A economia do Uruguai (3)

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FOTOS SEBASTIÃO RIBEIRO | 22 | Economia > ZERO HORA > DOMINGO | 27 | MAIO | 2007 Montevidéu mantém uma aura antiga – e não apenas pela arquitetu- ra. Nas suas ruas, automóveis que no Brasil são carros de colecionador, co- mo Aero Willys, circulam normal- mente. Na Cidade Velha, no centro da capital, sobrevivem velhas farmácias, com seus balcões de madeira e ilu- minação intimista. Nas lojas, as má- quinas manuais de cartão de crédito são tão comuns como as eletrônicas. Efeitos da falta de industrialização, mas também metáforas da estrutura demográfica do Uruguai – um país no qual as pessoas vivem muito e um número expressivo de jovens vai embora em busca de oportunidades. Um passeio por Montevidéu dá a idéia disso. No calçadão da Avenida Sarandi, as cabeças brancas predo- minam. Os cafés do Shopping Punta Carretas, ponto-de-encontro da elite, ficam tomados por senhoras e se- nhores para tomar o chá da tarde. O calçadão à margem do Rio da Prata em Pocitos, bairro nobre, é outro ponto repleto de idosos, que ali fa- zem suas caminhadas matinais. Desde a reforma previdenciá- ria, para se aposentar, deve-se ter um mínimo de 60 anos de idade e 35 anos de serviços. Estudo da Comissão Econô- mica para América Latina e Ca- ribe (Cepal) conclui que “existe um alto risco de que uma per- centagem muito significativa dos trabalhadores não consiga al- cançar essas exigências. O pro- blema é sensivelmente maior no setor privado e para trabalhado- res de menor renda”. A grande mudança da refor- ma foi a criação de um sistema misto, com 50% das contribui- ções sendo destinadas para a previdência pública e o restante, para a capitalização individual (administrado por seguradoras). O Uruguai ainda mantém um sistema de pensão para velhice, destinado àqueles que não con- tribuíram, mas já passaram dos 70 anos. Uma sociedade que se torna mais velha A reforma Cada vez menos Suíça Não só pelo seu sistema bancá- rio, mas também pelos seus invejá- veis indicadores sociais, o Uruguai era conhecido como a “Suíça da América Latina”. Era. No século 21, a alcunha já não tem sentido. Embora seja o país com baixo ní- vel de analfabetismo e menor por- centagem de cidadãos em situação de pobreza ou indigência da Amé- rica Latina, as chagas sociais são evidentes nas ruas de Montevidéu. Entre 1999 e 2005, a pobreza do- brou. Uma das faces dela são os pape- leiros. Como em Porto Alegre, cen- tenas de carroceiros deixam a peri- feria em direção à área central. Vi- vem coletando e vendendo o lixo dos ricos. Luiz Eduardo Urruzuno tira o equivalente a R$ 9 por dia as- sim. Bem articulado (como, aliás, demonstram ser muitos dos pedin- tes e integrantes das classes mais baixas uruguaias), Urruzuno diz que há 15 anos exerce esse ofício, embora preferisse estar em outra atividade: – Sempre fui pedreiro. Mas hoje não consigo mais trabalho. Tenho indicações, experiência, vontade, mas quem quer um velho de 58 anos na obra? A violência também se faz pre- sente na capital uruguaia. A Avenida 18 de Julho, antes considerada uma das mais charmosas do continente, não tem o mesmo glamour. A turis- ta porto-alegrense Eliana Wanderley Guimarães que o diga. – Vim passar cinco dias aqui e fui assaltada. Foi uma espécie de arras- tão na avenida. Começaram a gritar, e, quando eu vi, um cara levou mi- nha bolsa, com dinheiro, documen- tos e chave do quarto – lamenta-se. É certo que a pobreza em Monte- vidéu é menos evidente do que no Brasil, e a distribuição de renda no país platino muito mais equilibra- da. Mas o Uruguai é cada vez me- nos Suíça e cada vez mais América Latina. Eles, os idosos, parecem estar praticamente em toda a parte no Uruguai, em razão da alta expectativa de vida no país e da ida de jovens para o Exterior Urruzuno deixou de ser pedreiro para virar um papeleiro e passou a viver da coleta e da venda do lixo dos mais ricos Mas nem todos têm a mesma sor- te. Muitos que dependem de pensão ou aposentadoria do Estado passam dificuldades para sobreviver. Teresa Silveira, de 71 anos, ganha o equivalente a R$ 590, de pensão pela morte do marido e aposentado- ria por ter trabalhado por 39 anos como faxineira. Insuficiente para as necessidades que têm: cuidar de si e de uma irmã com epilepsia. A situa- ção de Andrés Silva, 76 anos, é se- melhante. Nunca conseguiu um tra- balho formal. Foi garçom, cabeleirei- ro, obreiro – sempre na informalida- de. Hoje, conta só com uma pensão do governo equivalente a R$ 318. Ao longo dos anos, essas mudan- ças na estrutura populacional uru- guaia causaram um déficit previden- ciário grande. O país se adiantou e em 1995 fez a sua reforma no setor. – O problema é que ainda preci- samos de uns 30 anos, até o siste- ma antigo terminar, para ver se is- so vai funcionar – afirma Gabriela Mordecki, economista da Universi- dad de la República. Com bons olhos SEGUNDA-FEIRA O Uruguai busca empresas de tecnologia para tornar seu futuro melhor Os uruguaios se orgulham de seus bons índices sociais para os padrões latino-americanos. Confira: SAÚDE > O nível de desnutrição é nulo > A taxa de mortalidade in- fantil é de 12 para cada mil nascidos, atrás apenas do Chile na América do Sul INFRA-ESTRUTURA > 98% das casas nas cidades têm água encanada > 99,4% dos lares contam com energia elétrica EXPECTATIVA DE VIDA > É de 76,1 anos, a maior no continente sul-americano EDUCAÇÃO > Baixíssimo índice de analfabetismo

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| 22 | Economia > ZERO HORA > DOMINGO | 27 | MAIO | 2007

Montevidéu mantém uma auraantiga – e não apenas pela arquitetu-ra. Nas suas ruas, automóveis que noBrasil são carros de colecionador, co-mo Aero Willys, circulam normal-mente. Na Cidade Velha, no centro dacapital, sobrevivem velhas farmácias,com seus balcões de madeira e ilu-minação intimista. Nas lojas, as má-quinas manuais de cartão de créditosão tão comuns como as eletrônicas.

Efeitos da falta de industrialização,mas também metáforas da estruturademográfica do Uruguai – um paísno qual as pessoas vivem muito eum número expressivo de jovens vaiembora em busca de oportunidades.

Um passeio por Montevidéu dá aidéia disso. No calçadão da AvenidaSarandi, as cabeças brancas predo-minam. Os cafés do Shopping PuntaCarretas, ponto-de-encontro da elite,ficam tomados por senhoras e se-nhores para tomar o chá da tarde. Ocalçadão à margem do Rio da Prataem Pocitos, bairro nobre, é outroponto repleto de idosos, que ali fa-zem suas caminhadas matinais.

Desde a reforma previdenciá-ria, para se aposentar, deve-seter um mínimo de 60 anos deidade e 35 anos de serviços.

Estudo da Comissão Econô-mica para América Latina e Ca-ribe (Cepal) conclui que “existeum alto risco de que uma per-centagem muito significativa dostrabalhadores não consiga al-cançar essas exigências. O pro-blema é sensivelmente maior nosetor privado e para trabalhado-res de menor renda”.

A grande mudança da refor-ma foi a criação de um sistemamisto, com 50% das contribui-ções sendo destinadas para aprevidência pública e o restante,para a capitalização individual(administrado por seguradoras).

O Uruguai ainda mantém umsistema de pensão para velhice,destinado àqueles que não con-tribuíram, mas já passaram dos70 anos.

Uma sociedade quese torna mais velha

A reforma

Cada vezmenos Suíça

Não só pelo seu sistema bancá-rio, mas também pelos seus invejá-veis indicadores sociais, o Uruguaiera conhecido como a “Suíça daAmérica Latina”. Era. No século21, a alcunha já não tem sentido.

Embora seja o país com baixo ní-vel de analfabetismo e menor por-centagem de cidadãos em situaçãode pobreza ou indigência da Amé-rica Latina, as chagas sociais sãoevidentes nas ruas de Montevidéu.Entre 1999 e 2005, a pobreza do-brou.

Uma das faces dela são os pape-leiros. Como em Porto Alegre, cen-tenas de carroceiros deixam a peri-feria em direção à área central. Vi-vem coletando e vendendo o lixodos ricos. Luiz Eduardo Urruzunotira o equivalente a R$ 9 por dia as-sim. Bem articulado (como, aliás,demonstram ser muitos dos pedin-tes e integrantes das classes maisbaixas uruguaias), Urruzuno dizque há 15 anos exerce esse ofício,embora preferisse estar em outraatividade:

– Sempre fui pedreiro. Mas hojenão consigo mais trabalho. Tenhoindicações, experiência, vontade,mas quem quer um velho de 58anos na obra?

A violência também se faz pre-sente na capital uruguaia. A Avenida18 de Julho, antes considerada umadas mais charmosas do continente,não tem o mesmo glamour. A turis-

ta porto-alegrense Eliana WanderleyGuimarães que o diga.

– Vim passar cinco dias aqui e fuiassaltada. Foi uma espécie de arras-tão na avenida. Começaram a gritar,e, quando eu vi, um cara levou mi-nha bolsa, com dinheiro, documen-tos e chave do quarto – lamenta-se.

É certo que a pobreza em Monte-vidéu é menos evidente do que noBrasil, e a distribuição de renda nopaís platino muito mais equilibra-da. Mas o Uruguai é cada vez me-nos Suíça e cada vez mais AméricaLatina.

Eles, os idosos, parecem estar praticamente em toda a parte no Uruguai, em razão da alta expectativa de vida no país e da ida de jovens para o Exterior

Urruzuno deixou de ser pedreiro para virar um papeleiro e passou a viver da coleta e da venda do lixo dos mais ricos

Mas nem todos têm a mesma sor-te. Muitos que dependem de pensãoou aposentadoria do Estado passamdificuldades para sobreviver.

Teresa Silveira, de 71 anos, ganhao equivalente a R$ 590, de pensãopela morte do marido e aposentado-ria por ter trabalhado por 39 anoscomo faxineira. Insuficiente para asnecessidades que têm: cuidar de si ede uma irmã com epilepsia. A situa-ção de Andrés Silva, 76 anos, é se-melhante. Nunca conseguiu um tra-balho formal. Foi garçom, cabeleirei-ro, obreiro – sempre na informalida-de. Hoje, conta só com uma pensãodo governo equivalente a R$ 318.

Ao longo dos anos, essas mudan-ças na estrutura populacional uru-guaia causaram um déficit previden-ciário grande. O país se adiantou eem 1995 fez a sua reforma no setor.

– O problema é que ainda preci-samos de uns 30 anos, até o siste-ma antigo terminar, para ver se is-so vai funcionar – afirma GabrielaMordecki, economista da Universi-dad de la República.

Com bons olhos

SEGUNDA-FEIRA

O Uruguai busca empresas detecnologia para tornar seufuturo melhor

Os uruguaios se orgulham de seus bons índices sociais para ospadrões latino-americanos. Confira:

SAÚDE> O nível de desnutrição énulo> A taxa de mortalidade in-fantil é de 12 para cada milnascidos, atrás apenas doChile na América do Sul

INFRA-ESTRUTURA> 98% das casas nas cidades têm água encanada> 99,4% dos lares contam com energia elétrica

EXPECTATIVA DE VIDA> É de 76,1 anos, a maiorno continente sul-americano

EDUCAÇÃO> Baixíssimo índice deanalfabetismo