A Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento - Maria Helena Moreira Alves

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ÍNDICE

p.

A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO 01 I. INTRODUÇÃO: ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA “ II. CONCEITOS BÁSICOS DA DSN E DESENVOLVIMENTO 04

1. SEGURANÇA NACIONAL, SEGURANÇA INTERNA E OPOSIEÇAO “ QUADRO SEGURANÇA NACIONAL 09

2. GEOPOLÍTICA: O PAPEL DO BRASIL NO CONTEXTO INTERNACIONAL 13 3. O MODELO ECONÔMICO DA DSN E DESENVOLVIMENTO 14

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A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO por MARÍA HELENA MOREIRA ALVES

I. INTRODUÇÃO: ORIGENS E DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA

Margaret Crahan identificou as origens da ideologia de segurança nacional na América Latina já no século XIX, no Brasil, e no início do século XX, na Ar-

gentina e no Chile.

1

Elas vinculam-se então a teorias geopolíticas, ao anti-marxismo e às tendências conservado-ras do pensamento social católico, ex-pressas por organizações como a Opus Dei, na Espanha, e a Action Françai-

se.

2

Com o advento da guerra fria, ele-

mentos da teoria da guerra total e do confronto inevitável das duas super-potências incorporaram-se à ideologia da segurança nacional na América, La-tina. A forma específica por ela assumi-da na região enfatizava a "segurança interna" em face da ameaça de, "ação indireta", do comunismo. Desse modo, enquanto os teóricos americanos da segurança nacional privilegiavam o conceito de guerra total e a estratégia nuclear, e os franceses, já envolvidos na Guerra da Argélia, concentravam

1

Ver Margaxet E. Crahan, "National Security Ideology and Human Rights", t., e defendida no X Con-gresso Internacional de Filosofia, promovido pela Sociedade Inter-americana de Filosofia e a Ameri-can Philosophical Association, Flo-rida State University, Tallahassee, 18 a 23 de outubro de 1981, p. 7-13.

2

Ibid, p. 12-22.

suas atenções na guerra limitada como resposta à ameaça comunista, os la-tino-americanos, preocupados com o crescimento de movimentos sociais da classe trabalhadora, enfatizaram a ameaça da subversão interna e da gue-rra revolucionária. Além disso, a ideolo-gia latino-americana de segurança na-cional, especialmente em sua variante brasileira, volta-se especificamente pa-ra a ligação entre desenvolvimento econômico e segurança interna e ex-terna.

Alguns trabalhos já foram publica-dos sobre a ideologia da segu-rança

nacional no Brasil.

3

Neste capítulo,

3

Entre os livros que abordam especi-ficamente a Dooutrina de Segura-nça Nacional e sua ideologia, tal como se desenvolveu no Brasil, estão: Eliezer Rizzo de Oliveira, Po-líticas e Ideología no Brassil 1964-1969 (Rio de Janeiro: Editora Vo-zes, 1976); Joseph Comblin, “The National Security Doctrine” in The Repressive State: The Brazilian Na-tional Secuty Doctrine in Latin Ame-rica (Toronto: LARU Papers, 1976); Joseph Comblin, A Ideologia da Se-gurança Nacional: O Poder Militar na América Latina (Rio de Janeiro; Editora Civizaçao Brasileira, 1977); José Alfredo Amaral Gurgel, Segu-rança e Democracia (Rio de Janei-ro: Livraría José Olympio Editora, 1975, e a importante pesquisa e analise organizada por Dom Cãndi-

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concentrar-nos-emos na obra do Gene-ral Golbery do Couto e Silva, de longe o teórico brasileiro mais influente, e nos preceitos da Escola Superior de Guerra (ESG).

do Padim, bispo de bauru (São Pau-lo), cuja versão reduzida foi publi-cada in SEDCC (Serviçao de Do-cumentaçao). Volume 1, 1969 (Rio de Janeiro Editora Vozes) com o ti-tulo “A Doutrina de Segurança Na-cional a Luz de Doutrina da Igreja”.

da ESG a outros protagonistas políticos

civis e militares.

4

A ESG influenciou os currículos de

outras escolas militares bra-sileiras. Al-fred Stepan assinala a propagação da doutrina a outros centros de treinamen-to civis e militares, especialmente a Es-cola de Comando do Estado-Maior (ECEME), o estabelecimento de mais alto nível para adestramento do co-mando militar. Stepan acompanha os seguintes desdobramentos: em 1956, o currículo da ECEME não mencionava conferências sobre contra-insurgêncía ou estratégias de segurança interna; em 1961, os cursos sobre segurança nacional já se haviam tornado mais in-fluentes. Em 1968, o currículo da ECEME contava um total de 222 horas de aula dedicadas exclusivamente à discussão da doutrina de Segurança In-terna, e outras 129 à análise de formas não-clássicas de guerra. Apenas 21 ho-ras eram dedicadas a tópicos militares tradicionais como defesa territorial. con-

tra agressão externa ao país.

5

Tudo is-to é tanto mais significativo quando se sabe que, para ser promovido a general ou designado titular de qualquer posto de comando, todo oficial brasileiro deve ser graduado pela ECEME.

4

Sobre a influência da ADESG e seu importante papel na disseminação da ideologia de segu. rança nacio-nal e na conspiração para derrubar o governo de João Goulart, ver Renê Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado, op. cít., p. 456, nota 8; p. 73-82 e 417-456.

5

Ver Alfred Stepan, Os Militares na Política, op. cit., p. 133. Ver também Alexandre de Barros, The Brazilian Military: Professional Socialization, Political Performance and State Building, tese de PhD, Chicago Uni-versity, 1978..

Uma análise dos manuais da ESG, em especial o Manual Básico da Escola Superior de Guerra, é instrumento im-portante para compreendermos a Dou-trina de Segurança Nacional e Desen-volvimento, dada sua relevância no treinamento profissional e ideológico tanto dos militares brasileiros de alta patente quanto de altos tecnocratas da burocracia de Estado. Uma tal análise é fundamental para a compreensão do desenvolvimento do Estado de Segu-rança Nacional e das reações dos de-tentores do poder aos desafios da opo-sição.

Já nos referimos à prioridade dada ao desenvolvimento de um corpo orgâ-nico de pensamento para o planeja-mento de Estado e as políticas de se-gurança e desenvolvimento. Também mencionamos o importante papel de-sempenhado pela ESG ao incorporar civis como alunos e na qualidade de professores visitantes ou permanentes. A ESG consolidou, assim, uma rede mi-litar-civil que institucionalizou. e disse-minou a Doutrina de Segurança Nacio-nal e Desenvolvimento. Esta rede, or-ganizada na Associação dos Diploma-dos da Escola Superíor de Guerra (ADESG), promovia conferências, se-minários, debates e cursos por todo o país, levando os princípios e doutrinas

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Tal como é desenvolvida no Manual Básico, a doutrina da escola evoluiu de uma definição parcial de segurança in-terna e externa para uma visão mais abrangente da segurança nacional in-tegrada ao desenvolvimento econômi-co. Segundo as normas atualmente em vigor, a ESG ocupar-se-á basicamente da "Doutrina Política Nacional de Segu-

rança e de Desenvolvimento".

6

O Ma-nual Básico estabelece ainda uma dis-tinção entre o que define como a formu-lação de uma "doutrina política geral aplicável ao país" como um todo, a "doutrina militar" e a "doutrina de infor-

mação".

7

A "doutrina política" será desenvolvida com exclusividade e "ab-soluta liberdade na sua especulação e

formulação"

8

pelo Curso Superior de Guerra da ESG. A "dou-trina militar", por outro lado, será elaborada sob su-pervisão e responsabilidade diretas do, Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA).

Quanto à "doutrina de informação” a ESG não tem responsabilidade especial sobre a "produção das informações". A metodologia de coleta de informações é confiada à Escola Nacional de Infor-mações, que, ligada ao Serviço Nacio-nal de Informações (SNI), adestra

agentes de alto nível.

9

É importante observar esta aparen-

te "divisão do trabalho" entre várias or-ganizações, para o desenvolvimento e coleta de, informação sobre questões de segurança interna. Embora não se envolva diretamente na "produção das informações” a ESG efetivamente lida com o que denomina "doutrina de utili-

6

Manual Básico de Escola Superior de Gerra (Estado das Forças Arma-das - Escola Superior de Guerra, Departamento de Estudos, 1976), p. 20.

7

Ibid., p. 20-21.

zação das informações". O Manual Bá-sico explica que esta é de responsabili-dade da ESG porque a informação é utilizada no contexto da doutrina políti-ca, que é da exclusiva competência da

Escola.

10

A ESG funciona, portanto, como pólo teorizador da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimen-to.

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A Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento foi formulada pela ESG, em colaboração com o IPES e o IBAD, num período de 25 anos. Trata-se de abrangente corpo teórico consti-tuído de elementos ideológicos e de di-retrizes para infiltração, coleta de infor-mações e planejamento político-econômico de programas governamen-tais. Permite o estabelecimento e ava-liação dos componentes estruturais do Estado e fornece elementos para o de-senvolvimento de metas e o planeja-mento administrativo periódicos. x x x x

1. SEGURANÇA NACIONAL SEGU-

RANÇA INTERNA E OPOSIEÇAO

A Doutrina de Segurança Naciongal começa com uma teoria da guerra. Os preceitos da ESG, abrangem diferentes tipos de guerra: guerra total; guerra li-mitada e localizada; guerra subversiva ou revolucionária; guerra indireta ou psícológica.

A teoria da guerra total baseia-se na estratégia militar da guerra fria, que de-fine a guerra moderna como total e ab-soluta. Em vista do imenso poder des-trutivo das armas nucleares e do inevi-tável confronto das duas superpotên-cias –os Estados Unidos e a União So-viética–, a teoria conclui que a guerra não mais se limita ao território dos paí-ses beligerantes ou a setores específi-cos da economia ou da população. O General Golbery do Couto e Silva defi-ne assim o conceito:

Hoje ampliou-se o conceito de gue-rra (...) a todo o espaço territorial dos Estados beligerantes, absorvendo na

8

Ibid., p. 20. 9

Ibid. 10

Ibid

voragem tremenda da luta a totalidade do esforço econômico, político, cultural e militar de que era capaz cada nação, rigidamente integrando todas as ativi-dades em uma resultante única visando à vitória e somente à vitória, confundin-do soldados e civis, homens, mulheres e crianças nos mesmos sacrifícios e em perigos idênticos e obrigando à abdi-cação de liberdades seculares e direi-tos custosamente adquiridos, em mãos do Estado, senhor todo-poderoso da guerra; (...) mas, sobretudo, ampliou-se também na escala do tempo, incorpo-rando em si mesma o pré-guerra e o pós-guerra como simples manifes-tações atenuadas de seu dinamismo avassalante -formas larvadas da gue-rra, mas no fundo guerra.

De guerra estritamente militar pas-sou ela, assim, a guerra total, tanto econômica e financeira e política e psi-cológica e científica como guerra de exércitos, esquadras e aviações; de guerra total a guerra global; e de guerra global a guerra indivisível e –por que não reconhecê-lo?– permanente. A "guerra branca" de Hitler ou a guerra fria de Stalin substitui-se à paz e, na verdade, não se sabe já distínguir onde finda a paz e onde começa a guerra

(...).

11

Como os Estados Unidos e a União

Soviética estão irrevogavelmente en-volvidos numa guerra total que não po-de ser combatida ativamente, pela pos-sibilidade de destruição completa das duas nações, a guerra contemporânea, segundo esta teoria, assume diversas formas: guerra nuclear, em sua forma

11

Golbery do Couto e Silva, Conjuntu-ra Política Nacíonal, O Poder Exe-cutivo & Geopolítica do Brasil (Rio de Janeiro- Livraria José Olympio Editora, 1981), p. 24.

II. CONCEITOS BÁSICOS DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO

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conquista do poder pelocontrole progressivo da nação.

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total ou ilimitada; e guerras limitadas ou localizadas, pelas quais as duas super-potências medem suas respectívas ca-pacidades de controlar determinados territórios, mas quase caem na guerra nuclear total. Além disso, a guerra pode ser declarada ou não-declarada, refe-rindo-se esta última classificação às formas de guerra revolucionária ou de

insurreição.

12

A guerra clássica, ou convencional,

é politicamente declarada, sendo por natureza limitada. É basicamente con-cebida como uma guerra de agressão externa, combatida entre Estados e na qual um país declara guerra a outro em reação a um ataque externo. Desse modo, no caso da guerra convencional, toda a capacidade produtiva e a popu-lação de um país são mobilizadas para unilo em torno da luta contra a agressão de outro país. Até a Segunda Guerra Mundial, era esta a forma mais comum de guerra. É ela, por definição, uma guerra de ataque e defesa, mas de uma população unida contra um inimigo

externo definido.

13

A guerra não-declarada ou não-clãssíca, por outro lado, é uma guerra de agressão indire-ta: "pode incluir o conflito armado no in-terior de um país, entre partes de sua

população".

14

O manual da ESG define-a como guerra de "subversão interna". O conceito empregado abrange a gue-

12

Ibid., p. 24 13

Estas definições são tornadas ao manual básico de treinamento da Escola Superior de Guerra. Ver Ma-nual Básico da ESG, op, cit., espe-cialmente "Seção 1: Guerra Con-temporãnea”, p. 65-82. Todas as definições de guerra, exceto se ex-plicitado em contrário, são tomadas a esta seçao do manual.

14

Ibid., p. 78-79.

rra insurrecional e a guerra revolucio-nária. Estas são assim definidas:

GUERRA INSURRECIONAL:

conflito interno em que parte da população armada busca a de-posição de um governo.

GUERRA REVOLUCIONÁRIA:

conflito, normalmente interno, estimulado ou auxiliado do este-rior, inspirado geralmente em uma ídeologia, e que visa à

15

O Manual Básico também deixa cla-ro que o conceito de guerra revolucio-nária não envolve necesariamente o emprego da força armada. Abrange to-daíniciativa de oposição organizada com força suficiente para desafiar as políticas de Estado. Além disso, a gue-rra revolucionária é automaticamente vinculada à infiltração comunista e a iniciativas indiretas por parte do comu-nismo internacional controlado pela União Soviética. É aqui que se torna essencial para a teoria o conceito de "fronteiras ideológicas” oposto ao de "fronteiras territoriais". Na guerra revo-lucionária, a guerra ideológica substitui a guerra convencional entre Estados no interior das fronteiras geográficas de

um país.

16

Este ponto é fundamental para a teoria do "inimigo interno" e da agressão indireta. Diz o Manual Básico da ESG:

A guerra revolucionária comunista é do segundo tipo em nossa definição da guerra não-clássica. Os países comu-nistas, em sua ânsia de expansão e domínio do mundo, evitando engajar-se em um confronto direto, põem em curso os princípios de uma estratégia em que a arma psicológica é utilizada, explo-

15

Ibid., p. 78. 16

Ibid., p. 79.

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rando as vulnerabilidades das socieda-des democráticas, sub-reptícia e clan-destinamente, através da qual procu-ram enfraquecê-las, e induzi-las a sub-meter-se a seu regime sociopolítico.

A guerra revolucionária comunista tem como característíca principal o en-volvimento da população do país-alvo numa ação lenta, progressiva e perti-naz, visando à conquista das mentes e abrangendo desde a exploração dos descontentamentos existentes, com o acirramento de ânimos contra as auto-ridades constituídas, até a organização de zonas dominadas, com o recurso à guerrilha, ao terrorismo e outras táticas irregulares, onde o próprio nacional do respectivo país-alvo é utilizado como

combatente.17

Desse modo, a guerra revolucioná-ria assume formas psicológicas e indi-retas, de maneira a evitar o confronto armado, tentando conquistar "as men-tes do povo", e lentamente disseminar as sementes da rebelião até encontrar-se em posição de iniciar a população contra as autoridades constituídas. Como a guerra revolucionária não é declarada e é promovida secretamente por forças externas do comunismo in-ternacional, ela recruta seus combaten-tes entre a população do "pais-alvo". Por definição, portanto, torna-se suspei-ta toda a população, constituída de "inimigos internos" potenciais que de-vem ser cuidadosamente controlados, perseguidos e eliminados.

Tornam-se portanto indispensáveis à necessária defesa do pais o planeja-mento da segurança nacional e em es-pecial um eficiente sistema de coleta de informações sobre as atividades de to-dos os setores políticos e clã sociedade civil. E isto porque, segundo a teoria da ESG, as forças do comunismo interna-cional planejam cuidadosamente e montam campanhas de propaganda e

17

Ibid.

outras formas de manipulação ideológi-ca que são em seguida aplicadas se-cretamente no "país-alvo", de modo a atrair setores da população e debilitar a capacidade de reação do governo. É esta, em suma, a estratégia de ação in-

direta do comunismo.18

Segundo o Manual Básico da ESG, a maior preocupação, no Terceiro Mun-do, deve ser com a guerra revolucioná-ria, e não com a possibilidade de guerra limitada ou total. A União Soviética, de acordo com esta visão, considera a guerra revolucionária a maneira mais eficaz de levar a efeito seu próprio des-tino imperial, que depende do controle dos países do Terceiro Mundo:

Nos países de fraco Poder Nacio-nal, onde as estruturas políticas são instáveis, os processos indiretos de agressão são mais eficazes, potenciali-

18

Ibid., p. 430. Acrescente-se que, segundo a teoria, a guerra insurre-cional, também não-declarada e não-convencional, está mais próxi-ma do conceito tradicional de guerra civil, “ E o tipo de guerra em que parte da população, auxiliada e re-forçada, ou não, do exterior, se con-trapõe ao governo que detém o po-der visando à sua deposição ou pre-tendendo impor-lhe condições" (p. 79). Em vista do caráter inevitável do atual confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética, muitas guerras de independência ou gue-rras insurrecionais não permane-cerão neutras, sendo contaminadas pela "guerra revolucionária comu-nista" (p. 79). A teoria supõe, por-tanto, que as guerras de indepen dêncla, as rebeliões contra ditadu-ras injustas ou opressivas ou quais-quer outras formas de resistência civil ao poder de Estado acabam sendo infiltradas pela guerra fria e pela onipresente luta de marte entre as duas superpotências.

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zando antagonismos e pressões inter-nos. Torna-se evidente que, nesses ca-sos, a Segurança Interna toma vulto e importância, principalmente quando, além das condições acima, existem ou-tras decorrentes de sua posição geo-gráfica. As chamadas grandes potên-cias podem tirar partido das nações em estágio inferior de desenvolvimento pa-ra criar, desenvolver e explorar um cli-ma de insegurança capaz de favorecer a consecução de seus objetivos, de crescente influência ou mesmo domí-nio, seja político, econômico, psicosso-

cial ou militar.19

A estratégia de ação indireta deter-mina o estabelecimento de dife-rentes frentes de ação no seio da população, assim como de um método especial de propaganda psicológica e controle ideo-lógico. Segundo a definição, existem duas espécies de "público-alvo". O pú-blico interno inclui militares da, ativa e da reserva ou civis que trabalham em Ministérios militares, assim como a Po-lícia Militar e outras forças paramilita-res. O público externo é composto de estudantes, líderes sindicais, meios de comunicação impressos e eletrônicos, grupos sociais influentes como os inte-lectuais, profissionais, artistas e mem-bros de diferentes ordens religiosas. Esta classificação também inclui seto-res organizados da vida política e da sociedade civil, como organizações de trabalhadores, estudantes e campone-ses, além de clubes, associações de

bairro etc.20

A estratégia indireta procu-ra, assim, explorar a dissensão entre grupos civis e políticos e conquistar po-sições de liderança para impor um cli-ma de oposição ativa ao governo do país. A campanha psicológica estimula 'a população a empenhar-se na oposiç-ão direta, a simpatizar com as reivindi- 19

Ibid., p. 430 20

Ibid

cações da oposição e eventualmente a incitar à revolta contra as autoridades constituídas. O principal problema para o Estado, no combate a esta estratégia indireta do comunismo, consiste em que, potencialmente, o inimigo está em toda parte.

A maior prioridade para as ocupan-tes do poder num país subdesenvolvido é portanto a segurança interna, assim definida:

A Segurança Interna envolve aspec-tos da Segurança Nacional que dlizem, respeito às manifestações internas dos antagonismos e pressões, abrangendo todas as ações que se produzem por intermédio do Estado no sentido de criar condições para a preservação dos poderes constituídos, da lei, da ordem e de garantir os Objetivos Nacionais ameaçados. Inclui, assim, todas as, medidas desencadeadas, para fazer fa-ce, dentro das fronteiras do pais, aos antagonismos e pressões de qualquer origem, forma ou natureza.

(...) A Segurança Interna integra-se no quadro da Segurança Nacional, ten-do como campo de ação os antagonis-mos e pressões que se manifestem no âmbito interno. Não importa considerar as origens dos antagonismos e press-ões: externa, interna ou externointerna. Não importa a sua natureza: política, econômica, psicossocial ou militar; nem mesmo considerar as variadas formas como se apresentem: violência, sub-versão, corrupção, tráfico de influência, infiltração ideológica, domínio econômi-co, desagregação social ou quebra de soberania. Sempre que quaisquer an-tagonismos ou pressões produzam efei-tos dentro das fronteiras nacionais, a tarefa de superã-los, neutralizá-los e reduzi-los está compreendida no com-plexo de ações planejadas e executa-das, que se define como Política de

Segurança Interna.21

21

Ibid., p. 431

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Considerando-se as definições de "antagonismos" e "pressões", a teoria da Segurança Interna dota o Estado de Segurança Nacional de ampla justifi-cação para o controle e a repressão da população em geral. Pode-se mesmo dizer que fornece um incentivo moral, já que a rigorosa manutenção da Segura-nça Interna é missão comparável, à de-fesa do país da ocupação de um exérci-to estrangeiro. Além disso, o caráter oculto da ameaça torna praticamente impossível estabelecer limites para as ações repressivas do Estado e dos po-deres militares. O próprio Estado de Segurança Nacional –e freqüentemente seus setores mais intimamente ligados ao Aparato Repressivo– determina em última instância quem é o "inimigo in-terno" do pais, e que atividades de oposição constituem "antagonismos" ou "pressões". Desse modo, a responsabi-lidade pelo controle das atividades sub-versivas ou revolucionárias dota as fo-rças militares de poderes praticamente ilimitados sobre a população.

É evidente que semelhante doutrina põe em sério risco a defesa dos direitos humanos. Quando é impossível deter-minar com exatidão quem deve ser tido como inimigo do Estado e que ativida-des serão consideradas permissíveis ou intoleráveis, já não haverá garantias para o império da lei, o direito de defe-sa ou a liberdade de expressão e asso-ciação. Mesmo que sejam mantidos na Constituição, tais direitos formais só existem, na prática, segundo o arbítrio do Aparato Repressivo do Estado de Segurança Nacional. Todos os ci-dadãos são suspeitos e considerados culpados até provarem sua inocência. Tal inversão é raiz e causa dos graves abusos de poder que se verificam no Brasil.

Saliente-se também que a teoria do “inimigo interno" induz o governo ao desenvolvimento de dois tipos de estru-turas defensivas. Primeiro, o Estado deve criar um Aparato Repressivo e de

controle armado capaz de impor sua vontade e ' se necessário, coagir a po-pulação. Depois, ele montará uma for-midável rede de informações políticas para detectar os "inimigos", aqueles se-tores da oposição que possam estar in-filtrados pela ação comunista "indireta". Tudo isso implica ainda a centralização do poder de Estado no Executivo fede-ral, que poderá então operar o vasto aparato de segurança interna. Segue-se também que os setores mais inti-mamente vinculados à coordenação das forças repressivas e de informação vêm a ser os detentores de facto do poder no interior do Estado de Segura-nça Nacional.

Em textos de meados dos anos 50, o General Golbery do Couto e silva já discutia esta "estratégia contra-ofensiva".

Argumentava ele que a necessida-de de uma rede de informações era conseqüência da inevitabilidade da guerra total, uma guerra permanente cujo corolário seria a guerra subversiva ou revolucionária. Impunha-se desen-volver uma estratégia para neutralizar a infiltração e a guerra psicológica leva-das a eleito pelo inimigo (o comunis-mo): "propaganda e contrapropaganda, ideologias tentadoras e slogans suges-tivos para uso interno ou externo, per-suasão, chantagem, ameaça e até

mesmo terror".

22

Em conseqüência, a contra-ofensiva precisava dispensar as stratégias militares clássicas para con-centrar-se em novas técnicas de con-tra-informação e contrapropaganda, desenvolvendo estratégias semelhan-tes de ação ofensiva. O desenvolvimen-to de uma nova estratégia em face da "guerra fria permanente" levaria ao que Golbery já então denominava "Grande Estratégia":

Temos, assim, na cúpula da Segu-rança Nacional, uma Estratégia, por muitos denomiriada Grande Estratégia ou Estratégia Geral, arte da competên-cia exclusiva do governo e que coorde-

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na, dentro de um Conceito Estratégico fundamental, todas as atividades políti-cas, econômicas, psicossociais e milita-res que visam concorrentemente à con-secução dos objetivos nos quaís se consubstanciam, as aspirações nacio-nais de unidade, de segurança e de prosperidade crescente. A essa Estra-tégia se subordinam, pois, tanto a Es-tratégia Militar como a Estratégia Econômica, a Estratégia Política e uma Estratégia Psicossocial, as quais; se di-ferenciam umas das outras pelos seus campos particulares de aplicação, e pe-los instrumentos de ação que lhes são próprios, embora nunca deixem de atuar solidariamente, seja no tempo, seja no espaço. Não fosse a Estratégia,

no fundo, como a própria guerra, indí-

visívele total.

23

Golbery sustentava que o governo

deveria organizar-se em funçãe de uma efetiva aplicação dessa Grande Estra-tégia. O Estado central precisa dotar-se de plenos poderes para organizar a in-fra-estrutura necessária à Segurança Nacional, e em especial para garantir a Segurança Interna. Ele desenvolveu um modelo teórico das estruturas gover-namentais que, em termos ideais, deve-riam desincumbir-se desta tarefa; para isso, esquematizou as relações entre as diversas organizações de Estado encarregadas de levar a efeito a decisi-va "Política de Segurança Nacional.":

FONTE: Goibery do Couto e Silva, Conjuntura Política Nacional, O Poder Exe-cutívo & Geopolítica do Brasil (Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora,

1981), p. 26.

x xA edifícação das estruturas "ideais" pressentidas pelo General Golbery do Couto e Silva foi confiada à rede de in-

22

Golbery do Couto e Sfiva, CqnJun-tura Política Xacional... op. cit., p. 25, da seçao Geopolítica do Brasil.

formação e repressão criada após a tomada do poder. Cerca de vinte anos após ter ele delineado esta política, seus conceitos foram reiterados pelo manual da ESG utilizado no treinamen-to básico daqueles que dirigiriam o apa-rato. Encontramos assim, nas defi-nições contidas no Manual Bãsico da

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ESG, alguns dos principais conceitos a que recorreu Golbery em sua teori-zação da Grande Estratégia: x x

A Política Nacional é o processo global orientador utilizado pelo governo para assegurar o pleno desempenho das funções primordiais do Estado (...). Seu conceito será, pois, de grande abrangência no tempo, voltado aos Ob-jetivos Nacionais Permanentes da nação (...).

(...) A Política Nacional se desdobra em Política de Desenvolvimento e em Política de Segurança, admitindo, res-pectivamente, os seguintes conceitos:

Política Nacional de Desenvolvi-mento, integrada na Política Nacional, é a arte de orientar o Poder Nacional no sentido do seu fortalecimento global, vi-sando à conquista e à manutenção dos Objetivos Nacionais.

Política Nacional de Segurança, in-tegrada na Política Nacional, é a arte de orientar o Poder Nacional, visando a garantir a conquista ou a manutenção

dos Objetivos Nacionais.

24

Reunidas, a Política de Desenvol-

vimento e a Política de Segurança constituem a Política Nacional, também denominada Estratégia Nacional em outra parte do manual da ESG. O ma-nual sintetiza ainda a Estratégia Nacio-nal como "a arte de preparar e aplicar o Poder Nacional, considerados os óbi-ces existentes ou potenciais, para alca-nçar ou manter os objetivos fixados pe-

la Política Nacional".

25

Estes "óbices existentes ou poten-

ciais” por sua vez, têm diversas ori-gens, que vão da falta de recursos ma-teriais ou problemas rios mercados in-ternacionais a circunstâncias políticas

23

Ibid. 24

Ver Manual Básico da ESG, p. 273-275.

25

Ibid., p. 288.

desfavoráveis, causadoras de "fatores adversos” "antagonismos" e "pressões" internos, Os diferentes graus de dificul-dade com que se depara o Estado são cuidadosamente definidos no exame da Grande Estratégia contido no manual:

Óbices são obstáculos de toda or-dem –materiais e espirituais– que po-dem provir de condições estruturais ou conjunturais, resultantes da natureza ou da vontade humana, e que dificultam ou impedem o atingimento ou a manu-tenção dos Objetivos Nacionais.

Fatores Adversos são óbices de to-da ordem, internos ou externos, que se interpõem aos esforços da comunidade nacional para alcançar ou manter os Objetivos Nacionais.

Antagonismos são óbices de moda-lidade peculiar, por manifestarem ativi-dade deliberada, intencional e contesta-tória à consecução ou manutenção dos Objetivos Nacionais.

Pressões são óbices de grau ex-tremo em que a vontade contestatória se manifesta com capacidade de se

contrapor ao Poder Nacional.

26

Dependendo de uma avaliação da

conjuntura política, a Grande Estratégia deverá planejar ações contra-ofensivas especificamente destinadas a eliminar ou neutralizar os efeitos de cada um dos diferentes níveis ou graus de ativi-dade de oposição. Variam as técnicas expostas no texto da ESG para o en-frentamento de cada nível de oposição. As técnicas contra-ofensivas incluem desde medidas de segurança rotineíras como a verificação de documentos, a vigilância e outros métodos de coleta de informação até medidas de emergência e a mobilização total do

26

Ibid., p., 278. ver também a discu-ssão sobre os óbices nas páginas 288-289. Para uma análise dos óbi-ces e suas relações com os anta-gonismos, fatores adversos e pressões, ver p. 278-280.

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A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO 11

poderio das Forças Armadas para en-frentar situações de "pressão", ou seja, de contestação organizada e efetiva à autoridade do governo. Isto ajuda a compreender, como veremos mais adiante, a violenta reação do Estado às greves de metalúrgicos de São Bernar-do do Campo em 1980, assim como a subseqüente perseguição a movimen-tos sociais ligados à Igreja Católica - expecialmente no campo e nas comu-nidades de base. Tais movimentos têni sido definidos como agentes de "pressões", o que exige total mobili-zação para neutralizar seus efeitos e o perigo que representam para a Política Nacional. A reação às "pressões" pode envolver o estabelecimento de "áreas de emergência" que permitam ao Esta-do valer-se de todo o seu poder de coerção. O Manual da ESG exemplifica como situações de "pressão" que exi-gem "Ações de Emergência" as resul-tantes "da efetivação ou iminência de guerra, insurreição, distúrbios civis, greves ilegais, inundações, incêndios e outras situações de calamidade públi-

ca".

27

As principais diretrizes governamen-

tais dizem respeito às diferentes ações contra-ofensivas capazes de superar os óbices. Estas também determinam as estratégias específicas para as diversas áreas envolvidas no controle de "anta-

27

Uma ampla discussão das mano-bras de guerra a serem levadas a efeito para fazer frente a cada um dos diferentes níveis de distúrbios que podem resultar de situações li-gadas a fatores adversos, óbices, antagonismos ou pressões pode ser encontrada in manual Básico da ESG, p. 291. 2". Esta citação é da página 293. No restante deste tra-balho, acompanharernos a apli-cação prática da estratégia contra-ofensiva voltada para a oposiçao em vários períodos, desde 1964.

gonismos" ou mesmo "pressões", defi-nidas pelo Manual Básico como as es-tratégias política, econômica, psicosso-cial e militar. A Estratégia Política defi-ne as metas e diretrizes de Estado para a neutralização de óbices, antagonis-mos ou pressões na esfera política – o próprio Executivo, o Legislativo, o Judi-

ciário e os partidos políticos.

28

A Estra-tégia Econômica ocupa-se igualmente dos setores privado e público da eco-nomia. Esta área é ainda subdividida em políticas específicas para os setores primário, secundário e terciário da eco-nomia. Essencialmente, a Estratégia Econômica trata de compilar as infor-mações básicas necessárias a uma po-lítica coerente de desenvolvimento econômico, integrada à política de Se-

gurança Nacional.

29

A Estratégia Psi-cossocial diz respeito, tal como é defi-nida no manual, segundo os objetivos da Política de Segurança Nacional, às instituições da sociedade civil: a família, escolas e universidades, os meios de comunicação de massa, sindicatos, a Igreja, a empresa privada etc. Caberá à Grande Estratégia planejar estratégias

28

Ampla discussão sobre a "Ex-pressão Política" encontra-se ín Manual Básico da ESG, Seção I, "Expressão Política do Poder Na-cional - O Poder Político", p. 303-325. Esta referència aos quatro componentes principais da ex-pressão política está à p. 310.

29

O Setor econômico, ou o modelo económico, é detalhadamente ana-lisado na Seção II: "Expressão Econômica do Poder Nacional - Po-der Econôrnico” p. 329-351 do Ma-nual Básico da ESG. ,Os conceitos mencionados nesta seção não dife-rem muito daqueles empregados nos primeiros textos dos autores da ESG, nos anos que antecederam a tomada do poder.

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MARÍA HELENA MOREIRA ALVES 12

específicas para enfrentar óbices, anta-gonismos e pressões advindos de cada

uma dessas áreas.

30

A Estratégia Mili-tar, finalmente, deve controlar a Marin-ha, o Exército, a Aeronáutica e todas as corporações paramilitares da vasta es-

trutura militar brasileira.

31

Para que surta o desejado efeito a

contra-ofensiva em cada área de opo-sição potencial, impõe-se proceder a periódicas análises conjunturais que determinem a política apropriada a ser aplicada a cada alvo específico. Será possível então decidir que grau de coerção é exigido para o nível de opo-sição encontrada em cada um dos seto-res em questão na sociedade. A correta dose de coerção depende do grau de "inconforinismo" existente (oposição ou

contestação).

32

O Manual Básico suge-re que este seja determinado segundo os seguintes "índices":

1. a maior ou menor quantidade de núcleos de inconformismo;

2. o grau de intensidade de sua atuação;

30

A área psicossocial é debatida Na Seção III, "Expressão Psicossocial do Poder Nacional -Poder Psicos-social” p. 355-371 do Manual Básico da ESG.

31

A área militar é abordada na Seção IV "Expressão Militar do Poder Na-cional - Poder Militar" p. 375-410 do Manual Básico da ESG. Discutire-mos mais pormenorizadamente o setor militar na análise do Aparato Repressivo do Estado de Segura-nça nacional.

32

Manual Básico da ESG, p. 319, “In-conformismo (Oposição e ontes-tação)".

3. a qualidade e quantidade de pessoas que integram esses nú-cleos;

4. as repercussões emocionais provocadas pela sua atuação no seio da população;

5. a proporção entre o número de núcleos contestatórios e núcleos de mera oposição;

6. a proporção entre eleitores ins-critos nos partidos de situação e nos de oposição;

7. a proporção entre o número de votos obtidos pelos partidos de situação e oposição;

8. quantidade, qualidade e grau de aceleração das correntes de

opinião pública.

33

Quanto maior o potencial de organi-zação e penetração dos núcleos de oposição na opinião pública, mais séria será a ameaça para o Estado. Num alto nível de organização, a oposição já não representa um "óbice" ou "atividade an-tagônica", entrando para a categoria mais séria da "pressão" e por isso exi-gindo maior grau de coerção.

Em resumo, o planejamento e ad-ministração do Estado de Segurança Nacional implica o desenvolvimento de diretrizes governamentais que determi-nem políticas e estruturas de controle de cada área política e da sociedade civil. Para levar a efeito tal programa, tem sido necessário assumir pleno con-trole do poder de Estado, centralizá-lo no Executivo e situar em posições-chaves do governo os elementos mais integrados à rede de informação e à programação da Política de Segurança Interna. Examinaremos em capítulos posteriores como isto foi posto em prá-tica e como os controles específicos pa-ra cada uma das áreas de oposição

33

Ibid.

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A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO 13

desenvolveram-se em constante rela-cionamento dialético com esta mesma oposição. 2. GEOPOLÍTICA:

O PAPEL DO BRASIL NO CONTEXTO INTERNACIONAL

O segundo elemento importante da Doutrina de Segurança Nacional e De-senvolvimento é a maneira como enca-ra o lugar específico do Brasil na arena de confronto das superpotências mun-diais. O mais influente dos estudos geopolíticos a este respeito tem sido Geopolítica do Brasil, do General Gol-bery do Couto e Silva, cuja tese resumi-remos a seguir.

Segundo Golbery, o destino de uma nação é em grande parte determinado por condições geográficas. Não só o poder no país e sua capacidade de atingir pleno desenvolvimento econômi-co dependem dos recursos de que é dotado, como até mesmo as alianças políticas e estratégicas entre os países têm relação com suas respectivas po-sições geográficas, e são por elas par-cialmente determinadas. Num clima de guerra total e permanente, não há lugar para a neutralidade. As superpotências estão empenhadas numa luta de vida e morte; o tempo e as barreiras geográfi-cas anulam-se diante da moderna tec-nologia de guerra; como não é possível permanecer de fora, todos os países devem tomar partido. A escolha deste já é em grande parte geograficamente determinada. Em vista de sua posição geográfica, o continente latino-americano está claramente comprome-tido com o campo dos Estados Unidos, permanecendo inevitavelmente em sua esfera de influência e controle. 0 pode-rio econômico do "Gigante do Norte" anula a possibilidade de neutralidade para a América Latina; o -destino mani-festo impele os países latino-americanos a se juntarem aos Estados Unidos na defesa geral do Ocidente

contra a ameaça de expansão comunis-ta, representada pelas ambições impe-

rialistas da União Soviética.

34

O General Golbery sustenta que a

América Latina é de decisiva importân-cia no quadro das alianças ocidentais, especialmente para os Estados Unidos, e que, no interior da América Latina, o Brasil é o parceiro mais importante. Ele chega a afirmar que os países ociden-tais industrializados e os Estados Uni-dos "não podem prescindir das Améri-cas Central e do Sul" por determinadas razões, entre as quais a necessidade de apoio latino-americano nas Nações Unidas, o abastecimento em materiais estratégicos, o controle e proteção do tráfego marítimo e de rotas oceânicas para a África, a segurança coletiva e a disponibilidade de recursos demográfi-cos para operações militares fora do

continente.

35

A superioridade do Brasil nesta parceria deriva de sua posição geográfica (em termos de controle do Atlântico Sul), de seus vastos recursos naturais –especialmente minerais estra-tégicos– e de sua grande população. Embora aceite a necessidade de subordinação ao "Gigante do Norte” Golbery reivindica a posição de bar-ganha de um aliado privilegiado. Argu-mentando que o Brasil deve fixar um al-to preço por sua situação privilegiada, Golbery afirma:

Quando vemos os EUA negocia-rem, a peso de dólares e auxílios vulto-sos de toda a espécie (...) o apoio e a

34

Este é um breve resumo de extensa e complicada teoria sustentada pelo general Goibery Do Couto e Silva. Para maiores detalhes -inclusive mapas, gráficos, estratégia e plane-jamento militar- ver Galbery do Cou-to e Silva, Conjuntura Política Na-cional... op. cit., seção Geopolítica do Brasil, especialmente p. 95-138.

35

Ibid., p. 246.

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MARÍA HELENA MOREIRA ALVES 14

cooperação de povos ou indecisos ou francamente hostis da Europa Ociden-tal, do Oriente Médio e da Ásia - justo nos parece façamos valer os trunfos al-tamente valiosos de que dispomos, pa-ra obter os meios necessários ao exer-cício de uma missão e um dever que decorrem da própria terra que nossos avós desbravaram e defenderam mes-mo com seu sangue contra o invasor in-truso de eras passadas. Também nós podemos invocar um "destino manifes-to", tanto mais quanto ele não colide no Caribe com os de nossos irmãos maio-

res do norte...

36

Este ponto de vista é amplamente

compartilhado pelos militares. Permite compreender que o Brasil tenha segui-do uma política externa independente, chegando às vezes a entrar em conflito com o governo dos Estados Unidos. Os líderes militares brasileiros acreditam que o mais alto preço deve ser pago pelo constante apoio do Brasil e sua in-tegração à Aliança Ocidental. Além dis-so, é evidente que os militares nutrem eles mesmos certas idéias subimperia-listas, especialmente no que diz respei-to às relações entre o Brasil e outros países da América Latina. Desenvolve-ram, assim, uma "visão pragmática das relações exteriores". Os militares com toda evidência acreditam no "destino manifesto" do Brasil, em sua posição geograficamente estratégica e em seu potencial para alcançar uma posição de superpotência.

3. O MODELO ECONÔMICO DA

DOUTRINA DE SEGURANÇA NA-CIONAL E DESENVOLVIMENTO

O terceiro elemento importante da Doutrina de Segurança Nacional é o re-lativo ao desenvolvimento econômico. Uma análise dos textos produzidos na ESG contribuirá para esclarecer o mo-

36

Ibid., p. 52.

delo econômico contido na Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimen-to.

Em primeiro lugar, os dois compo-nentes são associados: não pode haver Segurança Nacional sem um alto grau de desenvolvimento econômico. A se-gurança de um país impõe o desenvol-vimento de recursos, produtivos, a in-dustrialização e. uma efetiva utilização dos recursos naturais, uma extensa re-de de transportes e comunicações para integrar o território, assim como o trei-namento de força de trabalho especiali-zada. Desse modo, estão entre os fato-res mais importantes para a segurança de um país sua capacidade de acumu-lação e absorção de capital, a qualida-de de sua força de trabalho, o desen-volvimento científico e tecnológico e a

eficácia de seus setores industriais.

37

o desenvolvimento industrial é portanto requisito indispensável da política econômica nacional. o manual da ESG define como meta do desenvolvimento econômico a conquista de completa in-tegração e completa segurança nacio-nal, em especial considerando-se que um país subdesenvolvido é particular-mente vulnerável à estratégia indireta do inimigo comunista. Uma estratégia contra-ofensiva possível consiste, as-sim, em promover rápida arrancada do desenvolvimento econômico, para obter o apoio da população.

Embora se ja este o aspecto mais acentuado nos textos de aula da ESG, os escritos do General Golbery concen-tram-se num aspecto ligeiramente dife-rente do desenvolvimento econômico. Em termos da defesa global do conti-nente e do país, no contexto da estra-tégia de defesa ocidental, o desenvol-vimento econômico e infra-estrutural do Brasil é essencial para compensar a ex-trema vulnerabílidade de seus amplos

37

Manual Básico da ESG, op. cit., P. 338.

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A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO 15

espaços vazios. Golbery denomina as extensões de terras inaproveitadas e despovoadas de "vias de penetração” que devem ser eficazmente "tampona-das". A política econômica que defen-de, assim, não se destina a obter o apoio da população, mas a integrar o território nacional, o que seria feito em três fases distintas:

1ra fase: articular firmemente a base ecumênica da nossa pro-teção continental, ligando o Nordeste e o Sul ao núcleo central. do país, ao mesmo passo que garantir a inviola-bilidade da vasta extensão despovoada do interior pelo tamponamento eficaz das possíveis vias de pene-tração;

2da fase: impulsionar o avanço para noroeste da onda colo-nizadora, a partir da plata-forma central, de modo a in-tegrar a penísula Centro-Oeste no todo ecumênico brasileiro;

3ra fase: inundar de civilização a Hi-léia amazônica, a coberto dos nódulos fronteiriços, par-tindo de uma base avançada constituída no Centro-Oeste, em ação coordenada com a progressão E.-O. segundo o

eixo do grande rio.

38

O aperfeiçoamento infra-estrutural deve incluir redes de comunica-ções, rodovias e ferrovias que cortem a re-gião. Os serviços ferroviários devem inicialmente ser retirados ao controle de subversivos para submeterem-se a cui-

38

Golbery do Couto e Silva, Conjuntu-ra Política Nacional, op. cit., seção Geopolítica do Brasil, p. 131-132.

dadosa administração.

39

O pais precisa também desenvolver o potencial de na-vezacão de seus rios e garantir a segu-

rança de seus portos oceânicos.

40

Tais medidas seriam efetivadas na primeira fase da estratégia de desenvolvimento econômico. A segunda fase envolveria a ocupação do "heartland" no interior da Região Central, que inclui os Esta-dos de Mato Grosso e Goiás e o vale do Rio São Francisco, assim como os vales dos grandes tributários do Ama-zonas, especialmente o Araguaia e o

Tocantins.

41

A terceira fase. passaria então do "heartlancl" interior para a conquista da região ama-zônica. Des-se.modo, todo o esforço de desenvol-vimento e segurança deve partir do fir-me controle das importantes planícies centrais e do pólo de Manaus, de ma-neira a formar a proteção de uma. "área

concêntrica de manobra".

42

A inte-gração e o desenvolvimento das pla-nícies interiores e da região amazônica são considerados necessários para to-das as “manobras de Segurança Na-cional", impondo que se dê especial atenção a estas regiões, por muito tempo negligenciadas e ainda vulnerá-veis à "penetração".

É fundamental ter em mente que, na Doutrina de Segurança Nacio-nal, a defesa militar, mais que as necessida-des materiais básicas da população, é considerada o principal objetivo do de-senvolvimento econômico. o desenvol-vimento das vastas extensões do inte-rior brasileiro e da região amazônica é buscado principalmente para "tampo-nar" possíveis vias de penetração, e não para elevar os níveis de vida das

39

Ibid., p. 132. 40

Ibid. 41

Ibid., p.132-133. 42

Ibid., p. 133.

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MARÍA HELENA MOREIRA ALVES 16

populações dessas áreas. Isto se aplica em especial aos programas de desen-volvimento das regiões das planícies centrais ao longo das margens dos rios Araguaia e Amazonas. Como é sabido, encontram-se precisamente nas re-giões central e amazônica as maiores riquezas minerais do Brasil, um dos "trunfos" estratégicos do General Gol-bery. o principal objetivo do modelo econômico é refor çar o potencial pro-dutivo do país para aumentar seu poder de barganha na arena geopolítica glo-bal. As vantagens que daí pudessem decorrer para a população são secun-dárias para as considerações de ordem geopolítíca que determinam a fixação de prioridades.

Para aumentar a produção indus-trial, é necessário estimular e de-senvolver um complexo industrial-militar. o modelo considerado mais desejável para a industrialização é o capitalista. o manual da ESG analisa explicitamente as relações capitalistas, dando especial atenção às contra-dições e problemas levantados pela teoria marxista. Chega à conclusão de que Marx estava errado principalmente porque não anteviu. a potencialidade reguladora do poder de Estado, desen-volvida na economia keynesiana, corno maneira de gerir o sistema capitalista e eliminar os problemas conservando suas vantagens. Os teóricos brasileiros da Doutrina de Segurança Nacional re-jeitam abertamente o capitalismo de laissez-faire. Não acreditam na "mágica do mercado", considerando-a uma for-ma ultrapassada de desenvolvimento econômico capitalista, nem viável nem desejável atualmente, em especial no contexto de um país em desenvolvi-mento. É neste ponto que os teóricos brasileiros mais parecem afastar-se de seus colegas chilenos e argentinos. Eles sustentam a necessidade de um Estado forte, capaz de aplicar uma sé-rie de incentivos e penalidades fiscais para regular o modelo de desenvolvi-

mento econômico numa economia qua-se toda centralmente planejada. o capi-talismo moderno, na ótica da ESG, de-ve buscar um modelo baseado em forte interferência do Estado rio planejamen-to econômico nacional, na produção di-reta e no investimento infra-estrutural, com eventual apropriação direta dos recursos naturais por este mesmo Es-

tado.

43

o modelo mais se aproxima, portanto, do capitalismo de Estado que da variante de laissez-faire. o "capita-lismo liberal" é uma insensatez que le-va diretamente aos problemas estuda-dos por Marx; o potencial regulador do Estado permite superar tais contra-dições e realizar o poder de desenvol-vimento da capacidade industrial de um

país.

44

As práticas do regime militar desde

1964 têm sido razoavelmente coerentes com esta análise. A participação do Es-tado no planejamento e regulamen-tação da economia atingiu níveis inédi-tos de centralização a partir daquele ano. Também aumentou consideravel-mente o envolvimento do Estado na produção direta e na exploração de re-cursos minerais, através de empresas

estatais.

45

43

Manual Básico da ESG Op. cit., p. 343.

44

Ibid., Capítulo IV, p. 147-167. 45

Este ponto será mais; detalhada-mente examinado em capitulas pos-teriores. É Interessante assinalar que tal interpretação econômica re-sultou no que tem sido chamado de "tripé econõmico" brasileiro, consti-tuído de uma aliança entre o capital de Estado, o capital privado nacio-nal e o capital das corporações mul-tinacionais,

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A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO 17

Em resumo, o modelo econômico congrega os seguintes principais elementos:

1. Trata-se de um modelo de desen-volvimento capitalista baseado nu-ma aliança entre capitais de Estado, multinacionais e locais. o manual da ESG considera a contribuição das corporações multinacionais positiva para o desenvolvimento econômico de um país, apesar de poder gerar

considerável oposição ínterna.46

2. A segurança, como elemento do conceito de "desenvolvimento com segurança", implica a necessidade de controlar o meio político e social, de modo a garantir um clima atraen-te para o investimento multinacio-nal. A paz social também é neces-sária para a obtenção de taxas máximas de acumulação de capital, permitindo que o rápido crescimento econômico forje uma "arrancada" desenvolvimentista. Finalmente, o elemento de "segurança" do modelo impõe a ocupação das planícies centrais dos Estados que margeiam os rios Araguaia, São Francisco e Amazonas, para garantir a defesa das fronteiras e "tamponar" vias de penetração que podem ser vulnerá-veis à agressão comunista.

46

Ver, por exemplo, p. 338: Cabe menção especial às empresas mul-tinacionais, inegáveis exemplos de eficácia e eficiência econômica. Do-tadas de grande flexibilidade orga-nizacional, constituem poderosos compleitos capazes de exercer ponderável influência no campo econômico (...).

A expansão atual das multina-cionais; vem sendo objeto de cres-cente preocupação, mesmo nas nações inais desenvolvidas, por ma potencialidade de gerar óbices. Há, contudo, consenso no sentido de considerar sua contribuição positiva (...).

3. O desenvolvimento econômico não está voltado para as neces sidades fundamentais, e a política de de-senvolvimento não se preocupa muito com o estabelecimento de prioridades para a rápida melhoría dos padrões de vida da maioria da população. Os programas de edu-cação, segundo a ESG, devem ocupar-se sobretudo com o treina-mento de técnicos que participarão do processo de crescimento econômico e industrialização. -Outros programas voltados paran necessidades básicas, como habi-tação de baixo custo, saúde pública e educação primária, são conside-rados menos prioritários. Em última instância, o modelo econômico des-tina-se a aumentar o potencial do Brasil como potência mundial. Para tais metas primordiais e relevantís-simas, segundo enfatiza o manual da ESG, pode ser necessário o sa-

crifício de sucessivas gerações.47

47

Ibid., p. 339: As nações que alcan-çaram rápido desenvolvimento rea-lizaram, ao longo de sua formação histórica e econômica, considerável esforço de poupança, Este esforça pode significar diferentes graus de sacrifício de sucessivas gerações, uma vez que toda poupança induzi-da corresponde a urna redução de consumo.

Quando uma política econômi-co-financeira, compatível com os Objetivos Nacionais Permanentes, conduz a um sacrifício do tipo men-cionado, há sempre certo grau de consenso geral, senão ostensivo, ao menos admitida, embora possa ocorrer relativo desequilibrio na dis-tribuição desse sacrifício.