A Educacao Do Nao-Artista Parte I_Allan Kaprow

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Wolf Vostell, Nie Wieder, Never, Jamais, 1964. Foto Heinrich H. Riebesehl.

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    Wolf Vostell, Nie Wieder, Never, Jamais, 1964. Foto Heinrich H. Riebesehl.

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    A Educao do No-Artista, Parte I (1971)Allan Kaprow

    Allan Kaprow conhecido como o criador do happening. Desde 1958, quando realizou os

    primeiros environments, que so instalaes-ambientes, sua ao como artista passa a

    ser uma proposio de integrao de espao e materiais, em que o visitante envolvido.

    nesse processo que prope uma relao em que o espectador assume a co-criao.

    Tendo estudado com John Cage, trabalhou com Nan June Paik e com o grupo Fluxus,

    e, assim como Vostell, via ntima relao entre a arte e a vida. Seus happenings mais

    conhecidos so 18 Happenings in Six Parts, Calling, Gas, Fluids e BTUs.

    Nascido em 1927, em Atlantic City, New Jersey, Kaprow estudou arte na Universidade

    de Nova York, fez ps-graduao em filosofia e recebeu o MA em Histria da Arte pela

    Universidade de Columbia. Desenvolveu durante muitas dcadas, paralelamente ao

    artstica ou, melhor, ao no artstica, como defende no texto aqui traduzido, uma

    atividade no campo universitrio, sendo professor na State University of New York at Stony

    Brook, assim como no California Institute of the Arts. Foi ainda co-diretor do projeto Other

    Way, em Berkeley, que consitia em introduzir atelis de artistas em escolas pblicas do

    nvel elementar ao nvel mdio.

    Kaprow escreveu uma srie de artigos que foram publicados na Art News: The Legacy of

    Jackson Pollock, em outubro de 1958; Happening in the New York Scene, em maio de

    1961; Impurity, em janeiro de 1963 e, The Education of Un-Artist, Part I, em fevereiro

    de 1971.

    A sofisticao da conscincia na arte hoje em dia (1969) to grande, que no difcil afirmar

    como fatos:

    que o mdulo LM de pouso na lua patentemente superior a todos os esforos da escultura contempornea;

    que a transmisso do dilogo entre o Centro de Viagens Espaciais Tripuladas de Houston e os astronautas da Apolo 11 foi melhor do que a poesia contempornea;

    que, com suas distores de som, bipes, estticas e quebras de comunicao, tais dilogos tambm ultrapassam a msica eletrnica das salas de concerto;

    que certos videoteipes por controle remoto focalizando a vida de famlias dos guetos e gra-vados (com sua permisso) por antroplogos so mais fascinantes do que os clebres filmes underground sobre a vida crua;

    que no poucos desses fericos postos de gasolina de plstico e ao inoxidvel de, digamos, Las Vegas, so o mais extraordinrio projeto arquitetnico j realizado at hoje;

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    que os movimentos randmicos, como o transe dos consumidores em um supermercado, so mais ricos do que qualquer coisa feita na dana moderna;

    que retalhos sob camas e os entulhos de depsitos de lixo industrial so mais envolventes do que a recente onda de exibies de refugos espalhados;

    que os rastros de fumaa deixados pelos testes de foguetes - imveis, coloridos como arco-ris, preenchendo os cus com rascunhos - so inigualveis por artistas que exploram a mdia gasosa;

    que o teatro da guerra no Vietnam no sudeste asitico ou o julgamento dos Oito de Chicago, apesar de indefensvel, melhor teatro do que qualquer pea;

    que...etc., etc., ... no-arte mais arte do que Arte arte.

    Membros do Clube (Senhas Dentro e Fora)No arte qualquer coisa que, embora ainda no aceita como arte, tenha atrado a ateno de

    um artista com essa possibilidade em mente. Para quem est envolvido, no arte (senha um) existe

    apenas furtivamente, como alguma partcula subatmica ou talvez apenas como um postulado.

    De fato, no momento em que qualquer exemplo desse tipo oferecido de maneira abrangente, ele

    automaticamente se torna um tipo de arte. Digamos que eu esteja impressionado com as esteiras

    mecnicas de transporte de roupas freqentemente usadas em lavanderias a seco. Zs! Enquanto

    continuam a realizar seu trabalho normal de vir rolando, trazendo-me meu terno em 20 segundos

    exatos, elas tambm atuam como ambientes cinticos, simplesmente porque eu o pensei e aqui

    registrei. Pelo mesmo processo todos os exemplos citados acima so recrutados pela arte. Arte

    muito fcil hoje em dia.

    Porque a arte to fcil, h um nmero crescente de artistas que esto interessados nesse pa-

    radoxo e desejam prolongar sua resoluo, mesmo que apenas por uma semana ou duas, pois a vida

    da no-arte precisamente sua identidade fluida. A dificuldade anterior da arte nos estgios de

    elaborao pode ser transposta nesse caso para uma arena de incerteza coletiva sobre o que chamar

    a criatura: sociologia, fraude, terapia? Um retrato Cubista em 1910, antes de ser classificado como

    uma aberrao mental, era evidentemente por si mesmo uma pintura. Ampliar sucessivamente vises

    cada vez mais prximas de um mapa areo (um exemplo bem tpico da arte de stio dos anos 1960)

    pode mais obviamente sugerir um plano de bombardeio areo.

    Os proponentes da no-arte, de acordo com essa descrio, so aqueles que, consistentemente

    ou uma vez ou outra, escolheram trabalhar fora da palidez dos estabelecimentos de arte quer dizer, em suas cabeas ou em seu domnio natural dirio. Todas as vezes, porm, eles informaram o meio

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    artstico estabelecido de suas atividades, para colocar em movimento as incertezas sem as quais

    seus atos no teriam significado. A dialtica arte/no-arte essencial uma das doces ironias qual voltarei vrias vezes daqui em diante.

    Dentro desse grupo, em que alguns dos membros no se conhecem ou, se o fazem, no gostam

    uns dos outros, existem criadores de conceitos, como George Brecht, BenVautier e Joseph Kosuth;

    guias de sons achados, tais como Max Neuhaus; trabalhadores da terra, como Dennis Oppenheim e

    Michael Heizer; alguns dos construtores de ambiente dos anos 50; e alguns happeners, como Milan

    Knz?k, Marta Minujin, Kazuo Shiraga, Wolf Vostell e eu.

    Mas, cedo ou tarde, a maioria deles e seus colegas pelo mundo viram seu trabalho absorvido pelas

    instituies culturais contra as quais eles inicialmente mediam sua liberao. Alguns o desejaram

    dessa forma; foi, usando uma expresso de Paul Brach, como pagar as taxas devidas para entrar no

    sindicato. Outros empurraram isso para o lado, continuando o jogo de novas formas. Todos, porm,

    descobriram que a senha um no funciona.

    No-arte freqentemente confundida com antiarte (senha 2), a qual no tempo de Dada e mesmo

    anteriormente era no-arte agressivamente (e astutamente) introduzida no mundo das artes para

    desestabilizar valores convencionais e provocar respostas estticas positivas e/ou respostas ticas.

    Ubu Roi, de Alfred Jarry, Furniture Music, de Erik Satie, e Fountain, de Marcel Duchamp so exemplos

    familiares. A exibio do falecido Sam Goodman em Nova York, alguns anos atrs, de variedades de

    pilhas de esterco esculpidas foi ainda outro exemplo. No-arte no tem tal inteno; e inteno

    parte tanto da funo quanto do sentimento em qualquer situao que deliberadamente torna

    impreciso seu contexto operacional.

    parte da questo sobre se as artes histricas alguma vez demonstraram ser causa de algum

    se tornar melhor ou pior e admitindo que toda arte presuma edificar de alguma forma (talvez

    apenas para provar que nada pode ser provado), tais programas assumidamente moralistas parecem

    ingnuos, hoje, luz das bem maiores e mais eficientes mudanas de valores trazidas pelas presses

    polticas, militares, econmicas, tecnolgicas, educacionais e publicitrias. As artes, pelo menos at

    o presente, tm sido lies pobres, exceto possivelmente para artistas e seus reduzidos pblicos.

    Apenas esses grupos de interessados alguma vez fizeram qualquer grande reivindicao para a arte.

    O resto do mundo no poderia importar-se menos. Antiarte, no-arte ou outras designaes cultu-

    rais desse tipo compartilham, afinal, a palavra arte ou sua presena implcita e, portanto, apontam

    para uma discusso familiar, na melhor das hipteses, se que no a reduzem literalmente a uma

    tempestade em copo dgua. E isso verdade para a maior parte desta discusso.

    Quando Steve Reich suspende uma determinada quantidade de microfones acima de alto-falantes correspondentes, coloca-os girando como pndulos e amplifica o seu som de modo que o rudo de retorno (feedback) seja produzido - isso arte.

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    Quando Andy Warhol publica uma transcrio no editada de 24 horas de conversa gravada - isso arte.

    Quando Walter De Maria enche um quarto com sujeira - isso arte.

    Sabemos que se trata de arte porque um anncio de concerto, um ttulo em uma capa de livro e uma galeria de arte afirmam que o so.

    Se a no-arte quase impossvel, a antiarte virtualmente inconcebvel. Em meio aos que dis-

    so entendem (e praticamente qualquer estudante de graduao e/ou ps se qualificaria), todos os

    gestos, pensamentos e feitos podem tornar-se arte a um capricho do mundo artstico. At mesmo

    assassinato, rejeitado na prtica, poderia ser uma proposta artstica admissvel. Antiarte em 1969

    abraada em todos os casos como pr-arte e, portanto, do ponto de vista de uma de suas funes

    bsicas, anulada. Voc no pode ser contra a arte quando a arte convida para sua prpria des-

    truio, como uma cena de Punch-and-Judy1 destacada do repertrio de posturas que a arte pode

    tomar. Logo, ao perder o ltimo vestgio de pretenso de liderana moral por meio da confrontao

    moral, antiarte, como todas as outras filosofias de arte, simplesmente obrigada a responder

    ordinria conduta humana e tambm, tristemente, ao refinado estilo de vida ditado pelos cultos e

    ricos que a aceitam de braos abertos.

    Quando Richard Artschwager discretamente pinta pequenos oblongos negros em partes de prdios pela Califrnia e tem algumas poucas fotos para mostrar e estrias para contar isso arte.

    Quando George Brecht imprime em pequenos cartes, para mandar para amigos pelo mundo, a palavra DIREO isso arte.

    Quando Ben Vautier assina seu nome (ou o de Deus) em qualquer aeroporto isso arte.

    Esses atos so obviamente arte porque so praticados por pessoas associadas s artes.

    de esperar que, apesar da paradoxal percepo a que me referi no comeo deste texto, arte

    Arte (senha trs) seja a condio, tanto na mente quanto literalmente, sobre a qual toda novidade

    vem a repousar. Arte Arte leva a arte a srio. Ela presume, no importa o quo disfaradamente,

    uma certa raridade espiritual, um ofcio superior. Ela tem f. Ela reconhecvel por seus iniciados.

    1 Punch and Judy uma expresso em ingls que se refere a um tradicional show de fantoches no qual o pequeno corcunda de nariz adunco, Punch, luta comicamente com sua esposa, Judy. (N. T.)

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    Ela inovadora, claro, mas grandemente em termos de uma tradio de movimentos e referncias

    profissionais: arte cria arte. Acima de tudo, arte Arte mantm para seu uso exclusivo certos cenrios

    e formatos sagrados transmitidos por sua tradio: exposies; livros; gravaes; concertos; arenas;

    templos; monumentos cvicos; palcos; telas de cinema e colunas de cultura da mdia de massa.

    Esses meios concedem crdito, da mesma forma que universidades concedem graduaes.

    Desde que a Arte se atenha a esses contextos, ela pode, e freqentemente o faz, se fantasiar

    com ecos nostlgicos de antiarte, referncia que a crtica observou corretamente nos primeiros es-

    petculos de Robert Rauschenberg. Isso evidente por si em pinturas e escritos Pop posteriores, os

    quais fizeram uso deliberado de clichs comuns em seu contedo e mtodo. Arte Arte tambm pode

    assumir as feies, apesar de no o meio, da no-arte, como em grande parte da msica de John

    Cage. De fato, arte Arte sob a forma de no-arte rapidamente tornou-se um estilo elevado durante a

    temporada de 1968-69 nos espetculos da Galeria Castelli de disperses informais de feltro, metal,

    corda e outras matrias brutas. Logo depois, essa quase no-arte alcanou sua apoteose virtual na

    apresentao de material similar no Museu Whitey, chamada Anti-iluso: Procedimentos/Materiais.

    Uma dica sobre antiarte saudava o observador no ttulo, seguida pelas garantias das anlises dos

    eruditos; mas longe de fomentar controvrsia, o templo de musas certificava que tudo era cultural.

    No havia iluso sobre isso.

    Se o compromisso com a estrutura poltica e ideolgica da arte contempornea est implcito

    nesses exemplos aparentemente obscenos, e nos citados no comeo desta narrativa, ele explcito

    na maioria das produes diretas de arte Arte: os filmes de Godard; os concertos de Stockhausen;

    as danas de Cunningham; os prdios de Louis Kahn; a escultura de Judd; as pinturas de Frank

    Stella; os romances de William Burroughs; as peas de Grotowski; as performances de mdia-mista de

    E.A.T. para mencionar alguns bem conhecidos artistas contemporneos e eventos de realizao significativa. No que alguns deles sejam abstratos, e isso seja sua Arte ou que outros tenham

    estilos e assuntos apropriados. que eles raramente, quando muito, atuam como renegados com

    relao profisso da arte em si. Suas realizaes, muitas das quais no passado recente, so devidas

    talvez a uma postura consciente e pungente assumida contra a eroso de seus respectivos campos

    mediante seu afloramento como no-artistas. Talvez se tratasse de mera inocncia ou da estreiteza

    de foco de seu profissionalismo. De qualquer modo, eles seguiram a regra silenciosa de que, como

    senha de acesso, Arte a melhor palavra de todas.

    questionvel, porm, o fato de se vale pena estar dentro. Como um objetivo humano e como

    uma idia, a Arte est morrendo e no s porque opera dentro de convenes que cessaram de ser frteis. Ela est morrendo porque preservou suas convenes e, em relao a elas criou um desnimo

    crescente, oriundo da indiferena ao que eu suspeito ter-se tornado o mais importante, apesar de

    muitas vezes inconscientemente, tema das belas artes: a fuga ritual da Cultura. No-arte medida

    que se transforma em Arte arte pelo menos interessante no processo. Mas arte Arte que comea

    como tal corta o ritual e causa, desde o comeo, uma sensao de ser meramente cosmtica, um

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    luxo suprfluo, apesar de tais qualidades de fato no preocuparem nem um pouco seus criadores.

    O maior desafio da arte Arte, em outras palavras, emergiu de sua prpria herana, de uma hi-

    perconscincia de si mesma e seus arredores cotidianos. Arte arte tem servido como uma instrutiva

    transio para sua prpria eliminao pela vida. Uma percepo to aguda assim em meio aos

    artistas permite que todo o mundo e sua humanidade sejam experimentados como um trabalho de

    arte. Com a realidade comum to brilhantemente iluminada, aqueles que escolhem se engajar em

    uma tentativa de exibio aberta de criatividade convidam (desse ponto de vista) a que sejam feitas

    comparaes desesperantes entre o que eles fazem e contrapartes supervvidas no meio ambiente.

    Iseno dessa grande referncia impossvel. Artistas de Arte, apesar das declaraes de que seu

    trabalho no deve ser comparado vida, sero invariavelmente comparados com no-artistas. E, uma

    vez que a no-arte deriva sua frgil inspirao de tudo exceto da arte, da vida, a comparao entre

    Arte arte e vida ser feita de qualquer modo. Poder-se-ia ento demonstrar que, voluntariamente

    ou no, tem havido um ativo intercmbio entre Arte arte e no-arte e, em alguns casos, entre Arte

    arte e o grande mundo (toda arte tem utilizado a experincia real de mais modos do que o da

    traduo). Realocada por nossas mentes em um cenrio global em vez de num museu ou biblioteca

    ou no palco, Arte, no importa como chegou l, se sai realmente muito mal.

    Por exemplo, La Monte Young, cujos espetculos de sons graves complexos me interessam como

    Arte arte, conta que em sua infncia no Noroeste, ele costumava colocar sua orelha contra as torres

    eltricas de alta tenso que cruzavam os campos; ele gostava de sentir a vibrao dos fios ao longo

    de seu corpo. Eu tambm fiz isso quando menino e o prefiro aos concertos de msica de Young. Era

    mais impressionante visualmente e menos lugar-comum na vastido de seu ambiente do que em

    um auditrio ou sala de concertos.

    Dennis Oppenheim descreve outro exemplo de no-arte: no Canad ele cruzou correndo um

    terreno enlameado, fez moldes de gesso de suas pegadas (como fazem os policiais que investigam

    as cenas de crimes) e ento exibiu pilhas dos moldes em uma galeria. A atividade foi excelente; a

    parte da exposio foi banal. Os moldes poderiam ter sido deixados na delegacia de polcia local

    sem identificao. Ou jogados fora.

    Aqueles que desejam ser chamados artistas, para que tenham todos ou alguns de seus atos e idias considerados arte, tm apenas que jogar um pensamento artstico ao redor deles, anunciar o fato e persuadir outros a acreditarem neles. Isso publicidade. Como Marshal McLuhan escreveu uma vez: Arte aquilo com que voc consegue se safar.

    Arte. A est o porm. Neste estgio de conscincia, a sociologia de cultura emerge como os

    membros de uma pantomima. Sua nica platia uma escalao de profisses criativas e perfomticas

    observando a si mesmas, como em um espelho, realizar uma luta entre autodesignados comandos,

    curingas, crianas de rua e agentes triplos que parecem estar tentando destruir a igreja do sacerdote.

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    Mas todos sabem como tudo termina: na igreja, claro, com todo o clube curvando suas cabeas e

    murmurando preces. Eles rezam por si mesmos e por sua religio.

    Os artistas no podem adorar lucrativamente o que est moribundo; tampouco podem lutar con-

    tra tal excesso de solidez quando apenas momentos depois eles endeusam suas destruies e atos

    como objetos de culto na mesma instituio que eles visavam destruir. Essa uma farsa evidente.

    Um caso claro de golpe para tomar a gerncia da empresa.

    Mas, se os artistas so lembrados de que ningum alm deles d a mnima para isso ou sobre a

    questo da unnime concordncia ou no com o julgamento aqui, ento a entropia de toda a cena

    comea a parecer bem engraada.

    Ver a situao como uma comdia rasa uma das sadas do rolo. Eu proporia que o primeiro

    passo prtico em direo risada fosse nos transformar em no-arte, evitar todos os papis est-

    ticos, desistir de todas as referncias para ser artistas de qualquer tipo. Tornando-nos no-artistas

    (senha quatro) talvez possamos existir apenas to fugazmente quanto os no-artistas, pois quando

    a profisso artstica descartada, a categoria arte torna-se sem sentido ou, pelo menos, antiquada.

    Um no-artista algum que est engajado em mudar trabalhos, em modernizar.

    O novo trabalho no o habilita a se tornar um naf por fazer um rpido recuo at a infncia e

    o ontem. Pelo contrrio, ele requer ainda mais sofisticao do que o no-artista j possui. Em vez

    do tom srio que tem normalmente acompanhado a busca pela inocncia e verdade, a no-arte

    provavelmente emergir como humor. a que o velho santo no deserto e o louco por novidades que

    viaja a jato de aeroporto em aeroporto se separam. O trabalho implica diverso, nunca gravidade

    ou tragdia.

    claro que, partindo das artes, significa que a idia de arte no pode ser facilmente abandonada

    (mesmo que a pessoa sabiamente nunca murmure a palavra). Mas possvel astutamente desviar toda

    a operao no-artstica para longe de onde as artes costumeiramente se congregam, tornando-se,

    por exemplo, um contador, um ecologista, um dubl, um poltico, um vagabundo de praia. Nesses

    diferentes ambientes, os vrios tipos de artes discutidos operariam indiretamente como um cdigo

    guardado que, em vez de programar um curso especfico de comportamento, facilitaria uma atitude

    de brincadeira deliberada em relao a todas as atividades profissionalizantes bem alm da arte.

    Embaralhando os sinais, talvez. Alguma coisa como aqueles venerveis aficcionados por baseball

    que num espetculo de vaudeville comearam a falar: Quem vai em primeiro? No, Que est na

    primeira; Quem est na segunda...2

    Quando, recentemente, algum annimo chama nossa ateno para a ligeira transformao

    2 O autor faz um trocadilho com a frase Whos on first? que tanto pode ser traduzida como Quem vai primeiro? Quanto como Quem est na primeira (no caso, primeira base de um jogo de baseball. Depois ele faz um trocadilho com nomes na resposta: No, Watts (que soa similar ao pronome What - Que) on first; Hughs (que soa similar a Who - Quem) on second.... (N. T.)

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    que ele ou ela fez em uma escadaria de um andar e outra pessoa nos leva a examinar uma parte no alterada da Park Avenue em Nova York, ambas as coisas tambm foram arte. Quem quer que fossem aquelas pessoas, elas levaram a mensagem para ns (artistas). Ns fizemos o resto em nossas cabeas. Apostas Seguras para Seu Dinheiro

    Pode-se dizer, com boa margem de segurana, que as vrias formas de mdias combinadas ou

    artes montadas crescero tanto no sentido do intelectual quanto nas aplicaes de massa, tais como

    shows de luzes, demonstraes da era espacial em feiras mundiais, suportes educacionais, vitrinas

    de vendas, brinquedos e campanhas polticas. E esses podem ser os meios pelos quais todas as artes

    cessaro aos poucos.

    Apesar de a opinio pblica aceitar as mdias combinadas como adies ao panteo ou como

    novos moradores situados ao redor das fronteiras do universo em expanso de cada mdia tradicional,

    elas mais provavelmente so rituais de fuga das tradies. Dado o padro histrico da arte moderna

    em direo especializao ou pureza pintura pura, poesia pura, msica pura, dana pura quaisquer misturas tiveram que ser consideradas contaminaes. E, nesse contexto, contaminao

    deliberada pode agora ser interpretada como um rito de passagem. ( digno de nota nesse contexto

    que, mesmo neste momento tardio, ainda no existam publicaes dedicadas mdia combinada).

    Dos artistas envolvidos em mdias combinadas durante a ltima dcada, poucos se interes-

    saram em aproveitar-se das fronteiras imprecisas das artes, dando o prximo passo para tornar

    a arte um todo impreciso, transformando-a em um conjunto de no-artes. Dick Higgins, em seu

    livro, foew&ombwhnw, d exemplos instrutivos de vanguardistas tomando posies entre teatro e

    pintura, poesia e escultura, msica e filosofia e entre vrias intermdia (termo dele) e teoria de

    jogos, esportes e poltica.

    Abbie Hoffman aplicou o intermdia dos happenings (via Provos3) a um objetivo filosfico e po-

    ltico h dois ou trs veres. Com um grupo de amigos, ele foi at o balco de observao da Bolsa

    de Valores de Nova York. A um sinal, ele e seus amigos jogaram punhados de notas de dlares no

    andar de baixo, onde as operaes de compra e venda estavam em seu auge. De acordo com seu

    relato, os operadores de bolsa vibraram, mergulhando para pegar as notas; o prego parou; o mer-

    cado provavelmente foi afetado; e a imprensa noticiou a chegada dos policiais. Mais tarde naquela

    noite, o evento apareceu em cadeia nacional no noticirio da televiso: um sermo na mdia para

    mandar tudo para o inferno como Hoffman diria.No faz diferena se o que Hoffman fez chamado de ativismo, criticismo, fazer os outros de

    palhaos, autopromoo ou arte. O termo intermdia implica fluidez e simultaneidade de papis.

    Quando a arte apenas uma das vrias funes possveis que uma situao pode ter, ela perde

    seu status privilegiado e se torna, de certa forma, um atributo menor. A resposta intermidial pode

    ser aplicada a tudo digamos, um vidro velho. O vidro pode servir para o professor de geometria 3 Provos: membros da faco extremista do Exrcito Republicano Irlands (IRA). (N. T.)

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    explicar elipses; para o historiador, pode ser um indcio da tecnologia de uma era anterior; para

    um pintor, pode se integrar a uma natureza morta, e o gourmet pode us-lo para beber seu Chteau

    Latour 1953. Ns no estamos acostumados a pensar assim, tudo de uma vez ou no hierarquica-

    mente, mas o intermidialista o faz naturalmente. Contexto em vez de categoria. Fluidez em vez de

    trabalho de arte.

    Seguindo esse raciocnio, as convenes de pintura, msica, arquitetura, dana, poesia, teatro,

    e assim por diante podero sobreviver marginalmente como pesquisas acadmicas, como o estudo

    do latim. Alm desses usos analticos e de curadoria, cada signo aponta para sua obsolescncia.

    Pelo mesmo ponto de vista, galerias e museus, livrarias e bibliotecas, salas de concerto, palcos,

    arenas e locais de orao sero limitados a conservaes e antigidades, isto , o que foi feito em

    nome da arte at quase 1960.

    Agncias para disseminao da informao via mdia de massa e para a instigao de ativida-

    des sociais se tornaro os novos canais de percepo e comunicao, no substituindo a clssica

    experincia da arte (porm, muitas coisas que podem ter sido), mas oferecendo aos antigos ar-

    tistas meios compulsivos de participar de processos estruturados que podem revelar novos valores,

    incluindo o valor da diverso.

    A esse respeito, as buscas tecnolgicas dos no-artistas de hoje se multiplicaro medida que

    indstrias, governo e educao lhes proporcionem recursos. Tecnologia de sistemas envolvendo

    a interface de experincias coletivas e individuais, em vez de tecnologia de produto, dominaro

    a tendncia. Software, em uma palavra. Mas ser uma perspectiva de sistemas que favorece uma

    abertura em relao ao resultado, em contraste com os usos literais e voltados para objetivos atu-

    almente empregados pela maioria dos especialistas de sistemas. Como no passatempo de infncia

    chamado Telefone (no qual amigos em um crculo sussurram em cadeia poucas palavras no ouvido

    do mais prximo s para ouvi-las deliciosamente diferentes quando o ltimo as fala em voz alta),

    o loop de retorno o modelo. Brincadeira e o uso brincalho da tecnologia sugerem um interesse

    positivo nos atos de contnua descoberta. A atitude brincalhona pode tornar-se no futuro prximo

    um benefcio social e psicolgico.

    Uma rede global transmitindo e recebendo simultaneamente jogos de tev. Aberta ao pblico 24 horas por dia, como qualquer lavanderia. Um centro de jogos em cada grande cida-de do mundo. Cada um deles equipado com 100 ou mais monitores de diferentes tamanhos, de algumas polegadas at a dimenso de paredes, em superfcies planas e irregulares. Uma dzia de cmeras que se movem automaticamente (como aquelas escondidas em bancos e aeroportos, mas agora mostradas proeminentemente) enquadraro e se fixaro em qualquer um ou qualquer coisa que passe ou esteja vista. Incluindo cmeras e monitores mesmo se ningum estiver presente. As pessoas sero livres para fazer o que quer que queiram e se vero nos monitores de modos diferentes. Uma multido de pessoas poder multiplicar suas

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    imagens em um tropel.

    Mas as cmeras enviaro as mesmas imagens para todos os outros centros, ao mesmo tempo ou aps um atraso programado. Logo, o que acontece em um centro pode estar acontecendo em mil, gerado mil vezes. Mas, o programa interno para a distribuio de sinais, visveis e audveis, randmicos e fixos, tambm pode ser alterado manualmente em qualquer centro. Uma mulher pode querer fazer amor eletrnico com um homem em particular que ela viu num monitor. Controles permitiriam que ela localizasse (congelasse) a comunicao dentro de poucos tubos de tev. Outros visitantes do mesmo centro poderiam sentir-se vontade para desfrutar e at aumentar o louco e surpreendente embaralhamento girando seus diais para isso. O mundo poderia simultaneamente criar suas prprias relaes sociais. Todo mundo dentro e fora de contato ao mesmo tempo!

    P.S.: Isso obviamente no arte, uma vez que, no tempo em que fosse realizado, ningum se lembraria de que eu o descrevi aqui; ainda bem.

    E sobre a crtica de arte? O que acontece com aqueles intrpretes agudos que so ainda mais raros

    do que os bons artistas? A resposta que, luz do precedente, os crticos sero to irrelevantes

    quanto os artistas. A perda da vocao de uma pessoa, porm, poder ser apenas parcial, uma vez

    que h muito a ser feito na capacidade de identificao e nas prticas intelectuais correlatas nas

    universidades e arquivos. E quase todos os crticos detm de fato posies de ensino. Seu trabalho

    pode simplesmente desviar-se em direo investigao histrica, distanciando-se da cena em

    curso.

    Alguns crticos, porm, podem estar dispostos a se tornar eles mesmos no-artistas, junto com

    seus colegas artistas (os quais tambm freqentemente so professores e se desdobram em escritores).

    Nesse caso, todos os seus pressupostos estticos tero que ser sistematicamente descobertos e aban-

    donados, junto com sua historicamente carregada terminologia artstica. Praticantes e comentadores

    as duas ocupaes provavelmente se misturaro, uma pessoa realizando as duas alternadamente precisaro de uma linguagem atualizada para se referir ao que est acontecendo. E a melhor fonte

    para isso, como usual, a fala das ruas, as notcias de ltima hora e o jargo tcnico.

    Por exemplo, Al Brunelle, alguns anos atrs, escreveu sobre as superfcies alucingenas de certas

    pinturas contemporneas chamando-as de aberraes de pele.

    Apesar de o cenrio de droga da cultura pop ter mudado desde ento, e de novas palavras

    serem necessrias, e de alis este texto no estar preocupado com pinturas, a frase de Brunelle

    muito mais informativa do que palavras mais antigas como tche ou track, que tambm se referem

    pintura de uma superfcie. A expresso aberrao de pele foi trazida para a pintura, criando um

    erotismo intensamente vibrante que foi em particular revelador para a poca. O fato de que a ex-

  • A Ed

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    perincia esteja se desvanecendo no passado simplesmente sugere que bons comentrios podem

    ser to descartveis quanto artefatos em nossa cultura. Palavras imortais so apropriadas apenas

    para sonhos imortais.

    Jack Burnham, em Beyond Modern Sculpture (Nova York: Braziller, 1968), est consciente dessa

    necessidade de termos acurados e tenta substituir as metforas vitalista, formalista e mecanicista

    por classificaes da cincia e tecnologia, como ciberntica, sistemas de resposta, campo, au-

    tmato e assim por diante. E esses termos, contudo, esto comprometidos, porque as referncias

    ainda so a escultura e a arte. Para agir de forma completa, tais categorias piedosas teriam de ser

    totalmente rejeitadas.

    A longo prazo, crticas e comentrios como os conhecemos podero ser desnecessrios. Durante a

    recente era de anlise, quando a atividade humana era vista como uma cortina de fumaa simblica

    que tinha de ser dissipada, explicaes e interpretaes eram adequadas. Hoje em dia, porm, as

    prprias artes modernas se tornaram comentrios e podem prever a era ps-artstica. Elas comentam

    seus respectivos passados, nos quais, por exemplo, a mdia da televiso comenta filmes; um som ao

    vivo tocado ao lado de sua verso em fita comenta o real; um artista comenta os ltimos filmes

    do outro; alguns artistas tecem comentrios sobre seus estados de sade ou o do mundo; outros,

    sobre no comentar (enquanto crticos comentam todos os comentrios como estou comentando

    aqui). Isso pode ser suficiente.

    O mais importante prognstico de curto prazo que pode ser feito foi deixado implcito aqui v-

    rias vezes; que o atual, provavelmente global, meio ambiente nos engajar em um modo crescente

    de participao. O meio ambiente no ser os Ambientes com os quais j estamos familiarizados:

    a casa divertida, shows de sustos, vitrinas, lojas de rua e corridas de obstculos. Esses tm sido

    patrocinados por galerias de arte e discotecas. Em vez disso, ns agiremos em resposta ao meio-

    ambiente natural e urbano, como o cu, o solo do oceano, hotis de inverno, motis, os movimentos

    dos carros, servios pblicos e meios de comunicao...

    Prvia de uma Viso-do-Relevo-dos-EUA-Atravs-de-um-Jato-Supersnico-em-2001. Cada assento no jato est equipado com monitores mostrando a terra abaixo medida que o avio passa velozmente sobre ela. As escolhas de imagens so infravermelho, cores normais, preto e branco; unicamente ou em combinao em vrias partes da tela. Adicionalmente, h lentes de aproximao e controles de congelamento de cena.

    Cenas de outras viagens esto disponveis para cortes de flashback e contrastes. Comentrios passados sobre o presente. Listas de seleo: vulces havaianos; o Pentgono; uma turba em Harvard vista quando se aproximava de Boston; tomando banho de sol em um arranha-cu.

    Aparelhos de udio oferecem nove canais de crticas pr-gravadas sobre a cena americana:

  • Alla

    n Ka

    pro

    w

    Traduo por Carlos Klimick

    dois canais de crticas leves; um de crtica popular; seis canais de crticas pesadas. Tambm h um canal para gravar sua prpria crtica em um vdeo que pode ser levado para casa, a documentaco de toda a viagem.

    P.S.: Isso tambm no arte porque estar disponvel para pessoas demais.

    Artistas do mundo, larguem o meio! Vocs no tem nada a perder alm de suas profisses!