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Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos UNICEPLAC Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas Flexibilizados por Negociação Coletiva na Forma Do Art. 611-A da CLT Gama-DF 2020

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Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC

Curso de Direito

Trabalho de Conclusão de Curso

A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas

Flexibilizados por Negociação Coletiva na Forma Do Art. 611-A

da CLT

Gama-DF

2020

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LUIZ HENRIQUE QUEIROZ PEREIRA

A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas

Flexibilizados por Negociação Coletiva na Forma Do Art. 611-A

da CLT

Artigo apresentada como requisito para conclusão

do curso de Bacharelado em Direito do Centro

Universitário do Planalto Central Apparecido dos

Santos – Uniceplac.

Orientadora: Professora Esp. Daiana Maria

Santos de Sousa Silva.

Gama-DF

2020

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LUIZ HENRIQUE QUEIROZ PEREIRA

A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas

Flexibilizados por Negociação Coletiva na Forma do Art. 611-A

da CLT

Artigo apresentado como requisito para

conclusão do curso de Bacharelado em Direito

pelo Centro Universitário do Planalto Central

Apparecido dos Santos – Uniceplac.

Gama, 30 de Junho de 2020.

Banca Examinadora

Prof. Daiana Maria Santos de Sousa Silva

Orientador

Prof. Eduardo Antônio Dória de Carvalho

Examinador

Prof. Robson da Penha Alves

Examinador

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A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas

Flexibilizados por Negociação Coletiva na Forma do Art. 611-A

da CLT

Luiz Henrique Queiroz Pereira1

Daiana Maria Santos de Sousa 2

Resumo:

O presente artigo é uma abordagem sobre as novas possibilidades que a negociação coletiva apresentará, considerando a nova ordem da flexibilização do Direito do Trabalho, sobretudo o aspecto

reformador com advento da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017). O texto se desenvolve a partir

do contexto histórico do Direito do Trabalho, passando pela atuação sindical como forma de

preservação e defesa dos direitos laborais, em seguida, por uma análise conceitual de negociação coletiva como fonte justrabalhista e, por fim, pela abordagem do negociado sobre o legislado, da consequente flexibilização dela decorrente e das principais controvérsias sobre o tema.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Direito Sindical. Negociação coletiva. Prevalência do pactuado

sobre o legislado. Limites constitucionais.

Abstract: This article is an approach on the new possibilities that collective bargaining had presented,

considering the new order of flexibilization of Labor Law, especially the reforming aspect with the

advent of the Labor reform (Law 13.467/2017). The text develops from the historical context of Labor Law, passing over union action as a form of preservation and defense of labor rights, then a conceptual

analysis of collective bargaining as a just labor source, finally the approach of the negotiated over the

legislated, the consequent flexibilization resulting from it and the main controversies on the subject.

Keywords: Labor Law. Trade Union Law. Collective bargaining. Prevalence of the agreement over

the legislature. Constitutional limits.

1 Graduando do Curso Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac).

E-mail: [email protected]. 2 Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho. Mestranda em Direitos Sociais e Processos Reivindicatórios.

E-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

As mudanças econômicas e sociais de ordem global são absorvidas na organização do

trabalho e, consequentemente, no Direito Laboral, pois as ordens jurídicas destas

transformações atingem diretamente as relações trabalhistas. Foi assim ao longo de todo o

processo de construção e transformação do trabalho, e, hodiernamente, no cenário brasileiro,

não é diferente, todas as transformações nessas diretrizes mundiais afetam a inter-relação do

trabalho.

Assim, reflexo das mudanças no cenário econômico do país, com o advento do

diploma reformador introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 13 de julho de

2017), o Brasil passou a adotar a estratégia que já vem ocorrendo no mundo, que é a

flexibilização das regras do Direito do Trabalho para amenizar a crise econômica que assola a

população.

Entre as alterações advindas com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista (Lei nº

13.467/2017), destaca-se, até mesmo porque diz respeito à proposta em análise, a inserção, na

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do art. 611-A, que propõe, de maneira geral, que o

direito negociado terá prevalência sobre a lei, ou seja, caso o diploma negocial estiver em

conflito com a norma legal, relacionado às matérias elencadas no artigo, este prevalecerá

sobre o que está disposto na norma legal.

Com a concretização das mudanças tão desejadas por setores da população,

especialmente grandes empresários e a classe política, surgiram questionamentos acerca da

real eficácia dessas alterações e, principalmente, qual seria o impacto nas relações de trabalho.

Nesse sentido, a pesquisa se realizou a partir dos parâmetros constitucionais atinentes

aos trabalhadores, em especial no que se refere aos impactos decorrentes da inovação

legislativa na relativização dos direitos assegurados no art. 7º da Constituição Federal (CF) de

1988, sobretudo no que diz respeito às características do Direito Coletivo do Trabalho.

Justifica-se, portanto, a escolha do tema pela redação conferida pela Reforma

Trabalhista à CLT, pela Lei nº 13.467/2017. Sobretudo o art. 611-A, que aduz o que pode ser

relativizado por intermédio de negociação coletiva, provocando diversas lacunas e

questionamentos sobre a sua aplicabilidade no cenário brasileiro. Pois, como mencionado, a

crise econômica e política que o Brasil está atravessando resulta em impactos tanto a

empresários quanto a trabalhadores.

Diante disso, as mudanças atinentes às possibilidades do instrumento de negociação

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coletiva sobrepondo-se ao legislado trazem um novo campo de pesquisa a ser explorado.

Principalmente, no que tange à proteção do trabalhador, tendo em vista que, contrapondo-se a

esta dogmática reformista, há o enfraquecimento dos sindicatos, de modo que se questionam

quais os limites e em que medida a ideia de impulsionamento econômico pode se sobrepor às

garantias trabalhistas.

Adiante, tem-se que considerar o questionamento acerca dos mecanismos criados pelo

legislador reformista para enfraquecimento do sindicalismo, em especial, o fim da

contribuição sindical obrigatória. Como ficará a representação dos trabalhadores na

elaboração e na efetivação das garantias no instrumento coletivo?

A metodologia a ser utilizada será, inicialmente, por meio de método indutivo, com as

análises e as posições doutrinárias a respeito do estudo delimitado. Ainda, traçando com o

estudo do panorama nacional brasileiro, a compreensão de textos legais, doutrinas,

jurisprudências e demais legislações, para se propor uma análise criteriosa com o intuito de

obter uma evolução nessa relação, que, pela própria natureza, é estritamente desigual.

2 EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO CENÁRIO MUNDIAL E

NACIONAL

Neste tópico, tratar-se-á da evolução do Direito do Trabalho no mundo e a

consequente evolução no âmbito brasileiro. Propor-se-á, uma análise iniciando-se no conceito

de trabalho e sua origem, e os fatores que culminaram no surgimento do Direito do Trabalho e

percorrendo as constantes transformações ao longo dos anos, bem como seus desdobramentos

e suas implicações nos demais ramos da sociedade, sobretudo no que diz respeito a sua

atuação com a economia. Adiante, analisar-se-á a dinâmica do Direito do Trabalho pós-

Constituição de 1988, e seus desdobramentos.

2.1 Conceito e origem de trabalho

Prefacialmente, considerada a significância do termo trabalho e a dialogicidade da

referida significação na visão da classe trabalhadora e de quem se beneficia do produto do

trabalho. Dialogicidade esta que impulsionou o surgimento dos movimentos coletivos

iniciados no século XIX, período da Revolução Industrial, cenário da reação da classe

trabalhadora frente às condições do trabalho humano. É indispensável antes de tecer algumas

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linhas sobre a evolução do Direito do Trabalho explicar a etimologia do citado termo.

Para Leite (2018, p. 45), etimologicamente, a palavra trabalho é plurissignificativa e

pode ser objeto de investigação por diversos campos do conhecimento, como a História, a

Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, a Economia, a Ciência Política e o Direito.

O trabalho na visão de Karl Marx,3 de maneira resumida, pode ser entendido como a

interação do homem com a natureza, com o intuito de extrair os bens necessários para garantir

a subsistência (COLMÁN; POLA, 2009).

Quanto à origem do trabalho, tem-se que seu surgimento se deu desde os primórdios

da civilização, considerando que é visto como ferramenta necessária para a sobrevivência

humana, portanto, parte natural da própria evolução do homem.

Nos ensinamentos de Silva (2018), o trabalho, na Antiguidade e na Idade Média,

possuía uma abordagem histórica com três vertentes — a escravidão, a servidão e a

corporação —, de modo que passou a adotar características gradativas que, cada vez mais,

traduzia as vontades dominantes.

Escravidão: Na sociedade pré-industrial, têm-se os seres humanos divididos em duas

classes: senhores e escravos. O escravo não era tratado como sujeito de direito e sim

como um objeto, uma coisa. O trabalho não era dignificante para o homem. [...]

Servidão: No período do feudalismo, temos o regime de servidão, onde os senhores

feudais ofereciam proteção militar e política os seus trabalhadores, que não possuíam liberdade. Os servos entregavam parte da produção aos senhores feudais

em troca de permanência e uso da terra. [...]

Corporações: O trabalho na Roma Antiga não era regulamentado, pois, era adotado

o regime escravagista. Porém, foram criados organismos que se agruparam

conforme as profissões, principalmente os artesãos. (SILVA, 2018).

Com a ascensão das revoluções industriais e econômicas dos séculos XVII, XVIII e

XIX, o trabalho começou a ser visto de outra forma, passou-se a enxergar nele uma forma de

sobrepesar a economia.

Dessa forma, o trabalho vinculou-se a economia, construindo uma relação estreita com

os meios de produção capitalista, inclusive possibilitando a exploração da mão de obra como

meio de produção.

Portanto, o entrelace entre o trabalho e a economia foi objeto de questionamentos ao

longo dos anos, pois, na visão dos socialistas, o trabalho consiste no objeto central da

3 Karl Marx foi um filósofo e revolucionário socialista nascido na Alemanha. É considerado o pai do socialismo.

Foi responsável pela primeira fundamentação científica do socialismo e, com isso, de todo o movimento operário

de nossa época. Nasceu em 1818 e morreu em 1883 (ENGELS, 2019).

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economia. Friedrich Engels,4 por exemplo, entendia que a exploração do trabalho como

método para concentração de renda vislumbrava tão somente a prevalência da classe

dominante em detrimento da classe dominada (ENGELS, 1999).

Nesse contexto, começou a se pensar em formas de conter ou, ao menos, diminuir os

impactos que essa relação pudesse ter, como forma de proteger a classe menos favorecida,

que não possui meios de se tutelar no âmbito do livre mercado.

Nesse cenário de crescimento industrial e liberalismo econômico, associado à

exploração laboral baseada em ideias progressistas, surge também o ideário protecionista e,

com ele, o Direito do Trabalho, como forma de possibilitar certa paridade entre os sujeitos da

relação de trabalho e impedir que a classe dominante explorasse a mão de obra sem qualquer

controle por parte do Estado.

2.2 Evolução histórica do Direito do Trabalho na ordem internacional

O Direito do Trabalho surge como uma forma de se contrapor as discrepâncias geradas

pela revolução industrial, como a crescente e incontrolável exploração do trabalho, portanto, é

considerado fruto da revolta da classe trabalhadora no século XIX ocasionada pela exploração

desordenada da força de trabalho humano (CASSAR, 2017, p. 11)

É importante ressaltar, que antecedendo a revolução industrial, alguns fatores

importantes foram dando forma para o Direito Laboral, como, por exemplo, os movimentos

sociais do século XVIII, em especial a luta de classes dos operários, que, buscando melhorias

nas condições de trabalho, travaram batalhas que levaram o Estado a intervir, adotando

medidas para assegurar ao trabalhador condições de efetivar o seu trabalho de maneira justa e

segura.

Nesse contexto, o Direito do Trabalho nasce de duas ramificações: o direito individual,

com o papel de proteção dos direitos sociais do empregado; e o direito coletivo, com a

preocupação geral de proteção dos direitos de determinados grupos de trabalhadores ou

empresários, sendo de grande valia ressaltar que o sindicato como agente do direito coletivo é

considerado base nesse ramo (CASSAR, 2017, p. 15).

Algumas regulamentações importantes para a evolução do Direito do Trabalho foram:

primeiro, em 1891, a carta encíclica Rerum Novarum, documento pelo qual o papa Leão XIII,

diante das mudanças introduzidas pelas revoluções francesa e industrial, sensibilizado pela

4 Friedrich Engels, filósofo e pensador, é autor, ao lado de Marx, de diversas obras que revolucionaram o

pensamento e a análise social.

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exploração do homem, tentou introduzir regras, como o salário mínimo e a jornada máxima

de trabalho; segundo, em 1917, a Constituição do México foi a primeira no mundo a tratar e

proteger os direitos dos trabalhadores; e, por último, em 1919, a Constituição de Weimar

(Alemanha), considerada a primeira do continente europeu a tratar dos direitos trabalhistas e

do Direito Coletivo do Trabalho, sendo a responsável por difundir os direitos fundamentais e

sociais.

A principal regulamentação do Direito do Trabalho veio com a assinatura do Tratado

de Versalhes, em 1919, no qual foi criado o órgão principal de organização do trabalho pelo

mundo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo um papel fundamental, pois

começou a tutelar os direitos e as garantias oriundos da relação de trabalho.

Adiante, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos instituiu diversas

garantias trabalhistas, que, até então, não havia nenhuma incidência diante da sociedade da

época, e, até os dias atuais, a declaração é utilizada para efetivação de direitos e garantias

sociais.

Assim, o Direito do Trabalho, como ramo jurídico especializado, surge com o papel de

invocar o Estado para intervir nas relações laborativas, de modo a assegurar, aos menos

favorecidos (os trabalhadores), condições básicas de sobrevivência nesta relação que, pela

própria natureza, é desequilibrada.

2.3 Direito do Trabalho no Brasil

No Brasil, segundo leciona Delgado (2019, p. 125), em que pese não ter,

necessariamente, qualquer característica justrabalhista, a Lei Áurea pode ser tomada, de certa

forma, como marco inicial de referência histórica do Direto Laboral Brasileiro, de modo que

pode ser reconhecida como de relevante papel para a configuração desse ramo jurídico

especializado.

Ainda, conclui o ilustre professor que o mencionado diploma sintetiza o marco de

referência mais significativo na primeira fase do Direito Trabalhista Brasileiro, por esse

motivo, é tido como o marco inicial.

Nesse sentido, para Leite (2018, p. 41), no Brasil, podemos dividir a evolução do

Direito do Trabalho em três partes: tendo como pontapé inicial, a abolição da escravatura;

adiante, a Proclamação da República, com a campanha de política liberal; e, por último, da

Revolução de 1930 aos nossos dias.

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O surgimento do Direito Trabalhista Brasileiro é fruto tanto da influência de fatores

externos, decorrente das transformações europeias com a proliferação de diplomas legais de

proteção ao trabalhador e o ingresso do país na OIT, quanto da influência interna, em

decorrência, principalmente, do movimento operário influenciado por imigrantes, também do

surto industrial pós-guerra e da política praticada pelo então presidente Getúlio Vargas

(LEITE, 2019, p. 42).

Clarividencie-se que o cenário externo em que se proclamavam medidas protetivas ao

trabalhador gerou reflexos na ordem interna brasileira, influenciando o fim da escravatura,

período marcado por grande repulsa, que se mostrou mais forte após o surgimento dos

movimentos abolicionistas, que, com o apoio das classes trabalhadoras, passaram a realizar

manifestações reivindicando a libertação dos escravos.

Segundo Leite (2019, p. 42), até a consolidação com a Constituição de 1988, algumas

legislações foram dando forma ao Direito do Trabalho Brasileiro, o Decreto nº 1.313, de 17

de janeiro de 1891, que proibiu o trabalho noturno dos menores de 15 anos, limitando a

jornada a sete horas diárias. Também a Lei nº 4.682, de 20 de janeiro de 1923, a chamada Lei

Elói Chaves, que instituiu a caixa de aposentadoria e o direito à estabilidade para os

ferroviários que completassem 10 anos de serviço — há quem afirme que esta é a primeira lei

verdadeiramente trabalhista no Brasil.

Outras legislações surgiram, como, por exemplo, o Decreto nº 4.982, de 24 de

dezembro de 1925, que disciplinava o direito de férias anuais remuneradas, bem como a Lei

nº 62, de 5 de junho de 1935, que assegurava o direito às verbas rescisórias em caso de

demissão injustificada e à chamada estabilidade decimal, o que demonstrava a crescente ideia

de regulação e instituição de normas que propiciassem um Direito do Trabalho ancorado em

garantias protetivas mínimas.

A Constituição de 1934 foi a primeira constituição a tratar o Direito Trabalhista como

Direito Constitucional. A referida norma inseriu direitos como o salário mínimo, a limitação

de jornada de oito horas, férias, o repouso semanal, entre outros, que, anteriormente, quase

não eram mencionados.

Somente em 1943, com o advento da CLT, o Direito do Trabalho Brasileiro se

incorporou, porque, até então, vinha sendo tratado por legislações esparsas de maneira

pontual, sem uma grande abrangência. A CLT foi instituída pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º

de maio de 1943, entrando em vigor somente em novembro daquele ano.

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Nesse contexto histórico, após a Constituição de 1988, o trabalho passou a ser tutelado

no Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), dentro do rol do Capítulo II (“Dos

Direitos Sociais”), portanto, protegido como garantia fundamental do estado democrático de

direito, tendo, sobre a dogmática, constitucional papel de grande relevância.

No ordenamento jurídico pátrio, com o advento da CF/1988, deu-se ênfase aos

chamados direitos fundamentais de segunda geração, os reconhecidos direitos sociais, que

acrescentaram uma nova visão protecionista ao ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, contendo diversos dispositivos versando sobre direitos trabalhistas

(individual e coletivo), a Constituição consagra o Direito ao Trabalho como direito social e o

insere no título alusivo aos “Direitos e Garantias Fundamentais” (LEITE, 2019, p. 45).

Para Delgado (2019, p. 118), a Constituição de 1988 foi proclamada com o intuito de

normalizar no país um estado democrático de direito. Ela formada estruturalmente por um

tripé conceitual, qual seja: a dignidade da pessoa humana; uma sociedade política,

democrática e inclusiva; e uma sociedade civil, também democrática e inclusiva.

Ainda, assegura que esse tripé conceitual está perfeitamente identificado na nossa

Carta Magna, como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, que está presente no Título

I (“Dos Princípios Fundamentais”), no Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”),

no Título VII (“Da Ordem Econômica e Financeira”) e no Título VIII (“Da Ordem Social”).

Ainda, destaca o ilustre professor que a pessoa humana está localizada no vértice da

ordem constitucional, pois todos os títulos representam a centralidade humanística e social,

sendo que o direto trabalhista está diretamente marcado por esses componentes (DELGADO,

2019, p. 119).

A sociedade política, como elemento do tripé estrutural do estado democrático de

direito, está relacionada à junção do Estado com o povo e o território, de modo que o Estado,

utilizando-se do seu poder, busque a concretização do bem comum.

Por fim, a sociedade civil diz respeito ao papel de regulamentação que o Estado deve

desempenhar, intervindo nas relações civis e particulares, de modo a preservar os direitos

tanto individuais como coletivos dos cidadãos.

Desse modo, além das garantias listadas no art. 7º, a ordem constitucional consagrou

os direitos coletivos do trabalho quando fez constar como direitos dos trabalhadores urbanos e

rurais o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, inciso

XXVI), ou seja, conferiu status constitucional à manifestação coletiva, com a interação direta

das entidades sindicais dos trabalhadores.

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No mesmo sentido, uma das grandes inovações na Constituição de 1988 é a previsão,

em seu art. 8º,5 da liberdade associativa e sindical, dando autonomia para os entes sindicais se

organizarem no país, sem qualquer interferência estatal (DELGADO, 2019, p. 134).

Assim, além de prestigiar o direito coletivo do trabalho, a Constituição garantiu a

autonomia de atuação dos entes sindicais na concretização dos interesses das classes a qual

eles representam.

3 A ATUAÇÃO SINDICAL COMO FERRAMENTA NA EFETIVAÇÃO DOS

PRINCÍPIOS E DEFESA DOS DIREITOS LABORAIS

Neste tópico, far-se-á a análise do papel do ente sindical na defesa de direitos e na

efetivação dos princípios relacionados à atuação do ente sindical frente à negociação coletiva.

Conforme se depreende da Constituição de 1988, as entidades sindicais possuem papel

importantíssimo no estado democrático de direito, não à toa, recebeu desta o status de direito

social dos cidadãos. Da mesma forma, foi-lhe assegurada as prerrogativas necessárias para a

sua atuação independente na defesa dos interesses dos seus representados.

3.1 Entidades sindicais

Os sindicatos são sujeitos no Direito Coletivo de Trabalho, e o seu principal papel é na

articulação de meios de soluções de conflitos entre as classes que representam e o detentor do

poderio econômico.

O sindicato é base do direito coletivo, de modo que não se pode vislumbrar a

efetivação do direito coletivo sem a atuação dos sindicatos na tutela dos interesses coletivos.

Nesse sentido, segundo Mauricio Godinho Delgado, os sindicatos podem ser definidos

como:

entidades associativas permanentes, que representam trabalhadores vinculados por

laços profissionais e laborativos comuns, visando tratar de problemas coletivos das

respectivas bases representadas, defendendo seus interesses trabalhistas e conexos,

com o objetivo de lhes alcançar melhores condições de labor e vida. (DELGADO, 2019, p. 1590).

5 “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: [...] III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

[...] VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho [...]” (BRASIL,

[2020a]).

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Quanto à origem dos sindicatos, esta se deu entre os séculos XVII e XVIII, quando os

operários começaram a se revoltar contra as máquinas que dominavam as indústrias da época,

dando origem ao ludismo.6 A introdução das máquinas na manufatura passou a submeter os

trabalhadores a condições de trabalho exaustivas com cargas horárias intensas, até que, em

meados do século XIX, a classe operária se organiza para, em conjunto, reivindicar melhores

condições de trabalho, momento em que a chamada consciência de classe florescia em busca

do bem comum.

Dotada dessa consciência de classe, os sindicatos foram fundados e, por essa razão,

possuem um papel fundamental perante a sociedade. Não por acaso, foram extremamente

agraciado pela Constituição Federal, a ponto desta prever expressamente, em seu art. 8º, o

texto transcrito a seguir.

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato,

ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência

e a intervenção na organização sindical;

[...]

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da

categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; [...]. (BRASIL,

[2020a]).

Conforme se observa, o texto constitucional, em seu art. 8º, além de assegurar a

criação, delineou as principais características do instituto, como a garantia da autonomia dos

sindicatos (inciso I) e a principal linha de atuação do ente (inciso III).

Ressalte-se, que o texto constitucional previu duas garantias fundamentais à atuação

sindical: a impossibilidade de o Estado interferir na fundação e no funcionamento do sindicato

(art. 8º, inciso I);7 e também a proibição da dispensa sem justa causa dos trabalhadores que

exerçam função no sindicato (art. 8º, inciso VIII)8 (MENDES; BRANCO, 2017, p. 588).

Portanto, na conjuntura que desenhou a CF/1988, o papel dos entes sindicais possui

demasiada importância na busca da pacificação social, sobretudo como longa manus do

6 O ludismo foi um movimento de trabalhadores que se uniram e se revoltaram contra as máquinas no princípio

da Revolução Industrial. 7“Art. 8º [...] I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro

no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical” (BRASIL, [2020a]). 8 “Art. 8º [...] VIII - e vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo

de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo

se cometer falta grave nos termos da lei.” (BRASIL, [2020a]).

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Estado no papel de sedimentar as garantias da classe que representam frente à atuação do livre

mercado.

3.2 Função negocial

Quanto às linhas de atuação, segundo leciona Delgado (2017, p. 1527), os sindicatos

possuem funções delineadas tanto pela legislação quanto pela doutrina, sendo que sua função

principal é a de representação, que é a base para a atuação da entidade. Essa função abrange

inúmeras dimensões, pois representa todo um diálogo que é travado pela entidade, nas searas

administrativa (com o Estado), privada (com os empregadores) e judicial (com o Estado e (ou)

com os empregados/empregadores).

Dentro da função representativa sindical (lato sensu), a função negocial é tida como a

mais importante função do ente sindical e reflete diretamente no tema proposto. A sua

principal característica é a busca por diálogo e aproximação com os empregadores ou as

entidades empresariais, com o intuito de celebrar diplomas negocias coletivos que vão reger

os contratos de trabalho dos seus representados (DELGADO, 2017, p. 1528).

Portanto, é a partir da função negocial que se originam as fontes autônomas

trabalhistas e, por esta razão, concretiza especial destaque aos sindicatos. Não à toa que a

Constituição, em seu art. 8º, lhe assegura prerrogativas para que essa função seja

desempenhada com rigor e seriedade.

3.3 Negociação coletiva

A função negocial deriva da autonomia da vontade coletiva, como forma de dirimir

conflitos, atuando como ferramenta do Direito Coletivo do Trabalho em busca da resolução

dos conflitos, sem, contudo, permitir que se atinjam as garantias.

Segundo a doutrina clássica, a negociação coletiva surgiu de maneira natural, como

um efeito da reação dos trabalhadores contrários à violência patronal, da mesma forma que

surgiram os entes sindicais, de modo que emergiu no cenário global conseguindo derrubar a

oligarquia dos patronatos (FREITAS, 2019).

Em primeiro lugar, a fonte negocial é o fundamento principal do reconhecimento da

liberdade e da autonomia, ou seja, o indivíduo não é meramente o desígnio da norma criada

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pelo Estado, ao contrário, é também sujeito gerador de direito e obrigações, com a expressão

de sua vontade (MERÍSIO, 2011).

A negociação coletiva cumpre funções jurídicas,9 políticas,10 econômicas,11

psicológicas12 e sociais,13 portanto, o seu campo de atuação é amplo, não podendo restringir-

se à discussão sobre o salário que é pago ao trabalhador (MERÍSIO, 2011).

Assim, a negociação coletiva, primordialmente tem por função estabilizar as relações

(empregado-empresa), cumprindo, assim, a função política, visto que proporciona diálogo

entre grupos sociais.

Por isso, essa característica de formadora de norma faz com que a negociação coletiva

desempenhe o papel de fonte autônoma do Direito Laboral, característica peculiar do Direito

do Trabalho.

3.4 Negociações coletivas como fonte autônoma do Direito do Trabalho

Da mesma maneira que os demais ramos do Direito, o laboral possui uma ordem

jurídica que entrelaça suas relações e estabelece parâmetros para a aplicação e a eficácia.

Dentro dessa ordem jurídica, estão localizadas as fontes, que são consideradas vetores para o

surgimento e a exteriorização na norma jurídica.

As fontes do Direito do Trabalho se dividem em materiais e formais. Para Leite (2018,

p. 76), as fontes materiais são basicamente fatos políticos, econômicos e sociais do trabalho

que necessitam de intervenção estatal, objetivando equilibrar a relação capital versus trabalho,

intermediando-a em busca da promoção da igualdade e da solidariedade entre os envolvidos.

Para a doutrina especializada, as fontes formais são divididas em dois grupos: as

fontes autônomas (objeto em análise) e as fontes heterônomas (derivadas da atuação do

estado). As fontes autônomas, peculiares do Direito Laboral, traduzem as vontades dos

9 “A função jurídica se apresenta pelo reconhecimento constitucional (art. 7º, XXVI) de fonte do Direito do

Trabalho aos acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho” (MERÍSIO, 2011, p. 122). 10 “A função política deriva da participação direta dos grupos sociais na solução de suas controvérsias,

contribuindo na construção de um Direito do Trabalho pluralista, orientado pelo princípio da primazia da pessoa

humana” (MERÍSIO, 2011, p. 123). 11 “A função econômica da negociação se revela pela garantia de um desenvolvimento econômico, inclusivo de

trabalhadores e empresários” (MERÍSIO, 2011, p. 123). 12 “A função psicológica decorre do atendimento dos anseios do trabalhador em prol daquilo por ele considerado como o salário justo, favorecendo a produtividade e o reconhecimento do trabalhador de que participa do

processo empresarial, não sendo apenas um sujeito passivo e receptor de ordens” (MERÍSIO, 2011). 13 “A função social é garantia de que os grupos sociais envolvidos diretamente no conflito não podem ser

privados dos meios de participação na administração da solução do problema” (MERÍSIO, 2011).

Page 16: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

15

próprios interlocutores, sem que haja a necessidade da interferência do Estado, pois exprimem

a vontade coletiva de uma determinada classe.

No Brasil, além da previsão expressa no texto constitucional (art. 7º, inciso XXVI),14

as promulgações das convenções 98 (Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva),

151 (Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva) e 154 (Fomento à Negociação

Coletiva) estabeleceram que as convenções coletivas possuem relevância formadora de

norma, exprimem a característica formadora de norma das convenções e dos acordos

coletivos, de modo que lhe possibilitam a interpretação como fonte autônoma trabalhista.

Nesse sentido, surge o questionamento sobre qual o grau de efetividade que essa

norma possui, sobretudo, no que diz respeito a possíveis conflitos hierárquicos que

porventura, ocorram com outras fontes, o que será delineado no próximo tópico.

3.5 Hierarquia entre as fontes justrabalhistas e os princípios

Para Delgado (2017, p. 192), “hierarquia traduz ordem, gradação, organização

segundo um critério. Hierarquizar significa colocar determinados elementos em ordem

sequencial, em vista de um critério preestabelecido”. Ainda, entende o ilustre doutrinador que,

no direito em geral, hierarquia significa aprender a ordem de gradação entre normas jurídicas

do mesmo ramo.

Dito isso, ressalte-se que, sob a dogmática trabalhista, essa percepção gradativa não

possui tanta relevância na matéria, visto que o Direito do Trabalho possui uma predominância

principiológica que é inerente ao desenvolvimento do Direito Trabalhista.

Iniciando o debate a respeito da hierarquia das normas, Delgado (2017, p. 191)

compreende que o exame das fontes de qualquer segmento jurídico não se completa sem

estudar os critérios utilizados para inter-relacionar as suas premissas, harmonizando, assim,

umas com as outras caso existam conflitos.

Desse modo, todos os sistemas jurídicos se organizam segundo uma hierarquia lógica

entre suas normas integrantes, tornando-a, assim, critério fundamental a responder pela

adequação das diversas partes normativas de qualquer sistema do direito (DELGADO, 2017,

p. 191).

Nesse sentido, analisando a compatibilidade dos preceitos hierárquicos gerais das

normas jurídicas e fazendo uma comparação com o Direito Laboral, percebe-se que não se

14 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição

social: [...] XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho [...]” (BRASIL, [2020a]).

Page 17: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

16

aplica a lógica da superioridade hierárquica da norma fundamental, pois, sobre a órbita do

Direito do Trabalho, gravita o princípio da norma mais favorável que dita as regras da

aplicação da norma.

Não obstante a Constituição deve ser reconhecida como lei fundamental, pois é o

conjunto de normas básicas que viabiliza os procedimentos para que a atividade da sociedade

se desenvolva (MERÍSIO, 2011).

A propósito, a própria Constituição assegura a aplicação da cláusula mais benéfica. É

o que se extrai dos arts. 5º, § 2º, e 7º, caput e inciso XXVI, pois privilegiam as normas que

proporcionem maior conforto para os menos favorecidos.

Nesse sentido, para Delgado (2017, p. 193), no ramo justrabalhista, não se deve falar,

pelo menos, a princípio, em hierarquia de diplomas normativos, mas, sim, em hierarquia de

normas jurídicas (heterônomas e autônomas). Isso porque a eleição da norma jurídica como

elemento integrante da pirâmide hierárquica justrabalhista se dá pela maneira altamente

diversificada do universo das fontes características desse ramo jurídico, cumprindo o papel de

grande importância com fontes de origem não estatal.

Assim, pode se dizer que o critério hierárquico adotado pelo Direito Laboral não é

estável, o que proporciona o direcionamento para o seu vértice da norma que mais se

aproxime do critério teleológico do ramo justrabalhista (DELGADO, 2019, p. 194).

Nesse sentido, a normativa juslaboral faz vigorar, no seu ordenamento, em se tratando

de critério hierárquico, a norma que melhor expresse e responda o objetivo central do ramo

trabalhista, ou seja, a dinâmica protecionista em que envolve a classe menos favorecida na

relação laboral.

Pode se concluir, portanto, que o Direito Laboral adotou a teoria dinâmica de

hierarquia entre as normas trabalhistas, haja vista que, no seu topo, não está, necessariamente,

a Constituição, segundo orienta a Teoria da pirâmide de Hans Kelsen,15 mas, sim, a norma

que for mais benéfica ao trabalhador (LEITE, 2018, p. 92).

Contudo, com o advento da Lei nº 13.467/2017, o princípio em tela foi relativizado, na

medida em que se instituiu a prevalência do negociado sobre o legislado, isto é, um novo

sistema de hierarquia das fontes, em que as cláusulas previstas em convenções ou acordos

15 Segundo dispõe a teoria de Kelsen, a hierarquia das normas é dividida em uma pirâmide, que tem a

Constituição com seu vértice (topo), por ser esta fundamento de validade de todas as demais normas do sistema,

assim sendo, as demais normas devem ser derivadas (tendo como preceito) da Constituição, por isso mesmo,

denominada leis infraconstitucionais (CUNHA, 2018).

Page 18: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

17

coletivos prevalecem quando se apresentarem em antinomia com as disposições previstas em

lei (LEITE, 2019, p. 1224).

Portanto, é notório que o diploma reformista proporcionou uma inovação no critério

hierárquico das normas trabalhistas, pois admite a prevalência da negociação coletiva sobre a

lei. Entretanto, o principal questionamento é que o referido instituto poderá ser aplicado caso

a norma coletiva proporcione alguma prejuízo ao trabalhador, de modo que mitigou a teoria

dinâmica de hierarquia das normas laborais, pois não se aplica o critério da norma mais

favorável.

3.5.1 Da aplicação do princípio da norma mais favorável

As normas coletivas e a hierarquia entre as fontes justrabalhistas dialogavam antes da

reforma trabalhista, de modo muito coeso em face da intenção de proteção dos direitos

constitucionais, assegurados aos trabalhadores em sua forma coletiva. O princípio da norma

mais favorável orienta a aplicação das normas trabalhistas, viabilizando sua aplicação de

acordo com os seus critérios, sopesando o que é, nas normas em confronto, mais protetivo e

favorável à classe protegida, devendo ser pretérita a menos benéfica.

Para Leite (2018), cuida-se do princípio que informa a aplicação da norma trabalhista,

ou seja, caso exista mais de uma norma que verse sobre o mesmo Direito Trabalhista, terá

prevalência a que mais favoreça o empregado.

Após a Reforma Trabalhista, que flexibiliza direitos conforme será tratado nos tópicos

adiante, o referido princípio da norma mais favorável responsável por orientar e auxiliar na

interpretação e na aplicação das normas trabalhistas acabou por ser ele mesmo flexibilizado,

sendo fator de ressignificação na análise das normas coletivas, sobretudo quando se

confrontam.

Há de ser mencionar que tal princípio, como outros, não é absoluto, assim, em

determinados casos, não pode ser aplicado, em obediência da supremacia do interesse público.

Ainda segundo Leite (2018), a sua efetivação enfrenta dificuldades práticas:

A aplicação do princípio da norma mais favorável encontra algumas dificuldades

práticas no que respeita à incidência das cláusulas previstas em convenção ou acordo

coletivo de trabalho. Por essa razão, três teorias procuram justificar o critério de

aplicação do princípio na hipótese de conflito entre normas jurídicas previstas em

instrumentos coletivos de autocomposição: a teoria da acumulação, a teoria do

conglobamento e a teoria da incindibilidade dos institutos. (LEITE, 2018, p. 181).

Page 19: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

18

Desse modo, na aplicação da norma mais favorável, a doutrina pátria aponta duas

teorias centrais que sedimentam a observância da norma mais benéfica: a acumulação e o

conglobamento.

Na teoria da acumulação, na visão de Cavalcante e Pessoa (2019, p. 247-249), “o que

se busca é o acúmulo dos preceitos favoráveis ao trabalhador, com a cisão dos diversos

diplomas analisados e comparados”.

Essa teoria possui, como intuito, concatenar os instrumentos que mais beneficiam o

trabalhador representado, de modo que faz a junção de diferentes ordenamentos com os

tópicos mais benéficos da norma, o que, em tese, cinde a norma retalhando-a.

Acontece que essa cisão é a principal causadora das críticas a essa teoria, pois

relativiza o Direito do Trabalho como um sistema de normas respeitável, assim é o que

entende Delgado (2017):

A vertente da acumulação é bastante criticável, do ponto de vista científico. É que

ela claramente conduz a uma postura analítica atomista, consubstanciada na soma de

vantagens normativas extraídas de diferentes diplomas [...]. Contudo, não é menos

verdade que o faz ao preço de liquidar a noção de Direito como sistema, tornando as

operações de interpretação, integração e aplicação das regras jurídicas extremamente

erráticas e verticalmente submetidas à formação ideológica particular de cada

operador. Mais que isso, tal teoria suprime o caráter universal e democrático do

Direito, por tornar sempre singular a fórmula jurídica aplicada a cada caso concreto.

(DELGADO, 2017, p. 198).

Já no conglobamento, ao contrário do que ocorre na teoria da acumulação, ao analisar

os diversos instrumentos normativos, o operador não efetua o seu fracionamento, o que ocorre

é a comparação de vários textos normativos, sendo que a escolha é efetuada pelo texto que

mais seja favorável ao trabalhador no seu conjunto (CAVALCANTE; PESSOA, 2019).

O conglobamento possui, como principal fundamento, a aplicação da norma em que a

amplitude beneficie um maior número de agentes, de modo que o interesse da classe

representada coletivamente prevaleça sobre o interesse individual.

Segundo Delgado (2017), a teoria do conglobamento constrói um procedimento de

seleção, análise e classificação das normas comparadas. Ainda, segundo o ilustre doutrinador,

tal teoria possui uma subdivisão, que é o conglobamento amplo, total ou puro e o

conglobamento mitigado ou setorizado.

Para essa segunda teoria não cabe se fracionarem preceitos ou institutos jurídicos,

realizando-se a comparação, em busca da norma mais favorável, a partir da

totalidade dos sistemas ou diplomas jurídicos comparados (neste caso, trata-se do

chamado conglobamento amplo, total ou puro) ou, pelo menos, a partir de um bloco

Page 20: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

19

relevante e coerente dessa totalidade (neste caso, trata-se do conglobamento

mitigado ou setorizado). (DELGADO, 2017).

Ressalte-se, que o parâmetro para se proceder à comparação da norma mais favorável

não será a individualidade e, sim, a coletividade representada. Desse modo, entende-se que o

critério do conglobamento surge como o mais adequado na escolha da norma mais favorável

ao trabalhador (DELGADO, 2017).

Entretanto, com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, houve a mitigação do

princípio que melhor expressava esse sentido teleológico, o princípio da norma mais favorável

ao trabalhador, que aplicava a norma mais favorável ao trabalhador conforme o caso concreto,

tornando-a hierarquicamente superior (DELGADO, 2017, p. 193-195).

É o que se extrai do conteúdo do art. 611-A da CLT, que autoriza a norma coletiva

faça alterações que representam um prejuízo ao trabalhador sem que haja necessidade de

alguma contrapartida.

Ao passo que, após a reforma, o artigo menciona que, em caso de confronto entre

negociação coletiva e acordo coletivo de trabalho, se deve observar o que menciona o § 3º do

art. 8º da CLT, que diz respeito à análise da norma coletiva pela Justiça do Trabalho,

restringindo a interferência judicial apenas aos elementos essenciais do negócio jurídico,

concretizando, assim, a intervenção mínima na autonomia da vontade.

Logo, se a análise será apenas quanto aos elementos essenciais do negócio jurídico

(capacidade, vontade, objeto lícito, determinado ou determinável, forma prescrita ou não

defesa em lei — art. 104 do Código Civil), o princípio da norma mais favorável fica

extremamente mitigado, haja vista que a intervenção mínima impede que o Judiciário se

manifeste pela aplicação da norma em consonância com o referido princípio, o que

certamente concretizará atos que não se mostrem tão protetivos ao trabalhador quanto

deveriam ser.

3.5.2 Princípio da vedação do retrocesso social

O princípio da vedação do retrocesso social é uma garantia constitucional implícita,

oriundo do princípio da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, contudo, possui

sua autonomia reconhecida e sua própria valoração (MELO, 2010).

Page 21: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

20

Para Mendes e Branco (2017, p. 583), o princípio em questão diz respeito à proibição

de extinguir direitos sociais já implementados, de modo que impeça um retrocesso ou

limitação na sua essência.

Esse princípio abarca um núcleo de elementos que depende e merece proteção por

parte do Estado, inclusive, proteção contra o próprio Estado em determinados casos. Isso

porque esse ramo de diretos tutelados tem origem no chamado mínimo existencial e está

fundamentado no princípio da dignidade humana. Desse modo, são intangíveis.

Ainda cabe acrescentar que o Direito do Trabalho é um direito social e, por isso,

possui, como característica, a progressividade, de modo que a sua alteração não possa resultar

prejuízos. É o que se extrai da norma constante no caput do art. 7º da Constituição: “além de

outros que visem à melhoria de sua condição social” (BRASIL, [2020a]). Assim, o texto legal

foi enfático ao dizer que os direitos ali contidos não podem retroagir (MELO, 2010, p. 66).

Portanto, é notório que o Direito do Trabalho tem, nesse princípio, um reconhecimento

aos avanços alcançados por todas as lutas que foram travadas pelos movimentos dos

trabalhadores, para que se chegasse ao patamar de proteção que se atingiu e que nenhuma

norma tendente a abolir os direitos alcançados possa vigorar.

4 FLEXIBILIZAÇÕES DECORRENTES DA REFORMA TRABALHISTA NO

DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

Neste tópico, tratar-se-á de todo o aspecto invólucro na alteração legislativa, sobretudo

as implicações decorrentes da crise econômica e política que sustentaram a modificação

legislativa. Analisar-se-á a utilização dos mecanismos de negociação coletiva como forma de

atenuar os efeitos decorrentes das crises (flexibilização) e as suas consequências e os seus

impactos relacionados aos Direitos Coletivos do Trabalho.

4.1. Contexto da Reforma Trabalhista

A legislação trabalhista brasileira cercava-se de grandes questionamentos ao longo dos

anos, tanto no cenário político como no econômico, isto devido ao aspecto de inovação

legislativa, uma vez que a CLT é datada de 1943, portanto, anacrônica. Destarte, não

conseguiu acompanhar as transformações da sociedade, o que estimulou uma inovação

legislativa.

Page 22: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

21

Empenhado com a ideia reformista, em meados do ano de 2017, o então chefe do

Poder Executivo, enviou ao Congresso Nacional projeto de lei cujo intuito era modernizar as

normas trabalhistas, com isso, possibilitando, segundo fundamentação aventada, aumento dos

empregos, maior facilidade em mediar os conflitos e, consequentemente, impulsionar a

economia (FREITAS, 2019, p. 181).

A reforma em questão surgiu como reflexo da crise global, a qual enfrenta o mundo

capitalista, de modo que suas consequências são sentidas em todos os campos da sociedade.

Para a visão protecionista no que se refere ao campo trabalhista, os primeiros pontos a serem

afetados são as garantias e os direitos trabalhistas que estão estritamente relacionados ao

aspecto econômico da relação em sociedade.

Assim, considerando que o Direito do Trabalho tem uma gama de proteção

conquistada por meio de lutas reivindicatórias, a flexibilização desses direitos, na visão

liberal, permitiria um impulsionamento da economia, uma vez que haveria possibilidade de

maior contratação, redução do desemprego e massiva redução de custos na produção

empresária.

Não obstante o cenário global, a crise política brasileira fez com que as instituições se

enfraquecessem, de modo que proporcionou o crescimento de políticas reformistas que

introduziram alterações que são consideradas retrocessos históricos.

Outro vetor importante é que a pressão política das grandes indústrias e dos

empresários também impulsionou o cenário reformador. Com interesse principal de favorecer

os empresários e, sob esse argumento, propulsionar a economia, sendo o projeto de lei

discutido às pressas, sem a devida análise que as modificações exigiriam, e, em seguida, foi

votado e aprovado.

Portanto, pode-se dizer que a reforma na legislação brasileira trabalhista ocorreu em

um momento em que a economia nacional se encontrava fragilizada, até mesmo porque o país

acabara de passar por um processo conturbado de impeachment, e que, justamente pela

fragilidade, a política tende a ceder aos anseios do empresariado, que buscava a diminuição

dos encargos trabalhistas e o consequente aumento do número de contratações e melhora

econômica. Com base nessa perspectiva, a legislação trabalhista foi alterada pelo Congresso

Nacional (OLIVEIRA; FRANCO, 2018).

Entretanto, em que pese a necessidade real na renovação, uma vez que a norma

trabalhista era datada de períodos remotos, há quem entenda que o diploma reformador não

Page 23: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

22

veio a calhar, pois, diante das inconsistências políticas, não se possibilitou uma análise mais

aprofundada dos pontos a serem reformados.

Contudo, após a tramitação, por tempo recorde no congresso nacional, a lei foi

aprovada e sancionada pelo presidente da República. Assim, introduziram-se as mudanças,

proporcionando alterações substanciais, tanto no âmbito individual quanto no âmbito do

Direito Coletivo do Trabalho, no qual estão concentradas as maiores polêmicas, inclusive a

abordagem temática proposta neste artigo.

Dentre essas modificações no Direito Coletivo do Trabalho, a criação do art. 611-A,16

que é o objeto de análise neste trabalho, implementa a difusão da prevalência da norma

coletiva sobre a lei, com diversos pontos que dividem opiniões e geram debates tanto na parte

material quanto na processual do Direito do Trabalho.

Como se poderá observar, o artigo possui 15 incisos e mais cinco parágrafos que

discorrem a respeito das matérias que, caso sejam objeto de negociação coletiva, prevalecerão

sobre a lei.

4.2 A prevalência do pactuado sobre o legislado (art. 611-A da CLT)

Conforme mencionado anteriormente, o artigo em questão introduziu 15 incisos e

cinco parágrafos, portanto, é um artigo extenso, com grandes vertentes para questionamentos,

principalmente doutrinários.

A prevalência do pactuado sobre o legislado não é necessariamente uma inovação,

haja vista que já existia a possibilidade de se aplicar, é o que se extrai do art. 7º, inciso XXVI,

da CF/1988, claro, desde que tratasse de norma favorável ao trabalhador, tendo em vista o

princípio da norma mais favorável.

Entretanto, antes da Reforma Trabalhista, o entendimento da jurisprudência era no

sentido de que a autonomia negocial17 devia ser relativizada quando acometesse em prejuízos

ao trabalhador. É o que dispõe a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), in

verbis:

16 “Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre

outros, dispuserem sobre: [...]” (BRASIL, 2017). 17 Inclusive, segundo sustenta Delgado (2017, p. 1471-1474), a teoria que melhor condiciona a autonomia

negocial coletiva é a Teoria da Autonomia Relativa do Direito Coletivo do Trabalho, de modo que não pode

ser aplicada sem a análise do direito individual, ou seja, qualquer alteração que venha a gerar impactos nas

relações individuais deve ser observada.

Page 24: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

23

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – ACORDO

COLETIVO – LIMITES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A Constituição Federal de

1988, em seu art. 7º, XXVI, ao permitir que as categorias profissionais e econômicas

disciplinem as relações por ela travadas, não o fez de maneira a possibilitar o

vilipêndio a direitos indisponíveis dos trabalhadores. Dessa forma, o negociado

somente se afigurará passível de se sobrepor ao legislado, naquelas situações em

que ausente a afronta aos aludidos direitos, o que não ocorre nos casos em que

desrespeita normas inerentes à saúde do trabalhador, como é o caso da duração

diária da jornada do trabalho.

Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento em Recurso de Revista AIRR - 77140-17.2005.5.01.0056, Órgão Julgador: 1ª Turma; Publicação:

07/08/2009; Relator: Ministro Vieira de Mello Filho.). (BRASIL, 2009, grifo nosso).

Porém, com a vigência do diploma reformador, o princípio da norma mais favorável

foi relativizado pelo princípio da intervenção mínima na autonomia negocial coletiva, de

modo que a autonomia negocial passou a ser vista como fundamento para possibilitar a

pactuação de direitos, conforme orienta o art. 611-A da CLT.

Diante desse cenário, o principal questionamento que surge é como assegurar que

nenhum direito será lesado, assegurar direitos à classe representada e, ao mesmo tempo, não

permitir que fechem postos de trabalho?

Para Araújo e D’Ambroso (2017), ao analisarem-se os mecanismos de controle da

negociação, encontra-se uma barreira no que se refere ao controle jurisdicional, a saber, o

também inovador art. 8º, § 3º, da CLT, que limita a atuação judicial no controle da negociação

coletiva.

Art. 8º [...]

§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça

do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais

do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção

mínima na autonomia da vontade coletiva. (BRASIL, 2017, grifo nosso).

Nesse sentido, segundo Leite (2018, p. 719), o legislador, ao impedir que a Justiça do

Trabalho faça valoração de legalidade e constitucionalidade sobre a matéria da norma

coletiva, funciona como um verdadeiro freio a sua atuação, sendo possível somente a análise

quanto à conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, ocorrendo, neste caso,

uma valoração equivocada do princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade

coletiva (arts. 8º, § 3º, e 611-A da CLT).

Assim, a referida alteração é um convite escancarado para que, por meio de norma

coletiva, se flexibilize, ou mesmo, se nocauteie direitos, inclusive fundamentais, uma vez que

Page 25: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

24

a redação deixa claro que a análise do Judiciário se limitará a verificar as condições do

negócio jurídico.

Por outro lado, não é forçoso concluir que a intenção do legislador foi impedir que se

pudesse dar intepretação diversa do que quis ao criar a norma, o que, por si só, já é objeto de

discussão, haja vista que não deve ser este o papel do legislador ao formar a norma.

Ademais, é nítido que a imposição desse artigo faz o oposto do que deveria fazer uma

norma coletiva, pois permite que a convenção e os acordos coletivos perca seu papel de fonte

suplementar do Direito do Trabalho para assumir um papel de regular interesses e objetivos

econômicos, dos empregadores e do Estado (ASSIS, 2017, p. 5).

Diante desse cenário, é notório que se tornou ainda mais evidente, a necessidade da

atuação do ente sindical na defesa dos interesses da classe representada. Contudo, ao passo

que a exigência da atuação sindical se torna mais importante, o legislador se encarregou de

enfraquecer a atuação sindical, pois, ao extinguir a contribuição sindical obrigatória, interferiu

diretamente na força de atuação do ente sindical.

Como é cediço, a principal receita sindical era mantida pela contribuição sindical

obrigatória, sendo cobrado o valor equivalente a um dia de salário do empregado por ano, a

ser descontado no mês de março. Entretanto, essa contribuição passou a ser facultativa com o

advento da Lei nº 13.467/2017, que foi alvo de questionamentos a respeito da

constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (STF), com a propositura da Ação

Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.794. Posteriormente, no julgamento da ADI, o

STF reconheceu a constitucionalidade da norma que transformou a contribuição obrigatória

em facultativa.

Desse modo, o impacto do fim da contribuição sindical obrigatória (arts. 578 e 579 da

CLT) reflete diretamente na atuação dos sindicatos no que se refere à negociação coletiva,

pois se traduz no seu enfraquecimento como instituição provocando sérios riscos para o futuro

das negociações coletivas, até mesmo porque fica prejudicado o papel fundamental dessas

instituições nas negociações coletivas.

Portanto, o art. 611-A da CLT levantou diversas discussões na seara trabalhista, haja

vista, que possibilita a flexibilização de garantias trabalhistas por meio de negociação

coletiva, ao passo que inviabiliza a atuação do ente sindical, possibilitando alguns retrocessos

no que se refere à preservação dos direitos trabalhistas.

4.3 Flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil: limites

Page 26: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

25

Inicialmente, não se discute que as transformações oriundas da globalização

modificaram, sobremaneira, as relações de trabalho, de modo que emerge a necessidade de

atualização das premissas trabalhistas.

Nesse contexto, surge a flexibilização como um fenômeno originário da globalização,

de modo a possibilitar a atualização das relações de trabalho de acordo com as novas

perspectivas trabalhistas. Segundo leciona Delgado (2019, p. 72), flexibilização trabalhista

“trata-se da diminuição da imperatividade das normas justrabalhistas ou da amplitude de seus

efeitos, em conformidade com autorização fixada por norma heterônoma estatal ou por norma

coletiva negociada”. Portanto, para Delgado (2019, p. 73), flexibilização pode ser dividida em

duas vertentes, podendo ser heterônoma (por permissiva legal ou constitucional) ou autônoma

(oriunda de convenção ou acordo coletivo).

Nesse sentido, a Reforma Trabalhista é considerada a flexibilização mais abrangente

no Direito do Trabalho Brasileiro, criando diversas discussões e questionamentos a respeito

do seu alcance, tanto no direito individual quanto no direito coletivo.

Ressalte-se que, no âmbito do direito coletivo, dentro da Reforma Trabalhista, o

surgimento da prevalência do pactuado sobre o legislado, presente no art. 611-A da CLT,

concretamente caracteriza uma forma de flexibilização autônoma, pois se dá por meio de

acordo e convenção coletiva.

Contudo, diante da possibilidade de flexibilização por instrumento coletivo, discute-se

se estaria o legislador utilizando a função negocial do instrumento coletivo, com intuito de

amenizar o impacto da crise econômica, o que caracteriza um completo desvirtuamento da

utilidade e da aplicação do instrumento coletivo, que não deve ser utilizado para esse objetivo.

Ademais, diante do diploma reformista brasileiro, fez-se pensar até que ponto os

conflitos oriundos da flexibilização de regras poderiam atingir os direitos previstos na ordem

constitucional vigente, desde os princípios constitucionais basilares, como dignidade da

pessoa humana, até os princípios norteadores do Direito do Trabalho, como princípio da

proteção.

Analisando a perspectiva limítrofe da flexibilização, faz-se necessário sobrepesar as

duas vertentes conflitantes que embasam a flexibilização do trabalho: primeiro, a perspectiva

da empresa, diante da crise econômica, sem alternativas para a sobrevivência e manutenção

dos postos de trabalhos; segundo, a posição do trabalhador, com a necessidade de manutenção

Page 27: A Dialética dos Direitos Constitucionais Trabalhistas ...

26

do emprego como fundamental para sua subsistência e preservação dos patamares mínimos

civilizatórios.

Por um lado, como classifica a doutrina, os flexibilistas visando à necessidade de

flexibilização como única saída para diminuição dos impactos que a globalização provoca nas

empresas e, assim, a possibilidade de salvação de postos de trabalho e maior competitividade

da empresa no mercado. Por outro, na perspectiva antiflexibilista, a flexibilização das regras

somente acentuaria as desigualdades que são inerentes à relação de trabalho, visto que, na

maioria dos casos, há perda por parte dos trabalhadores, sem qualquer contrapartida dos

empregadores.

Portanto, essa dogmática faz surgir uma grande discussão: como conciliar os dois

lados a fim de que se possa encontrar o equilíbrio, de forma que permita, simultaneamente,

que se preserve um mínimo de garantias para o trabalhador e que se possibilite a

sobrevivência da empresa.

Para Cassar (2017, p. 74), é preciso encontrar um limite razoável para flexibilização,

ponderando os princípios conflitantes da dignidade e da valorização social do trabalhador

versus o princípio da preservação da empresa, de modo que prevaleça aquele que apresentar a

melhor solução para a sociedade.

No atual cenário político, tem ganhado muita força a onda do neoliberalismo

econômico, que é, por sua essência, tendente a flexibilizar direitos e diminuir a capacidade do

Estado de interferir nas relações particulares. Assim, faz surgir um cenário preocupante, em

que já se falou, até mesmo, na extinção da Justiça de Trabalho como solução para as nuances

relacionadas ao desemprego, do mesmo modo, há quem defenda a distorção do “mais direito e

menos empregos ou mais empregos e menos direitos”.

Não obstante a flexibilização traduza um fenômeno global e necessário, em algum

momento, deve ser utilizado de modo a garantir o menor prejuízo do trabalhador. Do

contrário, estar-se-ia ferindo a dinâmica protecionista, que é inerente ao Direito Laboral e,

portanto, deve ser a balizadora do alcance da flexibilização.

4.4 Análises dos incisos XII e XIII do art. 611-A da CLT

Ao analisar as hipóteses preconizadas no art. 611-A, observam-se algumas

possibilidades de pactuação que demonstram verdadeira desídia aos direitos dos

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27

trabalhadores, colocando-os em situação de risco acentuado, seja à saúde física seja à

psíquica, conforme será versado pormenorizadamente nas linhas a seguir.

Em primeiro lugar, a previsão do inciso XII18 do art. 611-A que contempla a

possibilidade de norma coletiva versar sobre o percentual do adicional de insalubridade, o

que, por si só, é uma incorreção, tendo em vista que o referido dispositivo é afeto diretamente

a questões de saúde e segurança, e, portanto, merecem a proteção legal (aqui lei no sentido

estrito), ainda, impende ressaltar que tais questões são amplamente defendidas por normas

constitucionais (art.7º, incisos XXII e XXIII),19 que lhe atestam o grau de importância e

intangibilidade.

No mesmo sentido, é o inciso XIII20 do art. 611-A da CLT que versa sobre a

prorrogação da jornada em ambientes insalubres. É de conhecimento doutrinário e

jurisprudencial que os riscos em ambientes insalubres (físicos, químicos e biológicos)21

afetam a saúde e o bem-estar do trabalhador de forma gradual ao longo do tempo,

ocasionando doenças e redução de capacidade laboral, motivo pelo qual, antes da reforma,

havia a necessidade de prévia fiscalização do órgão responsável, com o intuito de amenizar os

riscos que, porventura, a exposição ao ambiente traria.

Logo, não há como admitir a determinação de prorrogação de jornada em ambientes

insalubres sem prévia licença aos órgãos responsáveis pela fiscalização destes. Ora, essa

questão diz respeito à proteção à saúde do trabalhador e, portanto, não pode ser suprimida ou

alterada por meio de negociação coletiva sem que haja a devida intervenção dos órgãos

responsáveis.

Verifica-se, por exemplo, que os incisos XII e XIII do art. 611-A da CLT permitem o

enquadramento dos percentuais do adicional de insalubridade, com nítida pretensão de reduzi-

los e, respectivamente, permitir a prorrogação da jornada em atividade insalubre sem a prévia

autorização da autoridade competente. No entanto, a insalubridade e seus graus são direitos

18 “Art. 611-A. [...] XII - enquadramento do grau de insalubridade” (BRASIL, 2017). 19 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição

social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”

(BRASIL, [2020a]). 20 “Art. 611-A. [...] XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades

competentes do Ministério do Trabalho” (BRASIL, 2017). 21 Os agentes físicos são aqueles que os trabalhadores são expostos fisicamente, como: ruídos de impacto, exposição ao calor etc. Os agentes químicos são aqueles derivados da exposição do trabalhador diante de

substâncias químicas, como: benzeno, arsênico etc. Os agentes biológicos, por sua vez, estão relacionados a

vírus e bactérias as quais os trabalhadores se expõem, como: o contato com pacientes em isolamento por doenças

infectocontagiosas ou com substâncias contaminantes. (BRASIL, [2019]).

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28

relacionados à medicina e à segurança do trabalho, portanto, defesos à negociação coletiva,

nos termos do art. 611-B da CLT.

Conforme orienta Cassar (2017), o trabalho em ambiente insalubre modifica de acordo

com o tempo de exposição do trabalhador a esse local. Por esse motivo, é necessário a

avaliação de um especialista em saúde e segurança do trabalho, para informar se a exposição

por tempo maior pode agravar a nocividade que está prevista na norma regulamentadora ou

até causar um dano maior à saúde do trabalhador. Nesse sentido, a insalubridade e seus graus

são direitos relacionados à medicina e à segurança do trabalho, e, por isso, não pode

negociação coletiva suprimi-los ou alterá-los (CASSAR, 2017).

Embora essa vedação esteja também expressa no art. 611-B, inciso XVII,22 da CLT,

não se sabe, contudo, o que poderá ser disposto a este respeito em sede de negociação

coletiva, até mesmo porque caberá aos sindicatos a análise quanto ao grau de prejuízo que

determinada modificação possa acarretar. Desse modo, fica ainda mais nítida a importância

dos sindicatos como garantidor desses direitos. Contudo, em que pese, de um lado, o sindicato

passar a ter maior importância, de outro, o legislador reformista tratou de enfraquecer o seu

papel, pois, ao extinguir a contribuição sindical obrigatória, tirou todo o seu poderio.

A propósito insta mencionar que, recentemente, diante do cenário de crise da

pandemia da covid-19, vivenciado no mundo e no Brasil, no STF, em julgamento da ADI

6.363,23 foi instaurada uma discussão sobre o reconhecimento da necessidade da atuação

sindical em se tratando de acordo individual que tenha como objetivo trazer algum encargo ao

trabalhador. Trata-se da análise do § 4º24 do art. 11 da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril

de 2020,25 que prevê algumas excepcionalidades no que se refere aos direitos trabalhistas

diante do cenário de crise decorrente do coronavírus. O referido dispositivo trata da

necessidade dos empregadores comunicarem os respectivos sindicatos quando houver

22 “Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho,

exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: [...] XVII - normas de saúde, higiene e

segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho” (BRASIL,

2017). 23 A referida ação contestava a atuação sindical nos acordos individuais de suspensão dos contratos previstos na

medida provisória (BRASIL, 2020c). 24 “Art. 11. [...] § 4º Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão

temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos desta Medida Provisória, deverão ser comunicados

pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua

celebração.” (BRASIL, 2020b). 25 A medida provisória institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de

saúde pública decorrente do coronavírus, sendo seu objetivo principal desonerar as empresas como meio de

evitar que fechem as portas diante do cenário de crise e, para isso, prevê possibilidades excepcionais de

suspensão do contrato de trabalho com redução da carga horaria e do salário do trabalhador.

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29

pactuado acordos individuais que reduzam jornada de trabalho ou salário ou caso suspendam

temporariamente os contratos de trabalho.

Conforme nos elucida a Constituição Federal no art. 8º, incisos III e VI, é obrigatória a

participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. É certo que parte do setor

patronal e do governo não pensa assim. Desse modo, não pode ser a melhor solução querer

afastar os legítimos representantes dos trabalhadores do diálogo social exatamente no

momento em que a conversa entre empregados e empregadores é mais do que necessária

(MELO, 2020).

Portanto, em que pese que o tema requeira uma discussão mais ampla, a decisão do

STF restringindo o papel negocial no cenário de crise não se demonstra como a mais

adequada, além de ferir o preceito constitucional. Ainda que o cenário seja favorável para

relativização, a norma constitucional deve prevalecer, até mesmo porque a Constituição foi

promulgada para ser aplicada em momentos de crise, pois, na normalidade, mesmo que

utopicamente, não haveria necessidade.

4.5 Impactos do negociado sobre o legislado nas relações de trabalho

Ab initio, é nítido que o cenário reformista tem como principal questão o ataque ao

princípio protetor, pois entende que este traduz um excesso de proteção que prejudica a maior

flexibilidade do emprego a fim de que se obtenham melhores resultados econômicos.

Contudo, o princípio protetor é tido como núcleo basilar de todo o ordenamento trabalhista,

visto que representa estrutura fundante do Direito do Trabalho, que é a equivalência na

relação de trabalho.

Para Delgado (2019), esse princípio orienta que o Direito do Trabalho deve preservar,

no seu interior, regras, institutos princípios e, até mesmo, normas visando à proteção da parte

vulnerável na relação, o empregado, de modo a diminuir o desequilíbrio que é inerente a essa

relação jurídica. Portanto, o princípio da proteção deve ter relevância em todas as decisões ou

regramentos que, porventura, vier a circundar a seara trabalhista, pois diz respeito à máxima

protecionista, que é de observância obrigatória, sendo, inclusive, o próprio Estado responsável

por tutelar os direitos dos empregados.

Contudo, a norma reformista (Lei nº 13.467/2017), em especial, o art. 611-A, eclodiu

para, de certa forma, mitigar esse princípio, pois permite, em determinados casos, que a

norma coletiva (acordo ou convecção) possa suprimir direitos dos trabalhadores. Assim, os

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30

reflexos dessa alteração legislativa podem ser sentidos em diversos aspectos das relações de

trabalho, sobretudo no que diz respeito à proteção que é devida às partes menos favoráveis,

sendo a proteção não só papel do Estado, mas também dos agentes envolvidos, sejam os

sindicatos ou os próprios empregadores.

Nesse contexto, diante do cenário reformista, é notório que a prevalência do pactuado

sobre o legislado, que, de certa maneira, venha a diminuir ou flexibilizar direitos, além de

lançar o trabalhador a toda sorte nas antinomias da relação de emprego, ainda apresenta uma

flagrante dialética entre a função dos sindicatos, que, primordialmente, é de garantir a

proteção dos trabalhadores por meio de acordo coletivos e negociações coletivas, e as

diretrizes da Lei nº 13.467/2017, que conferiu a redação do art. 611-A da CLT de forma que

os sindicatos, no exercício de sua função essencial, passem a aceitar mitigações de direitos

constitucionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo precípuo do presente trabalho foi demonstrar a dialética existente entre a

função do sindicato de proteção aos interesses da categoria representada e a possibilidade que

veio à tona após a Reforma Trabalhista: a permissão de flexibilizações de direitos dos

trabalhadores que serão alvejados pelo negociado em decorrência de negociação coletiva, o

que se mostra contraditório.

Durante o período histórico do nascimento do trabalho e do Direito do Trabalho, como

medida de regular as relações entre trabalhador e empregador, verificou-se a importância da

organização dos trabalhadores em prol de um labor digno e em respeito aos direitos mínimos

e existenciais, bem como o início da consciência de classe, que acabou culminando no

surgimento dos sindicatos, que se espraiaram em ordem internacional ao longo dos tempos ao

passo que a força dos trabalhadores era evidenciada.

Assim, mostrou-se nítido que os sindicatos possuem papel de grande relevância na

construção do Direito do Trabalho como um todo, sobretudo na atribuição de reivindicar os

direitos coletivos da classe que representam, como medida de assegurar certa paridade de

armas na busca dos interesses dos seus representados.

De outro norte, identificou-se que o Direito do Trabalho vem passando por várias e

significativas mudanças que impactam nas medidas protetivas em favor dos trabalhadores.

Considerando o contexto atual em que se desenvolvem e os fundamentos progressistas que

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31

explanam interesses de estímulo e crescimento da economia, essas mudanças poderiam ser

equiparadas a argumentos do “mal menor”, em que se tira um pouco dos direitos materiais,

outro tanto dos direitos processuais, outro bocado dos direitos coletivos, objeto da presente

pesquisa, ao argumento de que é o que é possível ser feito. E, assim, passa-se a admitir

supressões das garantias constitucionais, provocando a deterioração da viga mestra dos

direitos dos trabalhadores, até o momento em que derrubar a estrutura já não será mais tão

difícil diante da corrosão conduzida ao longo do tempo, consumindo-a gradualmente.

A preocupação mais forte concernente às mitigações permitidas pela redação do art.

611-A da CLT se mostra patente no desvirtuamento da função primordial dos sindicatos, que

é de aumentar o arcabouço protetivo dos trabalhadores, e não de permitir, por meio de sua

atuação — acordo coletivo e convenção coletiva de trabalho —, o desmoronamento dos

direitos que já amparam a classe de trabalhadores que representam. Essa modificação

fatalmente levará à trinca da viga estruturante do múnus atribuído aos sindicatos, uma vez que

se está permitindo a deturpação de sua atribuição, não se aplicando a sua característica

consagrada na Constituição como se deveria e, assim, militando em favor da redução ou da

supressão de direitos trabalhistas, especialmente, os constitucionalmente assegurados.

Não é forçoso entender que a desestruturação que poderá ser concretizada na viga que

sustenta os direitos coletivos, que se aperfeiçoa pela diminuição da proteção dos referidos

direitos por meio da atuação dos sindicatos, o que, repisa-se, é extremante contraditório à sua

função essencial, acabará por descambar também nos direitos individuais. Uma vez que, ao se

enfraquecer os direitos coletivos, se abre um largo espaço para enfraquecimento sucessivo dos

direitos individuais. Logo há uma forte ameaça que começa no direito coletivo e se irradia,

também, para o direito individual.

Dessa forma, fazendo uma leitura sob a óptica constitucional vigente, que concretiza o

Direito do Trabalho como um direito social fundamental, pode-se constatar que toda e

qualquer modificação deve respeito aos patamares mínimos entabulados no texto

constitucional. Dentro dos níveis mínimos civilizatórios, estão os direitos relacionados à

saúde e à segurança do trabalhador, que devem permanecer incontestáveis, pois representam

os limites que proporcionam a dignidade da pessoa humana, portanto, invioláveis.

Por fim, diante do apresentado, conclui-se que o legislador brasileiro, ao permitir

flexibilizações de direitos constitucionalmente assegurados e, por consequência, mitigar

princípios protetores trabalhistas, acaba por escancarar que o Direito do Trabalho está em

cenário de forte desestruturação protetiva, uma vez que, até mesmo o sindicato, responsável

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32

pela lutas e conquistas em prol da classe que representa, passa a ter poder para mitigar direitos

que impactam profundamente as relações laborais.

Nesse contexto, ante a importância do trabalho, com sua influência em outros ramos, a

relativização desses direitos, principalmente, operada pelos sindicatos, figura de proteção

laboral, de maneira exponencial, visando somente à diminuição dos encargos trabalhistas,

configura um retrocesso nos direitos, até aqui, conquistados. Permanece, ainda, a necessidade

de discussão futura da questão, haja vista que é ainda recente a alteração celetista no cenário

nacional. Certamente, trará profícuas discussões à medida que se passe a ponderar as

consequências de sua concretização, com o propósito de buscar medidas mais equânimes,

valoradas pela ideia constitucionalista de proporcionar um Estado de bem-estar social, e, por

consequência, permitir a valorização do trabalho, sua dignidade, propagando a redução de

desigualdades sociais e o aumento da dignidade da pessoa humana.

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