A Economia do Uruguai (1)

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Economia > Encravado entre o Brasil e a Ar- gentina e com população e Produ- to Interno Bruto (PIB) menores do que os do Rio Grande do Sul, o Uruguai luta para conquistar seu espaço no mapa de investimentos internacionais. Neste domingo e na segunda-feira, Zero Hora mos- tra um Uruguai que se tornou um país envelhecido e agora tenta se modernizar. Enviado especial/Montevidéu SEBASTIÃO RIBEIRO Um passeio pelos supermercados de Montevidéu identifi- ca um dos principais entraves para o futuro do Uruguai: a falta da industrializa- ção. Nas embalagens, não só de produtos eletrônicos mais sofistica- dos, mas também de alimentos e até da erva-mate – da qual o uru- guaio típico não abre mão –, predo- minam as inscrições: “indústria brasileira” ou “indústria argentina”. – Essa falta de dinamismo se de- ve à base excessivamente agrícola da economia uruguaia. Nunca se conseguiu implantar uma indús- tria forte – testemunha Juan Pla, [email protected] Diante da estátua e do mausoléu do General Artigas, em Montevidéu, no Uruguai, Grisel e os filhos lutam para sobreviver, pois passaram a fazer parte de um contingente que cresceu no país: os pobres SEBASTIÃO RIBEIRO Vírus ameaçam celulares modernos Página 24 Consumidor gaúcho muda uma das maiores redes de varejo do Brasil Páginas 26 e 27 | 20 | ZERO HORA > DOMINGO | 27 | MAIO | 2007 Editora executiva: Maria Isabel Hammes > 3218-4701. Editora: Christianne Schmitt > 3218-4702. Coordenador de produção: Thiago Copetti > 3218-4306 Por um lugar ao sol uruguaio e professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A agropecuária representa 11,9% da atividade econômica. A indús- tria, 18,9%, mas grande parte dela apenas processa os produtos primá- rios, como leite e carne. Dos 10 maiores setores exportadores do Uruguai, oito são do agronegócio, sendo que as exportações de carne bovina respondem por 20% de to- das as vendas externas do país. O efeito disso é uma taxa de desem- prego de 11,6% no ano passado. Hoje, é difícil atravessar a Praça Independência – onde fica a estátua e o mausoléu do General Artigas, herói uruguaio – sem ser interrom- pido por algum mendigo. Ao ser questionada, uma pedinte acompa- nhada de duas crianças, reage. – Queres conversar sobre quê? So- bre Deus? – pergunta a moça. – Eu não acredito em Deus. Se Ele existisse, não estaríamos na rua – acrescenta o menino mais velho. Vale mais a pena pedir dinheiro do que ser faxineira A mulher é Grisel Peres, 33 anos. O garoto ateu é Brian, 14 anos, filho dela. Com eles, está o irmão menor, Lucas, três anos. Outros dois filhos estão na escola, que freqüentam mesmo sem ter um lar. Há quatro dias a família estava na rua. Foram despejados da pensão onde mora- vam por falta de pagamento. Grisel mantém uma aparência dig- na – “ontem, estava frio, mas me ba- nhei na fonte da praça, usei até xam- pu”, conta, alisando os cabelos. Seu único objetivo no momento é conse- guir R$ 62 para pagar a dívida com a pensão. Enquanto não consegue, vi- ra-se como pode. Em uma sacola, le- va pão, geléia e pizzas – sobras de um café da manhã de um hotel. – Não tenho como trabalhar ten- do quatro filhos para criar. Como fa- xineira, ganharia 30 pesos (R$ 2,72) por hora. Não paga a diária da pen- são (o equivalente a R$ 15) e a comi- da. Na rua, ganho mais – diz. Quando a produção primária teve papel central na economia mundial, o Uruguai viveu tempos áureos. Na 2ª Guerra Mundial, por exemplo, fa- turou muito exportando conservas de carne e lã. A indústria têxtil uru- guaia era uma das mais fortes do mundo. Mas a ascensão dos sintéti- cos e a concorrência chinesa fizeram o setor perder força, relata a econo- mista Gabriela Mordecki, da Univer- sidad de la República. Em 2002, todo o país sofreu um baque. O corralito – confisco de con- tas na Argentina – fez com que os argentinos retirassem seus depósitos do Uruguai. O efeito foi uma quebra no sistema financeiro que afetou to- da a população. Somente em 2005, o país se recuperou do prejuízo. No mesmo ano, elegeu o socialis- ta Tabaré Vázquez como presidente. Da mesma maneira que Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Tabaré evi- tou radicalizações. Conteve gastos públicos e manteve o país aberto a investimentos estrangeiros. – Hoje, tem muita gente que vo- tou no Tabaré decepcionada. Mas a conjuntura econômica é adversa. Uma das iniciativas para tentar re- verter isso são os investimentos das papeleiras – comenta o economista Alfredo Meneghetti, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. As papeleiras são as duas empre- sas de celulose que estão se insta- lando no Uruguai. Juntas, a finlan- desa Botnia e a espanhola Ence de- vem investir US$ 1,8 bilhão – mais de 10% do PIB no país. A planta da Botnia já começou a operar em fase de testes na locali- dade de Fray Bentos. A Ence iria para o mesmo local, mas cedeu à pressão dos argentinos, que protes- tam contra as papeleiras na locali- dade vizinha, e define um novo lu- gar para investir.

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Economia >

Encravado entre o Brasil e a Ar-gentina e com população e Produ-to Interno Bruto (PIB) menores doque os do Rio Grande do Sul, oUruguai luta para conquistar seuespaço no mapa de investimentosinternacionais. Neste domingo ena segunda-feira, Zero Hora mos-tra um Uruguai que se tornouum país envelhecido e agoratenta se modernizar.

Enviado especial/MontevidéuSEBASTIÃO RIBEIRO

Um passeio pelossupermercados deMontevidéu identifi-ca um dos principais

entraves para o futurodo Uruguai: a falta da industrializa-ção. Nas embalagens, não só deprodutos eletrônicos mais sofistica-dos, mas também de alimentos eaté da erva-mate – da qual o uru-guaio típico não abre mão –, predo-minam as inscrições: “indústriabrasileira” ou “indústria argentina”.

– Essa falta de dinamismo se de-ve à base excessivamente agrícolada economia uruguaia. Nunca seconseguiu implantar uma indús-tria forte – testemunha Juan Pla,

[email protected]

Diante da estátua e do mausoléu do General Artigas, em Montevidéu, no Uruguai, Grisel e os filhos lutam para sobreviver, pois passaram a fazer parte de um contingente que cresceu no país: os pobres

SEB

ASTIÃO

RIB

EIRO

Vírus ameaçam celulares modernos Página 24

Consumidor gaúcho muda uma dasmaiores redes de varejo do BrasilPáginas 26 e 27

| 20 | ZERO HORA > DOMINGO | 27 | MAIO | 2007

Editora executiva: Maria Isabel Hammes > 3218-4701. Editora: Christianne Schmitt > 3218-4702. Coordenador de produção: Thiago Copetti > 3218-4306

Por um lugar

ao soluruguaio e professor de economiada Universidade Federal do RioGrande do Sul.

A agropecuária representa 11,9%da atividade econômica. A indús-tria, 18,9%, mas grande parte delaapenas processa os produtos primá-rios, como leite e carne. Dos 10maiores setores exportadores doUruguai, oito são do agronegócio,sendo que as exportações de carnebovina respondem por 20% de to-das as vendas externas do país. Oefeito disso é uma taxa de desem-prego de 11,6% no ano passado.

Hoje, é difícil atravessar a PraçaIndependência – onde fica a estátuae o mausoléu do General Artigas,herói uruguaio – sem ser interrom-pido por algum mendigo. Ao serquestionada, uma pedinte acompa-nhada de duas crianças, reage.

– Queres conversar sobre quê? So-bre Deus? – pergunta a moça.

– Eu não acredito em Deus. Se Eleexistisse, não estaríamos na rua –acrescenta o menino mais velho.

Vale mais a pena pedirdinheiro do que ser faxineira

A mulher é Grisel Peres, 33 anos.O garoto ateu é Brian, 14 anos, filhodela. Com eles, está o irmão menor,Lucas, três anos. Outros dois filhosestão na escola, que freqüentammesmo sem ter um lar. Há quatrodias a família estava na rua. Foramdespejados da pensão onde mora-vam por falta de pagamento.

Grisel mantém uma aparência dig-na – “ontem, estava frio, mas me ba-nhei na fonte da praça, usei até xam-pu”, conta, alisando os cabelos. Seu

único objetivo no momento é conse-guir R$ 62 para pagar a dívida com apensão. Enquanto não consegue, vi-ra-se como pode. Em uma sacola, le-va pão, geléia e pizzas – sobras de umcafé da manhã de um hotel.

– Não tenho como trabalhar ten-do quatro filhos para criar. Como fa-xineira, ganharia 30 pesos (R$ 2,72)por hora. Não paga a diária da pen-são (o equivalente a R$ 15) e a comi-da. Na rua, ganho mais – diz.

Quando a produção primária tevepapel central na economia mundial,o Uruguai viveu tempos áureos. Na2ª Guerra Mundial, por exemplo, fa-turou muito exportando conservasde carne e lã. A indústria têxtil uru-guaia era uma das mais fortes domundo. Mas a ascensão dos sintéti-cos e a concorrência chinesa fizeramo setor perder força, relata a econo-

mista Gabriela Mordecki, da Univer-sidad de la República.

Em 2002, todo o país sofreu umbaque. O corralito – confisco de con-tas na Argentina – fez com que osargentinos retirassem seus depósitosdo Uruguai. O efeito foi uma quebrano sistema financeiro que afetou to-da a população. Somente em 2005, opaís se recuperou do prejuízo.

No mesmo ano, elegeu o socialis-ta Tabaré Vázquez como presidente.Da mesma maneira que Luiz InácioLula da Silva no Brasil, Tabaré evi-tou radicalizações. Conteve gastospúblicos e manteve o país aberto ainvestimentos estrangeiros.

– Hoje, tem muita gente que vo-tou no Tabaré decepcionada. Mas aconjuntura econômica é adversa.Uma das iniciativas para tentar re-verter isso são os investimentos daspapeleiras – comenta o economistaAlfredo Meneghetti, professor daPontifícia Universidade Católica doRio Grande do Sul.

As papeleiras são as duas empre-sas de celulose que estão se insta-lando no Uruguai. Juntas, a finlan-desa Botnia e a espanhola Ence de-vem investir US$ 1,8 bilhão – maisde 10% do PIB no país.

A planta da Botnia já começou aoperar em fase de testes na locali-dade de Fray Bentos. A Ence iriapara o mesmo local, mas cedeu àpressão dos argentinos, que protes-tam contra as papeleiras na locali-dade vizinha, e define um novo lu-gar para investir.