A Despossessão Subjetiva Na Religião

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A "DESPOSSESSÃO SUBJETIVA": Dos paradoxos do individualismo (*) Tania Salem Apresentação A proposta deste artigo é repensar o modo como cientistas sociais vêm tematizando a categoria moderna de Pessoa, consubstanciada na noção de indivíduo e, em especial, na de indivíduo psicológico. Argumento pela incorporação, na análise, da representação de uma "despossessão subjetiva" - vale dizer, da premissa de que há uma instância no interior do próprio sujeito que o constrange às expensas de sua vontade e consciência (Gauchet & Swain, 190). Tal concepção - expressa exemplarmente no conceito freudiano de inconsciente, mas cuja emergência remonta aos primeiros alienistas - reveste a noção de indivíduo psicológico de especificidades cruciais que, a meu ver, são menosprezadas pela bibliografia. A consideração da "despossessão subjetiva" permite, de um lado, depreender descontinuidades significativas na representação do sujeito psicológico, relativamente à de seu predecessor - o indivíduo jurídico -, em

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A "DESPOSSESSO SUBJETIVA":Dos paradoxos do individualismo (*)Tania SalemApresentaoA proposta deste artigo repensar o modo como cientistas sociais vm tematizando a categoria moderna de Pessoa, consubstanciada na noo deindivduoe, em especial, na de indivduo psicolgico. Argumento pela incorporao, na anlise, da representao de uma "despossesso subjetiva" - vale dizer, da premissa de que h uma instncia no interior do prprio sujeito que o constrange s expensas de sua vontade e conscincia (Gauchet & Swain, 190). Tal concepo - expressa exemplarmente no conceito freudiano de inconsciente, mas cuja emergncia remonta aos primeiros alienistas - reveste a noo de indivduo psicolgico de especificidades cruciais que, a meu ver, so menosprezadas pela bibliografia. A considerao da "despossesso subjetiva" permite, de um lado, depreender descontinuidades significativas na representao do sujeito psicolgico, relativamente de seu predecessor - o indivduo jurdico -, em contraste com as postulaes de cientistas sociais que, de um modo geral, assinalam, entre as duas concepes, um desdobramento mais ou menos linear. De outro, a partir de implicaes subjacentes tese em pauta, torna-se possvel vislumbrar paradoxos endmicos configurao de valores individualista, pensada, estritamente, no plano de suas representaes. No se trata aqui de colocar em questo a centralidade que o valor-indivduo assume no contexto moderno. Pelo contrrio, o artigo - que na ltima sesso discute com psicanalistas - sustenta que o indivduo psicolgico, bem como a concepo de uma "despossesso subjetiva", s adquire sentido e inteligibilidade em um universo individualista.Do "individualismo possessivo" ao sujeito psicolgico: inflexes e descontinuidadesUma tradio recente, mas vigorosa, nas cincias sociais vem tematizando, sob a gide de um empenho relativizador, a representao moderna de Pessoa consubstanciada na noo deindivduo.Os primrdios dessa linha de investigao localizam-se na Escola Sociolgica Francesa - em especial, no clssico artigo de Mauss sobre o tema (Mauss, 1974)(1). Mas h um relativo consenso de que Dumont o autor contemporneo que mais extensa e sistematicamente se empenhou na relativizao e na crtica contumaz da moderna categoria de indivduo. Para os fins deste artigo, interessa reter apenas algumas de suas consideraes - alis, as mais conhecidas.A tese central de Dumont gravita em torno da oposio entre individualismo - enquanto encarnao da ideologia ocidental moderna - e holismo - enquanto padro ideolgico predominante nas sociedades tradicionais. So holistas as vises do mundo ou de sociedades(2)fundadas no princpio onipresente da hierarquia. Nelas, a configurao de valores cimenta-se em torno de uma considerao normativa abarcaste - geralmente consubstanciada na religio -que engloba, de modo hierrquico, todos os outros nveis da vida social. Nesse contexto - marcado pela preeminncia valorativa do todo sobre as partes, e das relaes sobre os elementos -, a identidade, bem como a inteligibilidade de cada unidade, no passvel de ser depreendida em seus prprios termos. Tais atributos so sempre relacionalmente definidos, estando atrelados ao papel que o elemento cumpre em uma unidade maior que o extrapola e o contm (cf. Dumont, 1970a, pp. 32-33, e 1977, pp. 12-13).Em contraposio, na configurao ideolgica moderna, a totalidade hierarquicamente ordenada esfacela-se graas vigncia do princpio segmentador igualitrio que implica, seguindo Dumont, a averso a englobamentos. Nesse universo ideolgico - no qual as partes prevalecem sobre o todo e os elementos sobre as relaes -, o indivduo desponta comovalormoral central e como fundamento das instituies jurdicas, polticas e filosficas. Em contraste com a viso de mundo holista, que concebe a pessoa como socialmente qualificada, a ideologia individualista atribui ao indivduo oestatuto de um ser moralmente autnomo, pr-social - isto , como tendo uma existncia logicamente anterior sociedade - e, no limite, como um ser no-social, haja vista a tendncia a obscurecer ou a suprimir o carter social de sua natureza. Afora um compromisso visceral com os preceitos da "mudana" e do "progresso", associam-se a esse sujeito, como atributos de essncia, aigualdadee aliberdade.Instaura-se, assim, nessa configurao moral, algo impensvel em contextos holistas: a representao de uma oposio entre indivduo e sociedade (Dumont, 1970a, p. 32). As teses de Macpherson (1979) sobre o "individualismo possessivo" - que, segundo o autor, atravessa como categoria central a teoria poltica liberal inglesa do sculo XVII ao XIX - apresentam coincidncias notveis com as formulaes dumontianas. Com aquela expresso, Macpherson pretende denotar uma nova crena no valor e nos direitos do indivduo e, em um empenho desnaturalizaste, argumenta que o novo iderio constitui uma 'racionalizao' das caractersticas essenciais da nascente sociedade de mercado possessivo. O autor define o "individualismo possessivo" como uma"concepo do indivduo como sendo proprietrio de sua prpria pessoa e capacidades, nada devendo sociedade por elas. O indivduo no era visgo (...) como parte de um todo social mais amplo, mas como proprietrio de si mesmo. A relao de propriedade (...) era vista na natureza do indivduo. Achava-se que o indivduo livre na medida em que proprietrio de sua pessoa e de suas capacidades. A essncia humana ser livre da dependncia das vontades alheias, e a liberdade existe como exerccio de posse" (1979, p. 15).Importa destacar, com base nos dois autores, que no perodo em questo se consolida o processo que, gostado lentamente atravs dos sculos no Ocidente cristo, desgua no sentido secularizado e "desencantado" de que se reveste o indivduo: despido de qualquer transcendncia - seja sobrenatural, seja social - ele justifica-se por uma lgica especfica a ele prprio. Nasce, assim, o indivduo no sentido moderno da palavra: um ser reconhecido como portador de direitos originrios e inalienveis (posto que supostamente fundados na natureza humana), anterior ao fato social e juridicamente senhor de si mesmo. Sua humanidade, do mesmo modo que qualidades como liberdade e vontade, dispensam desgnios externos, afirmando-se no sujeito sob a forma de posse. A sociedade de um modo geral, e a poltica em particular, tambm perdem transcendncia: elas passam a ser encaradas como uma "coleo de indivduos justapostos" que, por deciso racional e voluntria, 'optam' por associar-se cone base em um contrato social com vistas a proteger seus interesses individuais (ver, sobre a questo, Macpherson, 1979, p. 15, e Dumont, 1970a, p. 32).No obstante, as teses de Dumont, tal como as de Macpherson, revelam-se insuficientes para a apreenso da categoria moderna de indivduo. Tem-se salientado que as anlises do primeiro autor - e a ressalva igualmente pertinente para as do segundo -, estando presas ao espao poltico e econmico, esto tambm vinculadas a uma viso formalista e juridicista de indivduo como possuidor de direitos e deveres. Nessa medida, argumenta-se, suas ilaes obscurecem uma qualidade fundamental na representao do sujeito moderno, a saber, sua dimenso "interna" ou "psicolgica"(3).O recurso s anlises de Simmel (1971), Lasch (1979), Sennett (1978), Aris (1978), Foucault (1982a), entre outros, vem cumprindo o papel de suprir o 'elo falante' relativamente ao eixo analtico dumontiano. Ainda que, seguindo modelos epistemolgicos radicalmente distintos, os autores se debrucem sobre o espao considerado prprio ao "psicolgico" ou sobre o plano da "subjetividade" - conforme atesta a nfase em categorias como "personalidade", "conscincia de si","inner-self'e/ou "individualidade'". importante frisar que tais anlises no contestam, no sujeito, os atributos decorrentes de sua afirmao como ser jurdico. Sustentam apenas que se adiciona a estes sua ' natureza' de ser psicolgico, encarada como uma espcie de mais um desdobramento da difuso do individualismo. Ainda assim, esse deslocamento de foco implica a considerao de qualidades outras que no apenas a "liberdade" e a "igualdade" como constitutivas do sujeito moderno. Seja agregando-se a estas, seja subordinando a idia de igualdade, salientam-se agora questes como "unicidade" e "singularidade"(4). Sublinha-se tambm - com a indignao de uns e a exaltao de outros - que o mundo interno entronizado como sede da "verdade" do sujeito.Para alm de diferenas por vezes irreconciliveis que separam as anlises dos autores citados, subjaz a tendncia mais ou menos consensual em associar ohomo psychologicusa qualidades como "subjetivao", "intimizao", "interiorizao psicolgica", "auto-exame" e "privatizao dos sentimentos". A expresso incide, em suma, no imperativo de uma relao a si com vistas ao auto-aperfeioamento ou, nos termos de Foucault (1982a), "obrigao da verdade". Ainda que alguns estudiosos retrocedam aos primrdios do cristianismo para postular as origens dessas "tecnologias doself"(Foucault & Sennett, 1981), h um acordo relativo quanto ao fato de que a maturidade do processo se afirma por volta do sculo XVIII.Mas o preceito da relao a si encobre outros pressupostos acerca do sujeito moderno. De modo a depreender uma importante modalidade de compreenso que a categoria 'indivduo' assume no campo das cincias sociais, tomo como caso exemplar as ilaes de Simmel sobre o tema(5). Conceitos-chave em sua obra - como"inner-self","cultura subjetiva", "cultivo interior", "individualismo qualitativo", entre outros - so denotativos da preocupao do autor com a realidade ou o espao "internos". Alm de se referirem esfera propriamente subjetiva, tais noes pretendem ressaltar aspectos idiossincrticos e irredutveis das personalidades individuais.No tenciono recuperar de modo exaustivo as consideraes do autor sobre o tema. Mesmo admitindo uma certa infidelidade ao seu pensamento, exagero intencionalmente algumas de suas colocaes de modo a reconstru-lo nos moldes de um tipo-ideal.As especulaes de Simmel sobre a categoria de indivduo - como, alis, as de tantos outros autores, que trabalham sobre a questo - esto eivadas de ambivalncias e tenses. Parece-me que a mais patente delas diz respeito a uma oscilao entre, de um lado, relatvizar a noo de indivduo singular, assinalando sua emergncia histrica, e, de outro, conceder-lhe o estatuto de uma prioriem suas anlises. A primeira proposio tipicamente expressa em "Group expansion and the development of individuality" (1971a) e tambm, em certa medida. no "Freedom and the individual" (1971b). No primeiro artigo Simmel envereda pelas formas histricas e sociolgicas que possibilitam o desenvolvimento da individualidade e da subjetivao. Aproximando-se da argumentao durkheimiana a respeito do assunto (Durkheim, 1967), Simmel propugna que a expanso quantitativa e o incremento das trocas com outros grupos produz diferenciao social, a qual, por sua vez, propicia a "conscincia de uma personalidade especfica" e a "emergncia da sensao de um ego pessoal" (1971a, pp. 273-274). Simmel encara a fragmentao da vida social de modo positivo, posto que promove as condies para o desenvolvimento da individualidade, bem como da "distino", da "singularidade" e da "suficincia de nossas vidas interiores" (1971 a, p. 274)(6).Essa "devoo de Simmel ao princpio da individualidade" (Levine, 1971, p. xlii), e "Kultur",cara ao romantismo alemo (cf. Elias, 1990), elucida ao menos em parte o fato de, em outros momentos, a especificidade interna particular emergir como o principal referente de sua anlise. Mais importante ainda: conceitos atinentes ao espao interno - como "cultura subjetiva","inner-sel"etc. - aludem, em ltima instncia, a um resduo no-social, isto , irredutvel a outra lgica que no a do indivduo(7).Poder-se-ia 'resolver' a oscilao apontada interpretando o raciocnio simmeliano nos seguintes termos: o processo de fragmentao social institui o indivduo e/ou a subjetividade ao ponto de tais instncias converterem-se em entidades refratrias ao social. Instala-se assim um paradoxo:a modernidade engendra o indivduo como um fato social imune, ao menos em parte, ao social(8). Esta 'parte' do indivduo, vista como regida por uma lgica estritamente interna e como auto-suficiente, remete precisamente para seu mundo interno. como se, uma vez socialmente deflagrados, a subjetividade ou o espao psicolgico adquirissem moto prprio, sendo precipuamente governados pela voliodo sujeito."Freedom and the individual" (1971 b) um texto condensador das observaes anteriores e permite tambm avanar outras consideraes do autor sobre o indivduo psicolgico. O argumento central refere-se a uma inflexo de nfase e de qualidade no iderio individualista. Contrastando suas formulaes do sculo XVIII com as do sculo XIX, Simmel postula um deslocamento dos valores da liberdade e da igualdade para uma outra configurao que, mantendo a idia de liberdade, acentua agora a desigualdade e a diferenciao "internas" entre indivduos. O autor prope os termos "individualismo quantitativo" e "individualismo qualitativo" para designar estas diferentes modalidades que correspondem, respectivamente, ao individualismo jurdico e ao psicolgico. Por outro lado, ao mesmo tempo que alude emergncia scio-histrica dessas configuraes, o "impulso diferenciao" ou "unicidade" por vezes tematizado como um imperativo que segue diretrizes impostas pela lgica das 'necessidades internas'. A passagem a seguir ilustrativa:"Assim que o ego se tornou suficientemente fortalecido pelo sentimento de igualdade e universalidade, buscou mais uma ver a desigualdade - mas desta vez uma desigualdade determinadade dentro para fora. Depois de o indivduo ter sido liberado das velhas cadeias da guilda, dostatusda hereditariedade, e da Igreja, a busca de independncia continuou at o ponto em que os indivduos (...) tambm ensejaram distinguir-se uns dos outros. O que importava agora (...) era ser um indivduo singular e insubstituvel " (1971 b, p. 2:22, grifo meu).Minha insistncia em destacar ovoluntarismopresente nas ilaes simmelianas - notrio na transcrio anterior, mas no s nela - justifica-se com base: na idia de que, mais do que uma estratgia analtica, tal qualidade diz respeito a uma dimenso essencial subjacente sua noo de sujeito. Este no apenas o sujeito da introspeco e da conscincia; tambm o sujeito livre, o sujeito da vontade e senhor de si. Afirma-se, em sntese,a representao de um indivduo que se possui e se autodetermina "de dentro para fora".Tal perspectiva reiterada na obra do autor de diferentes maneiras. Deve-se observar, em primeiro lugar, que se fato que a liberdade se mantm como valor na passagem do individualismo quantitativo para o qualitativo, ela parece sofrer uma transmutao de sentido. como se ela se deslocasse do plano "formal" das liberdades civis, e tambm, em certa medida, da luta do indivduo por sua independncia em relao s vontades alheias - afinal, j supostamente conquistadas -, para incidir, agora, no plano mais propriamente subjetivo. Pode-se deduzir que, com a afirmao do "individualismo qualitativo", a liberdade concerne primordialmente possibilidade de o sujeito exercer um trabalho sobre si mesmo com vistas autodeterminao interna e ao auto-aprimoramento. Assim que a "cultura subjetiva", consumada com base na razo e na conscincia, apontada como expresso mxima da liberdade do indivduo.Tambm importante frisar que ocultivo interior dispensa mediaes externas significativas.Conforme salientado por Levine, a busca de uma "individualidade autntica", em Simmel, ainda que inspirada em "valores do mundo", funda-se em uma "propenso natural" (sic) e interna: "a obrigao e a capacidade para o autocultivo esto inextricavelmente atreladas alma humana" (Levine, 1971, p. xix). Alm disso, o empenho na autoperfeio aventado, antes de tudo, como um compromisso moral do sujeito para consigo mesmo:"A perfeiodoindivduo constitui um valor objetivo, independentemente de seu significado para os outros homens, ou de sua conexo meramente acidental para com eles (...) Tudo o que se pode dizer que o mundo enriquecido pela existncia, nele, de indivduos perfeitos em si mesmos (...) A nsia do indivduo pela autoperfeio (...) pode ter, como nico efeito, criar e manter uma atitude particular tia conscincia individual"(1950a, pp. 59-60).Outras evidncias autorizam a concluir que o indivduo, em Simmel, afirma-se como um serproprietrio de sitanto perante a sociedade quanto de um ponto de vista subjetivo. A premissa expressa-se, em primeiro lugar, no fato de a instncia doselfser postulada como o nico "ponto claro" e transparente diante das "complicaes da vida moderna":"Atravs da era moderna, o que o indivduo busca o seu self, um ponto claro e fixo de referncia. A necessidade de um tal ponto fixo cada vez mais urgente, tendo em vista a complexidade sem precedentes da vida moderna, fazendo com que s seja possvel encontrar esse ponto de referncia dentro de si mesmo"(1971 b, p. 223)(9).A representao do indivduo como proprietrio de si - e, correlativamente, como o fundamento primeiro e ltimo da vida social - manifesta-se ainda na modalidade de sua relao, de um lado, com a sociedade pensada como totalidade, e, de outro, com os "outros". No que respeita primeira questo, Simmel taxativo:"(O) conflito entre o todo e a parte insolvel.A sociedade luta por ser um todo, uma unidade orgnica da qual os indivduos devem ser, to-somente, membros (e) espera que ele empregue todas suas foras em prol de uma funo especializada (...) No entanto, o impulso em direo unidade e totalidade, que caracterstico do prprio indivduo, rebela-se contra esse papel. O indivduo busca ser completo em si mesmo, e resiste a meramente ajudar a viabilizar a ansiada completude da prpria sociedade"(1950a, pp. 58-59,grifos meus).Em vrias passagens o autor explcito com respeito precedncia valorativa que ele prprio confere ao indivduo relativamente s "formas sociais". Ouso mesmo dizer que, a partir da emergncia e consolidao histrica do indivduo, a instncia do social aparece, em Simmel, seno como entrave ao desenvolvimento do sujeito, ao menos como categoria existencial e analtica subordinada(10).O valor da "busca da completude em si" anuncia a questo da relao modelar que o sujeito estabelece com os "outros". Embora capaz de proteg-lo contra o perigo de um "isolamento excessivo" ou da anomia (1971b, p. 262), ela tende a ser tensa, tal como a travada entre indivduo e sociedade. A subordinao moral da relao com o "outro" relativamente que o sujeito mantm consigo prprio reiterada na formulao de que "todas as relaes com os outros so meras estaes ao longo do caminho atravs do qual o ego chega a si" (1971 b, p. 223). Mas as proposies de Simmel contidas no seu "A metrpole e a vida mental" (Simmel, 1967) trazem luz outras consideraes sugestivas; para o tema. Ao examinar o contorno assumido pela vida psicolgica individual nas metrpoles, o autor postula:"(Nestas) a vida composta mais e mais de contedos e oferecimentos que tendem a desalojar as genunas coloraes e as caractersticas de incompatibilidade pessoais. Isto resulta em que o indivduo apele para o extremo no que se refere exclusividade e particularizao para preservar sua essncia mais pessoal (e) permanecer perceptvel para si mesmo"(1967, p. 26).Essa tendncia ou 'necessidade' exemplarmente expressa noblas.Apontado como personagem tpico das metrpoles, ele dramatiza a "atitude de reserva" desenvolvida pelo sujeito moderno como o nico meio para garantir sua liberdade pessoal:"O aspecto interior dessa reserva exterior no apenas indiferena, mas uma leve averso, estranheza e repulso mtuas (...)(A atitude blas)confere ao indivduo uma qualidade e quantidade de liberdade pessoal que no tem qualquer analogia sob outras condies "(1967, p. 20).O "outro" contra o qual o sujeito moderno deve se preservar para salvaguardar seuinner-coreno apenas seu contemporneo annimo. Discorrendo sobre o casamento, Simmel postula que, mesmo nas relaes sociais mais ntimas, o indivduo aciona mecanismos de modo a proteger"sua propriedade privada interna"(1950b, p. 329, grifo meu).Desvela-se, assim, outra qualidade essencial ao sujeito psicolgico: com base mais uma vez na deliberao consciente e voluntria,ele institui em torno de si um campo refratrio e interditado ao "outro".Em suma, radicalizando intencionalmente o pensamento de Simmel, conclui-se que, em termos modelares, o indivduo psicolgico, uma vez socialmente engendrado, converte-se em umamnada psicolgica:ele um ser autocontido, auto-referenciado e dotado de "auto-suficincia interna". Seu 'destino' no mundo, ou a principal obrigao moral que ele tem para consigo prprio, a "busca de completude em si mesmo" ou o autocultivo. O acesso a si, entendido como deflagrado e consumado por uma lgica interna ao prprio sujeito, evoca uma concepo de indivduo psicolgico como o sujeito no apenas daintrospecoe daconscincia,mas tambm o darazo,daliberdade,davontade,dadeliberao.Ele proprietrio desi, no sentido de quese possuie seautodetermina.Em outras palavras, o indivduo psicolgico em Simmel fala de um sujeito fundado em umaautonomia subjetiva radicalcapaz de erigir em torno de si um abrigo ntimo que o protege dos "outros".Dumont e Macpherson, de um lado, e Simmel, de outro, anunciam duas facetas do indivduo moderno: enquanto os dois primeiros autores incidem sobre o plano formal ou externo, o segundo desliza para o domnio mais propriamente interno. Anuncia-se, assim, a passagem do "indivduo jurdico" para o "indivduo psicolgico". Em Simmel, essas duas representaes so vistas fundamentalmente comocomplementares:oindivduo psicolgico constitui mais um desdobramento do individualismo que se agrega ao jurdico(11). Nesse deslocamento observam-se indubitavelmente importantes inflexes. No se trata mais, como j argumentei, de apenas reiterar sua independncia com relao s vontades alheias, como prev o "individualismo possessivo". Trata-se, sim, de converter a 'liberdade', a 'vontade' e a 'deliberao' em instrumentos na busca da "personalidade autntica". Resulta da que, tambm em contraste com o "individualismo possessivo", o sujeito se subjetiva, no sentido de que se reflete de modo mais sistemtico sobre seu "eu interior". No obstante, para alm dessas diferenas nada desprezveis, mantm-se, na passagem da mnada social mnada psicolgica, a concepo de um sujeito associado autodeterminao,vontadee liberdade. como se,nesse sentido especfico,o "individualismo possessivo" se deslocasse, sem mediaes signficativas, para o plano da subjetividade. Estabelece-se, entre a representao do "indivduo jural" e a do "indivduo psicolgico",homologiaecontinuidade:em ambos os casos a representao de indivduo refere-se a umsujeito autnomo, senhor de si, agente e proprietrio de sua vontade.Autores nacionais voltados para a temtica do individualismo parecem ter endossado algumas das premissas anteriormente mencionadas acerca do indivduo psicolgico. Em primeiro lugar, recorrente a identificao entre este ou a "psicologizao", de um lado, e interiorizao ou intimizao, de outro(12). Em segundo, encampa-se, de um modo geral, uma representao do sujeito "ancorada em noes como volio, deliberao, vontade e escolha" (Safem, 1987, p. 199).Seno vejamos: uma importante vertente antropolgica que se debrua hoje sobre o individualismo foca-se nos "segmentos intelectualizados e psicanalisados" das camadas mdias brasileiras(13). A despeito das clivagens observveis no interior desse campo terico e temtico, impe-se o consenso de que precisamente a que se encontram "os portadores mais caractersticos da vertente psicologizante da ideologia individualista" (Velho, 1986, pp. 39-40). "Sujeito autoreferenciado", "aguda conscincia da individualidade singular", preceito do "auto-exame" ou de uma "relao a si", "mudana", "aperfeioamento pessoal", "opes subjetivas", "igualdade", "liberdade", "nsia de diferenciao" so, entre outras, categorias que perpassam essa literatura e que, a seu ver, definem e qualificam essa modalidade de Pessoa.Ainda que tais noes sejam enfatizadas ora como atinentes ao plano do valor, ora ao dos fatos - diferena esta, alis, bastante significativa(14)-, o recurso s mesmas assinala uma confluncia: a identificao do indivduo psicolgico como o sujeito da conscincia, da vontade, e como dono de si. Nesse particular, a literatura em pauta subscreve Simmel, e meus comentrios ao autor so igualmente pertinentes para ela.No plano propriamente etnogrfico, a assertiva procedente. De fato, dispe-se hoje de inmeras pesquisas que atestam que os informantes tendem a se perceber como mnadas psicolgicas, como individualidades singulares, inteligveis em seus prprios termos e com assenhoramento de si - inclusive com importantes efeitos sobre o modo como se relacionam com o "outro". verdade tambm que, ao tematizar constrangimentos implementao de valores individualistas ou igualitrios - salientando em especial uma tenso entre valores "modernos" e "arcaicos", seja na cultura brasileira, seja no prprio indivduo(15)-, a literatura relativiza, em certa medida, o voluntarismo e o domnio de si. Entretanto, importante frisar, para fins de contraponto adiante, que a subjaz a premissa de que so constrangimentos sociaisexternosque, em ltima instncia, entravam a plena afirmao dessas qualidades nos sujeitos.Por outro lado, e ao mesmo tempo, tornou-se senso comum nessa literatura - mas no s nela - a postulao de um vnculo ntimo entre o sujeito psicolgico e os saberes psiquitrico, psicolgico e/ou psicanaltico genericamente designados de "psis"(16). Ora insiste-se em que a prtica de submeter-se a terapias "psis" vem fornecendo para os estratos mdios uma "linguagem" para a "modernizao" e/ou para a "distino" (cf. por exemplo, Velho, 1975, 1981 e 1986; Figueira, 1985 e 1987, e Russo, 1991); ora destaca-se a "fabricao" do prprio sujeito e de seu correlato "ntimismo psicolgico" como um dos efeitos mais significativos da difuso das "estratgias disciplinares" (ver, por exemplo, Costa, 1979). Seja como for, o fato que o inextricvel atrelamento entre o sujeito psicolgico e os saberes "psis" insinua uma questo que importa sobremaneira caracterizao deste ltimo. Com efeito, embora ainda identificando o indivduo psicolgico com o imperativo de uma relao a si, esta agora tematizada comomediatizada por um outro- no caso, pelos especialistas "psis". Nesta medida, anuncia-se uma diferena notvel face ao modo privilegiado como Simmel aventa o encontro do sujeito consigo prprio, que, conforme postulei, processado sem mediaes externas significativas. Tais ilaes sugerem que o imperativo da relao a si, e correlativamente o sujeito que designamos de "psicolgico", conhecem modos de atualizao bastante diversos:a presena ou ausncia de uma mediao externa na dinmica do auto-escrutnio configuram padres radicalmente distintos de acesso a si.Assim que, de um lado, fala-sede um sujeito moral engendrado por prticas de si, isto , de um sujeito autoconstituinte, fundado e afianado na liberdade. Converge para tal modalidade no apenas o indivduo simmeliano; possvel observar coincidncias notveis entre o modo de constituio deste e o do sujeito da Antiguidade, tal como descrito por Foucault emOuso dos prazeres(Foucault, 1984). De outro lado, e em contraste com o sujeito simmeliano que erige em torno de si uma proteo contra o "outro", faz-se sobressair uma modalidade de indivduo que envolve um "outro" para consumar o encontro consigo prprio(17). Mais ainda: embora em ambos os casos se esteja indubitavelmente tematizando o "mundo interno", a ltima modalidade de relao a si orienta-se mais claramente para uma hermenutica do sujeito, ao passo que a primeira enfatiza uma estilizao frente vida ou, nas palavras de Foucault (1984), uma "esttica de existncia". A insistncia de Simmel no cultivo interior e, seguindo Foucault, dos gregos no "domnio de si", so exemplares a esse respeito(18).Decerto as duas modalidades de auto-escrutnio no so excludentes: a presena de uma no implica necessariamente a ausncia da outra. Sob certo ponto de vista, elas podem ser encaradas como constituindo to-somente diferentes cdigos morais aos quais deve ser submetido o self. Nessa verso, elas apontariam para um mesmo tipo de sujeito, ressalvando-se o que foi comentado na nota anterior. Sob outro ponto de vista, contudo, as distines entre elas - que no se esgotam nas j assinaladas - so to contundentes que autorizam a colocar em questo, inclusive, a plausibilidade de subsumir ambos os padres de relao a si como denotando uma mesma modalidade de sujeito psicolgico.A questo demasiado complexa para ser resolvida no mbito deste artigo. Apoiando-me na tese de Evans-Pritchard (1978) quanto inconvenincia, seno impossibilidade, de substancializar identidades, argumento que a opo por discriminar ou no as variantes aludidas atrela-se "lgica da situao"; no caso, posio em que se coloca o analista. Perseguindo oraciocnio, interessa, para fins deste artigo, distinguir esses padres de autotematizao e, concomitantemente, a modalidade de sujeitos a eles afeitos. Proponho a expresso"sujeito tico"para designar aquele que, em termos modelares, estabelece uma relao a si sem mediaes externas significativas. E reservo, doravante, o termo "sujeito" ou"indivduo psicolgico" para referir-me quele que est intimamente vinculado aos saberes"psis ". Decorre dessa distino a idia de que a especificidade do ltimo no se reduz s propenses culturais de "interiorizao", "introspeco" e "subjetivao", ainda que elas sejam indubitavelmente necessrias para sua afirmao. Aquilo que singulariza o "indivduo psicolgico" face ao "sujeito tico" precisamente seu inelutvel atrelamento aos saberes "psis".No pretendo com tal assertiva endossar a tese foucaultiana, anterior aos dois ltimos volumes daHistria da sexualidade,segundo a qual o sujeito "fabricado" pelos "poderes-saberes". Trata-se sim de reconhecer - como alis faz o autor, e no s ele - que ossaberes "psis" afirmam-se como importante foco de produo social de representaes sobre o indivduo moderno.So essas representaes que elucidam a modalidade mediatizada de relao a si; e so elas que permitem vislumbrar paradoxos constitutivos do individualismo.De forma a depreender o modo como os saberes em pauta concebem o sujeito, dou voz aos prprios psicanalistas. Alguns deles - endereando-se explicita ou implicitamente a cientistas sociais - vm contestando a pertinncia de subsumir a psiquiatria, a psicanlise e a psicologia sob uma mesma designao de "psi". O argumento central diz respeito clivagem radical que separa a "psicologia da introspeco ou do ego" e os fundamentos do registro psicanaltico no que respeita concepo de indivduo. A primeira estaria fundada no sujeito da conscincia, da razo e do livre-arbtrio ao passo que Freud, criticando o racionalismo implicado na psicologia do ego, teria postulado que a verdade cio sujeito a verdade do inconsciente ou do "desejo" (cf. por exemplo, Bezerra, 1989 e Birman, 1991).Acredito que cabe a ns, cientistas sociais interessados na questo do individualismo,levar o inconsciente freudiano a srio.E isto, ao menos, por duas razes. Em primeiro lugar, porque se, como vem sendo postulado, a "configurao do psicolgico" est visceralmente atrelada empresa freudiana (Duarte, 1986, p. 106), no podemos nos furtar de considerar a categoria. Afinal, se h um nico consenso em um campo to esfacelado por dissenses internas e pla disputa do "verdadeiro Freud", ele precisamente o fato de este pensador ter instaurado o conceito de inconsciente(19). Em segundo, e mais importante ainda, creio que a desconsiderao de cientistas sociais com respeito noo implica o obscurecimento de uma dimenso essencial representao erudita do sujeito psicolgico que, quando considerada, subverte radicalmente nossas suposies correntes sobre ele. Decertono estou pleiteando endossara categoria de inconsciente como um "fato" constitutivo ao sujeito;trata-se sim de especular sobre o que esta representao invoca,em termos estritamente antropolgicos,para repensar a categoria moderna de Pessoa. A passagem de Birman modelar para meus propsitos:"A interpretao transformadora, em psicanlise, no pressupe qualquer voluntarismo por parte do indivduo nem sua correlata idia de autonomia. Se em algumas concepes tericas da modernidade representase a existncia de um indivduo autnomo e senhor de sua vontade, com Freud a psicanlise no apenas questionou a pretensa autonomia do indivduo, mas tambm colocou em dvida a independncia de sua vontade. Nesta perspectiva, o discurso psicanaltico fundado no inconsciente produziu o descentramento do sujeito, de maneira que, com Freud, o sujeito representado como distribudo em diferentes estruturas psquicas. Por isso mesmo, ele permeado pelo conflito, no mantendo, ento, o ego, a hegemonia sobre a individualidade, de forma a dominar suas decises e direcionar sua vontade"(Birman, 1989, p. 180).Deduzem-se da transcrio outros contrastes radicais entre o "sujeito tico" e o "sujeito psicolgico", entendido este em sentido estrito. A oposio entre relao a si no mediatizada / mediatizada no esgota suas diferenas; ela recoberta por outras:voluntarismo / ausncia de domnio sobre a vontade; autonomia / ausncia de autonomia; conscincia / inconscincia de si.Visto sob outro ngulo, possvel vislumbrar, ainda com base na passagem de Birman, uma inflexo na representao do indivduo psicolgico - tal como vislumbrada pela psicanlise - relativamente do indivduo jural, tal como modelarmente expressa no "individualismo possessivo" de Macpherson. O que singulariza e contrape a primeira face ltima precisamente adespossesso de si.E isto no em virtude de constrangimentos externos, mas sim por algo que, emanando do prprio indivduo, sujeita-o s expensas de sua conscincia ou vontade. Argumento que tal qualidade afirma-se como a coluna vertebral que sustenta a representao do indivduo psicolgico.No pretendo, entretanto, alongar-me no conceito de inconsciente. Basta, para meus presentes propsitos, salient-lo como manifestao exemplar da tese de uma "despossesso subjetiva" como atributo constitutivo do indivduo. A focalizao na questo da "despossesso subjetiva" justifica-se ainda por uma outra razo: segundo alguns autores, a representao de uma destituio do sujeito de si mesmo prenunciada bem antes de Freud.Com efeito, Gauchet & Swain (1980) localizam, j na virada do sculo XIX, o anncio da tese em pauta. Empreendendo uma leitura absolutamente original da revoluo promovida por Pinel e Esquirol, eles assinalam que por meio dela que se afirma, pela primeira vez no Ocidente, a idia de que h algo nointerior do prprio sujeitoque o determina e o constrange a despeito dele mesmo ou de sua conscincia. O argumento central dos autores (ver, em especial, Parte II, cap. 3) que os primeiros alienistas instauraram a psiquiatria moderna contrapondo-se no s corrente somatista - que propalava que a loucura tinha origem em um distrbio do crebro -, como tambm por meio de uma dupla recusa ao que propugnava a vertente "moralista" ou "psicolgica" alem. Em primeiro lugar, de acordo com a ltima, a loucura remetia a um "vcio da associao de idias", no s expensas do sujeito, mas com sua conivncia. Ou seja, enfatizava-se a presena de um elemento moral que relacionava o distrbio a uma vontade pervertida, a umaescolhade "tendncias viciosas". Em resposta, Pinel e Esquirol advogaram que a loucura no resultava de um ato de vontade: a conscincia que o louco podia ter de seus prprios atos no era suficiente para que os controlasse.Visto sob outro ngulo, a premissa que embasava a concepo moralista identificava e restringia a ordem subjetiva ao domnio da conscincia. Ela mantinha, nessa medida, um slido compromisso com uma representao de sujeito assentado em sua fora voluntria, em sua capacidade de autodeterminao e, portanto, tambm na livre possesso de si. Gauchet & Swain insistem em que, ao se oporem a esta vertente, Pinel e Esquirol provocaram uma revoluo que, para alm da subverso no modo de entender a loucura,afetou profundamente a prpria concepo do homem moderno.Sustentam, em suma, quea emergncia do fato psiquitrico inseparvel de uma crise da ordem consciente.A tese da "despossesso subjetiva" constitui expresso mxima da reviravolta, e antecipa o que mais tarde cunhado de "inconsciente". Caso se endosse o argumento de Gauchet & Swain, deve-se concluir que o reconhecimento de uma destituio do sujeito sobre si mesmo por algo que emana dele prprio, embora fora de seu controle, anunciada no preciso momento em que se instaura o primeiro saber especificamente "psi" sobre o homem: a psiquiatria. Em outra palavras,a "despossesso subjetiva" afirma-se como atributo indissocivel da representao moderna letrada sobre o sujeito psicolgico.Os moralistas preconizavam ainda que, embora "escolhida", a demncia, uma vez deflagrada, submetia o louco ao ponto de este abolir-se inteiramente como sujeito. Propalavam, portanto, a incurabilidade da loucura. Em contraste, Pinel sustentava "um resto de razo na mania". Com isso, os primeiros alienistas abriam um espao de interlocuo com o louco e fundamentavam sua arraigada convico na cura via "tratamento moral". Mais importante ainda, a tese de um "resto de razo na mania" e a proposta de Esquirol de inserir a loucura no domnio das "paixes" - tematizando-a como um "exagero" de umacondio humana: universal - implicarammatizar a especificidade do fato pato lgico. O argumento esquiroliano de que no havia uma diferena absoluta entre loucura e razo prenuncia, assim, o esmaecimento psicanaltico entre norma e patolgico. Reitera-se, tambm por esta via, que a "revoluo" psiquitrica subverte a concepo do homem moderno em geral, inscrevendo em seu mago a "despossesso subjetiva" (cf. Gauchet & Swain, 1980, Parte II, cap. V).Poder-se-ia argumentar que as anlises de Gauchet & Swain padecem de um vis presentista. Com efeito, por vezes tem-se a impresso de que os autores projetam em Pinel e Esquirol questes atinentes psicanlise moderna. No obstante, a ressalva decerta forma relativizada quando se faz apelo a outros autores.Ainda que no se referindo explicitamente destituio do sujeito sobre si mesmo, Foucault certamente a tangencia, e a elucida parcialmente, ao invocar as conseqncias derivadas do fato de saber/poder formarem a partir do sculo XIX um todo indissocivel (ver, em especial, Foucault, 1982b e 1983). Insurgindo-se contra a tese de que o Estado constitui a sede exclusiva de poder na sociedade, o autor focaliza os "micropoderes", articulados e condensados no que ele designa como "poder disciplinar". Intimamente relacionado com a produo de saberes sobre o louco, o criminoso, a sexualidade e o corpo doente, o poder disciplinar estipula formas de apreenso e de tratamento dos sujeitos que resultam em efeitos singularizantes. Anuncia-se assim um tema caro a Foucault: em contraste com o "poder soberano" que cobe, reprime e coage, ele destaca, como uma das qualidades basilares da nova modalidade de poder, sua eficcia produtiva. Por meio de dispositivos de individualizao - que vo desde o isolamento celular nas prises e asilos at as tcnicas de exames, registros, dossis, vigilncia "panoptpica", passando pela taxonomia pormenorizada dos 'desvios' -, o poder disciplinar produz realidades e sentimentos at ento inexistentes e, de modo concomitante,institui o prprio indivduo e a individualidade:"o indivduo no o outro do poder: um de seus primeiros efeitos" (1982b, p. 183).EmAvontade de saber(1982a), Foucault avana em uma direo que me parece fundamental. Embora ainda discorrendo sobre a genealogia do sujeito com base nos dispositivos disciplinares, ele coloca agora em foco, de forma mais explcita, a outra faceta da "fabricao" do sujeito: sua`obrigao' subjetivao. Ou seja, nessa obra que o autor aborda os efeitos do binmio saber-poder a partir do espao interno do sujeito. O poder individualizante implicado no dispositivo da sexualidade deriva do estreito vnculo que se estabelece entre "colocao do sexo em discurso", identificao desse domnio como a sede da "verdade do sujeito", e a "obrigao subjetivao".Mas, ainda seguindo Foucault,o poder disciplinar, ao mesmo tempo que institui o sujeito, o sujeita.SeVigiar e punirjfaz referncia ao controle dos "corpos" por meio da produo social da "docilidade-utilidade" (1983, p.126), a vontade de saber enfatiza que a singularidade da relao moderna do sujeito consigo reside natirania da identidade a si.O dispositivo da sexualidade impe a submisso da subjetividade a um conjunto de mecanismos especficos queexpropriam oindivduo de si mesmo (cf. Ferry e Ranaut, 1988, p. 136). O contraste radical entre esta modalidade de relao a si e aquela tematizada por Foucault no que respeita Antiguidade patente.Revelam-se, assim, coincidncias entre as teses do autor e o tema da "despossesso subjetiva" salientado por Gauchet & Swain. Em ambos os casos postulase umadissociao entre indivduo e liberdade ou posse de si.Alm disso, subjaz s anlises a idia de que o retorno razo e/ou a busca obsessiva da "verdade", longe de estipularem uma relao solitria do sujeito consigo mesmo, pressupem a presena de um "outro". Este no apenas converte o sujeito em objeto de investigao como, ademais, suposto de saber mais sobre sua "verdade" do que ele prprio.Ainda assim, diferenas importantes separam as argumentaes. Em primeiro lugar, ao referir-se "fabricao" do sujeito, Foucault est se colocando no plano dos fatos, ao passo que Gauchet & Swain focalizam precipuamente o domnio das representaes. Em segundo, e mais importante ainda, enquanto o primeiro localiza a emergncia do indivduo exclusivamente a partir de dispositivos disciplinares, os ltimos consideram tambm a afirmao do indivduo-valor j presente no universo ideolgico ocidental. da conjugao peculiar estabelecida entre as representaes do indivduo jural e a do sujeito psicolgico que Gauchet & Swain derivam o paradoxo constitutivo da antropologia das sociedades contemporneas:"Estes seres, pela primeira vez reconhecidos como possuidores de direitos originrios, inalienveis, anteriores ao fato coletivo; pela primeira vez ontologicamente autnomos, juridicamente senhores de si, exteriormente independentes da comunidade onde se inserem, so tambm, e correlativamente, os primeiros seres a se descobrirem assujeitados de dentro, interiormente dependentes e despossudos de si mesmos por algo que provm deles prprios (...) A histria da individualizao , de outro lado e necessariamente, a histria de uma despossesso ou de lima destituio subjetiva"(Gauchet & Swain, 1980, p. 485).Seguindo a argumentao dos autores, concluise que j na virada do sculo XIX - graas, em parte, tese da "despossesso subjetiva" - vislumbra-se uma tenso entre a representao do indivduo jurdico e a do sujeito psicolgico. No mesmo momento em que se solidifica a entronizao do indivduo-valor, revestido do estatuto de um ser moralmente autnomo e pr-social, ele prprio desponta, de um ponto de vista interno, como um ser opaco a si mesmo. Ou ainda,a postulao de uma autopossesso no plano jural contrabalanada pela destituio desse mesmo sujeito no plano da subjetividade.A tenso assinalada entre as duas facetas do indivduo no se reduz, entretanto, polaridade autopossesso/despossesso de si. Ela expressa-se tambm, e ainda no plano das representaes, na oposio independncia/dependncia em relao ao "outro". De fato, deve-se considerar quea tese da "despossesso subjetiva" no da ordem da mera negatividade:ela impe a premissa de que, exatamente por ser (ou estar) destitudo de si, o indivduo psicolgico est nadependncia de um outro para aceder a si prprio(20). Sugiro que esta a principal decorrncia lgica da representao letrada do indivduo psicolgico como despossudo de si, e ela que fundamenta o encontro mediatizado do sujeito consigo prprio.Essa derivao no se restringe s vertentes que, no cenrio atual, postulam de modo explcito o inconsciente e/ou a "destituio subjetiva". Explico: consenti acima, endossando alguns psicanalistas, em uma diferena radical entre a "psicologia do ego" e a psicanlise fundada no inconsciente como anunciando duas configuraes modelares e irredutveis de indivduo. Essa perspectiva reiterada com base em pistas fornecidas por Russo (1991) na sua anlise sobre o lacanismo e o reichianismo(21). O primeiro propugna a "destituio subjetiva" como atributo imanente, inerente e constitutivo do sujeito - e, por isso, insupervel. O ego apontado como uma "iluso", um "sintoma" ou "doena", e se o sujeito o sujeito do inconsciente ou do "desejo", este tambm est revestido de uma fugacidade e de uma inapreensibilidade absolutas.J os reichianos apontam para uma concepo de sujeito radicalmente diversa. E como se as caractersticas bsicas do modo de pensamento reichiano - Russo destaca seu "pragmatismo", sua "concretucle" e conclui, inclusive, por seu "misticismo fisicalista'' - se imiscussem na prpria forma de conceber o indivduo. O foco privilegiado incide sobre o ego, sobre o corpo, e a autora insiste em uma "corporificao do psicolgico". Contudo - argumento -, tambm no reichianismo o indivduo visto como padecendo de algum tipo de destituio: no mais como destino insupervel, mas como algo que lhe foi confiscado pela sociedade, ou seja, pelo carter repressor que ela impe aos "impulsos naturais".A despeito, portanto, de suas diferenas nada desprezveis, lacanismo e reichianismo - ou a psicanlise e a psicologia do ego - confluem, sob outro ponto de vista, para um acordo. Acordo que, repito, desvela asingularidade precpua da representao moderna do indivduo psicolgico: o sujeito est fadado a s se autodecificar atravs de um outro.No caso do reichianismo, ao que tudo indica, visa-se, por meio da relao mediatzada a si, a devolver ao indivduo seu assenhoramento por meio de um expurgo de constrangimentos sociais nefastos. Mas, ainda que ele jamais se decifre (como quer o lacanismo), at para deparar com sua "singularidade" ou "falta", o outro, ainda assim, lhe fundamental(22).Ora, a premissa de que o sujeito s acede a si atravs de um outro conduz necessariamente ao reconhecimento da"iluso" de um sujeito auto-referido e autocontido.O acesso sua esfera mais cara, supostamente mais secreta e preservada - seuinner-self -,ao invs de isol-lo do outro, pressupe, seno impe, a alteridade como condio imprescindvel para consumar sua auto-inteligibilidade.Mas pode-se ir alm. A tenso assinalada, entre as duas facetas do indivduo - consubstanciada nas equaes indivduo jural/posse de si/independncia em relao ao "outro" e indivduo psicolgico/despossesso subjetiva/imprescindibilidade do "outro" - anuncia umacontradio endmica configurao de valores individualista no plano de suas prprias concepes.De fato,a tese de uma "despossesso subjetiva ", e a positividade nela implicada, constituem a contra face da dissoluo dos laos de dependncia representados como desfeitos nessa configurao moral.A frmula sugere uma`vingana do holismoou, nos termos caros a Dumont, evidencia a "necessidade universal da hierarquia" (1966, p. 32). Sustento, contudo, que a imperiosa presena da alteridade para aceder a si no contradiz, de modo algum, o valorindivduo como valor estruturante por excelncia. Pelo contrrio, o reconhecimento da 'necessidade' de um "outro" sofre tamanhas retradues no mundo moderno, relativamente forma que assume nos espaos tradicionais, que plausvel concluir que o indivduo psicolgico e/ou a imprescindibilidade do "outro" s adquirem sentido na configurao individualista. a esta questo que se dedica o tpico que se segue.Das articulaes entre a "despossesso subjetiva" e a configurao individualista"Uma das tarefas de Ado no Jardim do den fora a de inventar a linguagem, dar nome a cada coisa e criatura. Nesse estado de inocncia, sua lngua atingia diretamente o mago do mundo. Suas palavras no constituam apenas um apndice das coisas que via, mas revelavam suas prprias essncias e traziam-nas literalmente vida. O nome era equivalente coisa representada. Depois da queda, tudo mudou: os nomes separam-se das coisas, as palavras tornam-se uma coleo de signos arbitrrios e a lngua afastou-se de Deus ".(Paul Auster,A Trilogia de Nova York)Alguns estudiosos vm insistindo em que o sujeito, visto sob o prisma da psicanlise, s se define na intersubjetividade. Lantri-Laura (1966) estipula um radical divrcio entre o inconsciente freudiano e a lgica cartesiana: enquanto a ltima postula a certeza, a transparncia e a absoluta autonomia do pensamento e do sujeito que se pensa, o inconsciente pressupe o plo da alteridade e a admisso da intersubjetividade. Debruando-se sobre um trabalho de Aulagnier que versa sobre a questo da interpretao na experincia psicanaltica, Birman defende posio similar:"O tema do sujeito em psicanlise da ordem estritamente intersubjetiva. Vale dizer, a idia de sujeito implica necessariamente um outro sujeito como contraponto fundamental para sua constituio e reconstituio permanentes. Este s se constitui a partir de um outro que, como intrprete e possibilitador de objetos de satisfao, fornece as condies de possibilidade de suaestruturao"(Birman. 1991, p. 130).Levado ao limite, o argumento desgua no s em um radical estranhamento entre a psicanlise e a configurao individualista como, ademais, na impossibilidade, efetiva e virtual, da ltima. inquestionvel que tais ilaes desautorizem o individualismo, entendido em seu sentido mais rasteiro - vale dizer, aquele ancorado na idia do indivduo como constituindo, de fato, uma mnada contida em si mesma. Mas minha concordncia com os autores citados cessa a. Preconizo que o sujeito psicolgico, tal como concebido pala psicanlise, s adquire inteligibilidade em um contexto individualista. Para sustentar minha argumentao recorro a um contraste com a configurao de valores holista, tal como interpretada por Dumont e outros estudiosos.A premissa de que o sentido ltimo da Pessoa no passvel de ser depreendido em seus prprios termos tambm pregnante no mundo holista. Mas, nesse contexto, a impossibilidade de uma auto-inteligibilidade deve-se a razes que, alm de fundadas em uma positividade, extrapolam o prprio sujeito. No uma destituiointernaque o conecta com o outro; ele est fadado a ser antecedido e englobado por um lao social irredutvel. a reciprocidade,imanente lgica da relao,que o instaura e o autentica. Por isso, o imperativo de aceder a si ou a busca de uma "verdade interior" carecem, a, inteiramente de sentido. J a viso de mundo moderna inverte a proposio: a relao com o outro fundamenta-se em uma lgica interna ao prprio indivduo e, ademais, reporta para uma negatividade. a representao de uma "falta" constitutiva do sujeito que o conduz ao outro; e a relao, ainda que mediatizada a si, o devolve a si mesmo. Em suma, o que solda os sujeitos no espao tradicional um princpio exterior e transcendente, enquanto aquilo que rene os "indivduos psicolgicos" no contexto moderno um princpio imanente a eles prprios: a "despossesso subjetiva" a ncora que confere sentido ltimo relao.Visto sob outro prisma, no universo holista os sujeitos interligam-se uns aos outros em virtude de uma transcendncia, ao passo que, entre ns, cada qual 'necessita' do outro justamente porque elidimos toda e qualquer transcendncia. Seno vejamos: a epgrafe que abre este tpico anuncia uma das qualidades nodais da modernidade, a saber, a separao entre as palavras e as coisas (Foucault, 1987 e 1991); ou, nos termos dumontianos, entre Valor e Fato (Dumont, 1981, cap. VII). Ambos os autores, cada qual ao seu modo, contrastam esse modo de ordenao com aquele verificado em espaos 'tradicionais'. Foucault (1991) salienta que aepistmeclssica, que vige do sculo XVII at os fins do sculo XVIII, fundava-se narepresentao.A relao entre a linguagem e o mundo das coisas era concebida como transparente: imperava uma relao insofismvel entre significante e significado. Dumont, por sua vez, destaca que a onipresena da hierarquia nos contextos holistas instaura uma unidade primordial entre Valor e Fato. Importa aqui reter sobretudo as conseqncias da advindas: a cosmologia tradicional concebe o mundo comoirrelativizvel.Tal qualidade afianada, precisamente, pela crena na transcendncia, isto , no reconhecimento de que existe algo, para alm das palavras e das coisas, que lhes confere um sentido intrnseco e essencial:"No sculo XVI, a pletora de todos os smbolos, o fato de que todas as coisas se parecessem provava simplesmente a benevolncia de Deus, e no se separavam por mais do que um vu transparente o smbolo do significado"(Foucault, 1987, p. 24).Em contraste, aepistmemoderna (Foucault) ou a viso de mundo individualista (Dumont) - rompendo com a ordenao precedente - investem as palavras e as coisas, ou os prprios valores, de um sentido radical de arbitrariedade e de historicidade. Foucault postula que, no lugar da representao, o sculo XIX impe ainterpretao.Elidida a transcendncia, os smbolos so destitudos de qualquer significao original e, como decorrncia, "a interpretao se converteu finalmente numa tarefa infinita" (Foucault, 1987, p. 20). A hermenutica ou a prpria cultura moderna funda-se, em suma, em um jogode relatividade absoluta.A radical fugacidade e a opacidade de que o mundo se reveste a partir da atinge o prprio sujeito. Este colocado em posio singular: ao mesmo tempo que entronizado como intrprete - "a interpretao ser sempre a interpretao de 'quem'?" (Foucault, 1987, p. 28) -, ele prprio concebido como uma realidade espessa e, portanto, como passvel de interpretao. 'Achatado' pela ausncia de transcendncia, o indivduo desponta como "fundamento de todas as possibilidades e como uma priorihistrico" (Foucault, 1990, p. 361), mas, simultaneamente, perde esteio. A representao de sua "verdade" como escorregadia e provisria s adquire sentido nesse tipo de universo, individualista por definio.Ora, nesse contexto,e s nele- em que, graas negao da transcendncia, o indivduo consolida-se como valor axial e, correlativamente, onde significaste e significado se tornam irremediavelmente separados -, concebvel a tese de uma "despossesso subjetiva", com suas premissas e implicaes. A saber, a devassa da intimidade do sujeito em busca da sua "verdade", o direito reclamado por um "Outro" de investig-lo e o consentimento da parte do prprio indivduo de que existe, nele, uma verdade "oculta" que ele prprio desconhece(23). Saberes fundados na representao de uma "despossesso subjetiva" - embora no s eles -, longe de se antagonzarem com a configurao individualista, so impensveis fora dela.A incerteza quanto a si, bem como o fato de o encontro interpessoal se ver fundado sob o "signo do acaso e da incerteza" (Gauchet & Swain, 1980, p. 396), expressa-se, de modo exemplar, no dispositivo da interpretao psicanaltica. Sua premissa fundaste : a de que toda a verdade pessoal pode escapar ao sujeito, e que aquilo que enunciado no necessariamente coincide nem com o que o sujeito de fato quer dizer, nem com o que o outro compreende. Imersa nesse esgaramento de significados, a interpretao psicanaltica remete a decifrao daquilo que enunciado singularidadedo prprio sujeito(24). Desfaz-se, por conseguinte, como j foi salientado por Russo (1991, p. 28), qualquer possibilidade de totalizao(25). No encontro mediatizado a si, o sujeito recebe-se de volta com uma nica certeza: sua absoluta falta de esteio e inapreensibilidade. Assim,"O detalhado e penoso processo analtico da reconstruo da histria pessoal est sempre atravessado pela estranheza: no h realidade encoberta a ser desvelada, h enigmas a serem permanentemente decifrados; no h veridicidade garantida, h a construo sempre retomada de um sentido organizador da histria, verso provisria com vistas s exigncias atuais. A pretenso ao sentido pleno, verdade ltima de si mesmo, justamente uma iluso a ser superada pelo psicanalisando"(Bezerra, 1989, p. 237).Vale ainda especular sobre o estatuto do "social", da intersubjetividade e da alteridade na cena psicanaltica propriamente dita. Se fato que o acesso a si pressupe a relao dual, cabe tambm reconhecer que esse encontro funda-se no exorcismo do social, afirmando, em seu lugar, uma problemtica pessoal de 'investimentos inconscientes'. Nessa medida, o acesso, mesmo que provisrio, do sujeito a si pressupe um distanciamento com relao ordem mundana. Nosettingteraputico, as relaes so representadas como sendo governadas por regras e linguagens que so, em grande medida, estranhas a "este mundo"; ou seja, que esto para alm, ou aqum, do mundo social tido como auto-evidente. O acesso a si pressupe, portanto, em termos modelares, o encontro de seres despidos de referncias ao mundo social.Por ltimo, e agora em um plano de argumentao bastante diverso dos anteriores, deve-se considerar que a compatibilidade entre a presena da alteridade, de um lado, e o individualismo, de outro, fundamentase na idia de que tais 'realidades' reportam para domnios bastante distintos: respectivamente, para o domnio dos Fatos e do Valor. A invocao a Dumont a obrigatria. Ao especular sobre o individualismo e sobre o indivduo como anunciando a configurao moderna de valores e seu valor englobaste por excelncia, o autor restringe-se prioritariamente esfera do simblico ou do ideolgico(26). Como j postulei em outro trabalho,esse valor, embora capaz de engendrar realidades (sendo, nessa medida, absolutamente concreto ou 'real'), no equivale, no autor, a Fato(ver Salem, 1987, p. 38). Em primeiro lugar porque, como tantas vezes insistido por Dumont, o individualismo contradiz a "necessidade de hierarquia" (1966, p. 32) pensada como valor universal. Em segundo, e relacionado com a razo anterior, pelo reconhecimento explcito de que"esse valor implicar, em sua aplicao, uma contradio, uma vez que, de fato, os homens so seres sociais que dependera, em alto grau, uns dos outros. Uma srie de contradies se desenvolver, assira, entre. o nvel de concepo e o nvel da aplicao desse valor principal e dos valores secundrios dele derivados"(Dumont, 1985, p.242).Traduzindo em termos do que aqui importa, no h qualquer relao de incompatibilidade em o individualismo afirmar a preeminncia do sujeito moral enquanto valor e, ao mesmo tempo, no plano factual, no prescindir de um "outro".No foi este, entretanto, o caminho perseguido pelo presente artigo; vale dizer, no se tratou aqui de apontar para uma discrepncia entre o valor-indivduo e sua "aplicao". Antes, compartilho com Dumont a premissa de uma inerncia de tenses, paradoxos e contradies como qualidades endmicas a ideologias no prprio nvel de suas concepes (ver, a respeito, Dumont, 1977, p. 31)(27). A representao de uma "despossesso subjetiva" permitiu, espero, desvelar mais um dos paradoxos constitutivos desta configurao moral, pensada, estritamente, no plano de suas representaes.NOTAS* - Agradeo a Maria Luiza Heilhorn, Patrcia Birman e Vera Pereira os comentrios ao texto.1 -Duarte (1986, pp. 35-58) e Bezerra (1989) recuperaram a trajetria desta linha temtica resenhando as postulaes de diferentes autores sobre o assunto.2 - "Sociedade", "ideologia", "viso de mundo", aparecem muito freqentemente em Dumont como termos intercambiveis. O procedimento no desavisado; remete para o pressuposto analtico segundo o qual a dicotomia sociedade/cultura 'resolvida' pelo sentido englobaste do simblico. Assim, "de acordo com o ponto de vista sociolgico que adoto, tudo social; e a sociedade consistentes em um 'sistema simblico' do que em uma coleo de homens" (Dumont, 1975, p.14).3 - A observao j foi salientada, entre outros, por Viveiros de Castro & Arajo, 1977, p. 165; Duarte, 1983; Ropa e Duarte, 1985, p. 194 e Salem, 1987, p. 39.4 - Em trabalhos anteriores, argumentei a favor da compatibilidade entre o valor que exalta diferenas e as singularidades individuais e a questo da igualdade nos termos dumontianos. Cf. Salem, 1987, pp. 41-42 e 1991, p. 71.5 - Em se tratando do assunto, Foucault impe-se como outra referncia obrigatria. Volto a referir-me a ele mais adiante.6 - Esta uma, dentre tantas outras, das incompatibilidades existentes entre a anlise de Dumont e a de Simmel sobre o tema. O primeiro, seguindo uma perspectiva que designa como "holismo metodolgico" (Dumont, 1985, p. 12), ressalta que o "valor-indivduo" constitui no s um fenmeno especfico modernidade, como tambm algo "aberrante" que contradiz a "necessidade universal da hierarquia" (1966a, p. 32). Destaca ainda que a categoria constitui o principal entrave para uma cincia social fecunda, fundada na comparao (Dumont, 1970b). Simmel, ao contrrio, tem sua ateno voltada para as experincias subjetivas individuais. Nele, como veremos, o indivduo, alm de afirmar-se muitas vezes como a unidade fundamental de anlise, desponta como cultuado pelo prprio autor.7 - A tenso entre relativizao e universalizao das categorias em pauta no peculiar a Simmel. Mesmo a contumcia da Escola Sociolgica Francesa quanto origem coletiva das representaes, prticas e sentimentos individuais matizada quando se considera a persistncia de um `resduo' que anuncia uma qualidade irredutvel do sujeito. Ver, a respeito, Duarte, 1986a e Salem, 1987, pp. 20-21.8 - Tal 'resoluo' defronta-se, porm, com uma complicao. Isto porque, se, em alguns textos, o autor insiste na relatividade histrica da categoria, em outros, a questo do indivduo desponta como um problema universal que encontra, na modernidade, uma expresso apenas exacerbada. Assim, "a histria da sociedade como um todo reflete-se nos intensos conflitos, nas solues de compromisso, lentamente conquistadas e rapidamente desfeitas, entre a adaptao socializante sociedade e a recusa individual s demandas desta" (1971c, p. 294). A transcrio reitera meu argumento de que o indivduo assume por vezes o estatuto de uma priorino pensamento simmeliano.9 - Em outros artigos, contudo, o autor concorda que o prprio indivduo pode decompor-se em partes, originando um "conflito interno" (ver Simmel, 1950a, p. 58). Figueira deriva da que "a prpria alocao doselfacaba por se tornar problemtica" (Figueira, 1981, p. 97). J Heilborn, sem desprezar o carter fragmentado doselfem Simmel, recorre sua distino entre o"inner-core"e "franjas de identidade", e conclui: "esta distino confere ao homem a capacidade de preservar seu ncleo (identitrio) (...)em, todas as atividades em que porventura se lance" (Heilborn, 1988, p. 100).10 - Levine fornece evidncias que reiteram a interpretao. O comentarista de Simmel enfatiza a primazia por ele conferida "cultura subjetiva" relativamente "objetiva", evidencivel na sua repetida assertiva de que o cultivo interior deve ser o fim e a justificativa ltimos de todas as formas de "cultura objetiva" (1971, pp. x e xl). Destaca sua nfase na "criatividade" e seu desprezo para com estruturas impositivas e institucionalizadas (idem, p. xxxix). Salienta o conflito entre formas sociais enrijecidas e sua incapacidade de adaptao para atender s "necessidades subjetivas dos sujeitos" (ibidem, p. xxxix). Levine sublinha ainda que o autor v a individualidade "ameaada" (sic) pelas formas sociais: a "cultura objetiva" constitui caso ilustrativo (ibidem, pp. xl-xli).11 - A idia referendada por Russo, que assinala em Simmel, endossando-o, uma "relao complementar" entre as duas modalidades de individualismo. Ver Russo, 1991, pp. 48 e 52.12 -Esta identificao endossada, entre outros, por Costa (1979, p. 19), Safem (1989, p. 25) e Duarte. O ltimo, ao discorrer sobre a "configurao do psicolgico" desenvolvida a partir do pensamento de Freud, define psicologizao como um movimento que "aponta na direo da individualizao, da privatizao, da infernalidade que qualificam a representao 'moderna' dominante da pessoa" (1986b, p. 106).13 - Cabe a Gilberto Velho, com seuNobres e anjos(1975), a inaugurao desse domnio de investigao entre ns. A vertente conta hoje com importantes adeptos, cujas principais premissas e concluses j tive oportunidade de resenhar. Ver Safem, 1986 e 1987, pp. 22-25 e 268-271.14 - Parte dessa literatura, de modo mais ou menos explcito, consente numa espcie de transmutao do valor em fato. Retomo a questo no ltimo tpico deste artigo.15 - Para uma resenha desta argumentao, ver Salem, 1986, pp. 32-34 e 1987, pp. 286-271.16 - O procedimento de subsumir esses campos de conhecimento a uma mesma rubrica ancora-se, em parte, na idia de um compromisso visceral de todos eles com a noo de Indivduo. Cf, por exemplo, Velho, 1981, p. 96.17 - A genealogia do sujeito moderno examinada por Foucault a partir dos "poderes disciplinares" , como insisto adiante, caso ilustrativo dessa modalidade.18 - A aproximao que estabeleo entre o modo de constituio do sujeito na Antiguidade e aquele j imerso no mundo moderno estritamente analtica. Uma distino histrica radical se impe: o imperativo do auto-aperfeioamento entre os gregos enderea-se a uns poucos "homens livres", enquanto que, no espao onde o indivduo-valor j se afirmou, ele concerne, ao menos em tese, a todos indistintamente. Pode-se, portanto, postular que apenas neste segundo momento que a autotematizao individualistastricto senso: ela constitui preceito integrante de uma totalidade simblica mais abrangente.19 - "Se fosse preciso concentrar em uma palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente a de inconsciente" (Laplanche & Pontalis, 1988, p. 307).20 - Ainda que um dos mitos fundadores da empresa freudiana tenha sido a auto-anlise de Freud, ele prprio reconhece, em uma de suas cartas a Fliess, o sentido paradoxal de seu empreendimento: "minha auto-anlise permanece como um plano. Agora entendi a razo. Eu s posso me auto-analisar apelando para conhecimentos objetivamente adquiridos (como para um estrangeiro).Uma verdadeira auto-anlise realmente impossvel(...) Como meus casos ainda continuam a me colocar problemas, vejo-me forado a suspender minha prpria anlise" (Freud,apudAziza-Shuster, 1972, p. 138, grifo meu).21 - Tendo como questo principal a gestao das "terapias corporais" no campo "psi" dos anos 80, Russo (1991) no se dedica, ano ser marginalmente, a depreender as concepes de indivduo no lacanismo e no reichianismo (ver, respectivamente, pp. 21-28 e 208-217). Ainda assim, as poucas pginas dedicadas ao tema so compensadas por sua densidade analtica. com base nelas que pauto minhas prprias ilaes sobre o tema.22 - Deve-se observar que a oscilao entre postular o inconsciente ora como irredutvel, ora como redutvel ao consciente, atravs do processo teraputico, atravessa a obra de Freud. A questo constitui, assim, importante ponto de debate no interior do prprio campo que se quer freudiano.23 - Pode-se pensar nesta transgresso de fronteiras subjetivas como a contraface da "separao dos corpos" que, segundo Elias (1990), constitui marca registrada do "processo civilizador".24 - A questo da "singularidade" constitui pea central na psicanlise. Assim, "o indivduo (moderno) aspira singularidade. O sujeito na psicanlise condenado a ela" (Bezerra, 1989, p.237). Ver tambm a respeito Birman, 1991.25 - Vale frisar que estas questes no so apangio da psicanlise. Pode-se entrever uma homologia entre a interpretao psicanaltica, que desgua na singularidade do sujeito, e aquela, cana a uma vertente da antropologia cultural, que, enaltecendo as diferenas culturais como "iguais" em termos de valor e como irredutveis, busca a inteligibilidade de cada cultura "nos seus prprios termos". Levado ao limite, o procedimento tambm inviabiliza totalizaes. precisamente contra tais premissas, e suas implicaes, que se coloca Dumont, ao propugnar "valores irrelativizveis": so eles que previnem contra um relativismo solipsista e, apontando para fundamentos universais, afianam a comunicao/totalizao entre diferentes culturas (cf. Dumont, 1985, pp. 252-253).26 - Uma das qualidades nodais do pensamento dumontiano reside na atribuio de uma precedncia, lgica e analtica, do Valor sobre o Fato. Ainda que o autor sublinhe que s as sociedades modernas separam Fato e Valor, e apesar de ele prprio almejar um projeto monista, Duarte salienta que Dumont opera ainda "nos moldes do dualismo sociedade/cultura, embora a nfase no simblico, no valorativo, prevalea no nvel analtico" (Duarte, 1986b, p. 121).27 - Sobre o paradoxo de a configurao individualista ter como valor englobaste justamente o que segmenta, privatiza e individualiza, ver Duarte, 1983, p. 6. Para as tenses lgicas inerentes ao princpio igualitrio, cf. Salem, 1989, pp. 35-36.BIBLIOGRAFIAARIS, P. (1978),Histria social da criana e da famlia.Rio de Janeiro, Zahar.AUSTER, P. (1990),Atrilogia de Nova York. SoPaulo, Best Seller.AZIZA-SHUSTER, E. (1972),Le mdicin de soI-mme.Paris, Presses Universitaires de France._______. (1985), "Modernizao, famlia e desorientao: uma das razes do psicologismo no Brasil", in Figueira, S. (org.),Cultura da psicanlise.So Paulo, Brasiliense._______. (1987), "O 'moderno' e o `arcaico' na nova famlia brasileira: notas sobre a dimenso invisvel da mudana social", in Figueira, S. (org.),Uma nova famlia?.Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor.BEZERRA JUNIOR, B. (1989), "Subjetividade moderna e o campo da psicanlise-, in Birman, J. (org),Freud: 5O anos depois.Rio de Janeiro, Relum Dumar._______. (1991). "A interpretao e singularidde do sujeito na experincia psicanaltica",Physis: revista de sade coletiva, n. 2, vol. 1.COSTA, J. F. 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