A dor em dobro da rejeição reaberta

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A dor em dobro da rejeio reabertaO ideal seria a exigncia de um srio processo preparatrio para a adoo14 de junho de 2009 | 0h 12

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CompartilharLidia Weber* - O Estado de S.Paulo

Recentemente uma notcia sobre a adoo de uma criana perturbou o imaginrio de todos que refletem sobre parentalidade e filiao. Um casal conheceu uma menina de 8 anos em um abrigo, fez visitas por seis meses e pediu sua adoo. O casal ficou com a menina, cujo nome foi trocado sem autorizao judicial - durante oito meses e a devolveu ao juizado sem apresentar justificativa. A menina, que j chamava o casal de pai e me, voltou ao antigo abrigo sem saber explicar o que aconteceu e confusa em relao ao seu nome e identidade. Uma ao pblica foi impetrada pelo Ministrio Pblico e a Justia deferiu que o casal ser obrigado a pagar penso para a criana no valor de 15% dos seus vencimentos mensais, a qual ser utilizada para custear o tratamento psicolgico particular da criana. Infelizmente, apesar de a adoo ser legalmente irrevogvel, esse tipo de "devoluo" no incomum no Brasil, e ocorre durante a guarda provisria ou aps a adoo ter sido concretizada. Inditos foram o pedido do Ministrio Pblico e o deferimento da Justia, apesar de esta ter demorado dez meses para sua deciso. Ser que esses adotantes foram preparados de maneira correta? Ser que essa menina teve algum apoio psicolgico antes, durante e aps a devoluo? A rejeio de um amor parental uma das maiores dores do ser humano. Sabemos que isso no ocorre somente com famlias por adoo. As famlias geneticamente constitudas no "devolvem", mas podem maltratar (90% da violncia contra a criana ocorre em casa), abandonar, machucar emocionalmente, negligenciar... Alis, contrariando o senso comum, dados antropolgicos mostram que maus-tratos em famlias por adoo ocorrem com muito menor frequncia do que em famlias biolgicas.

A adoo uma instituio com sculos de existncia. Desde as primeiras civilizaes, costumava-se adotar uma criana como uma forma de manuteno da famlia ou para perpetuar o culto ancestral domstico. O objetivo principal no era necessariamente "proteger a criana"; a adoo tinha somente o objetivo de ser um instrumento para suprir as necessidades de casais infrteis e no como um meio que pudesse dar uma famlia para crianas abandonadas. Essa modalidade de adoo conhecida como "adoo clssica", e ainda hoje, no Brasil, predomina em detrimento da chamada "adoo moderna", cujo objetivo garantir o direito a toda criana de crescer e ser educada em uma famlia. O Brasil herdou o modelo portugus das Santas Casas de Misericrdia em relao "proteo" de crianas. Durante sculos o nascimento de um filho "ilegtimo" foi ostensivamente reprovado, ocasionando inmeros abortos e infanticdios. Tentou-se criar um mecanismo social, embora hipcrita, que solucionasse esses escndalos - a roda dos enjeitados ou dos expostos, que permitia o abandono annimo de bebs. As "rodas" existiram no Brasil at a dcada de 50 e fomos o ltimo pas do mundo a acabar com elas. A histria mostra que, at final do sculo 19, havia famlias - ditas benemritas - que criavam as crianas como agregadas. No entanto, tais famlias nem sempre eram to benemritas, pois acabavam retirando as crianas das instituies para que elas servissem como serviais domsticas em suas casas. Muitos sculos se passaram, mas uma pesquisa que realizamos h alguns anos revelou que ainda existem pessoas que acreditam que " possvel adotar uma criana mais velha para que ela ajude nos servios de casa". Em algumas culturas existem poucas crianas abandonadas, mas no Brasil milhares de crianas vivem em instituies e dezenas de recmnascidos so abandonados em lugares pblicos e no h sequer estatsticas oficiais para saber os nmero corretos. A implementao do Cadastro Nacional de Adoo, h cerca de um ano, mostra pouca eficcia, ausncia de recursos e treinamento e passou a esconder ainda mais as crianas que vivem em abrigos, pois somente so colocadas no cadastro aquelas cujos pais foram destitudos do poder familiar, que no passam de 10% das crianas abrigadas. Quais so os antecedentes que nos revelam o descaso pela criana, apesar de termos o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA, 1990), considerado um dos mais avanados do mundo? Em pases desenvolvidos os adotantes devem passar obrigatoriamente no apenas pela parte burocrtica, mas por um longo e sistemtico processo de preparao para a adoo. Em caso de adoes tardias, comuns em outros pases, a preparao e apoio psicolgico tambm se estendem criana. No Brasil, raros so os Juizados da Infncia que oferecem essa real preparao aos adotantes e criana e h muitos que nem sequer possuem equipe tcnica para a questo. Simplesmente

"examinam" e "selecionam", o que pode significar simplesmente aprovar os documentos solicitados e realizar uma visita residncia dos candidatos. Quando existe algum tipo de "preparao", geralmente so realizados poucos encontros e quem os faz parte da sociedade civil, membros de grupos de apoio adoo, associaes geralmente formadas por voluntrios que doam seu tempo com o objetivo de fomentar uma conscincia para o papel social da adoo no Pas. Alguns juizados nem reconhecem essa tentativa heroica e altrusta dos grupos de apoio, enquanto outros, mais engajados, fizeram-na parte obrigatria do processo. Uma preparao para a adoo vai alm de uma educao para a parentalidade gentica, mas a engloba completamente. Quem deseja adotar uma criana deve aprender a lidar com a frustrao da infertilidade (se esse for o motivo da adoo), conhecer outras famlias adotivas, tolerar a espera do processo, adquirir habilidades para lidar com preconceito, saber falar da origem da criana, entender as dores do abandono, especialmente em uma adoo de criana mais velha, etc. A educao para ter um filho, gentico ou adotivo, refere-se a uma reflexo sobre as prprias motivaes, riscos, expectativas, desejos e medos. Filhos, genticos ou por adoo, no esto no mundo para atender s necessidades dos pais, no so cpias nem massa de modelar, no devem servir nem como expiao culpa nem como instrumentos de caridade. Filhos so seres nicos cujos pais assumiram o compromisso de guiar, socializar e auxiliar o seu desenvolvimento, que inclui a noo de afeto que levar durante toda sua vida. Preparar-se no quer dizer somente o momento que antecede o ''ter um filho'', mas a conscincia de que essa educao deve ser contnua, pois pessoas esto sujeitas a mudanas e esto sempre em um processo dinmico de construo e reconstruo. Educar-se para ter um filho estar pronto para acolher e ter a funo de um porto seguro. Para sempre. *Psicloga, professora e pesquisadora da UFPR, ps-doutora em Desenvolvimento Familiar e autora de Pais e Filhos por Adoo no Brasil (Ed. Juru)

Tpicos: , Suplementos, Alis .

Adotado ou Rejeitado?

Adoo o Ato jurdico que cria, entre duas pessoas, uma relao anloga, que resulta na paternidade e filiao legtima, mas mais do que um ato jurdico, um ato de amor. Existem dois tipos de adoo na legislao brasileira: Uma, quando o adotado maior de 18 anos, prevista no Cdigo Civil Brasileiro, art. 368 e seguintes, dentro do Direito de Famlia, deferida no interesse dos casais, que a adoo contratual. Aperfeioa-se com a lavratura de escritura, averbada no registro civil de nascimento do adotado.

SanguessugaEmocional Famlias Descartveis

Outra, a prevista no ECA (Estatuto da Criana e do Adolescente), Lei 8.069/90 de 13 de julho de 1990, que cuida dos interesses dos menores, desassistidos ou no, sem qualquer distino. Cabem aqui, os casos em que, apesar dos adotados j terem completado 18 anos, j estavam sob a guarda dos adotantes, esperando apenas o desfecho da ao. No Brasil, comum um tipo de adoo, que chamado de "adoo brasileira" que consiste em registrar uma criana em nome dos adotantes, sem o devido processo legal, isso considerado crime. O maior requisito para adotar uma criana, a disponibilidade de amar. Ser pai ou me no s gerar, antes de tudo amar (Vera Helena Vianna do Nascimento). Quando pensamos em adoo no podemos falar s sobre a questo jurdica, mas pensar tambm nas questes emocionais que a criana e os pais passam. Atendi um homem de 28 anos que no conseguia se dar bem na vida, formado em engenharia, no conseguia emprego e estava prestes a entrar em uma depresso, tudo que comeava no conseguia terminar, nem seus relacionamentos. Em tratamento conversamos sobre a questo de que ele havia sido adotado e tinha uma grande frustrao de no conhecer os pais biolgicos, e os pais atuais estavam separados, alm disso, no conseguia aceitar a pessoa do pai. Esse homem tinha uma grande pergunta: ?Porque meu pai me rejeitou? Depois de alguns meses de tratamento conseguimos um resultado excelente, ele pode conhecer seus pais biolgicos e saber o porque da rejeio, tambm aceitou e perdoou os dois pais, dois meses depois conseguiu emprego e hoje est vivendo muito bem. Os especialistas dizem que se uma criana cresce sem a presena dos pais ele desenvolver algum transtorno psicolgico, pois no ter referncias, nem o modelo feminino e masculino e nem a vivncia do amor materno e paterno.

Uma pesquisa feita nos USA relata que as crianas adotadas podem apresentar distrbios de comportamento, o maior causador disso o mau trato nos cuidados peri-natais ou os genes dos pais de nascena, mas avisam que no so motivos para pararem a adoo. Toda criana tem direito de ter uma famlia, por isso quero aqui incentivar a adoo e o investimento de pais cristos na vida dessas crianas. Alis, ns no podemos nos esquecer que tambm fomos adotados por Deus. Romanos 8:15, Glatas 4:5, Efsioa1:5. E se nos sentimos rejeitados, podemos nos confortar com esses textos e afastar a possibilidade da rejeio. Do outro lado da adoo esto os pais, que na grande maioria convivem com a perda de no poder ter filho, todo ser humano no sabe trabalhar bem com perdas. Essa realidade pode atrapalhar na adoo, principalmente quando os pais acabam superprotegendo a criana ou at vivendo frustraes e medos de que seu filho um dia v embora. Para que haja uma boa adoo precisa haver uma vida pessoal saudvel emocionalmente e no relacionamento dos pais adotivos, isso ajudar a criana adotada a ter sade integral.

Luiz Henrique de Paula pastor, doutor em aconselhamento e cuidado de famlia. Presidente do "Conselho Metropolitano de Pastores e Ministros da Baixada Santista", psicanalista clnico, terapeuta de famlia e comunitrio.

UMA PSICOLOGIA DA ADOO Luiz Schettini Filho Na experincia humana a realidade ser sempre precedida de um sonho. O pensamento, a imaginao, a idia compem o cenrio da montagem da realidade. O sonho no antagnico realidade. Pelo contrrio, est incrustado na sua origem. Essa observao vem a propsito da tentativa de entender o sentido do filho para a pessoa humana. O filho ser sempre um sonho, mesmo que, s vezes, se torne um pesadelo diante das fantasias e dos desejos que acalentamos em nosso psiquismo. Sonho e realidade se complementam no processo de gerao e interao com o filho. O filho a resultante esperada da relao homem-mulher; como se o equilbrio se completasse a partir de um terceiro referencial. o filho que d sentido ao casal. Sem dvida, da interao dessas trs foras que oferecem, reciprocamente, apoio e harmonia no sistema de dar e receber que surge a verdadeira unidade. Falamos aqui, portanto, de uma triunidade, no no sentido aritmtico, mas no sentido de uma dimenso tica, segundo a qual as relaes interpessoais ocorrem de uma forma harmnica e complementar. oportuno lembrar que a unidade pressupe a diversidade, assim como a semelhana pressupe a diferena, mas, nesse caso, as diferenas que marcam o carter na individualidade aproximam e deixam transparecer o todo, o conjunto (Cf. Schettini).

A busca do filho resulta, portanto, de uma conjuno tica e no simplesmente de uma conquista gentica. nesse ambiente que se processa a adoo. dentro do mbito da relao tica que se constri a real parentalidade, conduzida pela convivncia afetiva. A adoo, porm, se inscreve em um contexto de impossibilidades. Uns adotam filhos por no poderem ger-los. Outros os geram, mas esbarram na impossibilidade de cri-los. O poder de uns se impe ao no-poder de outros. Essa questo, com certeza, produz interferncias nas relaes interpessoais de pais e filhos adotivos. A experincia clnica nos mostra, entretanto, que o apego afetivo, que se estabelece atravs da criao que no se confunde com educao faz da relao parental adotiva uma pea inconstil. Por essas razes, torna-se necessrio uma incurso na dinmica psicolgica da adoo. A adoo no pode ser encarada apenas como um fenmeno operacional. No se trata de montar um sistema operacional que leve a localizar uma criana para torn-la filho. O filho adotivo no vem de fora; vem de dentro, como de dentro vem o filho biolgico. Isto , o filho que se adota o filho que, afetivamente, gestado no psiquismo de seus novos pais. H alguns pressupostos que devemos examinar para compreender como o filho biolgico de uma pessoa torna-se verdadeiramente filho de outra pessoa atravs das ligaes de afeto. Em primeiro lugar, imprescindvel que no se perca a dimenso da realidade histrica, isto , a criana adotada necessita estabelecer ligaes com sua histria pessoal, o que se realiza atravs do conhecimento de sua origem, at porque no existe o homem real sem uma histria. E isso nos leva, inevitavelmente, exposio da verdade biogrfica. Dizer a verdade sobre a origem criana adotada tem sido um desconforto, quando no um motivo de pnico, para alguns pais que incorporaram a parentalidade adotiva. como se a verdade histrica revelada pudesse destruir o afeto entre pais e filhos. As dificuldades nas relaes interpessoais podero surgir muito mais pela manuteno dos segredos do que pela revelao da verdade. Sem confiana, a convivncia entre as pessoas se torna uma farsa e, por conseqncia, agresso e injustia. Manter em segredo as coisas que esto ligadas vida decretar, aos poucos, morte e destruio (Cf. Schettini). O no-dito torna-se uma crueldade. As relaes entre as pessoas se deterioram muito mais pelo no-dito do que por aquilo que, s vezes, dizemos. Sem dvida, a verdade no machuca quando vem acondicionada no afeto. Em segundo lugar, no podemos dissociar a relao parental adotiva das vinculaes de afeto. Aqui vale considerar, que o amor vem antes do conhecimento. Sobretudo, o amor ao filho. No precisamos conhec-lo para que o amemos. O amor a conseqncia de uma disposio interna que se estabelece independente de termos um arsenal de informaes a respeito do filho. Poderamos dizer at, que ao filho amamos antes de conhec-lo, como continuamos amando apesar de chagar a conhec-lo. Ns o amamos apesar de no saber como ele ser e, mais ainda, permanecemos amando quando sabemos quem ele verdadeiramente. A essa altura, cabe lembrar que o conhecimento de caractersticas pessoais e informaes histricas da vida pregressa do filho adotivo, no interfere na relao de afeto que j se estabeleceu. Temos o direito de construir fantasias a respeito de nossos filhos, mas no temos o direito de exigir deles que realizem a arte-final dos esboos que concebemos. Com certeza, aplica-se aqui a observao de Ilya Prigogine: O possvel mais rico que o real. O filho adotivo transita dentro dessa conceituao do possvel. Amamos o filho muito mais por suas possibilidades do que pela garantia que possa nos dar da realizao de nossas fantasias. A verdade o fundamento de uma relao de afeto duradoura. A criana adotiva precisa ouvir a sua histria para poder ouvir a si mesma. Por essa razo, no temos o direito de mutilar sua biografia. Na relao adotiva o apego afetivo cresce de importncia pela inexistncia da ligao biolgica na parentalidade. Isso nos leva a pensar que a verdadeira parentalidade se fundamenta no vnculo afetivo, colocando todos os filhos no mesmo nvel de importncia, isto , os filhos, gerados por ns ou no, precisam, necessariamente, ser adotivos. Quem gera filhos genitor. Para atingirmos a condio de pais, precisamos mais do que gerar; imprescindvel estabelecer uma relao afetiva. Assim, todos os filhos precisam, sem exceo, ser adotados afetivamente. O grande desafio que temos diante de ns transformar o puramente biolgico em marcadamente afetivo. O filho adotivo no uma prtese que venha substituir uma deformidade. Em terceiro lugar, precisamos rever o conceito de maternidade/paternidade. O alicerce da conscincia parental est no sentimento de que adotar um filho implica um processo de incorporao. O filho adotivo engendrado dentro de quem o adota, tanto quanto acontece com aquele que o gera biologicamente. Por essa razo, na interao com o filho, precisamos mais de expresses de afeto do que de presses pedaggicas. a convivncia afetiva que d

sentido relao de parentalidade. Em quarto lugar, no podemos ignorar que a criana adotada vive, de um modo geral, uma trplice rejeio. Do seu ponto de vista, ela se sente rejeitada pela me de origem, independentemente da causa pela qual no a adotou como filha, mesmo que a impossibilidade tenha decorrido de sua morte. Essa a primeira fonte de rejeio. A segunda surge como decorrncia de seu medo de no ser aceita como filha pelos pais adotivos. A terceira resulta do reflexo, que muitas vezes existe, do receio que os pais adotivos tm de no ser aceitos pelo filho adotado. Essa sndrome de rejeio se resolve ao longo da convivncia afetiva durante a primeira infncia. No existe interao pai-me-filho sem que haja uma relao de amor. O amor a nica emoo que precisa ser alimentada continuamente para que possa subsistir. Essa caracterstica, ao invs de indicar fragilidade, aponta para sua importncia e mostra que a vida exige uma participao vigilante para que se mantenha com sentido. Franoise Dolto diz de forma incisiva: O sujeito morre de no ter relao. A contigidade afetiva nos garante o embasamento para uma comunho parental. Harold Kushner lembra: Nenhum de ns consegue ser verdadeiramente humano em situao de isolamento. As qualidades que nos fazem humanos s emergem atravs das maneiras pelas quais nos relacionamos com os outros. As dificuldades que encontramos na relao com os filhos adotivos no diferem na sua essncia das mesma que enfrentamos com aqueles que no tm uma histria de adoo. Percebemos, no entanto, que os adotivos tm uma histria peculiar, como todos a temos por conta do nosso carter de individualidade. As diferenas no so deficincias; so marcas pessoais, que compem nosso patrimnio de pessoa. Em quinto lugar, a experincia nos mostra que h pessoas com uma histria de adoo, que apresentam, pelo menos por um perodo do seu desenvolvimento, alguma dificuldade de aceitar a aceitao (Cf. Tillich). Ser aceito torna-se uma carga, que resulta em uma responsabilidade, muitas vezes, difcil de assumir. A aceitao, para essas pessoas, interpretada como a existncia de uma fragilidade ou mesmo como uma declarao de incompetncia. Novamente nos encontramos com uma questo para a qual a sada o estabelecimento de uma relao de afeto. Amar aquele que tem dificuldade de ser amado seria a suprema demonstrao da humanidade dos humanos. Alguns outros aspectos da psicologia da adoo poderiam ser considerados, mas reservamos um espao final para fazer uma referncia a alguma coisa inacabada que fica no psiquismo da pessoa adotada que no teve a oportunidade de conhecer sua me de origem. Que semelhanas tem ela com a me que a gerou? Parece que fica um hiato na construo de sua imagem fsica, no sentido das ligaes que garantem sua existncia em uma comunidade familiar. Ao longo de trinta anos, acompanhando processos de psicoterapia de crianas e adolescentes com uma histria de adoo, temos observado que aqueles que se tornam adultos e geram os seus prprios filhos, demonstram satisfao, e mesmo uma mudana de comportamento, quando expressam de formas muito pessoais a descoberta de que, naquele filho que geraram, existem caractersticas genticas dos pais de origem, mesmo que no consigam identific-las. H, porm, uma certeza de que no filho h o registro de sua histria gentica. Sem dvida, procriar uma condio dada pela natureza; criar uma responsabilidade no mbito da tica entre os homens. Procriar um momento; criar um processo. Procriar fisiolgico; criar afetivo. Referncias bibliogrficas: BARLETTA, Gaetano, Il Figlio Altrui, Societ Editrice Internazionalle, Torino, Italia, 1991. DELLANTONIO, Annamaria, Le Problematiche Psicologiche dell Adozione Nacionale e Internazionalle, Giuffr Editore, Milano, Italia, 1986. DOLTO, Franoise, Dificuldade de Viver, Trad. de Alceu Edir Fillmann e Doris Vasconcellos, Artes Mdicas, Porto Alegre, 1988. KUSHNER, Harold S., Quando Tudo no o Bastante, Trad. Elizabeth e Djalma Mello, Livraria Nobel S.A., S. Paulo, 1987. SCHETTINI, Luiz Filho, Compreendendo o Filho Adotivo, Bagao, Recife, PE, 1995. SCHETTINI, Luiz Filho, Adoo: Origem, Segredo e Revelao, Bagao, Recife,

PE, 1999. TILLICH, Paul, A Coragem de Ser, Trad. Egl Malheiros, Editora Paz e Terra S.A., S. Paulo, 1976.

A ADOO E O INCONSCIENTE: UMA ABORDAGEM SIMBLICA DA PSICOLOGA ANALTICAAntonieta Maame Zimeo

Entre a raiz e a flor h o tempo (Carlos Drummond de Andrade)

Falar sobre a adoo sempre uma vivncia carregada de muita emoo para mim, por eu estar envolvida com esse tema at a minha prpria alma. E com a linguagem da alma que exponho a presente elaborao. Este um trabalho de pesquisa terico-prtico que se iniciou na dcada de 80, e que ainda continua, sendo que, entre tantos outros aspectos analisados, neste momento sero abordados, de maneira sinttica, apenas trs tpicos, a saber:

1. Expresses simblicas 2. Mitos e deuses 3. Cmplices do destino

No decorrer da minha prtica psicoterpica observei que muitos casos atendidos eram de adotados, e uma srie de acontecimentos coincidentes ao tema circundaram a minha vida profissional, o que me levou a indagar o porqu e o para que desse tipo especfico de paciente, tendo assim iniciada esta jornada de busca. Faz-se mister esclarecer que, os casos a serem citados se referem adoo mal sucedida, que denomino pseudoadoo, uma adoo parcial frente qual o adotivo v a si prprio parcialmente, dicotomizado e cindido a nvel psico-emocional. Entretanto, no intento levar ao descrdito a adoo enquanto alternativa mais vlida para as crianas sem famlia ou institucionalizadas, uma vez que so incontveis os casos de adoes bem sucedidas, e que, talvez por isso, no chegaram ao consultrio.

1. Expresses simblicas

A explanao do material clnico a seguir no tem por base uma postura interpretativa, mas sim, um olhar simblico, uma vez que os aspectos sutis a serem citados, so em ltima instncia manifestaes do inconsciente, podendo ser considerados como entrelinhas do processo de adoo, sendo aqui em especfico focalizados os casos de no conhecimento consciente da adoo por parte do adotivo. Esclareo que, pessoas no adotadas podem tambm apresentar expresses similares a estas, uma vez que os temas abandono e rejeio so universais, ou seja, so arqutipos. Parto do princpio de que toda a relao humana organizada, mediada, tanto por fatores conscientes quanto inconscientes e, portanto, dentro das relaes que se estabelecem no processo de adoo tambm ocorre a interferncia de fatores inconscientes, cujo reconhecimento e conscientizao promovem a sade psquica. A experincia tem me mostrado que quando o adotivo no sabe conscientemente que o , sabe porm inconscientemente, e quando no se torna consciente da sua condio, o seu processo de individuao pode ser obstrudo desde a infncia. O abandono uma condio que geralmente antecede a adoo, e sendo o abandono e rejeio arqutipos, o inconsciente sabe da

condio da adoo mesmo que a conscincia no saiba. O inconsciente vai estar incessantemente fornecendo avisos de algo oculto para a conscincia, atravs dos smbolos manifestos em sonhos, fantasias, estrias, desenhos, etc. O smbolo uma espcie de instncia mediadora entre a incompatibilidade do inconsciente e do consciente, entre o oculto e o revelado; , portanto, exatamente atravs dele que ocorre o conhecimento inconsciente da dade abandono-adoo, porm nesses casos sem poder atuar conscientemente.

Caso n 1: Uma menina, de 8 anos de idade, encaminhada pela escola para o atendimento psicolgico, devido a problemas de aprendizagem. Durante a anamnese os pais me relataram que alm deles eu era a nica pessoa que ento passava a saber sobre a adoo, dado que nem o prprio pediatra, parentes e amigos sabiam. Aps a confirmao da esterilidade materna, o casal decidiu adotar uma criana, porm tudo foi planejado para que ningum soubesse. Mudaram para outra cidade, retornando para a cidade anterior quase dois anos depois, com uma menina que para todos era filha biolgica deles. Na fase do psicodiagnstico, a me me telefonou em desespero contando o sonho que a menina lhe relatara: eu ontem sonhei que voc no podia ter nen e foi pegar um numa casa que tinha um monte para escolher e voc escolheu eu. Nesse mesmo dia, na sesso, a criana espontaneamente me contou esse sonho e lhe solicitei que o desenhasse, e na seqncia lhe perguntei o que achava do mesmo, e ela me respondeu: ah! foi s um sonho, no de verdade, s bobagem da minha cabea. A maneira como o consciente da criana adotiva (que no sabe que o ) reage, semelhante ao de qualquer outra criana, no adotiva, que se depara com situaes no informadas acerca de sua pessoa, ocasionando um conflito, um estado de sofrimento psquico. Segundo a Psicologia Analtica, as tentativas da conscincia de entrar em contato com os complexos so inicialmente do tipo mgicoapotropico, isto , tentativas de exorciz-los, considerando-os como no existentes, chamando-os de imaginaes, constituindo assim uma forma de assimilao, ou seja, uma forma de negao, pois aquilo que se nega a existncia no existe.

Entretanto, com o decorrer do tempo, essas manobras vm a falir e ento insurge um estado de descompensao e deslocamento. A conscincia no mais em condio de negar e lentamente o complexo que se apropria da conscincia, assimilando-a. Sem o conhecimento consciente, a energia psquica que se direciona para o inconsciente no consegue se transformar saudavelmente, reaparecendo como sintomas muitas vezes neurticos, resultantes das informaes antagnicas entre o consciente e o inconsciente. Geralmente, como no caso acima exemplificado, o encaminhamento ao psiclogo feito devido aos sintomas-distrbios, e no pela adoo mal sucedida em si. Na sua maioria, essas crianas pareciam ter um enorme buraco afetivo emocional interno incapaz de ser suprido, estando sempre muito insatisfeitas. (Zimeo, A. M. Nas entrelinhas da adoo. p.99) Este buraco era simbolizado nos desenhos de diferentes maneiras. Nos testes projetivos como o HTP, era comum a rvore ser desenhada com um buraco no tronco, e as estrias versavam sobre o tema do abandono.

Caso n 2: Uma menina de 9 anos de idade, encaminhada pela escola por apresentar comportamento depressivo, manifesto pelo isolar-se socialmente. Aps fazer o desenho da rvore com um buraco no tronco, ela conta: esta uma estria triste, muito triste, porque a mame passarinho abandonou o ninho, porque quando foi levar comida para o filhote, o ninho estava vazio e ela foi embora... ela no viu que o ovo com o filhote tinha cado no cho... e uma cobra vai comer ele. A rvore de um modo geral, simboliza a evoluo, o crescimento, o desenvolvimento de uma pessoa, portanto, o buraco nela inscrito representa simbolicamente um furo psquico nesse desenvolvimento, pela inexistncia ou deficincia afetiva da relao parental. Sobre isso, Edinger diz:

[...] nos casos de perda de uma figura parental em tenra idade em que no houve uma substituio adequada, mantm-se uma espcie de furo na

psique: uma importante imagem arquetpica no sofreu personalizao, retendo por conseguinte, um poder primordial e ilimitado que ameaa inundar o ego caso este dele se aproxime. (Anatomia da Psique. p. 114)

Essa imagem arquetpica que no sofreu personalizao a me arquetpica que no pode ser constelada na me ou no pai adotantes, quando estes inconscientemente negam que a criana adotiva, negando em ltima instncia que um filho; um filho adotivo.

Caso n3: Um menino de 8 anos de idade, encaminhado pela escola por comportamento social agressivo e distrbios de aprendizagem. No desenho da figura humana, ao desenhar a si prprio ele diz: esse sou eu e aqui tem um buraco... um corao. Por detrs disso, nas entrelinhas existem lacunas, buracos afetivos no elaborados concernentes pessoa de cada um dos pais adotantes, e que so inconscientemente repassados para a criana atravs da relao com esta. Na fala e na escrita era comum a criana no utilizar o pronome possessivo, ou ento usar vocbulos gerais para as relaes familiares, como por exemplo: o homem/o pai ao invs de meu pai; a mulher/a me ao invs de minha me; a me da mulher ao invs de minha av, etc. Correspondentemente na fala dos pais, o distanciamento afetivo era o mesmo quando se referiam criana, dizendo por exemplo: o menino/a menina ao invs de meu filho/minha filha. Tanto a palavra falada quanto a escrita retratam imagens que so configuraes seja de um processo simblico intrapsquico, quanto da dinmica interpessoal pais-filhos adotivos, que correspondem a atributos constitutivos da emoo presente, que nos exemplos supracitados, so frutos da defesa, da recproca negao inconsciente do vnculo filial-parental. Em crianas acima de 9 anos de idade, se observou freqente e acentuada dificuldade em desenhar a famlia, pois a noo de famlia no foi internalizada, por no ter sido de fato vivenciada afetivamente. Muitas dessas crianas, quando solicitadas, me perguntavam: Famlia, como assim desenhar uma famlia? No sei como !; e quando chegavam a desenh-la, ou a criana no se

inclua no desenho, ou se desenhava numa folha a parte, ou se localizava na mesma folha, porm, distante dos outros membros. Ou ainda, quando raramente se inclua, era comum desenhar a si e aos pais com rostos sem face. Dessa forma, a no identidade familiar tambm expressa simbolicamente nos desenhos atravs de rostos sem olhos, boca, nariz, manifestando a ausncia, o vazio, do eu-pai/ eu-me/ eu-filho, o vazio do eu. O adotivo por no saber de suas origens, se torna um ser alienado de si mesmo. Face a isso como poder esse ser alienado de si prprio, processar a sua individuao se a sua identidade foi negada ou distorcida? Se para ocorrer o processo de individuao se faz preliminarmente necessria a integrao dos contedos inconscientes conscincia, e se o adotivo no sabe conscientemente que o , esse processo j no perodo da infncia tem um obstculo intransponvel, e o destino de ser quem no se cumpre.

De acordo com Jung:

O termo individuao pode [...] indicar somente um processo psicolgico que realiza destinos individuais dados, ou seja, que faz do homem aquele ser singular que . (CW. 8/2, 174) [...] A individualidade psicolgica existe inconscientemente priori, conscientemente ao invs somente na medida na qual subsiste o conhecimento de um peculiar modo de ser. (CW. 6, 465)

O processo de individuao, como conota Jung, a tomada de conscincia da prpria individualidade, o fazer-se indivduo psicolgico. ... Ningum pode viver de outra coisa, seno daquilo que se . (CW. 14/1, 304)

2. Mitos e deuses

As fronteiras do processo de individuao da pessoa adotiva se expandem na mitologia, mais precisamente no mito do heri. Sabese que muitos heris foram abandonados e adotados, e a elaborao desta tragdia constelada concretamente em suas vidas, requer o esforo psquico para o percurso simblico do nascimento-morterenascimento. A jornada do heri (ou da individuao), uma jornada mticahumana, ou seja , um percurso arquetpico e portanto, constitutivo de todo e qualquer ser humano a nvel simblico. Na mitologia grega, so inmeros os personagens mticos que viveram essa jornada, como por exemplo: Zeus, Apolo, Dionsio, Asclpio, Pris e tantos outros. Ser comentado o mito de Dionsio, por nele residirem aspectos simblicos capitais similares jornada herica da pessoa adotiva, como os temas: duplo-nascimento; dupla-me; exposio; abandono; nostalgia. Contando um pouco sobre o mito:

Dionsio, tambm chamado de o deus nascido duas vezes, era filho de Zeus, rei dos deuses, e de Smele, princesa de Tebas, porm mortal. A esposa imortal de Zeus, a deusa Hera, enfurecida com a infidelidade do marido, disfarou-se em ama-seca e foi ao encontro de Smele, ainda grvida, e a persuadiu a pedir que o marido se mostrasse em todo o seu esplendor e glria divina. Zeus satisfez a vontade de Smele, a qual no suportando a viso do deus circundado de clares, tombou fulminada. Zeus retirou a criana que ela gerava e ordenou que Hermes, o mensageiro dos deuses, a costurasse em sua (Zeus) coxa. Ao terminar a gestao, Dionsio nasceu, vivo e perfeito. Contudo, Hera continuou a perseguir a estranha criana de chifres, e ordenou aos Tits, deuses terrenos, que matassem o menino, fazendo-o em pedaos. Zeus conseguiu resgatar o corao da criana que ainda batia, colocando-o para cozinhar, junto com sementes de rom, transformando tudo numa poo mgica, a qual deu de beber para Persfone, que acabara de ser raptada por Hades, deus das trevas e da escurido e que se tornaria sua esposa. Persfone engravidou e novamente deu a luz a Dionsio, o renascido das trevas. Por esse motivo, era chamado de Dionsio-Iaco, o que nasceu duas vezes, deus da luz e do xtase. Convocado por seu pai, Zeus, para viver na terra junto com os homens e compartilhar com ele as alegrias e sofrimentos dos mortais, Dionsio foi atingido pela loucura de Hera, indo perambular pelo mundo ao

lado dos stiros selvagens, dos loucos e dos animais. Deu humanidade o vinho e suas bnos, e concedeu ao xtase da embriaguez, a redeno espiritual a todos que decidiram abandonar e renunciar riqueza e ao poder material. Por fim, seu pai celestial, permitiu-lhe retornar ao Olimpo, onde tomou seu lugar direita do rei dos deuses. Nesse perodo, Dionsio conseguiu resgatar sua me Smele e reviv-la. (Sntese extrada de: Sharman-

Burke, J.; Greene, L. O Tar Mitolgico. p. 19-20)

A afabulao do duplo-nascimento, que quer dizer tambm dupla-gestao, remete ao esquema clssico da iniciao: nascimento-morte-renascimento. No mito, o duplo nascimento de Dionsio configura-se seja quando gestado na coxa de Zeus e, depois quando nasce de Persfone. Assim como Dionsio, os adotivos tambm foram rejeitados, vindo a ter uma segunda me, a adotiva, que simboliza desde aqui, a possibilidade do renascimento a nvel psquico. A dupla-me refere-se a uma me humana e a outra arquetpica. Smele foi sua me mortal, porm, atravs de Zeus (deus) e de Persfone (deusa) se configura a sua me arquetpica a qual projetada em quem cuidou dele. O mesmo se observa com o adotivo, que tem uma me real e uma simblica, e que constelar esta ltima na primeira. Alis, como qualquer um de ns, adotivos ou no. Dionsio mantm, por um certo tempo, uma conexo negativa com a me arquetpica representada por Hera (deusa que tudo fez para o aniquilar). A deusa Hera comporta a me-bruxa, a me m, simbolicamente a face materna da rejeio, pois ela no aceita a sua existncia, que no adotivo ocorre quando a me e/ou o pai adotantes inconscientemente no o aceitam como filho, repetindo-se novamente o abandono na vida da criana, s que desta vez dentro do prprio contexto da adoo. A conseqncia trgica, pois assim como Dionsio tomado pela loucura engendrada por Hera, o adotivo psiquicamente tambm se dissocia, quer por no saber conscientemente de suas origens, quer por no se sentir afetivamente filho dos pais adotantes. Dionsio fica possudo, tomado pelo aspecto negativo do arqutipo materno, representado por Hera, sendo que mtica e psicologicamente o mesmo ocorre com o adotivo quando tomado pelo arqutipo do abandono-rejeio, o que compe o complexo materno terrorfico.

Zeus que sempre interfere a seu favor, pode ser entendido como a conscincia de algo que seu por direito, ser filho dele e herdar seu trono individuacional. como se Zeus simbolizasse o constante chamado de quem Dionsio realmente . A conscientizao (Zeus) desses contedos cindidos ou dissociados a alternativa para a reintegrao psquica do adotivo sendo o ponto inicial para que o ego possa comungar com o Self, podendo assim o adotivo recompor quem ele de fato . Esta recomposio tambm ocorre quando Dionsio, qualificado de touro pelos poetas, dilacerado pelos Tits e sua carne devorada pelas Bacantes. Segundo Brando:

[...] despedaando animais e devorando-os, os devotos de Dionsio integram-se nele e o recompem simbolicamente, o que consoante Jung,, configura a conscientizao de contedos divididos [...] De fato, os Tits comportam-se como mestres de iniciao, no sentido de que matam o nefito, a fim de faz-lo renascer numa forma superior de existncia [...] Dionsio o deus da metamorphosis, quer dizer, o deus da transformao.

(Mitologia grega. vol. I. p. 137 e 135)

Mas afinal, o que que morre e renasce no adotivo? Algo que ele perde e reencontra, a sua identidade. Esse processo envolve uma busca para o interior de si mesmo; a regresso da energia para o inconsciente a fim de resgatar a me arquetpica com quem perdeu o elo, ou melhor, que no pode ser configurada nos me/pai adotantes. Ele busca a si atravs da me. Assim, Dionsio representa a criana divina que, em todos ns, vive esta eterna busca.

E Hillman diz:

Esta a figura clssica do Puer Aeternus: o componente eternamente jovem de cada psique humana [...] que est sempre ansiando, e que em ltima anlise est ligado me arquetpica. Nosso pothos refere-se a nossa natureza angelical, e nossos anseios e viagens errantes pelo mar so efeitos, em nossas vidas pessoais, das imagens transpessoais que nos

solicitam, nos impelem e nos foram a imitar os destinos mticos (Estudos

de psicologia arquetpica. p. 67 e 77)

nesse sentido que podemos dizer que somos todos adotados, que em cada um de ns habita um adotado, cujas carncias e temores remetem a um Deus-Pai para consolo, mas clama pela vingana do abandono, do sentimento de fraqueza. O conflito est presente e constitutivo do ser humano. Mas, neste trabalho importa refletir sobre estes mecanismos no adotado, sobre quem abandono e sofrimento foram recair. Dionsio executa essa busca descendo at o fundo do Hades para de l arrancar sua me Smele e conferir-lhe a imortalidade. Hades pode simbolizar o inconsciente coletivo nas suas profundezas, e s um mergulho profundo neste vasto e infinito oceano que nos far re-significar a prpria vida, pois nele reside a origem de tudo. A busca das origens um tema universal (arquetpico), um motivo mtico presente em todos ns. A criana adotiva, como qualquer outra criana, em algum momento de sua vida, naturalmente, indaga sobre de onde veio, para ento poder se orientar para onde vai. A integrao do que a criana adotiva traz de suas origens e de seu passado, ao longo do seu desenvolvimento individual, s possvel se os pais e a criana aprenderem juntos a compreender esses dados. A restituio do que a criana viveu permitir o sentimento de sua continuidade e de sua identidade. Se trata de um processo que reconstri o passado em funo do presente, com o olhar voltado para o futuro. O adotivo poder ento cumprir o seu destino: o quem sou e o para que sou.

3. Cmplices do destino

Confesso ser cmplice de tudo que foi exposto, atravs da minha ancestralidade. Meu sobrenome paterno foi inventado h trs geraes passadas. Numa das vezes que estive na Itlia, em 1989, obtive a confirmao de que meu bisav paterno tinha vivido em um

orfanato no incio de sua infncia, sendo adotado por um casal, que assim como ele, desconhecia sua origem biolgica. Por parte materna, minha av tambm italiana, foi criada pela prpria me como sendo adotada, porque aquela acreditava que a filha morrera durante o parto, supondo que o marido lhe trouxera uma outra criana em seu lugar. Compreendi ento, porqu e para que por obra do destino, sucederam comigo tantos encontros com os adotivos. No acredito em coincidncias; por inmeras vezes eu conseguia entender o que essas crianas queriam me dizer, mesmo que nada pronunciassem e principalmente sentir o que sentiam no seu corao. importante esclarecer que, quando falo em destino considero ambos os princpios, causal (porqu) e final (para que), entretanto ressalto a viso simblica desse termo, enquanto uma possibilidade a porvir, com um sentido (Sinn). Em 1990 comecei a ministrar palestras e a publicar artigos sobre o tema da adoo, porm nenhum adotivo chegou ao consultrio atravs dessa divulgao, mas exatamente como antes eles continuavam vindo sem o conhecimento prvio da minha experincia profissional com a adoo. Anos depois, me mudei de So Paulo para o Paran, e acreditei que o meu encontro com os adotivos se romperia, e assim que recomecei o atendimento psicoterpico procurei um orfanato na nova cidade para prestar um trabalho psicolgico voluntrio, mas no localizei nenhum. Aps trs meses, a vizinha do consultrio, a qual eu no conhecia, pediu que eu atendesse uma menina rf, que habitava no orfanato coordenado por ela. Essas situaes supracitadas so algumas, dentre tantas outras, que me sucederam. Como podem ser entendidas essas sucessivas coincidncias? Conforme Jung, esses so eventos sincronsticos sendo a sincronicidade compreendida como um princpio de conexo acausal. No uma causalidade mgica, mas sim a concomitncia entre dois fatos que no so regidos pela causalidade. Uma conexo que ocorre entre a psique pessoal e o mundo material, ambos considerados apenas como diferentes formas de energia, justamente por serem regidos pelo arqutipo. Na palavras de Jung:

[...] no apenas possvel mas at bastante provvel que psique e matria sejam dois aspectos diferentes de uma s e mesma coisa. Parece-me que os fenmenos sincronsticos apontam nesta direo, pois mostram que o no psquico comporta-se como psquico, e vice-versa, sem que haja qualquer conexo causal entre eles. (CW. 8/2, 418)

Em Reflexes Tericas sobre a Natureza da Psique, Jung compara, de forma sistemtica, o recurso de uma analogia entre a Fsica Quntica e a psique, ou seja, uma profunda convergncia de perspectivas entre a Fsica e a Psicologia, dizendo:

[...] comparada a outras cincias naturais, a Psicologia se encontra em uma situao crtica porque lhe falta uma base colocada ao externo do seu objeto. No pode traduzir-se ou reconhecer-se que em si mesma. Quanto mais se alarga o campo de seus objetivos, mais estes se fazem complexos, e mais lhe falta um ngulo visual distinto do seu objeto. quando a complexidade retoma a prpria complexidade do homem emprico, a sua psicologia desemboca inevitavelmente no mesmo processo psquico. No mais em condies de distinguir-se desse, mas torna-se o processo idntico. O efeito o seguinte: o processo retoma a conscincia e [...] a psicologia o fazer-se conscincia do processo psquico mas no uma explicao de tal processo, porque cada explicao do fato psquico no pode ser outra que o prprio processo vital da psique. [...] (CW. 8/2,

429) OBS: O grifo meu e proposital.

E exatamente nesse ponto que Jung cita a analogia entre a Fsica Quntica e a psique. Ele busca recursos de apoio na Fsica por acreditar que em certas zonas de contato entre o fsico e o psquico fosse operativo o princpio de sincronicidade. Em particular, o conceito de arqutipo, na sua irrepresentabilidade constitutiva que porm est ligada com o seu operar indireto sobre a conscincia que mais se beneficia, segundo Jung, das vantagens provenientes da correspondncia estabelecida com certos setores de pesquisa da Fsica. Assim, conforme Jung:

[...]Tambm a Fsica apresenta uma situao anloga. Existem, na Fsica, partculas que por si no so perceptveis, capazes porm de efeitos em base cuja natureza podemos construir um determinado modelo. A representao arquetpica, o assim chamado motivo ou mitologema, corresponde a uma construo do gnero [...] Quando a Psicologia hipotetiza, com base nas suas observaes, a existncia de certos fatores psicides irrepresentveis, se comporta do mesmo modo que a Fsica quando constri um modelo de tomo.[...] (CW. 8/2, 417)

A sincronicidade quntica pelo fato de existir uma concomitncia entre o fsico e o psquico, ou entre o psquico e o psquico. E o fato do indivduo perceber a concomitncia propicia favorecer o significado. Assim, os fatos esto sempre interligados mas depende do olhar do observador para perceber a concomitncia e qual o significado (subjetivo) da mesma. Esse olhar em ltima instncia simblico, e a interpretao do smbolo pessoal, ou seja, subjetiva. Para a Fsica Quntica o Universo como um mar de ondas qunticas. A energia quntica se move por ondas, as quais transportam informaes, interligando tudo no Universo. Da advm a idia de macrocosmo e microcosmo interligados, unificados. Isto porque a energia quntica que uma energia primitiva, tem seu deslocamento mais rpido do que a velocidade da luz, onde o todo e suas partes mantm uma recproca inter-relao e similaridade. Poderamos comparar o Universo (macrocosmo) como sendo um bolo e cada um de ns (microcosmo) como sendo as fatias, e portanto tudo o que est no bolo (como por exemplo, farinha, leite, ovos, etc.) est tambm em cada fatia. Por isso para compreendermos o Universo no precisamos buscar fora, mas sim dentro de ns mesmos. Assim como o todo contm as partes, cada parte contm o todo. A sincronicidade seria como uma pedra que lanada num lago forma vrios crculos, sendo que tudo o que se encontrar numa mesma faixa, mesmo que distante, tem a mesma informao. Dessa forma, por destino compreende-se algo organizado sincronisticamente com uma direo. Quando falamos em Universo nos referimos ao infinito a nvel de espao e tempo, onde no h comeo e no h fim, s mudana, ou seja, um processo contnuo.

Nesse sentido, o tempo e o espao no so absolutos, pois so na realidade uma construo do pensamento, da conscincia. Jung tenta ampliar a relatividade espao-temporal dos eventos, para neles incluir, como ulterior elemento determinante, o estado psquico , desde que este seja definido no modo mais amplo possvel:

[...] Nas experincias com o tempo e o espao, respectivamente, esses dois fatores reduzem-se mais ou menos a zero, como se o espao e o tempo dependessem de condies psquicas, ou como se existissem por si mesmos e fossem produzidos pela conscincia. [...] Em si, o espao e o tempo consistem em nada. So conceitos hipostasiados, nascidos da atividade discriminadora da conscincia e formam as coordenadas indispensveis para a descrio do comportamento dos corpos em movimento. So, portanto, de origem essencialmente psquica [...] (CW. 8/3, 840)

Assim, mais e alm do que uma tentativa da conscincia de explicar o que espao e tempo, se poderia atribuir a estes um carter simblico de pontes unssonas entre o antes e o depois, e entre o l e o aqui, num todo nico e continuum. Essa interconexo transcende todos os nossos sentidos, e toda e qualquer explicao se apresenta como um mero constructo terico redutivo. Em outras palavras, o que permanece aqui como uma questo em aberto o fato de que tanto a Psicologia Analtica quanto a Fsica sabem que existe algo que no o espao-tempo; sabem apenas que existe algo alm, mas no sabem o que , ou seja, que permanece como um constructo terico, fruto da conscincia. O alm do espaotempo no fsico, imensurvel. Mas o que est alm do espao-tempo est dentro de todas as coisas, dentro de cada ponto de ns mesmos, dentro de cada ponto do Espao (Universo). Portanto, dentro e fora simultaneamente, numa interpenetrao de universos. Esse alm, essa conscincia superior, jamais poder ser atingida em sua plenitude, mas certamente ser vivenciada atravs dos encontros com o outro e consigo mesmo. Esse alm sempre existiu e existir alm de ns e em cada um de ns, e tambm por infinitas vezes vir ao nosso encontro, de maneira natural, para que cumpramos o nosso destino. E assim como um poema esse alm inesgotvel.

Graas quero dar ao Divino labirinto dos afetos e das causas pela diversidade das criaturas que formam este singular Universo, pela razo que no cessar de sonhar com um plano do labirinto, pelo amor que nos deixa ver os outros como os v a divindade, pelo fulgor do fogo que nenhum ser humano pode olhar sem um assombro antigo, pelo po e pelo sal, pelo mistrio da rosa que prodiga a cor e que no a v, pela arte da amizade, pela linguagem, que pode simular a sabedoria, pela manh que nos depara a iluso de um princpio, pelo valor e a felicidade dos outros, pelo fato de que o poema inesgotvel e se confunde com a soma das criaturas e jamais chegar ao ltimo verso, pelos minutos que precedem o sonho, pela msica, misteriosa forma do tempo.

(Jorge Lus Borges)

Referncias Bibliogrficas

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EDINGER, E. F. (1995). Anatomia da psique. So Paulo. Cultrix.

HILLMAN, J. (1981). Estudos de psicologia arquetpica. Rio de Janeiro. Achiam.

JUNG, C. G. (1985 a). A natureza da psique. CW. 8/2. Petrpolis. Vozes. _____. (1985 b). Mysterium coniunctionis. CW. 14/1. Petrpolis. Vozes. _____. (1990). Sincronicidade. CW. 8/3. Petrpolis. Vozes. _____. (1991). Tipos psicolgicos. CW. 6. Petrpolis. Vozes.

SHARMAN-BURKE, J.; GREENE, L. (1988). O tar mitolgico. So Paulo. Siciliano.

ZIMEO, A. M. (1994). Nas entrelinhas da adoo: uma abordagem psicolgica. In: FREIRE, F. Abandono e adoo. vol. 2, p.98-104. Curitiba. Terre des Homes.

Psicologia: Reflexo e CrticaPrint version ISSN 0102-7972

Psicol. Reflex. Crit. vol.14 no.1 Porto Alegre 2001doi: 10.1590/S0102-79722001000100006

Adoo Tardia: Altrusmo, Maturidade e Estabilidade EmocionalSurama Gusmo Ebrahim12

Universidade Federal da Paraba

Resumo A pesquisa teve por objetivo executar um estudo acerca das adoes tardias, comparando pais que realizaram adoes de crianas maiores de dois anos com pais que efetuaram adoes de bebs. Os principais elementos abordados foram: estado civil; idade; escolaridade; renda; presena de filhos biolgicos; e motivaes para a adoo. Investigaram-se tambm o altrusmo, a maturidade e a estabilidade emocional dos adotantes. A amostra consistiu de 27 adotantes tardios e 55 adotantes convencionais, participantes ou no de Grupos de Apoio Adoo. O instrumento utilizado constou de um questionrio sobre adoo; de questes sobre maturidade e estabilidade emocional; e de uma escala de altrusmo. Os resultados indicaram distines referentes aos aspectos destacados. Os adotantes tardios apresentaram um nvel scioeconmico superior, um estado civil mais diferenciado, uma maior presena de filhos

biolgicos, e uma maturidade e estabilidade mais elevada. Quanto s motivaes e ao altrusmo, apareceram diferenas significativas entre os dois grupos. Palavras-chave: Adoo; abandono; altrusmo; maturidade e estabilidade emocional. Late Adoption: Altruism, Maturity, and Emotional Stability Abstract This research work aimed at carring out a study on late adoptions, comparing parents who adopted children over two years old with those who adopted babies. The main elements focused on were: civil status; age; education; level of income; presence of biological children; and motivations for the adoption. Altruism, maturity, and emotional stability of the adopters were also investigated. The sample consisted of 27 late adopters and 55 conventional adopters, regardless of their participation in Groups of Support for Adoption. The instrument used consisted of a questionnaire about adoption; questions about maturity and emotional stability; and of a scale of altruism. The results indicated distinctions to the emphasized aspects. The late adopters, compared to the conventional ones, featured a higher social and economic level, differences in their marital status, a higher proportion of biological children, and a higher maturity and stability. Regarding both motivations and altruism, the two groups presented significant differences. Keywords: Adoption; abandon; altruism; maturity, and emotional stability.

A adoo , em si, um tema bastante complexo, sendo a adoo tardia, de acordo com algumas pesquisas (Weber & Cornlio, 1995; Weber & Gagno, 1995), revestida de muito preconceito. Como afirmam Vargas e Weber (1996), a maior parte das publicaes brasileiras - que so bem poucas - descrevem casos clnicos e psiquitricos, criando uma clara distoro, que leva associao da adoo com problemas e fracassos. Entretanto, especialmente nos ltimos anos, com a maior divulgao do tema, atravs da difuso dos Grupos de Estudos e de Apoio Adoo, e o fortalecimento do movimento voltado para a disseminao do mesmo, novas publicaes, em grande parte atravs dos boletins informativos destes mesmos grupos (Informativo GEAD, GIAARO, GEAF, entre outros), comearam a efetivar-se, procurando desmistificar os conceitos errneos existentes.

A finalidade precpua, na atualidade, a de difundir uma "cultura da adoo", para proporcionar um lar para crianas que no o tm, sem valorizar demasiadamente condies de sade, cor, gnero, raa, idade. Porm, a adoo no Brasil, ainda comumente vista como soluo para a infertilidade, constituindo uma das razes para a procura macia de bebs. Em geral, somente as crianas de at trs anos conseguem colocao em famlias brasileiras. A partir dessa idade a adoo torna-se mais difcil. Grande parte das crianas, consideradas mais velhas, ou adotada por estrangeiros ou permanece em instituies (Weber & Kossobudzky, 1996; Weber & Mafessoni, 1996). Os conceitos dos adotantes quanto adoo de crianas mais velhas, e que surgem como forma de justificar a preferncia por bebs, relacionam-se, fundamentalmente, com a dificuldade na educao. Segundo as famlias adotivas, dificilmente uma criana adotada tardiamente aceitaria os padres estabelecidos pelos pais, pois estariam com sua formao social iniciada. As pessoas, portanto, adotariam bebs para obterem uma melhor adaptao entre pais e filhos e uma adequada socializao, onde as crianas fossem capazes de atender aos anseios da famlia (Weber, 1996). As pesquisas revelam (Weber, Gagno, Cornlio & Silva,1994; Weber & Cornlio, 1995; Weber & Gagno, 1995) que a maior parte da populao apresenta preconceitos quanto adoo tardia, como: a) o medo de adotar crianas mais velhas pela dificuldade na educao; b) o receio de adotar crianas institucionalizadas pelos maus hbitos que trariam; c) as crianas que no sabem que so adotivas tm menos problemas, por isso deve-se adotar bebs e esconder deles a verdade, imitando uma famlia biolgica. usual, portanto, que sejam confundidas a aceitao e a insero completa da criana na famlia, com o desejo e a tentativa de apagar suas origens (Motta, 1995). A adoo, desta maneira, termina por no ser um processo simples, especialmente aquela relativa a crianas mais velhas. Mas, como questionam Weber e Kossobudzki (1996, p. 124), "ser que a sociedade no capaz de mudar, de preparar as pessoas e proporcionar de fato o encontro de pais para todas as crianas?". A importncia do presente estudo baseia-se, assim, no fato de que grande quantidade de crianas maiores continua sem famlia, enquanto os cadastros de candidatos adoo pleiteiam bebs. As crianas maiores ficam espera de pais, e os pais espera de bebs. So relativamente desconhecidas em pesquisas, a extenso e a variabilidade do fator adoo tardia e dos elementos motivadores de tal tipo de adoo. O objetivo geral deste trabalho , ento, realizar um estudo emprico acerca da adoo tardia. Mais especificamente, pretende-se verificar se existem diferenas e/ou semelhanas entre os grupos que realizam adoes convencionais (bebs) e os grupos que realizam adoes tardias (maiores de dois anos). Na inexistncia de estudos similares3, tanto no Brasil como no exterior, que comparem adotantes tardios e convencionais, so levantadas hipteses quanto diferena entre os dois grupos, acreditando-se que ocorrem, basicamente, ao nvel das caractersticas de personalidade. Supe-se que as pessoas que adotam crianas maiores so mais altrustas, maduras e estveis emocionalmente.

Segundo Serra e Zacares (1991), a maturidade psicolgica vem como conseqncia de um processo que se estrutura durante o ciclo de vida do indivduo, na interao entre traos biolgicos, psicolgicos e sociais, e na progresso de um timo equilbrio entre o conceito de si e as mudanas de papel inerentes vida. As caractersticas desenvolvimentais especficas da maturidade emocional incluem o desenvolvimento do afeto, da perspectiva de tempo, da autonomia, independncia, responsabilidade, e o reconhecimento de coerncias e dissonncias entre as emoes e os comportamentos. O indivduo emocionalmente sadio aquele que consegue ter controle emocional sem suprimir a emocionalidade, experimentando impulsos carregados de emoo, mas com apropriado equilbrio entre a sensao e a expresso (Hilgard, Atkinson & Atkinson, 1971, citados por Pisani, Bisi, Rizzon & Nicoletto, 1989). A estabilidade emocional implica na capacidade de tolerar as frustraes decorrentes de condies insatisfatrias, sem esquivarse destas, vendo-as e enfrentando-as de forma realista, com constncia e equilbrio do comportamento (Andrade & Alves, 1993). Francis (1997) coloca que os indivduos mais estveis emocionalmente so aqueles que mantm um bom conceito prprio, o que parece indicar uma relao entre elevada maturidade, estabilidade emocional e uma viso pessoal positiva. Similarmente, os dados de Perez San Gregorio, Roldan, Cabezas e Roldan (1993) e os de Jha (1995) demonstram uma ligao entre estabilidade emocional, auto-estima e altrusmo. O altrusmo classificado por Korsgaard, Meglino e Lester (1996) como um comportamento designado a atender s necessidades de outros, envolvendo escolhas em que os indivduos colocam menos valor em resultados pessoais e demonstram pouca disposio em se ocupar de clculos racionais que abrangem custos e benefcios. Mulligan (1996) enfatiza que a composio familiar, o tamanho da famlia, a ordem de nascimento e algumas variveis da infncia, trazem implicaes na formao do altrusmo e na transmisso de sentimentos de igualdade ou desigualdade entre as pessoas. Ma e Leung (1995) julgam que a educao informal oferecida pela famlia, alm da educao formal dos programas sociais, favorece orientaes altrusticas. Os resultados do estudo mostram uma relao positiva entre ambiente familiar e altrusmo. Uma forte orientao altrustica est substancialmente associada com um ambiente familiar coeso e harmonioso, onde h nfase constante em atividades intelectuais e culturais. Sob estes pontos de vista, as pessoas que realizam adoes tardias talvez ajam seguindo uma orientao altrustica, facilitada pela estabilidade e maturidade emocional, onde as situaes familiares, as experincias de vida e a idade podem ser significativas, influenciando o modo como os indivduos respondem s necessidades dos outros. Ademais, os adotantes tardios podem, na sua maioria, ser casais com filhos, que j vivenciaram a experincia de criar uma criana, no tendo mais a necessidade ou disponibilidade de comear com um beb. Ou pessoas sozinhas, como solteiros, divorciados e vivos, que no tm tempo e condies de cuidar de um recm-nascido, mas querem constituir uma famlia. Ao passo que, os adotantes convencionais so casados e sem filhos biolgicos. Pretende-se ainda verificar diferenas scio-econmicas entre os grupos. Os estudos de Weber (1995) indicam que as pessoas de classes sociais

baixas fazem menor nmero de exigncias em relao criana, adotando, com mais freqncia, crianas maiores. Espera-se que os dados coletados, em conformidade com estas hipteses, possam contribuir com maiores esclarecimentos sobre a adoo tardia, possibilitando a estruturao de planos de interveno voltados para conscientizar a populao e reduzir os preconceitos sobre o tema, ajudando crianas mais velhas a encontrar famlias que as acolham.

MtodoParticipantes O conjunto de participantes foi composto por adotantes que realizaram adoes tardias (27) e adoes convencionais (55), participantes ou no de Associaes e Grupos de Apoio Adoo, perfazendo um total de 82 sujeitos. A amostra foi composta por casais, pessoas solteiras, vivas e separadas/divorciadas. importante considerar que apenas os instrumentos respondidos pelas mes adotivas foram considerados na anlise dos dados, pois somente seis pais adotivos enviaram resposta ao instrumento. Instrumentos O instrumento de pesquisa constou de um questionrio sobre adoo, com questes abertas e fechadas. Alm disso, foi constitudo por questes fechadas sobre maturidade e estabilidade emocional, retiradas das formas A e B do Questionrio de Dezesseis Fatores de Personalidade (16PF) de Cattell (traduzido e adaptado por Andrade & Alves, 1993) e de uma escala de altrusmo, construda e validada pela autora. O questionrio foi concludo com questes relativas a dados pessoais, pertinentes ao tema da pesquisa. Para avaliar a maturidade e a estabilidade psicolgica dos pais adotivos escolheu-se o Fator C do Questionrio 16PF, por ser este o nico instrumento de medida encontrado, atravs de fontes primrias (artigos, livros, teses) e fontes secundrias de informao (sistemas informatizados de identificao bibliogrfica), que abordava, simultaneamente, os dois fatores. Afora isto, tinha a facilidade de ser validado no Brasil, pois seria invivel realizar a elaborao e a validao de dois instrumentos, quando a escala de altrusmo j estava sendo construda, para posterior validao. A escala de altrusmo foi elaborada com base na sub-escala de altrusmo da Escala de Filosofias da Natureza Humana de Wrighstman (1964), e complementada com questes formuladas sob a teoria. A escala ficou composta por cinco itens, sendo os trs primeiros baseados na adaptao da escala de Wrigsthman, e os dois ltimos, na temtica acerca do altrusmo. A escala foi aplicada na populao em geral, com a amostra, para tanto, constituda por 84 sujeitos, sendo 48 do sexo feminino (57,1%), e 36 do masculino (42,9%). Para determinar a validade de construto da referida escala, utilizou-se a Anlise Fatorial para a extrao dos componentes principais, com a finalidade de verificar a factorabilidade das matrizes de correlao. Como resultado, foram

mantidos os cinco itens, por apresentarem correlaes acima de 0,25. Em seguida, realizou-se uma segunda anlise fatorial, com o mtodo PAF (Principal Axis Factoring), onde se constatou a existncia de um nico fator com eigenvalue de 1,46, explicando 29% da varincia, e com coeficiente de preciso (alfa de Cronbach) de 0,64. Os itens apresentaram cargas fatoriais acima de 0,30, com a medida do KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) total de 0,69. A partir da concluso da avaliao dos dados da escala, em relao populao em geral, os parmetros puderam ser transpostos, tanto em termos de formulao dos itens, como da forma de analis-los, para a aplicao s amostras dos adotantes (tardios e convencionais). Procedimentos Os instrumentos de pesquisa foram entregues pessoalmente, ou remetidos via correio, aos coordenadores dos grupos e associaes de apoio adoo, e a profissionais (assistentes sociais, professores, psiclogos, entre outros) que serviam de intermedirios entre os adotantes e a pesquisadora, em oito estados brasileiros. Os envelopes para resposta foram enviados selados e endereados, para facilitar o retorno e ocorrerem menos perdas, juntamente como uma carta explicativa sobre os objetivos do estudo. Mas, como era esperado, apenas 38% dos instrumentos postos em aplicao retornaram.

ResultadosNo estudo relacional das variveis do questionrio, tomou-se como parmetro o teste de qui-quadrado, e na ausncia de significncia dos dados, avaliou-se a distribuio das freqncias. Na anlise do altrusmo e da maturidade e estabilidade emocional, utilizou-se a razo t e a prova de Mann-Whitney, que possibilitaram a comparao entre as duas amostras citadas. As caractersticas das amostras dos adotantes convencionais e dos adotantes tardios apresentam-se distintas em alguns aspectos, como o estado civil e a idade (Tabelas 1, 2 e 3).

interessante observar que entre as mulheres que realizaram adoes tardias h uma maior varincia nas respostas. Entre as mes que adotaram bebs, 91,9% so casadas, enquanto apenas 66,7% das mes que adotaram crianas maiores o so. A mdia de idade das mes adotivas de bebs de 35 anos e a dos pais, de 38 anos. Para as mes de crianas maiores, a mdia de idade de 38 anos, e entre os pais, de 42 anos (Tabelas 2 e 3) Apesar da diferena entre as mdias de idade dos adotantes tardios e convencionais ser pequena, o primeiro grupo apresenta uma idade mdia mais elevada. Quanto ao nvel de escolaridade, percebe-se pelos resultados das Tabelas 4 e 5, que as mulheres que realizaram adoes tardias possuem um nvel de escolaridade mais elevado do que os homens, entre os dois grupos de adotantes.

V-se pelas Tabelas 4 e 5, que 52% das mes adotivas de bebs e 74,1% das mes que adotaram crianas maiores tm nvel superior

completo, e entre os pais, 54,3% dos pais adotivos convencionais e 50% dos pais adotivos tardios, tm este mesmo nvel de formao. Em relao renda familiar, os dados encontrados podem ser visualizados na Tabela 6.

A renda salarial familiar dos adotantes convencionais fica acima de 20 salrios mnimos para 36,7% da amostra, e entre os adotantes tardios, 40,7% recebem mais de 20 salrios. Desta forma, o grupo de adotantes tardios demonstra uma condio econmica melhor do que a do grupo de adotantes convencionais, o que revela uma contradio na direo dos resultados previstos. Na Tabela 7 possvel verificar a presena ou ausncia de filhos biolgicos nas famlias adotivas.

A Tabela 7 demonstra que 63% das famlias com adoes tardias so compostas tambm por filhos biolgicos, o que ocorre em 49,1% das famlias com adoes de bebs. Quanto motivao para a adoo, a Tabela 8 abaixo lista os elementos mais citados como motivadores para a realizao da adoo, nos grupos dos adotantes tardios e dos convencionais.

Os resultados relativos aos motivos elencados pelos adotantes para efetuar as adoes revelam que os adotantes tardios adotam mais por se sensibilizarem com a situao de abandono das crianas (51,9%), enquanto que as pessoas que adotam bebs o fazem, na maior parte das vezes, por no ter os prprios filhos (46,3%). Observa-se uma diferena significativa quanto situao de abandono (X = 5,349; gl=1; p