A Educação-pedagogia No Cárcere, No Contexto Da Pedagogia Social

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    Antonio Pereira1

    1. Doutor em Educao pela Universidade Federal da Bahia, professor na Universidade do Estado da Bahia, coordenador do Ncleo de Pesquisa e Extenso, membro do Grupo de Pesquisa Pedagogia Social da Universidade de So Paulo e lder do Grupo de Pesquisa Educao Social, Currculo e Formao de Educador. E-mail: [email protected].

    A educao-pedagogia no crcere, no contexto da pedagogia social: definies conceituais e epistemolgicas

    Resumo

    Este artigo trata da Educao-Pedagogia no crcere em seus aspectos conceituais e epistemolgicos, situando-a no contexto da Pedagogia Social. Analisa as relaes histricas entre sociedade, priso, sistema carcerrio brasileiro e educao. Advoga uma Educao no Crcere na perspectiva da Pedagogia Social, a comear pela diferenciao conceitual entre educao no crcere e Educao do crcere, bem como pela defesa do princpio educativo ressocializao da pessoa presa a partir da dialtica como possibilidade terica dessa educao, para que ela seja um espao de emancipao desses sujeitos em situao de privao da liberdade.

    Palavras-chave

    Sociedade. Priso. Sistema Carcerrio Nacional. Educao-Pedagogia no Crcere. Pedagogia Social.

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    * Doctor in Education at the Federal University of Bahia, professor at the State Universtity of Bahia, coordinator of the Research and Extension Nucleus, member of the Social Pedagogy Research Group at the University of So Paulo. E-mail: [email protected].

    The education-pedagogy in prison, in the context of social pedagogy: conceptual and epistemological definitions

    Antonio Pereira*

    Abstract

    This article deals with the Education-Pedagogy in prison in its conceptual and epistemological aspects, situating Education in the context of Social Pedagogy. It also analyses the historical relationships among society, prison, Brazilian prison system and education. Education in Prison advocates a view of the social pedagogy, starting with the conceptual differentiation of education in the prison and Education of the prison as well as defends the educational principle and the resocialization of the prisoner from the dialectics as a theoretical possibility of such education, in order to be a space of emancipation for the subjects in a situation of deprivation of liberty.

    Keywords

    Society. Prison. National Penitentiary System. Education-Pedagogy in Prison. Social Pedagogy.

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    Legalmente, a educao no crcere um tipo de educao de adultos que visa escolarizar, formar e qualificar pessoas temporariamente encarceradas para que, depois que cumpram o tempo de privao da liberdade, possam reinserir-se com dignidade no mundo social e do trabalho, j que essas pessoas, em sua maioria, tm baixa ou nenhuma escolarizao. Nesse sentido, grande parte dessas pessoas presas2 necessita de uma educao ampla e diferenciada para que adquiram conhecimentos, saberes e prticas que lhes possibilitem a (re)construo de sua cidadania, se que em algum momento de sua vida social e produtiva ela foi ou se sentiu cidad.

    Essa educao condio sine qua non para mudar a realidade cruel do sistema carcerrio nacional, como mostram os dados do IBGE de 1994, que afirmam que o Brasil possuia, naquela poca, 130 mil presos: sendo 96,31% homens e 3,69% mulheres. As causas das prises eram: furto e roubo (51%), homicdio (17%), trfico (10%) e demais delitos (22%). A situao social dos que tinham cometido esses delitos era da no classe indigente, que perfazia um total de 97%, contra 3% dos considerados no indigentes. As condies de escolarizao dos indigentes eram, em sua maioria, de analfabetos e os que retornam ao sistema carcerrio eram um total de 85% (IBGE, 1994).

    Os dados estatsticos divulgados em 2009 pelo Sistema Nacional de Informao Penitencirio (InfoPen), do Departamento Penitencirio Nacional (DEPEN), ligado ao Ministrio da Justia, do conta de que houve uma ampliao da populao carcerria nacional: 164.685 homens, contra 9.687

    mulheres presas, sendo que o total de presos entre homens e mulheres, tanto no sistema penitencirio como nas secretrias de segurana pblica, de 473.626 (DEPEN, 2009). Esse Departamento tambm divulgou os dados sobre o sistema penitencirio brasileiro no primeiro semestre de 2010 e constatou que houve um aumento de detentos, mais de 494.237, com possibilidade de fechar o ano com mais de meio milho de pessoas presas (DEPEN, 2010).

    Essas estatsticas demonstram a barbrie da violncia no Brasil, todos so vtimas, independente de terem ou no sofrido/cometido atos de violncia, afinal, a priso pune a pessoa que viola a lei e lesiona a sociedade em diversos campos, como o das relaes sociais, educacionais etc. (FOUCAULT, 1987).

    Mas esses dados no representam totalmente a realidade do sistema carcerrio (superlotao dos presdios e delegacias, morosidade da justia em julgar as questes dos presos etc.), tampouco os sentimentos dos presos (revoltados pela situao subumana na qual esto submetidos, perda de autoestima), dos familiares dos presos e de quem trabalha nesses lugares (perdas e medos) e da sociedade (que no v a recuperao e reintegrao dos presos, pelo contrrio, cada vez pior). De fato, o que acontece que temos um sistema falido pela ausncia de uma poltica pblica de segurana e cumprimento de pena e ressocializao dos presos.

    Diante desse caos, o que a educao pode fazer? Como ela pode contribuir? possvel uma educao que humanize o sistema prisional brasileiro? Eis as questes sobre as quais precisamos refletir no contexto da relao

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    Introduo

    2. Assumo aqui o termo pessoas presas, pessoas encarceradas, no sentido da ontologia do ser social que mesmo presa, a pessoa no deixa de ser humano, portanto social na acepo ampla do materialismo histrico-dialtico. Simplesmente, denominar de preso ou presa um processo violento contra a humanizao, mesmo a condio inversa desta: a desumanizao. uma imposio ideolgica e concreta do capitalismo de fazer com que essas pessoas adentrem ainda mais na invisibilidade individual e social.

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    educao e sociedade. Este texto busca essa explicitao a partir da relao sociedade e educao, educao e sistema prisional nacional, situando a especificidade da Educao no Crcere no contexto da Educao-Pedagogia Social.

    A priso no contexto da formao social brasileira

    Vimos que, pelos dados do IBGE e do DEPEN, a populao carcerria aquela que teve menos oportunidades educacionais, que por sua vez implica em oportunidades no mundo social e do trabalho. Essas pessoas fazem parte da contradio do sistema capitalista excluso de parte da sociedade dos bens produzidos socialmente, portanto os indivduos que hoje cumprem pena so, em sua maioria, das classes desfavorecidas da sociedade, vivendo em condio de pobreza permanente, o que explica os altos ndices de presos por furtos e roubos, bem como por trficos de drogas.

    Quer queiramos ou no, existe uma explicao sociolgica para os altos ndices de pessoas pobres e negras presas no sistema prisional nacional: a gnese da formao social e econmica brasileira. Sem entender esses fundamentos, os nmeros apenas representam as consequncias desse processo e incentivam polticas pblicas que no atacam as causas: a pobreza extrema, a ausncia de oportunidades educacionais, formativas, de trabalho etc.

    A estrutura social de uma nao tem a ver com a forma como se organizou historicamente a partir de determinados elementos, como a economia e a educao. Essa formao explica, em parte, o cotidiano social e produtivo de um pas.

    A formao social brasileira no foge a essa regra, desde a implantao e manuteno da grande empresa colonial, por volta de 1530, que se estrutura a sociedade quando esta se divide em duas classes: senhor e escravo. Mas esse processo foi longo, passando pela constituio das feitorias, das capitanias

    hereditrias e, consequentemente, dos governos-gerais. Se nas feitorias o povoamento no se deu porque a extrao do pau-brasil era insuficiente para isso, o mesmo no aconteceu quando Portugal implantou a cultura da cana-de-acar que necessitava de um mnimo de infraestrutura para a produo dessa matria-prima (PRADO JR., 1994).

    O plantio da cana e a produo do acar iniciam a constituio de uma sociedade que, na sua base piramidal, era composta por negros, ndios e homens livres, porm pobres. Na interfase dessa classe, os clrigos e os representantes da metrpole, e no topo, os senhores de engenho. Essa sociedade, nos primeiros sculos de colonizao, ficou conhecida como sociedade patriarcal porque o senhor de engenho era a autoridade suprema, inclusive com poderes sobre a vila.

    Hoje, estudos mostram que, paralelo a esse tipo de famlia, existiam outras que tambm contriburam para a formao da sociedade brasileira; essa ideia de pater familias s interessava ao governo portugus como forma de dominao econmica da sua colnia pela ordem social da famlia e da igreja, colocando na invisibilidade todos aqueles que no fizessem parte dessa famlia, como as mulheres, homens livres, porm pobres, crianas abandonadas, dentre outras. Nesse sentido, essa famlia patriarcal pode ter existido, e seu papel ter sido extremamente importante, apenas no existiu sozinha nem comandou do alto da varanda da casa grande o processo total de formao da sociedade brasileira (CORRA, 1982, p. 25).

    Em relao produo da riqueza, o escravo era a principal mo-de-obra que tudo produzia, mas no significava que no existia mo-de-obra assalariada de homens livres pobres, como por exemplo, pequeno campons, posseiros, artesos; contudo, no eram todos os homens livres que tinham como ganhar dinheiro e estes, ento, eram considerados um elemento desajustado,

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    que no se podia entrosar normalmente no organismo econmico e social do pas, mesmo porque esta era uma situao que j vinha desde o incio da colonizao resultando em indivduos desocupados que adentravam nos chamados estados patolgicos da vida social: a vadiagem criminosa e a prostituio (CAIO JUNIOR, 1994, p. 198). Ou seja, a marginalizao social pela falta de oportunidade de fazer parte de um processo produtivo excludente e de uma escolarizao voltada para as elites da poca, o que tambm no quer dizer que esses homens livres no soubessem ler e escrever, mesmo que rudimentarmente.

    Na poca colonial, eram os municpios que ficavam responsveis pela construo de cadeias e aplicao de leis punitivas para os sujeitos que cometiam os delitos. As cadeias ficavam sob os cuidados dos carcereiros, supervisionados pelos juzes ordinrios que julgavam crimes cometidos contra a propriedade privada e comunal, violao de mulheres, devassas particulares, brigas de sangue, falsificao de moeda, fiscalizao da atuao dos vereadores e oficiais de justia do municpio etc. (BARBOSA, 2007, p. 23). A corte portuguesa, inconformada com o poder das Cmaras Municipais nos assuntos internos da colnia, resolve substituir os juzes locais, que tinham pouco ou nenhum estudo, por outros vindos de Portugal para instalar as Relaes da Corte que seria uma maneira de instituir uma nica forma de justia para as cidades do Brasil Colnia (BARBOSA, 2007).

    A legislao da poca buscava privilegiar os portugueses e seus descendentes diretos e exclua os escravos e ndios de todo e qualquer direito, respeitando os princpios da limpeza de sangue, o que no dava aos descendentes africanos e indgenas as mesmas condies de justia que se dava aos descendentes portugueses, sendo este ltimo, privilegiado em suas condenaes (BARBOSA, 2007, p. 27). A igreja tambm exercia o poder judicirio em

    relao aos crimes cometidos pelos seus clrigos e parte da populao, por meio dos tribunais da inquisio que punia e levava muitos condenao morte; no entanto, graas sua vocao caritativa, cuidava, alimentava e se responsabilizava pelos pobres e presos da colnia, desde que no estivessem ali por terem cometido crime contra a igreja (BARBOSA, 2007).

    No imprio, o Brasil buscou criar um sistema prisional, conforme a Carta Rgia de 1769, que dentre outras aes determinava que fosse criada a primeira priso brasileira no Rio de Janeiro, chamada de Casa de Correo, que buscava aliar os objetivos prisionais ao trabalho, isto porque no existiam prises, mas lugares adaptados e precrios que serviam de prises. Com a vinda da famlia real para o Brasil, foi criada, em 1808, a Intendncia Geral da Polcia, que tinha poder de reprimir os criminosos e atuar mais diretamente no encarceramento destes. As intendncias aconteciam em todas as regies do imprio no Brasil e representavam a fora do governo (BARBOSA, 2007).

    Na carta Constitucional de 1824, o ideal de unir priso e trabalho legalizado, bem como separar os presos a partir dos crimes que eles cometiam. Em 1830, o Cdigo Criminal estabelecia diferenciao de penas para crimes de menos agravo. Em 1834, o Ato Adicional responsabilizava as Assembleias Legislativas Provinciais pela construo de diferentes prises na concepo de trabalho para presos (BARBOSA, 2007). Assim, o Estado brasileiro assumiu o preso na concepo de sujeito marginal/marginalizado que devia trabalhar de maneira que fosse til sociedade, j que o trabalho era visto como dignificao da vida humana expresso maior da alienao do trabalho.

    A partir dessa alienao, a mo-de-obra do preso passou a ser explorada. E a legislao que legitimava tal processo de explorao e aviltamento, que obrigava pessoas em cumprimento de pena a trabalhar, construindo as cidades, esgotamento sanitrio, cadeias e

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    tudo mais o que fosse preciso. O trabalho dos presos na poca anterior e posterior ao imprio foi a forma encontrada pelos governantes para controlar parte da sociedade da poca, que vivia em pobreza extrema, para que no cometessem crimes, o que explica que os indivduos que faziam parte do sistema carcerrio eram aqueles que na sua grande maioria, [era composto] por escravos, libertos, homens livres pobres e pequenos proprietrios, os quais se mobilizavam nas lutas pela igualdade poltica e social (BARBOSA, 2007, p. 14).

    Com a abolio da escravatura, esse problema se agravou porque um novo contingente entrava para somar ao existente, talvez at pior, porque, com o nascente processo de industrializao brasileira, parte daqueles homens livres que vivia na marginalizao passou a ocupar as vagas, enquanto os negros eram rejeitados pela falta de adaptabilidade indstria por diversos motivos, dentre eles, ausncia de escolarizao mnima; portanto, a indstria nascente encontrou nesses setores da populao um largo, fcil e barato suprimento de mo-de-obra. E ser esta a origem do proletariado industrial brasileiro, o que explicar no futuro muito das suas caractersticas e da sua evoluo (PRADO JR, 1994, p. 198).

    O Cdigo Criminal foi bastante repressor porque condenava aqueles que j eram condenados pela condio material de terem nascido pobres, escravos etc., punindo-os severamente fosse com a morte, priso perptua ou temporria, com ou sem trabalho e banimento. Essas penas visavam regulamentao da ordem (BARBOSA, 2007, p. 35). a partir desse Cdigo que se insere a ideia de privao da liberdade originada dos tribunais da Igreja Catlica que acreditava na possibilidade dos sujeitos se regenerarem, retirando-os do meio social a privao da liberdade era a penitncia imposta pela Igreja. Neste sentido, observa-se que a palavra penitenciria vem de penitncia; no Cristianismo, significava volta

    sobre si mesmo, onde o indivduo, mediante o isolamento, deveria reconhecer seu erro e se arrepender do que fez (BARBOSA, 2007, p. 39).

    Na Repblica, a situao carcerria no ser muito diferente do perodo anterior, em particular na Repblica Velha, que compreende os anos de 1889 a 1930 dominados por crise de toda ordem: a) institucionalizao federativa o pas era dominado por presidentes ligados s oligarquias cafeeiras e pecurias, predominantemente sendo governado por polticos oriundos de So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que tinham seus interesses atendidos em detrimento de outros estados e regies do pas, neutralizando a igualdade e autonomia determinada na Constituio de 1891; b) econmica, por exemplo, a poltica de encilhamento produo de moeda sem lastro valorativo para pagar salrios e contribuir no surgimento de empresas nacionais que terminou por alta inflao, especulao financeira e enriquecimento de uma pequena parte que projetava empresas que no saam do papel; c) conflitos sociais de toda ordem, devido opresso e explorao do povo e de regies abandonadas pelo poder central, por exemplo, a Guerra de Canudos, a Guerra do Contestado, o Cangao, Guerra da Chibata, de cunho popular, regionalista, sem ideologia poltica, porm, com um forte apelo religioso, social ou militar, mas que a fora repressiva de Estado dissipou cruelmente (PRADO JR, 1994).

    Em relao ao sistema prisional nacional brasileiro, a legislao penal foi reformulada, surgindo o Cdigo Penal da Repblica de 1935, que foi logo substitudo pelo de 1940 devido a vrios problemas e equvocos jurdicos muito combatidos. O Cdigo de 1940 comeou a vigorar em 1942 e tinha um cunho muito mais punitivo do que de reabilitao do preso. A ao legal do Estado ampliada a partir desse Cdigo, devido ao agravante social da violncia, em parte provocada pelas condies humilhantes em que viviam ex-

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    escravos, trabalhadores desempregados, pessoas desocupadas e imigrantes europeus que compunham a massa que disputava as escassas oportunidades de trabalho e lutava pela sobrevivncia (SIMES, 2006, p. 94).

    A Repblica Nova, que teve incio em 1930 e terminou em 1945 com a ascenso e queda de Getlio Vargas ao poder, tambm no foi um momento na histria do Brasil de arrefecimento das crises, pelo contrrio, houve muita turbulncia poltica, econmica e social, que teve incio com a crise da lavoura cafeeira e com a perda do poder poltico pelos estados que antes comandavam, como So Paulo e Minas Gerais. Tambm houve progressos em vrios setores, como a industrializao, a institucionalizao de leis trabalhistas, a criao de rgos federais responsveis pela educao e pela sade. Durante todo o governo de Getlio Vargas e o posterior, o sistema prisional brasileiro esteve sobre a regncia do Cdigo Penal de 1940 (Decreto-Lei n 2.848/1940), que passou por vrias reformulaes que logo foram abandonadas, at que em 1984, a Lei n 7.209 o alterou, redefinindo muitas questes do sistema prisional.

    Os anos de 1980 a 1990 foram marcados por mudanas profundas nas relaes econmicas e sociais do pas, mas o pice de toda a mudana estava posto na Constituio de 1988, que buscou garantir direitos para todos, em particular para aquela parte da populao que historicamente no tinha direitos. A concepo subjacente de cidadania nessa Constituio estava ligada a basta ter acesso a escrever e ler, ou a posse de um documento de identificao para que o indivduo fosse considerado cidado, quando na realidade o que iria determinar a cidadania era a igualdade de condies materiais entre os indivduos.

    Mas o Estado brasileiro no conseguiu cumprir muitas das determinaes postas na Constituio, pela via das polticas pblicas, em parte, porque a preocupao era em debelar a

    crise econmica que refletia no campo social de maneira avassaladora: desemprego, fome e violncia, ampliando a excluso social no pas. Em relao violncia, o Estado adotou uma poltica de segurana pblica altamente repressiva e de encarceramento total das pessoas que cometeram pequenos e grandes delitos. Esse iderio de encarceramento total e separao abrupta do preso da civilizao vai s ltimas consequncias com a construo de penitencirias de segurana mxima e distantes dos grandes centros urbanos, ou seja, retoma-se a concepo de encarceramento da Ilha Grande, de Fernando de Noronha, dentre outras. As prises tornaram-se os novos campos de concentrao consentidos e legitimados pela sociedade, que v esse movimento como natural e necessrio.

    O sistema prisional, ainda em 1984, ganhou novas diretrizes por meio da Lei de Execuo Penal (Lei n 7.210/84), que buscou garantir legalmente direitos s pessoas presas, mas na prtica, muitas das aes no foram cumpridas pelo Estado, em particular a assistncia educacional que ainda no uma realidade na maioria dos presdios, portanto, no cumprindo na ntegra o que diz o Art. 11, que a educao nos presdios dever compreender a instruo escolar e formao profissional do preso e do internado, sendo que o ensino fundamental disponibilizado ao preso deve estar em concordncia com o sistema escolar do Estado. Quanto ao ensino profissional, deveria [ser] ministrado em nvel de iniciao ou de aperfeioamento tcnico. Essa educao tanto pode ser executada pelo Estado como por instituies educativas conveniadas, sempre buscando atender as necessidades locais de cada penitenciria. Tambm a instalao de bibliotecas nos presdios deve ser uma necessidade para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didticos.

    Essa lei previu a educao para os presos reafirmando os princpios constitucionais de que

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    todos tm direito educao, logo, no um simples favor concedido pelo Estado para a pessoa presa, nem tampouco deve ser obra de caridade de pessoas e instituies beneficentes, porque a educao deve ser para devolver pessoa presa a cidadania perdida, a dignidade de voltar a ser visto de igual para igual perante a sociedade.

    Essa lei est sendo motivo de alterao, pelo Projeto de Lei no Senado (PLS), n 265/2006, nos seus Art. 126, 129 e 130 para incluir a remisso do preso no s pelo trabalho, mas pela educao escolar desde o nvel fundamental, mdio e superior. Na realidade, busca-se com essa alterao colocar em prtica o que reza o Art. 11, nada mais justo por se tratar de educao da sociedade ou de parte dela, encarcerada ou no. A Lei n 12.245/2010 refora ainda mais as questes educativas no presdio, quando determina que sejam construdas salas de aulas nos presdios, como forma de concretizar a educao para os presos, e que essa educao se inicie na alfabetizao, passando pela ensino fundamental, mdio at ao profissional, garantindo, dessa forma, a escolarizao completa aos encarcerados.

    Sabemos que a construo de prdios um fator necessrio, mas no o mais importante, pois para nada serve a construo de salas sem um currculo de qualidade que d conta das diferenas do ensino-aprendizagem para pessoas adultas e que esto temporariamente em privao de liberdade. Necessita ser um processo educativo capaz de motivar essas pessoas a ponto de ver na educao uma possibilidade de emancipao ainda na condio de encarceradas. No pode ser a mesma educao que ainda no conseguiu resolver muitas questes de ordem curricular, didtico-pedaggica etc. Devemos lembrar que essas pessoas j perderam quase todas as esperanas de viver plenamente uma vida digna depois de cumprir a pena, se que muitos tero a chance de viver essa esperana, pois vrios morrem antes de sentirem o gosto

    da liberdade consentida no sistema capitalista.

    Educao-Pedagogia no Crcere ou Educao-Pedagogia do Crcere?

    Ratificamos que educao um elemento importante no processo de ressocializao do preso, mas apenas um dos elementos, no significa que seja o principal, pois outras polticas precisam ser construdas a favor deles, a qual lhes garanta os direitos que no terminam porque eles esto presos, pelo contrrio. E o Estado como tutor da vida dessas pessoas tem a obrigao dessa garantia, que vai desde a preservao da integridade fsica, passando pela moral at a psquica, independente do crime que o preso tenha cometido. A educao no pode ser vista novamente como redentora da humanidade e especificamente da pessoa que est presa, pois existem outras faltas histricas que inclusive impulsionaram que a pessoa presa esteja nessa condio.

    Mesmo porque a educao para as pessoas presas ainda est em fase de desenvolvimento, mas uma questo crucial j se percebe quando se prope a educao no crcere, que o total descolamento entre os objetivos da educao e os objetivos da pena e da priso, e esta a tarefa que se quer que seja assumida pela Pedagogia Social (SOUZA NETO; SILVA; MOURA, 2009, p. 299). Em parte, porque a viso que se tem da pessoa presa aquela que a destitui de todo o direito, considerando-a um escrnio social, portanto, no teria que ter acesso a direitos concedidos s pessoas de bem. A educao vista ento como uma esmola do Estado e da sociedade para o preso, uma esmola cara porque desvia verbas da educao para atender quem est margem da sociedade por uma opo, no por uma determinao das condies materiais postas por um sistema.

    Talvez por causa dessa representao, a educao que vem acontecendo nas prises ainda seja muito tmida em termos

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    pedaggicos, muito parecida com a que acontece na escola regular, e diversas vezes ela pautada no ensino de regras para o bom comportamento do preso. Nesse sentido, a educao assume duas reas bem distintas no sistema prisional que nem sempre percebida pelos defensores da educao nesse campo, a saber, Educao-Pedagogia Carcerria e a Educao-Pedagogia no Crcere.

    Por educao, entendemos todos os processos de formao humana que se do formal, informal e no formalmente na sociedade e sua relao com o trabalho como condio de humanizao; enquanto a pedagogia uma cincia que se preocupa com a cientificidade das prticas educativas que se processam no campo da educao, ela busca investigar essas prticas em busca de aspectos epistemolgicos e metodolgicos e sua relao direta com a sociedade.

    Nesse sentido, afirmar que a educao um fenmeno prprio dos seres humanos significa afirmar que ela , ao mesmo tempo, uma exigncia do e para o processo de trabalho, bem como , ela prpria, um processo de trabalho (SAVIANI, 2008, p. 12). essa dimenso inalienvel da educao que precisa ser compreendida por aqueles que refletem sobre a educao para os jovens e adultos aprisionados, para que seja uma educao para alm de ocupar tempo e reduo de pena mesmo a reinsero no mundo social e do trabalho de maneira digna.

    A Educao no Crcere nessa via seria um processo de acessar conhecimentos para aquelas pessoas que esto presas, desenvolvendo-as cognitiva e socialmente para que possam se reintegrar sociedade. Essa educao tanto para a sua escolarizao (formao dentro do sistema oficial de ensino) e profissionalizao (formao para o mundo do trabalho). A Pedagogia no Crcere busca investigar as prticas educativas dentro das prises, no sentido de desvelar se os objetivos esto sendo alcanados

    e ao mesmo tempo compreender essa prxis educativa; isto porque a pedagogia como cincia da prtica educativa precisa revelar de modo crtico/analtico as contradies sociais, os momentos da alienao na prxis educacional e socializao anteriores, para da criar as precondies teoricamente para uma revelao prtica desta alienao (PIMENTA, 2001, p. 56).

    Diferente dessa proposio est a Educao-Pedagogia Carcerria, que significa as prticas adaptativas que se processam dentro das prises para que o preso adquira a cultura e tica carcerrias aceite as regras e viso de mundo desse espao, exeram a submisso e aprenda a lidar com questes que eles no esto preparados, mesmo que seja base da violncia fsica. Essa uma pedagogia que nem sempre desvelada tambm pela pesquisa, porque existem tabus a serem superados e habitus que precisam ser desvelados. Por habitus entendemos a incorporao cognitiva de estruturas sociais pela via da aprendizagem a ponto de orientar as atitudes individuais. um [...] sistema de disposies durveis e transponveis que, integrando todas as experincias passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepes, de apreciaes e de aes, que possibilita que o homem realize tarefas infinitamente diferenciadas, graas s transferncias analgicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983a, p. 65).

    O habitus uma disposio cognitiva e social das pessoas em internalizar as estruturas sociais de um campo, este por sua vez contm um determinado capital. O campo um espao de foras e disputas entre indivduos e grupos, lugar simblico onde se do os processos de empoderamento (empowerment) das relaes sociais. Empoderamento em duplo sentido: como dominao de um grupo sobre o outro, ou como emancipao de grupos oprimidos que [...] buscam a prpria liberdade da dominao, um longo processo histrico de que a educao uma

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    frente de luta (FREIRE; SHOR, 1986, p. 138). Neste sentido, o campo um estado

    da relao de fora entre os agentes ou as instituies engajadas na luta ou, se preferirmos, da distribuio do capital especfico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as estratgias ulteriores (BOURDIEU, 1983b, p. 90), enquanto o capital social o conjunto de recursos atuais ou potenciais que esto ligados posse de uma rede durvel de relaes mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento (BOURDIEU, 1998a, p. 67), ou seja, a aquisio de elementos estruturantes que permitem a sociabilidade, fazendo com que as pessoas pertenam a um determinado grupo, contribuindo para a existncia deste, sendo que este capital composto pelo cultural, econmico humano etc.

    Trazendo para o contexto deste estudo, o sistema carcerrio um campo especfico, com estrutura prpria e os seus smbolos, imagens, representaes, artefatos e normas formam o capital que deve ser internalizado, aprendido pelas pessoas presas que tambm j tenham internalizado habitus externo quele campo. O capital carcerrio composto pelo jurdico (leis, normas etc.) e pelo cultural (educao, tica etc.) que precisa ser apreendido pelas pessoas que ali adentrarem em privao de liberdade; mas isso no se d de maneira vertical, essas pessoas tambm terminam modificando as normas vivenciadas a partir de seus comportamentos e vises de mundo; isso pode ser ou no um processo consciente, depende de suas relaes sociais de escolarizao e participao social anteriores priso, determinantes para um embate poltico-ideolgico consciente.

    Mas, na maioria das vezes, essa internalizao aceita acriticamente porque a pessoa presa est na relao de dominada, que no tem voz e nem participao ativa quanto ao que, como e para que internalizar o capital carcerrio, ao mesmo tempo em que no ter meios para produzir outro capital nesse interior

    que considere mais justos, pois os indivduos que esto em posies dominadas no espao social esto tambm em posies dominadas no campo de produo simblica e no se v de onde lhe poderiam vir os instrumentos de produo simblica de que necessitam para exprimirem o seu prprio ponto de vista sobre o social (BOURDIEU, 1998b, p. 152).

    Isso faz com que essas pessoas terminem por aceitar as regras institucionais como forma de se preservar e sobreviver no interior da priso; esse um dos fatores de permanncia da estrutura carcerria com todas as suas contradies; pois cada vez que o indivduo vai gradativamente lanando mo dos recursos que o status institucional pode lhe proporcionar (SILVA, 1997, p. 168), ele legitima as opresses no interior dessa instituio.

    Ratificando, isso no que dizer que essas pessoas no se rebelem contra o que est aparentemente estabelecido, vejamos que o caso de rebelio nos presdios ocorre dadas as condies subumanas. A rebelio carcerria uma dessas formas de reivindicao surgidas entre os oprimidos do sistema carcerrio que, traduzida, significa embate poltico-ideolgico, mesmo essas pessoas no tendo muita conscincia desse processo. Tanto isso verdade que o Estado utiliza seus aparelhos repressores para debelar a crise, e ao mesmo tempo, utiliza corretivos marginais, ou seja, ajustes menores em todos os mbitos [...] com objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida (MSZROS, 2005, p. 25) para a conformao da situao opressora no interior da priso.

    Nesse sentido, o campo carcerrio composto da cultura e tica do sistema prisional que tem relao direta com a sociedade, todos que ali se encontram terminam adquirindo-as num processo de aprendizagem intencional ou no. A cultura e a tica penitenciria referem-se operao penitenciria, sua organizao, procedimentos, normas, programas e atividades, configurados para proporcionar a reabilitao

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    dos criminosos, culminam por convergir suas aes para aprimorar a conteno e o controle da massa encarcerada (PORTUGUES, 2001, p. 4). Cultura todo artefato simblico e material produzido pelo homem para sua sobrevivncia no mundo e que, ao mesmo tempo, elemento, contedo de aprendizagem. A cultura o conjunto de todo o conhecimento subjetivo e objetivo produzido, quer dizer, que nos organizamos de uma determinada forma e que tambm nos adaptamos a essa forma pela via da educao e ao mesmo tempo contribumos para o acmulo dessa cultura para que seja passada de gerao a gerao (TYLER apud LARAIA, 2006).

    A cultura carcerria cheia de normas e vises de mundo muitas vezes distorcidas, perversas, que marcam os indivduos por toda a vida. A priso uma fbrica consentida pela sociedade para desumanizar. Quanto tica carcerria tambm no das melhores e embora esteja posta em documentos oficiais a ideal, porm a que prevalece a real, aquela dos favores, da submisso, da cultura patriarcal, a da pena de morte do ser social e muitas vezes da morte fsica do homem e da mulher aprisionados. A tica um tipo de experincia humana ou forma de comportamento dos homens, o da moral, considerado, porm na sua totalidade, diversidade e variedade (VZQUEZ, 2003, p. 6).

    O conceito de cultura e tica carcerria precisa estar intimamente ligado de maneira crtica e reflexiva na Educao-Pedagogia no Crcere, como elemento de desvelamento pela pesquisa e pelos processos de formao de pessoas encarceradas. A educao no crcere tem dois elementos explicativos desse campo, so eles: reeducao e socializao - entende-se por reeducao a educao por meio do aprendizado, principalmente aos que no tiveram oportunidade na poca devida. Por sua vez, ressocializao diz respeito educao a partir de normas disciplinadoras, preparando o indivduo para sua reinsero [no mundo social e do trabalho] (PEREIRA; PEREIRA, 2010, p. 5).

    preciso educar todo o sistema carcerrio para que seja possvel a existncia de uma educao ressocializadora dentro dos presdios, cumprindo dessa forma os objetivos sociais em relao ao preso, seja do sexo feminino ou masculino. A legislao (Lei de Execues Penais LEP/ 7.210/1984) prev no Art. 17 a relao entre educao geral e educao profissional para o preso: a assistncia educacional compreender a instituio escolar e a formao profissional do preso e do internado (PEREIRA; PEREIRA, 2010, p. 5), porm, nem sempre essas determinaes so cumpridas.

    Quanto a uma possvel histria da educao no crcere, possvel afirmar que surgiu entre os sculos XVIII e XIX na relao direta com a ideia de punio para aquelas pessoas que teriam privao da liberdade. No entanto, a partir dos anos 1950 que a ideia de educao posta em prtica no Estado de So Paulo, modelo esse que depois transferido para outras partes do pas, sendo que at 1979, o ensino bsico nos presdios era executado por professores comissionados pela Secretaria de Educao, seguindo o Calendrio letivo das escolas oficiais, com seriao anual, e fazendo uso do material didtico-pedaggico aplicado s crianas. A partir de 1988, essa situao muda quando a Fundao Estadual de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP) ficou responsvel tanto pela remunerao dos monitores, funcionamento das escolas e metodologia de ensino a ser aplicada (SANTOS, 2005, p. 1).

    Os problemas que existiam na poca da institucionalizao dessa educao so os mesmos dos dias atuais, que vo desde a ausncia de uma organizao didtica e pedaggica, como a falada qualificao de professores para trabalhar com esse grupo marginalizado socialmente, bem como os espaos fsicos destinados ao processo de escolarizao, que so inadequados. Isto faz com que concretamente no exista uma educao carcerria organizada (SANTOS, 2005, p. 2).

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    Outras dificuldades existem, desde a desmotivao dos presos at a falta de apoio interno dos que administram as prises de delegacias, as penitencirias etc. Tambm existe a ideia socialmente construda de que o preso no tem direito educao por ter cometido crimes contra a sociedade. Mas no podemos esquecer que, ainda assim, eles so seres de direitos. Mesmo que no se possa desprezar a questo da segurana quando se trata de educar nos presdios, e este um impasse bastante conhecido de quem trabalha com educao prisional: a difcil relao entre a educao e a segurana, isto porque a educao vista pelos agentes de segurana como algo que fragiliza a segurana do presdio; e, por outro lado, o professor diz que o agente tem m vontade e que desmerece os estudos do preso (TEIXEIRA, 2007, p. 2).

    A Educao-Pedagogia Social como campo epistemolgico da Educao-

    Pedagogia no Crcere

    A Educao-Pedagogia no Crcere est no campo terico e prtico da Educao-Pedagogia Social na modalidade Educao de Adultos, que compreende a alfabetizao, educao fundamental e ensino mdio, bem como a educao profissional e atividades socioeducativas; portanto, uma educao na dimenso da formalidade e no formalidade, que o Grupo de Pesquisa em Pedagogia Social prefere denominar de educao escolar e educao no-escolar de adultos encarcerados, porque o termo educao no-formal enquanto categoria classificatria, [tem um] carter no cientfico, que no ajuda a entender as muitas dimenses da prtica educativa social (SOUZA NETO; SILVA; MOURA, 2009, p. 11).

    Por que a Educao no Crcere est no contexto da Pedagogia Social? Pelo simples fato de ser uma educao que trabalha com pessoas marginalizadas, buscando a reconstruo de

    uma cidadania possvel, mesmo no sistema capitalista, embora fosse necessrio defender uma cidadania fora desse sistema, para alm do capital (MSZROS, 2005), na perspectiva da dialtica, j que no capitalismo no existe e no pode existir igualdade entre as pessoas, logo, no existe cidadania porque a sua gnese se fundamenta na propriedade privada dos meios de produo, que se reflete na diviso da sociedade em classes antagnicas entre os que detm ou no detm os meios de produo da riqueza (LNIN, 1988).

    Ento, precisamos ter clareza de que qualquer forma de defesa de cidadania para grupos marginalizados ser sempre nos limites desse sistema, o que no quer dizer que no possamos empreender foras contrrias a ele para possibilitar outro projeto histrico de sociedade, mais humana (MARX, 2008), e que isso deve comear ainda no interior da sociedade atual, tendo a educao dialgica como uma das pedras angulares de institucionalizao desse projeto (FREIRE, 1997).

    A Educao-Pedagogia no Crcere, nessa concepo, deve estar atenta s suas finalidades sociais e aos sujeitos que pretende emancipar, ou seja, a populao carcerria, excluda e marginalizada, buscando acessar uma educao que a promova cognitiva e socialmente. Esse um tipo de educao que deve trabalhar com prticas educativas diferentes daquelas praticadas pela escola comum. Nesse sentido, est no campo da Pedagogia Social porque esta [...] uma cincia pedaggica, de carter terico-prtico, que se refere socializao do sujeito, tanto a partir de uma perspectiva normalizada como de situaes especiais (inadaptao social), assim como aos aspectos educativos do trabalho social (DAZ, 2006, p. 93).

    Inadaptao social se refere ao processo de marginalizao de grupos da sociedade que no tiveram acesso aos bens produzidos pela sociedade capitalista, obrigando-os a viverem em situao de pobreza extrema, excludo de

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    todo o tipo de direito: educao, ao trabalho, moradia, ao alimento, enfim, prpria vida. A histria dessa pedagogia se remete aos sculos XIX e XX, quando surgiu na Alemanha, com o objetivo de resolver os problemas educacionais dos imigrantes naquele pas e depois as questes deixadas pela I e II Guerras Mundiais; pois naquela poca procurava-se na educao uma soluo para os problemas humanos e sociais (fortes movimentos migratrios, proletarizao do campesinato, desemprego, pobreza, excluso econmica e cultural, abandono de menores, delinquncia, entre outros) que se produziram a partir da nova realidade ento criada (DAZ, 2006, p. 93), sendo denominada pedagogia social.

    Essa pedagogia assumia vrias concepes epistemolgicas: Plato, Hegel, Kant, Pestalozzi, dentre outras, sempre buscando a educao para as populaes marginalizadas na Europa. Essa pedagogia passou por diversas etapas de desenvolvimento histrico na Alemanha: na primeira fase, surgiu o nome pedagogia social, que fora usado pela primeira vez por Diesterweg, no seu livro Bibliografia para a Formao dos Professores Alemes de 1850 (DAZ, 2006, p. 93). Porm, o educador que vai pensar pedagogicamente essa educao Paul Natorp (1854-1920), que vai trazer para a discusso da poca a ideia de comunidade e de que s possvel conhecer e estabelecer uma relao de independncia, emancipao social dos indivduos, a partir do trabalho educativo com a comunidade.

    Para Natorp, toda a pedagogia social, ou deixa de ser autntica pedagogia, bem como a pedagogia social no uma parte da pedagogia geral, como sustentam outros autores da poca, mas a pedagogia. a pedagogia contemplada a partir de uma determinada perspectiva, precisamente a da comunidade social (apud DAZ, 2006, p. 93). Outros pensadores no consideram Natorp como o pai da pedagogia social porque, na realidade, ele construiu uma

    tendncia de pedagogia social com bases na comunidade, portanto ele o inventor da denominao pedagogia social, mas no o desta cincia pedaggica (DAZ, 2006, p. 93).

    A segunda fase surgiu a partir dos anos de 1920, devido aos horrores da guerra, e quem encabeou esse perodo foi Herman Nohl, no chamado Movimento Pedaggico Social, na Alemanha. Este educador e sua discpula, Bumler, dotaram a pedagogia social da noo de prxis como uma concepo terica subjacente, fazendo dessa forma toda a diferena quando das polticas educativas para as pessoas marginalizadas, o que marcar o caminho da pedagogia social europeia posterior e supor um passo adiante ao defini-la como a cincia da socializao terciria, ou seja, como a cincia da educao dos mais necessitados (DAZ, 2006, p. 94).

    As contribuies de Nohl foram significativas para a consolidao da pedagogia social naquele pas, como: a) uma pedagogia social preocupada com as questes de socializao da juventude marginalizada; b) uma pedagogia em que a realidade social o elemento central da interveno educativa social; c) uma pedagogia que objetiva desenvolver o potencial social e cognitivo das pessoas em processo educativo social; d) uma pedagogia que tem como objeto de formao e de investigao a sua centralidade e, dessa forma, constituindo-se no apenas em um programa formativo, mas, sobretudo, cientfico.

    Na terceira fase, que vai de 1943 a 1949, a pedagogia social utilizada para outros fins. Hitler utilizou essa pedagogia como bandeira ideolgica de seu governo no que tange educao para formar as pessoas no contexto da crena de que o governo soberano e as questes de raa pura devem ser o centro dessa educao. Nessa poca, a pedagogia nacional social orienta-se no sentido da formao nacional popular de carter racial e com uma nica viso do mundo (DAZ, 2006, 95).

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    O quarto momento dessa pedagogia est relacionada com a sua fase mais crtica, que se inicia em 1950 at os dias atuais, tendo como principal caracterstica crtica e reflexiva as relaes entre educao, sociedade, economia e poltica, pensando a prtica educativa a partir de uma prxis pedaggica; portanto, uma pedagogia social crtica que pretende a emancipao humana, analisa as estruturas sociais e procura o seu aperfeioamento e transformao (DAZ, 2006, p. 96).

    A Pedagogia Social multidimensional porque est a servio da humanizao das pessoas e ela pode ser usada em vrias perspectivas: como adaptativa dos sujeitos em constante processo de mudana humana fazendo com que ele adquira sempre uma educao e se transforme nesse processo; como socializadora daqueles grupos de pessoas marginalizadas e que no tiveram acesso aos processos de escolarizao em tempo adequado; como formadora de pessoas para o mundo do trabalho fazendo-as adquirir competncias e habilidades profissionais para que possam participar socialmente do mercado de trabalho de maneira digna; como interventora dos problemas das comunidades quando forma os indivduos para atuar diretamente sobre os problemas de sua comunidade, tambm conhecida como didtica social; como formadora de pessoas crticas para aturar na dimenso dos movimentos sociais e populares (DAZ, 2006, p. 100-103).

    H ainda as questes envolvendo a paidocenosis, que se refere ideia de que a educao no diz respeito somente educao escolarizada, mas educao no formal e informal e que a pedagogia social deve estar inserida nesses campos. Nessa perspectiva, pode justificar-se a ideia de entender a educao social como paidocenosis, ou seja, como uma ao educadora da sociedade. Este tipo de educao converteu-se num instrumento da incluso social, mas no deve limitar-se

    a isso, deve ser um recurso para melhorar a prpria sociedade (DAZ, 2006, p. 102).

    O profissional da Pedagogia Social o pedagogo social com formao pedaggica especializada para tratar das questes reflexivas e prticas dessa pedagogia, como por exemplo, sistematizar epistemologicamente as prticas educativas sociais, ou ainda potencializar/concretizar polticas pblicas sociais e educacionais para grupos vulnerveis socialmente. Enquanto o educador social aquele com formao em ensino mdio ou de outras graduaes que trabalha na rea de educao social. A formao mnima requerida para esse profissional que tenha formao escolar de ensino mdio e formao tcita na rea social. O certo que no deveria haver essa dicotomia entre pedagogos e educadores sociais, mas devido urgncia de pessoas para trabalhar na rea social e a quase inexistncia de pessoas qualificadas pedagogicamente, esta separao pode ser observada (PEREIRA, 2009b).

    Tanto o educador como o pedagogo que trabalha com questes sociais e grupos vulnerveis so importantes, sendo profisses necessrias e urgentes em qualquer espao social em que a educao se faa presente. Em vrios pases da Europa, como Portugal, Alemanha, Espanha, este profissional representa a figura nica e polivalente do educador que articula preveno primria e secundria e alm de recuperao dos indivduos com dificuldade a ateno sociocultural (MACHADO, 2009, p. 138).

    No caso do Brasil, o educador social considerado um educador popular porque a Pedagogia Social chegou ao Brasil pelo vis da pedagogia popular na concepo de Paulo Freire. Na Alemanha, o educador social assume duas funes a partir da formao: a de assistente social (sozialarbeite), e pedagogo social (sozialpdogogen), ambos destinados a assistir a juventude. Esses educadores atuam nos programas de ressocializao para jovens desfavorecidos (benachteiligte jugendlichen),

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    os pedagogos sociais geralmente fazem a mediao entre os mestres de ofcio e os jovens, no caso da formao para o trabalho, buscando uma aproximao cultural entre aqueles e estes (MOURA, 2009, p. 274).

    Percebemos que a Educao Social uma rea educativa que abarca muitas prticas educativas, atuando em diversos setores da vida social sempre em busca de resolver as questes sociais que se apresentam e tomando as populaes oprimidas como sujeitos de sua prtica. Uma dessas prticas a educao social de rua, que trabalha diretamente com crianas e adolescentes em situao de risco social procurando inseri-los socialmente, buscando transformar as condies materiais desse grupo marginalizado (PEREIRA, 2009a).

    O campo epistemolgico da Educao Social a dialtica que se preocupa com as condies materiais vividas por parte da populao excluda dos bens materiais produzidos pela sociedade capitalista; portanto, a Educao-Pedagogia no Crcere est no contexto da Educao-Pedagogia Social porque busca a humanizao dos espaos carcerrios, a ressocializao dos presos e sua plena aquisio de conhecimentos cientficos e culturais que os permitam a reintegrao social de maneira digna. Deste modo, essa educao deveria ser denominada Pedagogia Social Carcerria, no sentido de resignificar seu conceito na incorporao do social que denuncia as contradies de um sistema em relao ao seu povo e, ao mesmo tempo, aponta para uma ao praxiolgica no sentido da busca de uma didtica dialtica que, concretamente, transforme a situao dos sujeitos oprimidos por esse sistema.

    O social terminaria com aquela questo colocada no incio do texto, quando diferenciamos a Educao no Crcere e a Educao Carcerria no sentido de que este termo traz, criticamente, a funo da educao e da pedagogia no espao prisional: de que no uma educao para adaptao dos

    sujeitos s normas do sistema prisional, no uma educao como corretivo marginal (MSZROS, 2005), mas uma educao como libertao dos oprimidos (FREIRE, 1997). O social da Pedagogia Social, ontologicamente, a valorizao de grupos e indivduos que vivem em condio desumana e que necessitam de um tipo de educao que lhes possibilite outra condio material. Epistemologicamente, o social se refere adoo da dialtica como possibilidade terica de sustentao dessa Pedagogia para que seja continuamente uma prxis pedaggica a servio da humanizao das pessoas excludas e de todo o coletivo social.

    Educao-Pedagogia Social Carcerria, compreendendo os termos Educao e Pedagogia como pares dialticos que significam ao de educar e ao de teorizar a prtica educativa. Nesse sentido, o educador deve incorporar teorias educativas e pedaggicas crticas para que o fazer educativo social esteja comprometido com a libertao, humanizao, ressocializao dos adultos presos. H que se abrir um parntese para lembrar que essa pedagogia tambm precisa dar ateno aos adolescentes que so assistidos pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) e que, embora estejam em um sistema de privao da liberdade diferente daqueles acessados aos adultos, padecem quase dos mesmos males: ausncia de educao para a ressocializao, lotao e inadequao dos espaos, agresses de toda ordem da verbal fsica, etc.

    Consideraes Finais

    Diante desse quadro, temos ainda algumas questes na relao priso e educao social: possvel uma educao no crcere socialmente engajada na luta pela conscientizao e consequentemente emancipao da pessoa presa? Ontologicamente, como emancipar um sujeito que est preso? No ser uma farsa a defesa da educao no crcere sem

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    a participao ativa da pessoa presa? Ou a defesa de uma mera educao adaptativa para a permanncia da pessoa presa nas mesmas condies sociais que viviam antes? A educao deve acontecer no espao da priso?

    Creio que essas so questes centrais para se repensar a educao no crcere que o Brasil quer e precisa para as pessoas presas. Penso que no h dvidas de que a educao para esse grupo necessria e urgente por ter a possibilidade de reintegrao de maneira emancipada dessas pessoas no mundo social, fazendo-as adquirir conhecimentos, saberes e atitudes importantes para as suas vidas. Desta maneira, a educao assumiria um papel relevante para essas pessoas porque

    alm dos benefcios da instruo escolar, o preso pode vir a participar de um processo de modificao capaz de melhorar sua viso de mundo, contribuindo para a formao de senso crtico, principalmente resultando no entendimento do valor da liberdade e melhorando o comportamento na vida carcerria (JULIO, 2010, p. 3).

    Assim, a educao no crcere contribuiria no processo de ressocializao da pessoa presa de maneira que quando ela sair do

    espao prisional possa, aqui fora, ter chances mais dignas de (re)integrao sociedade. Sabemos que esse ainda um processo que no se verifica como um todo, pois vimos que a educao, pelo menos na prtica, no um princpio da fundamentao de reintegrao, ainda no temos cursos para qualificar o professor de ensino fundamental e mdio para trabalhar nos presdios, inexistem cursos de pedagogia voltados para essa modalidade ou mesmo disciplinas que garantam, pelo menos, a insero dos alunos de pedagogia no debate da Educao-Pedagogia Social no Crcere.

    Mas a esperana ainda no morreu e no foi presa pelos grilhes da burocracia do Estado, almejamos uma educao no crcere que d conta da humanizao desse espao, ao mesmo tempo em que faz da pessoa que est presa, independente do crime que cometeu, uma pessoa esperanosa de melhores condies de vida (i)material. Isso no deve ser uma utopia, mas uma luta concreta de educadores que almejam uma sociedade melhor e mais justa na via da educao como um direito, e no como uma migalha para todos.

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    Submetido em 6 de fevereiro de 2011Aprovado em 11 de maro de 2011

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