A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de...

163
MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE LINHA DE PESQUISA: MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICA E EDUCAÇÃO POPULAR A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM MATO GROSSO (1995 – 2002) AIDÊ FÁTIMA DE CAMPOS CAETANO Cuiabá-MT 2005

Transcript of A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de...

Page 1: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE

LINHA DE PESQUISA: MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICA E E DUCAÇÃO POPULAR

A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM MATO

GROSSO (1995 – 2002)

AIDÊ FÁTIMA DE CAMPOS CAETANO

Cuiabá-MT

2005

Page 2: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM MATO

GROSSO (1995 – 2002)

AIDÊ FÁTIMA DE CAMPOS CAETANO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos Maximo, na área de concentração Educação, Cultura e Sociedade e na Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, como requisito para obtenção do título de mestre.

Cuiabá-MT

2005

Page 4: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

C 128 e Caetano, Aidê Fátima de Campos

A educação profissional que não aconteceu em Mato Grosso (1995 – 2002)/ Aidê Fátima de Campos Caetano. -- Cuiabá: UFMT/ IE, 2005. 159 p.:il

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Educação, Área de concentração, Educação, Cultura e Sociedade, e na linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e... Bibliografia: p. 149 – 159

CDU – 377.014.3(817.2)

Índice para catálogo sistemático 1. Educação 2. Trabalho 3. Educação Profissional 4. SEDUC – MT

Page 5: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

DEDICATÓRIA

À meus filhos Lauro, Paolla e Aline, as razões pelas quais renovo minha esperança na possibilidade de lutar por uma educação de qualidade para todos.

À meu pai Antonio João, velho guerreiro e

exemplo de que é possível vencer.

Às mulheres, mãe Eurídice e irmã Therezinha, que sempre me incentivaram e estiveram

presentes (in memorian).

Page 6: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

AGRADECIMENTOS

Não se constituiu tarefa muito fácil escrever sobre o próprio tempo de vida

profissional, ou melhor, foi um grande desafio. E isso só foi possível graças à contribuição de

várias pessoas. Agradeço, sinceramente a todos, e de modo muito especial aos:

Prof. Dr. Antonio Carlos Máximo, pela sua orientação e crítica;

Fátima Mattos, Clotildes, Marilza, Luciene, Maria Auxiliadora, Maria Silvia, Sueli

Cavalcanti e Dirce (in memorian), colegas da Seduc;

Marilza Brescovisci, Abimael, Andréa, Cássia, Cândida, Cleusa Bernardete (Bê)

Danusa, Débora, Edna, Edmara, Francisca Novantino (Chiquinha), Ivonete, Ivone, Maria de

Fátima, Marcia Pasuch (Marcinha), Maricélia, Maria Ubaldina (Marilu), Nara, Nádia, Olga,

Olinda, Paulo, Regisnei, Ramos Deogaris, Ulisses, Vilma, colegas e amigos da longa jornada

de estudos no mestrado, meu afeto;

Drª Acácia Zeneida Kuenzer, Drª Artemis Torres e Dr Manoel Motta pelo zelo ao

examinar o texto, comentar e apresentar valiosas sugestões, as quais nem sempre tive

competência de aproveitá-las;

Sônia da comissão de licença para qualificação da Seduc;

Abimael, Julice, Jocimar e Margarida pela leitura e correção do texto;

E aos meus irmãos Maria, Antonio, José Gonçalo, Manoel, Francisco e Jocimar, pelo

carinho e paciência.

Page 7: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

Assim, todos, continuaram a sua vida cotidiana, cada um a seu modo, com ou sem reflexão; tudo parecia seguir o seu rumo habitual, como em situações extremas, nas quais tudo está em jogo, e a vida continua como se nada acontecesse.

Goethe ( Afinidades Eletivas)

Page 8: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

RESUMO

O presente estudo procurou localizar nas formulações políticas do período de 1995-2002 os condicionantes que determinaram o vazio de práticas de educação profissional no sistema estadual de ensino de Mato Grosso. Em dezembro de 1995, a Secretaria de Educação –Seduc – suspendeu a oferta da educação profissional em nível médio e, apesar de, nesse interregno, ter elaborado projetos que resultaram nos convênios com o Ministério da Educação – MEC para a reforma da educação profissional, não foi possível verificar a oferta desse nível de ensino no sistema. Para compreender o problema partiu-se de uma reflexão acerca da trajetória histórica das categorias educação e trabalho, num aspecto mais global, e da forma que assumem, no modo de produção capitalista, no caráter parcelar do trabalho, que separa a concepção da ação e influencia nas definições políticas. Educação e trabalho constituem-se categorias que se baseiam nas relações sociais, dadas pela base material de produção e, por conta disso, estão sujeitas a conflitos e jogos de interesses. Assim, tendem a seguir as determinações dominantes, apesar das resistências, propostas alternativas e pressões da classe trabalhadora. Outras reflexões mais específicas referiram-se ao modo de governar pluripartidário, no período em questão, marcado pela complexa aliança entre diversos partidos, à realidade socioeconômica do Estado e às implicações no processo de definição de políticas educacionais. Particularmente no que refere às formulações para a educação profissional em nível médio, identificou-se uma tensão entre duas tendências: uma progressista, de orientação teórica socialista e outra conservadora, de matriz neoliberal, que velava a luta entre um projeto de educação do ponto de vista da classe trabalhadora e outro, do capital. Tratava-se de um ponto de clivagem entre, por um lado, a defesa de uma educação que assegurasse meios para a integração ao mundo do trabalho produtivo, tomando-se o conceito de trabalho compreendido como práxis e fonte criadora da existência humana, educação essa que fosse contemplada no currículo e, por outro lado, os projetos técnicos carregados de influências ideológicas da reforma propalada pelo governo federal, centrada na formação estreita para o mercado. Essa problemática, na verdade, expressava uma relação velada entre a Seduc, que tencionava receber recursos financeiros externos e o MEC, que dispunha de meios para proporcionar ao Estado a implementação de suas políticas via projetos financeiros, mas condicionava-os à adesão aos princípios do Decreto 2.208/97, que desarticulava os estudos propedêuticos e profissionais. Isso aconteceu num contexto interno de relações políticas instáveis, expressas nas seis trocas de secretários e na rotatividade de técnicos nas equipes da Secretaria. Foi possível verificar-se que as diretrizes para o ensino médio, que a princípio se apresentavam inovadoras, resultaram na perspectiva liberal de unificação curricular através da proposta de conteúdos gerais abstratos e na ruptura com a possibilidade de articular estes com os conhecimentos técnicos, inclusive porque a educação profissional foi transferida, no final de 2002, para a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Superior. Palavras-chave: educação, educação profissional, trabalho, Seduc.

Page 9: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

ABSTRACT The present study tried to locate in the political formulations of the government, the conditional mood that would give form to the empty of professional education practices in the state system of education, seen that the Education State Office of the Secretary suspended the offering of professional education in medium level in state schools in December of 1995, and in the interregnum of seven years elaborated eleven projects that resulted convenant with Ministry of Education- MEC, for the construction of eight Publics Centers of Professional Formation and physical reform and curricular of 24 schools of the Medium Education. For comprehension of the problem left of a reflection about the historical path of the categories education and work, in a more global character, and the form that assume in the capitalist output way transversally of the character parcelar of the work that separates conception of the action and blasts in the political practices, have sight that the element while State that compose the superstructure would not be able to alter. Education and Work constitute historical categories that itself in given social relations by the output stuff base, and, in view of, are you subject to the conflicts and games of interests. Therefore, always intended for the determined trials by the demands of output of the elites dominant, despite of the resistances, alternative proposals and pressures of the subordinate class. Had an another one more specific reflection regarding the way of govern pluralistic marked by the complex alliance between broken heterogeneous, the socio-economic reality of the State of Mato Grosso and the implicações in the educational politics definition trial. Privately, in what refers the formulations for professional education in medium level, identified herself a tension between two tendencies: a progressive one, of theoretical orientation socialist and another one conservative, of liberal matrix that watched fights between a project of education of the point of sight of the industrious class and another of the capital. Treated of a point of break up between a political directive that sought to exceed the mere model of professional instruction route the basic education of quality, that assured meanses for the integration to the world of the productive work that took the concept of work as axis of curriculum understood like praxis and creative spring of the human existence, and the elaborate projects by the technicians of the Seduc, that expressed of the scientific loaded one of ideological influences of the reform publish for the Federal Government centered in the formation, narrow for the market. In fact treated of a relation watched between Seduc, that intended to receive external financial resorts and the MEC that arranged of meanses for provide to the State the implementation of his politics, road financial projects for build, equip, do reforms physical and curricular.this happened in an internal context of unstable political relations I express in the six you change of Secretaries and turnaround of technicians in the teams. Therefore, it was possible verify that the directives for the medium education that to beginning innovative were presented resulted in the perspective liberal of unification curricular,crosswise of the proposal of abstract general contents and in the break with any possibility of articulation with the seen, professional education that was transfered in the end of 2002, for the Science State Office of the secretary, Technology and Upper Education. Key-Words: education, professional education, work, Seduc.

Page 10: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

CEE Conselho Estadual de Educação

CEFET-MT Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso

CENFOR Centro Público de Formação Profissional

CEPROTEC-MT Centro Estadual de Educação Profissional e Tecnológica de Mato

Grosso

FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador

FEE Fundo Estadual de Educação

FIEMT Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

MT Mato Grosso

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

PAER Pesquisa de Atividade Econômica Regional

PC do B Partido Comunista do Brasil

PDT Partido Democrático Trabalhista

PEA População Economicamente Ativa

PEC Projetos Escolares dos Cenfor

PEP/MT Plano de Expansão da Educação Profissional de Mato Grosso

PFL Partido da Frente Liberal

PIB Produto Interno Bruto

PL Partido Liberal

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMN Partido da Mobilização Nacional

PPS Partido Popular Socialista

PROEP Programa de Expansão da Educação Profissional

PROMED Programa de Expansão do Ensino Médio

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSC Partido Socialista Cristão

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

Page 11: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PV Partido Verde

SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

SEDUC Secretaria de Estado de Educação

SEMTEC Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico

SEPLAN-MT Secretaria de Estado de Planejamento

SINTEP Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público

SUDEB Sistema Único e Descentralizado de Educação Básica

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UNED’s Unidades de Ensino Descentralizadas do Ceprotec

UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso

Page 12: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

INDICE DE TABELAS

Tabela 1 – População, Residente no estado............................................................................127

Tabela 2 - Participação das atividades econômicas no Produto Interno Bruto do estado... 129

Tabela 3 - Demonstrativo da escolaridade da população ocupada......................................130

Page 13: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

Os caminhos da pesquisa ...................................................................................................19

CAPITULO I ...................................................................................................................... 35

1. Trabalho: origem e conceito.........................................................................................35

1.1 A relação entre trabalho e educação.............................................................................42

1.2 Educação profissional no Brasil....................................................................................52

CAPITULO II.........................................................................................................................62

2. A reforma dos anos noventa: uma nova ênfase na educação para o trabalho?...............62

2.1 O dissenso no governo de Mato Grosso........................................................................73

2.2 Os vetores das formulações políticas............................................................................80

CAPITULO III........................................................................................................................87

3 A tensão entre duas concepções:articulação ou desarticulação?......................................87

3.1 Como a educação profissional foi tratada nos Planos do governo..............................107

3.2 Os limites dos trabalhadores frente à expansão do capital no estado.........................125

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................137

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................149

Page 14: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

INTRODUÇÃO

A Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso – Seduc – suspendeu a oferta de

cursos técnicos de nível médio nas escolas estaduais em dezembro de 1995 e no interregno de

sete anos elaborou diretrizes e projetos. Celebrou convênios com o Ministério da Educação –

MEC – para implementar Centros Públicos de Formação Profissional – Cenfor com o intuito

de enfrentar o déficit da força de trabalho qualificada no estado. No entanto, observou-se que

até o ano de 2002 a proposta de funcionamento do Cenfor não saiu do papel. Assim, o

objetivo do presente estudo foi tentar desvelar quais foram os condicionantes, as derivações

que determinaram o vazio de práticas de educação profissional no sistema estadual de ensino,

no período em questão.

Para compreender o problema apresentado partiu-se da reflexão sobre as origens e o

desenvolvimento histórico das categorias educação e trabalho, num caráter mais global, e de

como elas se relacionam no modo de produção capitalista.

Educação e trabalho constituem categorias históricas construídas nas relações sociais

que se baseiam nos modos de produção e, por conta disso, estão sujeitas a conflitos e jogos de

interesses. O estudo dessa trajetória mostrou que sempre tenderam para os processos

determinados pelas exigências de reprodução das elites dominantes, apesar das resistências e

propostas alternativas da classe trabalhadora.

Quanto à relação educação e trabalho, a princípio ela se deu por meio do atendimento

aos menos favorecidos da fortuna, para que adquirissem hábitos de trabalho, e para afastá-los

do ócio e do crime. Posteriormente, com o advento da industrialização, o eixo da relação

educação e trabalho passou a ser as necessidades econômicas.

Page 15: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

13

O estudo do modo de produção capitalista evidenciou que as relações engendradas

caracterizam, no geral, o trabalho parcelar por meio da divisão cada vez mais acentuada entre

o planejamento e a produção em si. A necessária acumulação do capital leva as empresas a

buscarem alternativas de redução dos custos e do tempo destinado à produção das

mercadorias. Desta forma, deixam-se de lado as antigas práticas de confeccionar os produtos

no mesmo espaço geográfico: eles passam a ser produzidos em partes e distribuídos em

diversas instâncias. Desse fato emergem ideários da separação entre concepção e ação, que

influi nas relações sociais e, por conseguinte, constitui desafios para as definições políticas.

Kuenzer (1988, p.12) argumenta que a falta de compreensão teórica acerca da relação

educação e trabalho, bem como a dificuldade de apreender como ela tem ocorrido no interior

das formas concretas que a contradição entre capital e trabalho vai assumindo, tem concorrido

para a formulação de políticas educacionais discutíveis.

O resgate histórico da trajetória da educação profissional mostrou que a problemática

acerca de articular ou desarticular ciência e técnica passava pela questão de que já estava

inculcada nos sujeitos a ruptura entre pensamento e ação e ela se colocava no âmbito das

relações sociais e das bases materiais de produção. No Brasil, em particular, inseria-se ainda

nessa dimensão o preconceito1 a respeito do trabalho manual. Daí as políticas educacionais

conferirem a tendência de fortalecer os ideais das elites dominantes: a história da educação

demonstrou priorizar-se a instituição de um sistema escolar acadêmico-cientificista voltado à

formação de dirigentes.

1 Segundo Cunha, (2000a, p.90), numa sociedade em que o trabalho manual era destinado aos escravos (índios e africanos), a característica do trabalho desqualificado e do desprezo “contaminava” todas as atividades que lhes eram destinadas, as que exigiam esforço físico ou a utilização das mãos. Para o autor aí está a base do preconceito contra o trabalho manual, inclusive e, principalmente, daqueles que estavam socialmente mais próximos dos escravos: mestiços e brancos pobres.

Page 16: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

14

Neste sentido, foi possível verificar que, desde o início, ainda no Brasil colônia, a

oferta de educação profissional deu-se de forma muito limitada. Nos primeiros anos da

economia baseada na agroindústria açucareira predominava o modo de organização do

trabalho escravocrata, que não exigia mão-de-obra qualificada. Da expansão da agroindústria

somada ao crescimento das atividades de mineração, aos poucos surgiam, também, novos

ofícios nas áreas de comércio e serviços, na zona urbana. Neste particular é importante

registrar a contribuição dos jesuítas na formação de mão-de-obra especializada para atividades

como as de sapateiros, pedreiros, carpinteiros, ferreiros, etc., nas “escolas-oficina”.

No Império, devido à transferência da sede do reino para o Brasil, ocorreram

significativas mudanças na economia e na política local, entretanto a implantação do sistema

educacional tendeu a fortalecer o ensino acadêmico.

A República Velha também manteve a marca das mudanças na economia,

principalmente porque já havia, ocorrido a extinção da escravatura, a cristalização do projeto

de imigração e a expansão da atividade cafeeira, porém a educação profissional manteve sua

característica de ser restrita às camadas menos favorecidas. Apesar da criação, nesse período,

das escolas de aprendizes e ofícios, elas voltavam-se à formação para atividades que pouco

tinham a ver com o modelo de economia encontrado nos centros urbanos.

No Estado Novo, já estavam dadas as condições materiais para a concretização do

caráter de classe da educação profissional. O crescimento da burguesia industrial conferia

necessidades de expansão desse nível de ensino; observa-se a definição de uma política de

formação profissional como um subsistema em relação ao ensino regular, com a criação de

algumas escolas técnicas voltadas para a formação de mão-de-obra, mas sem negar a

característica que já vinha sendo institucionalizada, o atendimento das “classes menos

favorecidas”. Para sintetizar, o modelo de ensino brasileiro expressava sistemas diferenciados:

Page 17: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

15

por um lado, voltava-se para a formação de dirigentes e, por outro, focava a formação de mão-

de-obra qualificada para a indústria. Essa realidade estende-se até a reforma educacional do

início dos anos setenta.

A educação profissional ganhou espaço na política educacional brasileira com a Lei

5.692 de 1971, que propunha unificar educação acadêmica e técnica, mas não conseguiu

eliminar a diferença fundamental entre estudos propedêuticos e profissionais. Julga-se que o

fracasso da reforma proposta na Lei do governo militar deveu-se, em última instância, à

tentativa de mudar a estrutura do ensino a partir do alto, contrariamente às demandas da base

material. Isto levou à sua reformulação, com a Lei 7.044 de 1982, que retomou os sistemas

diferenciados de ensino.

Com a instauração da Nova República, em 1985, iniciou-se no nível nacional uma

longa trajetória marcada por alterações do contexto político e pelo esforço em favor das

reformas. No que concerne à elaboração e aprovação das diretrizes para a educação, elas se

deram com avanços e recuos nas negociações e análises dos textos que tramitavam na Câmara

dos Deputados e no Senado. O resultado foi a homologação do projeto do senador Darcy

Ribeiro, no final de 1996. A reforma educacional indicada pela Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional nº 9.394 possibilitou a articulação entre ciência e tecnologia no âmbito do

ensino médio, mas o Governo Federal optou, na regulamentação da LDBEN através do

Decreto 2.208 de 1997, pela desarticulação.

Cláudio de Moura e Castro, um dos mentores da reforma da educação do governo

federal nos anos noventa, argumentava que a opção pela separação entre ensino acadêmico e

técnico significava aterrissar no mundo real, uma vez que a alternativa apresentada pelo grupo

da esquerda, pela qual se pretendia resolver definitivamente a questão da separação entre

Page 18: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

16

escola para ricos e escolas para pobres, partia de uma análise superficial da realidade concreta

(CASTRO, 2003, p.142-146; CASTRO, 1994, p.139-141).

Foi preciso, também, no presente estudo, fazer uma outra reflexão, mais específica,

sobre o modo de governar pluripartidário no estado de Mato Grosso. A complexa aliança

entre partidos que por si são pluralistas indicava aspectos que evidenciavam a busca do

consenso possível nas diretrizes políticas.

Foram analisadas questões referentes ao contexto socioeconômico e as suas

implicações no processo de definição política para a educação, dada a premissa de que o

Estado reproduzia a forma de organização da economia. A realidade dos anos noventa

revelava que a população do estado apresentava baixos índices de escolaridade e o primeiro

setor da economia presenciava uma mudança sem precedentes na sua história: a modernização

da produção na agricultura. Nessa época, o cenário político anunciava novos ares, através da

ruptura do poder com a classe política de marcas liberal-conservadoras2 , que perdera espaço

para um outro grupo de características mais progressista-democráticas3. Pode-se dizer que o

primeiro apresentava traços próprios de um modo de governar autoritário no estado, e o

segundo se destacava pelo compromisso com a consolidação de um processo democrático

amplo e pluralista.

2 Tratava-se do grupo União por Mato Grosso, que consistia na aliança entre os Partidos Frente Liberal (PFL), Trabalhista Brasileiro (PTB) e Liberal (PL) caracterizados pela ligação orgânica às elites rurais do estado, com oligarquias familiares e pela alternância no poder. 3 A formação deste grupo deu-se com a aliança Frente Cidadania e Desenvolvimento a qual elegeu no primeiro mandato Dante Martins de Oliveira, que representava o Partido Democrático Trabalhista (PDT), constituindo com este, ao todo, dez partidos: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Verde (PV), Partido Socialista Cristão (PSC), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Popular Socialista (PPS). Tratava-se da coligação de distintos ideais que passavam pela defesa de um Estado moderno e enxuto e do fortalecimento da economia voltada para inserção no mercado nacional e internacional e, ainda, pela defesa da necessidade de se garantir políticas sociais básicas.

Page 19: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

17

No que se refere às políticas para a educação, há indícios de que o Plano de Metas do

Governo de Mato Grosso de 1995-1998 priorizou, particularmente, as contribuições

oferecidas pela comunidade escolar nas reuniões realizadas durante a campanha, no sentido de

reclamar a construção de uma educação pública democrática de qualidade. Especificamente

quanto à educação profissional, constava do referido Plano a perspectiva de articulação entre

cidadania, cultura e trabalho e também a implantação de Cenfor em algumas regiões pólo de

desenvolvimento do estado.

A análise indicou que as diretrizes políticas formuladas pela Seduc para a educação

profissional de nível médio apresentavam características que velavam uma tensão

articulação/desarticulação de conteúdos científicos e técnicos. Entretanto, foi possível

verificar que essas concepções ao longo da trajetória de oito anos enfrentaram momentos de

aproximação, afastamento e mudança e guardavam uma contradição básica, um ponto de

clivagem entre as formulações políticas fortemente influenciadas pelos consultores

contratados pela Secretaria e as orientações dos tecnocratas do Ministério da Educação para

os projetos técnicos. As constantes trocas dos titulares da Seduc, contrato e distrato de

consultores e a rotatividade dos técnicos nas equipes de ensino médio e de educação

profissional evidenciavam o contexto de oscilações políticas no âmbito do governo.

Pôde-se ainda observar nas formulações conceitos distintos de educação: a defesa da

superação do modelo de instrução profissional da perspectiva taylorista/fordista rumo a “uma

educação básica de qualidade que assegurasse continuidade e fornecesse meios para a

integração ao mundo do trabalho produtivo”, (SEDUC, 1997, p.29), bem como os ideais

contrários, nos projetos financeiros elaborados pelos técnicos sob a orientação do MEC.

Havia uma diretriz política que considerava as múltiplas realidades dos jovens, voltada para a

oferta de alternativas que lhes garantissem condições de escolha e compreendia o conceito de

trabalho como práxis e fonte criadora da existência humana, tomando-o como eixo do

Page 20: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

18

currículo. No oposto, expressava-se a idéia da educação profissional desarticulada da

científica, via Cenfor, assumindo como foco o mercado de trabalho na sociedade capitalista;

tratava-se de projetos financeiros para implementar oito Centros Públicos de Formação

Profissional e a reforma física e curricular de vinte e quatro escolas do ensino médio.

Com o estudo constatou-se que as formulações das diretrizes para o ensino médio, que

a princípio eram inovadoras, resultaram na perspectiva de unificação curricular por meio da

proposta de conteúdos gerais abstratos e, na ruptura com a educação profissional, que foi

transferida no final de 2002 para a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação

Superior.

Na verdade, constatou-se que havia uma relação velada entre a Seduc, que pretendia

receber recursos financeiros externos e o MEC, que dispunha de meios para proporcionar ao

Estado a implementação de suas políticas desde que, este, se comprometesse, para tal, com os

ideais da reforma pretendida pelo já mencionado Decreto Federal 2.208/97. No entanto, não

se deixou de considerar que, num governo pluralista que procurava se embasar nos princípios

da participação democrática, fatalmente as formulações políticas também sofreriam

influências internas e externas advindas dos diversos sujeitos que interagiam com a Seduc.

Foi possível observar que os impasses nas formulações refletiam, de certa forma, momentos

de avançar e de recuar como uma estratégia de luta do governo, o que leva a interpretar que se

tratava de uma alternativa para se conseguir consolidar um modo de governar democrático.

O ato de optar pela suspensão da oferta da educação profissional no início do governo

representou a intenção de dar início à reforma, todavia, pode ter sido uma ação precipitada,

uma vez que foi negada aos alunos a possibilidade de escolher entre cursar o propedêutico ou

o técnico.Os trabalhadores mato-grossenses, nesse período, deparavam com uma realidade

econômica que apresentava destaque ao crescimento de parte da agroindústria e, na outra

Page 21: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

19

ponta, o setor de serviços como o responsável pela maioria da população ocupada. Tal

situação, conseqüentemente, evidenciava os determinantes para que se garantissem

alternativas educacionais diversificadas voltadas para a legitimação de saberes que passavam

não só pela educação de caráter científico-humanista mas, também, técnico.

Na verdade, essas contradições representavam uma realidade social sobre a polêmica

que sempre houve no concernente a educação profissional. Isto posto, o presente trabalho teve

o intuito de buscar uma compreensão acerca da problemática da educação profissionalizante

pautada no caminho que somente o método científico dialético pode proporcionar.

Os caminhos da pesquisa

A Dialética trata da “coisa em si”, e para se compreender a realidade em si, que não se

manifesta de imediato ao pesquisador, segundo Kosik 1989, é necessário não só fazer um

certo esforço, mas também um détour. A realidade é complexa, dinâmica, resulta da

totalidade de múltiplas dimensões, e sua interpretação depende do lugar e do “olhar” de cada

sujeito. Portanto, fez-se a opção pelo método dialético devido à compreensão de que somente

os caminhos por ele proporcionados dariam conta de traduzir com fidedignidade a realidade

concreta.

As constantes questões que aos poucos surgiam no decorrer do estudo reforçavam a

idéia de que o processo de construção do conhecimento não é linear, nem uniforme. Da

construção do percurso da pesquisa emergiam novas problemáticas, que exigiam a busca de

informações fundamentadas, não “enxergadas”, na proposta inicial de investigação.

O propósito deste trabalho surgiu a partir da necessidade de a pesquisadora sair do

nível do senso comum, proporcionado pela sua atuação como técnica nas equipes do ensino

médio e de educação profissional no período em estudo. O exercício da função técnica

Page 22: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

20

resultou na sistematização de uma noção que não oferecia clareza suficiente para o

entendimento da ausência de educação profissional nas duas gestões do governo da Frente

Cidadania e Desenvolvimento.

Neste ponto, convém lembrar que, segundo Minayo 2000, o pensamento e a

consciência são frutos da necessidade que tem como base o próprio processo histórico. Logo,

tanto os indivíduos como os grupos e também os pesquisadores são dialeticamente autores e

frutos de seu tempo histórico.

A identidade da pesquisadora com a trajetória do objeto facilitou o levantamento e

triagem do material a ser analisado, frente à infinidade de informações e riqueza de materiais

disponíveis, que poderiam levar o pesquisador a correr o risco de se perder ou ainda, a trilhar

outros caminhos que resultariam em novas interpretações. Por outro lado, no início da

pesquisa, a experiência acumulada constituiu-se, de certa forma num obstáculo para a

superação da mera descrição do real, tornando-se necessário o total afastamento das

atividades profissionais cotidianas. Na verdade, as representações de alguns “pré-

conhecimentos” arraigados se, por um lado, tinham que ser o ponto de partida, o caminho

para a construção do novo conhecimento, por outro, dificultavam sair da análise superficial

rumo ao caráter crítico da dissertação.

O cotidiano do trabalho técnico desenrolava-se por meio de um agir rotineiro e

burocrático em que não se permitiam espaços e momentos para se refletir a respeito da ação e

conseqüentemente construir um conceito mais aprofundado acerca da prática de todos os dias.

Isto lembra os escritos de Kosik ao argumentar que a “práxis utilitária cotidiana cria o

pensamento comum” que “[...] é a forma ideológica do agir humano de todos os dias”.

Segundo o autor, o homem se esforça para descobrir a verdade e o que está por trás das coisas

“porque, de um modo qualquer, pressupõe a existência da verdade, porque possui uma segura

Page 23: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

21

consciência da existência da coisa em si” (KOSIK, 1976, p.13, 15). A busca, portanto, de uma

construção teórica que aclarasse a prática rotineira exigiu um esforço consciente para a

superação dos graus de dificuldade dados pelo envolvimento técnico da pesquisadora. Foi

necessário estabelecer constante relação entre o método e a teoria, de modo a manter a

contínua reflexão sobre o objeto. Neste sentido o processo de construção da nova concepção

da realidade foi aos poucos desconstruindo os conceitos próprios da prática burocrática a qual,

certamente, não será mais a mesma.

No início da pesquisa apresentava-se somente uma idéia sistematizada acerca do

problema em si: a ausência de práticas de educação profissional no período de 1995-2002, e

não se tinha a definição das linhas concretas a serem discutidas e analisadas para a

composição da totalidade do objeto de estudo. Portanto, este trabalho fugiu um pouco da

formalidade de se apresentar desde o início uma lista de hipóteses que orientariam o caminho

da pesquisa. O processo de questionamento para a construção da totalidade do real deu-se

juntamente com o desenvolvimento da pesquisa. A própria dinâmica que a dialética

proporciona por meio de uma primeira análise do dado levantado, depois da negação da “pré-

síntese” do real e da busca de uma nova construção, possibilitava enxergar a totalidade do

objeto, uma vez que revelava que a construção do conhecimento realiza-se por meio da

interação do pesquisador com o objeto, da qual emerge uma nova realidade. Desta forma,

houve necessidade de se buscar um referencial teórico que fosse capaz de iluminar as

categorias a serem estudadas para poder se aproximar e fazer a mediação com o objeto com a

maior claridade possível; caso contrário, corria-se o risco de tomar rumos que poderiam

resultar numa apropriação opaca do real. Portanto, o exercício de construção do recorte

teórico foi demorado e deu-se às custas de muita reflexão e tentativas de formulação e

reformulação.

Page 24: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

22

Isto posto, deve-se reconhecer que o desafio é devido ao fato de se optar para o ponto

de partida pela tentativa de construir conceitos acerca das categorias educação e trabalho das

quais podem decorrer múltiplas possibilidades de análise devido ao seu caráter complexo.

Portanto, havia certa consciência de que as problemáticas que envolvem essas duas categorias

na sociedade ocidental capitalista, além de estarem relacionadas entre si, podem levar a

questões muito generalizadas e ainda ramificar-se para múltiplas interpretações, exigindo

necessidade e o cuidado de delimitar de forma abrangente e ao mesmo tempo sintética sua

identidade.

A reflexão acerca da realidade não constitui tarefa muito fácil e, de certa forma, exige

um processo de tentativas de elaboração e reelaboração, à luz dos conhecimentos existentes a

respeito do tema, de maneira a buscar a cooperação entre as pesquisas, uma vez que a

construção do real passa pelo caráter da “inacessibilidade do objeto que se explica pelo fato

de que as idéias que fazemos sobre os fatos são sempre imprecisas, mais parciais, mais

imperfeitas que ele” (MINAYO, 2000, p.90).

Então, se o objeto em análise passava pelo entendimento da negação, por parte de

determinado governo, de um projeto de educação profissional à classe trabalhadora mato-

grossense, optou-se por construir na presente pesquisa um conceito de uma parte do todo que

compreende em quais momentos e condições da trajetória histórica da sociedade capitalista a

educação foi considerada importante para a economia, a política e os trabalhadores. Isto

possibilitou a compreensão acerca da relação educação e trabalho como resultado de uma luta

de classes e de que a educação profissional tem por natureza o atendimento à classe

trabalhadora. Acreditava-se, portanto, que, a interpretação da educação para a classe

trabalhadora a partir dessa realidade daria conta de iluminar o que se propusera no início da

investigação.

Page 25: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

23

A sistematização de conceitos acerca da educação para a classe trabalhadora como

resultado de um processo de luta, de conflitos, de jogos de interesses permitiu aclarar que o

Estado enquanto responsável pela formulação e implementação de políticas públicas

constituiu um representante importante nessa trajetória para que se garantisse a ideologia

dominante. Nesse momento, surge mais uma pergunta: ao negar a educação profissional, a

Seduc teria exercido o papel fundamental de reproduzir as relações sociais do modo de

produção que lhe servira de base? Isto exigiu alargar o campo da pesquisa para tentar

enxergar o papel do Estado no processo de materialização das relações sociais dominantes,

haja vista que o governo propalava a educação profissional articulada à agroindústria e a

análise mostrava que este setor da economia demandava pouca exigência de mão-de-obra

qualificada.

Por outro lado, foi possível perceber que no interior do governo também ocorriam

pontos de tensão entre reproduzir a ideologia política daquele contexto econômico e o seu

contrário; um projeto de educação do ponto de vista da classe trabalhadora. Julga-se que ai

estaria o eixo principal para as oscilações das diretrizes políticas.

Não se tratava da compreensão por parte da pesquisadora acerca do conceito de modo

de governar enquanto um bloco monolítico que traça políticas lineares, mas do entendimento

da necessidade de se avançar no sentido de implementação de políticas educacionais

coerentes que garantissem a continuidade possível num mesmo governo, já que no Brasil se

tornou senso comum a descontinuidade de políticas a cada final de gestão. Assim, optou-se

por fazer a análise detalhada das formulações para tentar identificar um aspecto que depunha

contra o outro, mas que na verdade ocultaria um jogo de interesses em detrimento da oferta de

mais uma alternativa de educação aos trabalhadores.

Page 26: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

24

É sabido que buscar consenso de idéias num mesmo grupo já impõe determinadas

dificuldades, o que remete a inferir sobre o exercício das negociações que deveriam ter

ocorrido diante da necessidade de se buscar consenso num governo pluripartidário. A partir

dessa análise buscou-se identificar nas formulações pontos de conflito que ocorriam no

interior do governo instituído, evidenciados no processo de reprodução das relações sociais

que lhe eram inerentes: grupos ligados às elites ruralistas e empresários que defendiam a

modernização do Estado e, de outro lado, grupos aliados aos que reivindicavam a melhoria e

democratização da educação. Nesse particular, ficou evidente que os conflitos que emergem

da divisão social do trabalho, na sociedade capitalista, resultam em relações sociais que

influenciam na política no nível do Estado.

Estas questões faziam-se presentes em meio à preocupação com a necessidade de

analisá-las com o cuidado de verificar as possíveis influências da reforma da educação

profissional instituída pelo governo federal, que preconizava a sua adequação à modernização

da economia. Isso exigiu a busca da compreensão do conceito de educação profissional

presente no Decreto Federal 2.208/97.

Assim, compreendeu-se que a reforma defendida pelo governo federal nos anos

noventa concretizava os ideais do movimento de modernização da economia, que, embora

buscassem agregar ciência e tecnologia na produção para garantir competitividade,

flexibilidade, eficiência e maiores lucros, não superavam a divisão social e técnica do trabalho

e não geravam postos de trabalho. O modelo da economia demonstrava a exigência de

profissionais altamente qualificados para atuarem em determinadas bases materiais.

Esses ideais expressavam-se nas definições políticas por meio da separação entre o

ensino médio de educação geral e o técnico. Assim, para a maioria da população, oferecia-se

educação de caráter unitário e abstrato, no estado de Mato Grosso, particularmente em escolas

Page 27: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

25

públicas, visto que as restritas possibilidades no mercado de trabalho demandavam políticas

de educação generalista. Para a população a que era destinada a educação profissionalizante,

uma outra proposta de formação aligeirada, que tendia a desqualificar mais ainda o

trabalhador. Isso também ocultava a opção do governo pela otimização da aplicabilidade dos

recursos em educação, evidenciada na proposta de redução dos custos decorrente da

diminuição do tempo curricular, por meio da formação técnica em uma média de um ano e

meio e de curso em nível básico aligeirado sem exigência de escolaridade.

Daí surge também uma outra preocupação: por que o governo federal disseminou um

suposto novo modelo de educação profissional sob a ótica da adequação de perfis e da

necessidade de formação rápida para o mercado? Estaria a economia brasileira realmente

necessitando de um “novo tipo” de mão-de-obra ou haveria um processo de ocultação da

realidade? Percebeu-se, então, na leitura de pesquisas4 sobre educação e mudanças no mundo

do trabalho que havia certo consenso acerca da necessidade de uma educação que associasse

ensino técnico aos conteúdos científicos, uma vez que a realidade díspar nas bases materiais

de produção exigia do trabalhador a capacidade de manejar conhecimentos.

4 Outras informações poderão ser obtidas em Kuenzer, Acácia Zeneida. As mudanças no mundo do trabalho e da educação: novos desafios para a gestão Texto apresentado no IX ENDIPE, Águas de Lindóia, 4 a 8 de maio de 1998a. memo; em Hirata. Da polarização das qualificações ao modelo de competência. In Ferreti, Celso João; Zibas, Dagmar et al. Tecnologias, trabalho e educação, um debate multidisciplinar. Petrópolis –Vozes.1994; em Frigotto, Gaudêncio. Educação e formação humana: ajuste neoconservador e alternativa democrática. Formação e qualificação abstrata e polivalente e a defesa do Estado mínimo: nova (de) limitação dos campos educativo na lógica da exclusão; em Saviani, Demerval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In Ferretti, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994; em Machado, Lucília Regina de Souza. A educação e o desafio das novas tecnologias. In Ferreti, Celso João; Zibas, Dagmar et al. Tecnologias, trabalho e educação, um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.

Page 28: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

26

Então, se alguns setores da economia demonstravam modernização da sua produção e

requeriam determinados padrões culturais da classe trabalhadora, por que o governo federal

procurou o caminho oposto através da proposta de educação profissional que reproduziria a

divisão social e técnica do trabalho? O processo dessa reflexão resultou na compreensão de

que as novas exigências do mundo produtivo demandavam associação de cultura geral a

conhecimentos técnicos, para determinada casta da classe trabalhadora, mas convivia-se, por

outro lado, com um modelo de economia marcado pelo uso precário da força de trabalho. Essa

realidade na sociedade capitalista e, em particular, na economia brasileira, ainda reflete

relações contraditórias que emergem da luta de novos paradigmas econômicos e

socioculturais para a superação da antiga prática que resulta na cisão entre pensar e fazer,

concepção e ação.

A constante busca pela redução de custos e maior produtividade tem levado empresas

a juntarem-se em conglomerados que operacionalizam a produção de forma parcelar em

ambientes distintos, o que, por um lado, gera postos de trabalho que exigem do trabalhador a

associação e o domínio de ciência e tecnologia, por outro, no geral, revela um modelo de

gestão empresarial caracterizado por velhas práticas tayloristas/fordistas que centralizam na

gerência o planejamento das ações e impedem o domínio, por parte de quem executa, do

conhecimento da totalidade do seu ofício.

O processo educativo decorrente dessa realidade pode inculcar nos trabalhadores

relações sociais fragmentadas que refletem uma sociedade ainda mais dividida marcada pela

desigualdade. Portanto, a reforma da educação profissional, regulamentada pelo Decreto

2.208/97, ao não permitir a articulação de cultura geral e tecnológica no âmbito da política

educacional e ao optar por um modelo de qualificação aligeirada, impossibilitou que se

proporcionasse aos trabalhadores uma formação que lhes garantisse condições de fazer a

Page 29: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

27

mediação entre a complexa realidade do mundo do trabalho e as relações sociais e, assim,

permitisse a eles atuar de forma crítica e política na sua realidade.

Além disso, a análise da trajetória histórica da educação na sociedade capitalista

sustentou a interpretação de que, por trás da proposta de reforma da educação profissional dos

anos 90, apresentava-se o eixo da empregabilidade, que passava pelo entendimento de que a

qualificação e o trabalho sob a forma de emprego centravam-se no indivíduo, fato que

ocultava a responsabilidade social do Estado e escamoteava uma característica das mudanças

no modo de produção capitalista moderno. A modernização tecnológica condicionada à

reestruturação produtiva ocorrida no nível internacional não era uma realidade democratizada

na economia brasileira.

As análises de tais condicionantes também foram importantes para se compreender a

realidade das propostas políticas da Seduc no período em estudo. O estado de Mato Grosso

presenciava um crescimento sem precedentes na história da agricultura, que se modernizava e

era responsável por colocá-lo no cenário econômico nacional e internacional, apesar do

quadro caótico de escolaridade da sua população economicamente ativa – PEA. Tornou-se

evidente que o primeiro setor da economia não demandou do Estado políticas de expansão da

educação profissional, mas da educação básica.

A sociedade mato-grossense, por sua vez, também convivia com um modelo de

economia com base em poucas indústrias ligadas à transformação dos produtos advindos da

agricultura e grande parte das atividades reservada ao setor de serviços. Isso revelava que a

modernização da economia que se propalava era polarizada, e a sua democratização ainda

estava por ocorrer neste estado.

Procurou-se então compreender por que, mesmo diante dessa realidade, o governo do

estado de Mato Grosso propalara, desde o seu Plano de Metas 1995-2006, versão 1999-2002,

Page 30: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

28

a idéia da importância da formação de mão-de-obra para fortalecer a economia do estado

tendo como base as mudanças da agroindústria. As constantes formulações de projetos

financeiros resultaram nos convênios com o governo federal para a construção de oito Cenfor.

A análise levou a inferir que a parceria com o Ministério da Educação pode ter logrado

resultados positivos para o estado, visto que foram aprovados onze projetos para a reforma do

ensino médio e da educação profissional, apesar do vazio de práticas de educação profissional

nos mencionados Centros.

O esforço para levantar na presente pesquisa quais foram os condicionantes da

ausência de prática de educação profissional no período estudado permitiu desvendar

dimensões não pensadas a respeito dessa realidade, que passaram pela questão da trajetória

histórica da educação dos trabalhadores ao se revelar uma não prioridade nas políticas

educacionais do Brasil e pelo reconhecimento de que a reforma na educação profissional

indicada pelo governo federal não se fez sentir a partir das realidades verificadas nas bases

materiais de produção deste estado.

Portanto, o resgate do perfil socioeconômico mato-grossense permitiu a compreensão

do consenso do governo na prioridade dada à política de educação básica, contudo não

justificou os impasses apresentados nas formulações e no rumo dado ao ensino médio como

proposta unitária, generalista e abstrata, visto que o Estado, naquele momento histórico, mais

uma vez optara por atender aos reclamos da classe econômica. O ziguezague nas formulações

seria também uma estratégia de recuo para adiar a prática da educação profissional nos

Cenfor, uma vez que a realidade da base material de produção apresentava a necessidade de

se investir no ensino fundamental da população ocupada.

A busca de resposta para o problema levantado no início deu-se, portanto, com o

exame de vasta bibliografia acerca da relação educação e trabalho, educação profissional,

Page 31: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

29

reestruturação produtiva e educação, reforma educacional, a qual, porém, por si só não daria

conta de responder à questão. Tornou-se necessário aproximar esse referencial teórico dos

documentos disponíveis nos arquivos da Seduc, nas publicações em jornais de circulação

estadual e revistas, na busca de dados que melhor se aproximassem do problema em análise.

Quanto a essas fontes utilizadas, caracterizaram-se em documentos oficiais e não

oficiais. A análise efetivou-se não apenas em relação ao ponto de vista das formulações do

governo, mas também dos técnicos e dos consultores contratados pela Secretaria, para tentar

captar as manifestações dos sujeitos que perpassavam os documentos e, assim, identificar

possíveis impasses e confrontos entre as diretrizes políticas, as formulações de caráter técnico

e o exercício de governar por meio de planejamentos.

Foram observados, então, momentos de coerência e consistência teórica nos textos que

apresentavam um modelo de educação na perspectiva da contribuição das escolas, dada nos

seminários realizados pelo interior do estado, bem como dos consultores contratados pela

Seduc. Estes intelectuais, ligados ou não a algum partido político, concebiam um modelo de

educação do ponto de vista da classe trabalhadora. Contudo, percebeu-se que, quando os

técnicos precisaram caminhar sozinhos, submeteram-se às interferências externas que

indicavam o oposto das diretrizes anteriores. O afastamento das consultorias abria espaços

para sujeitar as equipes técnicas às determinações políticas do titular da pasta da Secretaria e

do Ministério da Educação.

Apesar das estratégias que buscavam alargar a participação da comunidade escolar na

definição dos rumos para o ensino médio, as formulações técnicas apresentaram fortes

influências dos ideais reformistas do governo federal ao aderir, no ano de 1997, aos princípios

de reforma do Decreto 2.208/97, já que a Seduc demonstrava interesse nos recursos

Page 32: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

30

financeiros acenados pelo Programa de Reforma e Expansão da Educação Profissional –

Proep/MEC.

O governo de Mato Grosso, ao formalizar um compromisso junto ao MEC no sentido

de implementar a reforma preconizada por esse Decreto, negou a história construída no

interior da própria Secretaria. Numa primeira análise, nota-se que isto passou pela questão de

buscar flexibilidade no processo de negociação, uma vez que, na prática, pretendia-se dar

continuidade às linhas gerais definidas a partir dos seminários com a comunidade. Por isso a

existência, desde 1997, de duas equipes na Seduc: a primeira preparava-se para deflagrar a

reforma curricular nas escolas com base no documento Novas Perspectivas para o Ensino

Médio, e a segunda atendia às orientações técnicas oriundas do Proep por meio da elaboração

dos projetos financeiros para construir e equipar os Cenfor.

Buscar consenso entre as equipes parecia ser possível, uma vez que as linhas gerais

definidas nas Novas Perspectivas para o Ensino Médio iam além da simples idéia de educação

profissional via Cenfor preconizada na reforma do Decreto 2.208/97: propunham cursos

técnicos articulados ao ensino médio nas escolas estaduais, de maneira a contemplar com tais

medidas uma parcela maior da sociedade. Apesar da existência da aparente unidade, notou-se

que essas equipes se distanciaram a partir de 1999, passando a coexistir de maneira

desarticulada duas frentes de trabalho: a equipe de educação profissional, que procurava

envolver em seminários determinados segmentos da sociedade, para disseminar os princípios

da reforma acordados com o governo federal e a do ensino médio, que, por outro lado,

deflagrava um debate a respeito da reforma curricular em 24 escolas.

A existência de equipes para trabalhar em frentes diferenciadas colocava mais uma

problemática: por que a despeito das linhas gerais estabelecidas no documento Novas

Perspectivas para o Ensino Médio, que indicavam alternativas de ensino médio com a

Page 33: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

31

educação profissional, a Seduc deu ênfase à educação de caráter geral em detrimento da

proposta de educação profissionalizante desarticulada?

Importante lembrar que no ano de 1998 o governador do estado já havia sido reeleito

para o seu segundo mandato e, daquela vez, pelo Partido da Social Democracia Brasileira,

afinando-se às políticas do governo federal. Avalia-se que este fato também tenha

influenciado nas definições do seu novo Programa de Governo, que na segunda parte não

contemplava a educação profissional, apesar da propagação das alternativas e perspectivas

para o ensino médio, nas possibilidades de currículos científicos e técnicos articulados, ou

pós-médio.

A partir desse momento passou-se a priorizar nas análises as formulações mais

específicas que correspondiam ao objeto de estudo, ainda que as questões inerentes ao ensino

médio estivessem a ele relacionadas. Entendia-se que a análise dos documentos referentes à

educação profissional não exigia que todas as questões relacionadas à totalidade do objeto

fossem necessariamente estudadas, optando-se por, no final, retornar a esses problemas para

fazer uma alusão aos resultados dos trabalhos da equipe do ensino médio no ano de 2002. A

aproximação da análise teórica com o objeto já indicava, aliás, que o estudo da parte

específica daria conta de enxergar a totalidade do real.

Considerou-se documento, na pesquisa, toda base de conhecimento fixado em material

gráfico suscetível de ser utilizado como fonte para consulta, estudo ou prova, relacionadas

diretamente ao objeto, e assim foram caracterizados impressos: livros; folhetos; textos

oficiais; pareceres; relatórios técnicos; correspondências; periódicos: revistas; jornais;

anuários.

Foram utilizados e considerados como fontes os documentos conservados em

arquivos no MEC, Seduc, CEE, Sintep, no Arquivo Público do Estado e no arquivo particular

Page 34: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

32

da professora aposentada Orlene Lopes da Silva5; os Anuários Estatísticos do IBGE referentes

aos anos de 1995, 1998 e 2002, da Secretaria de Estado de Planejamento – Seplan – MT–

2003, a pesquisa realizada pela Fundação Seade – 2002 e pela Federação das Indústrias do

Estado – Fiemt – 2002.

Optou-se ainda pela designação objetiva das equipes técnicas da Seduc da seguinte

forma: equipe do ensino médio e equipe de educação profissional, devido à já referida

existência de duas frentes de trabalho que surgiram no ano de 1997 e caminhavam, no

princípio, em sentidos paralelos, depois opostos, mas que no final acabaram atendendo às

diretrizes da reforma do governo federal.

O levantamento realizado sobre o perfil socioeconômico do estado realizou-se com a

comparação de dados disponíveis nas pesquisas do IBGE, Seplan, Fiemt, Fundação Seade e

Seduc e as informações referentes aos contratos e convênios financeiros foram obtidas em

documentos arquivados no setor responsável pela prestação de contas no Fundo Estadual de

Educação – FEE e relatórios do Proep – MEC.

A organização desta pesquisa desenvolveu-se em quatro momentos: primeiro, a busca

de informações gerais sobre o assunto e levantamento do material; segundo, a triagem do

conteúdo levantado com vistas ao tema em foco; terceiro, a coleta dos dados por meio de

leitura e elaboração de um longo relatório circunstanciado de todos os passos do governo

referentes à política para o ensino médio e educação profissional no período focalizado; feito

isso, efetuou-se a análise das informações consideradas mais importantes à luz do referencial

teórico.

5 A professora exerceu função técnica na equipe de ensino médio da Secretaria de Educação por mais de vinte anos e, por conta disso, acumulou dados e informações importantes em seu arquivo particular sobre a temática.

Page 35: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

33

Procurou-se destacar, por meio de citações de fragmentos extraídos dos documentos

que evidenciavam os ideais do governo, as pressões vividas pela Secretaria, uma divergência

de ordem epistemológica e técnica e uma prática que depunha contra a educação dos

trabalhadores.

Tal opção amparou-se na busca constante da relação entre o referencial teórico e o

material levantado, de maneira tal que, na construção da reflexão, fossem mantidas de forma

organizada as categorias em análise. Os conceitos de trabalho e de educação enquanto

categorias históricas que se constroem a partir das relações dadas no âmbito das bases

materiais de produção na sociedade capitalista que influenciam na definição das políticas

permitiram compreender que as mudanças que se fizeram sentir na economia e na política

mato-grossense indicavam necessidades de reformas educacionais voltadas para a garantia de

ensino fundamental à população e para a expansão da oferta do ensino médio de caráter geral.

Enfim, esperava-se que o referencial teórico sistematizado nesta pesquisa daria conta

de oferecer suporte suficiente para interpretar as circunstâncias reais de negação da educação

profissional à classe trabalhadora mato-grossense enquanto alternativa para a democratização

das oportunidades de formação.

Finalmente, a tentativa de garantir uma organização lógica para o presente trabalho,

optou-se por dividi-lo em capítulos que não devem ser vistos como textos fragmentados, mas

como partes que se complementam e perpassam, ao mesmo tempo, o todo. O resultado desta

pesquisa, portanto, assim se apresenta: no capítulo I, buscou-se a compreensão das categorias

educação e trabalho do ponto de vista histórico, num contexto econômico e político,

caminhando para o entendimento da concepção da reforma da educação profissional dos anos

90. O capítulo II dedicou-se a uma análise das concepções da reforma em pauta e dos

impasses teóricos e práticos das formulações políticas para a educação profissional do período

Page 36: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

34

de 1995-2002, em que foram abordadas questões relativas aos distintos ideais de um governo

pluripartidário e aos vetores do projeto de reforma educacional no estado de Mato Grosso. No

capítulo III, fez-se uma análise detalhada dos documentos, planos de metas, planos

plurianuais, planos estratégicos, planos de ação e projetos financeiros e ainda, uma breve

caracterização do perfil socioeconômico do estado no período em foco. Por fim,

acrescentaram-se, nas considerações finais, dados que buscam alargar e aclarar a compreensão

do tema.

Page 37: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

CAPÍTULO I

1 Trabalho: origem e conceito

O entendimento acerca da categoria trabalho do ponto de vista de capitalistas e

socialistas é controverso. Os primeiros entendem que toda riqueza provém do uso da força de

trabalho, e para os socialistas o trabalho se expressa como elemento de humanização, mas eles

alertam que as condições históricas cujo objetivo é somente a acumulação do capital vêm

contribuindo cada vez mais para a degradação do trabalho humano e dessa forma impõe-lhe o

caráter alienante.

Do ponto de vista da classe dominante, o trabalho teve, em contextos e épocas

distintas da sua história, uma conotação de desprezo ou de exaltação, o que revela aspectos da

sua múltipla e contraditória realidade. Por seu lado, a abordagem pelo método histórico-

dialético nega que se trate de uma mera atividade natural realizada pelo homem, mas leva a

identificar na sua longa trajetória os condicionantes que influenciaram e deram forma em cada

época a essa categoria.

A palavra trabalho remete ao latim tripalium, nome do instrumento formado por três

paus utilizados para manter presos bois ou cavalos difíceis de ferrar. No latim vulgar, essa

categoria significa pena ou servidão do homem à natureza. Inicialmente considerado esforço

de sobrevivência, o trabalho transformou-se ao longo da história da humanidade em ação

produtiva, ocupação e atualmente resulta em mercadoria (CARMO, 1992, p.16).

Pode-se dizer que devido ao trabalho ter se constituído no alicerce da civilização

ocidental capitalista, a sua realização dá-se de maneira tão natural a ponto de a maioria das

pessoas não se darem conta de que as relações por ele produzidas estão carregadas de

Page 38: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

36

influências ideológicas. Julga-se que isso tende a esconder o que está por trás da sociedade do

trabalho: a luta desigual entre as classes e o fato de que o sistema capitalista não consegue

democratizar as oportunidades. Então, torna-se imprescindível, para este estudo, ir à busca do

conceito e da origem da atividade denominada trabalho, compreendendo a trajetória e as

relações que o engendram.

A crise e deterioração das comunidades primitivas – forma de organização social em

que prevalecia o regime de propriedade coletiva dos meios de produção – evoluiu para uma

sociedade de classes. Com a fixação do homem na terra, seu principal meio de produção, foi

surgindo a propriedade privada e uma nova forma de relação que passava pela divisão dos

homens entre proprietários e não proprietários. Esse fato proporcionou a alguns a

possibilidade de poder viver sem trabalhar às custas do trabalho dos que não tinham posses.

Gradativamente surgiam relações de produção em que a minoria passou a deter em regime de

propriedade privada a posse da terra, dos instrumentos de trabalho e também do próprio

trabalhador, que foi reduzido à condição de escravo.

Nessa época marcada pelo modo de produção escravista com base na agricultura, o

ócio correspondia a um direito nobre para que a classe dirigente pudesse se dedicar à

contemplação e à política, mas o trabalho era desprezado e visto como uma atividade

praticamente insignificante que deveria ser executada por pessoas consideradas inferiores,

pois preferiram viver submissas. No auge da civilização grega, a escravidão era encarada

como uma lei natural e um subterfúgio para livrar os homens das tarefas servis, permitindo-

lhes tempo para consagrarem-se às coisas do espírito. Nesse período, as relações sociais

passavam pela nítida separação entre os considerados cidadãos, com direito a voto nas

assembléias e à participação na vida política e os demais, excluídos dessa condição.

Page 39: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

37

O movimento de transição do modo de produção escravista para o servil do regime

feudal deu-se de forma lenta, porém não deixou de provocar importantes mudanças na vida

das pessoas. Nesse período o meio de produção dominante continuava sendo a terra, sob

relações que passavam pela posse de grandes propriedades e pelo fortalecimento do poder dos

feudos. O que marcou a diferença nas relações de trabalho, nessa época, foi o rompimento

com o antigo regime de escravidão na adoção do trabalho servil.

No contexto da crise do escravismo é importante destacar a presença da Igreja

Católica, que criticava o regime social e político dominante em defesa dos “oprimidos” e, ao

conquistar adeptos no meio aristocrático, tornou-se uma forte organização econômica, política

e ideológica.

A terra como medida de riqueza conferia aos proprietários o poder e autoridade para

controlar a produção dos bens necessários à sobrevivência e a autoridade de subjugar na

condição de servos os que recebiam em arrendamento terras para cultivar. Nesse contexto,

novas relações sociais, econômicas e políticas surgiam; o poder e autoridade significavam

beneficiar-se do trabalho dos camponeses ou se apropriar da maior parte da produção. O

arrendatário, ao não conseguir produzir o excedente necessário para pagamento das terras,

submetia-se cada vez mais às condições impostas pelos proprietários.

É importante salientar que no feudalismo as classes dividiam-se entre a nobreza, que

era constituída pelos reis, condes, duques, marqueses e barões; o clero, por meio do papa, os

cardeais, bispos e padres; e o povo, a grande maioria de camponeses, artesãos, pequenos

comerciantes, médicos, dentistas, pedreiros, carpinteiros, etc. Nesse período, por mera

conveniência o clero foi aliado da nobreza para disseminar a ideologia do poder divino dos

reis. Nota-se a dicotomia no trato com o trabalho, visto pela nobreza e pelo clero como uma

atividade necessária para evitar o ócio do povo.

Page 40: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

38

Nosella, ao se referir ao trabalho nas sociedades escravista e servil, observa que, num

contexto de sistemas socioeconômicos em que a

produção material é fundamentalmente de consumo, onde a terra é a dimensão do poder sócio-político das classes aristocráticas, em que a afirmação de que os homens são por natureza desiguais é tida como racional, o trabalho humano só poderia ser concebido como estigma natural ou castigo (NOSELLA, 2002, p.30).

Pode-se dizer que o fato de associar a atividade humana a um instrumento de

dominação de animais já evidenciava a compreensão, pela classe dominante nos contextos

dessas sociedades, de que os trabalhos do escravo e do servo eram dignos de sua condição de

coisa, visto que estes, segundo o autor ora focalizado, eram considerados como peças que

completavam naturalmente com os animais e a terra o processo de produção.

Em paralelo ao poder centralizado dos feudos, as vilas, os burgos, foram crescendo e

formando seu próprio sistema de defesa contra a dominação dos nobres. O desenvolvimento

de novas relações de produção foi criando condições para o aparecimento dos burgos

vinculados ao artesanato e comércio, que aos poucos se fortaleciam e ampliavam o mercado

nacional em oposição ao poder centralizado nos feudos. O crescimento do comércio fortalecia

a burguesia mercantil e, associado ao desenvolvimento das cidades e, posteriormente, às

revoluções burguesas do século XVIII, contribuíram significativamente para a transição do

regime feudal para o capitalismo. Importante registrar que nesse período os homens já haviam

se livrado dos antigos regimes de trabalho escravo e servil, visto que o crescimento do

comércio fez surgir uma casta de “homens livres”. Portanto, “dos servos da Idade Média

surgiram os homens livres das primeiras cidades; deste estamento urbano saíram os primeiros

elementos da burguesia” (MARX e ENGELS, 1982, p.13).

Dessa forma, o modo de produção capitalista foi se estruturando por meio da ocupação

das terras pelos grandes proprietários, da crescente urbanização, da proibição do extrativismo

Page 41: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

39

e da pesca, da capitalização das explorações agrárias e da expansão do comércio, somadas a

ruína dos ofícios artesanais. Essa estrutura gradativamente expropriava qualquer possibilidade

de subsistência e de resistência do então chamado homem livre, que teve que “se curvar

diante do capital”.6 No modo de produção capitalista adota-se o trabalho assalariado e a

aplicação de capital numa atividade produtiva com a finalidade de obter lucro.

A organização do trabalho que hoje se apresenta é o resultado de um longo jogo de

forças revelado nos conflitos entre patrões e trabalhadores que se desenvolveram – e ainda se

desenvolvem – no próprio local de trabalho e só lentamente foram resultando nas sucessivas

vitórias dos patrões. Para ganhar essa luta, os capitalistas valeram-se não apenas de seu

aparato econômico, mas também do poder policial e militar do Estado (CRUDO, 1999, p.26).

No modo de produção capitalista, procurou-se associar ao trabalho, em termos

econômicos, aspectos que passavam pela sua positividade, já que ele era considerado gerador

de riqueza; mas se apresentava carregado de uma ocultação da realidade devido ao seu caráter

alienante. O trabalho no capitalismo torna-se alienado porque transforma o trabalhador em

mercadoria de compra e venda. Tal alienação revela-se mais perversa quando se nega ao

trabalhador a visão do conjunto do que ele está fabricando.

O trabalho, assim como todos os processos vitais e funções do corpo, é uma

propriedade física e mental inalienável do ser humano, visto que constitui elemento

inseparável da pessoa que o possui, e a força de trabalho é a capacidade de executar uma

tarefa, portanto constitui elemento de barganha. Porém, a forma que assume sob as relações

dominantes capitalistas, na incapacidade de comprar o trabalho em si e na necessidade de

comprar a força para executá-lo, foi e ainda continua sendo repleta de conseqüências para a

classe trabalhadora. O modelo de economia marcado pelo capitalismo industrial exige

6 Kerche, Neuza Maria Erthal. Vadiagem ou trabalho ordeiro: uma visão sobre o trabalhador mato-grossense. 2ªed. Cuiabá: CAGEL, 1999, p.91.

Page 42: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

40

intercâmbio de relações, mercadorias e dinheiro, mas o que o difere de outros momentos da

história da economia são as relações dadas por meio da venda da força de trabalho pelo

trabalhador e a sua compra pelo empregador (BRAVERMAN, 1987).

Saviani define o trabalho como o ato de agir sobre a natureza, adaptando-a às suas

necessidades. Para o autor, o trabalho define a essência humana, e para que o homem possa

dar continuação à espécie precisa constantemente produzir a própria existência através do

trabalho. Isto faz com que a vida do homem seja determinada pela maneira como ele produz

seu modo de viver (SAVIANI, 1994, p.152). Portanto, infere-se que o trabalho, fonte criadora

da existência humana, converte-se na sociedade capitalista, de afirmação da essência humana

em negação de sua humanidade, dada pelo processo de degradação, expropriação e

desqualificação do trabalhador.

O movimento que constitui a trajetória do trabalho no modo de produção capitalista,

desde o período manufatureiro até ao capitalismo moderno capitaneado pelas grandes

multinacionais, evidencia profundas transformações, marcadas, principalmente, no que se

refere à divisão social e técnica do trabalho, à associação de métodos científicos na gestão da

produção por meio do “taylorismo/fordismo”7 e, por fim, à articulação de ciência e

tecnologia no aparelho de produção.

7 Os cientistas clássicos foram os primeiros a cuidar, de um ponto de vista teórico, dos problemas da organização do trabalho no seio das relações capitalistas de produção, através da aplicação dos métodos da ciência aos problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas empresas. A gerência científica parte não do ponto de vista da força de trabalho humano, mas do ponto de vista do capitalista. Não procura descobrir e confrontar as causas das relações antagônicas entre capital e trabalho, mas as aceita como um dado “natural”. Não investiga o trabalho em geral, mas a sua adaptação às necessidades do capital. Taylor desenvolveu princípios fundamentais que expressavam cada vez mais a dominação do modo de produção capitalista. Esses princípios, tais como dissociação do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores que passava fundamentalmente pela defesa da independência do ofício em si do conhecimento do trabalhador; separação da concepção da ação “todo possível trabalho cerebral deve ser banido da oficina e centrado no departamento ou projeto” e utilização deste monopólio do conhecimento para controlar cada fase do processo de trabalho e seu modo de execução foram se tornando prática rotineira na maioria dos processos, que aumentavam em complexidade enquanto ao trabalhador não era permitido partilhar desse movimento; ficou cada vez mais difícil para a classe trabalhadora compreender os processos nos quais atuava. (BRAVERMAN, 1987). Acrescente-se ainda o entendimento de que fordismo, fundamentalmente, é o modo pelo qual a indústria e o processo de

Page 43: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

41

O trabalho sob o signo da produção necessária à sobrevivência, ao ceder lugar para as

máquinas, assumiu a condição da produtividade e do consumo exagerado em detrimento da

concepção do seu uso para a promoção equilibrada do bem-estar de todos. A sua

transformação em mercadoria de compra e venda na sociedade capitalista adquiriu

importância central nas vidas de homens e mulheres, visto que com ele construiu-se um mito

da acumulação de riqueza, da aquisição de bens. Contudo, revela também aspectos de uma

contraditória realidade nas relações que destroem, promovem a união e o contrário e desse

movimento resulta a história da civilização.

Se analisar os avanços da tecno-ciência, nota-se que eles favoreceram grandes

transformações na vida social, promovendo a melhoria da qualidade de vida de determinado

grupo social. Porém, convive-se também com o contrário, no aumento cada vez maior do

número dos que não têm acesso à produção e aos bens produzidos. Se levar em conta as

condições históricas impostas pelo regime de acumulação do capital, verifica-se que o homem

também se depara com situações degradantes reveladas nas práticas de expropriação da força

de trabalho.

À luz dos referenciais teóricos adotados, pode-se considerar que a história do trabalho

evidencia que o mesmo criou o homem, e das relações por ele e por meio dele engendradas é

que a sociedade se auto-produz, mas a forma que ele assume no modo de produção capitalista

é de alienação. Em função do já dito, toma-se como referência para este estudo o conceito de

trabalho como toda atividade do homem que transforma os elementos encontrados na natureza

em produtos necessários ao seu bem-estar e, nesse processo, vai construindo novas formas de

relações sociais. No entanto, as condições históricas impostas pelo regime de acumulação do

trabalho consolidaram-se ao longo dos séculos XX, cujas características básicas constituíam-se na produção em massa, na linha de montagem e em produtos mais homogêneos; no controle do tempo e movimento pelo cronômetro fordista e na produção em série taylorista; na existência do trabalho parcelar e na fragmentação das funções, na existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e, principalmente, na separação entre elaboração e execução no processo de trabalho (ANTUNES, 1997).

Page 44: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

42

capital revelam um lado perverso da relação capital-trabalho: a distância e as diferenças entre

as classes sociais estão se cristalizando, e o sistema capitalista não consegue democratizar as

oportunidades. Trata-se de reconhecer que ocorre uma luta entre o pólo da acumulação de

riqueza e a grande maioria. Portanto, nessas condições que se revelam contraditórias, os

homens também estabelecem determinadas relações econômicas, sociais, políticas e

ideológicas e, nesse movimento, transformam-se e constroem a sua história.

1.1 A relação entre trabalho e educação

A realidade concreta revela no modo de produção capitalista a divisão entre os

proprietários dos meios de produção e a classe que dispõe da força de trabalho, da qual

emergem relações econômicas, políticas, sociais e ideológicas que resultam num processo

educativo; portanto, “os fatos educacionais só podem ser convenientemente entendidos

quando expostos conjuntamente com uma análise sócio-econômica das sociedades em que

têm lugar” (PONCE, 2003, p.10) o que exige para o presente estudo a busca da compreensão

das condições em que trabalho e educação se relacionam.

Importante registrar que ambas as categorias são amplas e complexas, fato que torna

impossível, num único capítulo, descrever as suas longas trajetórias com riqueza de detalhes.

Portanto, a intenção deste texto não foi historicizar com pormenores a educação em si, mas

compreender aspectos da relação entre educação e trabalho, em linhas gerais, para que se

aclarasse a interpretação do objeto educação profissional nos anos noventa, ainda que se

pudesse incorrer no risco de omitir fatos importantes que lhes deram e ainda dão o real

formato.

Isto encontra suporte nos escritos de Marx, que elucida:

a sociedade burguesa é a organização histórica da produção mais desenvolvida e mais variada que existe. Por esse fato, as categorias que

Page 45: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

43

exprimem as relações desta sociedade e que permitem compreender a sua estrutura e as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos ela se edificou, de que certos vestígios, parcialmente ainda não apagados, continuam a subsistir nela, e de certos signos simples, desenvolvendo-se nela, se enriqueceram de toda a sua significação (MARX, 1983, p.223).

À luz do que foi analisado até agora, infere-se que trabalho e educação coincidem com

a existência humana, visto que as distintas características do fazer humano decorrente de cada

modo de produção resultam num processo educativo variado, porque marcado por diferentes

épocas: as relações de produção comunal primitiva, o modo de produção escravocrata na

Antiguidade, o trabalho servil no feudalismo e, no sistema capitalista, a compra e venda da

força-de-trabalho. Deve-se lembrar que os processos de transição ocorridos entre cada um

desses momentos deram-se de forma lenta, mas, significativa, influenciando nos

comportamentos das pessoas e, por conseguinte, nas formas de se relacionarem.

Inicialmente, os homens produziam sua existência em regime comunal através da

ajuda mútua entre homens, mulheres e crianças no desenvolvimento das atividades

necessárias à sobrevivência. Isto assegurava a todos os membros da comunidade o domínio

das técnicas de trabalho e permitia o crescimento do grupo, e nesse intercâmbio de relações e

interesses comuns ocorria um aprendizado espontâneo. Nessa sociedade, “o dever ser, no qual

estava a raiz do fato educativo, lhes era sugerido pelo seu meio social desde o momento do

nascimento das crianças” (PONCE, 2003, p.21).

Entretanto, o próprio estágio de desenvolvimento dessa sociedade permitiu que

surgisse no seu interior determinado grupo de indivíduos8 que se mantinha às custas do

trabalho da maioria. Isso possibilitou aos primeiros irem, aos poucos, se ocupando de

atividades que lembram a administração e organização das relações de produção e, dessa

8 As relações de trabalho nos primórdios da comunidade primitiva foram aos poucos engendrando novas formas de organização através da distribuição dos produtos, da administração da justiça, da direção das guerras, da supervisão dos sistemas de irrigação, que aos poucos foram exigindo certas formas de trabalho social ligeiramente diferentes do trabalho material propriamente dito. Cf. Ponce, 2003, p.22.

Page 46: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

44

forma, com o tempo foram se estabelecendo interesses distintos e desiguais. Assim, o

conhecimento, a educação, que ocorria como algo natural e implícito no meio social da

sociedade primitiva ia passando para um ideário pedagógico, separado do meio e concernente

aos “superiores”.

O desaparecimento desse ideário pedagógico coincidia com o momento em que

ocorria a substituição da propriedade comum pela privada, que engendrava novas formas de

relações de trabalho. O processo educativo passava a consistir em um meio do qual os

proprietários se utilizavam para manter a classe oprimida presa à sua condição de explorada.

Assim, julga-se que, com o aparecimento das classes sociais, os proprietários dos

meios de produção procuraram manter seu status quo, expresso nas estratégias9 de

expropriação do conhecimento acumulado ao longo dos anos pelas antigas tribos, que é

substituído por uma outra concepção: a da aceitação da hierarquia que apareceu na estrutura

econômica daquela sociedade. Pode-se, portanto, concluir, que na sociedade primitiva o

surgimento da educação foi um privilégio utilizado para inculcar novos ideais, notadamente o

da condição de subalternidade.

É importante lembrar que essas transformações ocorreram lentamente, mas deram base

ao aparecimento da sociedade escravocrata, por volta do século VII a.C. No modo de

produção escravocrata evidenciava-se, grosso modo, um meio de “educar” para a aceitação da

condição de classe submissa: a adoção de várias estratégias que caracterizavam o treinamento

“militar” severo para manter os dominados obedientes e embrutecidos. Isso leva a

compreender que, no contexto socioeconômico daquela sociedade, a educação já apresentava

9 Registraram-se práticas coercitivas adotadas pelos sacerdotes, magos e sábios, para “desvelar” aos jovens o que estava por trás dos mitos e superstições oriundos da larga experiência das tribos, como uma maneira de criar um novo e diferenciado processo educativo do qual emergiria uma nova concepção de realidade e, mais tarde, a escola a serviço de uma classe. Surgem também como conseqüências necessárias, uma religião com deuses, a educação secreta, a autoridade paterna, a submissão da mulher e dos filhos e a separação entre trabalhadores e os sábios ( Verificar Ponce, 2003, p. 27; 31).

Page 47: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

45

um ideário dicotômico, porque “por um lado, reforçava o poder dos exploradores, e por outro,

fortalecia a condição de explorado da grande maioria” (PONCE,2003,p.42).

Já no contexto do modo de produção feudal, a educação aparecia, cada vez mais e com

maior nitidez, como o contrário do trabalho e da produção. “O campo do educativo, tal como

ia se configurando, tinha uma função social específica: cultivar o espírito e a cabeça, não as

mãos” (ARROYO, 2002, p.84). Assim, a institucionalização da prática educativa para os

trabalhadores “nascia muito mais para destruir e negar os processos educativos por onde eles

se davam, na prática social e produtiva, do que para transmitir sob controle o saber

sistematizado”(ARROYO, 2002, p.85). Nessas sociedades, a vinculação entre educação e

trabalho era marcada por uma separação entre, por um lado, a nobreza e o clero e, por outro, o

povo e pelo cultivo do conhecimento como um privilégio da classe dominante.

Notadamente, as condições materiais do modo de produção feudal foram gerando no

seu interior novas castas de comerciantes oriundos das camadas populares, e disso emergiram

novas formas de relações sociais que influenciaram, particularmente, no antigo ideário

pedagógico que se destinava à formação da aristocracia, estendendo-a para a denominada

pequena burguesia que aos poucos se fortalecia.

De forma sintética, é importante afirmar-se que no interregno entre o século XIII e o

XVIII ocorreram importantes mudanças no interior da sociedade feudal, que passaram desde

as disciplinas dos dogmas religiosos, a luta pela expansão da educação para a pequena

burguesia, o confronto entre a submissão e a afirmação da própria personalidade até o

fortalecimento da classe burguesa e que, mesmo assim, a proposta pedagógica defendida pela

sociedade emergente para o povo ainda se caracterizava como necessária ao controle das suas

condutas e “aprimoramento” no seu ofício; permanecia, ainda a tendência ao ideário da

educação como um meio para inculcar a condição de subalterno. È possível perceber na

Page 48: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

46

trajetória da história da economia à medida que se vai aclarando a distância entre as classes,

que também, aos poucos, coincidem concepções diferenciadas de educação.

A preocupação com a busca de maior produtividade e acúmulo de capital fez surgir no

capitalismo industrial a articulação de ciência e tecnologia no aparelho da produção. Com a

Revolução Industrial, o capitalista aos poucos começava a perceber que a operação de

máquinas modernas e complicadas por um trabalhador sem escolaridade mínima traduzia-se

ineficaz e trazia prejuízos àquele. Dessa realidade emergiam ideais de um novo modelo de

escola, bem diferente daquela que já possuía um largo conhecimento acumulado e a cultura de

educar a classe dominante, mas uma outra escola, que tomasse o trabalho como um elemento

educativo na produção do novo trabalhador.

Neste sentido, era necessário revolver o campo educativo construído durante séculos;

“nesse campo deveria caber o trabalhador, sua produção, instrução e educação, para tirá-lo da

ignorância e, [...] para reeducá-lo nos novos hábitos de disciplina, [...] a disciplina do tempo,

do trabalho, da economia, do esforço” observa-se Arroyo (2002, p.87). Os escritos do autor

remetem a interpretar que, no contexto da sociedade industrial, a preocupação dos donos dos

meios de produção não se centrava apenas em estender a educação aos trabalhadores para

torná-los instruídos, mas na necessidade de a escola qualificá-los para o novo modo de

organização da produção.

Isto explica o reduzido número de horas para as aulas teóricas destinadas à síntese do

que ocorria na produção, visto que os proprietários já haviam percebido que existia um

processo educativo muito significativo na fábrica, a tal ponto que, apesar da expansão da

escola pública à população pobre, esta se via impedida de freqüentá-la diante da necessidade

de buscar o seu sustento e da sua família. Avalia-se que a presença de homens, mulheres e até

Page 49: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

47

crianças nas longas jornadas de trabalho nas fábricas revela o caráter de classe da educação

defendida pela burguesia da Revolução Industrial.

O modo de produção capitalista evidencia um caráter ambíguo que se expressa no fato

de que quanto mais o capital se desenvolve exige cada vez menos qualificação do trabalhador,

visto que desenvolve meios de separá-lo do processo do conhecimento total do seu ofício,

mas, contraditoriamente, com o desenvolvimento em si criam-se relações sociais e formas de

viver que exigem que este mesmo trabalhador tenha cada vez mais conhecimentos que lhe

permitam compreender, manipular e usufruir os benefícios da alta tecnologia, segundo

Kuenzer (1988, p.122). Os escritos de Braverman (1987), apesar de neles perpassarem

aspectos que lembram posturas radicais e pessimistas, também apontaram nessa mesma

direção, ao defender, um ano antes, a tese da degradação do trabalho no século XX no livro,

Trabalho e capital monopolista.

A trajetória do crescimento da economia capitalista, que de início se apoiava na

destreza e na habilidade individual do trabalhador, apresenta, aos poucos a criação de novos

processos de divisão do trabalho e de um novo ideário educativo que se revela cada vez mais

específico por meio da separação entre concepção e ação. A pedagogia decorrente de tal

modelo de economia marcava-se por técnicas de memorização, pela disciplina e por

conteúdos fragmentados. Sabe-se que tais estratégias podem dificultar ao trabalhador a

possibilidade de abarcar a totalidade de conhecimento que envolve a sua prática, pois o fato

de lhe restar o domínio de uma habilidade específica faz com que ele fique cada vez mais

alheio ao seu ofício.

Embora as alterações nas bases materiais de produção apresentem novas

características, reveladas na intensificação de práticas transnacionais na economia com altos

padrões de produção e de consumo, nas formas de comunicação com as redes interplanetárias,

Page 50: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

48

no acesso às informações, na uniformização e integração de hábitos comuns, essas

características não superam a divisão social e técnica do trabalho (KUENZER, 1998a, p.2).

Ao contrário, fragmentaram cada vez mais o domínio da totalidade do ofício e expropriaram o

direito do trabalhador ao conhecimento da ciência e tecnologia referentes à sua atividade.

Nesse sentido, infere-se que enquanto houver a cisão entre capital e trabalho, que

influi na divisão da sociedade em classes – e dessas relações são engendradas as políticas – ,

corre-se o risco de a “escola continuar sendo uma simples engrenagem dentro do sistema

geral de exploração” (PONCE, 2003, p.182), pois “as ciências da educação se mostram mais

resistentes do que outras ciências a superar velhas concepções em que a educação das classes

trabalhadoras não tem espaço” (ARROYO, 2002, p.92). Qualificado-desqualificado,

emprego-desemprego, educação-trabalho, proprietário-trabalhador representam resultados das

contradições que surgem das bases materiais de produção. Não há como negar que o

conhecimento acumulado na sociedade capitalista está carregado de influências ideológicas e

que a educação, por sua vez, constitui-se uma peça da engrenagem da superestrutura, que

pode contribuir para inculcar nos trabalhadores essas representações do ponto de vista da

ideologia dominante.

Buscando compreender o problema da relação entre educação e trabalho no Brasil,

verificou-se que as discussões tendem a analisar as políticas de ensino médio e

profissionalizante, e passam pela crítica à dualidade concretizada em currículos voltados para

a preparação do desempenho de funções intelectuais e/ou para atividades práticas e pela

defesa da categoria trabalho como princípio educativo.

Page 51: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

49

Existem, ainda, os que denunciam10 que a falta de aprofundamento teórico constitui

um ponto frágil no trato dessa questão, reconhecendo que em função da superficialidade ou da

insuficiência teórica resulta um caráter ambíguo das análises. Aliás, Kuenzer já alertava, na

década de 80 que

a falta de compreensão teórica da relação entre educação e trabalho, bem como a dificuldade de apreender como ela tem cotidianamente ocorrido no interior das formas concretas que a contradição entre capital e trabalho assume tem concorrido para a formulação de políticas educacionais e propostas pedagógicas discutíveis (KUENZER, 1988, p.12).

Para a autora, na medida em que, no sistema capitalista de produção, ocorre a ruptura

entre concepção e ação que passa pela exigência de profissionais atuando em cargos e funções

diferenciadas sem o domínio total do seu ofício, a educação também se constitui conseqüência

natural desse princípio.

A problemática da relação trabalho e educação, especialmente no nível do sistema

educacional e de instituições de formação profissional, evidencia a reprodução da concepção

dominante de trabalho, que tende a reduzir este a uma simples mercadoria de compra e venda

e, dessa forma, exerce uma relação velada que impede a visão mais ampliada de que o

trabalho na sociedade capitalista é uma relação social fundamental que define o modo humano

de existência e que, contraditoriamente, é também relação de força, de poder e de violência.

Essa visão mais alargada deve tomar como referencial pedagógico uma concepção de trabalho

que supere a mera questão que responde somente ao mundo das necessidades mas,

principalmente, envolva as dimensões sociais, estéticas, culturais, artísticas, de lazer, ou seja,

o mundo da liberdade (FRIGOTTO, 2002a, p.13-26).

10 Cf. Frigotto, Gaudêncio. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador: impasses teóricos e práticos; Nosella Paollo, Trabalho e educação (...); Arroyo, Miguel. O direito do trabalhador à educação, in: Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. Minayo, C. Gomes (et al). 4. ed. São Paulo, Cortez, 2002; Arroyo, Miguel. Trabalho-educação e teoria pedagógica, In. Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Gaudêncio Frigotto, Org. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998, p.139.

Page 52: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

50

Acrescente-se a isto, no tocante à problemática da educação, que

a luta pela escola tem sido uma luta secular da classe trabalhadora. Mas certamente o saber, o conhecimento que a classe trabalhadora busca na escola não coincide, necessariamente, com o saber historicamente acumulado sob a hegemonia da burguesia (FRIGOTTO, 2002a, p.19).

Minayo, ao se referir aos estudos que valorizam as iniciativas de empresários para a

qualificação de seus profissionais, chama a atenção para o fato de que aqueles não levam em

conta os meandros da dominação exercida pelo capital sobre o trabalho e desconsideram que

“o privilégio da formação no interior da unidade produtiva revela, além da eficiência nos

aspectos práticos, a importância para o capital da criação de uma relação de dependência entre

patrões e empregados” (MINAYO, 2002, p.46). Desta forma, a expansão da educação, que se

constitui em produto da luta de classes, exerce a função de veículo de dominação e disciplina.

A partir desta compreensão, ainda que diante da possibilidade de superestimar os

limites e contradições da educação escolar pública na tentativa de apreender formas de

articular “o saber que se produz na prática com o saber teórico” (KUENZER, 1985), esta

educação deve se constituir num esforço coletivo realizado pelas diretrizes políticas e escola,

visando a uma nova práxis. É necessário que esta esteja calcada não na percepção de que o

trabalho em si constitui o princípio educativo, mas na compreensão de que a produção do

conhecimento crítico deve partir das reais relações sociais de produção. Em face disso,

compreende-se que uma política de educação que desconsidere tais contradições e não aponte

a necessidade de superá-las, ao determinar elementos para a construção de um projeto de

educação do trabalhador na perspectiva de formação específica para o mercado de trabalho

por meio de cursos de caráter profissionalizante separados da educação científica e sócio-

histórica, contribui ainda mais com a desqualificação da classe trabalhadora.

Page 53: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

51

Portanto, compreender que o trabalho na sociedade capitalista resulta em mercadoria

de compra e venda e que dessa relação derivam formas de poder, políticas, econômicas e

sociais deve constituir o ponto de partida para o entendimento da relação trabalho-educação.

Isso requer, além da simples ruptura com o conceito de educação “funcionalista, utilitária e

unilateral”11 da lógica capitalista, mas, sobretudo, o reconhecimento do processo educativo

que ocorre por meio do trabalho numa concepção alargada que passa por múltiplas

dimensões. Esse novo princípio educativo, ao orientar as políticas educacionais e a prática dos

docentes, talvez possa contribuir para que os responsáveis pela educação se constituam em

mediadores para que os alunos possam atuar de forma crítica e política no mundo do trabalho.

Como se pôde ver, educação e trabalho constituem-se categorias históricas que se

constroem nas relações sociais e, por conta disso, são vulneráveis a conflitos e jogos de

interesses. A trajetória dessas categorias mostra que sempre tencionaram para os processos

determinados pelas demandas das elites dominantes, apesar das resistências, iniciativas e

pressões da classe trabalhadora.

A busca do conhecimento acerca da realidade que revela as tramas da luta de classes

que se dá no cotidiano da produção por meio da divisão social do trabalho constitui um

grande desafio para se garantir políticas e práticas educacionais na perspectiva da classe

trabalhadora. Entretanto, a escola no capitalismo constitui um acessório indispensável à

produção, visto que lhe compete a função de preparar para acompanhar a modernidade e

preencher as lacunas técnicas e políticas através da teorização da prática, pois ela permite

manipular os requisitos e exigências de forma a possibilitar maiores lucros (MACHADO,

1989a, p.31). 11 Pode-se dizer que esse modelo de educação passa pela questão do ensino conteudista, livresco, descontextualizado e abstrato, que procura consolidar nas cabeças dos alunos os divórcios característicos da própria divisão de trabalho do capital mundial: entre escola e sociedade, entre trabalho intelectual e trabalho manual, entre saber erudito e saber popular, entre o individual e o social, entre ciência e técnica, entre teoria e prática. Cf. Arruda, Marcos A articulação trabalho-educação visando uma democracia integral. In Minayo, C. Gomes et al. Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002, p. 66.

Page 54: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

52

1.2 Educação profissional no Brasil

O objetivo do texto que ora se desenvolve implica no esforço de identificar as

possíveis demandas da economia brasileira que deram forma à educação profissional, já que o

estudo da trajetória histórica da educação para a classe trabalhadora conduz à interpretação de

que ela ocorreu e ainda hoje ocorre num cenário de trama de relações sociais. Desta forma,

pretende-se compreender que o Estado, enquanto responsável pela implementação de

políticas, constituiu elemento importante no papel de reprodução das demandas dominantes, e

a realização dessa tarefa baseia-se nos estudos12 disponíveis sobre a temática.

Enquanto na Europa o modo de produção capitalista já havia se concretizado e o

direito para a educação à população deixara de ser uma luta para ser uma realidade, no Brasil,

ainda na primeira metade do século XX, a sociedade brasileira convivia com a herança

cultural13 da exploração da mão-de-obra escrava e indígena do antigo sistema colonial, cuja

idéia era a de que os trabalhadores brasileiros eram preguiçosos e indolentes. Esse preconceito

“foi estendido ao longo da história a toda a população livre e pobre, que resistia a se submeter

ao trabalho nos moldes exigidos pelo capitalismo” (CRUDO, 1999, p.28). Por outro lado, essa

visão depreciativa se estendia também à educação, uma vez que havia o receio por parte da

classe dirigente de garantir ao trabalhador o direito à instrução para não se deparar com um

operário que soubesse ler e discutir os seus direitos. Na verdade, ainda hoje, “a educação

precisa ser defendida com a ênfase que merece” (ARROYO, 2002, p.76).

12 Ver Cunha, Luiz Antonio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização, São Paulo. Ed. Unesp; Brasília:Flacso,2000; Machado, Lucília Regina de Souza. Educação e divisão social do trabalho: contribuição para o estudo do ensino técnico industrial brasileiro. 2. ed. São Paulo: Autores Associados; Cortez, 1989b: (Coleção educação contemporânea); Manfredi, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

13 Segundo Manfredi (2002, p.71), o sistema escravocrata deixou marcas profundas na construção das representações sobre o trabalho como atividade social e humana, pois a imposição de um padrão civilizatório europeu aos nativos e escravos afugentava os trabalhadores livres.

Page 55: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

53

Alíás, segundo Cunha (2000a, p.89), a atenção dada pelos próprios historiadores da

educação brasileira já demonstra a tendência “a preocupação com o ensino das elites e do

trabalho intelectual”, assim como a análise da história da educação profissional no Brasil

demonstra a tendência a se constituir uma alternativa para determinados grupos sociais. Pode-

se observar essa concepção já nas primeiras escolas a dar ênfase ao trabalho, criadas para

atender a presidiários, bandidos, jovens rebeldes necessitados de correção e castigo.

No Brasil colônia, foi pequena a oferta da educação profissional, visto que nos

primeiros anos, num contexto de economia baseada na agroindústria açucareira, predominava

o modo de organização escravocrata, o qual não exigia mão-de-obra qualificada. Todavia,

com a expansão da agroindústria associado ao crescimento das atividades de mineração, aos

poucos surgem, na zona urbana, novos ofícios nas áreas de comércio e serviços. Vale registrar

a atuação dos jesuítas na formação de mão-de-obra especializada “nos primeiros núcleos de

formação profissional, as escolas-oficina” (MANFREDI, 2002, p.68) para formar sapateiros,

pedreiros, carpinteiros, ferreiros, etc.

No Império, com a transferência da sede do reino para o Brasil, em 1808, ocorreram

significativas14 mudanças na economia e na política; a implantação do sistema educacional

voltou-se para o ensino acadêmico com vista à educação superior.

Na República Velha, continuaram a ocorrer mudanças na economia principalmente

pela já concretizada extinção da escravatura, e pela expansão da atividade cafeeira e o início

da aceleração do processo de industrialização e urbanização, bem como a cristalização do

projeto de imigração, fatores que influenciavam novas relações nos trabalhadores brasileiros.

Nessa época, apesar de apenas determinadas camadas da sociedade terem acesso à educação

14 Foi possível observar, dentre outras, o estabelecimento de novas relações de intercâmbio e de exploração. Ocorreu empreendimento industrial estatal e privado, assim como gestou-se o Estado Nacional e a constituição do aparelho educacional (Manfredi, 2002, p. 72).

Page 56: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

54

acadêmica, são criadas no governo de Nilo Peçanha dezenove escolas de aprendizes e ofícios,

em algumas capitais do país.

O uso do trabalho como uma forma de disciplina ou para ensinar um ofício se exercia

sob a concepção de educação assistencialista. “Se hoje, tal concepção, pelo menos no nível

governamental, é escamoteada por um discurso que se supõe democrático, naquele contexto

histórico, o próprio Estado assumia aquele ensino como predestinado para as camadas mais

desfavorecidas” (MACHADO, 1989b, p.30) e, assim, o Estado tomava para si o papel de

legitimador dos ideais das relações sociais dominantes.

Machado (1989a, p.22), ao realizar uma retrospectiva histórica do ensino técnico-

industrial no Brasil, tenta demonstrar que as mudanças que lhe deram forma não ocorreram de

modo isolado das transformações que também aconteceram nas bases das relações sociais.

Assim, até 1930 predominava no país um tipo de economia agroexportadora sob a

concentração em grandes propriedades, que acabava influenciando políticas voltadas para os

interesses das oligarquias rurais.

No período pré-revolução de 30 explicitavam-se políticas educacionais voltadas para

os cursos propedêuticos e preparatórios para a universidade, apesar da defesa de propostas

diferenciadas entre segmentos da sociedade. Um grupo defendia a equiparação de todas as

escolas ao status do Colégio Pedro II – ensino de qualidade para todos que tivessem acesso –

e um outro grupo lutava pela diferenciação e fragmentação do currículo. Essas controvérsias

velavam uma questão fundamental: “quem e como se poderia controlar o acesso à cultura

sistematizada e a quem se poderiam conferir privilégios educacionais” (MACHADO, 1989a,

p.204). Diante do jogo de forças, o governo federal, ao optar pela manutenção da qualidade de

ensino nos cursos acadêmicos, assumia as concepções e os valores da classe dominante, visto

que naquele contexto social e econômico somente uma minoria tinha condição de acesso.

Page 57: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

55

“Este zelo, num momento de clientela ainda muito reduzida e de escassez de estabelecimentos

de ensino era, na verdade, o selo a imprimir o caráter de classe do ensino secundário”

(MACHADO, 1989a, p.204).

No processo tardio de industrialização brasileira o privilégio do ensino humanista

tradicional assegurava a cultura para as minorias que constituíam a elite do país, num contexto

de exploração de mão-de-obra analfabeta para as poucas demandas do mercado, visto que o

direito dos trabalhadores de se tornarem esclarecidos e cultos ainda não era visto pelos

proprietários como uma necessidade dos meios de produção.

A partir da década de 30, ocorre um movimento na economia marcado pela ascendente

sociedade industrial que aos poucos se fortalecia economicamente e influenciava na

aceleração do processo de divisão social do trabalho com a busca das novas formas de gerir o

processo de produção em bases científicas. A concretização dessas condições materiais

demandaria novas relações de trabalho e um outro caráter para a educação profissional,

evidenciando que o empresariado passava a reconhecer que o trabalhador brasileiro, cuja

maioria possuía experiência no trato com a agricultura, precisaria ser “educado” para as novas

técnicas científicas já em experiência na Europa e nos Estados Unidos da América.

Entendia-se, portanto, que o ensino que apresentava a prática histórica de um currículo

voltado para as humanidades e ciências era abstrato e não daria conta de preparar o perfil de

trabalhador adequado às necessidades daquela economia, tornando-se necessário um outro

modelo de educação voltada para o trabalho que ganhava espaço nas políticas públicas.

O avanço das forças produtivas do modo de produção capitalista no país imprimia uma

guinada nas concepções acerca da educação profissional como um fator importante para a

melhoria da capacidade dos trabalhadores; diante disso, o Estado passou a assumir uma outra

postura e a divulgar novos valores a respeito desse nível de ensino, visto que era necessário

Page 58: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

56

que mais e mais pessoas se interessassem em se constituir como força de trabalho

(MACHADO, 1989b, p.30).

As antigas instituições dedicadas ao ensino compulsório de ofícios artesanais e

manufatureiros cederam lugar a redes de escolas profissionalizantes que se ocupariam da

qualificação dos homens livres dos setores urbanos para o trabalho assalariado (MANFREDI,

2002, p.80). Verifica-se, neste ponto, que a especial atenção dada nas políticas públicas à

educação profissional, sob o enfoque de formação para o mercado de trabalho, nascia em

função do movimento do capital, que anunciava a necessidade de mão-de-obra qualificada.

No Estado Novo, o fortalecimento das condições materiais da indústria conferia a

concretização do caráter de classe da educação profissional, pois esta apresentava cada vez

maior necessidade de se configurar numa estrutura educacional sintonizada com a divisão

social do trabalho. Portando, apesar da sua expansão, observa-se a definição de uma política

de formação profissional como um subsistema em relação ao ensino regular, com a criação de

algumas escolas técnicas destinadas á formação de mão-de-obra de acordo com as demandas

do sistema produtivo.

No contexto do Brasil que vivia o intervencionismo estatal na economia, o Estado

criava grandes companhias15 para impulsionar o desenvolvimento econômico nacional,

notadamente nos setores de indústria. Verifica-se a preocupação com a elevação dos cursos de

qualificação profissional no mesmo nível dos cursos de 2º ciclo, o que equivale hoje ao ensino

médio. Contudo, nas tantas reformas do ensino ocorridas desde as Leis orgânicas de 1901,

1911, 1915, 1925, 1932, era possível observar que a característica dos níveis escolares foi

15 Nesse período criaram-se a Companhia Siderúrgica Nacional (1941), a Coordenação de Mobilização Econômica (1942), o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (1944) e a Conferência das Classes Produtoras no Brasil (1945).

Page 59: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

57

sempre a do ensino primário seguido do ensino secundário geral e completada pelo ensino

superior profissionalizante como último estágio.

Paralelamente a esses modelos de educação, as próprias reformas criavam alternativas

de estudos para as áreas profissionais. Finalmente com a Reforma Capanema de 1942, ao criar

os ramos de ensino secundário, agrícola, industrial, comercial e, um pouco mais tarde, o

normal, o ensino profissionalizante passa a atrair os alunos que aspiravam a um emprego e

não tinham condições de acesso ao nível superior. Tal reforma tinha como objetivo qualificar

força de trabalho para os setores da produção e da burocracia que passaram a exigir políticas

profissionalizantes, mas de não garantia, aos trabalhadores que freqüentassem os cursos, do

direito à equivalência dos estudos no nível secundário. Pode-se considerar que a elevação do

ensino profissionalizante ao nível de 2º grau foi uma conquista da classe trabalhadora, pois

aconteceu num contexto caracterizado pelas pressões sobre a estrutura do Estado. Na verdade,

não resta dúvida que houve motivos para um crescimento acentuado do ensino técnico industrial no Brasil, entre 1930 e 1945. Este crescimento, por sua vez, contou com a ingerência da própria empresa industrial e principalmente com o estímulo e a pressão do Estado, de tipo claramente intervencionista. Entretanto, pelo tipo de industrialização gestado, o problema dos recursos humanos disponíveis, apesar de ser caracterizado, muitas vezes, como fator de estrangulamento, não encontraria solução segura em matéria de absorção pelo mercado de trabalho. [..]com as oscilações no movimento de importação e exportação, não havia garantia de que, uma vez qualificada uma quantidade maior de recursos humanos, esta seria absorvida pelo mercado de trabalho (MACHADO, 1989b, p.42, 43).

Aos poucos o crescimento industrial criou nas cidades uma casta de trabalhadores

assalariados e desqualificados. Nesse período fortaleciam-se intensos debates educacionais no

âmbito da sociedade, motivados pela discussão em torno da proposta da primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, que não conseguiu romper com o já criado

sistema de educação profissional paralelo, mas apresentou avanço ao reconhecer a

equivalência dos estudos oriundos dos cursos profissionalizantes.

Page 60: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

58

Na realidade, ocorria que

os mecanismos legais e as estruturas formativas, historicamente construídas ao longo das décadas de 40 a 70, foram cristalizando concepções e práticas escolares dualistas: de um lado, a concepção de educação acadêmico-generalista e [...] de outro, a educação profissional, na qual o aluno recebia um conjunto de informações relevantes para o domínio de seu ofício (MANFREDI, 2002, p.102).

Após dez anos do reconhecimento, na Lei 4.024/61, da equivalência dos cursos em

nível de 2º grau, a Lei 5.692/71 procurou articular ensino acadêmico e profissionalizante, na

proposta de integração de ciência e técnica no currículo, porém não conseguiu eliminar na

prática a diferença entre estudos propedêuticos e técnicos. A tentativa do Governo Militar de

mudar a estrutura do ensino a partir do alto ficou em meio a uma tensão, pois, ao contrariar as

demandas da realidade concreta, não encontrou sustentáculo para a sua efetivação.

A aplicabilidade da habilitação para o trabalho no ensino de 2º grau aos poucos foi

sofrendo ajustes e reajustes por meio dos Pareceres que procuravam dar abertura para ofertas

de currículos flexíveis. Na verdade, a tendência à educação acadêmica já estava materializada

tanto nas escolas particulares como nas escolas públicas, para atender aos que aspiravam ao

ensino superior.

Nota-se que as tentativas de unificação16curricular no nível de 2º grau resultavam em

um contra-senso, visto que os objetivos dos homens só se brotam “quando já se dão ou, pelo

menos, se estão gestando, as condições materiais para sua realização” (MARX, 1983, p.10), e

a realidade concreta das relações sociais anunciava a não possibilidade de a educação por si

eliminar a diferença fundamental entre estudos científicos e profissionais. Assim, pode-se

completar com a idéia de Cattani, o qual enfatiza que “o sistema pode até se pretender

16 Lucília Machado (1989a, p. 212-213) argumenta que o movimento de unificação escolar, apesar de já fazer parte de debates anteriores, ganhou espaço somente na lei de 1971, sem, no entanto, conseguir atingir a realidade educacional, provavelmente por não dispor das condições objetivas necessárias à sua materialização. Entretanto paralelamente observava-se o crescimento de um sistema de formação da força de trabalho.

Page 61: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

59

unificado, encarregando-se as dificuldades de acesso e a seqüência do aprendizado de fazerem

a triagem” (CATTANI, 1996, p. 139).

Como não vingou a tentativa de articular ciência e técnica por meio da escola, no nível

de 2º grau, assumiu-se a velha dualidade com a Lei 7.044 de 1982, que ao referendar o ensino

das ciências no nível médio pode ter contribuído para distanciar os sistemas educacionais. A

consagração do caráter formal e acadêmico da referida Lei “acabou por se constituir em um

novo arranjo conservador, reafirmando a escola como um espaço para os já incluídos nos

benefícios da produção e do consumo de bens materiais e culturais” (KUENZER, 1997, p.25).

Na verdade, a sua homologação resultava no reconhecimento do caráter distinto da lógica da

divisão social e técnica do trabalho que exigia especialistas, por um lado e dirigentes, por

outro.

A instauração da Nova República, em 1985, anunciava a retomada do processo

democrático no país e trazia a necessidade de reformas. Iniciava-se então uma longa trajetória

marcada por alterações do contexto político e conseqüente correlação de forças nas

construções e desconstruções das propostas de Lei. No que concerne à elaboração das

diretrizes para a educação, elas ocorreram com avanços e recuos nas negociações e análises de

um projeto de lei que tramitava na Câmara dos Deputados e outro no Senado. A homologação

do projeto do Senador Darcy Ribeiro resultou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional nº. 9.394/96, na qual a educação profissional ganhava um capítulo específico.

A reforma educacional indicada por essa Lei possibilitou a articulação de ciência e

tecnologia no âmbito do ensino médio, mas o Governo Federal, por meio do Decreto 2.208 de

1997, optou pelo contrário. Infere-se que a realidade expressa pelas relações na economia e

política de cada estado se incumbiria de decidir que caminho seguir.

Page 62: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

60

A análise da trajetória histórica da educação profissional no Brasil permitiu perceber

que ela nasceu sob o signo de atendimento às pessoas cuja condição de classe se revelava

desfavorecida em relação aos bens socialmente produzidos, como uma forma de

assistencialismo e/ou de aceitação da condição social e, posteriormente, de formação de mão-

de-obra para atender às demandadas do mercado. Percebeu-se que os momentos de ajustes e

reajustes das políticas públicas caracterizavam-se em arranjos do Estado para atender aos

interesses oriundos da base material de produção, ou seja, aos reclamos da classe dominante.

A história mostra que as constantes lutas e pressões pela educação entre elites-massas,

estado-povo, burguesia-proletariado caracterizam-se pela negação-expansão da educação.

Esse movimento enquanto práxis social resulta, na essência, de um processo pedagógico que

também educa a classe trabalhadora (ARROYO, 2002, p.79). Entretanto, ainda hoje,

[...] o direito à educação, os avanços das classes trabalhadoras na formação do saber, da cultura e da identidade de classe continuam sendo sistematicamente negados, reprimidos e, enquanto possível, desestruturados, por serem radicalmente antagônicos ao movimento do capital (ARROYO, 2002, p.78).

Assim, verificou-se que os estudos17 sobre a educação profissional no Brasil

procuraram entendê-la, a partir da década de 60, do ponto de vista da sua associação ao

desenvolvimento econômico do país como um meio de enfrentar as desigualdades sociais.

Nos anos 70, a defesa do oposto, através do reconhecimento de que a educação não passava

de mero elemento de reprodução da sociedade dividida. A década de 80 marcava-se pela

crítica às concepções anteriores e pela busca de aprofundamento teórico acerca das categorias

17 Maiores informações poderão ser encontradas na resenha elaborada por Kuenzer no livro Ensino de 2º grau: o trabalho como princípio educativo, Cortez, 1988, no qual procurou classificar os momentos de produção teórica brasileira acerca da temática trabalho e educação. Frigotto também procurou comentar as inúmeras pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre educação e trabalho, contribuindo significativamente com uma análise crítica, ampla e no particular da educação brasileira. Importante destacar sinteticamente a sua interpretação sobre a Teoria do Capital Humano como meio de subordinar os processos educativos ao capital. Para o autor, por essa via, o educativo não só é concebido como tendo o locus no conjunto das relações e práticas sociais – mundo do trabalho – como a escola, enquanto aparelho de luta hegemônica, passa a ser entendida como constituinte das relações sociais. Cf. Educação e a crise do capitalismo real, Cortez,2003. p.25-53.

Page 63: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

61

trabalho-educação18, a qual passava pelo reconhecimento da superficialidade dos estudos até

então desenvolvidos. Esse período foi muito importante, pois marcado pela reflexão e

avaliação do modo de pesquisar, da metodologia adotada e das formas concretas em que

trabalho e educação se imbricavam e que representavam nas práxis dos sujeitos. O balanço

reconhecia que a problemática da relação educação-trabalho na sociedade capitalista revestia

de conteúdos a preparação de indivíduos para a aceitação e incorporação das relações de

produção dominantes.

Portanto, a reflexão leva a interpretar que a natureza da educação profissional no

Brasil tomou em distintos momentos formas diferenciadas ao longo de sua trajetória, que

passou pela concepção de uma proposta de educação assistencialista, legitimadora da

condição social, pelo treinamento de mão-de-obra para uma indústria emergente e, por fim,

configura-se em qualificação profissional para atender à modernização tecnológica.

Demonstra ainda uma caminhada paralela à educação científica, como um subsistema e, nos

anos noventa, ganha um capítulo específico na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a ser

analisado no próximo capítulo deste trabalho.

18 São exemplos os trabalhos de: Frigotto, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. Um (re)exame das relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1984; Kuenzer, Acácia. Pedagogia da fábrica. As relações de produção e a educação do trabalhador. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1985; Kuenzer, Acácia. Ensino de 2º grau. O trabalho como princípio educativo. São Paulo: Cortez, 1988; Machado, Lucilia de Souza. Politecnica, escola unitária e trabalho. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1989a.

Page 64: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

CAPÍTULO II

2 A reforma dos anos noventa: uma nova ênfase na educação para o

trabalho?

A racionalidade das mudanças no âmbito educacional é o resultado de suas inter-

relações com as demais esferas sociais das práticas humanas e destas com as transformações

gerais da sociedade (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 86). Esse movimento, por sua vez, funda-se

nas mudanças que ocorrem na economia e no trabalho. Portanto, a busca de um entendimento

das reformas educacionais, particularmente na educação profissional, vista deste ângulo,

exigiu, necessariamente, no presente estudo, uma análise do desenvolvimento econômico.

Pode-se dizer que parece ser consenso no debate entre economistas e estudiosos da

economia que a relação capital e trabalho, a partir da segunda metade do século XX,

enfrentava profundas transformações na base material, marcadas pelo processo de

internacionalização da economia. O novo modelo da economia “mundializada” desde os anos

1970 transcendia as relações da economia de cada país e trazia conseqüências sobre essas

relações, visto que aquelas mudanças fizeram-se sentir nas estruturas jurídico-políticas e,

portanto, influenciavam em todas as relações e marcavam a maneira de agir e de saber de

homens e mulheres. Exerciam influencia, em particular no caso brasileiro, sobre um

movimento no sistema produtivo caracterizado pelo fortalecimento do desenvolvimento

tecnológico rumo à garantia da qualidade dos produtos, à competitividade entre as empresas e

à inserção do país nas relações internacionais.

Page 65: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

63

Frigotto comenta na sua resenha19 trabalhos que abordam as representações da classe

empresarial sobre educação. O conceito do educativo do ponto de vista dos “homens de

negócio” apontava que as demandas do novo modo de produção tendiam a exigir uma nova

qualificação para o trabalhador com base na formação geral, da qual deveriam emergir

propostas de alargamento da profissionalização. Segundo o autor, essa questão evidenciava

uma necessidade de se estabelecer e garantir novas formas de acumulação do capital no

embate da economia globalizada e competitiva.

Tal racionalidade mostra no terreno real a lógica da eficiência não mais apenas no

âmbito da esfera privada, mas, principalmente, nas políticas públicas. Então se nota a partir da

segunda metade dos anos noventa o empenho do Estado na transformação do Brasil num país

de reformas: econômica; tributária; fiscal; previdenciária e educacional. Neste contexto, a

reforma educacional dessa década, especialmente da educação profissional, pareceu ser uma

das mais complexas, pois dava materialidade a essas alterações.

Particularmente no que se refere à educação profissional, o Estado, ao buscar a

separação entre ciência e técnica com o Decreto Federal 2.208/97, na verdade assumiu as

formulações objetivas oriundas da base real. Sabe-se que o treinamento para uma função

restrita lembra a pedagogia advinda do taylorismo e acaba desqualificando ainda mais a

função do trabalhador, que já se depara com o processo de transferência para as máquinas da

operação de funções mais complexas.

Saviani, ao analisar as contradições de uma concepção liberal de LDB, argumenta que

os objetivos reais podem se opor aos objetivos proclamados, situação em que estes últimos

tendem a mascarar os primeiros. Para ele, isto se constitui numa característica da ideologia

19 Cf. Frigotto, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 5.ed.São Paulo, Cortez, 2003, p.53-58.

Page 66: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

64

liberal, dada a sua condição típica do modo de produção capitalista que introduziu, pela via do

“fetichismo da mercadoria”, a opacidade das relações sociais (SAVIANI, 2003, p.191).

Entretanto, a opacidade que perpassava a reforma ia além da simples ruptura entre

ciência e trabalho, que já estava inculcada nas pessoas, mas abarcava elementos que poderiam

ser interpretados como questões que passavam por racionalidade da aplicação de recursos

públicos, restritas possibilidades de trabalho e formação cultural da sociedade globalizada.

Verifica-se, assim, que os ideais defendidos pelo grupo dirigente da gestão

presidencial de Fernando Henrique Cardoso, ao tomar a educação profissional como

necessidade de adequá-la aos reclamos do mercado, representavam as forças dominantes

estabelecidas no plano das bases materiais de produção, apesar de procurar se esconder sob

argumentos da necessidade de atender aos avanços tecnológicos, que não se apresentavam

democratizados.

Naquele momento histórico a educação profissional, por si, não era mais interessante

para o capital, mas um outro modelo de educação que conseguisse garantir a determinada

casta de trabalhadores possibilidades de articular ciência e técnica, capacidade de trabalhar em

equipe, tomar decisões, interpretar, analisar, dominar a comunicação oral e escrita, o que

remete aos conteúdos oriundos da educação científica, sócio-histórica e humanística associada

a conhecimentos tecnológicos.

Frigotto, ao analisar as construções teóricas acerca do trabalho e educação das últimas

décadas, faz um balanço das críticas e da positividade dessas contribuições para a visão de

uma educação situada “no plano de mediações concretas constitutivas dos processos sociais,

em que a estrutura e superestrutura formam, na expressão gramsciana, um bloco histórico”

(FRIGOTTO, 2003, p. 51-52).

Page 67: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

65

Diante disso, infere-se que as políticas educacionais com suas respectivas diretrizes

curriculares refletem as mudanças do capitalismo moderno marcado pelas transformações no

modo de organização da produção expressas na redução de postos de trabalho. Para o autor

em pauta, as dimensões apontadas pela reforma da educação nos anos noventa explicitam a

velha função econômico-social da educação:

este dilema, entre nós, se apresentava de um lado, pela demanda de ampliação da escola básica e uma nova qualidade da mesma como exigência das necessidades da nova base técnica do processo produtivo, dos processos de reconversão tecnológica e, de outro, pela dificuldade de liberar o campo educativo da esfera privada do mercado (FRIFOTTO, 2003. p.53).

Assim, se os conceitos que orientavam a nova ordem econômica tinham foco nas

relações de flexibilidade, competitividade e qualidade total, no plano da educação surgia uma

proposta de ensino médio marcada pela formação geral abstrata que fosse capaz de preparar

sujeitos para a vida e um sistema paralelo de formação específica para o mercado de trabalho

calcada na idéia de “pedagogia das competências”20 de modo a formar trabalhadores para a

“empregabilidade”.21

20 Tanguy analisa a pedagogia de competências como “uma atividade social que engloba a seleção de saberes a serem transmitidos pela escola, sua organização, sua distribuição numa instituição diferenciada e hierarquizada, na transmissão por agentes especializados e sua avaliação por métodos apropriados”Cf. (orgs.) Ropé, F. & Tanguy, L. Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa.Trad. Patrícia Chitoni Ramos e equipe Campinas, SP, 1997, p. 20. Para Perrenoud, competência é a capacidade de articular um conjunto de esquemas, permitindo [...] “mobilizar os conhecimentos na situação, no momento certo e com discernimento” [...]. Cf. Perrenoud, Ph. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999. p. 31.A noção de competência abordada pelas DCNs para a educação profissional procura relacionar-se à autonomia do trabalhador diante da instabilidade do mundo do trabalho e das mudanças nas relações de produção; desta maneira, o agir competente significa a "capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho" .Brasil, Resolução no 4/99, art. 6o. 21 Segundo Olgamir, F. de Carvalho (2003, p.77), este conceito, que responde a um nível de competência adquirido pela classe trabalhadora - àqueles responsáveis pela geração de renda - adquire novos matizes, quando associado ao processo de transformação no mundo do trabalho. Percebe-se um contra-senso por parte das formulações técnicas do Ministério da Educação, no período em estudo, uma vez que, mesmo diante da estruturação do currículo dos cursos técnicos e básicos com base na formação aligeirada, propagava-se um conceito de empregabilidade que tendia a delegar ao trabalhador a responsabilidade de manter-se no emprego, visto que se previa a formação de um conjunto de habilidades e competências no trabalhador de modo a ajudá-lo a se manter no emprego mesmo diante das restritas possibilidades de trabalho. Entretanto, a natureza das transformações na economia indicava para Estado a associação de ciência e técnica no currículo e um programa de geração de emprego e renda. A sua negação tencionava ocultar o papel do Estado na democratização dos

Page 68: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

66

Apesar da defesa da articulação, a reforma da educação profissional baseada no

Decreto Federal 2.208/97, ao definir esta como um sistema paralelo à educação básica,

resgatou a dualidade entre os sistemas e a antecipação da formação profissional para os que

não tinham escolaridade, através da substituição do ensino fundamental pela qualificação

profissional de nível básico. Tal proposta remetia aos limites impostos pelo mercado e à idéia

de formação de mão-de-obra barata e rápida. Ao invés da articulação do ensino técnico com o

médio anunciada no referido Decreto, na prática, tratou-se de consagrar a total desarticulação

dos mesmos, não obstante o argumento de que, com a possibilidade da concomitância e/ou do

ensino pós-médio, não haveria qualquer perda ou esvaziamento do lado acadêmico no

currículo da educação profissional. Conforme a então conselheira do Conselho Nacional de

Educação,

a nova situação desenhada pela LDB e regulamentada pelo Decreto 2.208/97 poderia ser comparada, metaforicamente, a um divórcio para que um segundo casamento se realizasse em bases mais pertinentes, sem diluir a individualidade dos cônjuges. A fim de evitar as distorções do passado, que tornaram a escola básica um arremedo de escola técnica ou transformaram a escola técnica em escola propedêutica, as normas legais e a política delas decorrente propunham uma articulação que poderia dar-se pelos seguintes mecanismos: (a) possibilidade de realizar estudos técnicos após ou concomitantemente ao ensino médio; (b) ampla liberdade para que as escolas de ensino médio e as de ensino técnico estabelecessem articulações entre seus projetos pedagógicos para aproveitamento de estudos básicos na formação profissional de acordo com as modalidades deste último e as necessidades de alunos e regiões (MELLO, 2003).

O Decreto orientou a reforma com base na separação entre ciência e técnica com vistas

a atender às demandas do mercado e á redução do papel do Estado no financiamento da

educação profissional, visto que posto que resultou na ampliação de matrículas no ensino

propedêutico e trouxe como conteúdo conceitos que sugeriam qualificar ou requalificar,

profissionalizar ou reprofissionalizar, especializar ou habilitar, cujo foco seria uma pedagogia

conhecimentos científicos e tecnológicos e individualizar no trabalhador a responsabilidade pelos problemas do aparelho produtivo.

Page 69: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

67

que deveria dar conta de construir competências no aluno para enfrentar as instabilidades do

mercado.

O governo da década de noventa, atento à nova conjuntura econômica, propunha a

qualificação dos trabalhadores de maneira rápida e flexível para aumentar suas possibilidades

de manter-se no emprego; contudo, o modelo defendido, na verdade, não formaria sujeitos

para enfrentar um mercado complexo e altamente dinâmico, já que passava por uma proposta

de formação estreita porque desvinculada da educação científica. Na verdade, isso leva a

inferir que por trás da proposta do sistema de educação profissional separado da educação

básica estava a negação da histórica luta da classe trabalhadora pelo direito à educação

humanística e sócio-histórica.

Na realidade, tratava-se do antigo modelo de educação capitalista que procurava

consolidar na mente dos alunos “os divórcios característicos da própria divisão de trabalho:

entre escola e sociedade, entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre saber erudito e

saber popular, entre ciência e técnica [...]” (ARRUDA, 2002, p.66), que lembram a pedagogia

taylorista/fordista. Para Arruda (2002), o desafio se constitui na superação do caráter prático-

formal ou funcionalista dos métodos capitalistas de ensino, responsáveis pela multiplicação

das escolas profissionalizantes como parte de um processo que homogeiniza, massifica e

especializa unilateralmente o trabalho.

Percebe-se que a educação para a classe trabalhadora, nos anos em estudo, evidenciava

o que a realidade demonstrava: a dicotomia nas relações sociais que se davam a partir do

modelo capitalista de produção, que não se apresentava democratizado, o que remete à antiga

proposta de separação entre escola acadêmica para os futuros dirigentes e escola do trabalho

para as camadas populares. Essa contradição significava legitimar a natureza da educação

Page 70: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

68

para a classe trabalhadora como subalterna às mudanças do mundo produtivo, que

apresentavam restritas oportunidades aos trabalhadores.

Com isto, verifica-se que a reforma não tratava apenas de mudar o conceito da

profissionalização para uma suposta melhoria da qualidade da educação do trabalhador, sob o

revestimento de uma complexidade maior caracterizada pela adoção de novos termos como

“competência” e “empregabilidade”. Assumir que o lugar da educação profissional era longe

da educação básica configurou-se em uma simples adoção de um conceito diferente, não

significando um processo de avanço.

Acolher os conceitos de competência e empregabilidade como condição necessária à

formação do trabalhador supunha o entendimento de uma nova educação profissional que

daria conta de superar o antigo modelo taylorista/fordista, em função de um novo paradigma

técnico-econômico, mas isto não ocorreu na prática (CARVALHO, 2003, p. 77). Para se

compreender isto, considere-se que a adoção da alta tecnologia no aparelho produtivo vem

demandando necessidades de articular cada vez mais ciência e tecnologia na formação dos

trabalhadores, negadas pela reforma em pauta.

Também basta verificar a trajetória da educação profissional no Brasil, que sempre

tendeu a caminhar para a dualidade, para se compreender que esta modalidade de ensino

sempre esteve atrelada aos interesses econômico-sociais e que “a simples adoção de novos

conceitos não tem mudado a essência dessa política” (CARVALHO, 2003, p.79). Porém,

apenas atualiza uma mesma concepção: a de uma educação científica destinada aos dirigentes;

uma educação científica e técnica para determinada casta da classe trabalhadora e outra

representada pela qualificação aligeirada para os demais, que não terão acesso às mudanças

do aparelho produtivo.

Page 71: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

69

O processo de qualificação dos trabalhadores, contudo, não pode restringir-se ao mero

adestramento para a ocupação de determinado posto, como supunha a concepção de educação

profissional dos anos noventa. Ele deveria, pelo contrário, buscar uma qualificação que desse

conta da formação integral, passando principalmente pela educação básica (CARVALHO,

2003, p.83-86).

Os desafios para o enfrentamento da problemática da separação entre educação e

formação profissional requerem o reconhecimento de que a dupla função de preparar para o

mundo do trabalho e para a continuidade dos estudos constitui-se em uma questão complexa

que extrapola os aspectos pedagógicos, mas remete-se à política, determinada pelas mudanças

nas bases materiais de produção (KUENZER, 1997, p.10).

Não obstante, o Decreto nº 2.208/97, embora admitisse a oferta

articulada/concomitante entre o ensino médio e o técnico, não estabelecia as regras para a

articulação. Tal norma sugeria que a educação profissional deveria ser desenvolvida em

articulação com o ensino regular, mas com organização curricular própria e independente do

ensino médio. Em face disso, nota-se que se tentou, nos anos noventa, imprimir um aparente

avanço teórico sobre a relação trabalho e educação ao se propagar o ensino articulado.

Porém, a história destas categorias evidencia que isso está longe de ocorrer de fato,

uma vez que ainda hoje as escolas refletem uma prática marcada pela interiorização da

concepção burguesa de trabalho. Portanto, as análises das dimensões dos embates sobre a

conjugação ou não da educação científica com a tecnológica só podem ser compreendidas

adequadamente se vistas sob o ângulo da divisão social e técnica do trabalho; em particular, a

política educacional dos anos noventa demonstrou reestruturar-se em função dessa

racionalidade. Na sociedade capitalista, não se permite que a ruptura com a dualidade

estrutural aconteça pela via da escola.

Page 72: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

70

Por outro lado, a propagação de um modelo de educação geral no nível médio

pressupunha, de forma desigual, a formação de sujeitos para a vida a partir de uma proposta

única para todos, que seriam responsáveis pela sua inserção no mercado de trabalho e/ou

prosseguimento dos estudos. Não se tratava de uma proposta de escola unitária que defendia

um currículo que trouxesse as relações que se dão a partir do trabalho e, assim, caminharia no

sentido de superar a cisão entre teoria e prática para a formação de homens críticos e

produtivos com condições de intervir no seu meio, mas de uma proposta de formação

generalista abstrata, visto que se baseava na subdivisão dos componentes curriculares em

áreas do conhecimento que em si não possibilitam a apreensão dos conteúdos emergentes da

práxis social e produtiva. Desse modo, na sua essência, a reforma dos anos noventa para a

educação profissional contaria com conteúdos meramente instrumentais advindos do ensino

médio e, assim, não teria condições de dar ao trabalhador bases para a articulação entre as

dimensões do pensar e do fazer que passam pela necessária compreensão da complexa

realidade do seu ofício e, tão pouco, estaria apta a estabelecer novos conhecimentos e novas

relações a partir da sua prática.

A negação da articulação entre ciência e técnica, a internalização da prática do modo

de produção da sociedade capitalista, que conduz à substituição do homem pela máquina,

revelava nas políticas o intuito de ocultar uma compreensão de que o trabalho na sociedade

competitiva dá-se em meio a uma relação de poder e de individualidade e, subestimava o fato

de que trabalho também é a relação social fundamental que define não só o modo de existir do

homem que passa pela questão do mundo da necessidade, mas deve envolver as dimensões do

acesso aos bens materiais e culturais.

Percebe-se que as preocupações dos intelectuais da reforma contrariavam essa

concepção, por entenderem que a perspectiva da reforma da educação profissional abriria a

possibilidade de quebrar uma das maiores distorções do ensino brasileiro: as escolas técnicas

Page 73: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

71

ofereciam um ensino caro e gratuito para a elite; com a separação, ficariam os alunos ricos

apenas com o acadêmico, liberando oficinas e laboratórios para os que por estes se

interessassem (CASTR0, 2003, p.141,142).

Só isso já evidenciava a falta de compromisso do MEC em relação às escolas técnicas

federais, provavelmente uma das melhores experiências, cuja proposta assentava-se na busca

da concepção que articulava formação geral de base científica com o trabalho produtivo, de

onde poderia se originar um novo modelo de ensino médio unificado e suscetível de ser

generalizado para todo o país (SAVIANI, 2003, p.216).

O Parecer 16/99, que orientava as Diretrizes Curriculares para a Educação Profissional

de Nível Técnico, ao considerar essa modalidade um fator estratégico de competitividade e

desenvolvimento humano diante da nova ordem econômica mundial, com a fragmentação do

currículo em módulos de cargas horárias reduzidas, aligeiradas e divorciadas da educação

geral acabou cristalizando a desqualificação da educação profissional e dos trabalhadores. As

mudanças na base material exigiam novos profissionais com domínio de conhecimentos

científicos e técnicos, mas essa realidade se apresentava seletiva, pois a modernização não era

homogênea no Brasil; assim, o próprio Estado reforçava políticas educacionais massivas para

a formação abreviada e precária de trabalhadores para atuarem em outras frentes do mercado.

Quanto à articulação da educação profissional com o ensino médio, havia um

entendimento genérico no Parecer 15/99, que traçava as Diretrizes Curriculares para este nível

de ensino, o qual se daria por uma via de mão dupla, por meio das diversas formas de

preparação básica para o trabalho e ainda do aproveitamento de possíveis competências

construídas no ensino médio, correlatas ao curso pleiteado pelo aluno. Acreditava, então, que

o trabalho seria o princípio organizador do currículo para tal ensino.

Page 74: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

72

Esse entendimento também ocorreu em relação às Diretrizes Nacionais para a

educação profissional, as quais tentavam, porém, alargar o conceito ao sugerir que as

propostas curriculares de ensino médio e técnico deveriam comungar os mesmos princípios,

no desenvolvimento de valores estéticos, políticos e éticos.

Na verdade, a análise a respeito da problemática da articulação entre a educação

profissional e o ensino médio, impressa no corpo do Decreto Federal 2.208/97 e,

posteriormente, reconhecida pela inteligentsia do Conselho Nacional de Educação nos

conteúdos mencionados nos Pareceres 15/99 e 16/99 evidenciava a necessidade de ocultar os

problemas decorrentes da histórica separação entre a educação acadêmica para uma

determinada classe e técnica para uma outra.

A realidade tem demonstrado que “o domínio puro e simples de formas operacionais,

de modos de fazer determinados por tecnologias estacionárias, passa a ser substituído pela

necessidade de conhecimentos mais gerais” (KUENZER, 1998a, p.109). E isto não está

refletido nos textos que instruíam a reforma da educação profissional dos anos 90. Ao

contrário, nota-se que as mudanças que se fizeram sentir na economia mundial ocorreram em

várias dimensões, em todos os países e refletiram profundas implicações e interferências nas

políticas dos Estados que não apresentavam relações sólidas.

Neste sentido, a forte presença de organismos financeiros internacionais no incentivo e

patrocínio às reformas, em todos os âmbitos, no país, de certa forma, apresentava-se carregada

de influências ideológicas. Particularmente o Banco Interamericano de Desenvolvimento –

BID fez-se presente como financiador e “intelectual orgânico” das reformas políticas e

sociais, em específico da reforma do ensino médio e da educação profissional efetuada pelo

governo brasileiro, na década em foco, apontando para o caminho da relativização custo-

benefício desses cursos, fato expresso na parceria com esse organismo, por meio do Programa

Page 75: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

73

de Expansão e Reforma da Educação Profissional – PROEP, que objetivava disseminar a

reforma educacional nos estados brasileiros.

Diante dessa análise, infere-se que a opção pelo divórcio entre o ensino médio e

profissional não se deu pelo intuito de garantir um perfil às escolas dos trabalhadores, mas

pela lógica da preocupação com o excesso de demanda para o nível médio, diante da escassez

de recursos e, principalmente, de oportunidades de trabalho.

A reforma educacional dos anos 90 colocou, a partir do alto, desafios aos estados

brasileiros: a possibilidade de seguir a via indicada pela LDB/96, que abria espaço para a

integração da ciência e tecnologia no âmbito do ensino médio ou o oposto, encontrado nos

escritos do Decreto 2.208/97. Julga-se que o caminho que se poderia abrir teria que enfrentar

as realidades dadas pelas relações na economia e na política de cada estado, caso contrário

tais condicionantes se incumbiriam de fazer a escolha pelos e para os trabalhadores.

As mudanças no mundo do trabalho, por sua vez, têm apresentado desafios para os

trabalhadores, o que leva à seguinte reflexão: se, diante de uma outra realidade educacional,

as múltiplas possibilidades de escolha, marcadas pela garantia de educação de qualidade à

população, representariam, em última instância, parafraseando os escritos de Forrester (1997),

uma arma contra a injustiça e qualquer forma de exclusão. As mudanças no mundo do

trabalho remetem à incerteza, flexibilidade, empregabilidade, individualidade, que talvez

sejam possíveis enfrentar por um trabalhador fortemente armado de ferramentas que

envolvem “conhecimentos científicos e tecnológicos, de modo articulado, para resolver

problemas da prática social e produtiva” (KUENZER, 1998a, p.7).

As novas determinações advindas do processo de modernização no mundo do

trabalho, caso fossem democratizadas, mudariam radicalmente o eixo da formação dos

trabalhadores, visto que as pesquisas reforçam a tese da polarização das competências: sólida

Page 76: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

74

formação científico-tecnológica para a minoria incluída no mundo do trabalho; e o oposto

para os demais (KUENZER, 1998a, p.6).

2.1 O dissenso no governo de Mato Grosso

Na década de noventa, a sociedade mato-grossense protagonizava mudanças nas bases

da economia e na política, marcadas pela incorporação de tecnologias modernas na

agricultura, que passava à condição de destaque nacional do primeiro setor, e uma guinada

nos rumos da política estadual.

O processo de transição política que se verificou no estado na segunda metade dos

anos noventa efetivou-se com o pacto dos partidos de variadas correntes de pensamento

político, e, apesar disso, não se pode negar que possibilitou a abertura de espaço para a

consolidação da democracia, uma vez que o grupo que até então ocupava o poder ainda se

caracterizava por práticas de alternâncias políticas com base nas antigas oligarquias

familiares.

A eleição do representante do Partido Democrático Trabalhista, no pleito de 1994,

deu-se, com o apoio da Aliança Frente Cidadania e Desenvolvimento, que assumiu o Estado

em um cenário de grandes expectativas da população, criadas a partir das quinze reuniões

realizadas durante a campanha, que, posteriormente, subsidiaram a elaboração do Plano de

Metas.

O estado de Mato Grosso, em 1995, encontrava-se em profundo desequilíbrio fiscal,

pois gastava 41% a mais do que arrecadava e uma situação político-social conturbada. Isso fez

com que Oliveira enfrentasse, no primeiro ano de sua gestão, grandes desafios (SIQUEIRA,

2002, p.218).

Page 77: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

75

A aliança política que garantiu a eleição de Oliveira abrangia grupos com

características antagônicas, que passavam por representantes das elites ruralistas liberal-

democráticas e partidos ligados à classe trabalhadora e, dessa forma, abria espaços para

“múltiplas possibilidades”. Mesmo diante do mosaico político, a Aliança Frente Cidadania e

Desenvolvimento conseguiu apresentar no Programa de Governo ideais demandados pela

população e pelos partidos que a compunham.

Apesar de ser tão heterogênea a Frente, acreditava-se na possibilidade de buscar idéias

compatíveis entre correntes socialistas e liberal-democráticas a partir de um programa de

governo. Isto remete aos escritos de Bobbio, ao lembrar que a história do pensamento político

tem demonstrado que uma sociedade é tão mais bem governada quanto mais repartido for o

poder (BOBBIO, 1999, p.15).

Porém, para esse autor há uma diversidade de pluralismos, inclusive há o “arcaizante e

o modernizante”, e não se constitui uma tarefa muito fácil “separar em cada corrente pluralista

a nostalgia pelo passado da projeção para o futuro, a reprodução do antigo da formulação do

novo”(BOBBIO, 1999, p.20). À luz destas idéias, percebia-se algo novo na história do

pensamento político do estado de Mato Grosso, a aliança entre correntes que por si

constituíam-se pluralistas e defendiam ideais distintos: o pluralismo socialista e o pluralismo

liberal-democrático.

Deve-se registrar que a busca de analogia entre partidos socialistas e liberais

democráticos significou, antes de tudo, a junção de forças para fazer frente à aliança liberal-

conservadora do grupo União por Mato Grosso na campanha de 1994. Porém, vencido o

pleito, teria que se buscar governabilidade em meio aos múltiplos ideais de cada partido,

marcados tanto pela defesa de uma proposta voltada para um modelo de desenvolvimento

Page 78: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

76

com base na industrialização e exportação e na modernização do Estado, quanto pela idéia de

garantia de políticas sociais básicas para a população, como saúde e educação.

Sendo assim, partiu-se da estruturação do Plano de Metas para definir as políticas que

representaram a bandeira de luta da campanha no ano anterior e que abarcaram significativas

contribuições da sociedade mato-grossense. Desta forma, infere-se que não deve ter sido

muito fácil para um governo que acabava de se instituir o fato de ter que reunir num único

Plano as aspirações, os anseios da população e os acordos com os partidos que compunham a

complexa aliança.

Particularmente no que se refere à definição das linhas políticas para a educação, o

Plano de Metas sofreu importante influência

do Partido dos Trabalhadores – PT – que era parte da composição de forças que apoiava a candidatura majoritária de Dante de Oliveira – que por sua vez exercia a hegemonia no Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública de Mato Grosso – SINTEP – com um poder de articulação capaz de mobilizar em todo o Estado a classe. Esse poder articulador podia ser observado nas regiões em que aconteciam os seminários e debates do Plano de Metas (SOUTO, 2001, p.7).

Tudo isto indica que, para a elaboração da política educacional do Plano de Metas

1995-1998, levaram-se em conta as contribuições dos professores e do Sindicato dos

Trabalhadores da Educação Pública apresentadas nos seminários realizados durante a

campanha e as críticas dirigidas ao modelo educacional da época, que apontavam caminhos

para a construção de uma educação pública democrática e de qualidade.22

A dialética entre Estado e sociedade no processo de construção e implantação de

políticas públicas também representa uma relação de força, na qual um pode impor ao outro a

22 O diagnóstico levantado indicava a necessidade de um modelo de educação que garantisse a melhoria das condições de trabalho dos profissionais da educação; melhoria da qualidade do ensino ministrado; formação dos professores e o acesso à educação pública. Maiores informações poderão ser encontradas no Plano de Metas, Mato Grosso, 1995-2006, Cuiabá-MT.

Page 79: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

77

sua vontade. Isto lembra a realidade desigual que se estabelece nas relações sociais de

produção em que parcela da sociedade se constitui subalterna à minoria dominante que detém

o poder do capital.

Apesar dos debates e diagnósticos realizados junto à população, que elegiam como

prioridade a democratização e qualidade na educação, as ações do governo demonstravam

outros rumos ao optar pela reforma do Estado. Deste modo, nota-se uma espécie de jogo de

forças na luta pela ruptura com a herança política própria dos países subdesenvolvidos, nos

quais o Estado se constitui líder legítimo do processo de implementação de políticas públicas.

Se as condições que se estabelecem a partir das relações que partem das bases

materiais de produção não permitem à massa o acesso a determinados direitos, essa lógica

também interfere nas formas de determinar o grupo que pode ou não enfrentar o Estado para

fazer valer as suas necessidades e decisões. Desta maneira, prevaleceu a força que defendia

como

estratégia de construção de um Estado necessário e eficiente o saneamento das finanças públicas; o fortalecimento da ação reguladora do Estado; a descentralização e a melhoria do planejamento, da coordenação e dos níveis de produtividade e eficiência na implementação de políticas governamentais; a elevação dos padrões de qualidade e de gestão dos serviços públicos (PLANO DE METAS, 1995-2002, p.15).

Com vistas a isso, teria que se adotar como norte para o exercício de governar “um

novo marco teórico e uma nova prática para a administração pública – a abordagem gerencial

que substituiria a perspectiva burocrática anterior” (PLANO DE METAS, 1995-2002, p.32).

Esse modelo de estado gestor adotado marcou-se por uma estrutura enxuta através da venda

das estatais e demissões de funcionários públicos, celebração de parcerias com a iniciativa

privada e políticas de ajuste econômico.

Page 80: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

78

Neste sentido, o Estado foi visto, por um lado, como o principal instrumento para a

implementação de reformas nos diversos níveis que explodiram nas estruturas administrativas

das Secretarias, inclusive com a terceirização de alguns setores; por outro, como um

importante formulador de políticas para promover o desenvolvimento econômico e social e,

desse modo, atender aos anseios e aspirações da sociedade mato-grossense.

Daí a reorganização, no âmbito interno e externo da estrutura administrativo-

pedagógica da Secretaria de Estado de Educação, caracterizada pela extinção de

coordenadorias, criação de outras, substituição maciça de técnicos nas equipes e extinção das

Superintendências Regionais de Educação localizadas nos municípios.

No que se refere à defesa da educação pelos distintos grupos aliados ao governo, nota-

se que a determinação do seu espaço passou pela eficácia da aplicação dos recursos sob a

alegação de sua escassez até a defesa da expansão e democratização de alternativas públicas

de cursos de nível médio.

A junção de distintas correntes ideológicas possibilitou a existência de um grupo que

se alinhava com as políticas neoliberais do governo federal. Tal corrente saiu em defesa da

reforma da educação calcada nos ideais do modelo que vinha sendo delineado no país. Para

isso, justificava que para o Estado ingressar num novo patamar de desenvolvimento seria

preciso investir na qualificação rápida da sua força de trabalho.

Não obstante, em particular na esfera da educação profissional de nível médio, houve

divergências no âmbito do Estado quanto ao princípio reformador, assinaladas pela existência

de distintas correntes que defendiam a reforma da educação dos trabalhadores na perspectiva

da integração da educação científica com a técnica e uma outra que apresentava características

hegemônicas da educação capitalista, voltada para a criação de um sistema dicotômico, de

Page 81: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

79

modo a atender de imediato ao mercado ou, ainda, para a defesa de sua implementação por

meio da parceria com o setor privado.

Infere-se que, apesar da presença do Partido dos Trabalhadores na aliança com o

governo do período de 1995-1998, os conflitos internos do partido, acentuados pela sua

histórica desconfiança do modo de governar, podem ter impedido a soma de esforços para que

se definisse e implementasse a educação do ponto de vista da classe trabalhadora. Segundo

Cunha (2001, p.42), os partidos com bases socialistas traziam ainda a herança ideológica da

defesa de um projeto de educação popular com ênfase na formação política dos trabalhadores

com o intuito de prepará-los para mudanças revolucionárias.

Pode-se notar também que, diante de certa omissão de determinadas forças políticas, o

movimento que representou a ruptura com um modelo de Estado intervencionista e

conservador, definido pelo aumento da participação política e social da população, por

diversas vezes foi contra-arrestado pela intervenção de forças de características autoritárias e

conservadoras que insistiam em se constituir num obstáculo para a consolidação do processo

democrático.

Verifica-se, portanto, no âmbito do governo, a presença de forças distintas: uma, em

favor dos reclamos da população em direção à busca de políticas democratizantes com um

perfil de políticas sociais e outra, utilizando-se da lógica do Planejamento Estratégico que

procurava focalizar dimensões de um planejamento econômico cujas tomadas de decisões

para ajustes e reajustes não incluíam a participação das equipes técnicas da Secretaria, menos

ainda de representantes das escolas estaduais.

Dessa forma, os esforços políticos e técnicos para materializar os projetos e determinar

as prioridades, no âmbito da educação dos trabalhadores, sofreram interferências de forças

que se alternaram no controle da Seduc, o que resultou no uso de seu aparato para o

Page 82: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

80

fortalecimento da relação com a classe empresarial e a não implementação da educação

profissional.

Trata-se de reconhecer que tiveram lugar no espaço da burocracia estatal as práticas

rotineiras de formulações de projetos com fins de busca de financiamento externo para obras,

equipamentos e materiais de ensino-aprendizagem, cujo beneficiado pode ter sido um

pequeno grupo em detrimento da democratização da oferta daquela modalidade de educação.

Quando se procuraram as causas da omissão da prática de educação profissional nas

escolas estaduais e da lentidão para que se autorizasse o funcionamento dos Cenfor, foi

preciso lembrar da herança escravocrata que influiu nas concepções discriminatórias que

ainda sobrevivem na sociedade capitalista a respeito da classe trabalhadora. Entretanto, não se

esqueceu também do jogo de interesses e de forças que perpassavam um modo de governar

pela via do pluripartidarismo.

2.2 Os vetores das formulações políticas

O exercício do governo do Estado de Mato Grosso da segunda metade dos anos

noventa, desde o início, deu-se com a busca da prática de formulações de um número variado

de projetos decorrentes das estratégias definidas no Plano de Metas. Então, destacavam-se, no

âmbito da Seduc, entre outros, o Projeto Escola Ciclada do ensino fundamental; o Projeto

Centro de Formação dos Professores; o Projeto TUCUM para formação de professores

indígenas; o Projeto PEM-Apoena; a Escola Jovem de Mato Grosso e, especificamente para a

educação profissional, o Plano de Expansão da Educação Profissional e os Projetos Escolares

para os Cenfor. Resta indagar se havia coerência entre os projetos e o Programa do Governo

ou, se este apenas, se constituiu em mera agregação de sugestões ou solicitações dos políticos

que se aliavam ao governo.

Page 83: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

81

Contudo, não se deve deixar de reconhecer a importância da abertura de espaço no

poder para o pluripartidarismo, que pode evitar o fortalecimento de um único grupo

hegemônico e assim incorrer no risco da escolha de um caminho tortuoso rumo à democracia.

Pode-se dizer que a soma de projetos coesos, articulados e de políticas bem definidas é

característica da ditadura no antigo governo dos militares, por onde passaram práticas

políticas discutíveis, cujo resgate não representa item importante para este trabalho.

Tomou-se então para esta análise, como linha diretriz, tentar identificar os vetores das

formulações para os projetos do ensino médio e da educação profissional. Na verdade, foi

possível identificar uma tendência que defendia o modelo de reforma à luz do Decreto Federal

2.208/97, que tinha como escopo o mercado, embora as ocorrências de inovações tecnológicas

se fizessem presentes em apenas parte do primeiro setor da economia, que, na década de

noventa, assentava-se em investimentos tecnológicos na agroindústria. Apesar de o resultado

dessas inovações explodir na alta produtividade, nota-se, no geral, que as alterações profundas

na base da produção, no estado, ainda estão por ocorrer.

Sem ignorar a importância do primeiro setor no crescimento da economia do estado,

deve-se observar este crescimento quanto à perspectiva que se apresentava aos trabalhadores,

pois a maior parte das empresas, sejam industriais ou de prestação de serviços, situava-se na

faixa de pequeno porte. Isto significa que as transformações na economia do estado revelavam

um grau de divisão técnica do trabalho relativamente pouco acentuado. Neste sentido, as teses

sobre ensino médio e educação profissional deveriam levar em conta essa diversidade, de

modo a garantir um currículo que privilegiasse diversas alternativas.

Como a economia do estado ainda não se assentasse na intensa divisão do trabalho e

especialização funcional em que os trabalhadores executam tarefas rotineiras relativas àquela

parcela do ofício, entende-se que as relações de trabalho ainda não se tornaram totalmente

Page 84: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

82

parcelares e fatalmente desqualificadas. Ainda que, no geral, o trabalho degradado

desqualifique o trabalhador, no caso específico de Mato Grosso a natureza dos diversos

setores da economia apresentava a exigência, para determinado ramo, de trabalhador

qualificado e, no geral, para os demais setores, demonstrava não desqualificar nem requeria

requalificação em massa da força de trabalho.

Diante das evidências anteriormente mencionadas, buscava-se compreender o porquê

da prevalência da luta pela reforma da educação profissional, segundo os ditames do mercado,

com propostas de cursos modulares e cargas horárias mínimas para a inserção rápida de

trabalhadores no mundo produtivo.

Apesar da defesa, nas formulações, da ênfase na educação para o mercado numa

perspectiva mais técnica e restrita, nota-se a existência de uma outra corrente que lutava pela

educação profissional com base num conceito mais alargado que englobava as diversas

dimensões da categoria trabalho, cujo desafio se constituiria em

[...] reestruturar o ensino médio de modo tal que ele não continuasse a proporcionar uma formação propedêutica cientificista e anacrônica; por outro lado [...] avançaria no que diz respeito a inserir os conteúdos e os métodos, as ciências e o conhecimento das técnicas, hoje exigidas pelo mundo do trabalho, no interior da escola (MATO GROSSO, 1997, p.9).

A divergência apresentada é perfeitamente compreensível num contexto de regime de

governo pluripartidário que se pautava pelos princípios da democracia, porém demonstrava a

ausência da construção da arte de fazer política, que deveria calcar-se não somente na criação

do consenso ou, ainda, com a alimentação do contrário, no confronto de idéias, mas, que,

sobretudo, soubesse, “sobre a simultânea presença de um consenso que não excluísse o

dissenso e sobre um dissenso que não excluísse nem tornasse vão o consenso, dentro das

regras do jogo” (BOBBIO, 1999, p.48), trabalhar as divergências em cima de uma direção.

Page 85: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

83

Nota-se que as teses e antíteses evidenciadas nas formulações representavam o

consenso dos grupos que compunham o governo e que se destacavam em cada momento

como uma força nos meandros do poder. Portanto, a análise tem demonstrado que, mesmo

diante da existência de conflitos de natureza epistemológica e das reflexões e contribuições de

especialistas acerca da relação educação e trabalho e da realidade socioeconômica do Estado,

acentuava-se a influência da força que saía em defesa de uma concepção de educação para os

trabalhadores marcada pelo paradigma de formação em cujo foco era o mercado.

Os embates teóricos e as tensões entre a articulação defendida pelos socialistas e a

desarticulação, pelos neoliberais, apesar de terem refletido quase nada no âmbito do campo

prático, revelavam um exercício de governar fortemente influenciado por grupos sociais que

tinham seu gérmen no modo de produção econômico, que representavam relações

hegemônicas da divisão entre capital e trabalho.

A evidência da contradição no exercício do governo pode ser um reflexo da junção de

vários partidos representando cada qual sua concepção de realidade e de classe. O grupo que

se posicionou em defesa de uma proposta de educação profissional desarticulada da educação

básica e ligada ao mercado remete aos ideais da camada da sociedade que concebia o trabalho

centrado na divisão social e técnica, que rompe com a unidade entre teoria e prática. Isto,

conseqüentemente, exige a separação da formação técnica da concepção de ciência humanista

e histórica, sem a qual se consegue apenas uma formação restrita. Este modelo de educação

tinha por finalidade bem específica: preparar a população que não possui condições sociais

para acesso a uma outra forma de educação que lhe garanta o conhecimento de ciência e

técnica com qualidade.

Tornava-se discutível esta compreensão restrita da relação trabalho e educação, uma

vez que negava a historicidade das duas categorias e tendia a reduzir a força de trabalho a uma

Page 86: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

84

simples mercadoria, na vertente taylorista, cuja tendência é desqualificar o processo de

trabalho, o que evidencia a origem da classe que defendia a ruptura.

Por outro lado, a tendência que tomou a defesa da articulação da educação profissional

com o ensino médio demonstrava resgatar o trabalho enquanto elemento de constituição da

sociedade que gera riquezas e desenvolvimento e que, sobretudo, humaniza o homem.

Portanto, passavam a coexistir no interior da Seduc duas propostas: a educação profissional

separada da educação acadêmica e a educação técnica articulada à científica.

Há indícios de que, num contexto de impasses entre atender aos ideais defendidos pelo

governo federal, aos dos grupos que compunham a Aliança e às pressões advindas do Sintep,

a Secretaria realizou reuniões, seminários, contratou consultores, celebrou convênios com o

MEC e formulou um arsenal de documentos a respeito do ensino médio e da educação

profissional que ora representavam a defesa das aspirações de determinado grupo, ora

marcavam-se pelo atendimento aos ideais do Ministério da Educação, por meio das diretrizes

advindas do Programa de Expansão e Reforma da Educação Profissional – Proep23 – que tinha

como objetivo estimular os estados brasileiros a deflagrarem a reforma da educação

estabelecida pelo Decreto nº 2.208/97.

Esse Programa teve início em 24 de novembro de 1997, com a assinatura de uma

operação de crédito de US$ 250 milhões entre o governo brasileiro e o Banco Interamericano

de Desenvolvimento – BID e a contrapartida nacional de 50% oriundos dos orçamentos em

igual valor do MEC e MTE/FAT. O Proep designara recursos para a preparação e

implementação dos Planos Estaduais de Educação Profissional, dos Planos Estaduais de

23 Programa de Expansão e Reforma da Educação Profissional – PROEP. Os dados aqui utilizados são dos Relatórios de Atividades referentes ao ano de 2002 e ao 1º semestre de 2003. Ministério de Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2003.

Page 87: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

85

Ensino Médio e implementação de Projetos Escolares da rede federal, das redes estaduais e do

segmento comunitário.

Numa rápida avaliação da aplicação desses recursos no âmbito das políticas do

governo federal, notam-se expressivos investimentos nos projetos do segmento comunitário e

a tendência a se ampliar as matrículas no ensino particular e nos cursos de nível básico.

Observa-se, ainda, a influência do organismo financiador na formação de uma equipe para

gerenciar o Programa no âmbito do MEC ao designar consultores para essa finalidade. Desta

maneira, fizeram-se presentes, desde a elaboração dos manuais de planejamento estratégico,

dois consultores do BID e dois da Unesco. Esses manuais resultaram numa espécie de fôrma a

moldar qualquer instituição interessada no financiamento.

Particularmente para o estado de Mato Grosso, foram contemplados três projetos para

escolas da rede federal e um do segmento comunitário; do Projeto de reforma do ensino

médio e da educação profissional da Seduc, derivaram vários projetos, dos quais se torna

importante destacar para este trabalho o montante de recursos ali destinados. Assim, no curso

das negociações foram assinados convênios, conforme se pode verificar no quadro seguinte.

Quadro 1- Demonstrativo da execução dos convênios do Governo de Mato Grosso com o PROEP/MEC Finalidade dos convênios convênio valor R$ % de execução em

2002 Pré-projeto de Reforma da Educação Profissional

093/97 123.943,00 100

Pré-projeto de Reforma do Ensino Médio 029/98 56.057,00 100 CENFOR “André Franco Montoro”, Rondonópolis

201/99 1.477.957 78,82

CENFOR “Darcy Ribeiro”, Barra do Garças

202/99 1.470.432 81,96

CENFOR de Sinop 203/99 1.480.069 89,88 CENFOR “Blásio Germano Schmitz”, Alta Floresta

204/99 1.482.173 80,40

Plano de Expansão da Educação Profissional-PEP-MT

019/00 371.484,00 90%

Plano de Expansão do Ensino Médio-A Escola Jovem de Mato Grosso

267/00 2.914.987,00 Não consta

CENFOR de Diamantino 023/02 3.182.084,00 em construção CENFOR de Pontes e Lacerda 024/02 3.239.118,00 em construção CENFOR de Tangará da Serra 025/02 3.515.159,00 em construção

Valor total dos convênios: R$ 19.313.423,00 Fonte: PROEP/MEC. Relatório de atividades – 2003 e os próprios convênios.

Page 88: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

86

A percentagem de execução apontada no quadro 1 representa o índice de satisfação

dos responsáveis pela educação profissional na Seduc, após validação, pelos tecnocratas do

Proep, dos processos de prestação de contas. A alta representatividade de aplicação dos

convênios referia-se à estrutura física e administrativa, consistindo na aplicação dos recursos

em construção, compra de equipamentos para os laboratórios e mobiliários permanentes.

Entretanto, as negociações demonstraram ir além da simples liberação de recursos para os

Cenfor, visto que o Proep pode ter logrado garantir os objetivos e princípios da reforma ao

afiançar e impor, no âmbito interno da Seduc, meios para que os mesmos fossem acolhidos. O

lado positivo dessas negociações pode ter ficado restrito ao benefício orçamentário do Estado,

que contou com um grande aporte de recursos externos, ainda que esses benefícios fossem

esgotados à medida que os projetos físicos e administrativos eram executados.

A realidade da aprovação dos convênios evidencia a receptividade que o Ministério da

Educação demonstrou com os projetos do governo do estado de Mato Grosso. Tudo indica

que isso se deu mais no âmbito da política do que da qualidade técnica dos projetos, visto que,

a partir de 1998, o governo instituído apresentava-se alinhado aos ideais da Social

Democracia do governo federal, período em que todos os convênios foram assinados.

Assim, em meio a uma tensão entre duas tendências, o processo de construção da

política de educação profissional de nível médio seguiu por trilhos tortuosos, com avanços

nos projetos financeiros e recuos na implementação das propostas pedagógicas, que são

discutidas em detalhes no próximo capítulo.

Page 89: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

CAPÍTULO III

3 A tensão entre duas concepções: articulação ou desarticulação?

[...] não dissociar a formação profissional da educação básica [...] consistia, pois, em nos contrapormos ao divisionismo e à criação de entraves ao sistema de formação técnica, visto que, entendíamos que o enfoque da educação secundária deveria mudar de eixo, não mais incidindo sobre o dilema “educação técnica” versus “educação geral”. [...] ambas as modalidades poderiam ter rico significado para o desenvolvimento dos jovens, caso contrário, tornar-se-iam meros instrumentos credenciadores e disciplinadores para um posto de trabalho. [...] Para tanto, tornar-se-ia importante discutir quais conteúdos e quais métodos poderiam constituir uma aproximação das exigências de formação intelectual, cultural, profissional, social e política dos jovens (SEDUC, 1995a, p.47).

Este enunciado, num dos primeiros documentos do governo instituído, demonstrava,

logo de início, a vontade política de superar a polêmica que se travava quanto à definição da

LDB, no âmbito nacional, naquele ano de 1995, apontando linhas gerais para a construção

coletiva, já que demonstrava interesse na busca de novas metodologias que pudessem articular

conhecimentos científicos e tecnológicos para, assim aproximar as duas vertentes em que se

constituía esse nível de ensino no estado.

Para isso, propunha-se a criação de Centros Públicos de Formação Profissional que,

com flexibilidade, deveriam oferecer atividades voltadas para o desenvolvimento humano

mais geral, não concorrendo com a formação escolar e nem a substituindo, mas sendo

complementar a ela de modo a superar a proposta centrada no mero adestramento. Pretendeu-

se partir de uma proposta emergencial de correção e mudanças na estrutura curricular do

ensino médio profissionalizante que deveria ser implantada de imediato e, para um segundo

momento, previa-se a realização de um estudo mais aprofundado, com vistas a consolidar a

idéia dos Centros de Excelência na rede pública.

O denominado plano emergencial visava a reestruturar as habilitações técnicas em

Administração, Contabilidade e Secretariado por meio da organização do currículo em um

Page 90: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

88

núcleo comum constituído de disciplinas de formação propedêutica e um outro chamado

mínimo profissionalizante subdividido em tronco comum e núcleo profissional. O empenho

de concentrar numa única proposta esses três cursos baseava-se no argumento de que os

mesmos possuíam naturezas idênticas. Entretanto, avalia-se que por trás disso permeava uma

lógica cujo eixo era a eficácia na aplicação dos recursos destinados ao ensino médio.

Os pontos obscuros foram evidenciados pelos participantes atentos durante o

seminário realizado no Instituto de Educação da UFMT em fevereiro de 1995, no qual o

Sintep, demonstrando poder de embate, levantou pontos frágeis do documento, dentre os

quais se destacavam a necessidade de garantir a reformulação do currículo com amparo na

definição de recursos e equipamentos para as escolas, como laboratórios e bibliotecas e um

programa de formação continuada para os professores. Diante da problemática, a Seduc, sob a

alegação de necessidade de reformulação da proposta, optou pelo recuo, pois se observou a

sua não retomada nos anos subseqüentes.

Como a proposta de reformulação dos referidos cursos “vinda do alto” não decolou, o

governo, no mesmo ano, demonstrava reconhecer a necessidade de dar um passo “à frente da

prática da social-democracia que consistia no alargamento da participação além das fronteiras

do Estado” (BOBBIO, 1999, p.71), com a busca da construção coletiva de um rumo para o

ensino médio ao envolver a comunidade escolar no debate, num grande seminário24, na capital

Cuiabá.

24 “Para consolidar a nova política educacional a Secretaria de Estado de Educação promoveu no período 19 a 21 de abril de 1995 o 1º Seminário de Ensino Médio no Estado de Mato Grosso, envolvendo professores das unidades escolares num total de 340 representantes, técnicos das Superintendências Regionais de Educação (posteriormente extintas, ainda no ano de 1995) e Coordenadoria de Políticas Pedagógicas, UFMT, UNEMAT e SINTEP. Contou ainda com a assessoria do Professor Dr. Gaudêncio Frigotto, da Universidade Federal Fluminense, que contribuiu para o enriquecimento das questões” [...] “Ficou definido neste seminário o redirecionamento para mais um conjunto de discussão em nível de micro-regiões, a fim de que maior número de educadores pudessem ser envolvidos nas discussões que envolvem o ensino médio e tecnológico”. Conferir maiores informações no relatório “Políticas do Ensino Médio para o Estado de Mato Grosso”, julho/1995-SEDUC.

Page 91: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

89

Contudo, deve-se atentar para o fato de que o método de construção de políticas por

meio do diálogo governo-sociedade pode também permitir ao Estado um controle a partir da

base, visto que houve um primeiro seminário na capital, realizado em abril de 1995, com a

presença de representantes de algumas escolas estaduais de ensino médio e do pesquisador

Frigotto25 , da Universidade Federal Fluminense.

Tudo indica que a Seduc esperava, já nesse encontro, coletar elementos para definir as

diretrizes para o ensino médio, apesar de ter encontrado resistência por parte dos participantes

e de representantes do Sintep que sugeriam o alargamento da participação através de vários

outros seminários no interior do estado.

Desse primeiro encontro, saiu um documento, com as características dos anais, que

indicava fortes influências das idéias de ensino médio politécnico defendidas por Frigotto, que

serviram de base para as discussões a se realizar nas onze cidades pólos no interior do estado.

È importante destacar que se fizeram presentes, para a coordenação dos seminários

regionais, técnicos recém-selecionados nas escolas para compor a coordenadoria pedagógica

da Seduc, com pouca ou nenhuma experiência acerca da temática. Portanto, isso pode ter se

constituído num entrave para a ampliação das discussões ou, por outro lado, num ponto

positivo, uma vez que, nessa circunstância, a Secretaria pouco influenciava nas definições.

Desse modo, os relatórios dos encontros nos pólos acabaram de certa forma

reproduzindo as linhas gerais definidas no relatório do 1º seminário realizado em Cuiabá,

como pode ser observado no quadro seguinte.

25 Gaudêncio Frigotto é formado em Filosofia e Pedagogia, mestre em educação pela Fundação Getúlio Vargas, doutor em educação pela PUC/SP, professor titular da disciplina Economia Política da Educação na Universidade Federal Fluminense, UFF/RJ. Coordena, desde 1987, a linha de pesquisa sobre trabalho e educação da UFF. Autor e co-autor de vários livros e artigos. Conferir estas informações in Frigotto,Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real São Paulo,Cortez, 2003 (capa).

Page 92: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

90

Quadro 2 – Aspectos das contribuições dos seminários para as diretrizes políticas

Anais do 1º seminário de abril de 1995. Diretrizes finais após realização de onze seminários, julho/1995.

Garantir oportunidades de formação e capacitação continuada aos recursos humanos da educação, buscando a sua valorização profissional e possibilitando a melhoria do processo ensino-aprendizagem no ensino médio.

Garantir a profissionalização e valorização do magistério, possibilitando a melhoria do processo ensino-aprendizagem no ensino médio.

Proporcionar condições para que a escola de 2º grau se torne unitária, laica e democrática, sem perder de vista a politecnia, através de uma gestão democrática que garanta a sua autonomia didática, científica, técnico-pedagógica e financeira.

Assegurar condições para que as unidades escolares de Ensino Médio se tornem unitárias, laicas e democráticas, sem perder de vista a politecnia, através de uma gestão democrática que passa pela garantia da sua autonomia didática, científica, técnico-pedagógica e financeira, que ao mesmo tempo assegure condições de acesso e permanência dos alunos na escola.

Oferecer uma estrutura curricular de formação geral e específica, respeitando os projetos pedagógicos das escolas, preocupando-se com a formação do homem cidadão para o pleno exercício da cidadania, para o mundo do trabalho e não apenas suprir o mercado de trabalho.

Oferecer uma estrutura curricular respeitando as peculiaridades regionais e o projeto político pedagógico das escolas, preocupando-se com a formação integral do homem para o pleno exercício da cidadania, para o mundo do trabalho e não apenas para suprir o mercado de trabalho.

Proporcionar um ensino de 2º grau com duração de três anos, para a formação geral e com um quarto ano, optativo, para a formação profissional, respeitando as peculiaridades e vocação dos municípios, assegurando ao mesmo tempo condições de acesso e permanência dos alunos na escola.

Elaborar e desenvolver um projeto de formação profissional para o Estado, num processo de ampla discussão com a sociedade.

Fonte: SEDUC. Relatório Políticas do Ensino Médio para o Estado de Mato Grosso, julho/1995.

Ao comparar os escritos dos “Anais” e o documento final, elaborado após a realização

dos seminários nas cidades-pólo, nota-se a incorporação das idéias do 1º seminário às

contribuições dos protagonistas dos encontros nos pólos regionais, resultando numa espécie

de ponto consensual entre as várias linhas de ação, o reconhecimento de que as exigências do

mundo moderno impunham a necessidade de se garantir formação crítica aos alunos, o

domínio de técnicas específicas que informam o trabalho e conhecimentos sobre cultura geral

e ciência. Neste sentido, os princípios norteadores da política para o ensino médio passariam

pela busca da relação educação-trabalho, pela valorização e profissionalização docente,

reorganização curricular, gestão democrática e expansão da oferta.

Page 93: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

91

Dessa maneira, havia a compreensão de que o conhecimento a ser construído na escola

deveria considerar a interação complexa e contraditória do mundo do trabalho, definido este

como toda produção humana que se dava nas relações do homem com a natureza e com o

outro. Assim, esperava-se romper com o modelo de profissionalização marcado por técnicas

repassadas de maneira descontextualizada e superficial (SEDUC, 1997, p.69). Pretendia-se

também que o ensino médio atendesse à diversidade socioeconômica e cultural do estado,

dada sua população dispersa, a escassez de vagas, a dificuldade de acesso ao ensino superior e

as restritas possibilidades de trabalho.

Porém, a aparente abertura do espaço democrático se desvelava contraditória, visto

que, apesar das linhas gerais definidas naqueles seminários e sistematizadas no documento

final em julho de 1995, a Seduc indicava no seu plano de ação a “expansão das estruturas

curriculares dos cursos propedêuticos e extinção dos cursos profissionalizantes”26 o que

resultou, em dezembro, na Portaria 1266/95, que assim promulgava:

Art.1º-Ficam extintos os cursos de Ensino Médio Profissionalizante, oferecidos pelas unidades escolares da rede pública estadual. [...] Art.3º-Determinar que as escolas da rede pública estadual, paralelamente à extinção dos cursos profissionalizantes, abram matrículas para o ensino médio não profissionalizante (SEDUC, 1995d).

Entretanto, esse novo aspecto não se tratava de uma ação isolada e interna, pois não se

poderia negar que a imposição dada à reforma do ensino médio e da educação profissional, no

âmbito das escolas estaduais, derivava de parte de um movimento de reforma educacional no

Brasil, bem como decorria da reforma do Estado, transformado em Estado gestor que, por sua

vez, relacionava-se com dimensões que eram

parte orgânica do movimento de reorganização da economia mundial e do trabalho, que impunha um novo metabolismo social e, com isso, novas estruturas sociais, para o que concorria a educação, especialmente, como

26 Ações que deveriam ser desencadeadas para a reorganização do ensino médio no Estado de Mato Grosso - uma proposta. In. Seduc.Políticas do ensino médio para o Estado de Mato Grosso julho, 1995.

Page 94: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

92

indicado, para o ensino médio, em face de suas peculiaridades de possuir como objetivos a formação geral e propedêutica e a formação específica para a terminalidade da trajetória escolar do indivíduo (SILVA JUNIOR, 2002, p.100).

A justificativa da Seduc para a extinção dos cursos técnicos nas escolas estaduais, por

meio da Portaria, apresentava-se sob o argumento de que as diretrizes da política para o

ensino médio e tecnológico contemplavam a instalação de Centros Públicos de Formação

Profissional em municípios do estado. Isso negava os meses de um árduo trabalho de

envolvimento da comunidade que vinha sendo construído e implicava reconhecer que o

discurso democrático era superficial e sofria as influências de um passado ainda muito recente

naquela época.

Os debates nos seminários e, posteriormente, a imposição à comunidade escolar

faziam lembrar a conjugação de elementos novos à velha prática de governar, fazendo

emergir o veio autoritário e conservador determinante das ações de parte do coletivo ou,

ainda, de iniciativas individuais nos grupos que compunham o governo. Tais dificuldades

emperravam ainda mais a luta pela superação de antigas concepções em que a educação dos

trabalhadores não se constituía prioridade.

É importante destacar a forte tendência dos alunos em freqüentar os cursos

profissionalizantes: naquele ano de 1995, do total de 53.071 alunos matriculados no ensino

médio da rede estadual, 32. 255 cursavam o ensino técnico, enquanto que, e na rede

particular, representavam apenas 2.396 matrículas.

O projeto de reorganização do ensino médio pela via da unificação do currículo ao

determiná-lo propedêutico não levou em conta as desigualdades de acesso, pois no ano em

estudo acima de 50% das matrículas destinavam-se aos cursos técnicos. Julga-se que isso se

dava não pela livre escolha do aluno, mas por se constituírem propostas voltadas para a

Page 95: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

93

preparação para uma determinada área de trabalho, em cursos geralmente noturnos, fato que

mostra, portanto, que as próprias condições sociais dos alunos se encarregavam de decidir por

eles.

As contradições no exercício de governar denunciavam as formas variadas que

assumia o Estado, com práticas que em alguns momentos procuravam envolver a comunidade

escolar para construir uma política a partir da base, no entanto, antes do seu desfecho,

demonstravam uma vontade política operando em sentido contrário, com a suspensão

repentina dos cursos técnicos e determinando às escolas estaduais a oferta do curso

propedêutico.

A opção pelo propedêutico em nível médio já indicava a ruptura entre cultura geral e

tecnológica e contrariava a proposta inicial do próprio governo para a implantação de Centros

Públicos de Formação Profissional-Cenfor. Estes pressupunham práticas de currículos

flexíveis e complementares à educação acadêmica, com vistas a romper com as concepções da

pedagogia taylorista/fordista e, assim, oferecer aos alunos do ensino médio a oportunidade de

uma profissionalização que acompanhasse os avanços científicos e tecnológicos.

A concepção de ensino profissionalizante complementar e articulado ao ensino médio

caminhava na direção da idéia destacada em epígrafe no início deste capítulo e no relatório-

síntese dos seminários sobre os ideais necessários à reforma da educação profissional. Porém,

há indícios de que a opção pela extinção dos cursos técnicos, por parte da Seduc, desrespeitou

a vontade dos professores, alunos e pais que estiveram envolvidos nas discussões naqueles

seminários, evidenciando interesses antagônicos no exercício de governar.

Apesar das pressões e do descontentamento por parte da comunidade escolar durante o

ano de 1996, mesmo sob a gestão do representante do Partido dos Trabalhadores, na pasta da

Secretaria, a educação profissional de nível médio ficou adormecida no âmbito da Seduc.

Page 96: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

94

Desta vez, as discussões centravam-se em uma nova prioridade: a criação do Sistema Único e

Descentralizado da Educação Básica – Sudeb.

A trajetória histórica do trabalho e da educação evidencia a luta da classe trabalhadora

por ter acesso aos mesmos direitos que a classe dirigente obtém com maior facilidade. Assim,

dever-se-ia reconhecer que a democratização do ensino médio e a garantia do direito à

educação científica, à cultura e ao domínio das técnicas que informam o ofício constituíam

grande expectativa dos trabalhadores e desafio para os dirigentes.

Tratava-se da necessidade do reconhecimento do déficit histórico que constituía o

vazio de qualquer projeto voltado para a formação científica, humanística, técnica e política

do ponto de vista da classe trabalhadora. Contudo, não se deveria esquecer que, mesmo com a

proposta de articular conhecimentos científicos e técnicos, a dicotomia que se verificava na

forma de organização da sociedade capitalista continuaria intacta e insistiria em inculcar nos

alunos o que já se dava no mundo do trabalho.

Por conta disso, e mediante a necessidade de se buscar consenso na relação conflituosa

entre os interlocutores do governo, MEC, Sintep e determinados grupos políticos, nota-se a

tese do enfrentamento da velha dicotomia: a Seduc, no ano de 1997, estava sob a gestão do

seu terceiro secretário, e este contratava consultores que procuraram resgatar as discussões

dos seminários de 1995 num documento que admitia ser o ensino médio uma área

extremamente complexa, de difícil solução e desafiadora diante do problema histórico que

constituía o seu dilema: um pêndulo que sempre oscilou entre a formação para a universidade

e a preparação para o trabalho (MATO GROSSO. Seduc, 1997, p.9).

Dessa forma, o desafio era exatamente qualificar o trabalhador para compreender de

maneira adequada o complexo universo do trabalho e também aumentar o seu poder de

barganha e ainda, ao mesmo tempo, dar-lhe sólida formação para que continuasse a se

Page 97: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

95

desenvolver intelectualmente, seja pela via da universidade, seja por outros caminhos (MATO

GROSSO. Seduc, 1997, p.8).

A idéia sistematizada no documento Novas Perspectivas para o Ensino Médio

incorporava a diversidade socioeconômica do estado e apontava alternativas para atender a

esse mosaico por meio da oferta de cursos de formação geral de caráter científico-tecnológico

e sócio-histórico, de cursos de educação profissional integrados e, ainda, de uma outra

proposta de educação profissional complementar ou concomitante à educação básica que

deveria ser ofertada via Cenfor.

Assim, o atendimento à demanda por formação profissional de nível técnico não

deixaria de explicitar a totalidade das relações estabelecidas no mundo do trabalho pretendida

nas escolas da rede pública, que dependiam a priori da aprovação de seus projetos pelos

técnicos da Secretaria, após a verificação do atendimento a 14 critérios que passavam, no

geral, pela articulação de formação geral e específica ao longo do curso, existência preliminar

de condições materiais mínimas e corpo docente qualificado.

Os cursos nos Cenfor se dariam na perspectiva de um currículo que tomasse o trabalho

como eixo para, a partir dele, promover a compreensão e articulação das ciências aos

conhecimentos técnicos de modo a formar trabalhadores com capacidade crítica em relação às

dimensões que envolviam a complexa realidade do mundo produtivo.

Na verdade, as propostas, tanto para o ensino médio geral como o profissionalizante,

demonstravam que para atender às exigências do mundo do trabalho e das relações sociais,

dever-se-ia buscar, no currículo, a apreensão da categoria trabalho numa dimensão de

construção da existência humana e não apenas enquanto práxis produtiva. Assim, fugir-se-ia

da mera formação geral abstrata desarticulada do mundo do trabalho e de propostas que

proporcionassem apenas a instrumentalização para uma determinada área profissional.

Page 98: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

96

O desafio que se colocava aos dirigentes, portanto, era buscar a garantia de uma

política flexível de formação dos trabalhadores baseada na melhoria da qualidade de sua

qualificação técnica calcada numa sólida formação geral, de maneira a não usar esse nível de

ensino como estratégia de contenção da demanda rumo ao ensino superior. Isto pode ser

expresso como se segue:

[...] não se tinha dado a devida importância para a articulação entre as duas dimensões, ou seja, proporcionar uma formação para o trabalho casada com a formação geral. [...] novamente, notava-se uma tendência ao “descolamento”. [...] Em Mato Grosso, no entanto, acho que conseguimos elaborar uma proposta mais avançada. Trabalhávamos com a idéia de flexibilidade (MAXIMO, 1997).

Diante das possibilidades e dos limites no âmbito dos marcos legais do governo

federal, os intelectuais daquela nova proposta indicavam alternativas e o caminho para o

Estado buscar o equilíbrio entre a LBD e o Decreto Federal 2.208/97. Desta maneira,

estabelecer-se-ia o consenso em meio às pressões advindas do Sindicato dos Trabalhadores da

Educação, da comunidade escolar que se apresentava descontente com a extinção dos cursos

técnicos nas escolas e de grupos do próprio governo, interessados nos recursos financeiros do

MEC para a reforma.

Particularmente no que se refere a esta idéia de reforma, que já vinha sendo

incorporada no âmbito interno da Seduc, com base nas diretrizes do Decreto 2.208/97,

observa-se que ela sofria forte influência dos consultores quanto à sua interpretação, o que

remete aos escritos de Lima Filho:

ainda que os instrumentos jurídicos e normativos, as diretrizes de política educacional e os agentes e recursos financeiros que articulavam a implementação das medidas reformadoras tinham força impositiva, esse poder pode ser muitas vezes contra-arrestado, ou outras vezes facilitado pelos movimentos de resistências ou de adesões negociadas ou incondicionais [...] (LIMA FILHO, 2003, p.74).

Page 99: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

97

Kuenzer, uma das intelectuais da proposta de 1997, argumentava o porquê da

necessidade de romper com aquela idéia de currículo único e totalizante de ensino médio

iniciada desde a Portaria de dezembro de 1995:

então, quando eu discuto que essa Escola Média não deveria ter sido precocemente limpada do seu conteúdo voltado pro mundo do trabalho [...] faço essa afirmação não porque eu entendia que aos jovens trabalhadores cabia a educação profissional. [...] defendemos que todos tenham o direito a uma sólida educação básica que os igualitarize. Agora, [...] eles são desiguais do ponto de vista de acesso aos bens sociais e materiais produzidos por uma sociedade capitalista. [...] Mas, ele não pode ter cerceado o seu direito de conhecer o pressuposto que não adianta conhecer porque ele não terá essas escolas. 27

Mas, para isso não bastaria apenas definir as linhas gerais para esse nível de ensino; o

que asseguraria a sua materialização requeria, sobretudo, a necessária reestruturação

curricular, a formação continuada de professores e a garantia de recursos materiais, que

também passava pela questão da disponibilidade de recursos financeiros.

Apesar da possibilidade desse novo caminho, retornava à cena a velha dicotomia

curricular com a retomada da idéia de reforma da educação profissional introduzida com a

antiga Portaria de 1995. Desta vez, utilizavam-se como ponto de apoio os princípios do

Decreto Federal já homologado; a Seduc assinara um termo de adesão no qual se

comprometia perante o MEC a empreender a reorganização do sistema estadual para o ensino

médio e a educação profissional à luz das diretrizes da reforma.

A própria assinatura do Termo de Adesão aos princípios da reforma do governo

federal, no dia 05/11/97, pelo mesmo secretário que assinara o documento Novas Perspectivas

para o Ensino Médio, já deixava claro que se tratava de uma exigência para a habilitação do

pré-projeto de Mato Grosso ao subprograma Reordenamento dos Sistemas Estaduais de

27 Profª. Drª. Acácia Zeneida Kuenzer, In SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira. Dissertação de Mestrado. Mediadores do consenso: conflitos e ambigüidades nos encaminhamentos da educação mato-grossense (1997-1998) Volume II, Cuiabá, UFMT. Programa Integrado de Pós-Graduação em Educação, 2001, p. 129.

Page 100: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

98

Educação Profissional do Proep, no qual a sintonia com as definições políticas do MEC era

condição prioritária, com uma espécie de pressão velada.

Diante do fato, coube uma indagação: o que levou o governo de Mato Grosso a

sujeitar a definição da política para a educação profissional às influências externas, uma vez

que os debates se apresentavam avançados com base em um outro caminho?

Isto implicava em reconhecer que a luta pela superação da dualidade emperrava-se

pela falta de compromisso maior do governo com a mudança. Os interesses nos recursos

acenados pelo MEC resultaram em onze convênios para o Estado de Mato Grosso: “para

reformar o ensino médio no Mato Grosso, haveria que se levar em conta, além dos princípios

corretamente adotados, das teorias e dos métodos adequados, o significativo volume de

recursos que este grau de ensino demandava" (KUENZER, 2000b, p.10) e tal necessidade

pode ter influenciado fortemente na definição do rumo dado aos trabalhos. Os enunciados de

Bobbio ajudam a interpretar o dissenso que novamente se apresentava:

é inútil pensar que a desunião pode ser superada com táticas sagazes, com a simulação de acordos aparentes e com a dissimulação de desacordos reais, sem ir a fundo na busca das causas que a determinaram (BOBBIO, 1999, p.83).

O aparente consenso no documento do ensino médio buscava na verdade atender às

aspirações da comunidade por reformas desde o ano de 1995 e ideais de pequena parcela do

governo; entretanto, percebe-se que os acordos políticos tiveram maior peso no traçado dos

meandros do poder e, dessa forma, o projeto que se baseava na idéia de articular ciência e

técnica sofria recuo.

Contudo, deve-se reconhecer também que os momentos de descontinuidade, reverso e

avanço no processo de construção da política educacional num governo que tentava pautar-se

Page 101: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

99

pelos princípios da participação democrática constituíam uma estratégia para a busca do

consenso possível no contexto dos vários partidos que compunham o poder político.

Já no ano 2000, após um período de interrupção, que representou um vazio de três

anos, no qual a equipe do ensino médio se encarregara de estudos e trabalhos rotineiros

internos, percebia-se a segunda tentativa, desta vez sob a gestão do 5º secretário, no sentido de

buscar a consolidação dos trabalhos deflagrados em 1997, novamente com a mediação da

Profª. Drª Acácia Kuenzer. Nesse período, a equipe de educação profissional já tinha

conseguido junto ao MEC recursos para “pré-investimentos”, informação referendada no

capítulo II deste trabalho, para financiar a elaboração do projeto de reforma da educação

profissional no Estado.

Naquele momento, o novo secretário de educação concordava com a idéia dos

intelectuais da proposta de 1997, que passava pela questão de que para uma sociedade

complexa “as medidas tomadas na esfera do poder público não poderiam ser únicas e

totalizantes [...] ao fugir da pluralidade poder-se-ia deixar de lado parcelas da população e

implantar políticas que refletiam o desejo e a influência dos setores hegemônicos” (MATO

GROSSO, 1997, p.18; KUENZER, 2000b, p.10).

Há, portanto, indícios de interesse em retomar novamente as linhas gerais definidas no

documento Novas Perspectivas para o Ensino Médio à luz das Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio, uma vez que seria impossível negá-las por apontarem na

direção possível de uma formação científico-tecnológica e sócio-histórica para todos, de

modo a construir a democratização da oferta do ensino médio.

Novamente a Secretaria demonstrava a preocupação com o enfrentamento das

condições desiguais com que se deparavam os trabalhadores do estado de Mato Grosso diante

do caráter díspar do modelo de economia que se marcava pela tendência à informalidade no

Page 102: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

100

setor de serviços. Portanto, a proposta curricular teria que ousar ao tratar diferentemente os

desiguais em busca da alternativa possível. Assim,

não havia como fazer concessão ao caráter básico do Ensino Médio, supondo ser possível sua substituição pela educação profissional independente de escolaridade. Contudo, já no Ensino Médio, a formação científico-tecnológica e sócio-histórica deveria ser completada, na parte diversificada, por conteúdos do mundo do trabalho, sem que se configurassem em cursos profissionalizantes típicos do taylorismo-fordismo (MATO GROSSO, 1997, p.18; KUENZER, 2000b, p.37).

Porém, não bastava apenas realizar seminários em todo o estado para se discutir a

reestruturação curricular com base em uma nova concepção de ensino médio. Do ponto de

vista da real implantação dessa proposta, deveria existir a clareza de que havia necessidade de

um engajamento maior de dirigentes, trabalhadores e comunidade escolar. A vontade política

teria que ter um peso maior; porém, a força que advinha da base material e de determinados

grupos conservadores contra-arrestava qualquer projeto que viesse no sentido contrário, pois

permaneciam no âmbito das negociações políticas os interesses pelos recursos do governo

federal. Desta vez, inclusive, para o ensino médio de educação geral, o que resultaria no

Projeto Apoena: a Escola Jovem de Mato Grosso.

Essa nova retomada evidenciava a alternância nas formas de poder e políticas

ziguezagueantes, ficando claro que ora o Governo se pretendia social-democrático, ora

economicista e conservador. Foi possível observar desde maio de 1997, no interior da Seduc,

a coexistência de duas frentes de trabalho. Nota-se que, da antiga equipe de ensino médio, que

contava com oito técnicos, foram designados três28 para compor a equipe de educação

28 A antiga equipe de ensino médio no início do ano de 1997 era composta por: Aidê Fátima de Campos Caetano, Arvelina Néris de Assunção, Jair Reck, Luzinete Reis Barroso, Maria de Fátima Mattos, Orlene Lopes da Silva, Vanete Gonçalina de Pinho. Porém, a Portaria nº. 846/1997/SEDUC-MT assinada em 14/05/1997 pelo secretário Fausto de Souza Faria, designou para compor a equipe técnica de educação profissional os seguintes servidores: Aidê Fátima Caetano, Orlene Lopes Silva, Luzinete Reis Barroso e Deusalina Maria de Arruda Assunção da Silva ( Diário Oficial de 15/05 p. 6). Porém, no ano seguinte, desfez-se a equipe, ficando somente uma técnica desse primeiro grupo, e em 1999, pela terceira vez, montava-se uma nova equipe para a educação profissional.

Page 103: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

101

profissional; dois juntaram-se à nova equipe de ensino médio de educação geral e os demais

assumiram outras funções no âmbito da Secretaria.

A equipe técnica de educação profissional, sob a orientação de consultores

representantes das escolas da rede federal de ensino em Mato Grosso, também elaborou um

outro documento, Educação profissional: alternativas para o exercício competente da

cidadania, no qual se procurou “não repassar os ditames da educação profissional sem a

precedência de observações que nos seus entendimentos eram oportunas e modestamente

desocultadoras dessa modalidade” (MATO GROSSO, 1998, p.17).

Numa análise criteriosa no documento percebe-se que não houve total negação da

história construída até então pela Seduc. Há evidência da preocupação com a problemática da

elevação do nível de escolaridade dos trabalhadores e do reconhecimento de que os princípios

da ciência deveriam estar contemplados na educação básica. Assim,

A educação profissional não é descolada tampouco é uma oferta educacional com ênfase no mercado. Há necessidade de dirigentes educacionais, educadores e demais atores da sociedade perceberem a educação profissional como articuladora entre o mundo do trabalho-tecnologia e o mundo propedêutico ciência e valores éticos. [...] Embora o Decreto Federal preceitue a não exigência de escolaridade prévia para o nível básico [...] sugere-se às instituições responsáveis pela educação profissional, buscar articulação com a rede regular de ensino para que se garanta o ingresso, continuidade e terminalidade da educação básica fundamental, oportunizando a elevação da cultura do trabalhador e ascensão aos níveis mais avançados da educação profissional (MATO GROSSO, 1998, p.20-36).

Apesar da aparente pretensão, o conteúdo do documento evidenciava o acordo com as

diretrizes do Decreto 2.208/97. Tudo indica que os rumos dados nas elaborações para a

educação profissional seguiram em direção às diretrizes do Ministério e da sistemática dos

manuais do Proep, demonstrando que, num governo no qual o dissenso se tornava uma

constante, as políticas se revelam instáveis e frágeis e abriam espaço para as interferências

externas.

Page 104: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

102

Os documentos produzidos pela equipe técnica a partir do acordo com o MEC

incorporaram as concepções de reforma do governo federal, configurando uma relação de

parceria subalterna em detrimento do avanço das concepções até então desenvolvidas. Por

esta razão, os interesses do Estado nos recursos do Proep determinariam a prioridade e

decidiriam para a classe trabalhadora a educação profissional desarticulada.

Aliás, foi possível identificar aspectos que evidenciavam conflitos de natureza

conceitual nos próprios textos dos projetos que preconizavam a reforma de acordo com as

orientações do Proep. A defesa de ideais contrários, num mesmo documento, leva a inferir

que no interior da equipe técnica não havia clareza teórica acerca da temática. Pode-se

verificar no texto que expressava a missão dos Cenfor:

promover a educação profissional através da estreita parceria com a comunidade, para garantir ao trabalhador contemporâneo o domínio dos conhecimentos científicos e tecnológicos, proporcionando-lhes a melhoria de qualidade de vida e conseqüentemente fortalecimento da economia (PEC’s, 1999, formulário 3),

na epígrafe, que essa missão dos Centros se alargava ao englobar a garantia de

conhecimentos científicos e tecnológicos ao trabalhador contemporâneo. Isso demonstrava o

reconhecimento, por uma parte da equipe, da necessidade de se insistir em propostas

pedagógicas para formar trabalhadores com condições de enfrentar as exigências desiguais do

mundo do trabalho.

O movimento dessas contradições também se expressava no texto da Lei

Complementar nº. 49/98, que reorganiza o sistema educacional de Mato Grosso, em que se

explicitam de duas tendências: a que saía em defesa da educação profissional articulada ao

ensino médio nas escolas estaduais e outra que propunha a educação profissional nos Cenfor.

Assim, observam-se características baseadas na concepção de currículo centrado no trabalho

enquanto fator de humanização:

Page 105: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

103

o ensino médio, etapa final da educação básica, terá como finalidade: [...] a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática. [...] a preparação básica para o trabalho de modo a ser capaz de adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores (LC nº 49/98).

Na seção IV da referida Lei nota-se que o ensino médio estaria voltado para a

complementação do ensino fundamental e prosseguimento de estudos e garantiria a

articulação com conteúdos voltados para a preparação das bases científicas e tecnológicas do

mundo do trabalho. Essa proposta demonstrava uma compreensão de currículo que tomaria o

trabalho como eixo na busca da superação da dualidade estrutural e, assim, não se submeteria

a clientela a um curso acadêmico de caráter abstrato e unitário. Percebe-se na epígrafe que tal

proposta não se referia aos Cenfor, mas a educação profissional poderia se dar nas escolas

estaduais. Isso remetia à proposta do documento Novas Perspectivas para o Ensino Médio do

ano de 1997.

O desafio, portanto, estava posto: a legislação garantiria a possibilidade de formação

científico-tecnológica associada à sócio-histórica nas escolas da rede estadual de ensino. Mas

deve ser lembrado que uma concepção, mesmo que seja a ideal, a desejada, “só ganha

concretude quando tomada em relação às condições reais de sua implantação” (KUENZER,

2000b, p.37). Esta verificação passa pelos problemas das condições estruturais das escolas,

como laboratórios, bibliotecas, espaços físicos adequados ao tipo de clientela; de programas

de formação continuada para os professores e, ainda, da reforma curricular.

Entretanto, é importante registrar que, naquele ano de 1998, a matrícula no ensino

propedêutico de caráter abstrato já atingia um total de 71.598 alunos, uma vez que a Seduc

ainda permanecia no âmbito das formulações políticas, o que demonstrava que apesar da

abertura na LC 049/98, a realidade mostrava o caminho oposto.

Page 106: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

104

Percebe-se, durante a análise, que os dirigentes da Secretaria haviam omitido, na

primeira versão do texto da Lei, a educação profissional via Cenfor, visto que foi referendada

em apenas dois parágrafos na seção do ensino médio, para que, no caso de vir a acontecer,

fosse “[...] mediante projetos específicos articulados com a vocação econômica da região na

qual a escola estava situada. [...] de forma concomitante ou posterior ao Ensino Médio”.29

Nota-se que a educação profissional se daria de forma simultânea ou posterior ao

ensino de nível médio. Contudo, percebe-se o acréscimo de uma outra seção, composta de seis

artigos e respectivos parágrafos, para tratar exclusivamente da educação profissional,

representando, desta vez, a tendência da defesa dos cursos nos Cenfor.

Avalia-se que o texto que referendava a educação profissional nos Cenfor foi incluído

na última hora, pois, apesar de sua reformulação, permaneceram os dois parágrafos na seção

referente ao ensino médio, ficando, portanto, contemplada nas duas seções a educação

profissional. É o que se pode ver no quadro a seguir.

Quadro 3 - Diretrizes na Lei Complementar 049/98

Seção IV - do ensino médio Seção V - da educação profissional

A educação profissional poderá se dar mediante projetos específicos articulados com a vocação econômica da região na qual a escola está situada.

A educação profissional articulada ao ensino médio deverá atender a situações de demandas específicas ligadas ao desenvolvimento local e regional, mediante projetos solidamente justificados.

A educação profissional poderá se dar de forma concomitante ou posterior ao ensino médio.

A educação profissional concomitante ou seqüencial à educação básica de nível fundamental e médio, porém sem substituí-la, poderá se dar nos Centros Públicos de Formação Profissional, implantados em regiões pólos de desenvolvimento do Estado.

Fonte: Mato Grosso. LC 049/98.

29 Lei Complementar nº 49 de 1º de outubro de 1998. Dispõe sobre a instituição do Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso e dá outras providências. Seção IV. Do Ensino Médio. Art. 74, incisos III e IV; Art. 77 §§ 1º e 2º.

Page 107: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

105

Tratava-se da influência dos consultores representantes das Escolas Agrotécnica

Federal de Cuiabá e Técnica Federal de Mato Grosso (hoje Cefet’s), os quais, ao tomar

conhecimento do conteúdo da primeira versão, encaminharam uma carta ao secretário de

Educação com uma cópia para a Assembléia Legislativa, na qual argumentavam:

ainda que o Plano de Metas do Governo Estadual tinha identificado como itens de solução dos problemas regionais a expansão do ensino profissionalizante; a orientação e capacitação tecnológica; a valorização do trabalho como estímulo à profissionalização e a qualificação da força de trabalho nota-se que em Mato Grosso não havia diploma legal que inserisse a educação profissional como forma de atendimento educacional a ser oferecido pelo Estado aos cidadãos [...] a educação formal mato-grossense não poderia ter como escopo a mera ascensão da educação básica para a educação superior.30

Esse documento alertava os dirigentes da Secretaria para o fato de que o Estado de

Mato Grosso já havia formalizado um compromisso junto ao Ministério da Educação que

resultara na sua participação nos recursos do PROEP para implementar Centros Públicos de

Formação Profissional.

É importante destacar que, naquele ano de 1998, o Governador, então candidato à

reeleição, encontrava-se em plena campanha para o seu segundo mandato e enfrentava

momentos de negociação entre os dez aliados para a formação de uma nova Frente,31

evidenciando que possivelmente existia “um aliado que queria a aliança com quem não a

queria e não a queria com quem a desejava” (BOBBIO, 1999, p.192), uma vez que ocorria a

ruptura entre aliados e a necessidade de agregar novos parceiros para garantir a sua reeleição.

Nesse contexto político, avalia-se que deixar de atender a uma solicitação das escolas da rede

federal não se constituiria em um bom negócio.

30 Carta de três laudas endereçada ao Secretário de Estado de Educação médico Fausto de Souza Faria, com uma cópia para a Assembléia Legislativa, no dia 08 de junho de 1998, assinada pela equipe de professores da Escola Técnica Federal de Mato Grosso e da Escola Agrotécnica Federal de Cuiabá: Abimael Antunes Marques, Dorval Rodrigues Júnior, Luiz Carlos de Figueiredo, Noel Alves Constantino e Nelson Yoshio Ito Suzuki, consultores e mentores do Projeto de Reforma da Educação Profissional da Secretaria. 31 A coligação Frente Cidadania e Desenvolvimento, no ano de 1998, reelege o representante do PSDB para o segundo mandato (período 1998-2002), desta vez aliando-se com o PMN, PSB e PV.

Page 108: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

106

No entanto, entre negar a educação profissional ou assumi-la, ganhavam espaço os

princípios que demonstravam consolidar as leis do mercado, passando pela idéia de separação

entre ciência e técnica e que estavam explícitos nos textos dos projetos financeiros orientados

pelos tecnocratas do Proep.

Notadamente nos momentos de formulação de natureza epistemológica, a partir das

consultorias contratadas pela Seduc, percebem-se sustentação teórica e coerência no rumo a

ser dado para as políticas. Julga-se que nos instantes em que as equipes técnicas se submetiam

ao trabalho burocrático e rotineiro este se tornava desqualificado, lento e restrito ao espaço de

atuação de cada equipe, o que é evidenciado nas constantes reformulações dos projetos. O

PEP foi aprovado após a 4ª versão, e os PEC na 3ª edição. Há indícios de que as influências

dos tecnocratas do Proep para que os projetos se adequassem às suas orientações ocorreram

num contexto de trabalho técnico precário, com espaços reduzidos para a reflexão da ação.

Leiam-se a respeito as observações seguintes.

[...] na verdade há um processo de desqualificação em curso, por essa doença da burocracia [...] A burocracia não é para ser competente, é para sustentar um conjunto de relações políticas que são mantidas muito mais por interesses partidários e/ou individuais do que por interesse de projeto político. [...] desse ponto de vista, a equipe técnica constrói a sua própria submissão.32

Na verdade, observava-se que o tempo político não se adequava ao tempo técnico,

pois foi possível notar certo “atropelamento” nas ações ao se verem aprovados em primeiro

plano os projetos escolares sem antes se definir o Projeto Estadual de Educação Profissional.

Pode-se considerar que se constituía prioridade assinar convênios e não o amadurecimento de

um conceito de projeto de educação profissional claro, amplo e consistente. Isso evidencia

que o modo de organização do trabalho interno da Seduc apresentava características da gestão

32 Profª Drª Acácia Zeneida Kuenzer, na época, consultora do ensino médio na SEDUC. Cf. em SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira. Dissertação de Mestrado. Mediadores do consenso: conflitos e ambigüidades nos encaminhamentos da educação mato-grossense (1997-1998), volume II Cuiabá, UFMT, Programa Integrado de Pós-Graduação em Educação, 2001, p.135.

Page 109: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

107

empresarial do modelo taylorista/fordista segundo a qual as decisões são feitas na gerência, a

quem compete o monopólio do conhecimento.

Para Kuenzer, mesmo um modelo de Estado absurdamente orgânico no concernente ao

movimento de reestruturação da economia [...] teria que ter um corpo técnico permanente,

altamente qualificado, estável, bem remunerado e comprometido com a utopia e, com certeza,

tais Estados, mesmo nos limites da sua proposta capitalista, seriam mais eficazes. 33

Enquanto o modo de organização interno da Seduc se deparava com os limites

impostos pela separação entre o trabalho dos técnicos e a tarefa de definição da política para a

educação profissional, a realidade social e o desenvolvimento das forças produtivas do estado

de Mato Grosso demandavam propostas educacionais voltadas para a democratização possível

de distintas alternativas para os jovens.

3.1 Como a educação profissional foi tratada nos Planos do governo

Em 1994, a Frente Cidadania e Desenvolvimento promoveu uma ampla mobilização da sociedade civil organizada para a construção de um novo modelo de gestão pública para Mato Grosso. Como resultado do engajamento de lideranças políticas, comunitárias, empresariais e dos trabalhadores, que contribuíram através do intenso debate de idéias e formulação de propostas, pela primeira vez, na história, concebeu-se o Plano de Metas-Mato Grosso 1995/2006 (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO, Plano de Metas, 1995).

O governo, desde o início, demonstrara a busca de estratégias que permitissem o

envolvimento da sociedade, de modo a fazer com que os diversos grupos se “expressassem

politicamente, participassem, direta ou indiretamente, na formação da vontade coletiva”

(BOBBIO, 1999, p.16). Este esforço evidenciava características da política de socialização do

poder por um governo que trilhava os caminhos da democracia.

33 Cf.Kuenzer. Acácia Zeneida. Entrevista. In: SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira. Dissertação de Mestrado. 2001, p. 121.

Page 110: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

108

As diretrizes expressas no Plano de Metas 1995-2006 anunciavam “promover a

transformação do Estado em instrumento de desenvolvimento para a cidadania” (PLANO DE

METAS, 1995, p,10), com fundamento, principalmente, no paradigma educacional e, no que

se referia à educação profissional, marcaram-se por uma proposta de caráter complementar

voltada para o alargamento dos direitos sociais dos trabalhadores. Apresentava, entre as

propostas do governo para responder aos diagnósticos levantados na comunidade mato-

grossense, a de “implantar Centros de Formação Tecnológica, visando a formação

profissional no nível de ensino médio, em regiões pólos do Estado, de acordo com as

potencialidades do mercado regional” (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO,

Plano de Metas, 1995).

Porém, ao analisar a negação da oferta de cursos técnicos desde 1996, segundo ano de

governo, percebe-se que a preocupação em se estender os direitos sociais os trabalhadores se

revelou numa política envolta de artificialidade. Existem indícios de que a extinção dos cursos

técnicos deu-se de forma autoritária e representou a vontade política dos “superiores” no

âmbito da gestão da Seduc, naquele dezembro de 1995, contrariando a vontade da maioria que

se fez presente aos seminários do primeiro semestre do mesmo ano. Como a própria

comunidade escolar e os trabalhadores não organizaram um movimento para a garantia dos

seus direitos,

essa minoria participante, então, definiu os rumos históricos a serem seguidos pela comunidade [...] sem oposição dos maiores interessados [...] que ao apresentar-se indiferente à participação, a classe subalterna reforça a visão do mundo dominante e admite o consenso em relação à ideologia em vigor (MARTINS, 2000, p.40).

Já em março de 1996, o governo do Estado de Mato Grosso demonstrava a pretensão

de levantar recursos para a implantação de Centros Públicos de Formação Profissional. No

documento encaminhado ao MEC, destacava que a prioridade, entre as ações do Plano de

Page 111: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

109

Metas, seria a reorganização do ensino médio e tecnológico, baseada na criação dos Cenfor. O

MEC por sua vez orientava as condições para o direito do Estado ao financiamento:

O Estado interessado em participar do PROEP deverá apresentar uma CARTA CONSULTA contendo informações referentes a: identificação da instituição, Termo de Adesão aos Princípios da Reforma e dados preliminares sobre a Proposta Educacional a ser elaborada (MEC, 1997d).

Lima Filho elucida que a consecução das orientações de reformas educacionais aos

Estados

[...] se dava por mecanismos de adequação variados, como por exemplo, o estabelecimento de condicionalidades para a concessão de financiamentos internacionais e critérios de utilização dos recursos. Esse foi o caso da Reforma da Educação Profissional no Brasil, com recursos do BID (LIMA FILHO, 2003, p.75).

No final da primeira gestão desse governo, a Secretaria solicitava à Procuradoria Geral

do Estado providências legais quanto à criação dos Cenfor para cumprir determinações do

Decreto 2.208/97 e da Portaria 1266/95/SEDUC. Propunha-se que “esses Centros iriam

oferecer educação profissional compreendendo os níveis básico e técnico: o nível básico [...]

independente de escolaridade e o nível técnico [...] a alunos matriculados ou egressos do

ensino médio”. 34

O texto do Plano de Governo referente ao período 1998-2002 apresentava nas

primeiras páginas o contexto das transformações econômicas, sociais e políticas que vinham

ocorrendo no mundo, as quais afetavam, particularmente, a economia nacional e os estados, e

argumentava que, em função disso, seria imperioso adotar como estratégia de

desenvolvimento e competitividade para Mato Grosso a “construção de um Estado necessário

e eficiente; redução dos desequilíbrios regionais e sociais; integração, inserção competitiva e

34 Este trecho evidencia que, naquele ano de 1997, a SEDUC, procurava atender às diretrizes do PROEP. Ver. Ofício nº 1.459/97 de 30 de dezembro de 1997, assinado pelo Secretário Fausto de Souza Faria e endereçado ao Ilmo. Dr. João Virgílio do Nascimento Sobrinho, Procurador Geral do Estado.

Page 112: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

110

modernização produtiva” (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO, Plano de

Metas, 1995).

Destacava-se em tais dimensões a necessidade de ajustar o aparelho estatal como parte

orgânica do movimento da economia e do trabalho que, conseqüentemente, impunha novas

formas de relações sociais, alterando a política.

Nesse Plano de Governo, observa-se uma concepção de política governamental

centrada em quatro macroquestões: econômica; social; político-institucional e ambiental, as

quais compreendiam os eixos estruturadores do processo de desenvolvimento do estado.

Daquela vez a educação e capacitação profissional eram consideradas categorias ligadas à

questão econômica por serem vistas como indispensáveis para assegurar competitividade à

agroindústria e, por conseguinte, ao crescimento da economia do estado.

Todas as regiões do país são afetadas pelos cenários macroeconômicos [...] mas os rebatimentos sobre a estratégia de desenvolvimento de Mato Grosso são particularmente significativos, especialmente em termos de [...] investimentos em ciência e tecnologia educação e capacitação profissional, para elevar os padrões de competitividade das atividades econômicas regionais (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO, Plano de Metas, 1998, p.15,16).

O fato de o governo optar por associar a educação aos processos econômicos remete

aos escritos de Frigotto, o qual argumenta que a educação apresenta-se historicamente como

um campo de disputa, que se dá de diferentes formas, inclusive dos interesses de classes. Para

o autor, na perspectiva das classes dominantes, “a educação dos diferentes grupos sociais de

trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente para o

trabalho” (FRIGOTTO, 2003, p.26). A proposta do Plano de Governo lembrava, de fato, a

concepção voltada para a adequação dos processos educacionais às restritas mudanças

tecnológicas.

Page 113: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

111

No que concerne à política de qualificação profissional, nota-se uma nova

racionalidade, visto que o governo apontava para a inversão do papel da educação e

capacitação profissional, que passava de condição básica para a cidadania, referendada no

Plano referente à primeira gestão, a eixo estruturante do processo de desenvolvimento e de

competitividade.

Isto é o que se vê descrito no trecho seguinte.

A educação transcende a obrigação social do Estado. Associada ao desenvolvimento científico e tecnológico, ela é, também, uma pré-condição fundamental para o sucesso da estratégia de desenvolvimento. Sem educação e sem tecnologia, não há como assegurar um nível adequado de eficiência, produtividade e competitividade para a economia regional, indispensável à ampliação dos seus mercados, nos planos nacional e internacional (FRIGOTTO, 2003, p. 27).

Por esta trilha, pode-se perceber que a defesa da educação básica geral no Plano

referente ao segundo mandato ficava subordinada à globalização, competitividade, eficiência,

integração regional e nacional, flexibilidade e tecnologia, conceitos que, embora revestidos de

um novo conteúdo, representavam na prática as mesmas contradições da relação capital-

trabalho.

A classe política, nesse aspecto, parecia reconhecer que o baixo nível de escolaridade

da população mato-grossense se constituía em obstáculo para o crescimento da economia,

pois a “educação de qualidade passou a ser condição básica para o sucesso da estratégia de

desenvolvimento do Estado, [...] ampliar a oferta de vagas no ensino médio em 50% e reduzir

para 10% as taxas de evasão e repetência no ensino fundamental” (FRENTE CIDADANIA E

DESENVOLVIMENTO, Plano de Metas, 1998, p. 47).

No segundo mandato, o Governo admitira a necessidade de convergência com as

ações do Governo Federal, aliás, o próprio Governador, que iniciara seu mandato no PDT,

mudara para o PSDB. Assim, a política pública para Mato Grosso “deveria convergir com a

Page 114: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

112

política nacional para a realização de objetivos comuns de desenvolvimento econômico e

avanço social, numa ação sinérgica e de mútuo esforço” (FRENTE CIDADANIA E

DESENVOLVIMENTO, Plano de Metas, 1998, p.18).

A concepção de Estado do Governo Federal baseava-se em um modelo de

administração pública empresarial, centrado na lógica eficientista, o que constituiu um dos

condicionantes do movimento de consolidação da reforma do Estado de Mato Grosso e, em

particular, da educação. Isto lembra as idéias de Luxemburgo sobre o caráter do modo de

produção da sociedade capitalista, que influi na política:

Sem dúvida, o próprio desenvolvimento capitalista modifica essencialmente o caráter do Estado, [...] se ele se impõe a si mesmo, no interesse do desenvolvimento social, funções de interesse geral, é unicamente porque e somente na medida em que esses interesses e o desenvolvimento social coincidem, de uma maneira geral, com os interesses da classe dominante (LUXEMBURGO, 2001, p. 50-51).

A omissão das diretrizes para a educação profissional na segunda parte do Programa

de Governo, referente ao segundo mandato, entre as vinte e três políticas contidas em cinco

grandes objetivos de longo prazo, negou-se que se operacionalizasse a educação dos

trabalhadores e pode ter nascido de um consenso político:

1-Promover o Desenvolvimento para a Cidadania – abrangendo as seguintes políticas: emprego e renda; educação; saúde; saneamento; habitação; cultura; justiça e cidadania; segurança pública; desporto e lazer; promoção social; e povos indígenas; [...] 2-Transformar Mato Grosso em Importante Pólo Agroindustrial- contemplando as políticas de energia; transporte; desenvolvimento agropecuário e florestal; desenvolvimento industrial e comercial; desenvolvimento científico e tecnológico; [...] 3- Assegurar a Conservação da Biodiversidade - a partir das políticas de meio ambiente; desenvolvimento mineral e desenvolvimento do turismo; [...] 4-Promover a integração Regional e Internacional - abrangendo as políticas de promoção e integração econômica e cultural; [...] 5- Assegurar o Equilíbrio Fiscal - contemplando as políticas de administração fiscal, administração geral, patrimonial, de recursos humanos e de planejamento (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO. Plano de Metas [...]&Programa de Governo [...], 1998, p.42).

Page 115: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

113

Contudo, parece que esta ampla proposta ia além do pacto entre as forças políticas,

daquela vez com apenas quatro partidos, visto que se pode inferir que também passava pela

questão de manter o apoio da população, que ainda apostava nas possibilidades de

crescimento econômico-social do Estado.

Nota-se, na primeira parte do Programa de Governo, que ao estabelecer as políticas

estratégicas para o período 1999/2002, a educação dos trabalhadores se constituía um

privilégio da agroindústria. Porém, na organização da segunda parte do mesmo documento, ao

se desdobrar e estruturar cada um desses objetivos em tópicos específicos com suas

respectivas políticas, a educação profissional foi omitida. Ao analisar detalhadamente cada

meta no corpo de todo o documento, verifica-se que a operacionalização da educação dos

trabalhadores deste estado ficou no vazio.

Priorizou-se a ênfase na expansão da oferta do ensino médio de educação geral em até

50% no Programa de Governo. Todavia, não se poderia deixar de considerar que a formação

profissional é também um componente fundamental para o processo de democratização dos

direitos sociais dos trabalhadores mato-grossenses, pois a proposta de currículo unitário e

abstrato no ensino médio, por si só, não lhes garantiria tais condições. Compreende-se, por

outro lado, que o destaque dado à ampliação da oferta da educação básica, no caso específico

do estado de Mato Grosso, não se tratava da lógica marcada pelo uso da formação generalista

como um mecanismo regulador de tensões frente a um mercado restrito, mas, sobretudo,

devia-se à existência de significativa parcela da população economicamente ativa que

demonstrava total ausência ou poucos anos de escolaridade.

Além disso, entende-se que a ampliação da educação básica e a oferta da educação

profissional não deveria se restringir apenas às políticas de promoção do crescimento

Page 116: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

114

econômico, mas, sobretudo, constituir um pressuposto para o alargamento das possibilidades

e condições de acesso aos bens culturais e sociais.

Particularmente, verificou-se que o fato de o Governo propalar a necessidade de

fortalecer a agroindústria e o desenvolvimento econômico do estado, atrelado a um programa

de capacitação técnica, ocorreu sob a alegação de que permanecia entre as causas do

desenvolvimento incipiente a serem reduzidas o déficit de mão-de-obra qualificada. Mas,

apesar dessa propagação, há indícios de que os interesses e esforços para a implementação da

política de educação profissional centravam-se na elaboração de projetos técnico-financeiros.

Os escritos do Plano de Expansão da Educação Profissional, PEP-MT,35 organizavam

a oferta pública através de oito Cenfor e 80 escolas da rede estadual, para proporcionar

qualificação a 60% da massa trabalhadora do estado. O atendimento se daria com a garantia

de cursos básicos de curta duração para os sem escolaridade e cursos técnicos para os

matriculados ou egressos do ensino médio. Entretanto, nota-se que tais alternativas de

educação para a classe trabalhadora emperravam frente à máquina burocrática no âmbito

interno da Secretaria, nos aspectos econômicos e nas decisões políticas.

Para se constatar quais eram as bases financeiras para o sustento dessas propostas,

optou-se, neste trabalho por realizar uma análise nos planejamentos orçamentários a partir do

ano de 1999, época em que os Projetos Escolares foram aprovados pelo PROEP/MEC, que

conseqüentemente passaria a exigir da Secretaria a definição de orçamento para a manutenção

da educação profissional nos CENFOR e nas 80 escolas estaduais.

35 O PEP/MT/2000 propunha a reorganização da educação profissional através da ampliação da oferta de

vagas; diversificação dos cursos, atendendo à demanda de mercado em cada região do estado; modernização das instalações físicas e dos equipamentos escolares; qualificação dos gestores e docentes dos CENFOR; adequação dos currículos ao mercado de trabalho; modernização das metodologias de ensino; instituição de sistemas de avaliação, do sistema e dos egressos; criação de oito Centros Públicos de Formação Profissional; oferta de cursos técnicos através de escolas via projetos previamente aprovados pela SEDUC; criação da Câmara de Educação Profissional no âmbito do Conselho Estadual de Educação; fortalecimento do modelo de gestão participativa através da criação dos Conselhos Multi-Institucionais; fortalecimento do Órgão Gestor na SEDUC, através do desenvolvimento de vários cursos de capacitação e contratação de Consultoria.

Page 117: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

115

A busca da governabilidade frente à diversidade de partidos dava-se com o Programa

de Governo, o Plano de Metas e a utilização de outros Planos: Plurianual, Planejamentos

Estratégicos e Planos de Ação. Esses instrumentos, bases do planejamento para o serviço

público, tinham a finalidade de estabelecer as diretrizes, objetivos e metas da administração

pública para a organização das despesas de capital e outras delas decorrentes. Portanto, nota-

se que essas estratégias metodológicas evidenciavam a opção do governo de Mato Grosso no

período 1998 a 2002 por estabelecer um esforço para implementar uma administração

gerencial voltada para resultados.

Tratava-se do que se registrou anteriormente: estavam postas as condições de

legitimação de um modelo de Estado gestor com ênfase na eficiência e eficácia. Há evidências

deste modelo na distribuição dos recursos no Plano Plurianual do Governo, em que se definiu,

particularmente para a diretriz “implementação de oito Centros Públicos de Formação

Profissional”, apenas parte de recursos do Tesouro do Estado e se delegou à Secretaria de

Estado de Educação a responsabilidade pela sua implementação:

ação 01- Construção e implementação de Centros Públicos de Formação Profissional nos Municípios de Rondonópolis; Barra do Garças; Sinop; Alta Floresta; Tangará da Serra; Matupá; Juara e Diamantino, até dezembro de 2003. [...] Fontes de Financiamento : Tesouro do Estado – R$ 4.316.000,00 (quatro milhões, trezentos e dezesseis mil reais); [...] Outras Fontes: R$17.323.000,00 (dezessete milhões, trezentos e vinte e três mil reais) (MATO GROSSO. Governo do Estado. Plano Plurianual, 1998-2003).

Observa-se que, tanto no Planejamento Estratégico como no Plano de Ação da Seduc

(1999–2003), também está garantido, nos objetivos e suas respectivas estratégias e ações para

a educação profissional, “[...] Implementar 08 Centros Públicos de Formação Profissional, em

municípios pólos do Estado. [...] Implementar em 80 escolas estaduais o Plano de

Reordenamento da Educação Profissional”.

Page 118: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

116

Apesar de se demonstrarem, no âmbito dos planejamentos, as ações referentes à

educação profissional, ao confrontar esses planos com o resultado dos relatórios de atividades

desenvolvidas pela equipe de educação profissional, nota-se que os objetivos propalados nos

documentos oficiais não ocorreram na prática. Portanto, foi possível verificar que para as

metas definidas não havia base financeira no tesouro do Estado.

Esse vazio de práticas de educação profissional em Mato Grosso remete à reforma

proposta pelo governo federal, que refletia a sua falta de responsabilidade para com o ensino

técnico nas escolas da rede federal de ensino, podendo-se inferir da mesma forma no Estado

de Mato Grosso.

Os embates apresentados entre as formulações que ora defendiam a criação de uma

rede paralela ora reivindicavam a sua união podem ter a ver também com a perspectiva de

redução do papel do Estado na educação dos trabalhadores. Sabe-se que o custo do aluno do

curso profissionalizante é maior que o custo do aluno do ensino médio regular. Assim, o fato

de a Secretaria optar pela separação das redes, ou melhor, pela extinção dos cursos

profissionalizantes, priorizou a via da expansão da oferta do ensino de formação propedêutica,

que ensejava menor custo.

A universalização do ensino fundamental e a expansão do ensino médio para atender

ao déficit histórico de escolaridade da população contrariavam o conceito de eqüidade,

definido como um dos tripés da educação no Plano de Metas. Avalia-se que a negação aos que

conviviam com múltiplas realidades da possibilidade de acesso ao ensino médio

profissionalizante mostrava a omissão do Estado com esse conceito. A análise conduzia a

interpretar que a reforma do ensino médio profissionalizante teve como pressuposto a opção

pela racionalidade financeira e a redução do espaço público democrático, marcadas pelo

mesmo realinhamento às políticas educacionais do governo federal.

Page 119: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

117

Isto posto, julga-se que a reforma instituída no Mato Grosso legitimou, apesar das

contradições, um projeto consensual que ia além das fronteiras de um governo pluripartidário,

mas representava influências externas ao absorverem ideais do mercado e da política do

governo de âmbito federal.

Não obstante a evidência da proposta flexível de 1997 para atender às peculiaridades

e diversidades do estado, quando se analisa o Planejamento Estratégico da Seduc nota-se que

a alternativa de integração de ciência e técnica, no âmbito do ensino médio das escolas da

rede estadual, não saiu do papel, já que esta meta foi posteriormente reformulada, reduzida e,

finalmente, cortada.

Pode-se verificar no quadro abaixo que as ações propostas no Planejamento

Estratégico que dependiam, para a sua realização, de recursos do Tesouro do Estado sofreram

um processo de estagnação. As reformulações posteriores nos Planos de Ação apresentaram a

redução da meta “implantar cursos técnicos em 80 escolas estaduais” que, por fim, apontavam

no Plano de Ação de 2002 para apenas 2 escolas, as quais também não foram contempladas.

Dessa forma, pode-se constatar que a proposta de articulação de ciência e técnica era

escamoteada diante da concretização de propostas pedagógicas para o ensino médio na

perspectiva de currículo abstrato voltado para a formação generalista.

Quadro 4 - Síntese das ações da Equipe de Educação Profissional

Ação Período Recursos Situação até dezembro de 2002 Realizar seminários sobre matrizes curriculares dos cursos técnicos a serem implantados em 80 escolas estaduais.

2001/2003 SEDUC / PROEP

Ação não realizada. Realizaram-se 3 seminários para difundir a reforma via CENFOR.

Divulgar o Plano da Educação Profissional nas regiões a serem atendidas: 1ª etapa: 2001-15 escolas; 2ª etapa: 2002-25 escolas; 3ª etapa: 2003- 40 escolas.

2001/ 2003 SEDUC Ação não realizada. Foram realizados 2 seminários em Cuiabá para divulgar o Plano de Expansão da Educação Profissional.

Capacitar e adquirir equipamentos para a Equipe Central na SEDUC.

2000/2002 PROEP Parcialmente realizada.

Elaborar projeto para implantar a educação profissional nas escolas: 1ª etapa: 2001-15 escolas; 2ª etapa: 2002-25 escolas; 3ª etapa: 2003- 40 escolas.

2001/2003 SEDUC No Plano de Ação de 2002 a meta foi reduzida para apenas 2 escolas.

Page 120: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

118

Edificar e equipar com material de ensino-aprendizagem e laboratório 03 salas nas 80 escolas estaduais para implantação de cursos técnicos.

2001/2003 SEDUC Ação não realizada – constava do Plano de Ação de 2002 previsão para 2 escolas.

Capacitar docentes para atuar nos cursos técnicos das escolas e nos CENFOR;1ª etapa: 2001-15 escolas; 2ª etapa: 2002-25 escolas; 3ª etapa: 2003- 40 escolas.

2001/2003 SEDUC Ação não realizada. Não houve aprovação de projetos para os cursos técnicos nas escolas.

Assessorar as escolas públicas e privadas que implantarem cursos de educação profissional.

2000/2003 SEDUC Realização de assessoria técnica às escolas privadas.

Elaborar Ante-Projeto de Lei que regulamenta a estrutura organizacional do sistema dos CENFOR.

2000/2001 SEDUC Lei aprovada em dezembro de 2002.

Construir e equipar 08 (oito) CENFOR. 1ª etapa - Barra do Garças; Rondonópolis; Sinop e Alta Floresta . 2ª etapa-Tangará da Serra; Juara; Diamantino e Matupá.

2001/2002 PROEP Ação parcialmente realizada: quatro primeiros Centros foram construídos e parcialmente equipados.

Constituir o Conselho Multi-institucional dos 08 CENFOR: 1ª etapa – 2001; 2ª etapa – 2002

2001/2002 PROEP Ação realizada nos CENFOR de Alta Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis e Sinop através de consultoria.

Repassar, bimestralmente, recursos financeiros para a manutenção de cursos nos 08 CENFOR.

2001/2002 SEDUC Repasses efetuados nos CENFOR inaugurados em 2002 para serviços de limpeza e vigilância.

FONTE: SEDUC/Plano de Ação e relatórios de atividades da Equipe de Educação Profissional de 2000, 2001,

2002.

O recuo no Plano de Ação da Seduc em relação ao previamente concebido leva a

considerar que a junção de socialistas e neoliberais no mesmo governo ocasionou um campo

de disputa quanto à função social da educação. Há indícios de defesas de um conceito de

educação que tomava as transformações tecnológicas como pressuposto determinista da sua

função e de um outro, voltado para a garantia da relação entre educação e trabalho para a

apreensão crítica da realidade e condições de oportunidade para todos. A política educacional

implementada nas escolas caminhou em direção ao currículo de ensino médio generalista. Por

esta razão, pode-se inferir que as idéias antagônicas nas formulações políticas para o ensino

médio e para a educação profissional não se tratavam da explicitação de um embate que fosse

novo, mas, “apenas de questões e problemas que assumem um conteúdo histórico específico

dentro das novas formas da sociabilidade capitalista” (FRIGOTTO, 2003, p.29).

Page 121: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

119

No contexto do embate político, teórico e técnico nota-se, no caso específico da

temática em questão, que não houve democratização do espaço público, uma vez que a

organização das diretrizes e metas foi direcionada para a redução das possibilidades de

alternativas de formação em nível médio.

Neste contexto, avalia-se que o controle do fundo público atendeu à propagação da

eficácia nos Plano do Governo, pois, “face à aguda escassez dos recursos públicos, é

fundamental que eles sejam utilizados da forma mais econômica e eficaz possível. Para a

objetivação da maximização dos resultados, os instrumentos devem ser aperfeiçoados [...] no

sentido de fazer certo as coisas certas” (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO.

Plano de Metas, 1998, p.20).

Assim, pode-se inferir que, naquele contexto econômico e político vivido pela

Secretaria, o corte realizado na meta que garantiria a oferta da educação profissional para os

trabalhadores mato-grossenses, do ponto de vista dos dirigentes, estaria se constituindo numa

adequação de mecanismos para o direcionamento de uma política de redução de custos. Aliás,

o próprio governo admitia, já no início da sua segunda gestão, que

a incapacidade do Governo para uma ação mais abrangente que possa atender todo o amplo espectro de carências e dificuldades que afligiam as regiões e comunidades pobres do Estado, [...] impunham-se o penoso dever de fazer opções, eleger prioridades [...] (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO. Plano de Metas, 1998, p.20).

Diante disso, julga-se que o corte realizado pela equipe de planejamento da Secretaria

de Estado de Educação na ação “implantar cursos técnicos em 80 escolas da rede estadual”

ocorreu em um contexto de processo de seletividade das ações prioritárias. A exclusão das

possibilidades de educação técnica nas escolas públicas e o longo período de espera para o

funcionamento dos Cenfor pressupunham a negação à classe trabalhadora de mais uma

possibilidade de emancipação frente às exigências e ao estreitamento das oportunidades no

Page 122: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

120

mercado de trabalho do estado. Em função disso, torna-se importante refletir se a busca da

ampliação do espaço democrático difundida nas formulações teóricas e nos Planos de

Governo revelou-se negada diante do controle antidemocrático do fundo público e da

definição das ações nos planejamentos.

O fato de o governo optar por reorganizar o Estado baseando-se na alegação da

necessidade de concentrar suas ações nas áreas em que sua presença seria essencial se dava

sob a lógica de que “o viés estatizante e centralizador deveria ser substituído pelo

compromisso firme de desestatização, de descentralização e de delegação de competências

[...]” (FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO. Plano de Metas, 1998, p.61), que

pode ter aberto precedentes para a ausência do Estado na educação técnica e alargado as

possibilidades para a atuação das instituições particulares de ensino.

Os dados do Censo confirmavam a ampliação do espaço privado na educação

profissionalizante e a desresponsabilização das instâncias governamentais estadual e federal,

visto que a história deste nível de educação mostra que ele nunca mereceu a atenção dos

setores públicos (MANFREDI, 2002, p.147).

Observou-se que o rumo dado às diretrizes de 1997 resultou no Plano Estadual de

Ensino Médio-PEM através do Projeto Apoena: a Escola Jovem de Mato Grosso, financiado

pelo PROEP. O PEM previa investimentos nas áreas técnico-pedagógicas e administrativas

em 24 escolas do ensino médio de 19 municípios do estado. O texto do referido projeto

apontava a criação da “nova” identidade para o ensino médio com base na concepção de

currículo acadêmico, proposta que negava a história que vinha sendo construída juntamente

com a comunidade escolar nos longos momentos de debates na capital e no interior do estado.

Verificava-se, novamente, que, à medida que a parceria do governo estadual se estreitava com

Page 123: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

121

o MEC, este demonstrava ser influente na definição do caminho a ser dado para as

formulações políticas.

A compreensão de que para Mato Grosso as propostas de mudanças para o ensino

médio não deveriam se constituir em uma via de mão única, como uma fôrma a ser usada de

maneira idêntica para todas as regiões, demonstrava novamente a ação de influências de

grupos internos e externos. Apesar da tentativa de retomada dos trabalhos nos anos 2000, na

prática já estava se programando o oposto.

Deste modo, infere-se que os limites impostos pela falta de recursos para a reforma

curricular e a forte pressão da demanda pela ampliação da oferta da educação básica podem

ter contribuído para o não avanço da proposta de 1997. Esta situação indicava aspectos

estruturais que ainda estão por ser resolvidos, concernentes à realidade social, econômica e

política.

Não se pode negar, por outro lado, que a tentativa de iniciar a reforma do ensino

médio a partir de experiências piloto em um grupo de escolas significava uma atitude

comprometida com a gestão de recursos públicos. Porém, corria-se o risco de criar um

“gueto” de escolas diferenciadas que poderiam não produzir o efeito multiplicador esperado,

dadas as condições e realidades das demais escolas do Estado, que dependiam em primeira

instância de investimentos em infra-estrutura física.

O governo do Estado, ao definir a educação básica como política prioritária por meio

do Projeto Apoena, propunha uma nova concepção de currículo que buscava pensar o jovem

em sua totalidade e considerava a relação dinâmica que se estabelecia entre ele e o mundo

onde se inseria. Resta saber se as escolas por si só apreendem as contradições das relações

sociais que perpassam a realidade concreta dos jovens e dos professores, realidade essa que

inclui a questão do desenvolvimento de um intenso programa de formação continuada para

Page 124: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

122

todos os docentes e da garantia de estrutura física, financeira e pedagógica para as escolas.

Aliás, verificou-se que até dezembro de 2002, o Projeto Apoena também não tinha saído do

papel. Ainda que segundo a proposta a reestruturação curricular ocorreria em apenas 24

escolas do ensino médio, a Secretaria emperrava em meio à burocracia para a liberação e

aplicação dos recursos necessários para que se viabilizasse o projeto.

Pode-se ver, portanto, que a proposta de características socialistas e a reforma

preconizada à luz do Decreto Federal de marcas conservadoras não foram colocadas em

prática. Verificavam-se apenas formulações marcadas por embates teóricos e técnicos e que

resultaram na busca de recursos externos junto ao Proep. Infere-se disto que a ausência de um

caminho concreto para a política educacional que contemplasse as diretrizes definidas para o

ensino médio e a educação profissional no âmbito do Estado fatalmente abriu espaços para

manobras e concessões.

Aliás, torna-se importante registrar que a equipe da educação profissional também

procurou alargar o debate com a sociedade, no seminário Educação Profissional, princípios e

conceitos para Mato Grosso,36 que teve o objetivo de propagar junto à sociedade civil

organizada a idéia de que se pretendia uma nova educação profissional no estado de Mato

Grosso a partir da parceria entre setor produtivo e os Cenfor. Apesar de o governo ter

demonstrado mais uma vez o esforço de criar espaço para a participação dos diversos

segmentos da sociedade, com a mobilização e o envolvimento dos mesmos na produção de

36 Evento realizado nos dias 08 e 09 de outubro, que contou com a participação maciça de representantes das diversas instituições como o Conselho Regional de Serviço Social, o Conselho Estadual de Educação, a escola Fundação Bradesco, a Universidade Federal de Mato Grosso, a Secretaria Estadual de Agricultura, o SEBRAE, a Associação Comercial de Cuiabá, a Junta Comercial de Mato Grosso, a FAMATO, o SENAC, a Prefeitura Municipal de Cuiabá, Secretaria de Estado de Turismo, Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Delegacia Regional do Trabalho, Associação Comercial de Várzea Grande, Faculdade Cândido Rondon, CREA, SESI, SESC, SENAR, Escolas Federais, Assembléia Legislativa, Faculdades Unidas de Várzea Grande, FIEMT, SINE, Instituto Euvaldo Lodi, Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público, Secretaria Municipal de Cuiabá, SENAI e UNIC, inclusive professores e diretores de escolas, contando com a presença de palestrantes como Francisco Aparecido Cordão, do Conselho Nacional de Educação: Vítor Brum, representante da SEMTEC-MEC: Valter Albano, Secretário de Fazenda: Orenci Francisco da Silva, presidente da CUT e outros.

Page 125: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

123

políticas públicas, nota-se que não houve críticas por parte dos presentes ao modelo de

educação que se estava difundindo. Isto evidencia, tanto no caso das diretrizes para o ensino

médio de caráter articulado como para a educação profissional de natureza desarticulada, a

tendência da comunidade no sentido de acatar os rumos apontados pela Seduc.

Entretanto, um outro seminário foi realizado, em agosto de 2000, para o lançamento da

Proposta de Reorganização da Educação Profissional aprovada pelo Proep, que contou, desta

vez, com uma platéia composta em sua maioria de adolescentes, alunos da rede pública,

professores e diretores de escolas, o representante do MEC, Prof. Raul David do Valle, então

diretor executivo do Proep e o governador do Estado de Mato Grosso. Conclui-se, então, que

mobilizar o setor produtivo para ser parceiro na implantação de políticas de formação de

trabalhadores, diante do descompasso apresentado entre um setor que se modernizava e se

fortalecia na economia e na política do Estado e demais segmentos menos expressivos da

economia, não mais se constituiria uma necessidade do governo, posto que os projetos

financeiros já haviam sido aprovados pelo Proep/MEC.

Nesse vazio de prática de educação profissional houve seis trocas de secretário,

conforme se demonstra no quadro 5 abaixo, e a equipe de educação profissional mergulhou

num trabalho intenso, burocrático e rotineiro de elaboração de documentos que resultaram nos

convênios assinados com o MEC e nos processos de licitação para as obras dos Cenfor de

Alta Floresta, Sinop, Barra do Garças e Rondonópolis e aquisição de equipamentos. Por outro

lado, não se adotava o mesmo empenho em relação à necessidade de se definir a

aplicabilidade da proposta pedagógica dessas instituições, que passava pela necessária seleção

de currículos, capacitação dos docentes, elaboração dos Projetos Político Pedagógicos,

aprovação de Planos de Curso e matrículas dos alunos.

Page 126: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

124

Quadro 5- Titulares da pasta da SEDUC no período 1995/2002

Ord. Titular da pasta da SEDUC Formação profissional

Partido Período

1º Valter Albano da Silva economista PDT 01/01/1995 a 09/01/1996

2º Carlos Alberto Reis Maldonado advogado PT 10/01/1996 a 04/03/1997

3º Fausto de Souza Faria médico PMDB 05/03/1997 a 04/01/1999

4º Antonio Joaquim Rodrigues Neto engenheiro PSDB 05/01/1999 a 27/03/2000

5º Carlos Carlão do Nascimento engenheiro PSDB 28/03/2000 a 05/04/2002

6º Marlene Silva de Oliveira Santos pedagoga PSB 06/04/2002 a 31/12/2002

Fonte: SEDUC. Assessoria de Eventos, agosto/2005.

Ainda que a realidade de uma estrutura burocrática na Secretaria não permitisse a

fluidez das ações relacionadas à educação profissional, que por diversas vezes ficaram

pulverizadas entre as demais equipes37 do aparelho estatal, vê-se que houve empenho político

e técnico para viabilizar a aplicação dos recursos destinados às obras e aquisição de

equipamentos.

Sugere-se que no final de governo a Seduc reconhecia o fracasso da proposta de

educação profissional via Cenfor, visto que procurava preencher o vazio por meio do contrato

de alguns cursos prontos da antiga Escola Técnica Federal, atualmente Cefet-MT. Tratava-se

então de delegar a uma instituição com trajetória histórica na educação profissional a

responsabilidade de organizar a confusão permitida pelo governo estadual. O contrato com o

Cefet tomou como fundamento a transferência da coordenação e funcionamento de cursos

técnicos e básicos nas áreas da informática, construção civil e hotelaria dos Cenfor de Alta

Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis e Sinop. 37 Assim, notava-se a soma de esforços de diversas equipes no interior da Secretaria: à Rede Física coube o acompanhamento dos projetos de construções; a equipe de licitação do Fundo Estadual de Educação se responsabilizou pela aquisição dos equipamentos e de livros para biblioteca; o Departamento de Material e Patrimônio recebia e conferia os materiais. Isto facilitou a ocorrência de alguns entraves, como falhas constatadas na construção dos prédios e a existência de vários equipamentos adquiridos que não atendiam às especificações técnicas contidas no PEC de Alta Floresta.

Page 127: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

125

Finalmente, o governo do Estado, em dezembro de 2002, homologava a Lei 7.819, que

criava a Superintendência de Educação Profissional e os Centros Públicos de Formação

Profissional no âmbito da estrutura da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e

Educação Superior.Acredita-se que o fato de delegar a uma Secretaria, criada havia pouco

menos de 1 ano e que, por conta disso, apresentava a necessidade de definir estruturas e

diretrizes políticas para as referidas frentes de atuação, somado a ausência de conhecimento

acumulado acerca da trajetória histórica da educação, poderia dificultar ou, ainda, adiar a

busca de articulação entre conteúdos de cultura geral e tecnológica.

Na verdade, os compromissos do governo, no Plano de Metas, com a participação

popular expressaram-se na convocação da comunidade escolar para a definição de rumos

políticos. Contudo, isso não se deu no âmbito do sentido dado às formulações que visavam

interesses políticos e econômicos.

3.2 Os limites dos trabalhadores frente à expansão do capital no estado38

Neste ponto, pode-se perceber que a questão da educação profissional no estado de

mato Grosso passava pelo problema da sua propagação e omissão que exigiria, para o seu

entendimento, a análise de condicionantes mais amplos que diziam respeito ao contexto

socioeconômico que acabavam se refletindo na política do governo. Esta verificação se

embasa no fato de que as discussões feitas com autores nos capítulos precedentes indicavam

que o modo de produção da vida material exerce fortes influências no desenvolvimento da

vida social e política. Sabia-se, também, que havia um certo consenso que reconhecia o

crescimento do primeiro setor da economia do estado. Mas havia, ainda, a necessidade de

adentrar no campo da análise das diferenças com relação aos demais segmentos, que revelou

38 Utilizou-se, para a contextualização de dados disponíveis em pesquisas realizadas pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados–SEADE; Pesquisa de Atividade Econômica Regional–PAER– indicadores socioeconômicos, 1998, p.44,45; IBGE/PNAD, 1995-1998-2002 e Anuário Estatístico de Mato Grosso. Vol.25, 2003.

Page 128: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

126

que o setor de serviços respondia pela maior contribuição no PIB do Estado e absorção de

mão-de-obra.

Verificou-se então que a lógica do capitalismo tinha demonstrado uma transformação

sem precedentes na história da agricultura mato-grossense, que produzia praticamente, para o

consumo interno e que se colocou em destaque no cenário nacional e internacional, por meio

das culturas de soja e algodão, seguidas de arroz, milho, feijão e café. Esse crescimento devia-

se à congregação de planejamento, pesquisas de solo, investimento em altas tecnologias,

investimentos públicos e privados em novas pesquisas e variedades, o que evidenciava o

incentivo do governo ao primeiro setor.

Já o setor industrial possuía pouco mais de três mil unidades no estado. Desse total,

cerca de 90% eram micro ou pequenas empresas, dentre as quais se destacavam a indústria de

madeira e de mobiliário e a de produtos alimentícios ligados ao beneficiamento dos derivados

da soja e à produção de bebidas, álcool carburante, milhões de sacas de açúcar cristal e

refinado provenientes da cultura de cana-de-açúcar.

Podia se perceber, apesar da modernização apresentada nesses setores, a tendência da

População Economicamente Ativa–PEA de migrar para atividades não agrícolas, pois o

processo de mecanização na agricultura reduzia a necessidade de força de trabalho humano e,

conseqüentemente, elevava o aumento de ocupações na área de serviços, na zona urbana.

O estado de Mato Grosso apresentava, na primeira metade dos anos noventa, uma

situação peculiar: 50% de sua população era constituída de migrantes das diversas regiões do

país em busca de oportunidades de trabalho e melhoria de condições de vida. Tratava-se do

movimento de migração que vinha ocorrendo desde o início dos anos setenta.

Page 129: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

127

Dados do IBGE apontavam que, já no ano de 1995, do total da população do estado de

2.329.938 de pessoas, o expressivo número de 1.734.134 de pessoas residiam na zona urbana

e apenas 595.804 na rural. A tendência da população a exercer atividades não agrícolas, na

cidade, como se pode verificar na tabela 1, evidenciava um movimento no grau de

urbanização do estado.

Tabela 1- População residente no estado

Total da população Pessoas ocupadas em atividades agrícolas

Pessoas ocupadas em atividades não agrícolas.

1995 2002 1995 2002 1995 2002

2.329.938 2 080 670 369 521 311 166 706 526 870 257 Total da População Ocupada 1995 2002 1.076.047 1.181.423

Fonte: Fonte IBGE. PNAD. Mato Grosso. 1995/2002.

A reestruturação ocorrida num dos setores importantes da economia do estado

mostrava a redução das possibilidades de emprego; entretanto, a análise revelava que a

adoção de novos paradigmas técnico-produtivos resultava em maior produtividade na

agricultura, inserção e competitividade do estado no nível internacional, num processo de

crescimento que, contudo, não era homogêneo. Observava-se o distanciamento entre

atividades econômicas menos expressivas e as de significativa modernização dentro do

mesmo setor, o que evidenciava a ocorrência de seletividade em parte de tal setor e em poucos

segmentos da economia.

Segundo a Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso – FIEMT,39 os

empresários das cadeias produtivas da soja e do milho entendiam, no ano de 2002, que o

fator tecnológico era de extrema importância para a competitividade do setor. Os dados

39 A Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso – FIEMT realizou no ano de 2002 o mapeamento do perfil competitivo do estado nas cadeias produtivas da soja e do milho, através de vários seminários com empresários do setor nos municípios do estado, o que resultou no documento Projeto Estratégico Regional do SENAI. Perfil Competitivo do Estado de Mato Grosso. 2002, p. 9, 138, 139, 140, 141, 142.

Page 130: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

128

também revelaram que, apesar de reconhecerem que a mão-de-obra era um ponto frágil,

poucos deles investiram em qualificação de seus funcionários e não reconheciam a

necessidade de contratação de recursos humanos, o que pode revelar, nesse caso, que os

trabalhadores eram treinados no próprio ambiente de trabalho.

Ressalte-se, no entanto, que a incapacidade de geração de novos empregos e o avanço

de ocupações precárias não podem ser associados somente às exigências do novo paradigma

técnico-produtivo, mas, sobretudo, devem-se à ausência de uma política de desenvolvimento

que democratize as oportunidades (POCHMANN, 2002, p.126).

Segundo a Fundação Seade (1998), o meio rural neste estado apresentava, nos anos

noventa, aspectos bastante heterogêneos, pois se convivia, por um lado, com atividades

econômicas com base no extrativismo, como o garimpo, a exploração da madeira e a pesca e

por outro, com uma exploração agrícola praticada segundo um moderno padrão tecnológico

que se caracterizava como poupador de mão-de-obra.

Efetivamente, sabe-se que o processo de mecanização, não só da agricultura, mas de

qualquer outro ramo da economia, funciona como liberador de mão-de-obra e, que

conseqüentemente, impacta na taxa do setor de serviços. Particularmente a economia de Mato

Grosso, apesar de apresentar investimentos nas atividades ligadas à agroindústria e de ter

trazido significativo crescimento para a economia do estado, não se refletiu com a mesma

intensidade na demanda por novos postos de trabalho.

Pode-se verificar, na escala do PIB (1995 a 2001), constante na tabela 2 a seguir, a

crescente participação do setor agropecuário a partir de 1998, resultando, em 2001, em

aproximadamente 25% da economia; a indústria, com apenas 10% e a importante contribuição

do setor de serviços, com expressivos 65% de participação. Nesse último setor, observava-se

Page 131: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

129

a incidência, especialmente, de atividades referentes ao comércio e reparação de veículos e

objetos pessoais e de uso doméstico, seguidas da atuação na administração pública.

Tabela 2- Participação das atividades econômicas no Produto Interno Bruto do estado

Atividades Econômicas 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 TOTAL 100 100 100 100 100 100 100 Agropecuária 16,53 16,92 18,82 17,58 21,6 26,83 24,5 Indústria extrativa mineral 1,75 2,03 1,82 1,66 1,84 1,93 1,4 Indústria de transformação 10,74 10,14 9,26 9,13 9,15 9,87 10,5 Eletricidade, gás e água 1,79 3,38 1,92 1,95 2,14 1,97 2,9 Construção 8,88 8,08 8,59 8,64 7,7 7,65 7,4 Comércio e reparação de veículos e objetos pessoais e de uso doméstico

15,68 12,84 0,12 11,92 12,22 12,06 12,9

Alojamento e alimentação 3,38 3,02 2,71 2,74 2,42 2,18 2,3 Transportes e armazenagem 2,73 2,49 2,42 2,31 2,18 2,14 2,1 Comunicações 1,24 1,79 2,02 2,18 2,59 1,88 2,3 Intermediação financeira 3,86 3,01 2,87 2,94 2,45 3,41 3,9 Atividades imobiliárias, aluguéis e serviços prestados a empresas

5,69 7,01 0,07 6,83 6,3 5,64 5,9

Administração pública, defesa e seguridade social

21,11 22,99 22,46 24,95 23,38 18,35 17,9

Saúde e educação mercantis 4,07 4,59 5,42 4,35 3,52 3,68 3,5 Outros serviços coletivos, sociais e pessoais

2,07 2,14 2,24 2,13 2,01 1,92 1,9

Serviços domésticos 0,48 0,55 0,55 0,54 0,51 0,5 0,5

Fonte: Pesquisa SEPLAN-MT. Anuário estatístico, 2003. Produto Interno Bruto, 1994-2001.

Ao se remeter a análise de tais indicadores econômicos ao Plano de Metas (1998),

nota-se que a ênfase dada ao fortalecimento da agroindústria culminou com significativo

crescimento deste setor a partir desse período. Entretanto, percebe-se pelos dados do IBGE–

199840 que a distribuição do emprego naquele ano apresentava relevante participação do setor

de serviços, visto que acima de 60% da população ocupada já se concentrava na cidade,

atuando em diversas áreas como prestadores de serviços: em serviços não especificados, no

comércio, indústria de transformação, construção civil, administração pública e outras

atividades, ligadas à indústria. É importante destacar que mais de 17% representavam o ramo

de prestação de serviços, no qual se incluíam atividades de alojamento, alimentação,

40 Cf.Síntese de indicadores sociais 1998/IBGE. Departamento de População e Indicadores Sociais – Rio de Janeiro: IBGE, 1999. pp. 85, 86, 104 e 105. No ano em análise, a PEA era de 1 727 107 pessoas.

Page 132: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

130

reparação e conservação; pessoais, domiciliares, nas diversões, radiodifusão e televisão. Sabe-

se que algumas dessas atividades exigiam baixa escolaridade dos trabalhadores e

apresentavam conseqüente rotatividade dos mesmos. Nessa realidade da economia, a compra

e venda da força de trabalho demonstrava menor custo, precárias condições de trabalho e

baixa qualificação profissional.

Não obstante a evidência de maior absorção de trabalhadores no setor de serviços e de

sua expressiva participação no PIB do Estado, o governo apresentava no seu Programa, para o

segundo mandato (1998), a necessidade de capacitar força de trabalho para fortalecer a

agroindústria. O descompasso, a incoerência apresentada entre a primeira e a segunda parte do

documento, ao propalar a necessidade de qualificação profissional num primeiro momento e

omiti-la num segundo, confirmava o dissenso entre as tendências no modo de governar.

Entretanto, a realidade educacional da população ocupada do estado, exposta na tabela

3 abaixo, mostrava, essencialmente na base da pirâmide, que muito ainda estava por ser feito

para a garantia de melhores condições sociais aos trabalhadores. A análise dos dados permitia

observar que a sua situação educacional demandava a necessidade da intervenção do Estado

como garantidor de políticas para o ensino fundamental e educação de jovens e adultos, como

uma forma de enfrentar um dos condicionantes da fragilidade da mão-de-obra, que se

resultava barata e desqualificada e, conseqüentemente, exposta às desigualdades sociais.

Tabela 3- Demonstrativo da escolaridade da população ocupada

Anos de escolaridade Zona urbana Zona rural Sem instrução 166.077 105.875

1 ano 44.972 32.870 2 anos 90.977 47.054 3 anos 122.137 60.204

4 anos 211.406 99.640 8 anos 118.331 18.337 11 anos 129.402 10.379

Fonte IBGE. PNAD. Mato Grosso, 1995

Page 133: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

131

Ainda segundo o IBGE, expressivos números revelavam, no ano de 1995, que um total

de 662.579 trabalhadores recebiam de ½ até 3 salários mínimos, e significativos 830.736

trabalhadores declararam não ter recebido rendimentos. Isso evidenciava uma realidade

alarmante no início da primeira gestão do governo em foco: mais de 60% da população

ocupada apresentava baixo índice de escolaridade seguido de remuneração mínima, cujo

resultado seria o subemprego revelado nas práticas cotidianas de sobrevivência. Nestas

circunstâncias, fatalmente o trabalhador lutaria para ser mercadoria e se submeteria à

condição de mão-de-obra barata.

Essa realidade pode estar mascarada, tendo em vista que o IBGE considerou

população ocupada aquela que havia desenvolvido algum tipo de atividade na semana da

pesquisa. Isto pode ter ocultado uma parte menos visível do desemprego no estado, que,

segundo Pochmann (2002, p.78), “trata-se do desemprego oculto pelo trabalho precário e pelo

desalento”. A prática do subemprego e de outras formas de sobrevivência responde pela parte

do excedente de mão-de-obra que menos se oferece à vista, porque envolve os trabalhadores

que fazem “bicos” para sobreviver.

Tais realidades emergiam de relações sociais em que uma classe minoritária que detém

o poder do capital se constitui dona dos meios de produção e, portanto, vive da exploração

dos trabalhadores que vendem sua força de trabalho.

Evidentemente, em consonância com as exigências apontadas por essa realidade, a

política educacional no estado de Mato Grosso nos anos noventa caminhou para a expansão

da oferta do ensino fundamental, apesar das tentativas de formulações da política de ensino

médio e profissional. A Seduc assim se pronuncia a respeito:

Consciente de que o quadro educacional da população do Estado de Mato Grosso não contribuiu para alavancar seu desenvolvimento econômico e social [...] o governo decidiu colocar o sistema educacional do Estado em

Page 134: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

132

outro patamar de qualidade e eficiência. Para isso colocou o ensino básico como prioridade pela sua dimensão e contribuição ao desenvolvimento econômico e social (SEDUC, 1995a, p.7).

A análise conduzia, na verdade, a compreender que as realidades da base material de

produção da década em pauta demandavam educação básica para a população do estado; mas,

sobretudo, deve-se reconhecer que também o histórico dilema da baixa escolaridade da grande

maioria da classe trabalhadora constituía empecilho para o consumo, produtividade e acesso

aos bens culturais.No tocante à questão da escolaridade, vê-se a seguir, na figura 1, ao somar

o número de analfabetos ao montante referente às pessoas com até 5 anos de estudo, apesar

do aumento de escolaridade mínima em relação ao ano de 1995,que no ano de 2002 ainda

persistiam aproximadamente 53% da população ocupada com baixo índice de escolaridade.

Figura 1 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade segundo os anos de estudo, 2002

Fonte: SEPLAN-MT. ANUÁRIO ESTATÍSTICO, 2003.

11%

19%

23%19%

20%

3%

4%

1%

Sem instrução e menos de 1 ano

1-3 anos

4-5 anos

6-8 anos

9-11 anos

12-14 anos

15 anos ou mais

Não determinados e sem declaração

Page 135: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

133

No âmbito da Seduc, constava nesse mesmo ano, um aumento para 104. 705

matrículas no ensino médio de educação geral. Só isso já demonstrava que a proposta de

atender de formas diferentes às demandas de jovens no nível médio tinha sofrido revés.

Diante disso, julga-se que prevalecia a influência da tese de que a emergência do novo

paradigma tecnológico e organizacional impunha exigências no plano educacional dos

trabalhadores cujas características tendiam a valorizar conhecimentos científicos e sócio-

históricos que tinham a ver com os ensinos fundamental e médio. Apesar da não ocorrência de

novos paradigmas técnicos produtivos de forma heterogênea no Mato Grosso, notava-se que a

modernização apresentada se revelava importante para a economia do estado, mesmo diante

da precária realidade educacional da maioria da população economicamente ativa.

Os problemas apresentados tanto pelo mercado de trabalho como pela população

ocupada se caracterizavam pela precariedade das ocupações, liberação de mão-de-obra e

ainda baixa qualificação dos trabalhadores. Avalia-se que tais condicionantes indicavam para

o poder público necessidades de desenvolver políticas para a elevação da escolaridade básica

dos trabalhadores e de prática da educação profissional como mais uma alternativa de

formação.

Aliás, a análise do perfil econômico do estado revelava que os novos paradigmas

técnicos produtivos foram marcados pela busca de maior produtividade, especialmente nos

grandes latifúndios. Na realidade, pode-se observar o distanciamento entre atividades

econômicas menos expressivas e a de significativa modernização, a qual melhor contribuía

para a elevação do Produto Interno Bruto do Estado, evidenciando a seletividade no setor.

Porém, a ausência da prática de educação profissional no sistema estadual de ensino

demonstrava o descompasso entre o divulgado, o planejado e o objetivo real e revelava que a

indefinição de uma política para a educação profissional no Programa de Governo referente

Page 136: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

134

ao 2º mandato subordinou-se às necessidades do mercado. Isso remete ao que ocorria no

sistema educacional brasileiro no nível nacional: o Estado se omitia de participar da formação

profissional e delegava a mesma aos domínios da iniciativa privada.

A ausência do Estado na prática de educação profissional também se ocultou sob a

propagação da parceria com a iniciativa privada, da descentralização da gestão, da abertura de

espaços para a participação popular e da eficácia financeira, pois houve corte nos recursos

destinados à manutenção dos cursos técnicos nas escolas da rede.

Do paradoxo verificado com o crescimento na área da agroindústria, que apresentava

como que ilhas de excelência e, por outro lado, constituía pequenas oportunidades de

trabalho, infere-se que as demandas que se fizeram sentir por mão-de-obra qualificada

poderiam ser atendidas pelas instituições do “Sistema S”, pela rede federal de ensino e,

principalmente, por meio das próprias empresas. Ademais, no ano de 2002, do total da

população ocupada do estado, 20% já demonstravam possuir entre 9 e 11 anos de

escolaridade.

No entanto, quando se analisa o conjunto da economia do estado, nota-se que não

havia condições favoráveis às exigências da generalização de uma educação profissional

pública.

O que nos leva relativizar as teses que sustentam a necessidade de uma ampla reforma do sistema educacional como condição à incorporação do progresso técnico. [...] Uma reforma ampla do sistema educacional só seria imperativo se houvesse uma modernização ampla, que fosse capaz de unir competitividade e equidade. 41

41 Marco Antonio Oliveira. Coordenador Geral do Depto. de Estudos Sócio-econômicos e Políticos da CUT e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do IE/UNICAMP. Contribuições no debate In: Ferreti, Celso João et al. (orgs.). Novas Tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. 6ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.219.

Page 137: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

135

Apesar disso, observavam-se constantes divulgações nos jornais42 a respeito da

educação profissional nos Cenfor, demonstrando um perfil mais político do 5º secretário da

Seduc, o qual, pode ter optado por dar ênfase à propagação como uma forma de velar a

ausência de educação profissional no sistema escolar e a morosidade na implementação dos

Cenfor.

A essa altura, infere-se que os longos sete anos passados haviam contribuído para

amenizar os traumas oriundos da extinção dos cursos profissionalizantes e a disseminação da

prática da educação generalista nas escolas estaduais. Já em final de mandato, o governador

demonstrava-se bastante otimista:

com a retaguarda de primeiro produtor brasileiro de soja, de algodão, terceiro rebanho bovino, com o seu potencial madeireiro, turístico e industrial, Mato Grosso se abriu para uma economia interna e externa. [...] A nossa visão pessoal era a de que o Centro-Oeste era o Brasil que estava dando certo, e por onde o desenvolvimento da economia brasileira passaria nos próximos anos (OLIVEIRA, 2002, p.9).

Entretanto, a precária realidade educacional da população ocupada em Mato Grosso

demandava que o Estado priorizasse políticas sociais. Aliás, a própria equipe de educação

profissional da Seduc, no final de 2002, ao atender a uma solicitação do Proep, numerou por

ordem de prioridade os cinco problemas e entraves considerados mais graves para a não

implementação do Plano Estadual de Educação Profissional, conforme se segue:

[..] (1) Indefinição do Modelo de Gestão Estadual para a Educação Profissional; (2) Formação deficiente dos técnicos atuantes na Educação Profissional; (3) Mecanismos de sustentabilidade dos Centros; (4)Empenho político do Estado na implementação das ações e, (5) envolvimento do órgão gestor com o setor produtivo (PROEP/MEC, 2002).

Torna-se importante destacar na avaliação feita pela equipe técnica os itens 2 e 4, os

quais remetem à necessidade de um programa de formação continuada para os profissionais

42 Publicações em jornais: A Gazeta, 24/08/2000; 18/11/2000; 27/05/2000; 05/12/2001;Folha do Estado, 18/05/2000; 27/07/2000; 27/08/2000; 04/11/2000; 20/12/2001; Diário de Cuiabá, 24/08/2000; 24/01/2001; 19/10/2001;Sonotícias, 27/07/2000; Midianews, 17/08/2000.

Page 138: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

136

que atuam no aparelho do Estado e ao empenho político do governo, não apenas no sentido

de garantir recursos financeiros mas, inclusive, de tratar com atenção a educação dos

trabalhadores, como condicionantes importantes para que esta se implemente.

Nas considerações finais do presente trabalho foram apresentadas informações

complementares a este capítulo de maneira a alargar a interpretação da totalidade do objeto,

bem como elucidar os encaminhamentos dados a partir do ano de 2003, após a transferência

da educação profissional para a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, período em que

se instaurou um novo governo.

Page 139: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de um longo período de estudo acerca da ausência de práticas de educação

profissional nos anos 1995-2002, retoma-se o problema central da presente dissertação: por

que o governo definiu a educação profissional como necessária à superação do déficit de mão-

de-obra qualificada mas, após extinguir os cursos técnicos nas escolas estaduais em dezembro

de 1995, apresentou um vazio de prática de educação profissional até 2002?

O processo de reflexão acerca da problemática permitiu verificar que a proposta de

implantação de Centros Públicos de Formação Profissional em 1995 constituía uma iniciativa

inovadora, pois aspirava a complementar a educação científica e sócio-histórica. Os cursos

técnicos a serem oferecidos nas escolas da rede estadual promoveriam a articulação de ciência

e técnica na perspectiva da superação da dicotomia que representava o trato entre estes dois

aspectos da realidade.

O governo demonstrava pautar-se pelos princípios democráticos ao alargar os espaços

para a participação popular na definição dos rumos para o ensino médio: educação

profissional nos Centros Públicos especializados para essa finalidade; educação técnica nas

escolas, integrada aos conteúdos acadêmicos e, ainda, ensino médio com foco no mundo do

trabalho para não se constituir em ensino generalista e abstrato.

Apesar disso, a análise dos documentos formulados no longo período 1995-2002

desvendava que a idéia de oferecer alternativas educacionais de qualidade à classe

trabalhadora, afinada com as discussões com a sociedade, na contramão resultou numa outra

proposta, fortemente influenciada pelo MEC e com ele e acordada.

Page 140: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

138

Verificou-se, portanto, que os resultados dos projetos não caminharam rumo à reforma

no currículo do ensino médio de educação geral, como proposto inicialmente, em cuja base

centrava-se a articulação trabalho-educação, que pressupunha uma concepção de educação

que garantisse ao aluno a compreensão crítica das complexas relações no mundo do trabalho.

Tratava-se, então, da proposta de reforma do ensino médio intitulada Apoena – A Escola

Jovem de Mato Grosso, que, à luz das orientações dos tecnocratas do MEC, caminhou em

direção a uma política educacional que priorizava o atendimento a uma minoria, pois previa

reformas em 24 escolas de ensino médio. Tal ideário evidenciava a negação a todos da

possibilidade de uma formação integral que requer a práxis do currículo centrado no trabalho

e nas relações sociais enquanto fator de humanização do homem.

Percebeu-se nas formulações a ênfase dada a ideais que representaram a necessidade

de cada momento político, visto que o governo ora procurava apresentar propostas para

atender à realidade diversa do estado e da população, ora interpretava a educação do ponto de

vista da natureza econômico-financeira. Essa postura contraditória, num mesmo governo,

resultava na negação de mais um projeto de educação para a classe trabalhadora.

Foi verificado, ainda que, diante da tensão entre as tendências conservadoras e

progressistas, prevaleceram as fortes influências do organismo financiador, o Proep e, por

conseguinte, os interesses e aspirações das classes ligadas à economia do estado. A educação,

naquele momento histórico, não poderia ser outra coisa a não ser um reflexo necessário da

base material. Conclui-se que, em função do aceno de recursos do Proep, o governo animou-

se a estabelecer uma reforma “fora do lugar”, uma vez que a realidade demandava políticas de

universalização do ensino fundamental e expansão do ensino médio.

Apesar do vazio de prática de educação profissional nas escolas e nos Cenfor, houve

um esforço político e técnico para as constantes formulações, por meio da instauração de

Page 141: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

139

mecanismos burocráticos referentes ao preenchimento de formulários e elaboração de projetos

para levantar recursos. Isso colocou a equipe de educação profissional num intenso processo

de trabalho desqualificado e, por conseguinte, submeteu-a as influências externas advindas

dos ideais defendidos no Programa de Reforma da Educação do governo federal.

Ao se examinar a questão por esse ângulo, observou-se que as tensões de natureza

epistemológica ocorreram na medida em que os técnicos das equipes de ensino médio e da

educação profissional mergulharam no trabalho administrativo e rotineiro sem a presença dos

consultores que, de certa forma, proporcionavam momentos de reflexão a respeito da ação. O

problema da burocracia excessiva não permite a ação-reflexiva, fato que, somado à questão do

atendimento ao tempo político, impede a elaboração de projetos com a necessária qualidade.

Nota-se ainda que, apesar de a burocracia ter também contribuído para alongar o

período para o funcionamento dos Cenfor, houve momentos de agilidade dos processos com

a assinatura, no ano de 1999, dos convênios de Alta Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis

e Sinop, antes da aprovação do Plano Estadual de Educação Profissional, que representava um

aporte menor de recursos. Na verdade, a lógica demonstrava a necessidade de primeiramente

se viabilizar a aprovação do Plano “matriz”, no qual a Seduc teria que traçar as linhas

políticas e diretrizes da reforma, para, somente depois, se definirem os projetos dos Centros.

Todavia, ocorreu o inverso: as diretrizes gerais no PEP tiveram que se adequar aos textos dos

projetos de cada pólo.

A confusão se evidenciava até mesmo nos projetos arquitetônicos para os Cenfor de

Alta Floresta, Barra do Garças, Sinop e Rondonópolis, elaborados por empresa de engenharia

contratada pela Seduc, a qual definira como espaço para o laboratório de construção civil um

ambiente com características próprias de uma sala de aula, com piso de cerâmica, conforme se

pode verificar no trecho do relatório técnico, aqui descrito:

Page 142: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

140

quanto ao Laboratório de Construção Civil, sugerimos a construção de um galpão com pisos rústicos e instalações adequadas para o funcionamento do mesmo. Existem equipamentos pesados como a betoneira que não podem funcionar num espaço com piso de cerâmica e principalmente ao lado de laboratórios com equipamentos sensíveis a vibrações. 43

Avalia-se que a construção de estruturas inadequadas e a aquisição de equipamentos

diferentes dos que foram anteriormente especificados nos projetos colocavam a equipe de

educação profissional em situação de constrangimento, uma vez que, diante do trabalho

desqualificado, tornava-se difícil enfrentar as relações de poder nas dimensões de forças que

compunham o modo de governar da Seduc e do governo federal. Assim, infere-se que os

meandros da burocracia permitiram determinadas acomodações, impasses e certo “caos”, que

exigiriam futuras correções.

Torna-se importante somar aos problemas já levantados os dilemas dos constantes

formalismos próprios dos acordos com o MEC, através das orientações “engessadas” que

definiam a priori o que o Estado deveria fazer, diante de um contexto representado pela

oscilação política do governo, que resultou em seis secretários no âmbito da SEDUC. A

descontinuidade administrativa possibilitou a mudança do foco da idéia inicial de política de

educação profissional complementar ao ensino médio e evidenciou que não houve empenho

político para manter uma equipe permanente, uma vez que ocasionou constante rotatividade

dos membros das equipes de ensino médio e educação profissional.

Essa falta de compromisso político constituiu-se um empecilho à destinação de

recursos financeiros, contrapartida para funcionarem os cursos. Ainda que as planilhas nº 54 e

55 dos PEC de Alta Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis e Sinop tenham apresentado o

planejamento operacional de custos recorrentes de cada Centro e especificado recursos do

43 Relatório do levantamento de instalações e de equipamentos realizado no Centro Público de Formação Profissional “Blásio Germano Schimitz” de Alta Floresta no Período de 14 a 18/07/2003 assinado pelas técnicas Clotildes B. Maciel de Arruda e Marilza Conceição Rodrigues, p. 2.

Page 143: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

141

Tesouro do Estado para pagamento de pessoal, encargos, manutenção de equipamentos e

material de consumo, os projetos não lograram eficiência.

Perceberam-se, ainda, equívocos nos contratos com algumas construtoras que,

posteriormente, tiveram que ser anulados, como é o caso dos Cenfor de Sinop e Diamantino.

Isso ocorreu após o Ministério de Educação realizar auditoria nos processos e nas obras, que

resultou em entraves para o andamento das obras, o qual diversas vezes foi interrompido.

Observa-se também que a divulgação, pelo governo, do propósito de se associar a

educação profissional via Cenfor ao projeto de desenvolvimento econômico da agroindústria e

do estado deveu-se à utilização de argumentos em bases materiais e ao apoio das forças

políticas influentes deste setor, na tentativa de justificar a busca por recursos financeiros

externos. Via-se tal propagação em constantes reportagens de jornais, com ênfase nos

investimentos de fortes recursos nos Centros, sempre associada à idéia de que a meta do

governo era transformar Mato Grosso em um dos mais importantes pólos da agroindústria

brasileira. Pôde-se verificar que isso ocorria com mais freqüência no período 1999-2002 e

coincidia com os momentos em que os projetos eram aprovados e os recursos liberados.

Apesar da necessidade educacional da classe trabalhadora e da ênfase dada à

qualificação profissional dos trabalhadores, vinculadas nos discursos ao crescimento da

economia, no geral percebeu-se que as divulgações se deram, excessivamente, em torno de

um setor específico da economia, que na realidade não demandou fortes necessidades de mão-

de-obra qualificada. Os impactos decorrentes da alta mecanização e produtividade em parte

do primeiro setor da economia demonstravam aumento de serviços nos setores de vestuário,

pessoal, comércio de veículos e outros, evidenciando que para o estado de Mato Grosso não

haveria possibilidade de consolidar um ensino médio unitário e generalista.

Page 144: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

142

È possível inferir que a indefinição de um caminho permanente para a política

educacional, por parte da Seduc, e a ausência de prática de educação profissional podem ter

trazido conseqüências para a formação dos trabalhadores que não tiveram oportunidade de

freqüentar o ensino médio de educação geral ou de seguir os estudos no nível superior, na

medida em que as condições materiais não lhes permitiriam tal escolaridade. Não se pode

considerar que somente a formação escolar básica geral daria conta da heterogeneidade das

demandas da economia e das múltiplas culturas da população do estado, nem deixar de

reconhecer que a formação profissional pode ser também um componente fundamental para a

democratização do processo de formação da classe trabalhadora.

Em suma, a análise permitiu verificar que a prática de formulações para a educação

profissional na Seduc expressava o dissenso entre, por um lado, a proposta defendida pela

comunidade educacional, validada pelos consultores e determinado grupo do governo e, por

outro, os objetivos propalados de uma outra tendência hegemônica, alinhada ao modelo

dominante de economia, que culminou com grande aporte de recursos financeiros para o

Estado.

A idéia se encontra nos textos dos projetos para os Cenfor ligava-se à proposta de uma

infinidade de cursos aligeirados, com grande predomínio do setor de serviços, desarticulados

da educação básica e à questão de se construírem instituições financeiramente auto-

sustentáveis, as quais deveriam desenvolver ações voltadas para a “venda” de cursos para a

iniciativa privada. Nota-se que a proposta de educação profissional nos Cenfor já nasceu sob a

hegemonia de uma nova institucionalidade: almejada, com o processo de aproximação rumo

aos setores produtivos e a conseqüente absorção de um modelo de gestão centrado na lógica

do mercado. Isto pode ter contribuído para a idéia de redução das responsabilidades do Estado

em garantir orçamento para a educação profissional.

Page 145: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

143

Pode-se inferir que a crise da educação dos trabalhadores foi caracterizada pela

ausência de soma de esforços para enfrentar as dificuldades apresentadas no plano financeiro

do Tesouro do Estado e nas diferenças ideológicas do âmbito político, o que fortalece a idéia

de que esta modalidade de ensino não se constitui prioridade na política de governo.

Verificou-se, também, que, coincidência ou não, o modelo de Estado Gestor adotado indicava

a direção da busca da eficiência de ordem político-econômica, o diagnóstico apontou para a

ocorrência do crescimento da agroindústria e da reeleição do governador no pleito de 1998.

Quanto aos resultados físicos e pedagógicos em relação às diretrizes do Planejamento

Estratégico da Seduc, os projetos não conseguiram alcançar as metas previstas, pois houve

corte na proposta de implantar cursos técnicos em 80 escolas cursos, e no final de 2002 a meta

de implementar 8 Centros Públicos de Formação Profissional foi parcialmente cumprida.

No que se refere à aplicabilidade dos recursos financeiros advindos do PROEP/MEC,

foi considerada como execução dos componentes a construção dos 4 primeiros Cenfor,

atingindo uma média de 98% da proposta, bem como o item aquisição de materiais

permanentes, num total de 95% das metas. Por outro lado, o componente pedagógico, que

dependia da contratação de professores, capacitação e manutenção dos cursos técnicos via

orçamento da Seduc, não logrou resultado. Diante dos dados levantados, pode-se concluir que

a experiência vivenciada por meio da parceria com o Proep/MEC resultou na incoerência

administrativa por parte dos executores diretos e indiretos dos convênios e contratos e não

contribuiu para que se democratizasse a educação para os trabalhadores mato-grossenses.

Outra razão de ordem administrativa que impediu a eficácia dos projetos relacionava-

se à descontinuidade dos técnicos no âmbito do MEC, pois, a cada rodada de equipe, novas

orientações eram dadas ao Estado, exigindo a reformulação dos manuais e formulários.

Page 146: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

144

Ainda que os Cenfor não estivessem funcionando, a análise dos dados financeiros

mostrou que os projetos fizeram incidir custos no orçamento da Seduc, visto, que houve

despesas decorrentes de viagens políticas e técnicas para negociações junto ao MEC, bem

como da morosidade e atraso na elaboração, reelaboração, aprovação e ajustes que se fizeram

necessários em virtude das modificações ou falhas técnicas nos projetos arquitetônicos e da

confusão na aquisição de determinados equipamentos.

A ineficácia dos projetos remete aos escritos de Forrester (1997, p.71) sobre o vazio e

a ausência de “qualquer projeto, de qualquer futuro, de qualquer felicidade pelo menos

visualizada, da mínima esperança, mas que determinado saber poderia compensar, suscitando

até certo prazer em percorrer esses caminhos” permitidos pela democratização da oferta da

educação, o que “tende a quebrar a carapaça de que somos prisioneiros” e, se o caminho vai

no sentido contrário, supõe-se um trabalhador sem ferramentas para lutar por melhores

condições de vida.

Julga-se que o insucesso advindo da não consolidação da política para a educação

profissional no âmbito das escolas da rede estadual e dos Cenfor pode ter contribuído para a

sua transferência para a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Superior em

dezembro de 2002. O fracasso evidenciou também aquilo em que de fato o governo

acreditava: o lugar da educação profissional deveria ser longe da educação básica. Esta opção

pode dificultar as possibilidades de amenizar a divisão entre estudos científicos e técnicos.

A Secretária de Estado de Ciência e Tecnologia, Professora Drª. Flávia Maria de

Barros Nogueira (2005), apontava em entrevista elementos importantes que levam a refletir

sobre a temática em questão.

Nós recebemos na verdade a chamada educação profissional, num clima meio de susto no início de 2003, porque [...] no momento de transição de governo isso foi muito pouco discutido, pelo menos comigo. [...] o secretário

Page 147: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

145

de educação Gabriel Novis Neves, já no governo Blairo Maggi, tinha muito pouco a me dizer sobre isso, porque, na realidade, não tinha tido nem tempo de receber, de entender o que significava realmente gestão da educação profissional. A única coisa que ele sabia e me passou foi que existiam alguns prédios no interior, construídos com recursos do PROEP e que esses prédios necessariamente tinham que ser usados para a educação profissional. Isso era a única informação que nós tínhamos. [...] então era urgente que se tomasse uma posição, e também sentia essa urgência porque quando eu viajava para o interior ou conversava com pessoas que vinham ao meu gabinete, ou encontrava na rua, que diziam da aflição que tinham ao ver seus filhos saírem do ensino médio, principalmente do interior do Estado, por não terem absolutamente nenhuma alternativa com relação ao que fazer, pois não tinham escola e nem emprego.

Os argumentos da entrevistada levam a inferir que a educação profissional foi pouco

discutida nas reuniões do final de 2002, por ocasião dos contatos com a equipe de transição do

governo que se anunciava. Portanto, a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia tomou a

iniciativa de desconstruir o conceito de educação profissional estreita voltado para o mercado

de trabalho que vigorava por meio do Cenfor. Partia-se do princípio da necessidade de

diversificar a oferta com qualidade, “dentro de escolas”, para elevar o nível de escolaridade

dos trabalhadores.

Para isso era necessário que se garantisse uma estrutura. Foram criados o Fundo

Estadual de Educação Profissional e Tecnológica e o Ceprotec, que é uma autarquia ligada à

Secretaria com estrutura de gestão própria e autônoma, bem como a carreira do profissional

da educação profissional no Estado. Isto possibilitou a realização de concurso público, ainda

em 2004, para a formação de quadros de professores e funcionários para as Unidades de

Ensino Descentralizadas – UNEDs, os antigos Cenfor.

Segundo o relato de Nogueira(2005),

[...] depois o nosso grande desafio passou a ser realmente transformar prédios em escolas, e esse é o desafio que hoje estamos enfrentando. [...] fazer o professor entender que ele tem que ter uma concepção de trabalho muito clara, pra que ele possa fazer um ensino e educação, de qualidade, que passa pela questão da produção do conhecimento tanto por parte do professor como do aluno. [..] Aliás, para as pessoas, de uma maneira geral, a educação profissional é apenas um curso que elas fazem para ocupar uma determinada vaga no mercado de trabalho, pois não entendem que “aquilo” é

Page 148: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

146

uma escola, porque a consciência geral, o entendimento geral, é de que escola do Estado é a escola da Seduc. [...] O outro grande desafio é o que nós já começamos a viver também que é a integração com o ensino médio (NOGUEIRA, 2005).

Foi possível observar que o interesse de se aproximar do ensino médio ligava-se à

preocupação de alargar a oferta da educação profissional, diante do reconhecimento de que

somente as quatro primeiras UNEDs, já funcionando, e as de Diamantino, Pontes e Lacerda e

Tangará da Serra ainda em construção, não dariam contra de democratizar a oferta. È sabido

que a decisão de polarizar educação profissional em instituições privilegiadas, pode fortalecer

a idéia da formação de uma casta de trabalhadores e reafirmar a tese do acesso à apropriação

de conhecimentos de qualidade para aqueles que conseguem ultrapassar a barreira da

seletividade. Para se fugir a esta cisão, surge a proposta de se integrar ensino médio e

profissionalizante,

Porque eu acho que só teremos realmente educação profissional com resultados massivos pro Estado se conseguirmos atingir um número grande de pessoas. Apenas conseguiremos isso, com o ensino médio, porque por mais escolas de educação profissional que implantemos, por mais recursos que coloquemos nessa escola, sempre teremos um número muito limitado de vagas, de possibilidade de abertura de vagas. Hoje com a estrutura que temos, conseguimos abrir 1.600 vagas por ano em 4 escolas (UNED’s-CENFOR) em 2004, coisa que nunca aconteceu antes, mas, isso não é nada pro Estado (NOGUEIRA, 2005).

Importante ênfase dada pela entrevistada acerca da contribuição dos princípios do

antigo Decreto 2.208/97, no sentido de inculcar nas pessoas que ciência e técnica são coisas

que devem ser tratadas em lugares diferentes e separados;

Na verdade fazer a articulação da educação profissional com o ensino médio é um desafio grande porque o Brasil desaprendeu isso. Tivemos quase uma década de “desaprendizagem”, então foi isso que na verdade mudou a concepção das pessoas com relação a educação profissional, separou completamente, acham que isso não deve ser feito na escola. Temos que

Page 149: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

147

voltar a criar essa condição que é difícil porque mesmo os professos têm resistência.44

A criação de Unidades de Ensino Descentralizadas, no interior do estado, ligadas a

uma Instituição Central, faz lembrar a antiga idéia do governo federal, surgida em 1986, por

meio do Programa de Expansão do Ensino Técnico – Protec, o qual preconizava a criação de

UNEDs em regiões pólos de desenvolvimento do país. Porém, as mesmas não dispunham de

autonomia pedagógica e administrativa, porque estavam vinculadas diretamente à escola-

matriz. Resta saber se o Ceprotec/MT, instituído na capital Cuiabá, caminhará no avanço

possível para a construção de uma relação mediadora entre diretrizes políticas e a práxis

pedagógica de docentes e funcionários das UNEDs, que passa pelas questões da abertura de

espaços e do apoio técnico de qualidade para o debate coletivo e o estímulo à construção, a

partir de cada escola, de cada projeto político pedagógico.

Na verdade, é necessário que se diga que não se pode deixar de reconhecer que os

problemas concernentes à educação profissional de nível médio são históricos e que oito anos

não é um tempo suficiente para concretizar mudanças que dependem das transformações

verificadas nas bases reais da produção, na política e na sociedade.

Por fim, o percurso tortuoso permitiu à SEDUC acumular um conhecimento que

reflete a necessidade da busca de uma democratização da “síntese historicamente possível na

diversidade para o ensino médio” (KUENZER, 2000; KUENZER, 1996), mediante um

movimento concreto e recíproco, no qual governo e sociedade constituam-se parceiros em

todas as etapas da implementação das políticas educacionais.

44 Profª. Drª.Flávia Maria de Barros Nogueira, secretária de Estado de Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso. In. Entrevista realizada no dia 10/05/2005 no seu Gabinete. Na verdade foram homologadas a Lei Complementar nº 152 de 09 de janeiro de 2004 do Fundo Estadual de Educação Profissional – FEEP; a LC nº 153 de 09 de janeiro de 2004 que cria o Centro Estadual de Educação Profissional e Tecnológica de Mato Grosso – Ceprotec/MT, na qual foram denominados Unidades de Ensino Descentralizadas – UNED’s os antigos Cenfor; e a LC nº. 154 de 09 de janeiro de 2004, que instituiu a carreira dos profissionais da educação profissional e tecnológica.

Page 150: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

148

Conclui-se, portanto, que a realidade de um governo pluripartidário, num contexto de

economia com tendência à seletividade e modernização de um setor e de baixa escolaridade

da população ocupada e a influência do organismo financiador Proep, associada às

inconstâncias de pessoal no âmbito da gestão da Seduc, constituem múltiplas determinações e

condicionantes da ausência de práticas de educação profissional nas escolas estaduais e nos

Cenfor inaugurados em 2002.

No limite, ainda que a educação profissional não tenha logrado o sucesso esperado, a

semente foi lançada, a qual resultou nas UNEDs. Enfim, espera-se que Seduc, Secites,

políticos, estudiosos do assunto, pesquisadores, professores e população conjuguem esforços

para experimentar um novo projeto de educação do ponto de vista das necessidades da classe

trabalhadora.

Page 151: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997. Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1997.

AQUINO, Rubin Santos Leão de et. al. História das sociedades: das sociedades antigas às sociedades modernas. 2.ed., revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983.

AQUINO, Rubin Santos Leão de et. Al. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. 2. ed., revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983.

ARROYO, Miguel. O direito do trabalhador à educação. In: Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. GOMES, Carlos Minayo et al. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

________. Trabalho-educação e teoria pedagógica. In:FRIGOTTO, Gaudêncio. (org) Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

BAUMGARTEN, Maíra (org.). A era do conhecimento: Matrix ou Agora? Porto Alegre/Brasília: Ed. UFRGS/ Ed. UnB, 2001.

BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4. ed. Trad. de João Ferreira. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1999.

________. A teoria das formas de governo. 10. ed. Trad. de Sérgio Bath, 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

________. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3ª ed.Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos editora. 1987.

CARMO, Paulo Sérgio. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1992.

CARNOY, Martin e LEVIN Henry M. Escola e trabalho no Estado capitalista 2. ed. trad. Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Cortez, 1993.

CARVALHO, Olgamir Francisco de. Educação profissional – trabalho e tempo livre. Brasília: Plano Editora, 2003.

CASTRO, Cláudio Moura. O despertar do gigante: com menos ufanismo e mais direção, a educação brasileira acorda. Belo Horizonte - Minas Gerais: Ed. Universidade, 2003.

_______. Educação brasileira: consertos e remendos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

Page 152: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

150

_______ e CARNOY, Martin et. Al. Como anda a reforma da educação na América Latina?. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1997.

CATTANI, Antonio David. Trabalho & Autonomia . Petrópolis: Vozes, 1996.

CENTRO PAULA SOUZA. A nova educação profissional. São Paulo: Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, 2000.

CRUDO, Matilde Araki. Os aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso: trabalho infantil e educação. 1842-1899. Tese (Doutorado) - Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá – MT, 1999.

CUNHA, Luiz Antônio. Educação, Estado e democracia no Brasil. 4. ed. São Paulo: Cortez; Niterói, RJ: Editora Universidade Federal Fluminense; Brasília, DF: FLACSO do Brasil, 2001.

_______. O ensino industrial-manufatureiro no Brasil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n.14, maio/jun./jul./ago. 2000ª, p. 89-107.

_______. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização, São Paulo. Ed. Unesp; Brasília:Flacso,2000b.

_______. Educação brasileira: projetos em disputa: Lula x FHC na campanha eleitoral. São Paulo: Cortez, 1995.

DANIEL, John. Educação e tecnologia num mundo globalizado. Brasília. UNESCO, 2003.

DEMO, Pedro. Conhecimento Moderno: sobre a ética e intervenção do conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

DE TOMMASI, Lívia. Financiamentos do Banco Mundial no setor educacional brasileiro: os projetos em fase de implementação. In Lívia de Tommasi; Miriam Jorge Warde; Sérgio Haddad; (orgs.). O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

ENGELS, Friedrich. O Papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 4. ed. Rio de Janeiro: Global editora, 1990.

FERRETI, Celso João; ZIBAS, Dagmar et al. Tecnologias, trabalho e educação, um debate multidisciplinar . 6. ed. Petrólis – RJ: Vozes, 1994.

FILMUS, Daniel et al. Ensino Médio, cada vez mais necessário, cada vez mais insuficiente. trad. José Ferreira Brasília: UNESCO, SEMTEC/MEC, 2002.

FONSECA, Marília. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de cooperação internacional. In: O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

FORRESTER, Viviane. O horror econômico. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 7. ed. 1997.

Page 153: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

151

FRANCO, Luiz Antonio Carvalho. A escola do trabalho e o trabalho da escola. 3. ed. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1991.

FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Ensino médio: ciência, cultura e trabalho. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Brasília: MEC, SEMTEC, 2004.

_________. Educação e a crise do capitalismo real. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

_________. Educação como campo social de disputa hegemônica. In: FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

_________. Educação e formação humana: ajuste neoconservador e alternativa democrática. Formação e qualificação abstrata e polivalente e a defesa do Estado mínimo: nova (de) limitação dos campos educativo na lógica da exclusão. In: FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

_________. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador: impasses teóricos e práticos; In: Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. Carlos Minayo Gomes et al 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002a.

_________. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida. In FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (orgs.). A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2002b.

_________. Modelos ou modos de produção dos conflitos às soluções. Tecnologia Educacional, v. 29. n.147. out./nov./dez.1999.

_________ (org.) Educação e crise do trabalho: perspectiva de final de século. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998 (Coleção estudos culturais em educação).

_________. Educação, crise do trabalho assalariado e do desenvolvimento: teorias em conflito. 3. ed. In FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho: perspectiva de final de século. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998 (Coleção estudos culturais em educação).

___________. A produtividade da escola improdutiva. Um (re)exame das relações entre

educação e estrutura econômico-social capitalista. São Paulo: Cortez e Autores Associados,

1984.

___________e CIAVATTA, Maria (orgs.) Ensino médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília: MEC, SEMTEC, 2004.

FUNDAÇÃO Sistema Estadual de Análise de Dados-SEADE. Pesquisa de Atividade Econômica Regional-PAER. Indicadores Socioeconômicos, Região Centro-Oeste, 1998.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.

_________. Os cadernos do cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. trad. Marcos Santana. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Page 154: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

152

HIRATA, Helena. Da polarização das qualificações ao modelo de competência. In: FERRETI, Celso João; ZIBAS, Dagmar et al. Tecnologias, trabalho e educação, um debate multidisciplar. 6. ed. Petrópolis, Vozes, 1994.

KERCHE, Neuza Maria Erthal. Vadiagem ou trabalho ordeiro: uma visão sobre o trabalhador mato-grossense. 2ªed. Cuiabá: CAGEL, 1999.

KOSIK, Karel. A Dialética do Concreto, trad. Célia Neves e Alderico Toribio, 2. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1976.

KUENZER, Acácia Zeneida. Entrevista. In. SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira. Mediadores do consenso: a relação intelectuais da academia e funcionários de carreira que atuam na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Volume II. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Mato Grosso, Programa Integrado de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2001. p.117-138.

________. As políticas de formação profissional: a precarização como limite. In: XXIII Reunião Anual da ANPED. Caxambu: 2000a. memo.

________.(org) Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo: Cortez, 2000b.

________. O ensino médio agora é para a vida: entre o pretendido, o dito e o feito. Educação & sociedade. V. 21, n. 70. Campinas, abr. 2000c.

________. As mudanças no mundo do trabalho e da educação: novos desafios para a gestão. Texto apresentado no IX ENDIPE, Águas de Lindóia, 4 a 8 de maio de 1998a. memo.

________. Desafios teórico-metodológicos da relação trabalho-educação e o papel social da escola. 3ª edição. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho: perspectiva de final de século. Petrópolis, Vozes, 1998b. – (Coleção estudos culturais em educação).

________. Ensino médio e profissional: As políticas do Estado neoliberal. v. 63. São Paulo: Cortez, 1997.

________. O ensino médio no contexto das políticas públicas de educação no Brasil. In. ANPED.1996. memo.

________. Ensino de 2º grau: o trabalho como princípio educativo. São Paulo: Cortez, 1988.

________. Pedagogia da fábrica. As relações de produção e a educação do trabalhador. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1985.

KUMPFER, Canrobert Werlang. A Reforma da Educação Profissional. Uma reflexão no Colégio Agrícola de Santa Maria. Rio Grande do Sul. Imprensa Universitária-UFSM.1999.

LIMA FILHO, Domingos Leite. A desescolarização da escola: impactos da reforma da educação profissional (período 1995 a 2002) Curitiba : Torre de Papel, 2003.

Page 155: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

153

LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? 2ª ed.Tradução de Lívio Xavier. São Paulo: Editora expressão popular, 2001.

MACHADO, José Nilson. Disciplinas e competências na Educação Profissional. Texto apresentado no Seminário Internacional sobre os Desafios para a Educação Profissional, em São Paulo, abril, 2000.

MACHADO, Lucília Regina de Souza. A educação e o desafio das novas tecnologias. In: FERRETI, Celso João; ZIBAS, Dagmar et al. Tecnlogias, Trabalho e educação, um debate multidisciplinar. 6.ed. Petrópolis, Vozes, 1994.

_________. Politecnia, escola unitária e trabalho. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1989a.

_________. Educação e divisão social do trabalho: contribuição para o estudo do ensino técnico industrial brasileiro. 2. ed. São Paulo: Autores Associados; Cortez, 1989b (Coleção educação contemporânea).

MANFREDI, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

MANHÃES, Luiz Carlos Lopes. Legislação Escolar Básica: para estrutura e funcionamento do ensino de 1º e 2º graus. Cuiabá, UFMT - Imprensa Universitária, 1985.

_________. Legislação Escolar Básica: para estrutura e funcionamento do ensino de 1º e 2º graus. Cuiabá, UFMT - Imprensa Universitária, 1980.

MARCO ANTONIO DE OLIVEIRA. Contribuições para o debate. In: Novas Tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. 6. ed Org. Celso Ferretti. et al. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

MARCOS ARRUDA. A articulação trabalho-educação: visando uma democracia integral. In. GOMES, Carlos Minayo et al. Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador . São Paulo: Cortez, 2002.

MARX, Karl, Contribuição à Crítica da Economia Política. 2. ed. trad. Maria Helena Barreiro Alves, São Paulo: Martins Fontes, 1983.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 3. ed.Versão brasileira do texto de Rodolfo Marcenaro: Edson da Silva Coelho. Editora Versus, 1982.

MARTINS, Marcos Francisco. Ensino técnico e a globalização: cidadania ou submissão? Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

MAXIMO, Antonio Carlos. Os intelectuais e a educação das massas. O retrato de uma tormenta. Campinas. São Paulo: Autores Associados, 2000.

_________. Os dois lados da moeda. In: Repensando o ensino médio. Revista Recado. Nº.03/setembro de 1997.

MELLO, Guiomar Namo. A articulação entre Ensino Médio e Ensino Profissional de Nível Técnico, segundo a LDB e as novas Diretrizes Curriculares. Texto disponível no Sitio do PROEP/ MEC/ no dia 10 de outubro de 2003.

Page 156: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

154

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2000.

MINAYO, C. Gomes. Processo de trabalho e processo de conhecimento. In: GOMES, Carlos Minayo et al. Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002.

___________,et. al Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

MOURA, Alexandrina Sobreira. O Estado e as políticas públicas na transição democrática. São Paulo: Vértice, 1989.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. Ed. revista e modificada pelo autor. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

NOSELLA, Paollo. Trabalho e educação: do tripalium da escravatura ao labor da burguesia; do labor da burguesia à poésis socialista. In: GOMES, Carlos Minayo et al. Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002.

_________. A escola brasileira no final de século: um balanço. 3. ed. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Educação e crise do trabalho: perspectiva de final de século. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. (Coleção estudos culturais em educação).

NOGUEIRA, Flávia Maria de Barros. Entrevista realizada no dia 10/05/2005 com a Secretária de Estado de Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso no seu Gabinete, 2005.

OLIVEIRA, Dante Martins de. Opinião. In: Projeto Estratégico Regional do SENAI. Perfil Competitivo do Estado de Mato Grosso, 2002, p.9.

PAIVA, Vanilda (org)Transformação produtiva e equidade: a questão do ensino básico. Campinas. SP. Papirus, 1994.

PARENTE FILHO, José. Escolas Técnicas Federais: um universo diversificado. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade de Brasília: 2001.

PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

__________. Construir as competências desde a escola. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed. 1999.

POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização – a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. 2. ed. São Paulo. SP: Boitempo editorial. 2002.

__________. O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Editora Contexto, 1999.

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira. 20. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

Page 157: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

155

RICO, Elizabeth Melo (org.). Avaliação de políticas públicas: Uma questão em debate. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

ROSA, Maria Torres. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. In: O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. Orgs. Lívia De Tommasi, Miriam Jorge Warde, Sérgio Haddad, 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

ROPÉ, Françoise; TANGUY Lucie (orgs). Saberes e Competências: o uso de tais noções na escola e na empresa. Trad. Patrícia Chitoni Ramos e equipe, Campinas, SP, 1997.

SALVADOR, Sandoval. Os trabalhadores param: greves e mudança social no Brasil: 1945-1990. São Paulo: Ed. Ática, 1994.

SAVIANI, Demerval. A Nova Lei da Educação: trajetória, limites e perspectivas. 8. ed. Ed. Reformulada. São Paulo, autores associados, 2003.

________. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.

SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso. Da ancestralidade aos dias atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002.

SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Reforma do Estado e da educação no Brasil de FHC. São Paulo: Xamã, 2002.

SOUTO, Rosiley Aparecida Teixeira. Mediadores do consenso: conflitos e ambigüidades nos encaminhamentos da educação mato-grossense (1997-1998). Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Mato Grosso, Programa Integrado de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2001.

__________. Mediadores do Consenso: a relação intelectuais da academia e funcionários de carreira que atuam na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Volume II. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Mato Grosso, Programa Integrado de Pós-Graduação em Educação. Cuiabá, 2001.

TEIXEIRA, Francisco Maria Pires. História do Brasil: da Colônia à República. 2. ed. São Paulo: Ed. Moderna, 1979.

DOCUMENTOS

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer 016 de 05 de outubro de 1999.

________. Resolução nº 04 de 05 de outubro de 1999.

________.Contrato de Empréstimo Nº 1052/OC-BR, entre a República Federativa do Brasil e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – Programa de Reforma da Educação Profissional – PROEP, 1997c.

________. Decreto-Lei nº 2.208, de 17 de abril de 1997.

________.Lei n 5.692/71

Page 158: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

156

_______.Ministério da Educação. Educação Profissional / Legislação Básica. 5. ed. Brasília, 2001.

_______.MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PROEP. Diretrizes nacionais para a educação profissional de nível técnico. Brasília: MEC, 2000.

_________.Ministério da Educação. Ensino de 2º grau Habilitação Profissional. Brasília. 1979.

_________.Ministério das Relações Exteriores. Seminário Internacional sobre Emprego e Relações de Trabalho. São Paulo: 1997b; Brasília: 2000.

_________. Ministério do Trabalho. Questões críticas da educação brasileira. Brasília, 1995.

Carta ao Dr. Fausto de Souza Faria. Secretário de Estado de Educação. Assunto: educação profissional de Mato Grosso. Junho/1998.

FRENTE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO. Plano de Metas, Mato Grosso 1995-2006: Plano Estratégico e Programa de Governo. Cuiabá, 1995.

_________.Plano de Metas, Mato Grosso 1995-2006: Visão Estratégica & Programa de Governo. Versão: 1999-2002. Frente Cidadania e Desenvolvimento. Cuiabá, 1998.

_________. Plano de metas do governo do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: Governo do Estado de Mato Grosso, 1995/98.

Governo do Estado de Mato Grosso. SEPLAN. Plano Plurianual – 1998-2003. Diretriz nº 3.13.

IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. 1995 e 1998. Mato Grosso

MATO GROSSO. Convênios nºs. 093/97; 029/98; 201; 202; 203; 204/ 1999; 019/2000; 267/2000 e 22; 23; 24/2002, entre o Governo do Estado de Mato Grosso e o Ministério da Educação/PROEP.

_________. Gabinete do Governador. Of. GG nº 160/2001. Ao Exmo. Sr. Paulo Renato de Souza. Ministro da Educação. Brasília-DF, junho/2001.

_________. Governo do Estado. Plano Plurianual. Período 2000-2003: Cuiabá, Governo do Estado de Mato Grosso, 1999.

_________. Lei nº.7.819, de 09 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a educação profissional, institui o Fundo de Educação Profissional, cria a Superintendência de Educação Profissional e os Centros Públicos de Formação Profissional. CENFORs, na estrutura da Secretaria de Estado de Ciência Tecnologia e Educação Superior.

_________. Plano de ação – período 1999-2003. Cuiabá, Governo do Estado de Mato Grosso, 2000.

Page 159: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

157

_________. Plano de ação – período 1999-2003 (reformado). Cuiabá, Governo do Estado de Mato Grosso, 2002.

_________. Projeto Estadual de Reforma da Educação Profissional de Mato Grosso - PEP-2000.

_________.Projetos Escolares dos Cenfors-PEC’s/1999 de Alta Floresta, Sinop, Rondonópolis, Barra do Garças , Diamantino, Tangará da Serra e Pontes e Lacerda/2002.

_________. Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Superior.Relatório de levantamento e instalações de equipamentos realizado no Centro Público de Formação Profissional “Blásio Germano Schimitz”. Alta Floresta - equipe de educação profissional da Secretaria de Estado de Ciência Tecnologia e Educação, 2003.

_________. Secretaria de Estado de Educação: Programa Reorganização do Sistema Estadal .Políticas do Ensino Médio para o Estado de Mato Grosso. Cuiabá: Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, julho/1995a.

__________. Secretaria de Estado de Educação: Programa Reorganização do Sistema Estadal .Centros Públicos de Formação Profissional (pré-projeto). Cuiabá: Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, agosto/1995b.

_________. Secretaria de Estado de Educação. Centros Públicos de Formação Profissional (ante-projeto). Cuiabá: Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, março/1995.

_________. Secretaria de estado de educação. Revitalização e redefinição das escolas estaduais/municipais do Estado de Mato Grosso (ante-projeto). Cuiabá, 1996.

___________. Secretaria de Estado de Educação. Novas perspectivas para o ensino médio. Cuiabá, 1997.

_________. Secretaria de Estado de Educação. Educação profissional: alternativas para o exercício competente da cidadania. Cuiabá, 1998.

_________. Secretaria de Estado de Educação. Conselho Estadual de Educação. BATÁRU 40 anos. Ed. Especial – Cuiabá: Central de Texto, 2002.

_________. Secretaria de Estado de Educação. Avaliação da ação governamental -2002. Programa Ensino Profissionalizante: implantação de Centros Públicos de Formação Profissional. Cuiabá, junho/2002.

_________. Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral. Anuário estatístico 2003. Volume 25.

_________. Relatório Anual de atividades da equipe de Educação Profissional/1995-2002.

_________.Relatório–Síntese de Processos Licitatórios de Equipamentos e de Capacitação/2002.

Page 160: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

158

MEC/PROEP. O.f. nº. 1.145/99/PROEP/SEMTEC/MEC. ao Sr. Dep. Antonio Joaquim Moraes Rodrigues Neto. Secretário de Estado de Educação de Mato Grosso, dez. 1999.

MEC/PROEP. Of. nº 271/MEC/SEMTEC/PROEP ao Sr. Antonio Joaquim Moraes Rodrigues Neto. Secretário de Estado de Educação de Mato Grosso, março/2000.

MEC/PROEP. Relatório de Inspeção nº 01/2003 no Cenfor de Alta Floresta. Engenheiro Consultor Messias Inácio Franco

MEC/SEMTEC/PROEP/ Carta Consulta. Brasília,setembro/1997d.

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO. Programa de Reforma da Educação Profissional. Relatório de atividades, MEC, 2002.

________. Relatório de atividades.MEC, 1º semestre 2003.

Ofício 162/GB/SEDUC/1996 no qual o Governo de Mato Grosso encaminha ao Ministério da Educação o Termo de Adesão dos Princípios da Reforma, 1996.

Ofício nº 1.459/97 de 30 de dezembro de 1997. À Procuradoria Geral do Estado,1997.

PROEP/MEC. Perfil estadual do Órgão Gestor da Educação Profissional. Os problemas considerados mais graves na implantação da Educação Profissional. 2002.

PROGRAMA DE EXPANSÃO E REFORMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL-PROEP. Manual de Planejamento Estratégico Escolar: construindo a nova educação profissional. MEC/SEMTEC/PROEP. Brasília, setembro/1997a.

PROJETO ESTRATÉGICO REGIONAL DO SENAI. Perfil Competitivo do Estado de Mato Grosso. 2002. Artigo Opinião do então governador Dante Martins de Oliveira.

PROJETO MEC/BID, Instrutivo nº 1: orientações básicas para configuração do Subprograma Reordenamento dos Sistemas Estaduais de Educação Profissional, 1996.

SEDUC, MT. APOENA: a escola jovem de Mato Grosso. Coletânea I.editoração: Jowen, 2001.

SEDUC. Conselho Estadual de Educação. BATÁRU 30 anos. Ed. Especial – Cuiabá, Entrelinhas, 1996.

_________.Contrato. Fundo Estadual de Educação/CEFET/MT,2002.

_________. Governo do Estado. Lei Complementar nº 049/98 de 1º de outubro de 1998.

_________.Planejamento Estratégico da SEDUC – 1995-1998.

_________.Planejamento Estratégico da SEDUC – 1999-2003.

________.Política Educacional para o Estado de Mato Grosso – uma proposta – janeiro de 1995a.

________. Plano emergencial, reestruturação do ensino médio/ profissionalizante, Cuiabá: Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, jan/1995b.

Page 161: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

159

________. Políticas do ensino médio para o Estado de Mato Grosso (Relatório) Programa Reorganização do Sistema Educacional. Projeto Reorganização do Ensino Médio e Tecnológico, julho/1995c.

_________.Portaria nº 1266/95/SEDUC-MT. Publicada no Diário Oficial de dezembro de 1995d.

_________.Relatórios de seminários realizados em 1999 e 2000 pela equipe de educação profissional na Capital. Cuiabá, 1999/2000.

_________.Síntese do Plano Estadual de Ensino Médio – PEM. Projeto de Investimento – PI, Cuiabá, 2000.

PUBLICAÇÕES EM JORNAIS

A Gazeta, 24/08/2000; 18/11/2000; 27/05/2000; 05/12/2001;Folha do Estado, 18/05/2000; 27/07/2000; 27/08/2000; 04/11/2000; 20/12/2001; Diário de Cuiabá, 24/08/2000; 24/01/2001; 19/10/2001;Sonoticias, 27/07/2000; Midianews, 17/08/2000.

Page 162: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 163: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL QUE NÃO ACONTECEU EM …livros01.livrosgratis.com.br/cp071327.pdf · de estudos no mestrado, meu afeto; Drª Acácia Zeneida Kuenzer, ... SEPLAN-MT Secretaria

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo