A inserção da dimensão ambiental na formação de profissionais da área de Química
A Dimensão Política Da Inserção Do Serviço Social No Ministério Público Do Estado Do Rio de...
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A DIMENSO POLTICA DA INSERO DO SERVIO SOCIAL NO MINISTRIO PBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: QUESTES PRELIMINARES ACERCA
DA EXPERINCIA DE TRABALHO NA BAIXADA FLUMINENSE
Autor: Charles Toniolo de Sousa
Tcnico Superior Sade/Servio Social
Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro
INTRODUO
O Ministrio Pblico uma instituio que compe o chamado sistema scio-jurdico, e
tem como principal atribuio a promoo dos direitos e a defesa da democracia na sociedade
brasileira. Essa prerrogativa gerou uma srie de novas atribuies a essa instituio dentre elas,
a fiscalizao das aes pblicas e privadas de proteo criana e ao adolescente, conforme
previsto na Lei n 8069/1990 (Estatuto da Criana e do Adolescente). Tais novas demandas
ampliou o espao profissional para o Servio Social dentro da instituio, como uma profisso
reconhecida pela sua formao no trato s expresses da questo social e de suas formas de
enfrentamento, como as polticas sociais. Assim, analisar a dimenso poltica da insero do
Servio Social dentro do Ministrio Pblico (no caso, o do estado do Rio de Janeiro) significa
pensar as possibilidades de pensar aes institucionais que visem a defesa dos direitos e a
proposio de polticas sociais que visem assegurar seus exerccios de forma democrtica.
Desse modo, o objetivo desse trabalho analisar diferentes formas de insero do Servio
Social, as racionalidades a ela imanentes e como isso se apresenta como possibilidades de
efetivar uma ao do Ministrio Pblico no campo das polticas sociais.
DESENVOLVIMENTO
O Servio Social no Ministrio Pblico desenvolve suas atividades profissionais em duas
frentes de trabalho que so demandadas pelas Promotorias de Justia, sobretudo aquelas ligadas
matria Infncia e Adolescncia1: a fiscalizao de entidades de atendimento criana e
adolescente e o atendimento a crianas e adolescentes vtimas de violncia. Ambas se
caracterizam como um processo de investigao e avaliao que prprio da natureza
institucional do Ministrio Pblico (a investigao do cumprimento ou no da lei). Nesse contexto,
a insero do Servio Social traz uma outra dimenso para esses processos avaliativos: a de uma
Endereo eletrnico: [email protected] Optamos pela utilizao desse termo com base na discusso de Iamamoto (2002), que afirma que no sentido etimolgico, segundo Dicionrio Caldas Aulete (1958) a matria diz respeito substncia ou assunto sobre o que particularmente se exerce a fora de um agente. Temos clareza de que o termo merece uma melhor qualificao, mas ele nos pertinente uma vez que diferentes Promotorias de Justia do Ministrio Pblico (e no apenas aquelas diretamente qualificadas como da Infncia e Juventude) trabalham com o assunto criana e adolescente.
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nova linguagem, um novo olhar sobre os fenmenos sociais que aparecem na demanda
institucional.
Quando nos referimos a um novo olhar, e uma nova linguagem, situamos
especificamente o Ministrio Pblico, instituio que compe o chamado sistema jurdico e que
tem atuao privilegiada junto ao Poder Judicirio. Chamamos a ateno para esse dado porque
observamos, no cotidiano do trabalho da instituio, que as aes por essa desenvolvidas se
realizam no mbito de interpretaes de textos legais.
A literatura contempornea acerca da natureza do Servio Social2 discute que este se
funda como profisso no momento em que a questo social se torna objeto de interveno
contnua e sistemtica do Estado. Contudo, essa interveno se d de forma fragmentada e, ao
utilizar as polticas sociais como instrumento privilegiado de controle social, despolitiza os
fundamentos da questo social (a prpria contradio entre capital e trabalho) e transforma-os
em instrumento de interveno tcnica e burocrtica, estabelecendo com eles uma relao
essencialmente instrumental.
Essa tenso perfeitamente visvel dentro do Ministrio Pblico. Marx, no clssico
Prefcio da Contribuio Crtica da Economia Poltica, j indica a chave para nossa
argumentao:(..) na produo social da sua existncia, os homens estabelecem relaes determinadas, necessrias, independentes de sua vontade, relaes de produo que correspondem a uma determinado grau de desenvolvimento das foras produtivas materiais. O conjunto destas relaes de produo constitui a estrutura econmica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurdica e poltica e a qual correspondem determinadas formas de conscincia social. (...) Em certo de estgio de desenvolvimento, as foras produtivas materiais da sociedade entrem em contradio com as relaes de produo existentes ou, o que sua expresso jurdica, com as relaes de propriedade no seio das quais se tinham movido at ento. Das formas de desenvolvimento das foras produtivas, estas transformam-se no seu entrave (MARX: 1974: 24, 25).
Desta forma, podemos construir uma mediao fundamental para a compreenso do que
se quer elucidar aqui: a de que a questo social, tal como se manifesta ontologicamente, muito
mais dinmica do que a superestrutura jurdica e poltica, e em diferentes momentos ambas as
dimenses entram em contradio: as demandas que chegam ao Ministrio Pblico (na condio
de instituio jurdica) so fundadas nas relaes sociais da ordem burguesa.
O conflito que ento se instaura torna-se objeto de uma interveno que no o reconhece
na sua essncia atua sobre sua imediaticidade, buscando contorn-lo e control-lo para fins de
conservao e reproduo da ordem social vigente. No Ministrio Pblico, essa atuao se d sob
a forma jurdica, de enquadramento das refraes da questo social e de suas formas de
interveno sob a forma da lei.
Podemos, ento, visualizar aqui duas formas de racionalidade que se manifestam na
ordem social burguesa: a racionalidade instrumental e a racionalidade formal-abstrata.
A racionalidade instrumental pode ser facilmente identificada, posto que a lei utilizada
como um instrumento de controle e enquadramento da populao de um modo geral. Para alm
2 Guerra (2002), Netto (2004) e Carvalho e Iamamoto (2005).
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da essncia das demandas sociais que se apresentam ao Ministrio Pblico, a este requisitada
uma soluo imediata aos conflitos sociais que aparecem em seu cotidiano.
Entretanto, a racionalidade formal-abstrata que aparece com maior visibilidade, em razo
da prpria essncia da interveno do Estado burgus na questo social: as demandas sociais,
que se fundam a partir das relaes sociais ontologicamente estabelecidas, se transformam em
demandas lgicas3, enquadradas na frma da lei transformando-se em uma espcie de
fetiche da lei. O resultado imediato dessa contradio a no-resposta, por parte dessa
instituio, de muitas das demandas que aparecem no cotidiano do Ministrio Pblico, uma vez
que as questes s so tratadas quando traduzidas para as diferentes legislaes vigentes.
O Servio Social, desde os anos 80, adota uma outra postura terico-metodolgica, que
busca apreender os fenmenos sociais na sua dinamicidade e totalidade, observados seu carter
singular e universal, capturando as particularidades que os compem4, a tenso
instituio/populao usuria (Estado/demanda social) rebate diretamente sobre a prtica
profissional dentro do Ministrio Pblico.
Essa tenso se manifesta de diferentes formas, mas aqui enfatizaremos duas que, para
ns, so elucidativas:
1. A no-resposta do MP s questes que so levantadas pelo Servio Social nos seus processos investigativos e avaliativos, o que culmina no no-atendimento das demandas
identificadas por no se enquadrarem na racionalidade burocrtica expressa na forma de
lei;
2. Contraditoriamente a primeira (e sem dvida muito mais instigante do ponto de vista da compreenso da dimenso poltica do Servio Social dentro do MP) o reconhecimento,
por parte das Promotorias de Justia, da importncia das demandas levantadas pelo
Servio Social mesmo que elas no se tornem imediatamente objeto de interveno
institucional.
Assim, a insero do Servio Social dentro do Ministrio Pblico revela que existe um certo
desconforto por parte de alguns setores dessa instituio no que diz respeito racionalidade
formal-abstrata que lhe peculiar. Parece-nos que o Servio Social potencializa uma contradio
vivenciada pelos rgos de Execuo do MP: a das condies de existncia da sociedade
capitalista e a da superestrutura jurdica e poltica. Ora, essa contradio no nasce com o
Servio Social. Ela prpria das relaes que se estabelecem na ordem social burguesa.
Se do ponto de vista da racionalidade formal-abstrata, o Servio Social tem conseguido
potencializar algumas questes no espao institucional, no que se refere racionalidade
instrumental, o que identificamos uma intensa presso sobre as atividades profissionais. Isto
posto, o Servio desenvolve suas atividades em duas frentes de atuao: a da fiscalizao de
3 Aqui tentamos recuperar o debate de Lucks (1979), Pontes (2002) e Guerra (1997).4 Pontes (2002) desenvolve uma abordagem muito interessante, pois coloca no marco da insero institucional do Servio Social a utilizao do mtodo materialista-dialtico que aqui nos referimos.
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entidades5 e a de atendimento a crianas e adolescentes vtimas de violncia6. Aqui, podemos
identificar que o Servio Social desenvolve atividades clssicas da profisso, mas tambm
demandado para uma funo relativamente nova na trajetria profissional: aquela que diz
respeito avaliao de programas e projetos sociais.
importante registrar que o atendimento individualizado atividade clssica do Servio
Social revela uma dimenso da profisso que constituinte de sua insero na diviso scio-
tcnica do trabalho: a de realizar intervenes em funes terminais da poltica social, uma vez
que
Ocupando historicamente funes terminais, a interveno profissional realiza-se margem das instncias de formulao das diretrizes e de tomada de decises das polticas sociais. Aqui, a ciso entre trabalho manual e intelectual cumpre sua funo histrica: limita a compreenso da totalidade dos interesses, intenes e estratgias contidas no projeto de classe ou segmentos de classe que elabora e controla a execuo das polticas sociais. A isto acresce-se o fato de que a ao do assistente social se realiza no mbito das estruturas tcnicas, legais, burocrticas e formais e, portanto, da lgica em que se inscrevem as polticas sociais.Ao ser recolocada no mbito restrito da execuo de planos, programas ou projetos, a interveno profissional pode ser tanto melhor controlada quanto rebaixada a um nvel inferior, sendo-lhe atribudos um estatuto e uma funcionalidade subalternos (GUERRA: 2002; 158).
No mbito do MP, ambas as frentes se fazem presentes na ao do Assistente Social e,
a partir de mltiplas mediaes, possvel articul-las os dois nveis, uma vez que as polticas
avaliadas atendem crianas e adolescentes vtimas de alguma espcie de violao de direitos.
Contudo, ntido que a principal demanda pelo trabalho do Servio Social se d no plano
do atendimento dos casos. Isso porque existe uma tendncia contempornea denominada por
alguns autores de judicializao da questo social 7.
Assim, a investigao social de situaes de violncia contra crianas e adolescentes tem
sido a principal demanda colocada ao Servio Social dentro do MP e isso requer um
conhecimento terico particular, mas, tambm, um aprimoramento tcnico-interventivo. Entretanto,
ao ser demandado a assumir intervenes dessa natureza, a legitimidade profissional, para a
instituio, se d a partir da eficcia e da eficincia8 dos resultados dessa interveno o que, na maioria dos casos, beira a uma mera exigncia pragmtica. neste sentido que a racionalidade
instrumental do Servio Social na execuo das atividades profissionais ganha uma dimenso
fundamental para a anlise de sua dimenso poltica e, conseqentemente, das possibilidades de
ampliao de suas frentes de atuao.
Cabe tambm ressaltar que a presso institucional ao trabalho individualizante como fonte
de legitimidade no se encontra apenas no Servio Social do Ministrio Pblico. Essa uma
tendncia que se coloca nas relaes sociais de um modo geral, expressas na fragmentao da 5 A fiscalizao um termo jurdico, definido em diferentes legislaes que tratam das atribuies do Ministrio Pblico inclusive o ECA. Assim, ao ser demandado para realizar atividades de fiscalizao, o Servio Social colocado em uma condio de avaliador da qualidade de polticas e servios sociais em suas diferentes dimenses.6 Dados os limites deste trabalho, foge ao nosso escopo a definio do fenmeno da violncia, que aqui ser tratada como violao de direitos.7 Cf. Viana (1999).
8 Todo o trabalho do Servio Social deve ser apresentado quantitativamente atravs de estatsticas mensais. Tais relatrios estatsticos so objeto de avaliao e controle constante da eficincia do trabalho do Assistente Social.
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realidade social na sociedade capitalista contempornea, e que se materializam no campo do
conhecimento atravs de correntes conhecidas como ps-modernas 9.
Tem-se a uma nova tenso: a necessidade de dar respostas institucionais no campo da
instrumentalidade, sem perder de vista a perspectiva da totalidade social evitando a reproduo
subjetiva e objetiva do estatuto de subalternidade da profisso. Assim, faz-se necessrio
redimensionar o debate sobre a instrumentalidade do Servio Social, posto que
A instrumentalidade do Servio Social, dada pela forma na qual a profisso se insere na diviso social e tcnica do trabalho e reposta pela dinmica da realidade social, tanto vincula a profisso a outros ramos de atividade profissional quanto atribui profisso um status peculiar, j que contempla as aes pelas quais o profissional reconhecido e requisitado socialmente (GUERRA; 2002; 159).
O centro do debate, portanto, como responder a essa necessidade sem ser amarrado
nas teias da racionalidade instrumental ps-moderna. Em outras palavras: como afirmar a razo
dialtica que possibilita a identificao das demandas sociais que so atendidas pela instituio e,
ao mesmo tempo, respond-las.
Diante desse debate, situamos a importncia dessas reflexes para apreender as
possibilidades de uma interveno qualificao do Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro
em suas atribuies legais de fiscalizao de polticas sociais e na promoo de direitos.
CONCLUSO
As conquistas democrticas realizadas aps a dcada de 80 demandaram do Ministrio
Pblico a necessidade de uma reorganizao no apenas administrativa, mas tambm poltica.
Funes e atribuies foram incorporadas e responder s mesmas possibilitou a ampliao do
mercado de trabalho para outros profissionais que no apenas os operadores do Direito (no caso,
Promotores e Procuradores de Justia), o que o caso do Servio Social.
Entretanto, juntamente com essa nova racionalidade institucional, a sociedade brasileira foi
invadida por uma tendncia neoconservadora, com o advento do neoliberalismo na dcada de 90
e atingiu significativamente as instituies sociais, dentre elas as que compem o sistema scio-
jurdico10 tal qual o Ministrio Pblico. As tenses vivenciadas pelo Servio Social so as mesmas
vividas pela prpria instituio, pois as mesmas so construdas no cotidiano das relaes scio-
polticas da sociedade brasileira, a partir da ao dos atores polticos e seus projetos societrios
(classes e segmentos de classes).
Isso posto, ter a dimenso da insero poltica do Servio Social no Ministrio Pblico do
Estado do Rio de Janeiro e as racionalidades a ele colocadas, situar o debate no marco das
9 Sobre ps-modernidade, Anderson (1999), Harvey (2003) e Jameson (1996). Guerra (2001 e 2004) critica as formas como essas correntes tm dialogado com o Servio Social, apontando que essa onda recoloca a racionalidade instrumental no centro do debate sobre a produo do conhecimento e da prtica social.10 Cf. Viana (1999).
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transformaes sociais, polticas, ideolgicas e culturais vividas pelo Brasiel na entrada do sculo
XXI.
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