A Economia na Era das Redes, depois da primeira onda

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    O Estado de S Paulo Outubro de 2000

    A Economia na era das redes, depois da primeira onda.

    Por Rodrigo Lara Mesquita

    "Eu so aquelle occulto e grande caboA quem chamais vs outros Tormentorio,Que nunca a Ptolomeu, Pomponio, Estrabo,Plinio, e quantos passaram, fui notorio:Aqui toda a africana costa acabo

    Neste meu nunca visto promontorio,Que pera o polo antartico se extende,

    A quem vossa ousadia tanto offende."

    Canto V, verso L, de Os Lusadas(Lus de Cames)

    No se assustem senhores com os alarmistas de planto: Wall Street no setornar um perigo para a atual fase de prosperidade da economia norte-americana e, por tabela, para a economia mundial. O que est ocorrendo umanatural correo de rumo, esperada desde o incio deste processo por todos osque tm uma base mnima de conhecimento sobre os fatores que impulsionama chamada Nova Economia, que de nova no tem nada, nem o espritosuperficial, especulativo e muitas vezes irresponsvel dos chamados analistasfinanceiros.

    Como se sabe, o atual ciclo de crescimento da economia norte-americana jtem mais de dez anos. So diversos os fatores que deflagraram este processo.Mas o que mais nos interessa o principal deles: o acelerado desenvolvimentodas redes de comunicao cuja sntese, mas no ainda o fator mais importante,

    a Internet. Desde o final dos anos setenta, as redes de comunicao tiveramum impulso tecnolgico comparvel ao que o domnio da energia teve para aera industrial. Samos de circuitos analgicos fixos para tecnologias quecomutam pacotes digitais de informao.

    Na economia norte-americana, a mais desregulamentada e por isso mesmo amais organizada do mundo, o efeito imediato deste avano foi o incio da

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    introduo das redes de comunicao nas empresas. Comeando pelo mercadofinanceiro e os setores mais organizados e sofisticados da economia, tendocomo objetivos bsicos, num primeiro momento, reduzir custos humanos eacelerar os processos operacionais vigentes. Assim que esta fase comeou a seconsolidar, os efeitos passaram a ser sentidos em outras reas, na medida emque as redes de comunicao internas das empresas induziam verdadeirasrevolues nos processos operacionais e ao mesmo tempo permitiam formas

    jamais pensadas de controle de estoques, relao com fornecedores eprincipais famlias de clientes em alguns setores. Alm disso, alavancaramdefinitivamente a utilizao da informao como insumo bsico para a

    produo de riquezas.

    Isso fez com que alguns paradigmas mudassem radicalmente. Umacomparao possvel com o processo de expanso da economia mundial no

    sculo XV.O jogo das trocas, para usar o tratamento do historiador FernandBraudel em sua magistral anlise da histria do capitalismo, estava saturadono mundo de ento cujo principal espao era a bacia do Mediterrneo.Portugal, na porta do Atlntico, naturalmente investiu na necessria expansousando esse espao, ento pouco explorado. Durante sculos avanou pela

    borda conhecida, o "bombordo", de onde se via a costa da frica. O objetivoera dobrar o Cabo das Tormentas e com isso abrir as portas para um novosurto de expanso, de crescimento do jogo das trocas. Sob os auspcios doInfante Dom Henrique, Bartolomeu Dias foi autor deste fato herico abrindoas portas para uma nova era de esperana. Da a renomeao do cabo para"Boa Esperana".

    Estamos de novo numa dessas fases da histria marcadas pela conquista denovas fronteiras para o crescimento econmico e o progresso em todos ossentidos da humanidade. A nica diferena que, agora, a expanso no mais no espao fsico, no espao virtual. E isso j se faz sentir na velocidadeem que a base monetria circula, passa de mo em mo, o que tambm fatorde riqueza. Estamos, ainda, na fase das tentativas para estabelecer o rumodefinitivo para esta arrancada. E estes perodos so extremamente propcios

    para a ao dos oportunistas e dos especuladores. Apesar do espetacularavano das tecnologias digitais nos ltimos anos, a estrada ainda no estpronta. Assim como, antes de atravessar o Cabo das Tormentas no sculo XV,o Estado portugus teve que investir mais de um sculo em aquisio deconhecimento e tecnologia, ns tambm, agora, teremos que investir naaquisio de conhecimento e de tecnologia.

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    No sero necessrios cem anos de investimento, mas o espao a serpercorrido tem o mesmo significado. A velocidade do mundo contemporneo outra, assim como o volume de investimentos e o impacto dos novos

    processos no mundo conhecido. esta correo de rumos que est ocorrendono momento. A exuberante economia norte-americana e seu principal vetor,que a riqueza de seus cidados, esto descobrindo que a estrada no est

    pronta e que por isso o valor atribudo s StarMedias da vida; s "ponto com",com suas promessas mirabolantes de resultados que viro, mas em outrotempo. O futuro ser delas, o presente das empresas de infra-estrutura. Asresponsveis pelas bssolas, pelos sextantes, pelas velas, por todos osrequisitos tcnicos para tornar esse mundo futuro possvel. Ainda no otempo das caravelas, as "ponto com" do nosso tempo.

    No curto prazo, as empresas que se valorizaro so os construtores das

    ferramentas, da estrutura da estrada, a Internet e seus sucedneos: osfabricantes de roteadores, chaveadores, servidores, softwares de suporte eaplicao, alm da prpria estrutura da estrada em si que so as fibras pticase sua canalizao.

    O crescimento da disponibilidade de capacidade de comunicao, a bandapassante, s tem paralelo na tambm espetacular queda cada vez mais visvelde seus custos. Padres de tarifao hoje em voga, como tempo de conexo edistncia, sero cada vez menos importantes na definio do custo total datransmisso de informaes. O meio de comunicao ser o que o mar era

    para as caravelas e estar disponvel para todos que souberem manej-lo eutiliz-lo em seu proveito.

    Todos estes avanos espetaculares no teriam o menor sentido sem ocomputador pessoal, outra conquista bsica e outro campo no qual teremosque investir ainda algum tempo em aquisio de conhecimento edesenvolvimento de tecnologia. Conhecimento no sentido de utilizao daferramenta pelo pblico e tecnologia no seu sentido estrito, de "conjunto deconhecimentos, especialmente princpios cientficos, que se aplicam a um

    determinado ramo de atividade" e cujo desenvolvimento barateia a ferramentae facilita a sua utilizao pelo pblico em geral.

    O que a capacidade de organizao e tratamento da informao pelocomputador pessoal trouxe aos indivduos inestimvel. Foi o que

    possibilitou, de fato a participao ativa de uma grande parcela da sociedadeno processo atravs das redes de comunicao. A tendncia que o

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    computador pessoal agregue mais e mais servios domsticos, terminando porincorporar nosso telefone, fax, organizao e execuo de tarefas, agenda elazer - onde se incluem msica, imagem e interao.

    Claramente, esta indstria tambm continuar se valorizando, mesmo que hojea maior parte da humanidade ainda no tenha acesso ao seu produto, ocomputador, e a pequena parcela que j o possui se utiliza dele com o medoque nos causa o desconhecimento. O frentico desenvolvimento a queassistiremos nos prximos anos far com que o preo desta ferramentadespenque aceleradamente e a tornar totalmente amigvel at para osanalfabetos.

    Enquanto isso, o mercado estar em sua fase inicial de formao. isso que os"otrios" manejados pelos analistas de mercado esto descobrindo e por isso

    que estamos vivendo a drstica mudana de rumos ,que se traduz nas bruscasflutuaes da Nasdaq. No mais possvel valorizar as empresas "ponto com"por mltiplos de receita. Os analistas e bancos de investimento, que realizamseu lucro na operao de venda do resultado futuro, no conseguem convenceros investidores, que teoricamente so os companheiros de viagem dosconstrutores das empresas que comporo o futuro, que as estapafrdias

    projees de receitas podero vir a se realizar no curto prazo.

    Fazendo outro paralelo histrico, estamos no mesmo ponto em que o gnioportugus estava quando chegou terra que chamaram de Vera Cruz, em1500. O foco continuava na sia e no haviam nem excedentes humanos nemvontade poltica para colonizar a terra descoberta. A expanso do ImprioEspanhol e as notcias de ouro e prata no Oeste do continente descobertodespertaram o interesse do Estado portugus que, atravs do seu gnio para aexpanso geogrfica mapeou nos 30 anos seguintes o Peabiru, o conjunto decaminhos indgenas que lhes permitiam ir do Atlntico aos Andes, ao Pacficoe Amaznia. Foi esta formidvel rede que permitiu a expanso do domnio

    portugus sobre o Brasil nos 300 anos subsequentes, primeiro atravs dobandeirismo e depois atravs do prprio Estado brasileiro.

    este o tempo que estamos vivendo. As barreiras que os novos desbravadorestm que vencer so equivalentes s enfrentadas pelos desbravadores daquelapoca. Como agora, foi se formando uma nova mentalidade baseada nasconquistas da economia dominante, nas conquistas do Estado portugus. Eningum abre mo do poder de graa, o que explica os conflitos que se foramformando entre os autores da conquista e o poder institudo, tanto naquela

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    poca quanto hoje. Na verso atual, este conflito se d entre os detentores dopoder na economia fsica, que tm medo do futuro ainda que este medosignifique a perda da oportunidade de continuar indo adiante, e os agentes queinturam o processo de mudana.

    Todos estes revolucionrios avanos tecnolgicos levaram o ambiente denegcios a se caracterizar pelo que o laboratrio de mdia do MIT, o MediaLab cujo papel na economia contempornea semelhante ao da Escola deSagres na economia europia do sculo XV, chamou de "movimento dasgrandes convergncias". So elas: a convergncia entre pesquisa edesenvolvimento; a convergncia entre redes de comunicao e mercados,cada vez mais difceis de se distinguir; a convergncia entre precificao emecanismos de relao comercial com o mercado; a convergncia entre designe engenharia; a convergncia entre produto e servio; a convergncia entre

    contedos e transaes; a convergncia entre front e back office. Quemtrabalha em empresas virtuais de informao desde a dcada de oitenta viveesta situao em toda a sua plenitude, assim como muitas das empresasconstrutoras da infra-estrutura.

    evidente que estes movimentos tm impactos ainda impossveis de seremmensurados em toda a sua magnitude na estrutura da economia conhecida.Isso se acentua porque existem dois tipos clssicos de profissionais: os quefocaram sua formao na conquista de ferramentas que lhes permitiriamdominar estruturas conhecidas e maduras e os que focaram sua formao naaquisio do conhecimento que lhes permitiria acompanhar processos.

    Naturalmente, o primeiro tem mais dificuldade para se conscientizar do queWalter Bender, diretor do Media Lab, nos explica: "h duas revoluesfermentando. A primeira uma revoluo de comunicao interpessoal. Asegunda revoluo nao de tecnologia, mas de epistemologia e aprendizado.Construcionismo, aprender fazendo; a revoluo de Dewey, Piaget e Papert.O aprendizado acontece melhor no no espao formal da sala de aula. Eleacontece em aplicaes concretas. Eis porque devemos buscar construirambientes para fazer". No esta a lgica do mundo tradicional de negcios,

    mundo acostumado com empreendimentos com break-even point e pay backsprevisveis. E o primeiro profissional se formou com esta preocupao.

    Foi este cenrio em formao que permitiu os negcios milionrios nestesprimeiros anos da era das redes de comunicao. Negcios montados emequivalentes dos barcos venezianos e genoveses. Negcios calcados nodesconhecimento do pblico e na sua natural curiosidade pelo novo e que por

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    questes circunstanciais puderam ser altamente alavancados neste primeiromomento. Mas negcios vazios, negcios que no suportam uma anlise maiscriteriosa. Ainda assim, tambm eles acabaro por dar a sua contribuio ao

    processo. Aplicativos, idias novas que sero assimiladas pelas caravelas dofuturo, quando a estrada estiver pronta e sustentar de fato aes em largaescala de comrcio virtual e outras formas de relao econmica que surgironos prximos quinze anos, o tempo necessrio para a era das redes sair da sua

    primeira infncia, passar pela adolescncia e entrar finalmente na fase deamadurecimento.

    Mas o futuro ser montado pelos desbravadores. Pelos que tiveram coragemde ir em frente com empresas virtuais no oportunistas. Com empresas que seaproveitaram e se aproveitam destes primeiros anos de estrada esburacada, oconjunto de tecnologias que compem hoje a Internet, e de um veculo

    precrio, os atuais computadores, para organizar contedos que podemacelerar todo o processo ao serem utilizados pelos setores mais estruturados esofisticados da nossa sociedade. Oferecendo cada vez mais os aplicativosinterativos para formar as chamadas comunidades de interesse procurandoagregar valor ao chamado comrcio virtual. este o modelo de negcio

    possvel para as "ponto com", as caravelas do futuro, equipadas com velaslatinas a prova de todos ventos, com o sextante e a bssola para manteremfirmemente o rumo na direo do futuro.

    Bons ventos!

    (*) Rodrigo Lara Mesquita jornalista, diretor da Agncia Estado.