A Dúvida

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TQuando a dúvida é saudável e produz crescimento para a pessoa e seus relacionamentos e quando ela é prejudicial para si mesmo e para os outros

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A Dvida Absoluta e Relativa, Ativa e Passiva, Segundo Deus e Segundo o MundoDavid Kornfield

Para tudo h uma ocasio certa; h um tempo certo para cada propsito debaixo do cu (Ecl. 3.1).

Embora Salomo no diga especificamente que h um tempo para duvidar e tempo para crer, perfeitamente possvel imagin-lo dizendo isso.Aquele que nunca tem dvidas, nunca fortemente desafiado a ir alm do ponto j alcanado.Aquele que nunca cre, vive em um mundo de sombras, com seticismo e desespero, ainda se vive de forma quietinha.Precisamos nos tornar mestres na forma de lidar com nossas dvidas, bem como em viver profundamente aquilo em que acreditamos.

Se aceitarmos que h um tempo, uma ocasio prpria para duvidar, precisamos aprender a ter dvidas saudveis.Precisamos discernir, especialmente, a diferena entre a dvida que benfica e aquela que destrutiva.Quando duvidamos de forma construtiva, nos tornamos iguais ao pai do menino afligido por demnios que exclamou: Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade! (Marcos 9:25).

Para nos tornarmos mestres na forma de lidar com dvidas, especialmente as nossas, precisamos aprender a diferena entre dvida absoluta e relativa, ativa e passiva, e entre a dvida que vem do mundo e aquela que vem de Deus.Vamos examinar rapidamente cada uma delas

Dvida Absoluta e RelativaA dvida absoluta questiona a prpria existncia de Deus.Em sua forma parcialmente madura, esta dvida suficientemente forte para fazer com que vivamos a partir daquela perspectiva.Em sua forma plenamente madura, esta dvida se torna uma confisso, uma convico, uma expresso de f (!), uma posio absoluta na qual a pessoa se apia e interpreta o mundo.

A dvida relativa questiona se Deus realmente tudo o que ele diz ser. Camos regularmente nessa dvida quando no vivemos plena e verdadeiramente de acordo com o carter, presena, poder e propsitos de Deus. Neste sentido, muitas vezes chegamos at a santificar nossas dvidas, fazendo com que elas sejam uma parte normal de nossas vidas crists.Este caminho pode nos levar a sermos crentes apenas exteriormente ou nominais, enquanto que interiormente vivemos praticamente como agnsticos. Estas dvidas podem se tornar brechas para Satans e quando defendidas ou racionalizadas terminam por tornar-se fortalezas dele.

No texto de Atos 2.42 encontramos quatro chaves que revelam e destroem estas brechas e fortalezas. Primeiro, sendo lavado na Palavra, somos renovados em nossa habilidade de discernir verdade e mentira.Segundo, ficando em orao entramos na presena de Deus e ouvimos a Ele.Depois vem a comunho, o compartilhar sincero de nossas dificuldades, no nos afastando daqueles que caminham na f.Por ltimo, a Ceia do Senhor, como o pice da adorao, nos leva a uma celebrao profunda e ntima de comunho com ele.

Retornando ao assunto de dvida absoluta, ou seja duvidar e questionar a existncia de Deus, nos ajuda se consideremos as consequncias lgicas de pensar que Deus no existe.

1. Tudo o que nos rodeia, o universo, teria que vir do nada ou de alguma matria eterna o que, por sua vez, difcil de explicar ou compreender sem uma origem.O universo parece estar firmemente fundamentado em causa e efeito, e portanto requer um agente causal comensurvel a seu tamanho, grandeza e complexidade.

2. Se Deus no existisse, a maravilha de sermos feitos sua imagem, o mistrio e valor da vida, do homem, da mulher, de um beb, bem como conceitos como altrusmo, beleza, amor, f, esperana, alegria, romance e adorao tornam-se difceis de explicar. A profunda diferena qualitativa entre os homens e os animais tambm difcil de explicar. E, quando bem explicada, tende a reduzir a espcie humana a super-animais, sem mistrio e valor intrnsecos. A incrvel individualidade de cada pessoa desde as caractersticas fsicas como o DNA, impresses digitais, olhos etc. at caractersticas no-fsicas como a personalidade tambm so difceis de explicar.

3. Sem Deus difcil explicar a conscincia, o conceito do que certo e errado, justia e injustia, santidade e pecado. As pessoas que perderam de fato qualquer senso do que certo ou errado, so percebidas como basicamente disfuncionais ou distorcidas, uma ameaa para a sociedade.

4. Sem Deus difcil explicar o Velho Testamento, a sobrevivncia de Israel como nao, o surgimento do conceito monotesta Judaico-Cristo de Deus em substituio a todos os conceitos gregos, romanos, babilnicos, persas e egpcios anteriores a Cristo.

5. Sem Deus difcil explicar Cristo, e sem Deus em Cristo difcil explicar a crucificao e a ressurreio e, mais especificamente, a transformao dos discpulos e a disseminao irreversvel do Cristianismo.

6. Sem Deus difcil explicar a sobrevivncia do Cristianismo.Como destaca Max Weber, qualquer movimento carismtico degenera, vindo a morrer ou ento torna-se um mero exerccio burocrtico.Esta uma tendncia que ameaa constantemente o Cristianismo que no entanto, milagrosamente, consegue sempre renascer .

7. Sem Deus difcil explicar o poder transformador do Evangelho sobre uma pessoa, famlia ou cultura.

8. Sem Deus difcil explicar a perspectiva judaico-crist e especialmente a perspectiva crist de Deus. A maioria das religies projeta as caractersticas humanas, boas ou ruins, em Deus. A maioria das religies se baseiam no conceito das obras, no entendendo a graa e o amor incondicional. A maioria das religies no tem qualquer conceito de santidade, o que em si elimina a projeo das caractersticas negativas do homem em Deus. E onde no existe um conceito de santidade absoluta ou justia, dificilmente isso ser conseguido de forma verdadeira.

Conforme outros j comentaram, parece que precisa de muito mais f para acreditar que Deus no existe, do que para acreditar na sua existncia.

A Dvida Passiva e AtivaA dvida passiva aquela que foi aceita e que termina por se tornar normal.De certa maneira ela deixa de ser dvida no sentido de questionamento, tornando-se, em vez disso, a pressuposio de certas respostas negativas quilo que antes eram perguntas.

A dvida ativa questiona, perturba, provoca e desafia. Ela quase nunca dura por muito tempo porque nos esforamos para obter respostas e eventualmente, de alguma forma nos contentamos com estas.

Um cptico algum que no abandonou por completo a dvida ativa e no entanto no assume essa dvida de forma verdadeira e total, misturando a dvida ativa e passiva como algumas pessoas misturam o comportamento passivo-agressivo sendo os dois disfuncionais.

Se tentarmos misturar as duas categorias de dvida, podemos pensar em uma dvida absoluta que pode ser ativa ou passiva. Talvez a combinao da dvida absoluta com a dvida ativa conduza algum a se tornar um defensor do atesmo, ou a remover qualquer coisa que mencione Deus do cenrio pblico, se no de todos os cenrios.A combinao da dvida absoluta com a dvida passiva conduz a uma convico mais individualizada que no se intromete de forma proposital na vida dos outros, mas vive solidamente na convico da no-existncia de Deus, deixando de se preocupar com o assunto.

A combinao da dvida relativa com a dvida ativa leva a pessoa a prosseguir ativamente, se esforando para descobrir Deus e entend-lo melhor.Em certo sentido, isto parte da vida crist normal, reconhecendo que nossas dvidas expressam mais quanto a ns do que quanto a Deus.Essa busca sria nos leva a uma viso mais profunda dele.Por outro lado, a combinao da dvida relativa e passividade conduz ao cepticismo, que no cr verdadeiramente e nem deixa verdadeiramente de crer. A pessoa, nesse caso, tende a desafiar tanto ateus como crentes, mas nunca de uma forma sincera que possa lev-la a se afastar da dvida passiva de tudo.

Dvida que vem de Deus e a que vem do MundoEsta dupla a mais importante das trs.O conceito vem de II Corntios 7:911 onde Paulo distingue entre a tristeza causada pelo mundo e a tristeza que vem de Deus.A tristeza causada pelo mundo caracterizada pelo remorso, egocentrismo, mentalidade de vtima, introspeco e morte (separando-se dos outros).A tristeza que vem de Deus caracterizada pelo arrependimento, teocentrismo, assuno de responsabilidade, olhar para cima e abraar a vida (relacionamento com outros).

Assim como a tristeza, a maior parte dos sentimentos podem vir de Deus ou do mundo. A raiva pode ser vingativa e ferina, ou pode trazer bons frutos como a correo de uma injustia. A alegria pode ser uma reflexo simples de acontecimentos, circunstncias, ou pode ser uma alegria que maior do que as circunstncias, podendo inclusive venc-las.

Da mesma forma podemos distinguir entre a dvida que vem de Deus e a que vem do mundo.

DVIDA QUE VEM DO MUNDODVIDA QUE VEM DE DEUS

1. Procurar evitar Deus ou provar a sua inexistncia.1. Busca Deus.

02. Percebe deficincias (ou falta de integridade) em Deus e nos outros que busca revelar ou provar .2. Percebe deficincias (ou falta de integridade) em si mesmo, que busca corrigir (arrependimento).

3. Procura aqueles que no conhecem a Deus; se afasta ou evita aqueles que o conhecem.3. Procura aqueles que conhecem a Deus.

4. Carter humanista ou egocntrico.Ao final sua busca justificada (levando a um certo orgulho).4. Teocntrica ao final sua busca leva-o humildade.

O resultado final que cada um tende a encontrar o que busca.Pode-se argumentar que isso uma profecia auto-cumprida.Ou poderia ser uma realidade espiritual mais profunda onde o corao que busca a Deus o encontra e o corao que foge dele, Deus o deixa ir.Ou pelo menos ele permite que este corao tome seu prprio caminho, mas continua em busca dele como o Caador dos Cus[1].

Algumas pessoas tentam ficar encima do muro, ou podem se encontrar nessa postura sem tentar.Aqueles que fazem isso inconscientemente, geralmente carecem de motivao em sua busca; eles no levam a srio suas dvidas e talvez, at, lhes falte integridade.Eles assumem uma postura passiva em vez de ativa, sendo levados na onda daqueles que os rodeiam.Aqueles que procuram ser objetivos e imparciais podem tentar, conscientemente, evitar cair em qualquer um dos lados do conjunto de pressuposies e acabam ficando nem quentes nem frios, apenas mornos.

Em Tiago 1: 5-8 o apstolo comenta sobre a dvida.No contexto da busca de sabedoria (vs. 2-4), Tiago diz aquele que duvida como a onda do mar, que sublevada e agitada pelo vento. Este homem no deve pensar que ele vai receber qualquer coisa de Deus; ele um homem fingido e instvel em tudo que faz.Isso parece descrever aquele que ficam em cima do muro, aquele que no quente nem frio.A pessoa que fica em cima do muro a pessoa mais difcil de ser alcanada por Cristo, esteja ele na igreja ou no mundo.Geralmente, quando no sempre, alguma coisa precisa derrub-lo de cima do muro antes que ele possa considerar seriamente Cristo e seus argumentos.

Concluso

Espero que possamos crescer em nossa capacidade de discernir os tempos e as estaes. Deus tem propsitos em cada um deles, inclusive no tempo da dvida. Com amor e ternura, ele abala tudo que pode ser abalado, para que, final das contas, apenas o inabalvel fique (Hb 12.27). Deus graciosamente nos sacode para que possamos subir mais alto e avanar para lugares onde, de outra forma, jamais iramos.

Que no sejamos como Moiss que trazia um vu sobre o rosto para que no vissem a glria que se desvanecia (II Cor 3:13).Em vez disso, que possamos conhecer o milagre de sermos transformados de glria em glria enquanto andamos com o rosto descoberto, verdadeiramente transparentes.E muito mais quando lutamos.Quando lutamos de forma transparente, a fragilidade de nosso homem exterior, do vaso de barro, revelada e a maravilha do tesouro interior, Jesus Cristo, tambm tem uma chance de ser revelada de uma forma nova (II Cor. 4:7).

No tempo da dvida, que Deus nos conceda a dvida saudvel, abraando o deserto da dvida ativamente de forma consagrada.Quando a dvida revelar brechas em nossa formao espiritual e emocional, que possamos andar corajosamente para dentro do passado com Deus, que encontremos orientao divina, abraando a cura interior para ficarmos de p como verdadeiros filhos e filhas de Deus na batalha espiritual.[2]Que possamos escapar de nosso egocentrismo para o teocentrismo, arrependendo-nos da auto-piedade e dessa tristeza totalmente centrada em ns mesmos com a qual somos tentados a viver.Que nossa autenticidade e redescoberta de Deus como muito maior do que tnhamos imaginado abenoe e encoraje os muitos que duvidam ao redor de ns.Que Deus possa uma vez mais despertar e renovar nossos coraes, tornando vivas as palavras de Paulo aos Corntios:

Por isso, no desanimamos.Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dias aps dia, pois os nossos sofrimentos leves e momentneos esto produzindo para ns uma glria eterna que pesa mais do que todos eles.Assim, fixamos os olhos, no naquilo que se v, mas no que no se v, pois o que se v transitrio, mas o que no se v eterno (II Cor 4:16-18).

[1]Referncia ao poema de Francis Thompson que descreve a busca empreendida por Deus pelo pecador.

[2] Estas quatro vertentes esto descritas mais detalhadamente no livro maravilhoso de John Eldredge, Waking the Dead [Despertando os Mortos]: 1) o discipulado (caminhando com Deus), 2) o conselho divino (que inclui mentoria ou liderana espiritual em nossas vidas), 3) a plena restaurao (que inclui cura interior) e 4) a batalha espiritual (que inclui a libertao).