são conscientes de seus direitos”

Sentem-se protegidos pelas leis

trabalhistas

Votariam se o voto não fosse

obrigatório

“Brasileiros têm iguais

oportunidades de acesso à

justiça”

Confiança PODER JUDICIÁRIO

Nenh. conf. (ref.) (,015) (,003) (,098) (,054) (,000)

Muita 1,4 (,150) 2,76 (,000) 1,1 (,647) 1,35 (,165) 2,69 (,000)

Alguma 1,6 (,008) 1,51 (,024) 1,16 (,370) 1,26 (187) 2,13 (,000)

Pouca 1,65 (,002) 1,47 (,021) ,872 (,430) ,945 (,730) 2,03 (,000)

Confiança LEIS DO PAÍS

Nenh. conf. (ref.) (,000) (,000) (,001) (,001) (,000) (,048) (,042) (,000) (,000) (,037)

Muita 2,86 (,000) 2,61 (,000) 1,7 (,135) 1,88 (,023) 2,52 (,000) 1,8 (,007) 1,6 (0,32) 2,49 (,002) 3,109 (,000) 2,11 (,014)

Alguma 2,07 (,000) 2,32 (,000) 2,4 (,000) 1,98 (,000) 2,06 (,000) 1,2 (,246) 1,2 (317) 1,80 (,000) 1,939 (,000) 1,09 (,740)

Pouca 1,47 (,042) 1,65 (,000) 1,9 (,002) 1,54 (,002) 1,45 (,007) 1,1 (,470) ,946 (,692) 1,59 (,001) 1,279 (,050) 1,08 (,748)

NOTA PROMOTORES E TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

1,06 (,036) 1,06 (,011) 1,05 (,023) 1,08 (,000) 1,05 (,0,30) 1,07 (,005) 1,06 (,003) 1,16 (,000)

Avaliação atuação PODER JUDICIÁRIO

Péssima (ref.) (,012) (,023) (,013) (,019)

Ótima 2,95 (,008) 1,42 (,295) 2,07 (,025) 2,76 (,092)

Boa 1,6 (,164) 1,37 (,167) 1,78 (,018) 2,39 (,099)

Regular 1,2 (,618) 2,01 (,005) 1,33 (,281) 1,07 (,903)

Ruim 1,3 (,446) 1,24 (,342) 1,32 (,258) 1,67 (,338)

Constante ,067 (,000) ,500 (,002) 7,02 (,000) 1,638 (,000) ,201 (,000) ,310 (,000) ,372 (,000) ,743 (,066) ,489 (,000) ,020 (,000)

R² Nagelkerke ,052 ,078 ,019 ,042 ,057 ,031 ,027 ,077 ,047 ,065

N 1931 1932 1931 1937 1930 1937 1928 1880 1900 1936 Fonte: “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” 2006 (N=2004); Nota 1: Os números das amostras dos modelos são menores do que a amostra total devido aos “missing cases” contidos nas variáveis dependentes; Nota 2: Significâncias estatísticas entre parênteses (nível de significância adotado: ,05; em negrito, resultados não significantes). Nota 3: Células vazias: variáveis excluídas pelo próprio programa na equação final.

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23

Primeiramente, a confiança no poder judiciário exerce impacto apenas sobre três

percepções dos brasileiros de cidadania e sua efetividade: “brasileiros cumprem (pouco /

muito) as leis”; “brasileiros exigem (pouco / muito) seus direitos” e o sentimento de proteção

pelas leis trabalhistas por parte dos entrevistados. Dentre esses, destaca-se o efeito da muita

confiança no poder judiciário sobre o sentimento de proteção das leis trabalhistas e sobre a

crença de que os brasileiros exigem seus direitos: aqueles com muita confiança no poder

judiciário têm por volta de 170% a mais de chance de sentirem-se protegidos por aquelas leis e

de acreditarem que os cidadãos têm uma postura ativa na luta por seus direitos. É notável, por

outro lado, que a confiança no poder judiciário não exerça efeito nem sobre a crença na

igualdade perante a lei nem sobre a crença na igualdade de oportunidades de acesso à justiça.

A nota dada aos promotores e tribunais de justiça afeta positivamente as crenças de

que “todos são iguais perante a lei”, de que “todos têm iguais oportunidades de acesso à

justiça”, o sentimento de proteção pelas leis trabalhistas, a concordância com “os brasileiros

cumprem as leis” e com “os brasileiros conseguem fazer valer seus direitos” e a adesão

voluntária ao voto, se este não fosse obrigatório. Nesse caso, qualquer incremento naquela

nota aumenta entre 6 e 16% a concordância com essas alternativas.

Mas é a confiança (muita/alguma/pouca) nas leis do país, dentre as quatro variáveis

explicativas, o mais importante preditor das percepções dos cidadãos sobre a efetividade da

cidadania: ela afeta as dez variáveis dependentes e seis delas de modo bastante forte: por

exemplo, ter muita confiança nas leis aumenta em mais de 200% a chance de os cidadãos

votarem se o voto não fosse obrigatório (e mesmo aqueles que têm pouca confiança têm 28%

de chance a mais de votar do que aqueles que não confiam nas mesmas). Ainda, ter muita

confiança nas leis do país aumenta em pelo menos 150% a chance de os entrevistados se

sentirem protegidos pelas leis trabalhistas, acreditarem que os brasileiros conseguem fazer

valer seus direitos, cumprem as leis e que todos são iguais perante elas (nos quatro casos,

também é notável que mesmo a pouca confiança nas leis aumenta em pelos menos 45% a

concordância com essas alternativas, em comparação àqueles que não confiam na legislação

do país).

Apesar desses resultados, observadas conjuntamente, as variáveis explicativas da visão

da cidadania (confiança no poder judiciário, confiança nas leis do país, nota dada aos

promotores e tribunais de justiça e avaliação do poder judiciário) impactam positivamente, em

alguma medida, apenas a crença no fato de que “os brasileiros cumprem (pouco / muito) as

leis”.

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24

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo explorou as possíveis associações entre as percepções dos brasileiros

sobre os direitos de cidadania, o seu acesso e sua efetividade e a avaliação e a confiança no

poder judiciário. Os dados do survey nacional de 2006 corroboraram um cenário que

transparece desde a promulgação da Constituição de 1988: a pouca confiança no poder

judiciário e nas leis do país, a baixa procura pelos órgãos de justiça e a avaliação, por parte da

esmagadora maioria dos brasileiros, de que há desigualdade de tratamento pela lei e no acesso

à justiça no país. Embora, por outro lado, sejam observados avanços na cultura política

democrática dos brasileiros e as instituições representativas nacionais, ainda que com

percalços, mostrem sinais de consolidação (MOISÉS, 2005 a e b), o cenário tratado neste

capítulo tem implicações para o processo democrático brasileiro, tendo em vista ser o primado

da lei uma dimensão procedural de suma importância na estrutura de qualidade do regime

democrático (DIAMOND e MORLINO, op.cit.).

Os dados analisados continuam revelando paradoxos nas opiniões dos cidadãos

brasileiros. Com relação à confiança no poder judiciário, consoante com as premissas

institucionais, ela aparece associada, primeiro, à confiança nas leis do país e à avaliação de sua

atuação (bem como às notas dadas aos promotores e tribunais de justiça). Por outro lado,

embora um dos critérios para avaliar a atuação das instituições de justiça, dentro da

perspectiva teórica aqui adotada, seja sua capacidade de demonstrar que operam com

universalidade e igualdade, é notável os sentimentos de desigualdade perante a lei e de acesso

à justiça não tenham exercido impacto sobre a confiança dos cidadãos no poder judiciário. Por

último, embora com baixa capacidade explicativa, não se pode deixar de notar que o

sentimento de proteção das leis trabalhistas foi a única dimensão mais associada à cidadania

que emergiu entre as variáveis preditoras da confiança no poder judiciário.

Quando se percorreu o outro lado da relação entre a confiança no poder judiciário e a

cidadania, explorando-se os possíveis efeitos da primeira sobre a segunda, a crença na

igualdade perante a lei e a crença no acesso à justiça também não foram impactadas pela

confiança nas instituições judiciárias (apenas a confiança nas leis do país e a nota dada aos

promotores e tribunais de justiça as impactaram). Nessa análise, o que se destacou foi o

aumento da razão de chance daqueles que confiam no poder judiciário acreditarem que os

brasileiros cumprem, em alguma medida, as leis.

Esses resultados não parecem contraditórios, porém, quando são observados ao lado

das respostas às perguntas abertas do survey. Quando perguntados sobre os direitos mais

importantes dos brasileiros, o segundo maior percentual dos entrevistados indicou o trabalho

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25

(16,4%) e menos de 3% deles apontaram a justiça ou a igualdade social. A emergência do

sentimento de proteção das leis trabalhistas no modelo explicativo da confiança no poder

judiciário pode ser devida a essa importância atribuída ao trabalho como direito pelos

entrevistados, dentro de um conjunto de respostas que, se indica um aumento comparado

com pesquisas anteriores (como destaca Daniele, op.cit.), revela um ainda baixo conhecimento

dos direitos por parte daqueles. Nesse sentido, parece plausível supor que, para os

entrevistados, a capacidade de garantia dos seus direitos pelo poder judiciário, embora com

baixo impacto, é um dos critérios do mapa avaliativo e da confiança nessa instituição.

Ao mesmo tempo, no que se refere à cidadania, mais de 20% dos entrevistados a

associam com o “cumprimento de deveres e obrigações” e com “obedecer às leis”; e apenas

pouco mais de 10% mencionam direitos em sua definição e, ainda assim, de modos vagos e

esparsos (5,4% definem a cidadania como “ter seus direitos respeitados”; 2,2% “lutar por seus

direitos”; 1,3% “exercer direito de votar”; 1,2% “conhecer seus direitos” e 1,1% “poder exercer

direitos da Constituição”). Dessa forma, se “ser cidadão” é, antes de tudo, cumprir as leis e as

obrigações, e sendo o judiciário a esfera que garante o primado da lei (reconhecido como tal

pelos brasileiros), pode-se dizer que as interações entre a confiança no judiciário e o exercício

da cidadania explicam-se sobretudo pelas crenças de que os dois lados devem orientar sua

ação pela aplicação e obediência ao sistema legal e de que esse, por sua vez, é legítimo.

Embora de alcance limitado, em meio às contradições nas visões paradoxais dos brasileiros

sobre a justiça como instituição e suas concepções de cidadania, trata-se de um achado

importante no sentido da qualidade do regime democrático brasileiro, tendo em vista a

primazia do primado da lei na composição de sua estrutura e da difusão de valores liberais de

proteção dos direitos e de uma cultura legalista entre a opinião pública para que aquele

primado seja efetivo. Por outro lado, o cenário não sugere que essa cultura legalista entre os

brasileiros seja “cega”, pois, embora mais de 70% dos entrevistados concordem muito que a lei

deva ser obedecida sempre, essa dimensão não exerceu impacto nem sobre a confiança no

poder judiciário nem sobre as definições de cidadania pelos brasileiros. O tratamento dessa

dissociação, no entanto, vai além dos objetivos deste capítulo.

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26

ANEXO 1- Associações entre a procura pelo judiciário e dimensões da cidadania, avaliação da democracia e de suas instituições e perfil socioeconômico e demográfico dos entrevistados

Variáveis Sig. Coeficiente Contingência

Associação com a Procura por um Tribunal de Justiça

“Você acha que todos são iguais perante a lei ou que não há igualdade perante a lei no Brasil?”

,002 ,069 Significativa fraca

“Você diria que os brasileiros...as leis?” ,192 ,049 Não há associação

Concordância com a frase: “A lei deve ser obedecida sempre, qualquer que seja a circunstância’”.

,005 ,080 Significativa fraca

“Você diria que os brasileiros exigem os seus direitos?”

,002 ,085 Significativa fraca

“Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você diria que, na prática, os brasileiros conseguem fazer valer os seus direitos sempre, quase sempre, quase nunca ou nunca?”

,552 ,033 Não há associação

“Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes de suas obrigações?”

,294 ,043 Não há associação

“E dos seus direitos? Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes de seus direitos?”

,279 ,044 Não há associação

“E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito protegido, protegido, pouco protegido ou nada protegido?”

,980 ,010 Não há associação

“Você diria que está muito satisfeito, satisfeito, pouco satisfeito ou nada satisfeito com o funcionamento da democracia no Brasil?”

,022 ,070 Significativa fraca

“Você diria que tem muita confiança, alguma confiança, pouca confiança ou nenhuma confiança no PODER JUDICIÁRIO”

,127 ,054 Não há associação

“Você diria que tem muita confiança, alguma confiança, pouca confiança ou nenhuma confiança nas LEIS DO PAÍS”

,009 ,076 Significativa fraca

“Gostaria que você avaliasse a atuação de cada uma das seguintes instituições: PODER JUDICIÁRIO”

,886 ,024 Não há associação

GRAU DE INSTRUÇÃO ,000 ,117 Significativa fraca

RENDA MENSAL FAMILIAR ,019 ,095 Significativa fraca

FAIXA ETÁRIA ,000 ,147 Significativa fraca Fonte: “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” (FAPESP, junho, 2006). Nota 1: Nível de significância adotado: ,05 (em negrito, associações não significantes). Nota 2: O Coeficiente de Contingência, indicado para testar a associação entre variáveis nominais, baseia-se em escala que vai de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, melhor a correlação. Quando usado nas ciências sociais, valores de 0,10 a 0,15 indicam associação fraca, entre 0,15 e 0,20 associação regular e valores acima de 0,2 indicam correlação forte.

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27

ANEXO 2 -Variáveis dependentes nas regressões logísticas da Tabela 4

Variáveis

Você acha que todos os brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à justiça?

Sim 1 Não 0

Você acha que todos os brasileiros são iguais perante a lei? Sim 1

Não 0

Por favor, diga se você concorda ou discorda da seguinte afirmação: “A lei deve ser obedecida sempre, qualquer que seja a circunstância”

Concorda muito 1 Concorda pouco 1

Discorda pouco 0 Discorda muito 0

Você diria que os brasileiros ... as leis ? Cumprem muito 1 Cumprem 1

Cumprem pouco 1 Não cumprem 0

Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes de suas obrigações?

Muito Conscientes 1 Conscientes 1

Pouco conscientes 0 Nada conscientes 0

E dos seus direitos? Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes de seus direitos?

Muito Conscientes 1 Conscientes 1

Pouco conscientes 0 Nada conscientes 0

Você diria que os brasileiros exigem os seus direitos? Exigem muito, apenas exigem, exigem pouco ou não exigem seus direitos?

Exigem muito 1 Exigem 1

Exigem Pouco 1 Não exigem 0

Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você diria que, na prática, os brasileiros conseguem fazer valer os seus direitos sempre, quase sempre, quase nunca ou nunca?

Sempre 1 Quase sempre 1 Quase nunca 0

Nunca 0

E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito protegido, protegido, pouco protegido ou nada protegido?

Muito protegido 1 Protegido 1

Pouco protegido 1 Nada protegido 0

Se o voto não fosse obrigatório, você votaria nas próximas eleições para presidente da República?

Sim 1 Não 0

Fonte: “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” (FAPESP, junho, 2006).

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1

XI. POR QUE OS BRASILEIROS DESCONFIAM DA POLÍCIA? UMA ANÁLISE DAS CAUSAS DA DESCONFIANÇA NA INSTITUIÇÃO POLICIAL1

CLEBER LOPES DA SILVA

INTRODUÇÃO

A polícia é uma instituição central para a qualidade da democracia e a confiança um

elemento central para a qualidade do trabalho da polícia. Na condição de depositária das

reivindicações permanentes do Estado em monopolizar a força física, a polícia é uma das

principais responsáveis pelo primado da lei, uma das dimensões que integram uma democracia

de qualidade (O’DONNEL, 2004; E DIAMOND & MORLINO, 2005). É a polícia quem garante o

controle legal efetivo do Estado sobre o território, protege os direitos de cidadania contra

ameaças criminais e impõe lei e ordem. Para que desempenhe essas funções com eficiência, a

polícia depende da confiança dos cidadãos. Construir parcerias com a comunidade para a

prevenção da criminalidade, prender criminosos, investigar e solucionar crimes depende em

grande medida da cooperação dos cidadãos. Para que a cooperação exista é preciso que os

cidadãos confiem na polícia. Sem confiança não há cooperação, e sem cooperação a qualidade

do policiamento declina e uma das dimensões da democracia é afetada.

Embora a confiança na polícia seja importante para a qualidade do policiamento - e,

consequentemente, para a qualidade da democracia -, o fenômeno ainda carece de análises

teóricas mais aprofundadas (GOLDSMITH, 2005), pesquisas internacionais comparativas

(KÄÄRIÄINEN, 2007) e estudos que dêem conta de explicar os baixos níveis de confiança na

polícia nas novas democracias (IVKOVIC, 2008). As análises empíricas sobre a confiança e

desconfiança na polícia estão concentradas principalmente nos EUA, onde a polícia é apoiada

pela maioria da população, mas vista com desconfiança pelas minorias étnicas, sobretudo os

negros. Na literatura sobre as organizações policiais nas novas democracias latino-americanas, o

1 Versão preliminar deste texto foi apresentada no 7° Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política – ABCP, Recife,

04-07 ago. de 2010. Sou grato aos comentários de Lúcio Rennó. Agradeço também Leandro Piquet Carneiro e Umberto

Guarnier Mignozzetti pelas sugestões na parte estatística deste trabalho. A responsabilidade pela análise é inteiramente

minha

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2

tema da desconfiança na polícia aparece marginalmente como corolário do diagnóstico de que a

transição democrática na região não foi capaz de lograr uma polícia respeitosa dos direitos dos

cidadãos e eficiente no combate à criminalidade (CARDIA, 1997; MÉNDEZ ET. AL., 2000;

PANDOLFI ET. AL., 1999; PINHEIRO, 1997; E SOARES ET. AL., 1998). Embora o tema esteja

presente nessa literatura, estudos específicos que utilizem desenhos de pesquisa quantitativos

capazes de analisar em que medida a desconfiança na polícia está relacionada à ineficiência e à

arbitrariedade policial são raros. Estudos de natureza quantitativa sobre a desconfiança em

instituições públicas nas novas democracias têm considerado a polícia nas análises, mas ao lado

de outras instituições de modo a compor uma medida única de desconfiança em instituições

públicas (MISHLER & ROSE, 2001 E 2005; RENNÓ, 2001; MOISÉS & PIQUET, 2008). A variável

dependente desses estudos são as instituições públicas, um índice que pode incluir o parlamento,

os partidos políticos, o judiciário, o sistema legal, a polícia e as forças armadas. Análises focadas

na desconfiança na polícia nas novas democracias são escassas. Há, portanto, uma lacuna

importante a ser preenchida.

Esse trabalho visa contribuir para o preenchimento dessa lacuna através de um estudo

sobre a desconfiança dos brasileiros na polícia. Por que a maioria dos brasileiros desconfia da

polícia? Quais fatores explicam essa desconfiança? O objetivo deste artigo é descrever e analisar

as origens da desconfiança dos cidadãos brasileiros na instituição policial. Além dos dados da

pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Políticas, usados para descrever as

percepções dos brasileiros em relação à polícia, serão utilizados dados da Pesquisa Social

Brasileira de 2002 para testar, por meio de regressão logística, duas hipóteses: uma mais geral

aplicada ao caso da polícia, que sustenta que a desconfiança é explicada institucionalmente pela

incapacidade de uma instituição, em seu funcionamento concreto, sinalizar aos cidadãos

comprometimento com os valores e princípios que justificam a sua existência; e uma mais

específica, que defende que a desconfiança é explicada mais pela percepção pública de que a

polícia trata os cidadãos de maneira injusta do que pela percepção de que ela é pouco efetiva no

combate à criminalidade.

O trabalho está dividido em quatro partes e considerações finais. Na primeira parte é feita

a revisão da literatura dos estudos sobre confiança em instituições políticas em geral e dos

estudos específicos sobre confiança na polícia. Para o primeiro caso, a revisão privilegiou análises

referentes às novas democracias. Para o segundo caso, a revisão focou na literatura de língua

inglesa pertinente ao tema e disponível nos principais periódicos internacionais. A partir dessa

revisão é proposto, na segunda parte, um modelo analítico para pensar a desconfiança na polícia.

Na sequência são apresentados, discutidos e analisados os dados sobre a desconfiança na polícia

no Brasil. A quarta parte discute os resultados encontrados, retomando o debate com a

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3

literatura. Por fim, nas considerações finais, os achados do trabalho são sumarizados e algumas

implicações teóricas e práticas são destacadas.

A DESCONFIANÇA EM INSTITUIÇÕES POLÍTICAS

Desde os anos 80, estudos em diversas partes do mundo vêm documentando o

crescimento da desconfiança dos cidadãos em instituições públicas, entendida como uma

síndrome de atitudes que envolve principalmente cinismo e descrédito quanto ao funcionamento

das instituições políticas, especialmente as de representação. O fenômeno ocorre tanto nas

velhas quanto nas novas democracias, embora haja variações significativas entre os países e

entre instituições no interior dos países.

Parte da literatura contemporânea de ciência política tem se voltado para o

entendimento das origens e consequências desse fenômeno para a democracia. A análise das

consequências da desconfiança têm se orientado por uma perspectiva teórica que, inspirada na

diferenciação proposta décadas atrás por Easton entre apoio difuso e apoio específico, sustenta

que o fenômeno da desconfiança é apenas uma das várias formas de apoio político. Uma das

formulações teóricas mais influentes a esse respeito foi feita por Pippa Norris (1999), que

diferenciou cinco modalidades de apoio: 1) à comunidade, que remete à vinculação dos cidadãos

à nação; 2) à democracia como um ideal, referente à adesão a democracia em contraposição a

outros regimes políticos; 3) ao desempenho prático da democracia, que diz respeito à satisfação

dos cidadãos com o regime enquanto tal; 4) às instituições, que aponta para o grau de confiança

dos cidadãos em instituições públicas; e 5) aos governos e/ou lideranças políticas. A partir dessa

diferenciação, os estudos têm procurado entender as conseqüências da desconfiança em

instituições para outras formas de apoio político, especialmente o apoio ao regime político per se

e à democracia enquanto ideal (MISHLER & ROSE, 2005; MOISÉS & PIQUET, 2008).

Os estudos sobre as origens da desconfiança em instituições, por sua vez, têm se

desenvolvido a partir de duas tradições teóricas: a culturalista e a institucionalista. Os teóricos

culturalistas têm argumentado que a confiança em instituições políticas é um fenômeno

exógeno, originado a partir da cultura política aprendida pelos indivíduos, manifesta inicialmente

em termos de confiança interpessoal e depois projetada para o âmbito institucional. Os autores

filiados a essa perspectiva consideram que uma cultura cívica com altos níveis de confiança

interpessoal e institucional é vital para a democracia, quando não condição para a sua existência.

Já para os institucionalistas, a confiança política é tida como um fenômeno endógeno, ou seja,

uma resposta racional dos indivíduos ao desempenho das instituições. Para esses autores, o

apoio à democracia é o resultado das expectativas utilitárias dos cidadãos acerca do bom

desempenho político e econômico das instituições do regime. Mais recentemente, alguns

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4

autores têm empreendido esforços para aproximar e integrar essas duas tradições teóricas. É o

caso de Mishler & Rose (2001) e Moisés (2005).

Mishler & Rose (2001) formularam um modelo, chamado de “aprendizado ao longo da

vida”, segundo qual a confiança interpessoal pode se desenvolver durante a socialização infantil

e posteriormente ser projetada para as instituições, como sustentam as teorias culturalistas. Mas

essa predisposição inicial para confiar ou desconfiar em instituições pode ser reforçada ou

revisada na fase adulta, a depender da extensão com que os aprendizados iniciais são desafiados

ou confirmados. Este modelo foi testado com dados de 10 países pós-comunistas. Os autores

consideraram que em sociedades estáveis e com instituições duráveis, a experiência adulta tende

a reforçar as crenças infantis, logo, predições institucionais e culturais sobre a confiança

coincidiriam. Mas, em sociedades cujas instituições passam por grandes mudanças, caso dos

países pós-comunistas, isso tenderia a não ocorrer e teorias institucionais e culturais poderiam,

de fato, fornecer explicações muito diferentes, até mesmo contraditórias, para a confiança

política. Os resultados dos testes estatísticos apoiaram fortemente as explicações institucionais

sobre as origens da confiança política. Os autores concluíram que a confiança em instituições era

substancialmente endógena e amplamente determinada pelo desempenho econômico e político,

mas essa determinação era mediada no nível micro pelas percepções e valores dos indivíduos. Os

autores explicaram esse resultado do seguinte modo: nas sociedades pós-comunistas, embora

tenha se formado uma malha de laços estreitos com famílias e amigos, ela não pôde criar

confiança institucional porque os regimes pós-comunistas controlaram as instituições de

intermediação da sociedade; confiança interpessoal e confiança política permaneceram

apartadas.

Moisés (2005 e 2008) também vem defendendo uma integração entre teorias culturais e

institucionais para tratar o problema da desconfiança em instituições políticas. Com base em

Easton e Offe (1999), o autor tem defendido que as instituições não são neutras, e sim um

conjunto de regras e procedimentos que exprimem valores e princípios derivados de escolhas

realizadas em contextos sociais e culturais específicos, os quais oferecem repertório e contorno

para essas escolhas. Nessa perspectiva, a confiança ou a desconfiança em instituições dependeria

da avaliação dos cidadãos de que as instituições atuam em conformidade aos valores e princípios

que justificaram a sua criação. Assim, por um lado, os indivíduos avaliariam as instituições com

base em percepções adquiridas no contexto social mais amplo sobre o que vem a ser a missão

fundamental atribuída a elas (motivação culturalista). Por outro, os cidadãos fariam avaliações

racionais acerca do desempenho das instituições, possíveis graças à experiência política

adquirida ao longo da vida adulta (motivações racionais). É do julgamento decorrente da

experiência dos cidadãos com as instituições, influenciado pela percepção fornecida pela cultura

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5

política, que se formariam as atitudes de apoio ou falta de apoio político em suas várias

dimensões.

Com base nessa perspectiva teórica e a partir de dados do Latinobarômetro coletados no

Brasil e mais 17 países latino-americanos para os anos de 1997, 2000 e 2001, Moisés & Piquet

(2008) analisaram os determinantes da satisfação com a democracia e da desconfiança política,

bem como a convivência contraditória entre a desconfiança dos cidadãos nas instituições

democráticas, a sua insatisfação com o desempenho do regime e o apoio à democracia como um

ideal. Em relação aos determinantes da desconfiança, os autores encontraram que a avaliação

dos indivíduos sobre as instituições determinavam tanto o nível de desconfiança quanto a

insatisfação com regime, mas fatores relacionados à cultura política e ao desempenho do regime

também influenciavam a formação daquelas atitudes. A partir desses resultados, os autores

argumentaram que a desconfiança parece ser influenciada pela experiência dos cidadãos com as

regras, normas e procedimentos que decorrem do princípio de igualdade de todos perante a lei.

Assim, concluíram que as instituições ganham a confiança dos cidadãos desde que sejam capazes

de sinalizar universalismo, imparcialidade, justeza e probidade, assegurando assim que os

interesses dos cidadãos sejam efetivamente considerados.

Os estudos citados acima são importantes, especialmente pela abordagem teórica que

propõem para explicar as origens e consequências da desconfiança em instituições políticas. Mas

o fato de as análises empíricas serem realizadas tendo como variável dependente um índice que

reúne instituições com características muito distintas, caso das instituições do sistema de justiça

(judiciário e polícia) e as instituições de representação política (partidos e parlamento), dificulta a

análise de questões particulares ao funcionamento de cada uma dessas instituições. Testar as

hipóteses propostas por essa literatura considerando as especificidades de cada uma das

instituições políticas relevantes para a democracia é um caminho alternativo e promissor para os

estudos empíricos relativos ao tema. Considerando essa alternativa e visando definir com mais

precisão as variáveis explicativas relevantes para analisar as causas da desconfiança na polícia,

faz-se na sequência a revisão de parte da literatura que tem analisado as atitudes públicas em

relação à polícia.

A DESCONFIANÇA NA INSTITUIÇÃO POLICIAL

Na literatura de língua inglesa sobre policiamento, a desconfiança dos cidadãos em

relação à polícia é apenas uma das diversas atitudes que vêm sendo investigadas pelos

pesquisadores. Numa perspectiva mais ampla, vários autores têm tentado entender as origens e

as implicações das atitudes negativas dos cidadãos em relação à polícia. Os termos genéricos

“atitudes”, “percepções”, “visões” e “apoio” têm sido usados de maneira pouco rigorosa para

apontar uma síndrome de atitudes e comportamentos relativos ao desempenho, confiabilidade,

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6

respeitabilidade, integridade, imparcialidade e equidade dos serviços policiais. Rosenbaum et. al

(2005), por exemplo, analisou os efeitos dos contatos diretos e indiretos com a polícia sobre o

que chamou de “atitudes em relação à polícia”. Essas atitudes envolviam as percepções da

população sobre o desempenho da polícia em termos de resposta às demandas da comunidade,

prevenção da criminalidade e educação no trato com os moradores. Ivkovic (2008), por sua vez,

num dos poucos estudos internacionais comparativos sobre o tema, analisou os determinantes

do que chamou de “apoio público à polícia”, um conceito que abarcava as percepções dos

cidadãos sobre a confiabilidade e o desempenho da polícia no combate ao crime.

Outros estudos têm se dedicado a analisar atitudes específicas tais como a legitimidade e

a confiança. Tyler e colaboradores (TYLER, 2004; SUNSHINE & TYLER, 2003 E TYLER & HUNO,

2002), Murphy et. al. (2008) e outros, por exemplo, analisaram recentemente as origens e as

consequências das percepções dos indivíduos sobre a legitimidade da polícia. Nesses estudos, a

legitimidade foi definida como o atributo que confere a uma instituição ou autoridade o direito

de ter os seus comandos obedecidos. Apesar dessa definição, a operacionalização do conceito

incluía não apenas questões referentes à disposição das pessoas em obedecer à polícia.

Questões relativas à confiança e aos sentimentos afetivos dos entrevistados em relação à

instituição policial também foram usadas para mensurar a legitimidade, tornando o conceito

confuso, como observou Hawdon (2008).

Já autores como Cão. et. al. (1996), Kääriänen (2007) e Goldsmith (2005) discutiram as

atitudes de confiança e desconfiança dos cidadãos em relação à polícia. Cão et. al. buscou

entender os determinantes da confiança na polícia, que foi mensurada através de questões

relativas à crença dos entrevistados sobre a polícia ser responsiva, preocupada com a segurança

da vizinhança, capaz de manter a ordem e proteger os cidadãos contra o crime. Kääriänen, num

estudo comparativo sobre a confiança na polícia em 16 países europeus, procurou analisar o

fenômeno na mesma linha da literatura de ciência política discutida anteriormente. O conceito de

confiança, neste caso, foi operacionalizado a partir da questão usualmente empregada em

surveys de ciência política para mensurar esse fenômeno, ou seja, uma pergunta na qual o

entrevistado, após observar um cartão com várias instituições públicas e algumas privadas, é

questionado a respeito do seu grau de confiança em cada uma das instituições2. Goldsmith, por

sua vez, não realizou análise empírica; apenas explorou teoricamente a noção de confiança e sua

relação com o policiamento tendo em vista a questão da reforma da polícia nos países pós-

autoritários. Do mesmo modo que Kääriänen, Goldsmith também partiu da literatura mais ampla

2 Nos surveys de ciência política essa questão tem sido mensurada tanto em escalas ordinais quanto contínuas. No

trabalho de Kääriänen foi utilizada uma escala contínua. Pedia-se para o entrevistado atribuir uma nota de 0 a 10 para

cada uma das instituições perguntadas, sendo que 0 significava nenhuma confiança e 10 confiança total.

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7

sobre confiança política para discutir os fatores estruturais e de desempenho que concorreriam

para gerar desconfiança na polícia em sociedades com democracias não-consolidadas.

Independentemente do foco da análise ser as atitudes gerais dos cidadãos em relação à

polícia ou atitudes específicas que remetem à legitimidade e a confiabilidade desta instituição

(variáveis dependentes), esses fenômenos têm sido explicados basicamente através de variáveis

de três tipos: sóciodemográficas, contextuais e institucionais. Recentemente, Goldsmith (2005)

propôs algumas variáveis explicativas histórico-estruturais, mas pouco foi dito sobre como testá-

las.

Ao nível individual, os trabalhos têm dado atenção ao impacto da identidade étnica (ou

raça, como a maior parte da literatura americana prefere), condição sócio-econômica, idade,

gênero e contato com a polícia sobre as atitudes dos cidadãos em relação a esta instituição.

Como informaram Brown e Bento (2002) em artigo que revisou mais de 100 trabalhos sobre o

tema, a única variável individual em torno da qual parece haver algum consenso quanto ao

impacto nas percepções dos cidadãos sobre a polícia é a idade. Os estudos são praticamente

unânimes em afirmar que os mais jovens vêem a polícia mais negativamente do que os mais

velhos. Segundo Brown e Bento (2002, p. 558), uma explicação possível para esse fenômeno é

que os jovens tendem a valorizar e se engajar com mais freqüência em comportamentos ilegais.

Como a polícia atua na domesticação de tais comportamentos, os jovens a veriam de modo mais

crítico. Correia et. al. (1996) também deu relevo à explicação semelhante. Segundo ele, os

indivíduos mais jovens tendem a valorizar a sua liberdade, enquanto outros grupos etários são

mais orientados para a segurança. Outra explicação possível prende-se ao fato de alguns dos

principais problemas criminais estarem concentrados na população mais jovem, razão pela qual

as pessoas com esse perfil demográfico estariam mais propensas a terem contatos negativos

com a polícia (CORREIA ET. AL, 1996, p. 18).

O argumento de que populações supostamente super-representadas no universo

criminal, seja como vítimas ou perpetradores de crimes, teriam mais contatos negativos com a

polícia e por isso cultivariam visões mais negativas sobre esta instituição também tem sido usado

para explicar os achados de muitos outros estudos de que pessoas do sexo masculino, de baixa

renda e negras têm uma percepção menos favorável da polícia. De fato, ao menos em relação

aos homicídios, tantos nos Estados Unidos quanto no Brasil as pesquisas de vitimização e os

dados do Sistema de Justiça Criminal apontam que as vítimas e os ofensores são homens, jovens,

não-brancos (negros e pardos) e de baixa renda e escolaridade. No caso do Brasil, sabemos que

homens entre 15 e 39 anos representam mais de 70% do total de vítimas de homicídio intencional

e mais de 90% das vítimas de sexo masculino (Musumeci, 2002). Por outro lado, também há

evidências de que pessoas com esse perfil demográfico e sócio-econômico são os alvos

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8

preferenciais das ações policiais. Nos Estados Unidos existe farta evidência de filtragem racial

(racial profiling) em abordagens policiais. Em rodovias, por exemplo, estudos mostram que

motoristas negros são muito mais parados do que motoristas brancos. Surveys de opinião

também mostram que os negros têm cinco vezes mais chances de narrarem uma situação na

qual foram desrespeitados pela polícia do que os brancos (WEITZER E TUCH, 1999). No Brasil,

pesquisa realizada por Ramos e Musumeci (2004) na cidade do Rio de Janeiro encontrou indícios

de que, nas abordagens policiais, a probabilidade de ser vítima de ameaça, intimidação, coação e

violência física ou psicológica é maior para os jovens, negros e pobres.

Contudo, na literatura inglesa sobre policiamento não há consenso em relação ao

argumento de que pessoas do sexo masculino, negras e de baixa condição sócio-econômica são

mais suscetíveis a contatos negativos com a polícia e, por essa razão, mais desconfiadas. No caso

da identidade étnica, por exemplo, a grande maioria dos surveys realizados nos Estados Unidos e

Inglaterra indicam que as minorias, especialmente os negros, têm visões mais negativas da

polícia do que os brancos3. Todavia, pesquisas recentes conduzidas em áreas metropolitanas

racialmente diferentes indicam que os efeitos da raça são influenciados não apenas pela variável

contato com a polícia, mas também por outras variáveis contextuais relacionadas às condições

de vizinhança e das cidades. Os estudos sobre os efeitos do contato com a polícia, por sua vez,

também não são unânimes. Como observaram Brown e Bento (2002), muitos estudiosos

encontraram uma ligação entre contatos negativos com a polícia e percepções negativas sobre a

polícia, mas esses estudos estão baseados na avaliação subjetiva dos entrevistados acerca da

natureza do contato que tiverem com a polícia. No mais, alguns estudos indicam que ter

passagem pela polícia e receber uma autuação de trânsito não produz avaliações negativas sobre

a polícia, como era esperado.

As pesquisas relativas ao impacto das variáveis contextuais também têm produzido

resultados múltiplos, como mostraram Brown e Bento (2002). As principais variáveis que os

estudiosos têm considerado em seus modelos são: experiência de vitimização, medo do crime e

percepções sobre as condições de segurança da vizinhança. A suposição por trás dessas variáveis

é a de que nos contextos em que o crime ou os sinais de desordem são mais salientes na vida das

pessoas, a confiança na polícia é prejudicada. Os estudos empíricos, no entanto, não são

consensuais a respeito dos efeitos dessas variáveis. Cao et. al. (1996), por exemplo, testou o

impacto das varáveis contextuais (i) percepções dos cidadãos sobre desordem na vizinhança, (ii)

disposição para prover segurança coletiva informalmente, (iii) experiência de vitimização e (iv)

medo do crime sobre a confiança na polícia e descobriu que, quando testadas conjuntamente,

3 Nos Estados Unidos, a maior parte das pesquisas que incluíram os hispânicos na análise também apontaram que eles

vêem a polícia mais negativamente do que os brancos, embora não tão negativamente quanto os negros.

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9

somente as duas primeiras variáveis tinham poder explicativo; raça também não apresentou

nenhuma relação significativa com as atitudes dos cidadãos em relação à polícia. Outros estudos

detectaram uma ligação entre vitimização e avaliações negativas da polícia, mas alguns trabalhos

não encontraram essa relação ou a encontraram em sentido oposto ao esperado. Este último

caso foi constatado por Thurman e Reisig (apud. BROWN E BENTO, 2002, p. 555), que numa

determinada cidade descobriram que as vítimas de crime avaliavam a polícia menos

positivamente do que as não vítimas, resultado que se mostrou inverso quando o estudo foi

replicado em outra cidade. Sobre o medo de vitimização, vários estudos também encontraram

que os entrevistados que temiam o crime em sua vizinhança avaliavam a polícia negativamente,

mas outros estudos não detectaram correlação entre medo do crime e atitudes em relação à

polícia.

No que diz respeito às variáveis de percepção institucional, as evidências estão mais bem

consolidadas. Estudos nesse campo têm focado nos determinantes da legitimidade e

confiabilidade da polícia. Além do contato com a polícia, as principais variáveis institucionais que

têm sido exploradas são as referentes aos julgamentos de desempenho da polícia em termos de

combate ao crime e as avaliações sobre o modo como a polícia exerce sua autoridade e se

relacionada com os cidadãos (distributive justice e procedural justice). A hipótese amplamente

respaldada pelos estudos empíricos é a de que a credibilidade e a legitimidade da polícia são

determinadas principalmente pelos julgamentos da população a respeito dos procedimentos

utilizados pela polícia ao lidar com o público: se esses procedimentos são percebidos como

corretos e justos, a polícia é considerada legítima e confiável (MASTROFSKI ET. AL., 1996; TYLER

& HUO, 2002; TYLER, 2004; MURPHY ET. AL., 2008). Tyler & Huo (2002), por exemplo, num

estudo com moradores de Oakland e Los Angeles constataram que as avaliações sobre

procedural justice produziam efeitos mais forte sobre as percepções de legitimidade da polícia do

que os julgamentos sobre desempenho ou qualquer outra variável demográfica. Sunshine & Tyler

(2003) encontraram resultados semelhantes em surveys aplicados na cidade de Nova Iorque.

Murphy et. al. (2008) também chegou à mesma conclusão ao analisar uma amostra de uma

cidade de médio porte da Austrália. Em conjunto, esses resultados sugerem que a confiabilidade

e a legitimidade da polícia dependem primordialmente das percepções dos cidadãos sobre o

modo como a polícia exerce sua autoridade, independentemente do impacto das demais

variáveis individuais, contextuais e de percepção institucional.

Visto em conjunto, os trabalhos de língua inglesa sobre policiamento mostram que, com

exceção das variáveis de percepção institucional, há pouco consenso a respeito de quais seriam

os determinantes das atitudes dos cidadãos em relação à polícia. Sabe-se também pouco sobre

os determinantes de atitudes específicas tais como desconfiança, não aceitação ou insatisfação

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em relação ao desempenho da polícia. Isso porque, diferentemente da literatura sobre a

desconfiança em instituições políticas em geral, que tem trabalhado com uma perspectiva teórica

multidimensional na qual as atitudes políticas dos cidadãos são decompostas e analisadas em

suas várias dimensões e inter-relações, a literatura específica sobre policiamento tem abordado

as atitudes dos cidadãos em relação à polícia de maneira genérica e até mesmo confusa. Vários

trabalhos dessa literatura reconhecem a existência de diferentes atitudes em relação à polícia,

mas essas atitudes estão por vezes subsumidas em categorias analíticas mal definidas ou

demasiadamente genéricas. Como dito, essa literatura está mais preocupada em explorar os

determinantes das visões negativas em relação à polícia do que distinguir entre atitudes distintas

para então analisá-las separadamente.

UM MODELO PARA ANALISAR AS CAUSAS DA DESCONFIANÇA NA POLÍCIA

Analogamente ao modo como Norris (1999), Moisés (2005 e 2008) e outros têm tratado

as atitudes de apoio político, este trabalho parte da premissa de que as atitudes dos cidadãos em

relação à polícia também devem ser encaradas de forma multidimensional. Do ponto de vista

teórico é possível distinguir ao menos três conjuntos de atitudes e comportamentos que

remetem a diferentes aspectos da existência e funcionamento das instituições policiais: (i) as

atitudes de aceitação e rejeição da polícia, que indicariam em que medida a instituição policial é

legítima; (ii) as atitudes de confiança e desconfiança, que apontariam para o grau em que a

polícia atua em conformidade aos valores e princípios que justificam a sua existência; e (iii) as

atitudes de satisfação e insatisfação, que remeteriam ao desempenho momentâneo da polícia no

combate ao crime. Ao invés de considerar que (não) aceitação, (des)confiança e (in)satisfação

com o trabalho da polícia são atitudes que compõem um único construto analítico, parte-se aqui

do pressuposto de que essas atitudes são teoricamente distintas e que, portanto, devem ser

analiticamente separadas. Essa distinção é fundamental para que se entendam as inter-relações

dessas três atitudes, suas implicações e quais fatores concorreriam para sua existência.

O foco deste trabalho está nas atitudes individuais de desconfiança dos cidadãos em

relação à polícia. Tendo como referência autores como Offe (1999), Norris (1999) e Moisés (2005

e 2008), sustenta-se que essas atitudes estão baseadas na percepção dos indivíduos de que a

polícia, em seu funcionamento concreto, não corresponde às expectativas éticas e normativas

associadas à sua existência. Entendida nesses termos, a desconfiança difere das atitudes de não

aceitação da polícia, que estão ancoradas na crença dos cidadãos de que a polícia e seus

procedimentos não constituem a forma mais apropriada para a manutenção da ordem e provisão

de segurança vis-à-vis a outras formas alternativas: vigilantismo, narcotráfico, gangues, grupos

de extermínio, milícias, segurança privada, etc. As atitudes de desconfiança também diferem das

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atitudes de insatisfação com a polícia, que estão baseadas em avaliações negativas,

instrumentais e momentâneas acerca dos resultados obtidos pela polícia no combate ao crime

(desempenho da polícia). Enquanto as atitudes de aceitação ou rejeição da polícia constituiriam

um indicador direto de legitimidade, e as atitudes de satisfação ou insatisfação um indicador da

percepção de desempenho, as atitudes de confiança e desconfiança indicariam a confiabilidade

da polícia, ou seja, o grau em que a polícia é percebida como sendo capaz de cumprir

adequadamente com sua missão institucional: implementar lei e ordem com respeito às regras

que regem o devido processo legal. Assim, a desconfiança seria uma atitude intermediária,

situada entre a não-aceitação e a insatisfação com a polícia. Aproximar-se-ia da noção de

insatisfação pelo fato de ser uma atitude negativa em relação à instituição policial, mas se

distanciaria por não expressar uma avaliação momentânea e meramente instrumental, e sim uma

percepção mais persistente e ao mesmo tempo racional e valorativa. Neste aspecto, a

desconfiança estaria mais próxima à atitude de não-aceitação, que é fortemente valorativa e por

isso mais estável no tempo. Mas, diferentemente da não-aceitação, a desconfiança não implicaria

numa atitude ou comportamento de rejeição da polícia. A desconfiança implicaria apenas em

atitudes de cinismo e descrédito quanto ao funcionamento da instituição policial.

Embora teoricamente faça sentido diferenciar insatisfação, desconfiança e rejeição à

polícia, é importante reconhecer que essas três atitudes podem aparecer fortemente associadas.

A insatisfação continuada pode levar à desconfiança, pois sinalizaria aos cidadãos que a polícia é

incapaz de prover segurança e assim fazer jus a sua razão de ser. A desconfiança na polícia, por

sua vez, pode levar a uma atitude de rejeição a esta instituição e ao apoio ou aceitação de

métodos alternativos e antidemocráticos de controle do crime. Como pesquisas etnografias nos

Estados Unidos e no Brasil constataram, populações expostas à violência criminal de grande

intensidade e descrentes na intervenção saneadora da polícia tendem a demandar ordem à

margem da lei (PAIXÃO, 1991; CARDIA, 1997; MACHADO E NORONHA, 2002; OLIVEIRA ET. AL.,

2008; SHIRLEY, 1997, dentre outros). No caso de uma desconfiança extremada, essa demanda

pode se traduzir em rejeição à polícia e apoio a ações de atores não-estatais que se disponham a

prover segurança. Foi o que descobriu, por exemplo, Shirley (1997) em estudo realizado entre

1985 e 1988 na maior favela de Porto Alegre. A autora constatou que o temor e ódio da

população em relação à polícia levaram os moradores a recorrer à gangue local para resolver os

problemas de segurança da comunidade. Evidentemente, isso só foi possível porque a população

confiava mais na gangue local (elementos nativos) do que na polícia.

Dado esse entendimento de desconfiança, a hipótese principal a ser analisada por este

trabalho é a de que a desconfiança na polícia é explicada por déficits institucionais, e não

contextual, cultural ou sócio-demograficamente. As razões para os cidadãos desconfiarem da

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polícia não estariam em fatores ambientais associados às condições de segurança da vizinhança.

Também não estariam em fatores culturais relacionados à maior ou menor confiança

interpessoal, ou ainda em fatores de natureza sócio-demográfica. As explicações para os

indivíduos desconfiarem da polícia residiriam na própria polícia. Como vem sustentando Offe

(1999), Norris (1999) e Moisés (2005 e 2008), as instituições inspiram confiança quando,

coerentes com seus fundamentos legais e sua legitimidade, sinalizam imparcialidade,

universalismo, probidade e justeza na relação com os cidadãos. Contrariamente, despertam

desconfiança quando são percebidas como parciais, anti-republicanas, corruptas e injustas. No

caso da polícia, a desconfiança ocorreria diante das situações em que os cidadãos percebem que

seus direitos são desrespeitados em nome do combate à criminalidade, ou quando percebem

que a polícia é incapaz de controlar o crime, ou ainda quando estão convencidos da existência do

que Paixão e Beato (1997) chamaram de uma polícia de gente, dócil em relação aos privilégios de

classe e status, e uma polícia de moleque, nunca hesitante em usar o chicote para a domesticação

das rebeldias individuais e coletivas das classes baixas. Assim, tratamento desrespeitoso e

desigual, corrupção, uso abusivo da força, discriminação, incapacidade de controlar o crime e

outros déficits de natureza institucional explicariam por que os cidadãos desconfiam da polícia.

Na esteia da literatura anglo-saxão sobre policiamento, a hipótese secundária a ser

testada por este trabalho é a de que os déficits institucionais percebidos pela população não

produzem desconfiança de maneira uniforme. Nos termos dos trabalhos de Tyler e

colaboradores, sustenta-se que a dimensão procedural e distributive justice têm mais impacto

sobre a confiabilidade da polícia do que a dimensão desempenho. Em outras palavras, as

percepções públicas sobre o modo como a polícia exerce sua autoridade e se relaciona com os

cidadãos é o fator mais importante para a conformação das atitudes de confiança e

desconfiança, embora o desempenho da polícia no combate à criminalidade também importe. A

desconfiança seria explicada principalmente pela percepção pública de que a polícia não trata os

cidadãos de maneira justa e legal.

ANÁLISE DOS DADOS

A DESCONFIANÇA NA POLÍCIA NO BRASIL

Estudos anteriores baseados em dados do Latinobarômetro já haviam apontado que os

níveis de confiança em instituições políticas nas novas democracias latino americanas, incluindo o

Brasil, são baixos (LAGOS, 1997; RENNÓ, 2001; LOPES, 2004; E MOISÉS, 2008). Os dados da

pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas confirmam o fenômeno,

como mostra o gráfico 1. As instituições de representação são as que apresentam o maior nível

de desconfiança, com destaque para os partidos - apenas 19% dos brasileiros dizem ter muita ou

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alguma confiança em partidos políticos. Empatados em quarto lugar estão o sistema legal e a

polícia. Cerca de 62% dos brasileiros desconfiam da polícia e das leis. O fenômeno não é particular

ao Brasil. A desconfiança na polícia e nas demais instituições políticas também é elevada nos

países pós-comunistas, como mostraram Ivkovic (2008) e Mishler e Rose (2001 e 2005). Para os

países desenvolvidos da Europa e América do Norte, no entanto, esses resultados são invertidos

quando se considera apenas a polícia: 2/3 ou mais dos cidadãos confiam na polícia. No caso da

Suécia, Finlândia e Canadá, mais de 80% das pessoas dizem ter muita ou alguma confiança na

polícia (IVKOVIC, 2008).

A elevada desconfiança na polícia contrasta com o reconhecimento de que a polícia é

uma instituição fundamental para o país, o que pode ser considerado um indicador de

legitimidade. Quase 90% das pessoas acreditam que a polícia deva existir para o país ir em frente

(gráfico 2). A atuação da polícia também é percebida de uma forma mais positiva do que sua

confiabilidade: 43% consideram ótima ou boa sua atuação, 15% consideram regular e 42% vêem-na

como ruim ou péssima (gráfico 3). Esses dados indicam o quão complexa são as atitudes dos

cidadãos em relação à polícia e também a pertinência de tratá-las separadamente. A aceitação da

instituição policial, o grau de confiança e de satisfação com a sua atuação não são atitudes que se

equivalem e se distribuem igualmente entre a população, embora em determinadas situações

essas atitudes possam se associar fortemente.

Gráfico 1. Confiança e Desconfiança em Instituições Públicas - Brasil (2006)

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Partidos Políticos

Congresso Nacional

Governo

Leis do país

Polícia

Presidente

Poder Judiciário

Forças Armadas

Bombeiros

Confiança* Desconfiança**

Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas

* "Muita confiança" e "alguma confiança"; exclui os que não responderam e os que não souberam responder; ** "Pouca confiança" e "nenhuma confiança"; exclui os que não responderam e os que não souberam responder.

%

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14

Mas quando os cidadãos brasileiros dizem ter pouca ou nenhuma confiança na polícia, de

qual polícia estão falando? A Constituição Federal de 1988, em seu art. 144, estabeleceu cinco

órgãos policiais no Brasil: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal,

Polícias Civis e Polícias Militares4. Dentre essas forças policiais, destacam-se três: as Polícias

Militares, as Polícias Civis e a Polícia Federal. As duas primeiras são organizadas pelos estados e

são as que os cidadãos comuns têm mais contato. A Polícia Militar é incumbida do policiamento

ostensivo e, por isso, está em contato permanente e intenso com o público5. A Polícia Civil é

4 Os corpos de bombeiros foram definidos como parte das Polícias Militares.

5 Dentre as dezenas de funções efetivamente desempenhadas pelas Polícias Militares estão as de: i) realizar operações

para a captura de criminosos ou apreensão de armas, drogas ou contrabando no estado em que atua; ii) atender

diretamente a população, ajudando no transporte de doentes, na orientação de pessoas em dificuldades, na pacificação

de disputas domésticas, no encaminhamento da população carente aos órgãos responsáveis por problemas de

saneamento, habitação, etc; iii) fazer o policiamento especializado em áreas turísticas, estádios, grandes eventos e

festas populares; iv) controlar e orientar o trânsito, mediante convênios com as prefeituras; iv) fiscalizar e controlar a

Gráfico 2. Importância da Polícia em Comparação com Outras Instituições - Brasil (2006)

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Presidente da República

Tribunais de Justiça

Prefeituras

Polícia

Governadores

Ministros

Partidos Políticos

Deputados e Senadores

Tem que ter para o país ir em frente Não tem que ter para o país ir em frente

Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas

* Exclui os que não souberam responder e os que não responderam

%

Gráfico 3. Avaliação da Atuação da Polícia - Brasil (2006)

Ótima 3%

Regular 15%

Ruim 31%

Péssimo 11%

Boa 40%

Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas

* Exclui os que não souberam responder e os que não responderam

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responsável pela investigação de crimes e pelo papel de polícia judiciária nos estados. Seu

contato com o público é menos intenso e geralmente ocorre quando é demanda para a

instauração de procedimento investigatório sobre crimes ou para realizar identificação civil nos

estados onde mantém órgão para isso. A Polícia Federal, força policial organizada pela União, é

mais especializada em suas atribuições e por isso menos presente no cotidiano dos cidadãos.

Dentre as atribuições constitucionais da Polícia Federal estão as de: i) apurar infrações penais

contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de

suas entidades autárquicas e empresas públicas, bem como outras infrações cuja prática tenha

repercussão interestadual ou internacional; ii) prevenir e reprimir o tráfico ilícito de

entorpecentes, o contrabando e o descaminho; iii) exercer as funções de polícia marítima,

aeroportuária e de fronteiras; iv) e exercer o papel de polícia judiciária da União. Dadas essas

atribuições, os cidadãos tendem a ter pouco contato com a Polícia Federal, que interage mais

intensamente com o público em situações relacionadas ao deslocamento de pessoas para além

das fronteiras territoriais brasileiras: emissão de passaportes, checagem em postos de fronteira,

etc. Todavia, a Polícia Federal adquiriu grande visibilidade a partir de 2003 através de operações

especiais de combate à corrupção e outros crimes de colarinho branco. Assim, é difícil saber ao

certo se quando os cidadãos são questionados a respeito da polícia respondem tendo em mente

a atuação de uma dessas forças policiais específicas ou se avaliam o conjunto das instituições

incumbidas de manter a ordem e prover segurança pública: a instituição polícia de forma

genérica.

Há índicos de que a maioria dos cidadãos avalia a polícia de uma forma genérica,

considerando aquelas instituições que estão mais próximas do seu dia-a-dia: a Polícia Militar e a

Polícia Civil. Parece também que a desconfiança na polícia é um fenômeno com alguma

estabilidade no tempo. Dados da Pesquisa Social Brasileira (PESB) de 2002 mostram que naquele

ano mais de 2/3 dos cidadãos também desconfiavam da polícia. Quando os entrevistados foram

questionados diretamente sobre se a polícia inspirava confiança ou não inspirava confiança,

67,3% dos que responderam a essa questão disseram que ela não inspirava confiança. Perguntas

específicas sobre a confiança na Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Federal na PESB de 2002

trazem um grande número de casos missing (pouco mais da metade da amostra), mas dentre os

que responderam cerca de 75% disseram “não confiar” e “confiar pouco” na Polícia Militar e na

frota de veículos, em ações integradas com outros órgãos públicos; v) atuar na preservação da flora, da fauna e do meio

ambiente, através de batalhão especializado; iv) fazer o serviço de segurança externo das unidades prisionais e na

escolta de presos de alta periculosidade; v) fazer serviços de segurança de Fóruns de Justiça; vi) apoiar oficiais de Justiça

em situações de reintegração de posse e outras determinações judiciais com risco; vii) trabalhar na segurança de

dignitários, de testemunhas ou pessoas sob ameaça; viii) apoiar órgãos públicos, estaduais e municipais, em atividades

como ações junto à população de rua e trato com crianças e adolescentes em situação de risco social, etc.

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Polícia Civil. A Polícia Federal saiu-se melhor, mas mesmo assim a maioria da população

desconfiava desta instituição em 2002 - 59,3% disseram não confiar e confiar pouco (gráfico 4).

O caso da Polícia Federal parece bastante singular não apenas por esta instituição

apresentar níveis de desconfiança diferentes daqueles das forças policiais estaduais, mas

também por pesquisas recentes patrocinadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

apontarem que a Polícia Federal atualmente disputa com as Forças Armadas o posto de

instituição pública mais confiável do país. A partir de uma amostra representativa da população

adulta brasileira com acesso à rede telefônica, sondagens realizadas em nome da AMB em 2007 e

2008 mostraram que a Polícia Federal detinha a confiança de 75,5% e 70% da população,

respectivamente. O crescimento vertiginoso da confiança na Polícia Federal entre 2002 e 2007

dificilmente pode ser explicado somente por uma diferença nas amostras e nos métodos de

pesquisa usados pela PESB e pela AMB. A reestruturação pela qual passou a Polícia Federal no

período e o seu maior engajamento no combate aos crimes de colarinho branco, ao lado da

imensa visibilidade que adquiriu, certamente são fatores fundamentais para explicar o

crescimento da confiança nesta instituição.

Levando em conta as particularidades da Polícia Federal em termos de atribuições e da

visibilidade que adquiriu nos últimos anos, as hipóteses desse trabalho talvez não sejam as mais

adequadas para explicar as variações da confiança nesta instituição, que merece um estudo

específico. De qualquer modo, os dados das diferentes pesquisas citados acima parecem sugerir

que, quando questionados sobre a confiabilidade da polícia, os cidadãos consideram em suas

respostas as instituições responsáveis pela implementação de lei e ordem em geral,

especialmente as que estão mais próximas do seu cotidiano: a Polícia Civil e, principalmente, a

Gráfico 4: Desconfiança na Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Federal - Brasil (2002)

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Polícia Militar

Polícia Civil

Polícia Federal

Confiança* Desconfiança**

%

Fonte: PESB 2002

* "Confia" e "confia muito"; exclui os que não responderam e os que não souberam responder;

** "Não confia" e "confia pouco"; exclui os que não responderam e os que não souberam responder.

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Polícia Militar. E o grau de confiabilidade destas instituições parece ser um fenômeno

relativamente estável no tempo, sendo que a grande maioria dos brasileiros desconfia da polícia.

TESTANDO AS CAUSAS DA DESCONFIANÇA

Para testas as hipóteses levantadas anteriormente sobre as causas da desconfiança na

polícia recorreu-se aos dados da PESB. Esta pesquisa realizou 2.364 entrevistas domiciliares entre

18 de julho e 5 de outubro de 2002. Para a definição da amostra foram utilizados os dados da

contagem de 1996 do IBGE e a divisão político-administrativa brasileira (cinco regiões, 26 estados

mais o Distrito Federal e 5.507 municípios). A partir daí, foram sorteados 102 municípios e, destes,

27 foram considerados auto-representativos (as capitais dos estados) e 75 não-representativos. A

amostra foi probabilística, com três estágios de seleção. No primeiro estágio, 102 unidades

primárias de amostragem (UPAs), ou municípios, foram selecionados probabilisticamente e

proporcionalmente ao tamanho. No segundo estágio, 280 unidades secundárias de amostragem

(USAs) - setores censitários - foram selecionadas probabilistica e proporcionalmente em cada

município. No terceiro estágio, os domicílios foram selecionados proporcionalmente ao tamanho

de forma sistemática. No final, um adulto foi selecionado aleatoriamente dentro de cada

domicílio para responder à pesquisa. Para reduzir custos, todos os municípios com até 20 mil

habitantes das regiões Norte e Centro-Oeste foram excluídos. Com isso, o equivalente a 3,1% da

população ficou de fora da população amostrada.

Dentre as várias temáticas abordadas pela PESB há uma dedicada às opiniões dos

cidadãos em relação à violência, criminalidade e segurança pública. A análise foi operacionalizada

com questões referentes a essa temática. Para compor a variável dependente “desconfiança na

polícia” recorreu-se à questão que perguntava diretamente aos cidadãos sobre a confiabilidade

da polícia (Questão 254): Na sua opinião, a polícia inspira confiança ou não inspira confiança? Como

colocado anteriormente, 67,3% dos que responderam a essa questão disseram que a polícia não

inspirava confiança. A opção em usar esta questão como variável dependente em detrimento das

questões da PESB que perguntavam aos cidadãos o seu grau de confiança na Polícia Militar, Civil

e Federal deve-se a três razões: o grande número de casos missing presente nas questões

específicas sobre as três forças policiais; o fato de as demais questões da PESB (exceto questões

sobre o desempenho das forças policiais) não distinguirem entre Polícia Militar, Civil e Federal; e

a suspeita mencionada anteriormente de que quando os cidadãos são indagados sobre a polícia

respondem tendo em mente a polícia enquanto instituição geral, embora provavelmente tenham

como referência aquelas forças policiais mais presentes em seu cotidiano.

Variáveis explicativas de diferentes tipos foram operacionalizadas a partir das questões

da PESB: variáveis de percepção institucional; variáveis contextuais e variáveis culturais e

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sóciodemográficas. As variáveis de percepção institucional utilizadas foram “desempenho da

polícia”, “forma como a polícia trata os cidadãos” e “contato com a polícia”. As variáveis

contextuais operacionalizadas foram quatro: “experiência direta de vitimização” “experiência

indireta de vitimização”, “percepção de segurança na vizinhança” e “criminalidade na

vizinhança”. Já as variáveis culturais e sóciodemográficas incluídas na análise foram “confiança

interpessoal”, “gênero”, “idade”, “cor” e “escolaridade”. O anexo 1 resume as questões

utilizadas para compor essas variáveis, explica a metodologia adotada e especifica os efeitos

esperados para cada variável.

Para testar os efeitos das variáveis contextuais, culturais, sóciodemográficas e de

percepção institucional sobre a desconfiança na polícia recorreu-se a um modelo de regressão

logística, adequado quando a variável dependente é uma dummy, caso da variável em estudo.

Inicialmente, foram construídos modelos separados para cada conjunto de variáveis (modelos 1,

2 e 3). Em seguida, foi construído um modelo geral com todas as variáveis que apresentaram

significância estatística nos modelos separados (modelo 4). Por fim, um último modelo foi

ajustado na tentativa de se obter estimadores mais precisos. Para todos os modelos foi realizado

diagnóstico de multicolineariedade e de pontos influentes, tal como sugeridos por Maroco

(2007). Nenhum dos modelos apresentou problemas dessa natureza. A tabela 1 mostra as razões

de chance (O.R), a significância das variáveis testadas (sig) e as estatísticas de ajustamento e

qualidade dos modelos construídos. O anexo 2 traz o output completo fornecido pelo software

SPSS (v. 17) para o modelo 4.

O.R. sig O.R. sig. O.R. sig. O.R. sig. O.R. sig. Variáveis culturais/sociodemográficas Não confia nas pessoas 2,071 * 1,159 Cor (preto) 1,067 Gênero (homem) 0,887 Idade (jovens: 18-24) 1,356 ** 1,234 Escolaridade baixa 0,241 * 0,527 Escolaridade média 0,508 * 0,678 Variáveis contextuais Vizinhança insegura 1,047 * 1,035 Vizinhança com crimes 1,133 * 1,031 Experiência direta de vitimização 1,085 ** 1,022 Experiência indireta de vitimização 1,141 * 1,027 Variáveis de percepção institucional Desempenho insatisfatório 1,119 * 1,086 * 1,117 *

Não trata os cidadãos de maneira justa 2,001 * 1,960 * 1,999 *

Teve contato com a polícia 0,850 N. do modelo -2 Log Likelihood (-2 LL)

Pseudo R 2 de Nagelkerke

Hosmer & Lemeshow (X 2 HL )

* p < 0,01; ** p < 0,05;

0,581

p. 0,463 p. 0,355 p. 0.334 p. 0.067 p. 0,202

0,031 0,112 0.586 0,586

1.803 2.655,216 2.025,353 1.017,643 1.017,643 1.280,771 2.184 1.699 1.435 1.432

Tabela 1: Razões de chance e significância das variáveis explicativas da desconfiança na polícia

Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5

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O modelo geral (modelo 4) mostra que apenas as variáveis relativas ao modo como a

população percebe o desempenho da polícia e o modo como a polícia trata os cidadãos

apresentam significância estatística. Os modelos sem essas variáveis apresentam ajustes ruins

(modelos 1 e 2), ao passo que o modelo contendo apenas essas duas variáveis (modelo 5) é capaz

de explicar satisfatoriamente a desconfiança na polícia. O p-valor do teste de Hosmer &

Lemeshow para o modelo reduzido a essas duas variáveis é maior do que 0,05 (nível de

significância adotado), indicando que o modelo ajusta-se aos dados6. Esse modelo é capaz de

classificar corretamente 67,13% das pessoas que consideraram que a polícia inspirava confiança

(especificidade do modelo) e 93,1% das pessoas que disseram que a polícia não inspirava

confiança (sensibilidade do modelo), o que dá um percentual geral de casos corretamente

classificados igual a 85%. O pseudo R2 de Nagelkerke indica que o modelo reduzido às duas

variáveis de percepção institucional explica cerca de 58% da quantidade de variação da variável

desconfiança, valor semelhante ao obtido no modelo 47.

Do ponto de vista do efeito, as razões de chance das duas variáveis institucionais que

apresentaram significância estatística comportaram-se conforme o esperado, confirmando as

hipóteses deste trabalho. A chance de alguém considerar que a polícia não inspira confiança

aumenta à medida que aumenta a percepção de que as forças policiais não alcançaram

resultados satisfatórios no combate à criminalidade nos últimos 12 meses. A probabilidade de

uma pessoa desconfiar da polícia aumenta em 11,7% a cada variação negativa no índice que mede

o desempenho das forças policiais em termos de resultados. Essa probabilidade é muito maior

quando se considera a variável relacionamento da polícia com os cidadãos. À medida que cresce

a percepção das pessoas de que a polícia se relaciona com os cidadãos de maneira injusta,

aumenta as chances de elas desconfiarem da polícia. Cada variação negativa no índice que mede

a forma como a polícia se relaciona com os cidadãos praticamente dobra a probabilidade de as

pessoas desconfiarem da polícia.

As variáveis contextuais, culturais e sociodemográficas que apresentaram significância

estatística nos modelos individuais não apresentaram significância quando controladas pelas

variáveis de percepção institucional (modelo 4). A surpresa aqui fica por conta da variável idade,

que prediz atitudes negativas em relação à polícia na maior parte dos trabalhos da literatura de

língua inglesa, não ter apresentado efeito estatisticamente significativo. A variável institucional

referente ao contato com a polícia também não apresentou significância. Embora o modo como

6 O teste de Hosmer & Lemeshow permite testar a significância do ajustamento do modelo com todas as variáveis. O teste

avalia se os valores estimados pelo modelo são próximos dos valores observados (H0 verdadeira, com p-value ≥ α),

situação na qual o modelo ajustar-se-ia aos dados. Para mais detalhes ver Maroco (2007).

7 O pseudo R

2 de Nagelkerke pode assumir valores entre 0 (o modelo não explica nenhuma variância da variável

dependente) e 1 (o modelo explica 100% da variância da variável dependente – ajuste perfeito).

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essa variável foi operacionalizada não seja ideal, o fato de as demais variáveis de percepção

institucional predizerem a desconfiança na polícia sugere que as pessoas têm visões sobre o

funcionamento da polícia que independem do fato de elas terem tido contato com esta

instituição, visões essas que levam elas a desconfiarem.

DISCUSSÃO

Os resultados da análise de regressão logística confirmam a hipótese central deste

trabalho: a desconfiança na polícia é explicada por déficits institucionais percebidos pela

população e não por variáveis contextuais, culturais ou sóciodemográficas. A confiabilidade da

polícia relaciona-se com as expectativas públicas associadas aos resultados obtidos por esta

instituição no combate à criminalidade e, principalmente, ao modo como os policiais utilizam sua

autoridade e tratam os cidadãos. Mais especificamente, a análise estatística mostra que a

desconfiança pode ser predita diante das situações em que os cidadãos percebem que são

tratados de maneira injusta pela polícia ou quando estão diante de uma força policial considerada

pouco efetiva no combate à criminalidade. Assim, resultados parcos, tratamento desrespeitoso e

desigual, extorsão e uso abusivo da força seriam fatores que concorreriam diretamente para

gerar desconfiança na polícia. Esse achado está de acordo com as afirmações de Norris (1999),

Offe (1999) e Moisés (2005 e 2008) de que a desconfiança é produto das situações em que as

instituições não sinalizam comprometimento com os valores básicos que ensejaram a sua

criação: efetividade, imparcialidade, universalismo, probidade e justeza na relação com os

cidadãos.

A análise também dá razão à hipótese de que a percepção pública sobre o modo como a

polícia exerce sua autoridade e se relaciona com os cidadãos é o fator mais importante para gerar

desconfiança. Os julgamentos sobre a justeza do modo como a polícia trata os cidadãos são os

mais fortes preditores da desconfiança na polícia. A opinião das pessoas de que a polícia é pouco

efetiva no combate à criminalidade também prediz a desconfiança na polícia, mas com pouca

intensidade. Ou seja, a desconfiança na polícia deriva principalmente da percepção de que a

polícia utiliza a sua autoridade de maneira ilegal ou injusta: desrespeita os direitos dos cidadãos,

não trata as pessoas de forma igual, recorre a subornos, utiliza a violência de maneira abusiva e

causa mais medo do que segurança em suas abordagens. Esses resultados também são

consistentes com pesquisas anteriores sobre a legitimidade e a confiabilidade da polícia e de

outras autoridades públicas. Como informou Tyler (2004), estudos sobre as percepções das

pessoas em relação a diversos tipos de autoridades – policiais, juízes, líderes políticos,

administradores e professores – têm gerado forte apoio ao argumento de que variações nessas

percepções são determinadas principalmente por procedural justice. Os cidadãos têm fortes

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expectativas quanto a serem tratados adequadamente pelas instituições e quando isso não

ocorre suas opiniões são impactadas mais fortemente do que quando essas instituições não

produzem os resultados esperados.

A confirmação da hipótese de caráter institucional de que a desconfiança na polícia reside

na própria polícia - melhor dizendo, na incapacidade de a instituição policial sinalizar aos cidadãos

uma ação coerente com os princípios normativos que orientam o seu trabalho - não quer dizer

que a cultura não possa operar para a determinação deste resultado. As percepções das pessoas

sobre as instituições são orientadas culturalmente por esquemas, categorias e modelos

cognitivos presentes nos contextos sociais em que vivem. Como Mishler & Rose (2001 e 2005) e

Moisés (2005) têm argumentado, a desconfiança dos cidadãos em relação às instituições não

resulta apenas de avaliações racionais sobre o seu funcionamento, mas também de valores

adquiridos em processos primários de socialização que podem tornar as pessoas mais ou menos

propensas a confiar em outras pessoas e instituições. Nessa perspectiva, a desconfiança seria o

resultado da combinação de orientações derivadas de valores adquiridos em processos

originários de socialização com a avaliação proporcionada pela experiência direta ou indireta dos

indivíduos com as instituições. Aqui é preciso considerar que não apenas a experiência dos

cidadãos com as instituições habilita-os a julgarem-nas e a reverem visões formadas através de

processos de socialização, conforme formulado pelo modelo do aprendizado ao longo da vida de

Mishler e Rose, mas também o contrário: visões a priori das instituições podem influir no modo

como os cidadãos avaliam o seu funcionamento. No caso da desconfiança na polícia, uma vez

que as pessoas tenham aprendido que a polícia não é uma instituição confiável - seja por fatores

de ordem cultural ou em razão de um padrão histórico de atuação que tenha levado a essa

percepção -, interpretações sobre o modo como ela utiliza sua autoridade podem ser fortemente

condicionadas por esse ponto de vista. É preciso considerar a possibilidade de uma relação de

causalidade recíproca entre desconfiança e percepções sobre como a polícia age.

Essa questão foi problematizada recentemente por Rosenbaum et. al. (2004) e Hawdon

(2008), que questionaram a direção da causalidade suposta nos estudos sobre legitimidade da

polícia e procedural justice. Esses autores notaram que opiniões a priori que os indivíduos venham

a ter da polícia podem influir tanto no modo como um contato com esta instituição se desenrola

quanto na maneira de interpretar esse contado. O raciocínio certamente aplica-se às atitudes de

confiança e desconfiança. Aqueles que desconfiam da polícia podem ser mais propensos a avaliar

negativamente um contato com essa instituição. Além disso, um indivíduo desconfiado também

pode induzir os policiais a utilizar procedimentos mais agressivos caso essa desconfiança

implique num comportamento defensivo ou esquivo diante de uma abordagem policial, por

exemplo. Nessas circunstâncias, a máxima “quem não deve não teme” comandará a lógica de

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atuação dos policiais, que tenderão a utilizar procedimentos mais agressivos e passíveis de serem

interpretados como injustos pelos cidadãos.

Há evidências de que uma predisposição para ver a polícia de maneira negativa ou

positiva pode levar as pessoas a recordarem encontros diretos com a polícia ou casos de

encontros relatados por terceiros (parentes, vizinhos ou mesmo pela mídia) de maneira seletiva.

Num estudo com moradores de Chicago que analisou as atitudes dos cidadãos antes e depois de

eles terem experiências diretas ou ouvirem relatos sobre experiências com a polícia, Rosenbaum

et. al. (2004) concluiu que as atitudes prévias jogam um papel crítico na formação dos

julgamentos posteriores sobre experiências com a polícia. Para explicar essa descoberta, os

autores argumentaram que o trabalho da polícia não é apenas crivado por preconceitos da parte

dos policiais, mas também da parte dos policiados. As percepções dos cidadãos a respeito da

polícia estariam baseadas em supergeneralizações equivocadas e persistentes. A polícia seria

alvo do que os psicólogos chamam de “desvios para confirmação”: uma forma seletiva de

interpretar a realidade em que as pessoas tendem a ver o que confirma as suas crenças e a

ignorar ou diminuir as evidências que a contradizem. Assim, uma predisposição inicial para ver a

polícia de maneira negativa poderia levar as pessoas a interpretarem ou recordarem de maneira

seletiva encontros considerados injustos.

Se o raciocínio acima estiver correto, não só o mau funcionamento da instituição policial

pode estar produzindo desconfiança, mas a própria desconfiança pode estar contribuindo

diretamente para a visão de que a polícia funciona mal e por isso não merece a confiança dos

cidadãos. É possível que haja uma relação de causalidade recíproca entre a desconfiança e as

percepções das pessoas de que a polícia atua de maneira injusta. Considerando que o Brasil tem

uma longa história de abusos cometidos pela polícia, esse argumento é bastante instigante.

Historicamente, a atuação da polícia brasileira caracterizou-se pelo uso de métodos violentos,

ilegais ou extralegais. Independentemente do regime político em vigor, durante todo o século XX

a polícia atuou dentro do que Pinheiro (2001) chamou de “regime de exceção paralelo”,

usufruindo de poderes extralegais e ampla margem de autonomia. A ilegalidade e arbitrariedade

policial tiveram como alvo principal os grupos mais desprivilegiados, estendendo-se para outros

grupos sociais nos períodos autoritários. A experiência histórica com uma polícia pouco

comprometida com o respeito aos direitos civis na sua relação com os cidadãos pode ter

introjetado nos brasileiros uma visão negativa desta instituição. A desconfiança na polícia pode

ter se convertido num elemento da cultura política brasileira capaz de persistir

independentemente de mudanças qualitativas no padrão institucional histórico de atuação da

polícia. Isso ajudaria a explicar o fato de a desconfiança na polícia ser, ao que parece, uma atitude

estável no tempo. Mais do que déficits institucionais relacionados ao modo como a polícia trata

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os cidadãos, o que pode estar em questão na atualidade é a persistência de traços de uma cultura

política, fomentada ao longo de gerações, na qual a polícia aparece como uma instituição pouco

comprometida com os valores e princípios que justificam sua existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo a polícia como objeto de análise este trabalho testou a hipótese de que quando as

instituições funcionam de modo deficitário elas provocam desconfiança. A suposição foi a de que

se a polícia for incapaz de sinalizar comprometimento com os valores básicos que justificam sua

existência ela suscitará sentimentos de desconfiança. Testou também a hipótese de que a

desconfiança é gerada principalmente pela percepção pública de que a polícia utiliza sua

autoridade de maneira ilegal ou injusta. Os resultados da análise confirmaram ambas as

hipóteses, mas a discussão aqui realizada sugere cautela na interpretação dos achados. É possível

que a relação de causalidade suposta por esse trabalho também ocorra em sentido contrário, ou

seja, é possível que as percepções públicas sobre o mau funcionamento da polícia estejam

ligadas ao fato de os brasileiros terem aprendido desde cedo a desconfiar desta instituição, cuja

atuação ilegal e arbitrária foi vivenciada por várias gerações.

Mishler e Rose (2001 e 2005) e Moisés (2005 e 2008) argumentaram recentemente que a

experiência com as instituições é um elemento fundamental para a determinação das atitudes de

confiança e desconfiança dos cidadãos. Segundo esses autores, os indivíduos aprendem a confiar

ou desconfiar das instituições por meio de processos de socialização, mas à medida que entram

em contato com as instituições na vida adulta, tornam-se capazes de avaliá-las racionalmente e a

rever suas visões iniciais. A discussão deste trabalho sugere que é preciso considerar também os

efeitos contrários, ou seja, o de que visões adquiridas durante processos primários de

socialização possam condicionar fortemente os julgamentos que os indivíduos fazem das

instituições. Novos desenhos de pesquisa precisam incorporar essa questão de modo a

identificar em que medida as atitudes dos cidadãos formadas a partir de processos primários de

socialização são impermeáveis a novas informações adquiridas ao longo da vida adulta. O fato é

especialmente importante para os países que hoje são democráticos, mas que viveram longos

períodos de autoritarismo no passado.

Para o caso da polícia, esclarecer essas questões não é importante apenas do ponto de

vista teórico. É importante também para a formulação de estratégias de policiamento mais

eficientes e efetivas. A confiança é um bem precioso para a polícia. O aumento da confiança tem

reflexos diretos sobre a capacidade de a polícia envolver a comunidade na prevenção da

criminalidade, prender criminosos, aumentar o conhecimento sobre a dinâmica criminal e

solucionar crimes. Saber se a desconfiança que os brasileiros nutrem pela polícia tem sua origem

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nos déficits institucionais analisados por este trabalho ou se está enraizada no tecido social – ou

as duas coisas - faz toda a diferença para os formuladores de políticas públicas. Se os achados

deste trabalho estiverem realmente corretos, aumentar a confiança na polícia depende

basicamente da própria polícia, que deve buscar um policiamento ao mesmo tempo eficiente e

respeitoso dos direitos dos cidadãos. Por outro lado, se a desconfiança na polícia for parte da

cultura política do brasileiro, alterar esse quadro vai exigir mais do que alterar os procedimentos

que a polícia utiliza ao se relacionar com os cidadãos. Neste caso, aumentar a confiança na polícia

dependerá de esforços mais amplos, dentre os quais estratégias de comunicação voltadas

especificamente para esse propósito.

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ANEXO 1 – Metodologia utilizada para a construção das variáveis explicativas

Quadro 1: Construção das variáveis explicativas utilizadas no modelo de regressão logística

Variável Questões Escala de Mensuração Efeito esperado

Desempenho da Polícia *

Nos últimos 12 meses, o trabalho que a Polícia

.............vem fazendo está dando muito resultado [4] // resultados médios [3] // pouco resultado [2] // ou nenhum resultado [1] ?

Q. 150. Polícia Militar? Q. 161. Polícia Civil? Q. 163. Polícia Federal?

Índice que pode variar de 0 (resultados satisfatórios) a 10 (resultados insatisfatórios)

Quanto pior o desempenho, maior a desconfiança

Forma como a polícia trata os cidadãos

Q. 246. Na sua opinião a polícia é: [1] honesta ou [2] corrupta?

Q. 248. Na sua opinião a polícia [1] respeita os direitos do cidadão ou [2] não respeita os direitos do cidadão?

Q. 251. Na sua opinião a polícia [1] trata pobres e ricos de maneira igual ou [2] trata os ricos melhor do que os pobres?

Q. 253. Na sua opinião a polícia [1] só usa a violência quando é necessário ou [2] abusa da violência?

Q. 257. Na sua opinião a polícia [1] tranqüiliza as pessoas ou [2] assusta as pessoas?

Q. 258. Na sua opinião a polícia [1] trata brancos, pardos e pretos de maneira igual ou [2] trata os brancos melhor do que pardos e pretos?

Índice que pode variar de 0 (trata os cidadãos de maneira justa) a 10 (não trata os cidadãos de maneira justa)

Quanto pior a percepção das pessoas sobre o modo como a polícia trata os cidadãos, maior a desconfiança

Contato com a Polícia

Q. 201. O(a) Sr(a) já foi alguma vez a uma delegacia de polícia para registrar uma queixa? [1] Sim; [2] Não, porque não confio na polícia/ não adianta; [3] Não, porque nunca precisei; [66] Não, por outra razão

Q. 202. O(a) Sr(a) já telefonou alguma vez para a polícia pedindo para ela resolver algum problema? [1] Sim; [2] Não, porque não confio na polícia/ não adianta; [3] Não, porque nunca precisei; [66] Não, por outra razão

Q. 203. O(a) Sr(a) já se dirigiu a um policial na rua para pedir que ele resolvesse algum problema? [1] Sim; [2] Não, porque não confio na polícia/ não adianta; [3] Não, porque nunca precisei; [66] Não, por outra razão.

Dicotômica: [0] não teve contato; [1] teve contato

Pessoas que tiveram contato com a polícia são mais desconfiadas

Experiência direta de vitimização

Agora eu vou mencionar alguns tipos de crimes e gostaria de saber se alguma vez na vida ocorreu com o(a) Sr(a).

Q. 214. Já foi assaltado à mão armada? [1] Sim; [0] Não. Q. 215. Já foi roubado por um ladrão sem armas? [1] Sim; [0] Não. Q. 216. Já teve sua casa roubada? [1] Sim; [0] Não. Q. 218. Já teve o carro roubado? [1] Sim; [0] Não. Q. 219. Já foi agredido por alguém na rua? [1] Sim; [0] Não. Q. 220. Já foi ameaçado de morte? [1] Sim; [0] Não

Índice que pode variar de 0 (nunca foi vítima de um crime) a 10 (foi vítima de vários crimes)

Quanto maior a experiência de vitimização, maior a desconfiança.

Experiência indireta de vitimização

Tem algum parente próximo como pais, irmãos, filhos, avós, marido ou mulher do(a) Sr(a) que:

Q. 221. Já foi assaltado à mão armada? [1] sim [0] não

Q. 222. Já foi assaltado à mão armada? [[1] sim [0] não

Q. 223. Já teve sua casa roubada? [1] sim [0] não

Q. 224. Já teve o carro roubado?[1] sim [0] não

Q. 225. Foi assassinado? [1] sim [0] não

Q. 226. Já foi agredido por alguém na rua? [1] sim [0] não

Q. 227. Já foi ameaçado de morte? [1] sim [0] não

Índice que pode variar de 0 (não conhece ninguém que tenha sido vítima de crime) a 10 (conhece várias pessoas que foram vítimas de crime)

Quanto maior o número de conhecidos próximos que foram vitimas de crimes, maior a desconfiança

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Para operacionalizar as variáveis explicativas, o primeiro passo foi recodificar as questões da PESB

para que todas passassem a ser dummies e assumissem os valores 1 (ocorrência do fenômeno que se esperava ter impacto sobre a desconfiança) e 0 (não ocorrência do fenômeno) (conforme quadro 1). As variáveis compostas por apenas uma questão foram incluídas no modelo; aquelas formadas por mais de uma questão foram agrupadas de modo a formar índices. A variável “desempenho da polícia”, por

Q. 228. Foi estuprado? [1] sim [0] não

Percepção de Segurança da Vizinhança

Para cada lugar que eu citar, por favor, diga se esse lugar é [1] muito seguro, [2] seguro. [3] pouco seguro ou [4] nada seguro: Q187: A rua onde o(a) Sr(a) mora: Q188: As ruas próximas onde o(a) Sr(a) mora: Q189: O bairro onde o(a) Sr(a) mora: Q190: A cidade onde o(a) Sr(a) mora:

Índice que pode variar de 0 (vizinhança segura) a 10 (vizinhança insegura)

Quanto pior a percepção de segurança da vizinhança, maior a desconfiança

Criminalidade na vizinhança

Gostaria que o (a) Sr(a) dissesse se aconteceu nos últimos 12 meses algumas das seguintes situações no seu bairro: Q. 204. Compra e venda de coisas roubadas [1] aconteceu [0] não aconteceu. Q. 205. Pessoas foram assaltadas [1] aconteceu [o] não aconteceu Q. 206. Casas/apartamentos foram assaltados. [1] aconteceu [0] não aconteceu Q. 207. Tráfico de drogas / compra e venda de drogas. [1] aconteceu [0] não aconteceu. Q. 208. Alguém usando drogas. [1] aconteceu [0] não aconteceu Q. 209. Roubo de carros. [1] aconteceu [0] não aconteceu Q. 210. Alguém ser agredido fisicamente. [1] aconteceu [0] não aconteceu Q. 211. Uma pessoa puxar uma arma para outra pessoa. [1] aconteceu [0] não aconteceu Q. 212. Alguém levar um tiro. [1] aconteceu [0] não aconteceu Q. 213. Alguém ser assassinado. [1] aconteceu [0] não aconteceu

Índice que pode variar de 0 (vizinhança sem crime) a 10 (vizinhança com vários crimes)*

Quanto maior a criminalidade na vizinhança, maior a desconfiança.

Confiança interpessoal

Gostaria que o(a) Sr(a) dissesse se [4] confia muito [3] confia [2] confia pouco ou [1] não confia: Q. 131 Na maioria das pessoas

Dicotômica: [0] confia (confia muito e confia) e [1] desconfia (confia pouco e não confia)

Pessoas que desconfiam de outras pessoas são mais desconfiadas em relação à polícia

Gênero

Q. 531. Sexo do entrevistado: [1] Masculino [2] Feminino

Dicotômica: [0] feminino e [1] masculino.

Pessoas do sexo masculino são mais desconfiadas

Idade Q. 533. Idade recodificada: [1] 18-24; [2] 25-34; [3] 35-44; [4] 45-59; [5] 60 ou mais

Dicotômica: [1] jovens (18-24) e [0] outros

Pessoas mais jovens são mais desconfiadas

Cor

Q. 266. O IBGE - instituto que faz os censos no Brasil - usa os termos [1] preto, [2] pardo, [3] branco, [4] amarelo e [5] índio para classificar a cor ou raça das pessoas. Qual desses termos descreve melhor a sua cor ou raça?

Dicotômica: [1] preto e [0] outros (pardo, branco, amarelo e índio);

Pessoas de pele preta são mais desconfiadas

Escolaridade

Q. 542. Escolaridade recodificada: [1] Analfabeto; [2] Até a 4° série; [3] De 5° a 8° série; [4] 2° grau; [5] superior ou mais.

Tricotômica: [0] escolaridade alta (superior); [1] escolaridade baixa (analfabeto e até 4° série) e [1A] escolaridade média;

Pessoas de menor escolaridade são mais desconfiadas

* A PESB não contém questão que permita mensurar somente o desempenho “da polícia”.

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exemplo, continha originalmente três questões que perguntavam se o entrevistado achava que o trabalho da Polícia Militar (Questão 150), Polícia Civil (Questão 161) e Polícia Federal (Questão 163) estava dando muito resultado, resultados médios, pouco resultado ou nenhum resultado. Primeiramente, essas três questões foram recodificadas em resultados satisfatórios (0 = a soma de muito resultado e médio resultado) e resultados insatisfatórios (1 = a soma de pouco resultado e nenhum resultado). Em seguida, essas três questões recodificadas foram somadas e transformadas num índice que varia de 0 (pessoas que consideram satisfatório os resultados da atuação das três polícias) a 3 (pessoas que consideram insatisfatório o resultado da atuação das três polícias). No caso da variável “percepção de segurança na vizinhança”, a resposta das quatro questões que compõem essa variável foram recodificadas para “seguro” (0 = soma de muito seguro e seguro) e “inseguro” (1 = soma de pouco seguro e nada seguro) e então o mesmo procedimento utilizado anteriormente para compor a variável “desempenho da polícia” foi adotado, resultando num índice que variava de 0 (vizinhança segura) a 4 (vizinhança insegura). Esse procedimento de construção de índices foi adotado para as demais variáveis formadas por mais de uma questão, produzindo-se índices que variam de 0 a 6 (“forma como a polícia se relaciona com os cidadãos” e

“experiência direta de vitimização”), 0 a 8 (“experiência indireta de vitimização”) e 0 a 10 (“criminalidade na vizinhança”). Para facilitar a comparação entre as variáveis no modelo de regressão, todos os índices foram transformados para que pudessem assumir valores entre 0 (mínimo) e 10 (máximo). Para isso, aplicou-se a seguinte fórmula: 10 * (x – a) / (b – a), onde x é o índice, a o valor mínimo que ele assume e b o valor máximo. A tabela 2 apresenta as estatísticas descritivas dos índices resultantes. Em todos os procedimentos foi utilizado o software SPSS (v. 17), mais especificamente os comandos Recorde e Compute do menu Transform.

N Mínimo Máximo Média

Desvio

PadrãoRelacionamento injusto com os cidadãos 1.888 0 8,57 6,08 2,78

Desempenho da polícia 2.211 0 8 3,44 3,1

Experiência direta de vitimização. 2.330 0 9 1,32 1,63

Experiência indireta de vitimização. 2.242 0 9 1,94 1,98

Percepção de segurança da vizinhança 2.286 0 8 5,45 3,06

Criminalidade na vizinhança. 1.855 0 9 3,94 3,04

Tabela 2: Estatística descritiva dos índices utilizados no modelo de regressão

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ANEXO 2 – Output do SPSS para a Análise de Regressão Logística

β S.E. Wald df Sig. Exp(β)

Relacionamento injusto com os cidadãos 0,674 0,038 317,351 1 0 1,962

Desempenho insatisfatório 0,083 0,028 8,766 1 0,003 1,086

Criminalidade na Vizinhança 0,031 0,031 0,984 1 0,321 1,031

Vizinhança Insegura 0,034 0,028 1,493 1 0,222 1,035

Experiência Direta de Vitimização 0,022 0,056 0,159 1 0,69 1,022

Experiência Indireta de Vitimização 0,022 0,056 0,159 1 0,69 1,022

Idade (jovens: 18-24) 0,21 0,209 1,01 1 0,315 1,234

Escolaridade Baixa -0,64 0,415 2,38 1 0,123 0,527

Escolaridade Média -0,389 0,404 0,93 1 0,335 0,678

Desconfia das pessoas 0,147 0,242 0,37 1 0,543 1,159

Constant -3,413 0,48 50,578 1 0 0,033

Estatísticas de Ajustamento, Significância e Qualidade do Modelo: -2 LL = 1017,643; X2

HL (8) =

14,663, p = 0,067; R2

CS = 0,418; R2

N = 0,586;

N = 1.435; Missing = 929

Tabela 3: Coeficientes Logit do modelo de regressão logística da variável

“desconfiança na polícia” em função das variáveis institucionais, contextuais,

culturais e sóciodemográficas

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1

XII. SERVIÇOS PÚBLICOS: O PAPEL DO CONTATO DIRETO E DO CIDADÃO CRÍTICO NAS AVALIAÇÕES

ROBERT BONIFÁCIO e ROGÉRIO SCHLEGEL

INTRODUÇÃO

A avaliação que o brasileiro faz dos serviços públicos é tema pouco explorado em

estudos acadêmicos no Brasil, embora tenha características que justificariam atenção

especial. De um lado, essa avaliação é um indicador relevante em termos de responsividade

porque representa o grau de satisfação do cidadão com a forma como o Estado cumpre

algumas de suas tarefas centrais, propiciando serviços como saúde e educação a partir dos

impostos extraídos da sociedade. De outro lado, esse é um insumo decisivo para a

legitimidade democrática, segundo diferentes abordagens teóricas; os serviços públicos

são a face mais concreta do Estado e a principal vitrine do desempenho governamental, de

forma que sua avaliação é capaz de impactar de forma indireta a confiança nos políticos e

no Executivo (LISTHAUG; WIBERG, 1998).

Neste capítulo, apresentamos duas contribuições para ampliar o entendimento

sobre a forma como o brasileiro percebe os serviços públicos: 1) são os setores mais

escolarizados e informados os que avaliam mais negativamente os serviços prestados pelo

Estado, endossando para essa dimensão a hipótese do cidadão crítico e revelando um

aparente paradoxo; 2) se a experiência com as instituições pode ser decisiva para a

percepção sobre elas (MOISÉS, 2010), é preciso aprofundar a investigação sobre o que deve

ser entendido como experiência; no caso dos serviços públicos, não aparecem sinais de

associação consistente entre a percepção sobre eles, de um lado, e as informações obtidas

via contato direto ou por meio da mídia.

Essas evidências foram levantadas a partir da análise dos bancos de dados do survey

A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas, realizado em 2006. Um índice

geral de avaliação dos serviços públicos foi desenvolvido pelos autores e seus

determinantes foram analisados com modelos de regressão multinomiais.

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2

Além desta introdução, este capítulo tem outras três seções: na segunda seção,

revisamos os marcos teóricos da área, aproximando pontos específicos da avaliação dos

serviços públicos da percepção mais geral do cidadão sobre as instituições; as análises

estatísticas e o relato dos resultados compõem a seção seguinte; por último, elaboramos

considerações sobre nossas contribuições para o entendimento do tema.

DESEMPENHO, VALORES E INFORMAÇÃO

Desenvolvimentos recentes na literatura especializada têm apontado a falácia da

consideração de que as abordagens que enfatizam o desempenho e os valores como

elemento principais para explicar confiança nas instituições são conflitantes. Pelo contrário,

os dois fatores são compreendidos como complementares para a construção da percepção

do cidadão sobre as instituições.

Soam superadas abordagens como a de Rogowski (1974), atribuindo importância

crucial ao desempenho operacional como fator de avaliação das instituições, como se o

cidadão empregasse um cálculo racional sem nenhum substrato normativo em que se

apoiar. Valores adquiridos na socialização e ao longo da vida adulta também impactam o

julgamento dos indivíduos sobre as instituições. São essas normas internalizadas que

oferecem as regras com as quais julgar o desempenho das instituições e que permitem

depositar nelas maior ou menor confiança (OFFE, 1999; WARREN, 1999; MOISÉS, 2010)

Os valores do cidadão também estão sujeitos a revisões. Forjados em princípio na

socialização, eles podem ser remodelados a partir da experiência cotidiana do indivíduo na

vida adulta, sobretudo diante de episódios refundadores como a queda do regime

comunista no Leste Europeu (MISHLER; ROSE, 2007) ou o 11 de Setembro de 2001 nos

Estados Unidos (CHANLEY, 2002)

Na avaliação das instituições há ainda um terceiro fator que se apresenta como

relevante: a informação de que dispõe o cidadão. O julgamento das instituições não

depende exclusivamente de impactos objetivos relacionados ao desempenho operacional

concreto; ele acontece no campo das percepções. Um governo capaz de melhorar a

condição de vida da população pode ser mal avaliado, a depender do jogo de

representações que se desenrola no ambiente discursivo e intersubjetivo da sociedade.

Mudanças em qualquer um dos três fatores podem acarretar alterações na

avaliação institucional (PUTNAM; PHARR; DALTON, 2000). Informação de melhor qualidade

sobre desempenho institucional de má qualidade favorece declínios na avaliação; melhora

no desempenho institucional que não seja acompanhada de informação e de percepção

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3

sobre ela, tende a ser inócua; mudanças nos critérios de avaliação do cidadão podem dar

relevo a informações que antes não eram consideradas no julgamento das instituições, para

citar algumas variações possíveis.

Daí a importância de analisar a avaliação dos serviços a partir de uma perspectiva

abrangente. O desempenho operacional das agências do Estado é levado em consideração

pelo cidadão, mas quais os critérios que utiliza nesse julgamento? Como a informação sobre

o desempenho do serviço público chega até as pessoas e qual será o tipo de experiência

capaz de levar o indivíduo a rever suas expectativas sobre dada instituição? Será o contato

pessoal mais relevante do que a cobertura da mídia? Percepções sobre um serviço público

“contaminarão” o julgamento sobre todos os demais? Considerando a abrangência das

perguntas, nosso trabalho se debruça sobre aspectos que vão das características

socioeconômicas e demográficas do cidadão à utilização ou acesso aos serviços públicos, na

esteira de estudos como o de MORI (2003) e Van de Walle (2007) e Van de Walle, Roosbrek

e Bouckaert (2008).

A condição socioeconômica do cidadão merece ser observada, sobretudo por sua

ligação com a hipótese do cidadão crítico, avançada por autores como Inglehart (1999) e

Norris (1999). O argumento central de ambos é o de que a mobilização cognitiva gera

cidadãos com olhares mais críticos para as instituições e o funcionamento dos governos.

Norris consolidou a expressão “cidadão crítico” (critical citizen) para designar o tipo bem

informado que avalia positivamente a democracia, mas é severo no julgamento do

funcionamento concreto de suas agências e regras. Ele seria fruto de maior escolarização e

informação sobre o sistema político e os negócios públicos, detectadas especialmente nos

países pós-industriais e de democracia mais antiga. Inglehart teorizou sobre o pós-

materialismo, uma síndrome atitudinal que teria emergido em conseqüência do

desenvolvimento econômico e que envolve comportamento mais questionador em relação

a instituições de diversas características, inclusive as governamentais.

Moisés e Carneiro (2010) indicam que, para entender a desconfiança política dos

cidadãos de alguns países da América Latina, é necessário ter entre os elementos

explicativos os relativos à situação socioeconômica das pessoas. De modo mais preciso,

seus achados indicam que gênero e escolaridade são os fatores mais importantes desse

conjunto de variáveis; são os homens e os mais instruídos os que possuem maiores níveis

de desconfiança. Para os autores, isso indica que os menos instruídos e,

conseqüentemente, com baixos níveis de cognição, apresentam uma perspectiva mais

acrítica do funcionamento das instituições democráticas, ao passo que detentores de níveis

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4

mais elevados de escolaridade se aproximam da noção de cidadão crítico, ou seja, cidadãos

mais insatisfeitos com as instituições tradicionais.

O trabalho de Figueiredo, Torres e Bichir (2006) constatou que a avaliação dos

serviços públicos tornava-se mais positiva à medida que diminuía escolaridade do

entrevistado nos surveys que utilizaram para avaliar a conjuntura social brasileira – uma

edição de 1991, coordenada por Faria (1992), e outra em 2004, tendo como universo

amostral moradores dos domicílios entre os 40% mais pobres da cidade de São Paulo - “As

notas atribuídas aos serviços foram relativamente elevadas nos dois surveys, e tanto mais

elevadas quanto menor a escolaridade” (FIGUEIREDO; TORRES; BICHIR, 2006: 179).

Outro fator explicativo com centralidade em nosso estudo é o contato com os

serviços públicos. O uso efetivo de serviços públicos é a dimensão mais instrumental que

iremos avaliar. Estudo do Instituto MORI (2003) indica que contatos diretos têm efeitos

destacados sobre a confiança depositada em organizações de serviços públicos do Reino

Unido. O trabalho identificou que cidadãos britânicos que tiveram contato direto com

serviços de hospital público, conselhos locais e polícia são mais confiantes em relação a

esses serviços. A associação se verificou independentemente do contato ter sido

considerado positivo ou negativo pelo cidadão (informação não disponível no estudo). Mas

é plausível supor que uma ou mais experiências positivas com dado serviço público tendam

a melhorar a percepção do cidadão sobre essa agência como um todo.

Para o Brasil, Bonifácio (2009) avaliou saúde pública, polícia e transportes e os

resultados não indicaram influência com sentido claro para o uso dos serviços. No caso da

polícia, aqueles que usaram seus serviços os avaliaram mais negativamente; para hospitais

públicos, o uso teve impacto positivo na avaliação do cidadão e não houve associação com

significância estatística para o caso do transporte público. É mais um sinal a sustentar a

hipótese de que o contato pessoal tenha impacto que dependa da satisfação com o

desempenho operacional.

Também é plausível pensar que haja “contaminação” da avaliação de outros

serviços a partir da experiência vivida com uma determinada agência. A concepção de

atalho cognitivo (POPKIN, 1994; LUPIA; MCCUBBINS, 1999; LUPIA, 2005) nos faz supor que

o cidadão tende a criar percepções sobre os serviços em geral a partir da qualidade que

atribui aos serviços que efetivamente conhecem. Isso significa que é realista imaginar que

os cidadãos que se utilizam de transporte público e serviços de saúde pública tendem a

avaliar todos os demais serviços públicos, como por exemplo, segurança, limpeza e

educação, com base nos indicadores de qualidade que atribuem aos serviços que

efetivamente conhecem.

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Por fim, a mídia é ingrediente que também merece atenção especial quando se trata

de entender as relações que o cidadão estabelece com as instituições. O potencial da mídia

para influenciar na percepção dos serviços públicos guarda relação com a centralidade que

a comunicação de massa ocupa nas sociedades contemporâneas. Os conteúdos midiáticos

não oferecem apenas informação factual, mas também enquadramentos a partir dos quais

o indivíduo cria quadros de referência para entender o mundo (GOFFMAN, 1986; IYENGAR;

KINDER, 1987; CAPELLA; JAMIESON, 1997; ALDÉ, 2004). Na representação da realidade que

criam, os meios de comunicação podem incorrer em vieses. Não se trata de ver a mídia

como agente consciente, com interesses definidos e atuação intencional, mas de perceber

os constrangimentos e incentivos determinados por sua lógica de produção, de um lado, e

os valores prevalecentes no conjunto dos meios de comunicação, de outro. Há ingredientes

na organização da produção midiática que fazem com que os vieses sejam recorrentes e

com direção clara – privilegiando o extraordinário mais do que o usual, o epifenômeno mais

do que o processo mais profundo, o novidadeiro mais do que o estável (LIPPMAN, 1965;

MILLER et al, 1979; ROBINSON, 1976; PUTNAM, 1995; 2001). Esses vieses podem determinar

que cidadãos expostos à mídia em geral ou a tipos específicos de mídia desenvolvam

avaliações das agências do Estado também enviesadas, tanto para o lado positivo quanto

negativo.

Importante observar que, no que diz respeito a instituições, o sentido dos efeitos

específicos da mídia não foi estabelecido de forma inequívoca pela literatura da área. De um

lado, a acusação de que os meios de comunicação favorecem a desconfiança política e a

desmobilização tem o endosso de gerações de pesquisadores (DAHL, 1967; ROBINSON,

1976; PATTERSON, 1993; CAPELLA; JAMIESON, 1997; PUTNAM, 1995; 2001). O principal

argumento é que a mídia cria uma representação das instituições que é especialmente

crítica e negativa. No entanto, há evidências de que a exposição à mídia pode afetar o

indivíduo também de forma positiva. Ela ampliaria seu nível de informação, interesse pela

política e eficácia subjetiva – isto é, a crença de que é capaz de influir na política – e

diminuiria os custos para participar da vida pública. Isso se verificaria de maneira mais

consistente no caso da exposição à mídia jornalística, e não à mídia em geral (NEWTON,

1999; NORRIS, 1996; 2000).

No Brasil, estudos levantaram evidências de que a comunicação de massa não afeta

o apoio às instituições em apenas um sentido. Schlegel (2005) encontrou associação

positiva entre exposição à mídia jornalística e julgamento “de fundo”, não imediato1, de

1O índice que usou como variável dependente contemplava questões como a concordância com a frase “políticos

muito honestos não sabem governar” ou “os partidos só servem para dividir as pessoas”

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políticos e partidos em 2002. No caso da avaliação da atuação de Congresso, governo e

partidos, a associação foi negativa. Mesquita (2008) constatou que, mesmo diante de

cobertura com valência negativa para o governo federal envolvendo o escândalo do

Mensalão em 2005, a audiência ao Jornal Nacional2 estava positivamente associada à

satisfação com a democracia e à confiança no governo, no presidente da República, nas

Forças Armadas, no Poder Judiciário, nos empresários e nos bombeiros em 2006. O

trabalho também apurou influência do patamar de audiência à televisão em geral, medido

em horas, sobre os efeitos do Jornal Nacional. O impacto do telejornal foi mais intenso

quando era maior sua participação na “dieta diária” de consumo de televisão do indivíduo.

Tal achado indica que no Brasil também faz sentido discriminar entre uso da mídia em geral

e uso da mídia jornalística.

Na avaliação do papel da mídia como fator com impacto na avaliação dos serviços

públicos, consideramos fundamental levar em conta que a exposição aos meios de

comunicação é mediada pela experiência e pelos valores pessoais. Ao sintetizar décadas de

estudos empíricos, autores como Graber (1989) e Klapper (1990) sustentaram que a

influência da mídia sobre as opiniões é menor nos casos em que os indivíduos possuem

contato direto com o objeto em análise. A influência da mídia também seria mais reduzida

em situações em que há opiniões formadas e elas envolvem valores centrais do indivíduo.

Nesses casos, o usuário de mídia pode até se expor seletivamente, evitando mensagens

que conflitem com suas convicções.

Em resumo, desempenho operacional, valores do cidadão e informação são três

fatores fundamentais para entender a relação que o cidadão estabelece com as instituições.

Este capítulo explora a maneira como essas três dimensões se combinam de forma

específica, no caso da avaliação que o brasileiro faz dos serviços públicos.

Valores e informação têm impacto nos critérios do indivíduo para julgar o

desempenho das agências do Estado. Nossa hipótese de trabalho é que brasileiros

assemelhados ao cidadão crítico descrito na literatura internacional tendam a ter

apreciação mais negativa dos serviços públicos. A expectativa é que cidadãos com

posicionamento mais central em termos sociais ou econômicos – com melhor renda ou

residindo em municípios maiores – assim como aqueles com atributos pessoais que

representam maior mobilização cognitiva – como escolaridade – apresentem julgamentos

2Trata-se do principal telejornal do país. Em 2006, 52% dos entrevistados no survey Desconfiança nas Instituições

Democráticas assistiam o Jornal Nacional 4 vezes ou mais por semana e 89,2% assistiam ao menos uma vez por

semana

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mais negativos de instituições e serviços. Por conta disso, analisamos como o perfil

socioeconômico e demográfico impacta essa avaliação.

O acesso e uso dos serviços públicos foram observados com a presunção de que

favoreçam percepção mais positiva do funcionamento das agências, a exemplo do que

ocorre no Reino Unido (MORI, 2003). Embora existam grandes déficits na prestação desses

serviços, mesmo em áreas de maior desenvolvimento das capacidades estatais

(FIGUEIREDO; TORRES; BICHIR, 2006), acreditamos que o conceito geral dos serviços

públicos seja tão negativo no país que o contato direto com eles possa melhorar sua

imagem. Do ponto de vista das três dimensões fundamentais exploradas neste capítulo,

desempenho operacional e informação são os principais fatores mobilizados neste quesito.

Os usos da mídia dizem respeito diretamente à informação de que dispõe o cidadão

sobre os serviços públicos, mas também têm relação com seus valores. A mobilização

cognitiva que caracteriza o cidadão crítico tem como ingrediente crucial seu elevado nível

de informação, capaz de ter impacto na sua orientação subjetiva geral – na hipótese

original, ele é mais cético em relação ao Estado e às relações de poder hierárquicas e mais

favorável a estruturas horizontais e democráticas de tomada de decisão. Por conta disso, a

exposição à mídia é entendida neste estudo como representando diferentes papéis na

complexa operação subjetiva de avaliação das instituições e dos serviços públicos. De um

lado, distinguimos a exposição à mídia em geral da exposição à mídia jornalística, por ser a

primeira associada à atitude mais distanciada em relação à política e a segunda associada ao

maior engajamento; de outro lado, avaliamos a disposição do cidadão em se expor à

informação via mídia, tomando-a como um passo anterior no consumo da mídia e, por isso

mesmo, um indicador da mobilização cognitiva. Espera-se que maior interesse em se

informar esteja associado a avaliação mais crítica dos serviços públicos, que maior

exposição à mídia em geral também incline a percepção a se tornar mais negativa e que,

por outro lado, a exposição à mídia jornalística favoreça visão mais positiva sobre o

funcionamento das agências do Estado.

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E RESULTADOS

A análise empírica utilizou os bancos de dados do survey “A desconfiança dos

cidadãos das instituições democráticas”, realizado em 2006, que trouxe informações

detalhadas sobre o perfil socioeconômico e demográfico dos brasileiros da amostra e de

seus posicionamentos individuais a respeito de oito serviços públicos: habitação; polícia;

saúde; educação; transportes; seguro-desemprego; esgotos e saneamento; e previdência

social.

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De forma geral, verifica-se que os déficits apontados em trabalhos anteriores da

área estão refletidos na percepção fotografada por essa pesquisa de opinião (tabela 1). Há

serviços com avaliação majoritariamente negativa – índice de ruim e péssimo superior a 50%

--, mas nenhum com avaliação predominantemente positiva. A maioria dos brasileiros avalia

negativamente os serviços de saúde e de esgotos e saneamento. Para polícia e Previdência

Social, a avaliação negativa supera a positiva. No caso da educação, dos transportes

públicos e do seguro-desemprego, a percepção positiva supera a negativa, mas sem

representar a maioria da população. Dentre todos os serviços, o de transportes públicos é o

mais bem avaliado (49,5% de ótimo e bom) e o de saúde é o pior avaliado (51,8% de ruim e

péssimo).

Tabela 1. Avaliações dos serviços públicos (% e em números absolutos)

Ótimo/bom Regular Ruim/ Péssimo

Não sabe/ Não

respondeu

Total

Habitação 43,3% (868)

13,8% (277)

41% (822)

1,9% (37)

100% (2004)

Polícia 38,3% (767)

15,1% (303)

46,1% (924)

0,5% (10)

100% (2004)

Saúde 34,7% (695)

13,3% (267)

51,8% (1038)

0,2% (4)

100% (2004)

Educação 48,9% (979)

14% (280)

36,8% (738)

0,3% (7)

100% (2004)

Transportes 49,5% (993)

11,6% (233)

36,6% (734)

2,3% (44)

100% (2004)

Seguro-desemprego

46,6% (934)

10,5% (211)

30,6% (614)

12,3% (245)

100% (2004)

Esgotos e saneamento

38,6% (775)

9,1% (183)

51% (1021)

1,3% (25)

100% (2004)

Previdência social 32,1% (643)

12,3% (247)

49% (982)

6,6% (132)

100% (2004)

Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas

Optamos por criar um índice que sirva de indicador para o agregado das várias

dimensões envolvidas. Para isso, é necessário satisfazer duas condições: demonstrar as

associações lógicas e estatísticas entre as variáveis. O primeiro quesito é quase que

evidente, uma vez que o Estado oferta todos esses serviços para a população, alguns de

forma universalizada e outros destinados a grupos específicos. Para demonstrar associação

estatística entre as variáveis, utilizamos o teste de análise fatorial3 com o método de

3 A análise fatorial objetiva prover descrições simples de inter-relacionamento, correlações e covariâncias entre as

variáveis. Ele torna visível a observação de quais variáveis possuem associações entre si e as organizam em fatores.

Em cada fator, temos as variáveis mais associadas entre si e a intensidade dessa associação, que se mostrará forte,

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extração Principal Axis Factoring – especialmente útil quando as variáveis não apresentam

distribuição normal bem definida, como é o caso (COSTELO; OSBORNE, 2005). Também

analisamos o alpha de Cronbach, um indicador de consistência interna do fator. Quanto

maior o valor do alpha, maior é a correlação entre os itens que compõe o fator e, por

conseqüência, maior a correlação e inter-relacionamento entre as variáveis (CRONBACH,

1951). Os resultados aparecem à tabela 2.

Tabela 2. Análise fatorial e alpha de cronbach da avaliação de serviços públicos

Fator 1

Habitação 0,614

Polícia 0,598 Saúde 0,719

Educação 0,689 Transportes públicos 0,601

Seguro-desemprego 0,482

Esgotos e saneamento 0,579

Previdência social 0,693 Alpha de Cronbach = 0, 835

Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas Método de extração: análise de componentes principais

Os dados sugerem que é viável a criação de um índice geral de avaliação de serviços

públicos, uma vez que foi identificado um fator com mesmo sentido (sinal positivo) e cargas

elevadas para todas as variáveis (valores próximos ou maiores a 0,5), além de o alpha de

cronbach ter ficado acima de 0,7 – limiar usualmente aceito nesse tipo de análise.

O passo seguinte consistiu em dicotomizar as variáveis originais de avaliação de

serviços públicos, de modo a atribuir valor zero às opções de resposta que indicam

avaliação negativa (respostas “péssimo” e “ruim”) ou regular (resposta “regular”) e

atribuir valor 1 às que indicam avaliação positiva (respostas “ótimo” e “bom”). As respostas

“não sei” e “não respondeu” foram excluídas da análise. Através da soma simples das

variáveis recodificadas, chegamos ao índice de avaliação dos serviços públicos, com valores

de zero a oito. O índice foi posteriormente classificado em três categorias: valores de 0 a 2

foram indicados como avaliações negativas; de 3 a 5, como avaliações regulares e de 6 a 8,

como avaliações positivas. De forma coerente com as variáveis originais, agora a categoria

mediana ou fraca de acordo com a magnitude de sua carga estatística, geralmente compreendida entre - 1 e 1 (KIM;

MUELLER, 1978).

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de resposta com maior concentração é a de avaliações negativas, com 41% da amostra

válida. Em seguida aparecem as avaliações regulares, com 34,1%, e as avaliações positivas,

com 24,9% (tabela 3).

Tabela 3. Índice de avaliação de serviços públicos (% e em números absolutos)

Distribuição Avaliações negativas 41%

(686) Avaliações regulares 34,1%

(570) Avaliações positivas 24,9%

(416) Total 100%

(1.672) Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas

Após essa análise descritiva, passamos para a inferencial, utilizando modelos de

regressão logística multinomial com o intuito de verificar, no conjunto de variáveis

independentes, quais são estatisticamente significantes e quais os pesos relativos de cada

variável para explicar a satisfação dos cidadãos brasileiros com os serviços públicos.

Trabalhamos com três grupos de variáveis independentes, descritos abaixo e detalhados no

anexo que se encontra ao final do capítulo:

1. Características socioeconômicas e demográficas - Variáveis que indicam tipo de município

de moradia (se capital, região metropolitana ou interior), escolaridade, renda familiar, sexo,

idade e cor da pele;

2. Contato com a mídia – Três variáveis que mensuram dimensões diferentes: a atenção dada

a notícias de política na televisão; o consumo diário de televisão em geral e a exposição

semanal ao Jornal Nacional;

3. Contato direto - Variáveis que indicam se o indivíduo procurou algum órgão público

municipal, estadual ou federal ao longo do ano anterior à realização da pesquisa e variáveis

que expressam a utilização de três serviços públicos específicos (de transportes, polícia e

hospital público).

Os dados dos dois modelos de regressão logística multinomial estão organizados de

modo que a avaliação negativa é a categoria de referência. Assim, os efeitos das variáveis

independentes em cada um dos modelos (um referente à avaliação regular e outro, à

avaliação positiva) têm que ser interpretados de forma comparada, sempre em relação à

avaliação negativa. Resumo das regressões aparecem nas tabelas 4 e 5.

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Tabela 4 . Preditores da avaliação regular dos serviços públicos

B Erro- padrão

P valor Razão de chance

Efeito percentual4

Intercepto -0,737 0,387 0,057 Município (referência: interior) Capital ou região metropolitana 0,350 0,135 0,010** 1,419 41,9% Gênero (referência: Feminino) Masculino 0,097 0,125 0,438 1,102 10,2 Idade (referência: 16-24) 25-34 0,187 0,188 0,318 1,206 20,6 35-44 -0,010 0,204 0,963 0,991 - 0,9 45-59 0,157 0,210 0,453 1,170 17 60 ou mais 0,037 0,260 0,887 1,038 3,8 Instrução (referência: até primário incompleto) Primário completo -0,098 0,226 0,665 0,907 - 9,3 Fundamental incompleto/ completo -0,172 0,199 0,387 0,842 - 15,8 Médio incompleto/ completo -0,376 0,205 0,067* 0,687 - 31,3 Superior incompleto ou mais -0,653 0,272 0,017** 0,521 - 47,9 Renda familiar (referência: baixa) Média 0,185 0,144 0,200 1,203 20,3 Alta 0,085 0,193 0,660 1,088 8,8 Cor da pele (referência: pretos) Pardos 0,341 0,199 0,086* 1,407 40,7 Brancos 0,333 0,205 0,105 1,395 39,5 Exposição à TV em geral (referência: Não assiste/ até 1 hora por dia) De 2 até 3 horas 0,160 0,157 0,308 1,173 17,3 Até 4 horas ou mais 0,272 0,174 0,118 1,312 31,2 Atenção a notícias sobre política na TV (referência: Nenhuma) Pouca -0,071 0,151 0,639 0,932 - 6,8 Alguma/ muita -0,337 0,161 0,037** 0,714 - 28,6 Exposição ao JN (referência: Não assiste/ 1 dia na semana) 2 ou 3 dias -0,154 0,192 0,421 0,857 - 14,3 De 4 a todos os dias 0,151 0,178 0,396 1,163 16,3 Procurou serviço público ano passado (referência: não) Sim -0,199 0,133 0,134 0,819 - 18,1 Utilizou serviços de hospital público (referência: não) Sim 0,020 00,153 0,894 1,021 2,1 Utilizou serviços de polícia (referência: não) Sim 0,008 ,160 0,961 1,008 0,8 Utilizou serviços de transporte público (referência: não) Sim 0,130 0,160 0,415 1,139 13,9 Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas *Significância ao nível de p<0,10 **Significância ao nível de p<0,05

Para a avaliação regular, quatro variáveis explicativas apresentam significância

estatística: local de residência; instrução, cor e atenção a notícias sobre política na

televisão. Os cidadãos que moram em cidades que são capitais ou fazem parte da região

4 O efeito percentual é resultado da equação (Razão de chance – 1) * 100 e indica qual o diferencial em relação à

categoria de referência

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metropolitana apresentam 41,9% mais probabilidade de avaliar os serviços públicos como

regulares, quando comparados com aqueles que moram em cidades do interior. Quanto à

instrução, observamos que possuir ensino médio (incompleto ou completo) diminui em

31,3% a probabilidade de o entrevistado avaliar os serviços como regulares, quando

comparado com os analfabetos ou pessoas com até o ensino primário incompleto. A

direção da probabilidade é a mesma no caso dos que possuem ensino superior (incompleto

ou completo), mas a intensidade é maior, atingindo a taxa de 47,9%. No que toca à cor da

pele, os dados apontam que os pardos apresentam 40,7% mais chances de avaliar os

serviços como regulares, tendo como referencial os negros.

Combinadas, as variáveis com significância estatística sugerem que a hipótese do

cidadão crítico é a mais promissora em matéria de explicar a avaliação do brasileiro sobre os

serviços públicos. Há sinal claro de que maior escolaridade e informação – ou melhor,

disposição de se informar, expressa pela variável relativa à atenção dada pela pessoa às

notícias sobre política – impacta negativamente a satisfação com os serviços públicos. É

verdade que morar em áreas mais cosmopolitas, como capitais e áreas metropolitanas, e

ter pele parda apareceram como favorecendo a avaliação regular em detrimento da

negativa. Mas foi clara a tendência de os indivíduos com instrução mais elevada avaliarem

pior a qualidade dos serviços públicos – justamente a dimensão socioeconômica descrita

nos trabalhos do campo como tendo maior associação com a mobilização cognitiva que

marca o endurecimento dos critérios de julgamento de órgãos e práticas do Estado.

Sinais na mesma direção foram obtidos no modelo de regressão da avaliação

positiva (tabela 5). Praticamente todas as variáveis estatisticamente significantes se

mantêm e com efeito substancialmente mais forte nesse teste. Assim, escolaridade

mostrou favorecer comportamento mais crítico, estimulando avaliação negativa em

comparação à positiva. Entre as variáveis de mídia, novamente foi alguma ou muita atenção

às notícias sobre política na televisão que mostrou impactar a avaliação. E, de novo, com

sentido negativo, diminuindo a probabilidade de o entrevistado manifestar avaliação

positiva em detrimento da negativa.

Morar em capital ou região metropolitana e ter pele de cor parda ou branca – essa

segunda categoria com significância estatística somente neste modelo – aumentam a

probabilidade de os cidadãos demonstrarem maior satisfação com os serviços públicos. É

plausível pensar que cidadãos que moram em regiões de maior centralidade geográfica –

capitais e regiões metropolitanas – assim como em áreas com menor concentração de

pessoas de pele negra sejam atendidos por serviços de melhor qualidade, por conta de

desigualdades na distribuição espacial das agências estatais ou da qualidade do

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atendimento que prestam. Como nosso estudo não se debruçou sobre indicadores

objetivos sobre o desempenho dos serviços públicos, essa é uma hipótese a ser testada em

estudos com desenho de pesquisa diferente, que possa quantificar o impacto do

desempenho concreto na avaliação subjetiva do cidadão.

Resta comentar ainda um achado relevante do segundo modelo analisado: uma das

variáveis relativa ao contato pessoal ou acesso direto com os serviços públicos obteve

significância estatística, indicando que esse é quesito que diferencia os cidadãos em termos

de impacto na avaliação dos serviços públicos. Aqueles que afirmam ter procurado no ano

anterior à aplicação da pesquisa algum tipo de serviço público, seja ele de qualquer esfera

governamental (federal, estadual ou municipal), apresentam 33,1% menos probabilidade de

avaliar positivamente os serviços do que aqueles que não procuraram nenhum órgão

público. Ou seja, o contato com o serviço público aponta favorecimento de avaliações

negativas em detrimento de avaliações positivas, evidência que aparece em choque com os

resultados obtidos pelo instituto MORI (2003) para o Reino Unido. A avaliação geral mais

negativa dos serviços públicos brasileiros contribui para entender essa evidência. É possível

pensar que, ao ter contato com o serviço público de qualidade relativamente rebaixada

existente no país, o cidadão desenvolve percepção pior – e não melhor – dos préstimos das

agências estatais.

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Tabela 5. Preditores da avaliação positiva dos serviços públicos

B Erro- padrão

P valor Razões de chance

Efeito percentual

Intercepto -1,243 0,446 0,005 Município (referência: Interior) Capital ou região metropolitana 0,729 0,159 0,000** 2,073 107,3% Gênero (referência: Feminino) Masculino 0,174 0,141 0,218 1,190 19 Idade (referência: 16-24) 25-34 -0,015 0,211 0,942 0,985 -1,5 35-44 -0,348 0,234 0,138 0,706 -29,4 45-59 -0,022 0,235 0,925 0,978 -2,2 60 ou mais 0,189 0,278 0,497 1,208 20,8 Instrução (referência: até primário incompleto) Primário completo -0,286 0,246 0,245 0,751 -24,9 Fundamental incompleto/ completo -0,122 0,214 0,570 0,886 -21,4 Médio incompleto/ completo -0,487 0,227 0,032** 0,615 -38,5 Superior incompleto ou mais -1,341 0,345 0,000** 0,262 -73,8 Renda familiar (referência: Baixa) Média 0,102 0,159 0,522 1,107 10,7 Alta 0,147 0,217 0,500 1,158 15,8 Cor da pele (referência: Pretos) Pardos 0,733 0,251 0,004** 2,082 108,2 Brancos 0,766 0,257 0,003** 2,150 115 Exposição à TV em geral (referência: Não assiste/ até 1 hora por dia) De 2 até 3 horas 0,232 0,171 0,175 1,261 126,1 Até 4 horas ou mais -0,007 0,200 0,971 0,993 -0,7 Atenção a notícias sobre política na TV (referência: Nenhuma) Pouca -0,212 0,169 0,211 0,809 -19,1 Alguma/ muita -0,325 0,179 0,069* 0,722 -27,8 Exposição ao JN (referência: Não assiste/ 1 dia na semana) 2 ou 3 dias -0,059 0,210 0,777 0,942 -5,8 De 4 a todos os dias 0,045 0,201 0,822 1,046 4,6 Procurou serviço público ano passado (referência: não) Sim -0,403 0,152 0,008** 0,669 -33,1 Utilizou serviços de hospital público (referência: não) Sim 0,164 0,172 0,341 1,178 17,8 Utilizou serviços de polícia (referência: não) Sim 0,026 0,182 0,887 1,026 2,6 Utilizou serviços de transporte público (referência: não) Sim -0,103 0,169 0,544 0,902 -9,8 Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas *Significância ao nível de p<0,10 **Significância ao nível de p<0,05

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências colhidas nas análises empíricas reproduzidas neste capítulo sugerem

que a hipótese do cidadão crítico se aplica ao Brasil, no que se refere à avaliação dos

serviços públicos. São os setores mais escolarizados e informados os que avaliam mais

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negativamente os serviços prestados por agências estatais, o que sugere que a mobilização

cognitiva ampliada favorece uma relação de maior ceticismo diante da ação do Estado.

Sobretudo variáveis relativas à escolaridade mostraram-se preditor consistente de

apreciação menos favorável dos serviços públicos. Nesse sentido, este trabalho confirma e

aprofunda para o caso brasileiro os achados de Inglehart (1999), Norris (1999) e Figueiredo;

Torres; Bichir (2006).

O resultado descortina, portanto, um paradoxo: são justamente os brasileiros que

estão entre os mais incluídos, aqueles que tiveram mais acesso à educação e têm estímulo

para buscar informações sobre a política, os que avaliam os serviços públicos mais

criticamente. É plausível supor que esses segmentos também façam parte dos setores que

mais acesso têm aos serviços públicos ou que têm acesso a serviços públicos de maior

qualidade.

Importante observar que a avaliação dos serviços públicos brasileiros gerada a

partir do survey “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas”, realizado em

2006, é mais negativa do que positiva. Nesse sentido, destoa da feita pelos britânicos

diante dos serviços prestados pelas agências públicas do Reino Unido. Isso, por si só, é sinal

de baixa responsividade das instituições estatais brasileiras, pois o retrato geral que emerge

deste trabalho é o de um Estado incapaz de atender às expectativas do cidadão. É discutível

se essas expectativas se encontram em patamar adequado diante dos recursos concretos

do país; o que não é discutível é a percepção do cidadão de que os serviços propiciados

pelo Estado frustram seus critérios a ponto de vários deles merecerem ser avaliados como

ruins ou péssimos.

Este trabalho também serve de alerta para a necessidade de compreender melhor o

que deve ser entendido como experiência com as instituições, considerada fator capaz de

levar inclusive à revisão dos valores do cidadão. Nos modelos testados neste capítulo, os

usos da mídia não mostraram influência decisiva sobre a avaliação dos serviços públicos. A

variável relativa à mídia que teve impacto de fato – atenção prestada às notícias políticas na

televisão – se refere muito mais ao perfil do indivíduo do que à exposição ou aos conteúdos

veiculados. Variáveis sobre audiência à televisão em geral e ao Jornal Nacional

especificamente não tiveram efeito independente sobre a percepção dos serviços públicos.

Também o contato direto se revelou pouco decisivo para a avaliação dos usuários

dos serviços. Favoreceu a percepção negativa em contraposição à positiva, mas não

influenciou como preditor da avaliação regular. Os achados se assemelham aos de Bonifácio

(2009), que verificou que não haver tendência clara de associação entre uso de

determinado serviço público e a avaliação sobre ele. No trabalho do autor, três serviços

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foram avaliados e o contato direto não apresentou relação estatisticamente consistente

com maior satisfação em um caso, teve associação positiva em outro e negativa no terceiro

caso.

Em resumo, as duas formas de contato com os serviços públicos – pela mídia e

como usuário – se apresentaram como experiência com efeitos modestos ou desprezíveis

sobre a percepção das instituições.

Vale ressaltar que, quando teve influência, o contato com o serviço público

impactou negativamente o julgamento do cidadão. É um resultado que vai em direção

oposta à verificada pelo MORI (2003) na Grã-Bretanha. Talvez a explicação resida em três

aspectos:

(1) Há grande diferença de percepção de qualidade dos serviços públicos selecionados

entre Grã-Bretanha e Brasil, com muito mais considerações positivas no primeiro caso que

no segundo;

(2) A natureza das medidas é diferente, sendo que os dados nacionais aferem de modo

generalizante o acesso dos cidadãos aos serviços públicos e, no estudo britânico, essa

medição foi mais específica.

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Anexo

Tabela 1 . Freqüências das variáveis independentes

Variável Frequências Total*

Interior Capital ou reg. metro.

Local de moradia

37,1% 62,9%

2.004

Feminino Masculino Sexo 51,6 48,4

2.004

De 16 a 24 anos

De 25 a 34 anos

De 35 a 44 anos

De 45 a 59 anos

60 anos ou mais

Idade

20,4% 24,5% 20,6% 21,3% 13,3%

2.004

Analf./Primário inc.

Primário completo

Fund. inc. ou compl.

Médio inc ou compl.

Superior inc./comp.

Escolaridade

22,4% 12,6% 26% 28,6% 10,4%

2.004

Baixa Média Alta Renda familiar 37,1% 43,8% 19,1%

1.839

Preto Pardo Branco Cor da pele 10,8% 49,5% 39,8%

1.944

Ñ vê/1 h diária

2 a 3 horas 4 horas ou mais

Audiência à TV em geral

28,2% 44,5% 27,4

2.003

Nenhuma Pouca Alguma/ muita

Atenção às notícias sobre política na TV

38,5% 32,5% 29%

2.001

Nenhum/1 dia por semana

De 2 a 3 dias

4 dias ou mais

Exposição ao Jornal Nacional

19,1% 28,8% 52,1%

2.001

Não Sim Procurou serviço público no ano anterior

62,2% 37,8% 2.000

Não Sim Utilizou hospital público 27,3% 72,7%

2.001

Não Sim Utilizou polícia 82,4% 17,6%

2.002

Não Sim Utilizou transporte público 25,9% 74,1%

2.004

Fonte: Survey A desconfiança do cidadão das instituições democráticas * Respostas “não sabe” e entrevistados que não quiseram responder fazem alguns totais não atingirem 2004 casos

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O PAPEL DA CONFIANÇA PARA A DEMOCRACIA E SUAS PERSPECTIVAS

RACHEL MENEGUELLO e JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

Com o objetivo de avançar no estudo da qualidade da democracia brasileira, um dos

principais aspectos resultantes das discussões desenvolvidas nos capítulos do presente

livro foi uma resposta à questão freqüentemente formulada pelos céticos das interações

entre a cultura política e o funcionamento do sistema político: “por que é tão importante

confiar nas instituições?” (PRZEWORSKI, 2007).

Para a teoria democrática, sua importância está exatamente no fato de que nas

democracias modernas foi dado às instituições o papel de mediadores dos interesses dos

indivíduos, são elas que atuam na intermediação das relações entre os cidadãos e o sistema

político. Esse é o ponto que distingue a democracia das demais formas de governo e o que

confere à confiança institucional o seu conteúdo normativo. Dessa forma, os níveis de

confiança institucional refletem a percepção do funcionamento do sistema como um todo e

são definitivos na criação de níveis de apoio e satisfação com o regime democrático.

Mas é da observação dos dados sobre a adesão ao regime democrático que deriva a

centralidade dessa questão. As informações sobre a preferência pela democracia no país

mostram que, desde o início da democratização, ela cresce no tempo em uma tendência

contínua, mas ainda é acompanhada de uma média de 30% de cidadãos que afirmam poder

apoiar a ditadura em determinadas situações ou, por outro lado, que nem se importam com

o tipo de regime sob o qual vivem, apontando para um claro distanciamento da política e de

seu funcionamento.

Essas informações compartilham, de forma ampla em escala internacional, os

índices de baixa credibilidade institucional, sobretudo, relacionados à desconfiança das

instituições representativas. Em países com experiências ditatoriais recentes, a herança

autoritária mostrou que tem peso significativo na definição de parâmetros para a relação

dos cidadãos com as instituições, no envolvimento com a política e na credibilidade do

sistema. É isso o que indicam as pesquisas sobre regimes que transitaram de ditaduras para

democracias, nos quais os déficits percebidos pelo público no terreno do cumprimento às

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leis, dos níveis de corrupção e do cerceamento de liberdades condicionam os graus de

apoio político ao regime constituído, o qual, por sua vez, se estabelece sob os

constrangimentos das denominadas “democracias incompletas” (SHIN, 2007; ROSE & SHIN,

2001; RAINER & SIEDLER, 2006).

As reflexões apresentadas neste livro se concentraram em dois objetivos principais,

por um lado, na busca da natureza das relações que explicariam os determinantes da

avaliação predominantemente negativa das instituições encontrada no cenário brasileiro e,

por outro, no mapeamento das associações da atitude de desconfiança com um conjunto

de outras atitudes, opiniões e comportamentos do público a respeito do regime

democrático. Nessa direção, uma das principais conclusões a destacar mostra que os

determinantes da atitude de desconfiança estão relacionados com o desempenho concreto

das instituições democráticas, assim como, com os valores e perspectivas normativas

adotados pelo público a respeito da missão das instituições analisadas.

As discussões apresentadas nos vários capítulos mostraram que, para os vários

temas analisados e associados com o debate contemporâneo sobre a democratização –

como o fenômeno da adesão ao regime democrático e da legitimidade política; as relações

entre educação e democracia; corrupção e democracia; mídia e confiança política;

confiança, cidadania, participação e envolvimento político; confiança na justiça e na polícia

e, finalmente, a avaliação do desempenho de ações estatais observadas através dos

serviços públicos -, as atitudes e comportamentos de confiança ou desconfiança política

não constituem isoladamente explicações suficientes. Seus determinantes recorrem a

múltiplos fatores, como as dimensões socioeconômicas e demográficas, a avaliação do

desempenho da economia, da política e de governos específicos, as associações com

credos religiosos e partidos políticos, assim como os fatores associados com a cultura

política, a exemplo da própria confiança.

Esse conjunto de relações explicativas responde à própria natureza do fenômeno

estudado: a desconfiança política é estrutural e afeta, senão todas, a grande maioria das

instituições. Além disso, ela não é um fenômeno transitório, associado a uma situação

específica, como denúncias de escândalos ou crises políticas. A desconfiança é um

fenômeno persistente da relação entre os cidadãos brasileiros e as instituições, tal como já

mostravam as pesquisas conduzidas ao longo das últimas duas décadas.

Assim, por um lado, os resultados encontrados acompanham o que parte da

literatura da cultura política vem afirmando há anos, ou seja, que a ação e as condutas

políticas observadas contemporaneamente são influenciadas por múltiplos fatores

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intervenientes, dentre os quais a confiança tem um papel central, como indicaram Almond

e Verba (1963), Easton (1967, 1975) e, mais recentemente, Norris (1999), Inglehart (1999),

Putnam(1993), Rose(1994), Shin (2005). Por outro, acompanhando o que afirma parte da

literatura da ciência política que tem se debruçado sobre esse tema central para os estudos

sobre a democracia, os resultados confirmam a convergência entre as abordagens

culturalista e institucionalista para a interpretação do fenômeno da desconfiança política.

Em especifico, as análises apontam a necessidade da adoção de modelos explicativos que

articulem, de forma efetiva, as duas perspectivas, no sentido de integrar os referenciais

culturais e valorativos a indicadores institucionais e referenciais econômicos objetivos

(MOISÉS, 2010).

As reflexões apresentadas indicam que a explicação do fenômeno de desconfiança

política no Brasil, assim como a de um conjunto de outras atitudes relacionadas aos

posicionamentos dos indivíduos a respeito do regime democrático, tem natureza

multidimensional e recorre a valores e avaliações objetivas, como a percepção da

economia, da política e dos governos do momento. Esses achados representam

importantes avanços do conhecimento na área, sobretudo porque contribuem para mitigar

lacunas ainda existentes no campo das investigações sobre as bases de massa da

legitimidade democrática no país. Nesse sentido, a realização da pesquisa nacional de

opinião aplicada em 2006, utilizando questões e variáveis consagradas nos estudos

nacionais e internacionais, contribuiu substantiva e metodologicamente para o estudo

longitudinal da democratização.

Mas, para além das conclusões sobre as contribuições dos vários trabalhos

apresentados, os resultados encontrados colocaram novos problemas para a compreensão

do fenômeno democrático. Uma primeira questão diz respeito à emergência e

desenvolvimento dos recentes governos de esquerda na região latino americana. Para os

países da America Latina, em especial os da América do Sul, que experimentaram ditaduras

militares nas décadas de 1960, 1970 e 1980, a preocupação com a transição política e com as

bases de adesão ao regime é central.

Apesar do êxito do processo de construção institucional e da dinâmica eleitoral e

partidária como forma de alternância de poder, e que possibilitaram as recentes vitórias de

governos de esquerda, os governos e as políticas compensatórias não têm se mostrado

capazes de responder adequadamente às fortes desigualdades sociais. A região apresenta

variações importantes desse fenômeno, inclusive definindo lideranças de perfis distintos e

com impactos variados sobre a percepção e a legitimidade do sistema. Em que medida, por

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exemplo, no caso do Brasil os processos políticos recentes desenvolvidos sob os últimos

governos tiveram impacto sobre os cidadãos, no que tange à sua percepção da democracia

e do desempenho do regime? A percepção e o acesso aos benefícios de políticas de

redistribuição de renda – sejam as políticas implantadas no atual governo, sejam aquelas

desenvolvidas em continuidade aos governos anteriores - definiram concepções específicas

sobre o papel do Estado, o funcionamento democrático e as noções de cidadania? Nosso

suposto e nossa intuição são que a aplicação de variáveis e indicadores específicos, que

combinem percepções sobre o desempenho do sistema, avaliação de políticas e

levantamento de valores democráticos possam, por um lado, produzir novos resultados

capazes de dialogar com a bibliografia sobre o desenvolvimento recente do regime

democrático na região e, sobretudo, delinear os avanços recentes da percepção sobre a

democracia à luz das ações do Estado, em sentido amplo, e dos governos de esquerda e

suas políticas, em específico.

Este cenário derivado da pesquisa do caso brasileiro, também pode ser identificado

no âmbito dos processos políticos recentes de outros países latino-americanos. Nos últimos

anos, tendências políticas definidas à esquerda do espectro ideológico definiram vitórias

eleitorais que não resultaram necessariamente em níveis mais fortes de adesão aos

construtos institucionais democráticos, em especial, no que se refere à consolidação do

primado da lei, à estrutura de direitos de cidadania e os mecanismos de accountability –

todos centrais para a avaliação da qualidade da democracia. Ao contrário, dados de

pesquisas recentes mostraram que os segmentos de cidadãos com orientações mais à

esquerda apóiam menos as instituições políticas e os valores democráticos, inclusive

conferindo extraordinário poder pessoal aos presidentes nacionais (SELIGSON, 2007).

Esses cenários sugerem que o estudo das formas e conceitos de liderança

democrática e de neopopulismo observados, bem como as implicações do

presidencialismo, forma histórica e dominante de organização do poder político na região,

sobre as modalidades de cidadania e dos níveis de participação e de adesão democráticas

vigentes, permitiriam capturar os efeitos da organização do sistema representativo sobre

os posicionamentos dos cidadãos, as suas percepções a respeito de seu funcionamento, e

os padrões de cidadania daí derivados.

Nessa direção, os achados da pesquisa relatados neste livro apontam para a

necessidade de aprofundamento do tema da representação política. Algumas das reflexões

apresentadas mostraram que as atitudes de desconfiança com relação aos partidos e ao

parlamento têm impacto sobre as relações entre os indivíduos e a política em seu sentido

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amplo, mas elas não permitem avançar o conhecimento para além da avaliação do

desempenho institucional, ou seja, especificamente sobre as imagens e expectativas

efetivas que as pessoas têm dessas instituições. O que os indivíduos pensam, esperam e

desejam de partidos e parlamentos? Essas instituições são irrelevantes ou são vistas como

possibilidades efetivas de mediação de interesses e de preferências? Nesse sentido,

acreditamos que pesquisas mais aprofundadas se impõem, seja para dar conta da

fragilidade com a qual os indicadores aplicados se apresentaram, impossibilitando

explicações renovadas sobre a baixa identidade com os partidos políticos e as instituições

representativas, seja para apreender melhor o lugar da tradição, da cultura política e da

ideologia como parâmetros de posicionamentos individuais. Embora as análises consagrem

a escolha eleitoral como norma e valor presentes nas referências dos brasileiros - e

sabemos que assim também ocorre para boa parte dos latino-americanos - os

posicionamentos são distintos quando referidos às instituições e ao seu funcionamento.

Ademais, o tema da relação entre corrupção e democracia emergiu com destaque.

As análises apresentadas sobre a questão avançaram de forma significativa na

caracterização do fenômeno, em especial, no que se refere às percepções das pessoas

sobre a corrupção e, sobretudo, quanto ao impacto dessas percepções para a desconfiança

de instituições. Mas, em vista da verificação de que a tolerância pública diante da corrupção

joga um papel importante para entender a dinâmica desse fenômeno (ver MOISES, capítulo

7 deste livro), nossos dados apontam a necessidade de afinar ainda mais os indicadores que

permitam detectar a relação das pessoas comuns com a corrupção para, a partir disso,

apreender em que medida a tolerância social com a corrupção afeta a qualidade da

democracia brasileira. Em específico, parece necessário aprofundar a análise do impacto

desse fenômeno para a competição política, a igualdade entre contendores, o investimento

de recursos em políticas públicas consideradas prioritárias pelos eleitores, e a efetividade

dos mecanismos de accountability, que têm forte relação com a qualidade da democracia.

Finalmente, consideramos também que as questões elencadas motivam uma

revisão quanto à aplicação de medidas de survey e confirmam a necessidade de uma

produção continuada de dados sobre comportamento político no país. O avanço do

conhecimento sobre as transições políticas sugere que as medidas consagradas de

satisfação com regime, ou as variáveis associadas ao modelo idealista, que buscam níveis de

adesão e preferência pela democracia, não conseguem discriminar a contento as distinções

existentes entre regimes variados (KLINGEMANN, 1999; MISHLER, 2006).

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Algumas análises sobre as transições apontam, ainda, que a medida de confiança

tem lugar limitado como medida de apoio à democracia, em um sentido distinto das

hipóteses originais de nossa pesquisa (MISHLER & ROSE, 2005). Parte da literatura sugere,

por exemplo, que os cidadãos de regimes políticos democráticos recentes têm menor

cognição sobre os significados da democracia e de seus princípios, mas têm uma

experiência de vida com o regime anterior autoritário que lhes permite avaliar o novo

regime de forma mais adequada através da comparação por medidas realistas. Nossa

pesquisa avançou nessa direção explorando variáveis de memória política que permitiram

analisar o desempenho dos governos brasileiros pós-1985, em comparação com os últimos

governos do regime militar em algumas dimensões, a avaliação da situação dos direitos

humanos, da corrupção e da economia.

Embora os resultados encontrados tenham reiterado o peso exercido pela

percepção do governo do momento sobre os posicionamentos dos entrevistados, presente

em outras relações analisadas na pesquisa, identificamos que o processo eleitoral e a

campanha pela reeleição do governo federal em 2006 teve impacto sobre os resultados dos

modelos estatísticos, já que a pesquisa foi realizada em junho daquele ano (MENEGUELLO,

2011). Concordamos com Rose (2007) quando aponta que o comportamento político está

definitivamente condicionado às influências do tempo e da história, e que “ignorar essas

influências sobre o comportamento no momento da realização de um survey é agir como se

o passado não tivesse existência empírica” (ROSE, 2007, p286).

A tradição de estudos sistemáticos de análise longitudinal da evolução da relação

dos cidadãos brasileiros com o regime democrático precisa avançar mais de modo a

permitir apreender no tempo as variações das atitudes e percepções quanto ao

funcionamento do sistema político em geral e suas instituições em particular. Como se

sabe, o conhecimento das bases subjacentes do fenômeno da confiança institucional e do

desafio que isso coloca para a democracia brasileira não resulta de um único estudo

realizado no tempo. Por isso, uma das conclusões mais importantes que emerge do esforço

coletivo apresentado neste livro é a necessidade de desenvolvimento de um programa de

pesquisa e de produção de dados que seja permanente e suficientemente abrangente para

avançar o conhecimento do fenômeno democrático brasileiro.

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