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A Economia-Mundo Capitalista: Conceitos e Considerações Histórico-Espaciais 1 Magda Holan Yu Chang Programa de Pós-Graduação, Mestrado, em “Culturas e Identidades Brasileiras” do Instituto de Estudos Brasileiros-USP. [email protected] Resumo: Frente ao processo de rupturas impulsionado pela crise internacional de 2008, este artigo busca entender as forças históricas que estruturam a dinâmica do capitalismo mundial. Com estes fins, recorre-se a ideias como a “economia-mundo” de Braudel e Wallerstein, os “ciclos sistêmicos de acumulação” de Arrighi, e os ajustes espaciais” de Harvey. De certo modo, todos esses pensadores fazem releituras dos universos marxista e smithiano, permitindo a identificação de instrumentos de análise do capitalismo mundial alternativos à teoria convencional. Palavras-chave: ajustes espaciais; ciclos sistêmicos de acumulação; economia-mundo capitalista. 1 Este artigo é derivado da versão preliminar, concluída em 29 de março de 2012, do primeiro capítulo da minha Dissertação de Mestrado “O Desenvolvimento Brasileiro e os seus Padrões de Inserção Econômica Internacional (1950-2010): o Papel da Política Econômica e da Política Externa em Perspectiva Histórica”, sob a orientação do Prof. Dr. Alexandre de Freitas Barbosa (IEB-USP).

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A Economia-Mundo Capitalista: Conceitos e Considerações Histórico-Espaciais1

Magda Holan Yu Chang

Programa de Pós-Graduação, Mestrado, em “Culturas e Identidades Brasileiras” do Instituto

de Estudos Brasileiros-USP.

[email protected]

Resumo: Frente ao processo de rupturas impulsionado pela crise internacional de 2008, este

artigo busca entender as forças históricas que estruturam a dinâmica do capitalismo mundial.

Com estes fins, recorre-se a ideias como a “economia-mundo” de Braudel e Wallerstein, os

“ciclos sistêmicos de acumulação” de Arrighi, e os “ajustes espaciais” de Harvey. De certo

modo, todos esses pensadores fazem releituras dos universos marxista e smithiano,

permitindo a identificação de instrumentos de análise do capitalismo mundial alternativos à

teoria convencional.

Palavras-chave: ajustes espaciais; ciclos sistêmicos de acumulação; economia-mundo

capitalista.

1 Este artigo é derivado da versão preliminar, concluída em 29 de março de 2012, do primeiro capítulo da minha

Dissertação de Mestrado “O Desenvolvimento Brasileiro e os seus Padrões de Inserção Econômica Internacional

(1950-2010): o Papel da Política Econômica e da Política Externa em Perspectiva Histórica”, sob a orientação do

Prof. Dr. Alexandre de Freitas Barbosa (IEB-USP).

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Introdução

Não existem grandes divergências de que a gestação de uma nova ordem econômica

mundial está em curso. A sustentação de uma surpreendente expansão pela economia chinesa

nas últimas décadas já vinha evidenciando a emergência de uma nova potência econômica. A

criação e popularização do acrônimo “BRICs” (Brasil, Rússia, Índia e China) no início deste

século, destacando o rápido crescimento desses quatro países em desenvolvimento, veio a

enfatizar essa ampliação do horizonte de novos centros de influência mundial. E, por fim, os

despojos da maior crise econômico-financeira desde a Grande Depressão evidenciaram a

perspectiva de uma lenta recuperação para a maior parte do mundo desenvolvido, com

expectativas de anos de baixo crescimento. Ao que tudo indica, está ocorrendo o

deslocamento do centro de dinamismo econômico mundial dos países desenvolvidos para os

países em desenvolvimento, ou ao menos, uma significativa redistribuição de pesos.

Na realidade, no mundo inteiro, além das implicações concretas desses movimentos de

reestruturação sistêmica expressas por dados estatísticos como os de atividade, comércio e

finanças internacionais, também as bases ideológicas da orientação político-econômica

dominante foram profundamente abaladas. Não faltou no passado críticos que apontaram as

deficiências latentes do modelo de condução econômica neoliberal amplamente predominante

na ordem mundial anterior. Estas falhas foram evidenciadas pelo bruto desenrolar da crise,

que se alastrou pelo planeta graças à intricada rede mundial de interações entre países

fomentada pelo processo de globalização, atingindo até mesmo nações que não estavam

diretamente ligadas à crise em si.

Destarte, frente à importância desse processo de questionamento da ordem econômica

capitalista e de ruptura de paradigmas, cumpre buscar entender as origens e forças históricas

que estruturam a sua dinâmica e evolução cíclica. Tal avaliação é de fundamental relevância

para realizar um juízo das possibilidades e implicações para a estratégia de desenvolvimento

nacional, não só para o Brasil, mas para qualquer país que seja minimamente integrado à

economia mundial.

Assim, o objetivo deste artigo é apresentar as principais ideias sobre o capitalismo

como sistema mundial, revisando algumas das principais abordagens teóricas relevantes ao

assunto e tendo em vista delinear algumas ferramentas de análise úteis à compreensão do seu

funcionamento. Para isso, há que primeiramente se atentar a certos cuidados metodológicos

visando a identificar e evitar anacronismos e ambiguidades, como o estudo diacrônico e

contextualizado dos conceitos e ideias, a questão da definição da unidade de análise adequada

à investigação científica, e outras considerações essenciais de ordem histórico-geográfica.

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Neste sentido, as referências intelectuais consistem nos argumentos de Koselleck (2006) e

Skinner (1969), que delineam preocupações acerca do uso dos termos e conceitos necessários

à construção de uma análise científica sobre sistemas com duração e espaço, sem desligá-los

dos seus agentes e ambientes histórico-geográficos. Também são abordadas as visões

pautadas no “ponto de vista da totalidade” e da “longa duração histórica” desenvolvidas por

Braudel (1996) e Wallerstein (2000).

Tendo em vista tais cuidados, faz-se útil se aprofundar nas ideias de Braudel (1996)

sobre o capitalismo e as economias-mundo, enfatizando sua definição do capitalismo como o

lugar da alta acumulação do capital, para relacioná-las à estrutura conceitual da economia-

mundo capitalista desenvolvida por Wallerstein (2000). Visando adicionar ao debate, são

expostas as falhas do construto teórico de Wallerstein (2000) levantadas pela abordagem

marxista de Brenner (1977), que ressalta o papel central das estruturas sociais para a origem e

dinâmica do capitalismo. Complementarmente, as contribuições de Arrighi (1990, 1996 e

2008) trazem uma síntese do funcionamento do capitalismo como sistema cíclico mundial de

acumulação de capital que, juntamente com a teoria espacial do capitalismo de Harvey

(2005), levantam destacadas conclusões de cunho geopolítico. Ou seja, por meio da reunião e

confronto das ideias desses diferentes pensadores, busca-se assim realizar uma síntese

instrumental das categorias por eles apresentadas para melhor apreender a estrutura e

dinâmica do capitalismo mundial.

Conceitos, Sistemas Sociais e seus Contextos

As palavras podem permanecer sempre as mesmas, mas os seus sentidos se alteram

conforme o contexto, o agente, o lugar, a época ou a cultura. Da mesma forma, os conceitos

podem possuir diversas nuances e mudar de conteúdos – de tal sorte que sua compreensão e

uso adequado requerem a apreensão dos ambientes histórico-sociais em que o conceito surgiu

e evoluiu, por quem foi usado, e com quais finalidades. Ou seja, os conceitos unem

experiências - passadas, presentes e possíveis -, revelando estruturas com referencial empírico

e duração e justificando assim a necessidade de se atentar à sua aplicação para compor a

análise histórica.

Segundo Koselleck (2006), os conceitos podem fundamentar-se em fatores já

existentes e ser usados como indicadores de transformações em curso, por meio de processos

de “re-significação” dos termos e de criação de neologismos2. Assim, os conceitos carregam

2 Na realidade, o autor identifica três processos principais de evolução dos significados de um conceito: os

tradicionais, cujos significados permaneceram ao longo do tempo; os que, apesar de manterem o mesmo

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uma temporalidade de conjunturas que é de grande valor à ciência investigativa, pois abre as

possibilidades de revelar

“um ponto de vista polêmico orientado para o presente, assim como um

componente de planejamento futuro, ao lado de determinados elementos

de longa duração da constituição social originados no passado (...). Na

multiplicidade cronológica do aspecto semântico reside, portanto, a força

expressiva da história.” (Koselleck, 2006, p. 101)

Alternativamente, Skinner (1969) também reconhece a riqueza denotativa dos

conceitos e sublinha a relevância da compreensão dos ambientes e fatos que os envolvem.

Porém, sua qualificação vai mais além ao criticar as abordagens pautadas no estudo de

“conceitos fundamentais”, ideias cuja perenidade e universalidade a elas atribuídas trazem

implícitas uma suposta independência dos seus contextos temporais, intelectuais e sociais. Tal

abrangência absoluta acaba gerando uma tendência a imputar intenções e significados

inexistentes a autores e obras, que não os tiveram, nem poderiam ter tido, em seus ambientes

de origem. Muitas vezes, o resultado é o quê o autor considera serem absurdidades, narrações

de pensamentos inexistentes, “mitologias” históricas3. Para ele, a impossibilidade de se

abordar fenômenos sem definir critérios conhecidos, sem contaminá-los com pré-conceitos e

expectativas, ou sem identificar semelhanças com experiências anteriores vem a exacerbar o

problema. “Nós precisamos classificar para entender, e só podemos classificar o desconhecido

em termos do que é familiar.” (Skinner, 1969, p. 58).

Deste modo, Skinner (1969) aponta dois requisitos metodológicos mínimos: nenhum

pensador pode ter dito ou querer ter dito algo que era impossível no seu tempo e contexto; e a

pesquisa não pode ser reduzida a uma atividade padronizante, pois as generalizações perigam

em não corresponderem adequadamente aos eventos individuais que pretendem representar:

“qualquer discurso é inescapavelmente a expressão de uma intenção

particular, em uma ocasião particular, direcionada à solução de um

problema particular, e, portanto específico ao seu contexto (...) não

vocábulo, mudaram de significado tão radicalmente que só podem ser entendidos historicamente; e os

neologismos, criados para expressar processos inéditos. 3 Skinner (1969) destaca três “Mitologias”: a “das doutrinas”, em que a doutrina domina e determina a

investigação histórica, levando a erros como atribuí-la a um autor ou texto que não poderia tê-la concebido ou

abordado; a “da coerência”, em que a falta de consistência intelectual é vista como inconcebível, levando a uma

busca exaustiva por uma coerência inexistente; e a “da prolepse”, em que a expectativa de encontrar um

significado específico determina a análise, levando a entender o sentido esperado em vez do sentido efetivo.

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existem problemas perenes na filosofia. Existem apenas respostas

individuais a questões individuais...” (p. 88)

Braudel (1996b), em contraste, desenvolve uma abordagem de certa forma oposta à

defendida por Skinner, pelo menos no que diz respeito às regularidades científicas. Apesar de

também destacar a importância de se situar as realidades humanas conforme seu espaço e

duração, o autor dá um peso especial em sua investigação à identificação dos padrões

recorrentes no tempo e espaço, dos ciclos sistêmicos que se repetem ao longo da História e

das regularidades tendenciais que caracterizam os fenômenos.

Na realidade, todos esses autores reconhecem os equívocos e ambiguidades potenciais

do uso inadequado dos conceitos e enfatizam a importância do estudo dos seus contextos de

gestação e desenvolvimento. Como Koselleck e Skinner, Braudel (1996b) também destaca a

necessidade da análise do surgimento e da evolução histórica dos conceitos a serem aplicados

na pesquisa científica: “as palavras-chave do vocabulário histórico só devem ser utilizadas

depois de interrogadas... De onde vêm elas? Como chegaram até nós?” (p. 201). Porém, ele

acredita que deve haver laços e continuidades entre passado longínquo e tempo presente,

defendendo que “a história tem todas as vantagens em raciocinar por comparações, em escala

do mundo – a única com validade...” (p. 9).

Assim, persuadido do valor explicativo do longo prazo, Braudel (1996b) defende a

análise de “longa duração”, confiando no desenrolar cronológico e nas temporalidades da

História, porque só esta poderia apresentar evidências que constituam:

“uma explicação – uma das mais convincentes – e uma verificação, na

verdade a única situada fora das nossas deduções abstratas, das nossas

lógicas a priori, fora até das armadilhas que o bom senso não para de

montar para nós” (p. 7).

É também nesta direção que Wallerstein (2000) busca empreender sua investigação

científica, por meio de uma abordagem histórica de “longo prazo” semelhante à “longue

durée” de Braudel. Para ele, a ciência social não deve perder contato com a perspectiva

histórica, pois só esta permite apreender as estruturas sociais e suas mudanças4, nem as partes

devem ser isoladas do inteiro que as integra – defendendo, assim, um “ponto de vista da

totalidade”. Sustentando que a ciência social a-histórica e descontextualizada constitui fonte

abundante de anacronismos, Wallerstein (2000) constrói todo um arcabouço teórico baseado

4 Aqui, Wallerstein (2000) amplia a problemática para criticar a disseminação de modelos abstratos e

quantitativos que visam explicar o todo social sem abordá-los historicamente, mostrando que suas falhas são

prontamente evidenciadas pela realidade empírica da História.

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no que chama de “totalidades históricas”, propondo um modelo alternativo para realizar a

análise comparativa dos fenômenos sociais.

Portanto, esses autores nos ensinam que a prevenção de enganos e controvérsias na

análise das humanidades requer alguns cuidados metodológicos essenciais. A investigação

exaustiva e restrita dos termos e conceitos não resolve: a compreensão mais completa só é

possível com informação externa a eles, pois seu significado e uso podem mudar conforme o

espaço e o tempo. É necessário ultrapassar a análise do significado do que está escrito e

buscar a intenção por trás: por que, quando, para quem e por quem foi escrito? Ou seja, os

termos e as ideias não devem perder contato com seus autores, contextos e públicos, nem com

as questões que procuravam responder quando foram concebidas. Deste modo, reforça-se a

relevância do estudo da evolução das circunstâncias históricas dos conceitos, pois ao revelar

possíveis disjunções entre significados e fatos relacionados ao mesmo vocábulo, são

descobertas as camadas de significados, a estrutura e a profundidade histórica de um conceito.

O Capitalismo como Lugar: A Visão de Braudel

Tendo em vista a importância de atentar aos usos e significados dos termos e

conceitos, Braudel (1996b) realiza uma detida investigação acerca dos vocábulos-chaves que

no geral permeiam as análises sobre o capitalismo5. A iniciar pelo termo central aos

propósitos deste artigo, capitalismo, aponta Braudel (1996b) que esta é uma palavra tão

“ambígua, pouco científica e usada a torto e a direito” (p. 199), que seu uso só não seria

eliminado pela falta de substituta melhor.

Assim, sua controvérsia justifica o estudo da evolução histórica de duas palavras

anteriores e intimamente relacionadas: capital e capitalista. A primeira, capital6, parece ter

adquirido o sentido de “fundos de bens ou dinheiro que rendem juros” na Itália entre os

séculos XII e XIII, enquanto capitalista teria surgido no século XVII relacionado a indivíduos

com recursos, e aos poucos foi ganhando a conotação de “manipuladores ou fornecedores de

dinheiro”, pessoas providas de recursos e prontas a usá-los para obterem mais. Porém, nota

Braudel (1996b), mesmo logo após a Revolução Francesa o vocábulo ainda não era usado

para designar o empresário, o agente que detém capitais e os investe na produção.

Por fim, capitalismo é o mais recente dos três termos. Mesmo no século XIX seu

emprego era raro, sendo ignorada por Marx em 1867. Teria sido no início do século XX que o

5 No entanto, ele pondera que, apesar de a análise desses termos ser bastante esclarecedora, pode-se apenas

pretender um modesto resumo de um universo, pois todas as civilizações tiveram suas trocas e relações

econômicas, realizadas de modos e em escalas diferentes – tendo criado vocábulos diversos para definir essas

atividades, que podem ter evoluído e se deformado no tempo, até mesmo mudado de concepção. 6 Palavra derivada do latim caput, significando cabeça.

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vocábulo adquiriu sua nuance política7, sendo invocado como antônimo para socialismo – a

partir de então, Braudel (1996b) aponta que o termo vai ficando cada vez mais carregado de

sentidos, ambigüidades e contradições.

“De todos, os historiadores foram os mais seduzidos pela palavra nova

(...). Sem se preocuparem com anacronismos, abriram-lhe todo o campo

da prospecção histórica, a antiga Babilônia e a Grécia helenística, a

China antiga, Roma (...). Os maiores nomes da historiografia recente...

estão implicados nesse jogo que viria a desencadear uma autêntica caça

às bruxas.” (Braudel, 1996b, p. 206)

Não há dúvidas, portanto, que se trata de um termo que foi incorporando conotações

econômicas, sociais e políticas ao longo da história. Para Braudel (1996b), é certo se tratar de

um regime centrado no capital – conceito que ele considera ser tudo aquilo que entra nos

circuitos para regressar trazendo mais de si mesmo, independente de estar relacionado ou não

às esferas produtivas. Ou seja, todo bem usado para estimular trocas comerciais, pagar

aluguéis, insumos e salários utilizados no processo produtivo, e quaisquer outros usos, desde

que visasse a multiplicar o capital inicial aplicado.

Com esta visão de capital, Braudel (1996b) situa o capitalismo como o lugar da alta

reprodução de capital e do investimento. Destarte, o capitalismo assim definido teria existido

desde tempos muito remotos - mesmo na época pré-industrial, apesar de ocupar então uma

modesta parte da vida econômica e constituindo um mundo diferente e estranho à globalidade

socioeconômica que o rodeava. Para o autor, uma comum identificação do capitalismo com o

modo de produção industrial teria sido amplamente difundida por análises reduzidas a uma

“ortodoxia pós-marxiana”, segundo a qual não teria havido capitalismo antes da Revolução

Industrial.

Apesar de reconhecer a visão de Marx e Dobb do “capitalismo como o sistema em que

ocorre a mercantilização do trabalho”, relacionada ao capital integrado à esfera da produção

sobre relações de trabalho assalariado, Braudel (1996b) considera ser este apenas um dos

vários momentos e manifestações do capitalismo. Em sua concepção, o “modo de produção

industrial” e o trabalho livre e assalariado não são as particularidades essenciais e

indispensáveis do capitalismo, mas sim a sua concentração no “lugar” do investimento e da

alta taxa de reprodução de capital. Se o capitalismo permanecia restrito a determinadas

7 Tal conotação foi lançada nos meios científicos pelo livro de Werner Sombart (1902) “Der moderne

Kapitalismus”. Braudel nota que, mesmo assim, a palavra foi depois incorporada de tal modo ao modelo

marxista, que muitos consideraram “escravismo, feudalismo, capitalismo” como etapas definidas por Marx.

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atividades específicas antes de sua fase industrial, não estendendo sua influência para o resto

da economia, era porque faltavam oportunidades de lucro mais atrativas para tal se suceder8.

O problema-chave - por que um setor da sociedade de ontem, que era capitalista, viveu

em sistema fechado e não pôde expandir-se? – seria solucionado pela constatação de que

talvez esta fosse a condição para sua sobrevivência, pois poucos setores permitiam uma

relevante formação de capital, os demais sendo não rentáveis. Assim se explica, segundo

Braudel (1996b), porque o capitalismo do passado foi essencialmente “mercantil” e “não

industrial”, e porque alguns setores capitalistas do passado viveram em sistemas fechados e

acabaram entesourando o capital acumulado. Porém, mesmo funcionando dentro de sistemas

restritos, o capitalismo “ficava sempre atento” a oportunidades para investir em outros lugares

mais rentáveis.

Em sua tentativa de compreender as lógicas capitalistas, suas estruturas e

funcionamento, Braudel (1996c) propõe um vocabulário teórico visando a situá-las conforme

seu espaço e duração. Enquanto a duração refere-se à sua escolha pela longue dureé, o espaço

explica-se por colocar “em causa ao mesmo tempo todas as realidades da história, todas as

partes envolvidas...” (12). Destarte, o autor propõe o conceito de economia-mundo, definida

como uma parte economicamente autônoma do planeta, capaz “de bastar-se a si própria e no

qual suas ligações e trocas internas conferem certa unidade (...) é a mais vasta zona de

coerência, em determinada época, em uma região determinada do globo...” (p. 12-13).9

Porém, esta unidade econômica não é homogênea, em seu interior podendo coexistir

formas muito diferentes como o capitalismo e a economia de mercado. Aliás, uma

ambigüidade recorrente é a identificação entre as duas, que na verdade não se confundem.

Enquanto, na definição de Braudel (1996a), o capitalismo é o local da rápida reprodução de

capital, a economia de mercado é o sistema de trocas que abrange os mercados de uma

determinada zona onde há flutuação e consonância de preços entre seus mercados.

Segundo o autor, a palavra mercado (assim como capitalismo) é muito usada

8 Na realidade, diante da difusão desta visão “pós-marxista”, Braudel (1996b) pondera se de fato ocorreu uma

mutação no conteúdo da palavra capitalismo relacionada à Revolução Industrial. Com estes fins, ele resgata a

pesquisa de Simon Kuznets, segundo o qual não houve mudança brusca da taxa de poupança na era moderna

(suposta incentivadora da expansão industrial). Se a explicação não estava no lado da poupança, talvez estivesse

no do investimento: de fato, boa parte da sua formação de capital bruto antes da Revolução Industrial não era

durável (como as construções e ferramentas frágeis), decorrendo em uma formação de capital líquido muito

menor do que nas sociedades modernas. Isso leva Braudel (1996b) a considerar que a Revolução Industrial

representou “... uma mutação do capital fixo, um capital desde então mais caro, porém muito mais duradouro e

aperfeiçoado, que mudará radicalmente as taxas de produtividade.” (p. 215) 9 Cabe ponderar que esta coesão relaciona-se especificadamente à vida econômica, podendo as economias-

mundo abarcar sociedades, culturas e soberanias políticas diferentes e independentes, transcendendo as fronteiras

demarcadas entre civilizações e criando uma unidade de integração no seu espaço.

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equivocadamente, por ser aplicada em um sentido bastante amplo a todas as formas de troca -

e às vezes até mesmo a um sistema de trocas, a economia de mercado. De certo modo, tal se

deve à visão clássica do mercado autorregulador e promotor do crescimento, que por meio de

suas trocas racionais iria interligando as diferentes regiões, assegurando o equilíbrio das

atividades econômicas e regulando a divisão do trabalho. O problema desta concepção é que o

mercado nem é um fenômeno imune a influências externas, nem corresponde ao conjunto de

todas as atividades econômicas em sua tendência a criar uma unidade mundial.

Na visão de Braudel (1996c), a economia de mercado foi se formando aos poucos ao

longo do tempo, sem abarcar toda a economia e tendo sempre coexistido com outras formas

econômicas, entre elas o capitalismo, mantendo entre si relações dinâmicas e variáveis ao

longo da história. Porém, a tendência era que economias locais relativamente autônomas

fossem se organizando em cadeias de mercados regionais, constituindo economias de

mercado inclinadas a se voltar para um mesmo centro de atração e dinamismo. Este por sua

vez se empenhava em tomar essas redes de mercados, remodelando-as conforme suas

necessidades e integrando-as à sua própria dinâmica: “é como se a centralização e a

concentração de recursos... se processassem necessariamente a favor de certos lugares de

eleição da acumulação.” (Braudel, 1996c, p. 26).

Destarte, em sua concepção, o capitalismo escolhe “locais” de intenso dinamismo

econômico que satisfaçam sua necessidade de reprodução sempre crescente de capitais,

interligando as diferentes partes da economia-mundo em torno das suas atividades “de

eleição”. Nesta estrutura da economia-mundo, além da “economia de mercado” e do

“capitalismo” haveria ainda um terceiro setor enorme, “a não-economia”. Esses três setores

foram se ordenando no espaço em uma hierarquia de poder econômico, tendo o capitalismo

como o topo, a economia de mercado como o miolo, e a não economia como a enorme base.

Se as economias-mundo existem desde os tempos remotos, é possível fazer

comparações entre elas, aproximar fases e processos evolutivos comuns, visando a

desenvolver uma “tipologia” das economias-mundo para esclarecer seu funcionamento. De

fato, Braudel (1996c) identifica duas regras tendenciais das economias-mundo: primeiro, há

sempre uma hierarquia entre zonas desiguais de economias pobres e ricas, com só uma mais

próspera no centro, polarizando as demais. Segundo, o núcleo capitalista dominante está

sempre em competição com outros aspirantes à liderança, de modo que os centros não o são

eternamente, sendo substituídos ao longo do tempo10

. Também não foram sempre do mesmo

10

As substituições se davam por diversas razões, até mesmo não econômicas. No geral suas implicações iam

além do econômico, revelando as fragilidades do equilíbrio anterior da economia-mundo.

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tipo e estrutura, se diferenciando entre si nos seus arsenais de dominação econômica e

política. Entre as zonas “secundárias” que visavam ascender ao centro, era comum o uso do

mercantilismo como estratégia para alterar sua posição inferior11

, em uma relação de tensão e

complementação, pois o núcleo dominante também delas se aproveitava.

Portanto, apesar de suas grandes desigualdades internas, a economia-mundo conserva

uma unidade de coesão em torno do dinamismo e atração do seu centro. Sua estrutura e

funcionamento implicam na coexistência tensa entre zonas econômicas, de tal modo que os

atritos não podem se anular para não ameaçar o poder central que orquestra a dinâmica do

conjunto. Ele pondera que essas desigualdades econômicas não são fruto de “vocações

naturais”, mas expressam a consolidação de situações lenta e historicamente estabelecidas, em

uma cadeia de subordinações e relações de força desiguais.12

De certo modo, como será visto

adiante, tal visão difere da posição de Wallerstein (2000), para quem as desigualdades são raiz

e causa do desenvolvimento capitalista, e da própria economia-mundo capitalista.

A Economia-Mundo Capitalista: A Contribuição de Wallerstein

A mesma ênfase no longo prazo, que fundamenta a divisão do tempo do mundo em

extensos períodos por Braudel, justifica a definição de Wallerstein (2000) das “totalidades

históricas” como as unidades de análise adequadas aos interesses da pesquisa social. Na

verdade, ele aponta que a segmentação de um todo social em unidades de análise

independentes e autossuficientes é dos maiores problemas da pesquisa científica,

especialmente se aplicada para fundamentar estudos comparativos. Para ele, apesar de nas

análises de longos períodos ser necessário dividir o horizonte temporal para observar as

mudanças de um segmento a outro, não se pode jamais perder o “ponto de vista da

totalidade”. Isso porque as fases não são discretas, mas contínuas, constituindo etapas de um

processo cuja evolução não pode ser determinada a priori, mas só pode ser percebida a

posteriori. Ou seja, elas não fazem sentido abstraídas de suas irmãs e do seu todo, só sendo

compreensíveis se vistas dentro do conjunto do qual fazem parte, devendo ser analisadas

como segmentos interligados de uma unidade total.

O mesmo raciocínio é aplicado pelo autor ao estudo das partes integrantes de um

sistema internacional, como países ou regiões específicas, defendendo que estes não podem

ser adequadamente entendidos isolados da dinâmica regional ou internacional em que estão

inseridos. Destarte, ao designar fases ou estudar países e regiões, estes devem ser sempre

11

Em consonância, no geral os centros das economias-mundo apoiavam a livre concorrência, só tendo sido

mercantilistas nos momentos de percepção de perigo ou de processo de ascensão a centro. 12

É neste sentido que ele critica a explicação de David Ricardo sobre as trocas desiguais entre Inglaterra e

Portugal: o tratado de Methuen foi ditado por relações de força, não de “interesses comuns”.

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abordados como partes de totalidades, que para Wallerstein (2000) são os sistemas sociais. E

o que define um sistema social, em sua concepção, é a existência de uma divisão de trabalho

própria, entendida como a menor “rede” de atividades econômicas que atende às necessidades

da maioria dos agentes deste sistema, independente de entidades ou forças externas – uma

lógica que pode existir sem uma unidade política comum, e até mesmo sem uma cultura

comum13

.

Wallerstein (2000) ressalta que seu método baseado no estudo de “sistemas sociais” é

uma proposta alternativa a dois métodos opostos de análise - o nomotético e o idiográfico.

Enquanto o primeiro seria tendente à generalização ao defender a noção de que devem existir

leis que expliquem os fenômenos como regularidades e não produtos do acaso; o segundo

buscaria o significado de fenômenos contingentes, sob o pressuposto de que tudo está sempre

mudando, impossibilitando repetições e generalizações. A metodologia proposta por

Wallerstein (2000) seria uma “via intermediária” entre esses dois métodos, por investigar:

... quadros sistêmicos, bastante longos no espaço e no tempo para conter

as ‘lógicas’ que determinam a maior parte das suas trajetórias, enquanto

simultaneamente reconhece-se que esses sistemas têm início e fim, não

sendo, portanto, fenômenos ‘eternos’. (p. 136)

Assim, sua unidade básica de análise é o seu conceito de sistema social, que possui

partes estruturais e fases evolutivas. É só neste quadro analítico que seria válido fazer estudos

comparativos, dos inteiros e das partes do inteiro14

. Destarte,o autor construiu um modelo

teórico alternativo para realizar a análise comparativa, propondo como unidades de análise

estruturas sistêmicas localizadas no tempo - os sistemas sociais. Ele identificou dois tipos de

sistemas sociais conhecidos pela humanidade, diferenciados pela sua estrutura (“ciclos” ou

“ritmos”) e padrões de transformação interna (“tendências seculares”): os minissistemas e os

sistemas-mundo. Enquanto os minissistemas foram caracterizados por um sistema cultural

único15

, os sistemas-mundo podiam apresentar múltiplos sistemas culturais, dividindo-se em

13

De certa forma, Braudel (1996c) aproveitou essa visão para conceber a sua “zona de coesão econômica”, que é

bastante similar à economia-mundo de Wallerstein (2000), também podendo realizar trocas não essenciais com

elementos externos e não necessariamente implicando em uma homogeneidade sócio-politica-cultural. 14

Para ele, a falsa identificação das unidades de análise a serem comparadas conduz a falsos conceitos e

problemas. Por exemplo, se a unidade de comparação apropriada não forem os países, mas um sistema social

mais abrangente, então cada país não poderia ser considerado uma “unidade de análise” com seu próprio modo

de produção e dinâmica de desenvolvimento se constituir parte integrante de um sistema social, pois partilharia

do modo de produção e dinâmica de desenvolvimento dessa “totalidade”. 15

O autor demonstra terem sido sociedades muito simples, agrárias ou caçadoras, não mais existentes, tendo sido

no geral anexadas a um sistema-mundo e deixado de existir como “sistemas sociais” independentes.

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12

dois subtipos: os impérios-mundo e as economias-mundo, cuja principal diferença é a

presença de um sistema político comum no primeiro, e a sua ausência no segundo.

Para Walllerstein (2000), o capitalismo sempre foi, desde suas origens, um sistema

social de economia-mundo, não limitado a nações-Estado ou regiões. Mais importante ainda,

ele aponta que desde o século XIX, a “economia-mundo capitalista” é o único sistema-mundo

existente - os minissistemas não existiriam mais, e os ‘impérios-mundo’ teriam dominado

todas as economias até o período moderno. A condição para o estabelecimento dessa

hegemonia sistêmica teria sido o fim dos impérios-mundo, com a eliminação de suas enormes

burocracias corruptoras de superávits para gastos não produtivos que enfraqueciam a

dinâmica do desenvolvimento econômico, permitindo a expansão do comércio mundial e a

especialização regional.

Esta seria, conforme o autor, a principal característica da economia-mundo capitalista:

uma divisão internacional do trabalho em expansão, impulsionada pelo objetivo de lucrar

vendendo nos mercados mundiais. À medida que as diferentes regiões fossem sendo

incorporadas à ela, produções especializadas seriam nelas desenvolvidas conforme as

dotações de recursos locais para adequá-las às demandas da economia-mundo capitalista.

Assim teria se originado uma hierarquia de regiões desigualmente poderosas que determinou

um processo de acumulação no núcleo e um ciclo de atraso na periferia, por meio de “trocas

desiguais” entre Estados fortes (“núcleo”) e áreas fracas (“periferia”), com a apropriação do

excedente da economia-mundo inteira pelo seu “núcleo”16

.

Destarte, para Wallerstein (2000) foi se consolidando uma hierarquia tripartite na

economia-mundo, à semelhança de Braudel (1996c), em que sob o primado do núcleo

ficavam dois estratos, o das regiões secundárias relativamente desenvolvidas e o da enorme

periferia atrasada e explorada. Essa desigualdade foi ficando cada vez mais enraizada,

alimentada pelas “forças de mercado”: “...são as operações das forças do mercado mundial

que acentuam as diferenças, as institucionalizam, e as fazem impossíveis de contornar no

curto prazo” (Wallerstein, 2000, p. 89).

Tendo em vista esta distribuição desigual dos rendimentos, com a transferência da

maior parte do excedente gerado pela maioria para a minoria, por que os primeiros não se

revoltavam contra os últimos? Segundo Wallerstein (2000), a raridade das insurreições

generalizadas ocorridas na História, apesar do persistente descontentamento, são explicadas

16

No caso da economia-mundo europeia do século XVI, Wallerstein (2000) aponta que os Estados do centro se

fortaleceram mais que os da periferia porque os interesses dos proprietários de terras da periferia divergiam dos

da burguesia comercial, enquanto no centro eles convergiam; e porque a força dos Estados do centro era função

direta da fraqueza dos da periferia, se reforçando no tempo por meio de guerras, coerção, diplomacia.

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13

pelo papel da semiperiferia, uma camada intermediária que “significa que o estrato superior

não enfrenta a oposição unificada de todo o resto, pois o estrato médio é simultaneamente

explorado e explorador” (p. 91). Nessa concepção, a função da semiperiferia na economia-

mundo é mais que um requisito ao seu funcionamento, é uma condição à sua sobrevivência,

cuja essencialidade é mais política que econômica, pois uma economia-mundo funcionaria

economicamente sem uma semiperiferia, mas não seria politicamente estável porque não

evitaria a polarização extremada.

Assim, as tensões entre grupos sociais, nações e regiões só podem ser entendidas,

afirma Wallerstein (2000), tendo em vista essa estrutura da economia-mundo capitalista, em

que certos grupos buscam seus interesses tentando distorcer o mercado e se organizando para

pressionar o poder político, resultando em alguns mais poderosos do que outros, mas nenhum

conseguindo controlar a economia-mundo por completo. Destarte, sua economia-mundo

capitalista comporta contradições intrínsecas, que determinam uma evolução conturbada e

descontinua, sujeita a crises periódicas e renovações sistêmicas.

A Crítica Marxista de Robert Brenner

Em contraposição a certos aspectos do construto teórico desenvolvido por

Walllerstein, a análise de Brenner (1977) sobre as origens do desenvolvimento capitalista

destaca especialmente o papel das estruturas de classe, enfatizando a ação das relações e

conflitos sociais na determinação da dinâmica do capitalismo. Dentro dos objetivos da sua

pesquisa, o autor realiza uma ampla crítica que não se restringe apenas aos argumentos de

Wallerstein, mas aos de toda uma geração de escritores de tradição marxista cuja produção

científica foi em grande parte voltada ao objetivo de compreender a persistência do

subdesenvolvimento em certos países, mesmo após a sua integração ao mercado mundial

capitalista.

No geral, estes autores fundamentavam-se no Manifesto Comunista de Marx e Engels

(1848), segundo o qual o processo de desenvolvimento capitalista seria mais ou menos

inevitável: a ampliação do comércio e do investimento levaria à eliminação dos velhos modos

de produção e à sua substituição por relações sociais capitalistas, iniciando um processo de

acumulação de capital e desenvolvimento econômico. Porém, a História mostra uma clara

falha da penetração do comércio e investimentos em amplas partes do mundo em trazer esse

desenvolvimento – parecendo erigir, pelo contrário, barreiras sistemáticas ao avanço

econômico nessas regiões.

Este “desenvolvimento do subdesenvolvido” levou à revisão deste prognóstico

“progressista” da teoria marxista por estes pesquisadores que, conforme Brenner (1977),

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14

acabaram deslocando a transformação das relações de classe do centro das suas análises. Ora,

apesar de Marx ter previsto o desenvolvimento capitalista sob a premissa de que a expansão

do comércio e investimento inevitavelmente levaria à transformação das relações de classe

pré-capitalistas em capitalistas, Brenner (1977) pondera que essa expansão pode não ter

destruído os velhos modos de produção, ou criado outros modos não capitalistas - resultados

possíveis, tendo em vista que a origem e evolução das estruturas sociais não são explicáveis

apenas em termos de “forças de mercado”.

Ou seja, a mera ampliação do comércio e investimento não implica necessariamente

no surgimento automático de relações de classe capitalistas17

. No entanto, aponta Brenner

(1977), esta linha de pesquisadores não apenas não prevê esta possibilidade, como nem

mesmo aborda o papel central das estruturas sociais para a compreensão do

subdesenvolvimento. Em vez disso, eles buscam negar o resultado de equilíbrio e

prosperidade econômica previstos pelo modelo de desenvolvimento de Adam Smith, em que a

expansão do comércio levaria à divisão internacional do trabalho e ao desenvolvimento

econômico generalizado, construindo argumentações para sustentar que esses mesmos

processos supostamente capitalistas pressupunham também o reforço do atraso econômico18

.

O caso de Wallerstein é emblemático para Brenner (1977), por não abordar nem a

transformação das relações de classe capitalistas, nem o aumento sistemático do excedente

relativo de trabalho que é para ele como a característica dominante do capitalismo. O autor

aponta que Wallerstein troca o mecanismo da inovação capitalista pelo da “produção visando

a lucros no mercado” ao definir como característica essencial da sua “economia-mundo

capitalista” a produção para venda visando ao lucro19

.

Assim como a economia-mundo de Wallerstein, Brenner (1977) aponta que o

capitalismo se distingue dos sistemas anteriores pela sua tendência ao desenvolvimento

econômico ilimitado. Porém, a chave desse desenvolvimento está na expansão do excedente

17

Brenner (1977) aponta que Marx depois visualizou a possibilidade da solidez de certos modos pré-capitalistas

representar barreiras impeditivas à adoção de modos de produção capitalistas, como foi o caso dos modos de

produção pré-capitalistas da Índia e China frente à expansão comercial inglesa. 18

Um dos autores citados por Brenner (1977) é André Gunder Frank, para quem: “desenvolvimento e

subdesenvolvimento econômico são as faces opostas da mesma moeda. (…) são relativos e qualitativos, e cada

um deles difere do outro, apesar de causado por suas relações com o outro. Porém desenvolvimento e

subdesenvolvimento são a mesma coisa no sentido em que são o produto de uma única, mas dialeticamente

contraditória, estrutura econômica e processo capitalista.” (1969, apud Brenner, 1977, p. 28) 19

Ou seja, Brenner (1977) aponta que Wallerstein não incorpora o avanço qualitativo (a revolução da

produtividade do trabalho) como característica fundamental do capitalismo, nem a sua tendência intrínseca a

acumular e inovar para garanti-lo. Para ele, a visão de desenvolvimento econômico de Wallerstein é quantitativa,

baseada na expansão da economia-mundo possibilitada pelo colapso dos impérios-mundo.

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15

relativo do trabalho20

, não abordado por Wallerstein. E essa expansão depende de inovações,

as quais historicamente exigem a acumulação de excedentes, que por sua vez tem como

fundamento as relações de classe capitalistas. Nas palavras de Marx:

“A produção de valores absolutos de excedente usa a duração do dia de

trabalho, enquanto a de valores relativos de excedente revoluciona os

processos técnicos de trabalho e os grupos em que a sociedade se divide.

Logo, ela requer um modo capitalista específico de produção, cujos

métodos, meios e condições se originam e desenvolvem baseados na

submissão formal do trabalho ao capital. Esta submissão formal é então

substituída por uma submissão real”. (1976, apud Brenner, 1977, p. 31)

Ou seja, aumentos recorrentes de produtividade só podem ocorrer se a “produção para

os mercados” expressar relações de classe capitalistas - de trabalhadores assalariados, sem a

posse dos meios de produção e emancipados de qualquer relação direta de dominação (como a

escravidão ou servidão). Nestas condições, a combinação de trabalho e capital mais produtiva

se torna necessária, pois tanto trabalhadores quanto detentores de capitais precisam vender

para poder comprar, comprar para poder sobreviver, e inovar para conseguir manter-se frente

à concorrência. Portanto, o problema da origem do capitalismo, na visão de Brenner (1977), é

o problema da origem das relações de classes capitalistas – o processo histórico pelo qual

trabalho e meios de produção se tornaram commodities.

O autor aponta que, como para Wallerstein é a “produção por lucro no mercado” que

determina o desenvolvimento capitalista, o problema da sua origem é erroneamente

identificado com o da origem da expansão do mercado mundial irrestrito pelos impérios-

mundo21

. Neste raciocínio, ambos a origem e o padrão de desenvolvimento capitalista se

tornam derivados do mesmo processo de expansão comercial. E qualquer região incorporada

à “economia-mundo capitalista” se tornaria capitalista, qualquer que fosse sua estrutura

social-produtiva, sejam elas predominante servis ou de trabalho livre22

. Mas conforme

Brenner (1977):

“... na medida em que a ‘economia-mundo européia’ moderna de fato

corresponde ao conceito de Wallerstein – ou seja, definida por sistemas

interconectados de produção baseadas na servidão na periferia e no

20

Isso não significa que os métodos de excedentes absolutos do trabalho não eram usados no capitalismo. 21

A incorporação das regiões feudais pelo comércio teria promovido um processo de racionalização econômica

que teria iniciado o distanciamento da servidão para o trabalho livre assalariado. 22

O argumento de Wallerstein é que os modos de produção são escolhidos pela classe dominante frente aos

incentivos do mercado e dadas as características de sua região.

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16

trabalho livre no centro – ela permaneceu fundamentalmente ‘pré-

capitalista’: de um tipo de feudalismo renovado, com um escopo maior.”

(p. 72-73)

Além disso, conforme o autor, a tese de Wallerstein permite chegar à conclusão que o

desenvolvimento e subdesenvolvimento capitalista são derivados do mesmo processo, sendo

direta e mutuamente determinados por serem ambos resultantes de uma transferência de

excedentes da periferia ao centro. Porém, aponta ele, nenhum dos dois pode ser diretamente

dependente e causado pelo outro, pois cada um resulta de uma evolução específica de relações

de classe. Ademais, nessa visão, o capitalismo vira um sistema baseado na extração do

excedente absoluto de trabalho, substituindo sua tendência inerente a desenvolver forças

produtivas e acumular capital pela extração de excedentes da periferia.

Para Brenner (1977), a transferência de excedente foi um importante aspecto do

subdesenvolvimento, mas este precisa ser explicado com base nas estruturas de classe da

periferia. Segundo o autor, o desenvolvimento foi um processo qualitativo que envolveu a

contínua acumulação de riqueza, revolução das técnicas e da produtividade, graças a uma

estrutura de classes em que os extratores de excedente eram obrigados a usar métodos que

correspondiam às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas. Em contrapartida,

o subdesenvolvimento baseou-se em uma estrutura de classes fundamentada na extração do

excedente absoluto do trabalho, determinando uma disjunção entre os requisitos para o

desenvolvimento das forças produtivas e os objetivos de extração de excedentes. Em suma,

em sua visão, as origens do capitalismo estão nos processos históricos pelos quais as

estruturas de classe pré-capitalistas anteriores foram dissolvidas e redefinidas em estruturas

capitalistas, compreensíveis apenas como processos conflitantes de transformação e luta de

classes.

Dois Esforços de Síntese: Arrighi e Harvey

Assim como Wallerstein e Braudel, Arrighi (1996) também insiste na definição da

longue durée como o horizonte temporal adequado para empreender o estudo da origem e

expansão do capitalismo como sistema mundial, tendo em vista que suas tendências e

conjunturas no século XX – os motivos originais de sua análise - talvez refletissem estruturas

e processos em curso desde o século XVI. Destarte, sua pesquisa visa a identificar os padrões

evolutivos que acredita terem permeado a história do capitalismo mundial, e as condições

sistêmicas em que esses processos se desenvolveram no tempo.

Em muitos aspectos, a análise de Arrighi (1996) se fundamenta no pensamento de

Braudel para explicar o capitalismo mundial, em especial a noção braudeliana de que as

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17

características essenciais do capitalismo sempre foram a “flexibilidade” e a “capacidade de

mudança e adaptação” para transitar pelas diversas atividades econômicas conforme suas

oportunidades de lucro - e não as formas específicas e concretas assumidas em diferentes

lugares e momentos. Assim, apesar de às vezes o capitalismo parecer ter “se especializado”

(como na industrialização no século XIX), na verdade a sua concentração em uma atividade

deve ser entendida como a escolha do “local” que naquele momento permitia a mais alta

reprodução do capital. Tais “locais” estiveram sempre sujeitos a serem trocados por outros de

maior rentabilidade, em um movimento de “mudança com continuidade”.

Arrighi (1996) aponta ainda que essaa flexibilidade capitalista denota uma relação

instrumental do capitalismo com os modos de troca e produção. Para Braudel, quando uma

atividade não mais atende ao objetivo de lucro, ocorrem as expansões financeiras, sinalizando

a maturidade de um ciclo de expansão produtiva que permitiu uma forte acumulação de

capitais, mas que se exauriu. Assim, a predominância do “capital financeiro” é vista como

uma tendência sistêmica do capitalismo, indicando a crise de um ciclo capitalista e sua

reestruturação: “[Todo] desenvolvimento capitalista desse tipo, ao atingir o estágio de

expansão financeira, parece anunciar em certo sentido, a sua maturidade” (Braudel, 1984,

apud Arrighi, 1996, p. 6).23

Destarte, o autor aponta que um padrão histórico do capitalismo mundial pode ser

identificado, em que épocas de expansão produtiva (“mudanças contínuas”, DMD’) se

alternam com épocas de crise e relações puramente financeiras (“mudanças descontínuas”,

DD’). Fundamentando-se nessa noção das expansões financeiras como fases finais dos

grandes ciclos capitalistas, ele decompõe a história do capitalismo mundial em quatro

unidades de análise chamadas “ciclos sistêmicos de acumulação”. Seguindo a preocupação de

Wallerstein com “as totalidades históricas” como unidades de análise adequadas, o autor não

concebe esses ciclos como partes subordinadas de um todo pré-concebido ou como casos

independentes, mas como partes interligadas de um único processo histórico de expansão

mundial do capitalismo. Sequencialmente, eles se sobrepõem, e apesar de durarem cada vez

menos, todos duram mais de um século (os “longos séculos”)24

.

23

Para Arrighi (1996), este raciocínio também pode ser expresso pela clássica fórmula de Marx, DMD’, segundo

a qual na lógica capitalista o capital-dinheiro D (liquidez) pode ser investido em qualquer atividade produtiva M

(rigidez), mas sempre visando à ampliação do capital-dinheiro inicial D’ (liquidez acrescida), e não à produção

propriamente dita. Como na tese de Braudel, isso significa que a produção é apenas um meio em que a liquidez é

empregada para conseguir mais liquidez, de modo que quando seu potencial de lucro se esgotasse haveria um

retorno à liquidez até que outro meio mais rentável fosse encontrado. 24

Arrighi (1996) ressalta que seus ciclos diferem dos “ciclos seculares” e dos “ciclos de Kondratieff” citados por

Braudel, qualificando-os como construções empíricas de base teórica incerta. Estes se norteiam pela evolução de

longo prazo dos preços, não sendo indicadores ciclos do capitalismo mundial, pois a renda do capital pode se

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18

Com os fins de identificar os padrões evolutivos, seus “desvios” e as condições

sistêmicas que determinam a continuidade ou rompimento das tendências anteriores, ao autor

se propõe a fazer uma análise comparativa desses quatro ciclos. Ele enfatiza que essa análise

deve ser realizada por “comparação incorporada”, sem presumir os ciclos, mas construindo-os

factual e teoricamente. E é deste modo que o autor confirma essa continuidade com rupturas

como padrão histórico do capitalismo mundial, alternando momentos de expansão produtiva

com períodos de crise e reestruturação.

No entanto, a compreensão adequada dessa histórica cíclica do capitalismo mundial

requer abordar também a criação do sistema de Estados nacionais moderno, por serem dois

processos interdependentes. Segundo Arrighi (1996), a evolução histórica do capitalismo

mundial não foi resultado involuntário de atos autônomos na sociedade, mas ocorreu sob a

liderança de certos agentes governamentais e empresariais, de tal modo que os regimes de

acumulação em escala mundial refletiram as estratégias e estruturas desses agentes. Ademais,

foi o sistema moderno de Estado que institucionalizou a autoridade pública e as leis que

distinguem os direitos de propriedade privada e domínio público – o sistema medieval de

governo era descentralizado e não previa as conotações modernas de posse e soberania.

Na realidade, assim como Braudel, Arrighi (1996) considera que os agentes de

iniciativa capitalista já existiam “em toda parte, do Egito ao Japão” (p. 11), mas só na Europa

depois de 1500 eles começaram a se concentrar por meio de processos históricos que

impeliram as nascentes nações europeias à conquista territorial do mundo, iniciando a

formação de um capitalismo mundial25

. Ou seja, a transição relevante não seria a do

feudalismo ao capitalismo, mas a da iniciativa capitalista dispersa à concentrada, possibilitada

pela aliança entre o Estado e o capital: “O capitalismo só triunfa quando se identifica com o

Estado, quando é o Estado” (Braudel, 1984 apud Arrighi, 1996, p. 11).

Destarte, a emergência e expansão do capitalismo são vistos como dependentes do

poder estatal26

, constituindo-o assim na antítese da economia de mercado – em contraste à

comum identificação entre eles, e com o Estado em oposição a ambos. Apoiado pelo poder

reduzir ou aumentar tanto em fases de contração quanto de expansão de preços, a depender da concorrência e da

demanda. Além disso, as expansões financeiras podem ocorrer em seu início, meio ou fim. 25

Segundo o autor, na Antiguidade e no fim da Idade Média, as cidades foram as “sementeiras do capitalismo

político”, mas tiveram sua autonomia erodida por estruturas mais amplas: na Antiguidade, pelo imperialismo

burocrático; no fim da Idade Média, pelo sistema de Estados nacionais. 26

Assim, Arrighi (1996) justifica seu foco na relação entre o dinheiro e o poder, apesar do custo não desprezível

de não abordar a luta de classes e a polarização mundial entre centros e periferias. Como ele próprio admite, esse

é o principal limite de sua análise, rendendo seu estudo parcial e inconclusivo, pois a lógica da camada superior

só pode ser plenamente entendida em relação às outras camadas. Porém diante da dificuldade de se analisar as

três junto, ele acredita que ao focar no “verdadeiro lar do capitalismo... desvendaremos o segredo da obtenção

dos grandes e sistemáticos lucros que permitiram ao capitalismo prosperar e se expandir” (p. 25).

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político, o capitalismo foi se afirmando como a camada superior da economia-mundo,

provendo a “força” políticoeconomica para estruturar a distribuição de custos e benefícios

entre a economia de mercado e as “não economias”.

Porém, nessa estrutura tripartite da economia-mundo, a “estabilidade do todo é

baseada na mudança perene das suas partes” (Arrighi, 1990, p. 15) – ou seja, a hierarquia e as

relações entre suas partes alteram-se continuamente no tempo e no espaço. Para o autor,

argumenta que essas alterações nas relações do tipo “núcleo-periferia” não resultam tanto de

combinações particulares de atividades econômicas, mas principalmente de um processo

sistêmico de destruições criativas e “não tão criativas”, movido pela luta perene por maiores

rendas na divisão internacional do trabalho27

.

Em especial, Arrighi (1996) destaca que as alianças com as forças capitalistas eram

intensamente disputadas pelos Estados, em uma competição interestatal pelo capital circulante

que foi crucial para criar oportunidades ao capitalismo e fortalecer os grupos governamentais

e empresariais que lideraram os regimes de acumulação capitalista. Foi a concentração do

poder capitalista nesses grupos e organizações que proveu capacidade suficiente para

controlar a competição interestatal e garantir um mínimo de cooperação entre os Estados em

prol da expansão capitalista. Portanto, estas seriam as duas condições fundamentais às

expansões do capitalismo mundial, a competição interestatal pelo capital circulante e a

formação de grupos com capacidade para promover e controlar a acumulação de capital28

.

“O que impulsionou a prodigiosa expansão da economia mundial

capitalista nos últimos 500 anos... não foi a concorrência entre Estados

como tal, mas essa concorrência aliada a uma concentração cada vez

maior do poder capitalista no sistema mundial como um todo.” (Arrighi,

1996, p. 13)

27

A bem da verdade, ele questiona a separação dos países em “núcleo”, “semiperiferia” e “periferia” com base

no seu grau de industrialização ou seu papel em uma divisão mundial do trabalho caracterizada por “trocas comerciais desiguais”. Nessa visão, o “núcleo industrializado” apropria a maior parte dos benefícios das trocas

com os outros países, a “semiperiferia” fica em uma posição “intermediária” (auferindo benefícios residuais nas

trocas com o núcleo, e apropriando excedentes maiores nas trocas com a periferia), e a “periferia não

industrializada” consegue apenas o necessário para se manter na economia mundial. Para ele, existe na verdade

uma luta da periferia contra as tendências explorativas e excludentes do sistema (os “processos de exploração e

exclusão”), que reforçam a acumulação de riqueza no núcleo e perpetuam a pobreza na periferia. 28

Apesar de se referirem ao sistema como um todo, cada ciclo de Arrighi (1996) é identificado à unidade central

da acumulação de capital em escala mundial: o genovês (séculos XV-XVI); o holandês (séculos XVI-XVIII); o

britânico (séculos XVIII-XX) e o norte-americano (séculos XIX em diante). Todos esses quatro ciclos tiveram

seus quatro Estados capitalistas dominantes, tendo similarmente intercalado fases de expansão material com

fases de expansão financeira e reestruturação. Sequencialmente, cada ciclo abarcou dimensões, recursos, poderio

e alcance maior que seu predecessor, cada um constituindo uma etapa do desenvolvimento capitalista mundial.

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Na realidade, a análise de Wallerstein mostra que o vínculo histórico entre capitalismo

e sistema moderno estatal foi marcado tanto pela unidade quanto pela contradição, com os

dois tendo se desenvolvido juntos de forma complementar e dependentes um do outro, mas

também antagônicos e conflitantes entre si. Se por um lado a competição interestatal pelo

capital criou oportunidades de expansão ao capitalismo, por outro lado os conflitos entre

Estados às vezes oneraram o capitalismo ao degenerarem em combates bélicos e desviarem

recursos para a guerra.

Portanto, as relações entre capitalismo e Estado podem assumir diversas formas e

ligações, de modo dinâmico e variável, tendo implicações diferentes para o funcionamento e

evolução do sistema mundial de governo e de acumulação de capital. Para Arrighi (1996), o

limite de muitas análises e razão do seu baixo poder explicativo está na não abordagem desses

aspectos da “tecnologia de poder” do capitalismo, sendo considerações restritas à avaliação

convencional do “territorialismo” – quando ambos atuam sobre a dinâmica de poder da era

moderna.29

.

Mais recentemente, Arrighi (2008) refinou o seu pensamento ao vislumbrar que uma

economia de mercado dinâmica é compatível com dois padrões de desenvolvimento, um

capitalista e outro não capitalista, cuja principal diferença estaria justamente nos interesses

das alianças regionais historicamente desenvolvidas30

entre detentores de capitais e Estado. O

primeiro padrão corresponderia ao desenvolvimento capitalista associado ao universo da

idelologia marxista e da expansão industrial europeia. Na Europa, embora pretensamente sob

a ideologia de livre mercado, os Estados foram maleáveis aos interesses capitalistas,

competindo por recursos para financiar tropas e armas. Essa sinergia entre capitalismo,

industrialismo e militarismo constituiu uma fonte crucial de riqueza e poder para as

economias europeias, diferentemente do resto do mundo, constituindo a economia-mundo

européia no exemplo de desenvolvimento pela via capitalista.

O segundo tipo de desenvolvimento entrevisto por Arrighi (2008) nasce de uma

releitura por ele realizada da teoria do avanço econômico de Adam Smith. Em sua

interpretação, o processo descrito por Smith envolve a expansão de uma economia de

mercado por meio da divisão social do trabalho de modo a aplicar progressivamente o capital

29

Segundo o autor, define “capitalismo” e “territorialismo” são modos opostos de lógica de governo e poder: no

primeiro, poder é medido pelo controle sobre o capital circulante, tendo a competição interestatal e as expansões

territoriais como meios de potencializar a acumulação de capital (DTD’). Já no segundo, poder se mensura pelas

dimensões relativas, autossuficiência e força militar, tendo a acumulação de capital como um meio para auferir

esse conjunto de elementos (TDT’). 30

Cabe notar que a análise de Arrighi (2008) insere-se nas investigações de um grupo de estudiosos, para os

quais o ressurgimento econômico do Oriente nos últimos anos suporta a tese de que existe uma diferença

histórica fundamental entre os processos de formação do mercado e os de desenvolvimento capitalista.

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acumulado nas atividades econômicas conforme seu potencial de absorção de “trabalho

produtivo”. Dos quatro setores econômicos identificados por Smith, a agricultura ou

mineração permitiriam o maior uso de trabalho produtivo, seguidas da manufatura e, por fim,

do comércio. Essa seria a “sequência natural” do processo de desenvolvimento que ativaria

interdependências intersetoriais de forma a permitir atingir um nível de “opulência”,

equilíbrio e “maturidade econômica”, no qual haveria capital suficiente para ser empregado

em toda a economia31

. Neste sentido, o desenvolvimento europeu teria seguido uma “via

antinatural”, invertendo o processo smithiano ao iniciar pela expansão do comércio externo.

Ademais, Arrighi (2008) aponta que Smith não defendia a ausência do Estado na economia,

não sendo o convencional “defensor dos livres mercados”, mas criticava a ação

governamental de um tipo específico, o mercantilista, por considerar que esta impedia o

funcionamento da economia de mercado com monopólios privados.

De certo modo, Harvey (2005) se debruça sobre essas mesmas questões, mas com um

olhar diferente, destacando o papel do espaço e da geografia na estrutura e dinâmica do

capitalismo, e as implicações deste sobre as paisagens geográficas. Em sua interpretação, o

capitalismo é um “sistema de circulação de capital que tem o lucro como objetivo direto” (p.

129), envolvendo em seu funcionamento infraestruturas físicas e sociais que compõem

espaços de produção e consumo, com profundas implicações geopolíticas. Assim, com o

objetivo de analisar as consequências geopolíticas do sistema capitalista mundial, o autor

propõe a criação de uma teoria da geografia histórica do capitalismo32

:

“... elaborar uma teoria geral das relações espaciais e do desenvolvimento

geográfico sobre o capitalismo, que possa... explicar a importância e

evolução das funções do Estado, do desenvolvimento geográfico

desigual, das desigualdades inter-regionais...” (Harvey, 2005, p. 144)

Segundo o autor, a principal contradição do capitalismo surge do seu dinamismo

tecnológico e organizacional, decorrente da competição intercapitalista e da sua permanente

busca pela redução do tempo necessário para obtenção do lucro, que implica na substituição

do trabalho e infraestruturas produtivas existentes. Assim, a crise se expressa, com a não

absorção dos excedentes de trabalho e capital gerando desemprego e capacidade ociosa

(“estado de superacumulação”). Por fim, a tendência é à desvalorização e destruição da

31

Para o autor, enquanto o tipo de desenvolvimento “capitalista” tenderia a destruir o arcabouço social no qual

ocorre e criar condições para o surgimento de novas estruturas sociais com potenciais de crescimento diferentes,

o tipo “não capitalista” (smithiano) não alteraria de modo fundamental o arcabouço social em que ocorre. 32

Segundo o autor, a Geografia foi “desprezada” em “toda a teoria social”, que tendeu a priorizar a História por

considerar o espaço como um contexto dado e estável, não problemático. Assim, as estruturas e relações

espaciais sempre foram, no geral, ajustadas ad hoc às análises, como redefinições externamente impostas.

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infraestrutura social e física que ficou inativa, propiciando tensões e o surgimento de novas

formas políticas e ideologias.

Porém, aponta ele, estes problemas podem ser temporariamente contornados por meio

de reorganizações geográficas ou tecnológicas: “os deslocamentos espacial e temporal

oferecem amplas oportunidades para a absorção dos excedentes, provocando, no entanto,

consequências dramáticas para a dinâmica da acumulação” (Harvey, 2005, p. 136). O

deslocamento temporal pode se dar, por exemplo, por meio de investimentos de longo prazo

(como infraestruturas físicas e sociais), usados para absorver os excedentes disponíveis no

sistema. No entanto, essa absorção é comprometida pela existência de fricções no uso

intersetorial de recursos (capital e trabalho são heterogêneos, diferenciando-se por liquidez e

proficiência técnica) e pelo risco de não maturação dos investimentos de longo prazo. Ou seja,

a crise pode ser adiada por meio de deslocamentos temporais, mas não se torna inevitável.

Já o deslocamento espacial diz respeito à expansão ou reestruturação dos espaços

geográficos, podendo ocorrer por meio da exportação ou importação de excedentes, da

eliminação de “limites espaciais” ou da transformação das relações geográficas33

. Para

Harvey (2005), o conhecimento destes fenômenos é fundamental à construção da sua teoria da

geografia histórica do capitalismo e à compreensão da dinâmica capitalista, pois:

“Suspeita-se... que, no século XX, a sobrevivência do capitalismo foi

assegurada apenas pela transformação das relações espaciais e pela

ascensão de estruturas geográficas específicas (como centro e periferia,

primeiro e terceiro mundos). As 'ondas inovadoras', que outros autores...

consideram fundamentais para a absorção dos excedentes de capital e

trabalho... tinham, muitas vezes, tudo a ver com a transformação do

espaço: as ferrovias, as telecomunicações...” (p. 142-3).

Em outras palavras, a circulação do capital vai construindo uma “coerência

estruturada” de produção e consumo em um espaço. Apesar de fundamentadas em estruturas

fixas, elas não são imutáveis, sendo sensíveis às tensões inerentes à circulação do capital34

,

33

O autor pondera que, apesar do capitalismo sempre buscar realizar o lucro no menor tempo possível, tendo

assim o espaço como obstáculo, sua superação só pode ser alcançada por meio de elementos espaciais fixos

(como redes de transporte e comunicações). Ou seja, a organização espacial é necessária para superar o próprio

espaço, além dos meios de produção precisarem ser unidos em algum local.

34 Por exemplo, a superacumulação de excedentes e a luta de classes podem pressionar o deslocamento do capital

e/ou trabalho; a dinâmica tecnológica e organizacional pode alterar os limites territoriais, tornando-os instáveis e

porosos; e as novas formas capitalistas de organização (como as multinacionais) podem aumentar a liberdade de

ação dos agentes privados e abalar os espaços soberanos nacionais.

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tendendo a reestruturações recorrentes, em uma instabilidade crônica. De certo modo, o

capitalismo busca criar e moldar a paisagem física e social às suas necessidades em um

instante, para destruí-la no posterior, sempre reformulando as estruturas geográficas.

Uma importante consequência dessa dinâmica é o surgimento de “alianças regionais

de classes”, formadas em resposta à necessidade de defender as comunidades e valores de

coerências já estruturadas em um espaço. Elas diferem conforme os grupos de interesses, as

condições locais e objetivos, podendo ter múltiplas relações com o Estado e suas instituições

– de tal modo que os processos de lutas de classes ganham um novo significado, e as crises

capitalistas podem degenerar em conflitos bélicos com importantes implicações geopolíticas.

Neste contexto de alianças regionais, as tentativas de contornar temporariamente as

crises por meio de deslocamentos temporais e espaciais ganham novos significados - como os

“ajustes espaciais”, que implicam em mudanças na configuração dos territórios soberanos.

Um exemplo destacado pelo autor é a exportação dos excedentes de capital e trabalho para

construir novas capacidades produtivas em outras áreas (as colônias), uma empreitada que

permite uma expressiva absorção de excedentes ociosos. Porém, Harvey (2005) pondera que

eventualmente a “nova” economia poderá tender à sua própria coerência estrutural e aliança

de classes regional, sendo vítima das contradições da sua própria circulação de capital. Ou

seja, ela se tornará instável e terá que fazer seus próprios ajustes, podendo até entrar em

competição com sua nação “mãe” (como foi o caso dos EUA em relação ao Reino Unido).

Novamente, a desvalorização é inevitável, a não ser que novas regiões sejam abertas.

Porém as contradições permanecem, e em algum momento irromperão em crise: “A

consequência... é difundir as contradições do capitalismo em esferas sempre maiores...”

(Harvey, 2005, p. 156). Ou seja, os “ajustes espaciais” permitem adiar as crises, porém estas

não podem ser evitadas e perigam em tornar o processo de crise convencional

(superacumulação, desvalorização e destruição de excedentes, tensões sociais) em um

processo de crise mais global pautado por embates e conflitos econômicos, políticos e

militares entre nações.

Conclusão

Boa parte das dificuldades para compreender o capitalismo e suas múltiplas

implicações reside na inadequação das ferramentas conceituais utilizadas para avaliar o seu

universo sem preconceitos ou ambiguidades. Destarte, buscou-se apoio nos estudos de alguns

importantes pensadores do assunto, que apesar de assumirem posturas ora discordantes, ora

complementares, em seu conjunto de ideias revelam uma grande riqueza elucidadora.

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Não se pretendeu realizar uma síntese completa de todos os autores citados, um

empreendimento de certo útil, mas que foge ao escopo deste artigo. Intentou-se apenas uma

síntese das categorias abordadas que dialogam entre si, mantendo em mente que se tratam

todos de escritores “de sua época”, cujos textos possuem local e data de concepção, e que

carregam consigo fortes contextos ideológicos. Assim, a contraposição de suas visões não

pode prescindir de um esforço de descategorização e revisão de pressupostos.

A bem da verdade, de certa forma cada um desses pesquisadores já realiza um esforço

de reler, resignificar e dar novas aplicações aos conceitos e ideias desenvolvidas por seus

antecessores ou contemporâneos: é inegável, por exemplo, o diálogo entre Braudel e

Wallerstein; a interlocução de Arrighi com os dois e Smith; a crítica de Brenner à Wallerstein;

e a releitura que todos eles fazem de Marx. Assim, fica claro que o capitalismo, tema central a

todos eles, é carregado de diferentes interpretações - políticas, econômicas e sociais -, a

depender das hipóteses, períodos históricos e espaços geográficos de referência.

Em suma, parece ficar claro que o capitalismo constitui uma forma econômica dentre

várias, como a economia de mercado e a “não economia”, que não se confundem e que

conviveram ao longo da história por meio de relações dinâmicas e variáveis, a depender de

diferentes fatores como os interesses e capacidades das alianças de classe regionais

historicamente desenvolvidas. Ou seja, são muitos os padrões de desenvolvimento

possibilitados pelo convívio entre as várias formas econômicas em constante mutação. No

caso da Europa moderna, graças às alianças firmadas com o poder político, o capitalismo

logrou alçar-se ao topo da divisão social do trabalho que se estendeu pelo mundo, porém de

modo cíclico e instável, e acima de tudo, notadamente flexível ao promover sucessivamente

novos ciclos sistêmicos de acumulação de capital, com seus respectivos novos centros de

sempre crescente dinamismo econômico.

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