A educação religiosa nas escolas brasileiras
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1
FACULDADE KURIOS-FAK
INSTITUTO SUPERIOR DE ENSINO-ISE
VALIDAÇÃO DE CREDITOS EM TEOLOGIA
ALESSANDRA COUTO DOS SANTOS
TCC
A Educação Religiosa Nas Escolas Brasileiras.
MARANGUAPE – CE
2014
2
ALESSANDRA COUTO DOS SANTOS
TCC
A Educação Religiosa Nas Escolas Brasileiras.
TCC apresentado em cumprimento às exigências
parciais do curso de Graduação em Teologia; Da
Faculdade Kurios-FAK. Para a obtenção do
grau de bacharel em teologia.
MARANGUAPE – CE
2014
3
DEDICATÓRIA
Ao meu Refúgio, minha Fortaleza, meu
Socorro bem presente na hora da angústia, a Ele, O meu Deus,
por ter me resgatado e sustentado até aqui, tanto nas horas de
alegria como de angústia, Ele foi e sempre será O meu Rochedo.
Obrigado meu Deus por ter me dado à vitória.
À minha querida mãe, que me ensinou os
primeiros passos de minha vida.
Em Fim A todos aqueles que direta ou
indiretamente contribuíram na realização desta obra. Os meus
sinceros agradecimentos.
MARANGUAPE – CE
2014
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AGRADECIMENTOS
Ao meu Refúgio, minha Fortaleza, meu
Socorro bem presente na hora da angústia, a Ele, O meu Deus,
por ter me resgatado e sustentado até aqui, tanto nas horas de
alegria como de angústia, Ele foi e sempre será O meu Rochedo.
Obrigado meu Deus por ter me dado à vitória.
MARANGUAPE – CE
2014
5
FOLHA DE APROVAÇÃO DO TCC Banca Examinadora:
_______________________________________________
Prof. Orientador: Alexsandro Alves.
_____________________________________ Prof. Dr. : Augusto Ferreira da Silva Neto.
___________________________________ Prof. Dr. : Luiz Eduardo Torres Bedoya.
___________________________________ Prof. Dr. : Marlon Leandro Schock.
____________________________________ Prof. Ms. : Ladghelson Amaro dos Santos.
______________________________________ Graduando (a): ALESSANDRA COUTO DOS SANTOS
Este TCC Foi aprovado em:
________de________________de________
MARANGUAPE – CE
2014
6
RESUMO
Este TCC analisa sucintamente a problemática gerada pela inserção da disciplina Ensino
Religioso na educação pública no Brasil, abordando a trajetória histórica da relação de
corporativismo entre religião e Estado, com prováveis reflexos na sociedade atual. Demonstra
algumas concepções de especialistas sobre a disciplina, seus problemas sócio pedagógicos e
como ela pode ser trabalhada por meio dos temas transversais da educação.
Palavras-chave: ensino religioso; escola pública; liberdade religiosa; laicismo; sociologia;
religião.
7
ABSTRACT
This CBT briefly analyzes the issues generated by the insertion of Religious Education discipline in
public education in Brazil, addressing the historical trajectory of corporatism relationship between
religion and state, with likely impacts on actual society. Shows some views of experts on the subject,
their socio-pedagogical problems and how it can be worked through cross-cutting themes of education.
Keywords: religious education; public schools; religious freedom; secularism; sociology; religion.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................9
CAPÍTULO 1: Abordagem Histórica...................................................................................11
1.1. Período Colonial ........................................................................................................32
1.2. Período Republicano..................................................................................................33
1.3. Período Atual pós-LDB.............................................................................................36
CAPÍTULO 2: Questões Pedagógicas, Técnicas e Socioculturais do Ensino Religioso...37
2.1. Questões Legais...........................................................................................................38
2.2. Questões Pedagógicas.................................................................................................40
2.3. Questões Socioculturais..............................................................................................41
CAPÍTULO 3: O Ensino Religioso Como um Tema Transversal..................................44
3.1. As Ciências Humanas e Suas Tecnologias.................................................................47
3.1.1. Conhecimentos de História....................................................................................48
3.1.2. Conhecimentos de Sociologia, Antropologia e Política.........................................49
3.1.3. Conhecimentos de Filosofia....................................................................................50
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................52
BIBLIOGRAFIAS............................................................................................................53
9
INTRODUÇÃO
Imagine uma sala de aula de uma escola pública, localizada num grande centro urbano.
Obviamente, encontram-se presentes jovens de diversas formações religiosas. Através de sua
imaginação, é provável que visualize católicos, protestantes, budistas, mulçumanos, espíritas,
e vários outros. Agora digamos que, na sala que você está imaginando, seja iniciada uma
discussão sobre assuntos religiosos. Numa primeira situação, a professora tenta abordar as
diferentes crenças, dos diversos jovens presentes. Dias depois, esta mesma professora
descobre que os pais de um dos alunos presentes àquela discussão estão à sua espera, na sala
dos professores, desejando saber por que ela ensinou ―macumba‖ ao seu filho, visto ele ser
cristão. Numa outra situação, imagine agora que a professora pede aos alunos que falem um
pouco sobre suas crenças religiosas. Todos eles, de bom grado, fazem o que a professora pede
à turma. Mas, de repente, quando uma das alunas fala que é do Candomblé e que deseja
esclarecer como funcionam os rituais no terreiro em que frequenta, a professora olha pra ela e
fala claramente: ―A sua crença é coisa do Diabo!‖ — Usou bem a imaginação? Ora, é claro
que estas são apenas situações hipotéticas. Mas sabia que elas podem acontecer na vida real?
Pelo menos é o que parece, em diversas aulas de ensino religioso, conforme foi apresentado
numa reportagem da revista Época, em 2008.[1] Estes acontecimentos, de problemas ligados
ao ensino religioso em escolas públicas, não são de modo algum casos isolados. Como
solucionar tais questões socioculturais? Esta é uma das principais preocupações da pedagogia
moderna…
É evidente que a maioria dos educadores há de concordar que o respeito à diversidade cultural
deve ser um assunto abordado na escola. Não obstante, a principal questão é: como esta
diversidade deve ser tratada? É possível abordar realmente a diversidade cultural por meio de
aulas de Ensino Religioso? As aulas de tal disciplina realmente conseguem contemplar a
grande diversidade existente no Brasil? Não são tais aulas cooptadas por interesses alheios aos
educacionais? Quão científica tem sido a abordagem religiosa nas escolas públicas? Existem
realmente profissionais qualificados para tratar de diversidade religiosa nas escolas públicas?
Estas são perguntas para sérias reflexões.
Foi exatamente devido a tais questões apresentadas no parágrafo anterior que produzimos este
trabalho de pesquisa. Reconhecemos que não respondemos ou demos soluções a todos os
problemas educacionais relacionados ao tema; no entanto, o trabalho procurou se apegar ao
objetivo fundamental proposto: demonstrar o panorama básico da disciplina Ensino Religioso
na educação brasileira e as diversas abordagens em que tem sido inserido.
Por ser base de muita polêmica atualmente, esta disciplina necessita ser analisada a partir de
diferentes abordagens: histórica, pedagógica, técnica, etc.
No primeiro capítulo abordamos sucintamente a trajetória histórica do ensino religioso no
Brasil, desde a colonização até os dias atuais com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
No segundo capítulo analisamos as questões e problemas educacionais, socioculturais e
pedagógicos desta disciplina inserida na educação pública. Por último, no capítulo 3,
apresentamos alternativas educacionais para se abordar a religiosidade como tema transversal
nas diferentes ciências humanas e na filosofia.
10
O método de pesquisa utilizado foi de revisão bibliográfica. Encontramos ampla bibliografia
na internet sobre a temática, apresentando autores e seus argumentos tanto favoráveis como
contrários à manutenção da disciplina em escolas públicas. O uso da internet facilitou o nosso
trabalho de pesquisa de forma demasiadamente eficaz, visto vários artigos de revistas e
jornais sobre o tema estarem disponíveis por meio desta ferramenta moderna, sem mencionar
a disponibilidade de variadas dissertações e teses de mestrado e doutorado sobre o mesmo
tema.
Esperamos que possamos, por meio deste trabalho, contribuir sucintamente para a importante
discussão e reflexão acerca do tema do laicismo do Estado e suas prováveis ameaças, por
meio de atitudes corporativistas dos setores privados da sociedade.
11
Capítulo 1
Abordagem Histórica
Breve Histórico do Ensino Religioso no Brasil
Este texto inicia-se com um breve panorama dos períodos da história do ensino religioso no
país, perpassando desde o período colonial até à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional Nº 9.475/97, que trata o ensino religioso como área do conhecimento, com
metodologia específica, horários preestabelecidos em sala de aula, conteúdos, avaliação e
objetos de investigação. No período colonial brasileiro a educação estava alicerçada entre três
esferas institucionais que eram: a Escola, a Igreja e a Sociedade política/econômica. Nesta
fase os colonizadores queriam de qualquer forma impor suas ideias europeias, enquadrando
assim, as pessoas aos valores sociais que eles defendiam como sendo bom para a sociedade,
nesse período o ensino religioso se fundia e confundia com a corte. Parafraseando Bundchen
(2007), ressalta-se que tudo passava pela questão do ensino religioso, como forma de
evangelização para todos, ou seja, o papel do ensino religioso, da igreja e da educação era
catequizar, uma vez que, esse era o acordo entre o papa e a coroa portuguesa. A educação
pública nesse período deveria ser gratuita, laica e para todos, mas é bem verdade que neste
momento o ensino religioso se liga ao pensamento ideológico do Estado, que consistia em a
burguesia tomar o lugar da hierarquia religiosa, e a educação passaria a ser pensada como
ideal da classe dominante, com seus interesses e valores.
Paiva, ao analisar a relação entre a igreja e a educação no
Brasil colonial nos esclarece que: O colégio foi certamente
outro caminho, não um caminho paralelo, mas expressão
instrumental da pregação e conservação da fé. Colégio,
educação e fé se imbricavam, não alterando a
compreensão que, desde a Idade Média, se tinha dos
estudos(2004, p. 81).
Como é possível perceber nessas palavras, ainda nesse período, a escola e o educador sofrem
com um projeto amplo e unitário, que visava apenas dominar os negros e os índios para só
assim se tornarem pertencentes à fé cristã, e cuja administração ficava a cargo do Estado e da
igreja, que os leva a concluir que:
A religião passa a ser um dos principais aparelhos
ideológicos do Estado, concorrendo para o fortalecimento
da dependência ao poder político por parte da Igreja.
Dessa forma, a instituição eclesial é o principal
sustentáculo do poder estabelecido, e o que se faz na
Escola é o Ensino da Religião Católica Apostólica
Romana(PCN: ER, 2004:13).
12
O texto acima demonstra muito bem que o projeto dos colonizadores portugueses era
verdadeiramente conquistar os gentios à fé católica, para só assim mantê-los em um estado de
submissão aos objetivos da coroa portuguesa, uma vez que se sabe que os jesuítas
desembarcaram juntamente com os colonizadores portugueses, para aqui impor sua religião
convertendo todos ao cristianismo.
Ainda segundo Paiva, é possível perceber que esse interesse da cristianização na educação nos
primeiros anos da colônia foi algo natural como esclarece:
do ponto de vista da Companhia de Jesus, atendendo ela às
instâncias do rei, cumpria também com sua finalidade: a missão
peregrina, sua primeira intuição. Tratava-se de ir ao encontro de, de
buscar almas para comerciar a salvação, conforme sua
espiritualidade mercantil consentânea com os tempos,
espiritualidade ativa em contraponto à contemplativa. Sua
dedicação ao colégio/educação não consistia trabalho paralelo à
missão: fazia-se complemento, no entendimento da época, para a
realização da pregação(2004, p. 83).
Já a partir de Bundchen (2007) podemos verificar que o ensino religioso no período imperial
não mudou muito de figura, tudo porque a religião católica era a religião oficial do império e
o ensino religioso passou a ser acobertadoe submetido à metrópole como aparelho ideológico,
já que nessa época a igreja era dona de um vasto patrimônio econômico e cultural e não
conflitava com a corte, isso sem falar que a mesma trabalhava com a educação, mesmo sendo
papel do Estado. Vale salientar ainda que a Igreja nesse período tinha seus interesses, o de
evangelizar pregando ou impondo a doutrina católica romana.
No período republicano o ensino da religião católica romana
passou por uma crise, pois o novo regime que surgiu em 1891
pedia a separação do Estado em relação à igreja. A partir desse
fato, passou a vigorar a seguinte expressão: Será leigo o ensino
ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino(PCN: ER, 2004.
p. 14).
Essa foi a redação da primeira constituição da república a orientar a educação brasileira. Tal
enunciado quer mostrar que o ensino religioso só poderia ou deveria ser ministrado apenas em
alguns estabelecimentos específicos, como por exemplo, nas escolas de cunho religioso e não
mais naquelas mantidas pelo poder público. Para Junqueira (2002), essa linha de pensamento
foi influenciada pelos ideais da liberdade religiosa regida pelo princípio da laicidade do
Estado, segundo a concepção francesa. É o que consta do discurso de grande número de
parlamentares que atuaram na assembleia constituinte e na implantação do novo regime.
13
Posteriormente, pela liderança dos pioneiros da educação nova, a
partir dos anos 30, essa ideia é intensificada. Com o texto
declarando que o ensino será laico, aconteceu uma grande
discussão em torno do assunto, diante da possibilidade de se excluir
o ensino religioso no texto da constituição de 1891, regendo a
laicidade. A igreja católica romana ainda continuava com sua
atuação voltada para a prática proselitista da catequização dentro
das escolas públicas brasileiras, essa fase se prolongou em todo
percurso da história da educação brasileira, precisamente até os 400
anos da história. (Bundchen, 2007).
Um fato que merece ser apontado é o surgimento da reforma Francisco Campos, que trouxe a
possibilidade de se pensar no ensino religioso como sendo admitido em caráter facultativo,
através do decreto de 30 de abril de 1931 e na Constituição de 1934 ele passou a ser
assegurado no artigo 153 conforme observa José Scampini no trabalho A Liberdade Religiosa
nas Constituições Brasileiras quando diz que:
O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrada de
acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno
manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos
horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e
normais(Scampini, 1978, p. 169).
Vale registrar que nas discussões que envolveram a elaboração da Constituição de 1934 já
havia um esforço das religiões não católicas tidas como minoritárias no sentido de participar
das discussões em torno da problemática do ensino religioso como observa Vasni de Almeida
no artigo Ensino Religioso ou Educação Moral e Cívica:
O jogo de forças travado na Assembleia Nacional Constituinte
brasileira, reunida de novembro de 1933 a julho de 1934,
apresenta-se como uma das poucas possibilidades de se percorrer e
analisar a postura dos protestantes frente aos acontecimentos e
fatos que marcaram a conjuntura política, econômica e religiosa
brasileira nos primeiros cinquenta anos do século passado(2002, p.
26).
De fato a nova configuração legislativa frente à temática do ensino religioso trouxe uma
mudança significativa no que se refere a essa modalidade de ensino. Essa expressão
facultativa permaneceu nas demais constituições até os dias atuais. O ensino religioso, de
maneira facultativa constituirá disciplina das escolas públicas de ensino fundamental.
14
Ensino Religioso, Educação e Religião.
É notório o fato de que o ensino religioso faz parte da vida do brasileiro e, consequentemente
da educação, desde a colonização. Na história da educação brasileira as instituições religiosas
e o processo educativo sempre estiveram em uma constante relação. Historicamente vê-se a
constatação desse fato. Logo na ocupação do país a educação é ministrada e controlada pelos
jesuítas. Será por volta de 1890 que o Estado assumirá a laicidade (reforma Benjamin
Constant) influenciada pelos ideais positivistas, mas o ensino religioso estará presente em
todas as constituições federais, seja de forma obrigatória ou facultativa. Até mesmo na
Constituição de 1988.
Conforme observa Junqueira (1994), mesmo estando
presente nas escolas públicas, constata-se que durante
quatro séculos a educação esteve nas mãos da igreja
católica. Segundo o autor (...) no ano de 1964 esta mesma
instituição religiosa detinha 70% das escolas secundárias
e, nos anos 80, cerca de 40% destes estabelecimentos de
ensino(2002, p.37).
Ainda segundo o mesmo autor, a igreja metodista, apesar de ter uma tradição menor (em
matéria de tempo) na educação brasileira congrega colégios e universidades importantes no
cenário nacional - tal como o Instituto Granbery (Juiz de Fora/MG), escola centenária e
responsável pela formação de pessoas que no passado e no presente se despontam na
sociedade, seja na política, na cultura, nas ciências ou qualquer outro aspecto da vida social,
bem como outras congregações religiosas tal como os Adventistas do Sétimo Dia.
Acreditamos que o ensino religioso de hoje se encontra na dicotomia existente entre o privado
e o público. Esta diferenciação é um aspecto presente na própria configuração religiosa da
modernidade. A especificidade do ensino religioso é um argumento falso segundo:
Roseli Flischiman porque "qualquer espécie de
atividade educacional, em primeira ou última
instância, influencia as pessoas na maneira como
elas vivem suas vidas em sociedade(2000, p.26).
Acreditamos que a atividade educacional de qualquer tipo jamais pode ter apenas
consequências privadas, já que o indivíduo e o cidadão são a mesma pessoa, pois, segundo:
Flischiman assim a educação religiosa cristã
propõe uma espiritualidade que é cristã, sendo
política, ou seja, intervindo na vida das pessoas
para influenciá-los na maneira de cumprir sua
temporalidade nas relações sociais" (2002, p.29).
Assim como a autora, acreditamos que o ensino
15
religioso é uma categoria educacional, com
aspectos de qualquer disciplina da grade
curricular, tendo, inclusive objetivos a serem
alcançados.
Já a catequese é a atividade de repetir ou recontar a história da fé cristã que foi transmitida.
Catequese situa-se assim, como uma atividade instrutiva específica no contexto da empresa
mais ampla da educação religiosa cristã" (Junqueira, 2004, p.14). A essa definição de
Junqueira, pode ser acrescida duas outras concepções, a de:
Bundchen que entende o termo "como um
processo pelo qual os indivíduos são iniciados e
socializados na comunidade eclesiástica (2007,
p.31), e Figueiredo que propõe para a palavra um
significado tão amplo que descreve todo o
processo de fazer-se cristão" (2004, p.16).
Vale lembrar que o ensino religioso difere da catequese na sua própria estrutura: ele está
presente na grade curricular das escolas, inclusive as públicas e está sujeito às normas das
escolas e do tipo de pedagogia que é ministrada nessa escola; a formação do corpo de
professores deve estar de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, porém o corpo
docente é proveniente, na grande maioria das vezes, da instituição religiosa de origem (leigos
ou religiosos). Desta forma o ensino religioso é tratado como uma disciplina, com notas e/ou
conceitos, provas, testes, trabalhos escolares etc. Difere da catequese que não passa pelos
trâmites legais da escola e está intimamente ligada à sua instituição religiosa de origem.
Para Bundchen (2007) a compreensão global do ensino religioso é
pertinente por três motivos principais: a) está presente em escolas
públicas e particulares; b) trabalha com dados que estão na
dimensão da vida religiosa do indivíduo atuando na rede simbólica
que faz contato constantemente com sua realidade cultural em
amplo aspecto - sejam as questões materiais, espirituais ou afetivas
- sendo, portanto, uma disciplina que interfere diretamente na
constituição do indivíduo; c) está na questão educacional em si,
onde o ensino religioso compactua e atua no processo educacional
mais amplo, junto com as outras disciplinas que compõe a grade
curricular, tendo, portanto, responsabilidade pela qualidade desta
educação.
Acreditamos que o ensino religioso está presente na vida do educando de forma explicita (é
disciplina, tem trabalhos a serem feitos e etc.) e implícita (a rede simbólica que envolve o
indivíduo carregado de aspectos religiosos). Assim o educador religioso (professor de
16
religião) deve compreender que sua função é dupla: levar o indivíduo para a sua maturidade
da fé bem como auxiliar na sua formação educacional/instrutiva.
Podemos definir a educação das mais diferentes formas e com parâmetros diversos, mas, em
se tratando de seu objetivo final, todas as definições convergem para o desenvolvimento pleno
do sujeito humano na sociedade. É aqui onde o ensino religioso busca fundamentar a sua
natureza: o homem para adquirir seu estado de realização integral necessita mesmo da
perfeição religiosa? Segundo Bundchen:
Dentre os inúmeros instrumentos de que dispõe a
sociedade para alcançar tão elevado objetivo está a
religião, pois somente quando se coloca a questão da
transcendência, a que se denomina Deus, encontra a
comunidade humana e cada uma das pessoas
individualmente, respostas às perguntas fundamentais que
todos se colocam diante da vida(2007, p.23).
O Estado, a quem, hoje, se confia a educação da maior parte da sociedade, reconhece a
necessidade de uma educação religiosa, sem, no entanto dizer como realizá-lo. Em todo caso,
ele não pode prescindir dos questionamentos fundamentais de toda pessoa humana, e que
constitui o próprio fundamento da sociedade.
O ensino religioso é a disciplina a qual se confia do ponto de vista da escola leiga e pluralista
a indispensável educação da religiosidade. Aqui, já vale observar a necessidade de se superar
uma posição monopolista e proselitista, para que haja uma autêntica educação da religiosidade
inserida no sistema público de educação em benefício do povo.
Os PCN´s para o ensino religioso afirmam que: Pela primeira vez, pessoas de várias tradições
religiosas, enquanto educadores conseguiram encontrar o que há de comum numa proposta
educacional que tem como objeto de estudo o transcendente." (PCN, Art. Ensino Religioso).
Alguns comemoram como uma grande conquista a sua aprovação em lei, porém ninguém
pode negar a complexidade e seriedade desta questão.
Então, será mesmo a aprovação do ensino religioso uma conquista? Ou estaria havendo, como
muitos alegam uma confusão de papéis: escola/igreja, ciência/religião, público/privado? Os
problemas da carência de fundamentação nas ciências vêm reforçar o binômio fé/ciência.
Portanto, qual é o fundamento, que parâmetros são tomados para a viabilização do ensino
religioso?
17
Acreditamos que para a compreensão da razão de ser do ensino religioso é preciso partir de
uma concepção de educação que a entenda como um processo global, integral, enfim, de uma
visão de totalidade que reúne todos os níveis de conhecimento, dentre os quais está o aspecto
religioso. Acreditamos que toda sociedade possui um ethos cultural que lhe confere um
caráter todo particular, e fundamenta toda a sua organização, seja ela política, social,
religiosa, etc. E não é senão a partir da compreensão desses ethos, que poderemos contribuir
com as novas gerações, no seu relacionamento com novas realidades que nos são propostas: o
individualismo, o descartável, a experiência religiosa sem instituição etc. O conhecimento
religioso enquanto patrimônio da humanidade necessita estar à disposição na escola. Em vista
da operacionalização deste processo, o ensino religioso tem se caracterizado pela busca de
compreensão desse sujeito, explorando temas de seu interesse, de forma interdisciplinar, com
estratégias que considerem este novo perfil de indivíduos, estimulando, sobretudo, o diálogo.
A antropologia cultural, depois de muitos estudos históricos, deu ao fenômeno religioso o
reconhecimento de seu caráter universal. Fato este, que nos leva a um reconhecimento ainda
maior da originalidade deste fenômeno em e de cada cultura em específico. A religião nasceu
a partir do fenômeno morte afirma Frei Vicente Bohne, da coordenação dos PCNs. A angústia
existencial que necessita de uma resposta, ao longo da história da humanidade conseguiu
elaborar, basicamente quatro respostas: a Ressurreição, a Reencarnação, o Ancestral, o Nada.
Aqui, é preciso deixar claro que o ensino religioso não pode ser de forma nenhuma uma
experiência de fé, muito menos servir de propaganda da fé e para a fé. Nem a escola pode se
prestar a esse papel. Mas esse mesmo ensino religioso precisa se manter para a sua própria
razão de ser, sob o fundamento do conhecimento das religiões e da própria história das
religiões. A partir de uma abordagem antropológica e filosófica, que reconhece o fenômeno
religioso como decorrência de sua propriedade humana, de sua condição existencial, e
seguindo para uma abordagem mais específica e de nossos interesses que a ordem
pedagógica, podemos dizer que o específico do ensino religioso é ajudaro aluno a se
posicionar e a se relacionar da melhor forma possível com as novas realidades que o cercam,
ou seja, o mundo, a vida, as relações sociais, a própria religião. Primeiramente em relação aos
seus limites e depois quanto às linguagens simbólicas. O ensino religioso é, portanto, uma
questão diretamente ligada à vida, e que vai se refletir no comportamento, no sentido que
orienta a sua ética, conforme observa Santos:
Na medida em que as religiões tenderam a se
institucionalizar e a se tornarem organizações públicas,
mantidas e presididas pelo rei ou sustentadas oficialmente
como um bem do Estado, pela comunidade política,
introduziu-se uma distinção, mais ou menos perversa,
entre ética, regulada pela fidelidade dos cidadãos aos
costumes e bens da comunidade política, e a religião, cujas
práticas eram ditadas pela fidelidade aos ritos e
celebrações, independentemente da qualidade ética, tanto
dos cidadãos como dos sacerdotes que os presidiam(2001,
p. 44).
18
Segundo Junqueira (2004), essa dicotomia entre religião e
vida marcou muito fortemente a religião, tornou-se um dos
mais graves problemas do cristianismo latino-americano,
como identificou o episcopado católico em Santo
Domingo, em 1992.
Tudo isto, ilustra um pouco da necessidade e a seriedade para se orientar a formação de um
profissional que a sociedade ainda não tem. Este deverá estar capacitado, qualificado por uma
visão e atuação muito maior que mostrou possuir a prática até hoje, e no qual o conteúdo
deixe de ser quase que exclusivamente uma reflexão de valores, mas possa explicitar áreas
específicas do conhecimento religioso.
Houve avanços quanto ao direcionamento pedagógico desde as reflexões e lutas pela inserção
do ensino religioso, garantida na Constituição Federal de 1988:
O Ensino Religioso ocupa-se com a educação integral do
ser humano, com seus valores e suas aspirações mais
profundas. Quer cultivar no ser humano as razões mais
íntimas e transcendentais, fortalecendo nele o caráter de
cidadão, desenvolvendo seu espírito de participação,
oferecendo critérios para a segurança de seus juízos e
aprofundando as motivações para a autêntica
cidadania(Texto Constitucional de 1988).
A sala de aula não pode se traduzir numa comunidade de fé, mas um espaço privilegiado de
reflexão sobre limites e superações. Isto implica a necessidade de se construir uma pedagogia
que favoreça tal perspectiva, porque o que a sociedade objetiva é fruto de uma experiência
pessoal, na incansável busca de respostas para as questões existenciais. Acreditamos que é
preciso interpenetrar teoria e prática. Nesse processo, a elaboração de uma linguagem
simbólica favorece a descoberta e experiência dessa realidade. Portanto, podemos considerar
quanto aos aspectos essenciais que orientam a ação pedagógica do ensino religioso a
pedagogia do limite, a linguagem simbólica, os livros sagrados, e a dimensão dos valores. A
prática vai se dá na ordem da linguagem simbólica, procurando desenvolver o educando na
capacidade de decifrar a linguagem simbólica e na compreensão das experiências do
transcendente. Muitos - sem compreender sua dimensão específica - questionam: "para quê o
ensino religioso se já temos a ética como um dos temas transversais, com todo um
conteúdo?". A própria história do ensino religioso nos mostra que a ética até a pouco foi o
principal objeto do ensino religioso, quando não uma doutrinação religiosa. Nesta perspectiva,
precisamos compreender com clareza de que ética se está falando.
19
Santos afirma que toda religião comporta uma ética e toda ética desemboca numa religião, na
mesma medida em que a ética se orienta pelo sentido do transcendente da vida humana"
(2001, p. 63). Por isso acreditamos ser necessário superar as errôneas e muitas vezes limitadas
definições de ética e propor uma ética da consciência e da liberdade em lugar da ética da lei e
da obrigação. Na raiz da ética, como contempla o ensino religioso, está a busca da
transcendência que dá sentido à vida, que proporciona a plena realização do ser humano
pessoal e social. A dimensão da religião e sua espacialidade são realizadas através das
relações entre bens simbólicos, mercados e redes. Os objetos simbólicos são criados ao longo
do tempo pelos próprios adeptos de certa religião, estes empregam certo valor sagrado a
certos objetos transformando-os em mercadorias de valor simbólico e religioso.
Segundo Bundchen é o bem simbólico que dá sentido e
significado às práticas religiosas de diferentes grupos
(2007 p. 21). O entendimento do campo simbólico se dá
pelo interesse da sociedade em geral que deseja defender
os seus interesses e de igual forma pelos agentes religiosos
que também defendem os seus, daí surge à ideia de capital
religioso onde é expresso pela demanda religiosa e a oferta
religiosa que as diferentes instituições são compelidas a
produzir, alguns chamam isto de mercado da fé.
Ainda segundo Bundchen:
O capital religioso tende a ser acumulado e concentrado
nas mãos de um grupo de administradores do sagrado. A
separação simbólica entre o saber sagrado e a ignorância
profana é reforçada e acentua a distinção entre os
produtores do sagrado e os consumidores dos bens
simbólicos. O mercado de bens simbólicos a partir da
divisão do trabalho se dá por um grupo de trabalhadores
especialistas em religião, dotados como porta-vozes do
sagrado, investidos de poder institucionalizado ou não,
incumbido da gestão dos bens de salvação, são entendidas
como um corpo de funcionários do culto, dotados de uma
formação especializada em religião, incumbidos da gestão
dos bens de salvação e com função específica de satisfazer
os interesses religiosos(2007, p.25).
20
Ainda para a autora no catolicismo popular brasileiro há
um conjunto de bens simbólicos imagens, ex-votos,
terços, medalhas, santinhos e outros objetos que suscitam
um processo produtivo envolvendo mecanismos de
mercado.(2002, p. 46).
Acreditamos que a experiência religiosa é ao mesmo tempo individual e coletiva. Ela tem um
significado original para cada devoto, assim, a fé é individualmente vivenciada, a experiência
coletiva é partilhada quando as crenças, as atitudes e as interpretações simbólicas adquirem
uma forma comunitária. Quando dizemos que o homem é religioso dizemos que o homem é
motivado pela fé em sua experiência na vida, essa noção permite a leitura do poder sagrado na
construção de territórios religiosos.
Sobre a dimensão política da religião Bundchen afirma:
A dimensão política do sagrado permite reconhecer as múltiplas
estratégias espaciais existentes entre religião e espaço. O estudo da
territorialidade tem significado tanto para as sociedades modernas
quanto para aquelas que permanecem tradicionais. O espaço
assume uma dimensão simbólica e cultural onde se enraízam seus
valores e através do qual se afirma a sua identidade. Ao mesmo
tempo, as estratégias espaciais acentuam o domínio político de
grupos nacionais que possuem autoridade quase religiosa. Divisões
territoriais e organização hierárquica de religiões
institucionalizadas são estratégias políticas adotadas com o objetivo
de assegurar o controle, a vivência e a vigilância dos fiéis frente à
crescente mobilidade dos homens e a fatos históricos relevantes.
Territorialidade religiosa significa o conjunto de práticas
desenvolvido por instituições ou grupos no sentido de controlar um
dado território. Sendo assim, a territorialidade engloba ao mesmo
tempo as relações que o grupo mantém com o lugar sagrado (fixo)
e os itinerários que constituem o seu território. a territorialidade é
uma oscilação contínua entre o fixo e o móvel entre, de um lado o
território que dá segurança, símbolo de identidade, e, de outro, o
espaço que se abre para a liberdade, às vezes também para a
alienaçãoA sacralização de normas, valores e ideias que
simbolizam o poder político deve ser celebrada no espaço, é a
chamada religião civil, que visa um controle social(2007 p. 32).
Como exposto até aqui, acreditamos que a cultura cria a noção de sagrado e profano em
relação a lugares, festas, alimentos, pessoas, roupas, etc. Influenciando diretamente na cultura
de determinada população que ora esteja sob influência de alguma religião.
21
Para Bundchen espaço, cultura e religião estão reunidos em novos planos de percepção teórica
que introduzem uma possibilidade de pensar o sagrado e o profano na ciência. O elo entre
espaço e religião fornece material rico à reflexão(2007 p. 37). A natureza do espaço da
religião consolida-se na exploração dos conceitos do sagrado e do profano. O sagrado como
manifestação cultural afirma-se no lugar, no espaço, na paisagem e na religião. É no espaço e
no tempo sagrados que as dimensões citadas se manifestam, nos dias atuais, com o
desenvolvimento e o acesso aos meios de comunicação em massa, esta influência se acentua
ainda mais.
O ensino religioso, segundo a LDB/1994 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação), deve ser uma disciplina
ministrada no horário normal nas escolas públicas de
ensino fundamental, sendo, portanto, parte integrante da
formação básica do cidadão, sendo respeitada a
diversidade religiosa brasileira e sendo vetada qualquer
forma de prosetilismo. Ainda segundo a LDB/1996: são os
sistemas de ensino que criarão regras para a escolha dos
conteúdos e admissão de professores devendo ser ouvidas
entidades religiosas para que os conteúdos sejam
definidos(LDB, 1996, Introdução).
Os eixos temáticos, segundo os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Religioso) abordam temas como teologia, sociologia, filosofia, história, geografia, psicologia
e antropologia das religiões, tal como a ética, a moral e a fenomenologia próprias das
religiões.
Segundo Figueiredo o Ensino Religioso no Brasil começa,
de certa forma, a partir da chegada dos colonizadores
europeus, os quais buscavam evangelizar e catequizar os
indígenas que aqui já viviam e os negros trazidos do
continente africano (1995 p.78). Ainda segundo o autor
era ensinado por padres católicos ou pessoas designadas
com o formato de catequese: ensino da doutrina
católica(1995, p. 78).
Até a proclamação da república o ensino religioso escolar
confundia-se com catequese, a partir de então as
discussões se aprofundaram no sentido de fazer com que o
ensino religioso se constituísse de fato como um ramo do
saber e estudado no ambiente escolar desalinhado dos
doutrinamentos religiosos. (Figueiredo, 1995).
22
Santos compreende que a sociedade, que deve ser
finalmente a preocupação fundamental de todo e
qualquer ramo do saber humano, é uma sociedade
total. Cada ciência particular se ocupa de um dos
seus aspectos.(2001, p. 32).
É nesta perspectiva que deve caminhar o ensino religioso, contribuindo sempre para uma
existência melhor, e focando a independência dos discentes no que tange ao pensar o seu
espaço de vivência e como espaço de construção da cidadania.
Ao fazermos uma breve análise da trajetória do ensino religioso no país buscando
problematizar a questão da relação entre essa modalidade de ensino e a educação e o próprio
conceito de religião vale a pena pensar outra problemática que julgamos necessária para a
discussão ora proposta, que consiste em discutirmos o que seria os limites e desafios do
ensino religioso no nosso país. Sem querer aprofundar ao máximo a temática e cair numa
discussão demasiado filosófica consideramos indagar no tópico seguinte o ensino e a
legislação vigente, questionar o sentido do acordo que foi estabelecido entre o Vaticano e o
Brasil que trata o ensino religioso, o perigo desse acordo frente a uma perspectiva de laicidade
do Estado brasileiro, e por fim o papel do ensino religioso frente aos limites e desafios a ele
impostos segundo nosso raciocínio.
O acordo Brasil-Vaticano quanto ao ensino religioso
Recentemente, tem havido intensas discussões acerca de um acordo entre o Brasil e a Santa
Sé (PDC n° 1.736/09), relativo ao estatuto jurídico da igreja católica no Brasil. Um dos pontos
do debate é o ensino religioso nas escolas públicas. Embora o acordo fale em liberdade
religiosa e em diversidade cultural, além de lembrar que o ensino religioso é facultativo, o
fato de ter sido assinado pelo governo brasileiro e pela igreja católica reacendeu as discussões
sobre a questão do Estado laico, aquele que é independente de toda e qualquer confissão
religiosa.
Para Roseli Flischmann, coordenadora de um
grupo de trabalho denominado Estado Laico, o
acordo é inconstitucional. A autora lembra que o
artigo 19 da Constituição Federal veda a União,
Estados, Municípios e Distrito Federal
estabelecer aliança com igrejas ou seus
representantes, e o acordo, mesmo sendo de tipo
bilateral, internacional, incide nessa
proibição(2000, p.13).
23
Roberto Romano acredita que a liberdade religiosa e a paz pública
são ameaçadas pelo acordo. No cenário nacional, ela seria um
agravante à intolerância. Para o filósofo O Brasil, até hoje, apesar
das lutas em surdina entre as denominações cristãs e da
intolerância de todas elas em relação aos cultos africanos, espíritas,
budistas , não tinha uma querela aberta, como a causada pelo
acordo, (Sabino, 2009, p.61).
Já o arcebispo Dom Walmor Oliveira de Azevedo, no artigo
Acordo e laicidade, publicado pela Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, afirma que o acordo consolida posições já
estabelecidas e nada tem a ver com entendimentos que apontam
privilégios para uma determinada confissão religiosa em
detrimento de outras(Revista da CNBB, 2009, n 234, p.08).
Em artigo Bonifácio de Andrada, professor de direito
constitucional, defende que Acordos desse tipo são comuns
mundialmente, sobretudo no Ocidente, para garantir ao povo o
direito às suas crenças. O Estado democrático é laico, mas a nação
é religiosa (Sabino, 2009, p.58). Andrada defende que o estatuto
constitui porta abertapara que aconteçam no Brasil outros acordos,
com diversos credos. Também a Câmara aprovou a chamada Lei
Geral das Religiões (PL nº 5.598/09), que estenderia às demais
religiões as oportunidades dadas pelo acordo à igreja católica. O
texto do projeto, que seguiu para votação no Senado, é semelhante
ao do Estatuto e utiliza o termo instituições religiosas em lugar de
igreja católica.
O ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental é
estabelecido pela Constituição (art. 210) e pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB/1994). O artigo 11 do Estatuto
da Igreja Católica no Brasil reafirma o direito à liberdade religiosa,
o respeito à diversidade cultural e o caráter facultativo da
disciplina, mencionando o ensino religioso católico e de outras
confissões religiosas. No entanto, o artigo 33 da LDB atual
estabelece que cabe aos sistemas de ensino regulamentar os
procedimentos para definição de conteúdos e que, para isso, os
estabelecimentos ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas(LDB, Artigo 33).
24
Para Flischmann, o artigo 11 do Estatuto é duplamente
inconstitucional. Tanto por ser parte de um acordo que, em si, fere
a Constituição, quanto por contrariar a redação que é dada a essa
matéria, tanto na Constituição Federal quanto na LDB (2000, p.13).
O cardeal Odilo Pedro Scherer, da CNBB, argumenta:
Fica muito claro que o ensino religioso previsto no acordo não é
imposto aos estudantes, mas é de matrícula facultativa; não é só
católico nem é discriminatório, mas plural e respeitoso da
diversidade cultural e religiosa do Brasil; grupos religiosos não
católicos poderão oferecer sua própria proposta de ensino
religioso(Sabino, 2009, p. 63).
George Augusto Niaradi, também defende o acordo. Em entrevista à Revista Veja de
28/08/2009, afirmou que o texto não privilegia o ensino da religião católica nas escolas
públicas, na medida em que deixa claro que a disciplina é facultativa.
Na interpretação de Afonso Soares, o acordo propõe explicitamente
um ensino confessional. Soares afirma que não há como oferecer,
em todas as escolas, docentes para todas as religiões e que nem a
igreja católica tem quadros suficientes para atender a todo o país.
Mas algumas de suas principais rivais, entre as igrejas
neopentecostais, estão muito bem preparadas para enviar um
exército de missionários a todos os estabelecimentos de
ensino(Sabino, 2009, p.61).
Soares completa que o resultado disso, no médio e longo prazo,
será tudo, menos um maior espírito de diálogo entre as religiões
(Sabino, 2009, p.62). Por outro lado, o bispo Dom Fillipo Santoro,
argumenta que o ensino religioso não deve ser entendido como
alusivo a uma religião genérica, a-confessional, indefinida, já que
tal religião' não existe. Seria pura abstração mental, sem
correspondência na realidade da vida e da sociedade
humana(Sabino, 2009, p.62).
Já a antropóloga Débora Diniz, avalia que, no que se refere à
questão do ensino religioso nas escolas públicas, há um risco claro
de que o acordo reforce distorções em relação à liberdade religiosa.
Para ela é preciso garantir que a diversidade religiosa, cultural e
social será representada no ensino religioso(Sabino, 2009, p.61).
25
Acreditamos que certamente, nesse marco ético, a religião católica será representada, uma vez
que possui um importante papel na consolidação e formação da sociedade brasileira. Mas isso
não deve ser garantido por um acordo internacional, e sim por princípios éticos, pedagógicos
e de justiça sobre o conteúdo do ensino religioso em um Estado laico. A questão ética não
precisa de um acordo entre dois Estados.
De acordo com a Constituição, o Estado laico é aquele que, respeitosamente, não interfere nos
assuntos religiosos e não estabelece relações de dependência ou aliança com cultos religiosos,
igrejas ou seus representantes, nem cria distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Acreditamos que Estado laico e escola pública universal, inclusiva e democrática são,
historicamente, conquistas associadas e interdependentes. Nesse sentido, o acordo pode ser
um equívoco.
O ensino e a legislação vigente
A LDB de 1996 estabelece a oferta obrigatória, com matrícula facultativa, da disciplina de
ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental. Deve ser assegurado que o
estudante, seus pais ou responsáveis sejam consultados previamente sobre a intenção de
matricular. Entretanto, são comuns as situações em que as escolas ou redes de ensino agem de
forma contrária, matriculando todas as crianças e somente excluindo aquelas que manifestem
expressamente a intenção de não frequentar a disciplina. Diga-se de passagem, isso cria um
constrangimento ao aluno, que passa a ser visto como diferente ou excluído.
Ainda segundo a antropóloga Débora Diniz, que coordena o estudo
O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: qual
pluralismo?, explica que para definir o caráter facultativo, é
estabelecido o critério das 800 horas de carga anual exigidas pelo
MEC para o ensino regular. Se a disciplina é de matrícula
facultativa, deve ser oferecida além das 800 horas. A determinação
de alguns estados da federação para que a disciplina faça parte da
grade curricular reforçaria a hipótese de que o caráter facultativo
não esteja sendo respeitado. Para Diniz A estratégia mais comum é
incluir o ensino religioso no meio da grade de aulas, o que dificulta
o exercício da facultatividade pelo estudante(Sabino, 2009, p.62).
No que se refere ao caráter confessional, a antropóloga explica que seu estudo busca os
marcos legais ou normativos de cada estado brasileiro para entender como o ensino é
regulado. Ela acrescenta que há uma grande variação nesse cenário, que oscila entre a
confessionalidade e a pluriconfessionalidade.
26
A antropóloga chama atenção para o fato de o MEC não regular
conteúdo, material didático e critérios de habilitação de professores
para a disciplina. Ela avalia que esse vácuo normativo e de
monitoramento acaba por abrir espaço para uma série de
interpretações sobre qual deve ser o conteúdo do ensino
religioso(Sabino, 2009, p.62).
Visto que a disciplina está em um marco constitucional, Diniz
afirma que não apenas a liberdade religiosa, mas principalmente o
direito à igual representação da riqueza social deve ser atendido. E
completa dizendo acreditar que nosso objetivo político e
pedagógico seja garantir que o MEC participará ativamente da
definição dos conteúdos e critérios de habilitação de professores
para o provimento do ensino religioso(Sabino, 2009, p.62).
O ensino religioso na sala de aula
A questão do ensino religioso, além de acender polêmicas, ainda traz muitas dúvidas. Um
ponto a ser esclarecido é a diferenciação entre ensino religioso e ensino catequético. O
primeiro diz respeito à formação das crianças para o respeito aos valores, às culturas e à
diversidade religiosa; o segundo implica o ensino de determinada religião. A primeira
modalidade é de responsabilidade do Ministério da Educação e dos governos, pois se trata de
uma disciplina assegurada pela LDB. Já o ensino catequético é de responsabilidade dos
representantes das diversas doutrinas e deve ser restrito às igrejas.
É compreensível que o ensino catequético faça parte do currículo de uma instituição particular
assumidamente confessional. Todavia, mesmo numa instituição confessional o ensino
religioso deveria ser facultativo, pois nem todos os alunos pertencem à instituição de fé. Se os
pais optam por uma escola desse tipo, estão cientes da formação que o filho irá receber lá.
Entretanto, na escola pública não é tão simples, pois, antes de tudo, é preciso respeitar a
diversidade religiosa.
Segundo Bundchen:
O ensino religioso confessional na escola pública
implicaria em ter à disposição professores capacitados
para quaisquer religiões que, porventura, os pais
escolhessem para seus filhos. Parece óbvio que, na prática,
isso redundaria em privilégios para a Igreja Católica e
algumas igrejas evangélicas mais organizadas. É difícil
supor que haveria, por exemplo, professores qualificados
para lecionar umbanda, candomblé, santo Daime ou
xintoísmo em todas as escolas(2007, p.26).
27
Ainda segundo Bundchen (2007), atualmente, o Brasil conta com três modalidades de ensino
religioso. A confessional, vinculada especificamente a uma religião; a interconfessional, que
resulta de um acordo de determinadas matrizes religiosas (as cristãs, por exemplo); e por fim,
a supraconfessional, voltada ao ensino de sociologia, história e antropologia das religiões,
com o objetivo de abordar a disciplina sob o aspecto científico do fenômeno religioso e não
das doutrinas em si.
A autora aponta inconstitucionalidade nas duas primeiras modalidades, pois, de acordo com a
lei, a disciplina ministrada em escolas públicas não pode estar vinculada a uma confissão
religiosa específica ou ainda ficar dependente de um acordo entre diversas denominações, o
que nunca chegará a respeitar o princípio da igualdade, pois não há unidade possível quando
se fala de direito à liberdade de crença, culto e religião(2007, p. 21). A terceira modalidade
seria fruto de uma tentativa de justificar a possibilidade de manutenção do ensino religioso em
uma escola pública que deve ser laica.
Ainda segundo Bundchen:
Persistem, ao menos, dois problemas: por mais que seja possível
abordar religião sob o enfoque das ciências, isso, evidentemente, é
objeto de estudos superiores ou, no mínimo, de disciplinas já
presentes no ensino médio, não havendo necessidade, para tratá-las,
de uma disciplina própria. É importante lembrar que as crianças,
objeto do ensino religioso, têm idade entre 6 e 14 anos. Quando
estudamos as propostas curriculares que se autodenominam não
confessionais ou supraconfessionais, quase invariavelmente
percebemos que elas acabam caindo em dogmas de determinadas
raízes religiosas(2007, p. 23).
Além disso, nas séries iniciais do ensino fundamental do 1° ao 5° ano não há organização por
disciplinas, o que resulta em todas as aulas ministradas pelo mesmo professor, inclusive o
ensino religioso. Portanto, nesses casos, não se respeita a facultatividade da disciplina. A
disciplina ficará dependente da confissão de fé do professor regente. Para garantir a
constitucionalidade do ensino religioso, seria possível então pensar em uma disciplina que
abarcasse diversas religiões para, assim, respeitar a diversidade? Segundo alguns
especialistas, essa alternativa também seria inviável. Roseli Flischmann acredita que reunir
várias religiões em uma só disciplina seria um fracasso em vários sentidos. Para ela:
Como conteúdo religioso, é uma impossibilidade; como
postura ética, é um equívoco, porque homogeneíza o que
não pode ser homogeneizado, sob pena de violar a
liberdade de consciência, de crença e de culto; como
proposta escolar, pode facilmente se transformar em
engodo e imposição, por incidir nas possibilidades de cada
pessoa, de conseguir ensinar apenas o que é de sua própria
vivência, e nada mais(2000, p. 16).
28
O debate sobre o ensino religioso pode ser considerado muito amplo e polêmico, com
posições contra ou a favor. Talvez o principal tema relacionado ao ensino religioso em escolas
públicas seja a problemática do laicismo do Estado, isto é, a concepção de que, embora não
sejam pró-ateístas ou anti-religiosos, os órgãos públicos devem ser neutros em questões de
consciência e liberdade religiosas.
A discussão atual sobre a inserção do ensino religioso em escolas públicas está interligada a
fatores históricos particularmente brasileiros. Constata-se ao longo da trajetória histórica
nacional uma forte influência dos setores privados, as corporações. Elas atuariam no sentido
de transformar o Estado num simples facilitador de seus objetivos. Esta tendência é explicada
por Demo (1994), ao analisar a participação do Estado numa dinâmica política dicotômica, no
que diz respeito a fatores econômicos, em determinados momentos ―acenando‖ para as classes
populares e em outros, para as elites.
Já Pauly (2004) menciona em sua pesquisa um ―lobby eclesiástico‖,
demonstrando que o corporativismo pode estender-se,
historicamente, à área religiosa. Semelhantemente, as experiências
políticas atuais, como a demonstração de apoio pelos candidatos
em campanha a determinadas causas sociais (causa gay, proteção às
mulheres, criminalização do aborto, etc.) evidencia certa
demagogia por parte destes agentes do Estado em resposta ao
―corporativismo‖ dos vários grupos ou setores existentes na
sociedade. Tais fatos nos possibilitam considerar o corporativismo
como se apresentando em diversas áreas: econômica, política,
social e, neste caso analisado em nossa pesquisa, religiosa.
Evidentemente, a importância que se dá ao ensino religioso no caso do Brasil deve-se ao fato
de o país ter sido colonizado por Portugal, um país de forte orientação católica romana.
Portanto, devemos analisar um pouco dessa trajetória histórica da religião e do ensino
religioso no Brasil para adquirirmos ferramentas capazes de contextualizar, interpretar e
criticar construtivamente esse corporativismo intrigante e persistente, tendo em mente as
mudanças ocorridas no panorama religioso nacional, com a multireligiosidade, e com a
necessidade de uma prática política laica, participativa e representativa de todos os grupos
sociais.
Ensino Religioso: Limites e Desafios
Se entendermos a religiosidade como autêntica dimensão humana, cujo cultivo é necessário
para a plena realização do homem, então será óbvia a necessidade de contemplarmos também
este aspecto na proposta educacional. Presentes em todas as culturas, entre todos os povos, de
todos os tempos, e assumindo diversas formas de devoção, doutrinas e princípios éticos,
buscando o sentido da vida e a transcendência em relação à morte, as religiões têm suas
especificidades, mas têm também um patamar comum de moralidade e busca humana, onde é
possível e urgente estabelecer um diálogo respeitoso e solidário. O reconhecimento de uma
raiz comum, profundamente humana e, por isso mesmo, divina, é vital para que o diálogo se
projete além de uma conversa cordialmente superficial, para se tornar uma vivência
enriquecedora.
29
David Lyon, estudiodo do fenômeno da pós-modernidade esclarece
que a única esperança real por uma tolerância verdadeira está em
descobrir o que nóstemos em comum e também em respeitar a
diversidade(1998, p.117). Essa tolerância se mostra a nosso ver um
dos desafios do ensino religioso.
A Constituição Brasileira garante a liberdade de culto e a Lei de Diretrizes e Bases abre
espaço para um ensino religioso interconfessional (Art.33). Nova redação foi dada a esse
artigo, em 20/12/96, para assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo(LDB, Art.33, 1996). No âmbito estadual, a
resolução de 27/7/2001 do Conselho Estadual de Educação, regulamenta este artigo e propõe
um programa aberto:
O ensino religioso nas escolas deve, antes de tudo, fundamentar-se
nos princípios da cidadania e do entendimento do outro. O
conhecimento religioso não deve ser um aglomerado de conteúdos
que visam evangelizar ou procurar seguidores de doutrinas, nem
associado à imposição de dogmas, rituais ou orações, mas um
caminho a mais para o saber sobre as sociedades humanas e sobre
si mesmo(Resolução CEE-TO, 27/7/2001, p.1).
Assim, conhecer o universo religioso, delimitando as próprias crenças, em relação às crenças
diferentes, admitindo que todas elas têm valor intrínseco, e procurar um diálogo saudável
entre as diversas tradições pode fazer o homem situar-se no mundo de forma muito mais
segura e fraterna. Saber que as respostas e os cultos da fé que integram a nossa identidade têm
eco entre outras identidades religiosas pode aumentar a nossa própria fé e ao mesmo tempo
nos fazer mais compreensivos e empáticos com o que muitos defendem ser a riqueza e a
beleza das religiões.
Berkenbrock reitera que é importante que o diálogo inter-religioso
seja impulsionado pelo desejo de um melhor entendimento humano
(&) que contribua para uma melhor convivialidade humana. (1996,
p. 327). Mas também o autor lembra que O encontro com o
diferente pode apontar para a própria identidade e levar a perguntar
justamente sobre o específico dela.(1996, p. 87).
Assim, o ensino religioso desprovido de propósito doutrinante de uma determinada visão
religiosa, de maneira respeitosa e reverente para com o domínio de cada culto e de cada
30
doutrina, deve incentivar e desencadear no aluno um processo de conhecimento e vivência de
sua própria religião, mas também um interesse por outras formas de religiosidade.
Poderíamos, pois, inferir que o ensino religioso deveria ter como objetivos orientadores que
aqui consideramos como seus limites: 1) despertar e cultivar a religiosidade do aluno; 2) levá-
lo à compreensão da importância do fenômeno religioso em sua própria vida e na história
humana; 3) trazer conhecimento sobre as diferentes formas de religiosidade, dentro de seus
respectivos contextos culturais e históricos; 4) criar um espírito de fraternidade e tolerância
entre as diferentes religiões; 5) sensibilizar o aluno em relação aos princípios morais,
propostos pelas religiões, promovendo ao mesmo tempo uma reflexão sobre eles.
Sendo a religião um fenômeno humano abrangente, que está entranhado em todas as áreas da
cultura, suas diversas facetas permitem perfeitamente a interdisciplinaridade no seu
tratamento. Assim, ao mesmo tempo que o ensino religioso serve para ampliar o universo
cultural do aluno, este ensino se torna muito mais consistente, enraizando-se nas múltiplas
áreas do conhecimento, cumprindo assim a proposta do Fórum Nacional Permanente do
Ensino Religioso:
&a abordagem didática se dá numa seqüência cognitiva,
possibilitando a continuidade das aprendizagens que deve
considerar: a bagagem cultural religiosa do educando, seus
conhecimentos anteriores; a complexidade dos assuntos religiosos,
principalmente devido à pluraridade; a possibilidade de
aprofundamento(Fórum, 1998, p.39).
Todavia, não se pode confundir conhecimento religioso com formação religiosa. A abolição
da dimensão religiosa na escola laica não foi mera obra de ateus endurecidos, mas fruto da
justa indignação contra o domínio das consciências. Ainda hoje, em diversos setores
religiosos do mundo ocidental e oriental, há remanescentes poderosos dessa tendência
doutrinante que as religiões sempre tiveram.
A discriminação contra outras formas de crença que não a sua ou mesmo contra os descrentes;
a pressão do grupo para adotar determinadas ideias, práticas e compor-tamentos; a
obrigatoriedade de se participar de ritos ou práticas religiosas da maioria; e acima de tudo, a
permanente violência que as maiorias e as ortodoxias praticaram sobre as minorias e as
heresias tudo isso traumatizou de tal forma as consciências livres, que o tema do ensino
religioso provoca fortes reações em algumas pessoas e pode fazer parecer a ideia de um novo
ensino religioso como uma ingênua utopia.
No século XVIII, Voltaire dizia que é verdade que esses horrores
absurdos não mancham todos os dias a face da terra; mas foram
freqüentes, e com eles facilmente se faria um volume bem mais
grosso do que os evangelhos que os reprovam(1993, p. 65).
31
Dessa utopia, porém, já participaram grandes educadores do passado, que projetaram ideias
avançadas, até hoje não cumpridas no roteiro da nossa civilização. Por exemplo, Comenius,
pacifista e ecumenista, em pleno século XVII, ao lançar o primeiro livro didático ilustrado do
mundo o Orbis Sensualium Pictus aliás, um livro interdisciplinar e em várias línguas
simultâneas dedicou alguns capítulos às religiões mais importantes, entre elas o Cristianismo,
o Judaísmo e o Islamismo.
Rousseau dizia O culto essencial é o do coração. Deus não
rejeita nenhuma homenagem, quando sincera, sob
qualquer forma que lhe seja oferecida. (1967, p.102).
Pestalozzi, em seu Instituto de Iverdon, no começo do
século XIX, quando ainda protestantes e católicos se
ressentiam de longas e violentas lutas recentemente
aplacadas, praticou também uma educação ecumênica,
afirmando que os traços principais do seu método eram:
Conservação dos sentimentos piedosos da criança;
elevação à Religião e à virtude com plena consciência e
conhecimento de seus deveres; estímulo a uma alegre
atividade autônoma da criança; estímulo à pesquisa e à
reflexão pessoal e através de tudo isso, promover a
aprendizagem do conhecimento e das qualidades que a
vida exige(1980, p. 59).
A trilhaaberta por esses educadores foi até agora pouco seguida, seja por preconceito, falta de
coragem ou preparo. É grande o desafio do diálogo e do respeito mútuo quando se trata de
religião e acreditamos, muito mais quando se trata do ensino religioso.
Alguns pontos cruciais devem ser vencidos na mentalidade que vigora no seio das religiões,
para que sejam possíveis uma convivência mais amistosa e a existência de educadores capazes
de atuar nesse delicado terreno, sem violentar consciências. O primeiro fantasmaque se deve
afastar é o do preconceito. Esse inclusive pode ser entendido como um importante desafio do
ensino religioso. Como a própria palavra exprime, o preconceito é um conceito a priori, pré-
estabelecido antes de análise, estudo e reflexão.
Para tanto, dividiremos o estudo da trajetória histórica do ensino religioso no Brasil de
forma sistemática, ou seja, em três períodos: 1º. Período Colonial; 2º. Período
Republicano e 3º. Período Atual pós-LDB.
32
1.1. Período Colonial
A descoberta do Brasil por Portugal coincidiu com o movimento europeu da Reforma
Religiosa Protestante por Martinho Lutero e a Contrarreforma pela Igreja Católica Apostólica
Romana. Isso ocorreu por volta de 1517 e possibilitou o surgimento de novas seitas cristãs e
consequente intolerância religiosa entre católicos e protestantes na Europa. Os tribunais da
Santa Inquisição foram criados desde 1184, no sul da França. Já a Congregação do Santo
Ofício, ou Inquisição Romana, foi fundada em 1542.[2] Os portugueses e espanhóis, fiéis a
Roma, impulsionaram a Contrarreforma e a Inquisição, defendendo a ―verdadeira fé‖ e
perseguindo os que a negavam.
Neste período os Papas proclamavam Portugal e Espanha como um ―povo messiânico‖,
eleitos por Deus para levarem a fé cristã até os ―confins da Terra‖, e lhes concediam direitos
específicos sobre sua missão religiosa. Com isto, surgiu o Padroado, ou a tutela do Estado
sobre a Igreja Católica na Espanha, Portugal e suas colônias. Foi por meio deste artifício que
surgiu o que podemos chamar de primeira forma de ensino religioso nos setores públicos no
Brasil. Mas como isto se deu?
Bem, como o sistema de capitanias hereditárias não funcionou adequadamente na sua função
de povoamento de exploração das colônias, o governo Português resolveu criar o sistema de
Governo Geral. Tomé de Souza foi o primeiro dos Governadores-Gerais da colônia e recebeu
de D. João III instruções sobre qual seria o intuito civilizador de Portugal: ―o serviço de Deus
e a exaltação da Santa Fé‖. [3] Com Tomé de Souza vieram seis missionários jesuítas
(religiosos católicos da Companhia de Jesus, Ordem fundada em 1534 pelo espanhol Inácio
de Loiola e aprovada pelo Papa Paulo III em 1540). Eles foram os primeiros responsáveis pela
obra de educação e evangelização aqui no Brasil, tendo como liderança o padre Manuel da
Nóbrega.
A partir de 1550, os jesuítas fundaram as primeiras escolas para os gentios (pessoas de
crenças não cristãs, como os índios). O Governo não interveio como primeiro interessado e
nem propôs uma filosofia educacional. O objetivo da educação jesuítica era a ―atualização das
potencialidades da pessoa humana, de maneira a capacitá-la para receber a luz da fé e salvar
sua alma‖. Para atingir estes objetivos, a educação dos jesuítas servia-se das ciências, das
artes e da natureza, e era dividida em três fases: primária, média e superior. (DANTAS, 2002,
p. 29).
Pelo acordo estabelecido entre a Igreja Católica e o Rei de Portugal, o ensino da Religião
deveria ter por objetivo a evangelização dos gentios, ―para a transmissão de uma cultura que
visava a adesão ao catolicismo‖.[4] Esse tipo de ensino privilegiava o conteúdo doutrinário,
conforme as normas do Concílio de Trento.[5] Com o tempo, tendo em vista melhorar o
processo de catequese aos indígenas, os missionários jesuítas criaram o que conhecemos
como Missões ou Reduções. Além de defendê-los da escravidão, a pregação era feita em sua
própria língua materna. Também se estabeleceu a propriedade coletiva, com a manutenção de
pecuária, oficinas de artesanato e manufaturas, etc. Essas aldeias missionárias, embora não
tenham destruído a cultura indígena de forma radical, promoveram a sua destribalização, a
marginalização dos caciques, e a perseguição dos pajés.[6]
Uma das primeiras crises para o ensino religioso no Brasil veio no período do governo do
Marquês de Pombal (1750-77), então secretário do Exterior e da Guerra de Portugal. O seu
governo acusou as missões jesuíticas de tentarem formar um Estado dentro do Estado.
33
A sua perseguição ao clero e à nobreza visava o fortalecimento do poder real. Com isto,
expulsou toda a Companhia de Jesus dos domínios de Portugal em 1759, leiloou os bens da
Ordem, transformou as missões e aldeias em vilas, queimou bibliotecas e, mais importante,
rompeu o monopólio clerical na educação ao criar um sistema de ensino laico, tornando
obrigatória a língua portuguesa, impondo uma das bases da futura unidade nacional.[7]
Junto a esse processo de expulsão ocorreu também a vinda da Família Real para o Brasil,
ocasionando posteriormente o fim do sistema colonial e do monopólio da metrópole, os
movimentos de independência, advindos dos ideais da Revolução Francesa, e a ideia de
Constituição cada vez mais latente. Todos esses eventos reforçaram a elitização na educação e
a marginalização das classes populares. Até mesmo a Igreja passa a sofrer modificações em
suas fileiras, com o distanciamento ―entre o catolicismo tradicional popular luso-brasileiro,
leigo, medieval, social, familiar e sincrético; e o catolicismo renovado, isto é, romano,
clerical, tridentino, individual, sacramental e aliado do poder.” [8]
1.2. Período Republicano
As derrotas sociais no campo de influência sofridas pela Igreja na época colonial somente se
avolumaram com a vinda da República. Esta observação, no entanto, deve estar a par do fato
de que a estratégia educacional da Igreja havia mudado neste período em questão. Neste
contexto não havia a preocupação em se direcionar os esforços na educação para as classes
populares, pois para se fazer representar socialmente a Igreja necessitava da adesão das elites
aos seus propósitos, precisando manter-se presente na educação dos filhos desses grupos para
isto. Vejamos como isto se deu.
De acordo com Fausto (1984, vol. 4, p. 276), logo no
limiar da República,
As elites afastam-se rapidamente da Igreja, encontrando
no liberalismo, no protestantismo e no positivismo o
substituto para a visão de mundo proposta pelo
catolicismo. A franco-maçonaria oferece um quadro social
substitutivo para as Irmandades e Ordens Terceiras.
A crise entre a Igreja e as novas ideologias em voga é um importante aspecto a ser verificado
em nossa análise histórica do ensino religioso na educação pública no Brasil.
A ideia de laicismo defendida até hoje pelos que desejam
manter a religião separada do Estado possui suas origens
nesta época em consideração. ―A Igreja não é mais vista
como uma fonte possível de legitimação do poder do
Estado mas ‗como força política contrária aos interesses
do Estado e da sociedade […] A tendência é de rejeitar a
Igreja como instituição social‘.‖ (FAUSTO, 1984, vol. 4,
p. 276).
Esta estratégia da Igreja de manter-se presente na educação dos filhos da elite é interessante e
merece comentários a respeito, pois pode ser facilmente refletida atualmente por meio de
algum lobby promovido por Roma nas instituições públicas. De acordo com as nossas
pesquisas realizadas em documentação maçônica,
34
A Igreja Católica defendia o pensamento conservador e a maçonaria o liberal.
A Igreja tinha nas mãos as escolas que educavam somente
os ricos; a maçonaria agiu no sentido de mudar essa
situação. Criou escolas noturnas e conseguiu diminuir o
custo do ensino, tornando-o mais acessível às classes
menos abastadas. Isso frustrou o objetivo da Igreja, que
era manter o status quo da época, ou seja, impedir que o
poder mudasse de mãos. Do início do século XX até os
dias de hoje, não se tem notícia de conflitos entre a Igreja
Católica e a maçonaria. (NETO, 2005, p. 64).
De tais conflitos aos quais o autor citado se refere podemos destacar, por exemplo, o que
ocorreu em 1871 e perdurou até 1930, momento da dissolução do predomínio da ordem
liberal. O conflito citado, entre a Maçonaria e a Igreja Católica, ganhou posteriormente o
nome de ―Questão Religiosa‖ e levou à prisão dois bispos no Brasil (os de Olinda e do Pará).
Enfraquecida ideologicamente e nos seus apoios tradicionais, a Igreja não tem condições de
negociar uma posição de força, um novo pacto com o Estado Republicano que se instala em
15 de novembro de 1889.
―A iniciativa está com o Estado que impõe pelo decreto de
7 de janeiro de 1890 a separação entre a Igreja e o
Estado‖. (FAUSTO, ibidem, p. 277).
Como conseguir a aceitação pelos detentores da nova ordem? Bem, sabemos que várias
revoltas estalaram no campo, provenientes da penetração capitalista em tais lugares, e da
ruptura das antigas formas de relações de produção e de relações sociais: Canudos na Bahia,
Juazeiro e Caldeirão no Ceará, Contestado entre Santa Catarina e Paraná. Tais revoltas
buscam na religião seu ponto de partida, apoio e inspiração.
A Igreja oficial, no entanto, ―é a primeira a condenar o que
chama de fanatismo religioso dos seguidores de
Conselheiro e a emprestar seu apoio à repressão do Estado
que vai se seguir.‖ (Fausto, 1984, p. 277).
Acontece o mesmo com o Padre Cícero de Juazeiro[9], suspenso de ordens até o final da vida
e com o monge José Maria, do Contestado. Da mesma forma ocorre com os grupos urbanos
que se articulam para lutar contra a exploração capitalista — não encontram na Igreja uma
aliada mas sim em ideologias como o anarquismo e o socialismo sua visão de mundo. ―O que
ela busca é sua aceitação pelos detentores da nova ordem‖. (idem) Como conseguir isso na
prática?
35
A estratégia da Igreja na época republicana não visa diretamente ao
povo e sim às elites. É estabelecendo uma rede importante de
colégios em todo país que a Igreja conta cristianizar as elites, para
que estas por sua vez ―cristianizem‖ o povo, o Estado, a
Legislação. É uma estratégia de reforma pelo alto, sobrando para o
povo, sobretudo da zona rural, as visitas do missionário para a
desobriga pascal, os batizados e casamentos e a pregação das
Santas Missões. No mais, o povo continuará a viver uma religião
doméstica de ―muito santo e pouca missa‖ afastado do padre e da
prática sacramental da Igreja.(FAUSTO, ibidem, p. 280)
Parece, então, que separação entre a Igreja e o Estado não causou grandes mudanças para as
classes populares. A questão escolar, ponto de disputa muito importante entre a Igreja e o
Estado, não atingia a população pobre, pois ela era ―inteiramente ausente do sistema
escolar.‖[10] O ensino religioso nas escolas oficiais não sensibilizava as classes dominantes
desta época, pois estas podiam enviar seus filhos e filhas para os colégios de padres e freiras a
elas destinados e aí obter sua educação religiosa. ―Por isto mesmo, as reclamações da Igreja
contra o Estado adquirem um caráter mais retórico do que real.‖ (idem).
A partir da década de 20, as questões até então agitadas pelo aparelho eclesiástico ganham a
opinião pública, através do grupo de intelectuais católicos que fazem suas as causas da Igreja
hierárquica. Dom Leme[11], arcebispo de Olinda, por meio de sua Carta Pastoral dirigida em
1916 aos seus diocesanos, deixava transparecer claramente o seu ponto de vista, e quiçá da
Igreja, sobre a prática da democracia:
Que maioria católica é essa, tão insensível, quando leis, governos, literatura, escolas,
imprensa, indústria, comércio e todas as demais funções da vida nacional se revelam
contrárias ou alheias aos princípios e práticas do catolicismo? (…) Obliterados em nossa
consciência os deveres religiosos e sociais, chegamos ao absurdo de formarmos uma grande
força nacional, mas uma força que não atua e não influi, uma força inerte. Somos pois uma
maioria ineficiente. [12]
Tal ideologia apresentou posteriormente um desenrolar de fatos interessante:
A Revolução de 30 foi um momento estratégico para o retorno da Igreja Católica ao cenário
político. Consciente de sua própria força e da instabilidade do Governo Provisório de Getúlio
Vargas, ela se mobilizou não só para a segurança do seu futuro, como para propor-se ao
Regime como instrumento de manutenção da ordem.[13]
Em 1931 dois acontecimentos marcaram a ascensão dos católicos no cenário nacional: a
proclamação de Nossa Senhora de Aparecida como padroeira do Brasil pelo Papa Pio XI, que
se tornou uma importante força de aglutinação do Catolicismo após a revolução de 30; e a
inauguração do monumento a Cristo Redentor, ocasião em que Dom Leme, Arcebispo do Rio
de Janeiro, ―[…]entrega ao Presidente provisório da República a lista das reivindicações
católicas a serem contempladas no projeto da nova Constituição a ser elaborada em breve.”
[14]
36
A Igreja se articulou novamente, visando um posicionamento junto ao Estado, por meio de
uma comissão de intelectuais católicos, acerca de questões de seu interesse, dentre os quais o
ensino religioso na educação pública. Por meio da Liga Eleitoral Católica (LEC), apoiava a
campanha de políticos que aderissem aos seus ideais.[15] Em 1934, conseguiram contemplar
o texto referente ao ensino religioso na Nova Constituição. O artigo nº 153 rezava da seguinte
forma:
O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da
confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsáveis, e constituirá matéria dos
horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais.[16]
Já a Constituição brasileira de 1937, outorgada após um golpe de Estado, eliminava a cláusula
da Constituição de 1934 que possibilitava uma colaboração recíproca entre Estado e Igrejas e
também todas as chamadas Emendas Católicas, exceto a referente ao ensino religioso, que foi
mantido, embora em alcance reduzido, pois o texto passou a rezar da seguinte forma:
O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas
primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos
mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos. [17](Grifo
acrescentado).
Esta situação do ensino religioso não sofreu grandes alterações após a Constituição de 1937.
Já em 1961 surge a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), período
que analisaremos agora.
1.3. Período Atual pós-LDB
O ensino religioso, tal como o conhecemos atualmente, possui sua fixação em 1961, com a
primeira LDB no Brasil. O artigo 97 daquela Lei rezava da seguinte forma:
O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários normais das escolas oficiais, é de
matrícula facultativa e será ministrado sem ônus para os cofres públicos, de acordo com a
confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal
ou responsável.
1º parágrafo – A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de
alunos.
2º parágrafo – O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a
autoridade religiosa respectiva. (Apud CAETANO, 2007, p. 74).
Esta Lei manteve os mesmos princípios da Constituição de 1946
referentes ao ensino religioso, contudo, o excluiu dos sistemas de
ensino ao introduzir a expressão ―sem ônus para os cofres
públicos‖, discriminando, desta forma, o professor da disciplina.
Conforme analisado por Caetano, ‗esta forma de normatização
promove tanto a preterização do professor de Ensino Religioso,
devido ao fato do Estado não assumir sua remuneração, quanto a
discriminação dessa disciplina, que deveria ser ministrada fora do
horário escolar‘.[18] De acordo com Figueiredo (1996), outros
37
problemas administrativos e pedagógicos podem ser enfatizados
por este tratamento diferenciado ao ensino religioso, comoa divisão
das turmas em grupos diversificados; ausência de espaço físico na
escola, para a acomodação dessas turmas; o controle de horários; as
dificuldades de entrosamento entre o corpo docente, envolvido no
processo educacional, uma vez que os professores de ensino
religioso ficaram à parte do cotidiano escolar. (Apud CAETANO,
ibidem, pp. 75, 76.)
Esta situação causou muita polêmica nos setores da sociedade, promovida principalmente pela
Igreja Católica. Quando uma nova LDB foi aprovada em 1996 manteve-se a expressão ―sem
ônus para os cofres públicos‖, no artigo que normatiza o ensino religioso (art. 33),
provocando mais problemas pela formulação da lei e pelo descontentamento das comunidades
escolares e das diversas denominações religiosas. Depois de serem apresentadas três
propostas de modificação do referido artigo[19], aprovou-se, finalmente, a lei nº 9.475/97,
fazendo o ensino religioso voltar ao âmbito da responsabilidade do Estado, de onde havia se
apartado, desde 1889.
Sem dúvida esta nova redação ao artigo 33 da LDB é mais abrangente. Além de conceber o
ensino religioso como disciplina escolar, por considerá-lo uma área de conhecimento e como
fazendo parte da formação básica do cidadão, respeita a diversidade cultural religiosa,
proibindo o proselitismo nas escolas, responsabiliza os sistemas de ensino pela
regulamentação dos procedimentos para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso e pela
elaboração de normas para a habilitação e admissão dos professores e determina o ônus para
os cofres públicos. Mas quais são os grandes desafios e questões atuais do ensino religioso no
Brasil? Será que a redação do artigo 33 da LDB está sendo colocado em prática? É o que
veremos nos próximos capítulos deste trabalho de pesquisa.
Capítulo 2
Questões Pedagógicas, Técnicas e Socioculturais do Ensino Religioso
Como vimos, o ensino religioso na educação pública possui uma longa trajetória histórica,
desde sua inserção pelos jesuítas nos primórdios da colonização brasileira por Portugal até os
dias atuais por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Mas quais são os
desafios para a implantação e manutenção dessa disciplina em escolas públicas? Quais foram
os progressos e retrocessos atuais da temática no que diz respeito às questões legais,
pedagógicas e socioculturais na educação? Isto é o que abordaremos neste capítulo de nossa
pesquisa.
38
2.1. Questões legais
A atual LDB (9394/96) traz, no seu artigo 33, a seguinte redação:
O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos,
de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em
caráter:
I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado
por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas
ou entidades religiosas; ou
II – interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se
responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa. (Grifo acrescentado).
Conforme se nota, a LDB afirma que o ensino religioso é uma parte integrante da formação
básica do cidadão e que deve constituir uma disciplina dos horários normais das escolas
públicas. O modo como este processo se dá deve ser matéria de análise, visto a Constituição
Federal de 1988 afirmar, no seu artigo 19, o que se segue:
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento
ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na
forma da lei, a colaboração de interesse público. (Grifo acrescentado).
De acordo com Cury (2004, p. 2), ―A laicidade é clara, o respeito aos cultos é insofismável e
quando a lei assim o determinar pode haver campos de mútua cooperação em prol do interesse
público, como é o caso de serviços filantrópicos.‖ Visto que o Estado é laico e não pode
subvencionar cultos religiosos e igrejas, como se resolve a questão relativa aos ônus
financeiros da oferta desta disciplina pelo poder público? O Conselho Nacional de Educação
(CNE), através do parecer CNE nº 05/97 se pronunciou a fim de dirimir a questão:
[…] por ensino religioso se entende o espaço que a escola pública abre para que estudantes,
facultativamente, se iniciem ou se aperfeiçoem numa determinada religião. Desse ponto de
vista, somente as igrejas, individualmente ou associadas, poderão credenciar seus
representantes para ocupar o espaço como resposta à demanda dos alunos de uma determinada
escola. (p. 2).
Ainda segundo o mesmo autor:
Essa redação [da LDB] não agradou várias autoridades
religiosas, em especial as católicas, cujo objetivo inicial
era pressionar a presidência da República a fazer uso do
seu direito de veto. O próprio Executivo assumiu, então, o
compromisso de alterar o art. 33 mediante projeto de lei,
daí resultando a lei nº 9.475/97. (Colchetes acrescentados).
(CURY, ibidem, p. 3)
39
De modo que o artigo 33 da LDB (9394/96), citado no início deste capítulo, passou a rezar da
seguinte forma:
O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte
integrante da formação básica do cidadão e constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de
22.7.1997)
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos
do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações
religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
Note-se que foi retirada a expressão sem ônus para os
cofres públicos. No entanto, conforme explica Cury (2004,
p. 4): ―Cabe ainda aos poderes públicos de cada sistema de
ensino estabelecer as normas para a habilitação e admissão
dos professores.‖ Como se pode fixar a oferta de uma
disciplina e ao mesmo tempo não estabelecer normas e
regulamentos no que tange à oferta da mesma?
Sobre a formação de professores para a disciplina de ensino religioso, o Conselho Pleno do
CNE, por meio do parecer CP/CNE nº 097/99, diz, em alguns trechos importantes:
Nesta formulação [da lei nº 9.475/97] a matéria parece fugir à competência
deste Conselho, pois a questão da fixação de conteúdos e habilitação e
admissão dos professores fica a cargo dos diferentes sistemas de ensino.
Entretanto, a questão se recoloca para o Conselho no que diz respeito à
formação de professores para o ensino religioso, em nível superior, no
Sistema Federal de Ensino. […] A Lei nº 9.475 não se refere à formação de
professores, isto é, ao estabelecimento de cursos que habilitem para esta
docência, mas atribui aos sistemas de ensino tão somente o estabelecimento
de normas para habilitação e admissão de professores. […] Considerando
estas questões é preciso evitar que o Estado interfira na vida religiosa da
população e na autonomia dos sistemas de ensino. […] Esta parece ser,
realmente, a questão crucial: a imperiosa necessidade, por parte do Estado,
de não interferir e, portanto, não se manifestar sobre qual o conteúdo ou a
validade desta ou daquela posição religiosa, de decidir sobre o caráter
mais ou menos ecumênico de conteúdos propostos […] (p. 3, grifos
acrescentados).[20]
40
Note-se que o Conselho se abstém de pronunciar-se sobre os critérios de formação dos
professores desta disciplina. Isto, evidentemente, causa sérios problemas pedagógicos e
socioculturais relacionados à educação. A falta de centralização e controle sobre a oferta desta
disciplina produz questões polêmicas a respeito da legitimidade de certos conteúdos
programáticos colocados pelos sistemas de ensino e pelas instituições de ensino. Parece não
haver um paradigma ou orientação segura sobre os assuntos a serem abordados em tais aulas,
levando-se facilmente o meio público da educação a uma usurpação por algumas correntes
corporativistas religiosas. O ensino religioso é a única disciplina que não possui parâmetros
curriculares e pedagógicos monitorados pelos órgãos públicos de educação. O parecer
CP/CNE nº 097/99 conclui da seguinte forma sua redação:
[…] não cabe à União determinar, direta ou indiretamente,
conteúdos curriculares que orientem a formação religiosa dos
professores, o que interferiria tanto na liberdade de crença como
nas decisões do estados e municípios referentes à organização dos
cursos em seus sistemas de ensino, não lhe compete autorizar, nem
reconhecer, nem avaliar cursos de licenciatura em ensino
religioso, cujos diplomas tenham validade nacional. (p. 4, grifos
acrescentados).[21]
2.2. Questões Pedagógicas
Quais os conteúdos devem ser ministrados em aulas de ensino religioso? De acordo com a
LDB, já citada, são ―vedadas quaisquer formas de proselitismo‖ e que ―os sistemas de ensino
ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição
dos conteúdos do ensino religioso‖. Como é possível constituir tal conteúdo programático, de
modo a garantir uma contemplação de toda a diversidade religiosa presente no Brasil? De
modo que argumenta Cury o fato de que
[…] o que transparece é a necessária articulação do poder público
dos sistemas com essa entidade civil multirreligiosa que, a rigor,
deveria representar um fórum de cujo consenso emanaria a
definição dos conteúdos dessa disciplina. Nesse caso, é complicado
que um texto legal imponha a existência de uma entidade civil,
sendo que alguma denominação religiosa pode não aceitá-la. Vê-se,
pois, que o ensino religioso ficaria livre dessa complexidade
político-burocrática caso se mantivesse no âmbito dos respectivos
cultos e igrejas em seus espaços e templos. […] (ibidem, p. 187)
A situação educacional que encontramos no panorama pedagógico relacionada ao ensino
religioso no Brasil não é nada favorável à implementação ou continuação desta disciplina em
escolas públicas. A Lei que estipula regulamentos gerais para a educação nacional, a LDB, diz
claramente, no seu artigo 62, que,
41
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso
de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,
admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas
quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
Normal. (Grifos acrescentados).
A parte que estamos analisando no artigo citado é a relacionada à ―educação básica‖; esta
dicotomia será resolvida com o fim da modalidade Normal do ensino médio, onde todos, sem
exceção, precisarão de curso superior para atuar na educação. Este regulamento tem por
objetivo a valorização daqueles que a Lei chama de ―profissionais da educação‖ (art. 61).
Voltamos, portanto, à discussão pedagógica de qual profissional estaria habilitado, visto não
haver uma centralização ou orientação curricular nacional, a ministrar as aulas de ensino
religioso. Na verdade, a forma como esta disciplina é ministrada pelos diferentes sistemas e
instituições de ensino deixa muito a desejar na questão profissional, com respeito à
preparação pedagógica e metodológica. Conforme mostra a experiência, os profissionais que
ministram o ensino religioso nas escolas públicas não são comprovadamente habilitados em
uma área talvez relacionada aos temas multiculturalismo religioso, ecumenismo ou religião
em si, como poderia ser argumentado no caso dos profissionais formados em Sociologia,
Filosofia ou Pedagogia. Estas afirmações podem ser verificadas pelo fato do Conselho
Nacional de Educação (CNE) pelo seu parecer nº 05/97, de 11/3/97, reconhecer a existência
de uma ―prática nas escolas‖ em que se permite que o ensino religioso sirva para […]
assegurar que um professor, fosse lá qual sua crença, desde que tivesse cumprido as
formalidades que lhe permitem a docência, passasse a ensinar matéria ―religião‖, muitas vezes
completando, para sua conveniência ou da própria escola, a carga horária de sua disciplina
de formação, registro e ingresso. (p. 2) (Apud PAULY, 2004, p. 173, grifos acrescentados).
Perceba-se que o Conselho admite a possibilidade de em algumas escolas qualquer professor
ministrar a disciplina ensino religioso como uma forma de complementação de sua carga
horária de formação. É por isso que é comum encontrarmos, dando tais aulas, professores de
filosofia, de sociologia, de historia, ou até mesmo de educação física ou de informática. Os
conteúdos são escolhidos instintivamente, pelo entendimento de tais profissionais de quais
sejam os temas apropriados para tais aulas. Tal situação, de fato, pode causar problemas sérios
em sala de aula, dada a desregulamentação e descentralização de tal disciplina. Conforme
artigo publicado na revista Época, experiências negativas estão associadas à prática do ensino
religioso em escolas públicas. Por exemplo, uma aluna de nome Tauana dos Santos Faria, que
é adepta do Candomblé, ouviu de sua professora da rede estadual do Rio de Janeiro que sua
crença é ―coisa do Diabo‖. Já a professora Epifânia Neta, católica e formada em História,
esforçando-se a abordar todas as religiões em sala de aula, teve problemas com os pais de um
dos alunos, que não admitem que seus filhos recebam referências de outras religiões.[22]
2.3. Questões Socioculturais
Embora tenhamos visto até aqui os problemas técnicos (legais e pedagógicos) ligados à
manutenção do ensino religioso em escolas públicas, precisamos abordar também a
problemática relacionada ao setor sociocultural, gerada pelo fator religião nos meios públicos.
Uma quantidade considerável de analistas da temática ―ensino religioso em escolas públicas‖
procura abordar a grande problemática do laicismo do Estado versus o lobby corporativista
das religiões.
42
Interessante que: Pauly (2004)
demonstra que o ―lobby eclesiástico‖ que aprovou a lei nº 9.475/97, alterando o art. 33 da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cometeu um erro político estratégico: levantou a
suspeitade que as igrejas não quiseram assumir ―o ônus‖ da disciplina e ao mesmo tempo não
abrir mão de eventuais vantagens que dela presumiam receber. Num mundo de intensa
secularização e declínio do poder ideológico das religiões, essas instituições tentam de várias
formas, inclusive pela educação pública, levantar-se e se fazer presentes na sociedade.
Na conclusão de seu artigo, Pauly verifica que
[…] a lei nº 9.475 acabou com a possibilidade de as igrejas e
religiões controlarem o ensino religioso na escola pública. Por essa
lei, pela segunda vez na história republicana brasileira, elas
perderam o controle sobre currículo, formação e seleção do corpo
docente de ensino religioso. A partir de agora, as igrejas que
quiserem influir no ensino religioso podem fazê-lo como entidades
da sociedade civil inseridas na comunidade escolar, e pela
conquista do apoio de docentes e discentes desse ensino […].
(ibidem, p. 181)
Essa ―influência‖ mencionada no final da citação, embora pareça preocupante, é o que
realmente ocorre costumeiramente nas aulas de ensino religioso. Os temas ou materiais de
estudo (textos, apostilas, filmes, etc.) são selecionados pela convicção ideológica do professor
que, como vimos, nem sempre está habilitado teoricamente para lidar quer com a diversidade
religiosa quer com a religiosidade em si.
Soares (2009) explica que existem três modelos para se trabalhar o
ensino religioso: o catequético, o teológico e o da Ciência da
Religião. No seu trabalho, explica-se que o catequético corresponde
ao modelo de ensino religioso antigo, ligado a determinada religião
(como o dos jesuítas, por exemplo); o teológico vem em seguida e
é um modelo que se constrói num esforço de diálogo com a
sociedade plural e secularizada e sobre bases antropológicas; já o
da Ciência da Religião ainda está em construção e é o modelo
defendido pelo autor como o mais propício para basear a prática do
ensino religioso, pois se trataria de um
[…] enfoque multifacetado que busca luz na Fenomenologia, na
História, na Sociologia, na Antropologia e na Psicologia da
Religião, contemplando, ao mesmo tempo, o olhar da Educação.
Além de fornecer a perspectiva, a área de conhecimento da Ciência
da Religião favorece as práticas do respeito, do diálogo e do
ecumenismo entre as religiões. Contribui, desse modo, com uma
educação de caráter transconfessional que poderá incidir na
formação integral do ser humano. […] Assim, o Ensino Religioso
na rede pública de ensino será mais que educação da religiosidade
(ou da espiritualidade); visará à educação do cidadão, uma vez que
a dimensão religiosa é algo presente no indivíduo e na sociedade.
Secundariamente, o Ensino Religioso até poderá contribuir com o
43
discernimento e aperfeiçoamento da religiosidade dos próprios
estudantes, mas esse não é seu pressuposto necessário. (pp. 3, 4, os
grifos são dele).
Embora esta seja uma sugestão eficaz no que diz respeito ao ensino religioso, não corresponde
ao padrão que vem sendo colocado em prática nas escolas públicas, pelos motivos já
apresentados, isto é, a falta de formação específica, a disciplina como complementação da
carga horária dos professores de diversas áreas e, o mais grave, o lobby religioso
influenciando o conteúdo das aulas, regredindo o modelo de Ciência da Religião para o
catequético.
Temos exemplos recentes sobre tentativas de implantação do modelo catequético para o
ensino religioso nas escolas: é o modelo implantado pela Lei 3459/2000, do Deputado Carlos
Dias, sancionada pelo governador Anthony Garotinho, no Estado do Rio de Janeiro, com
caráter confessional e sendo obrigatoriamente parte da grade curricular e de matrícula
facultativa; outro exemplo parte da Igreja Católica em São Paulo, visando a implantação e a
dinamização do ―ensino religioso confessional católico nas escolas estaduais e
municipais‖.[23]
Conforme demonstrado por Casseb (2009), o modelo da
Ciência da religião terá muitas dificuldades em romper
com as estruturas confessionais e interconfessionais ainda
hoje remanescentes.
44
Capítulo 3
O Ensino Religioso Como Um Tema Transversal
O que é o ensino religioso? O que ensinaria? Pra que serve? O ensino religioso deve ser
religioso, ou sobre a religiosidade? A que interesses serve o ensino religioso? — estas são
perguntas que devem ser feitas e analisadas por todos que procuram defender o ensino
religioso como matéria específica em escolas públicas.
Nós vimos até aqui, em nossa pesquisa, como surgiu o ensino religioso no Brasil, a que
propósitos servia, as derrotas e vitórias em sua trajetória histórica em relação ao Estado e, por
fim, os desafios e dificuldades em sua implementação e manutenção nos dias atuais. Não
poderíamos, então, deixar de comentar algo sobre a religião, a religiosidade ou o fenômeno
religioso em si, que, supostamente, são o objeto de estudo desta disciplina.
De acordo com a pesquisa de Cury:
A etimologia do termo religião, donde procede o termo religioso,
pode nos dar uma primeira aproximação do seu significado.
Religião vem do verbo latino religare (re-ligare). Religar tanto
pode ser um novo liame entre um sujeito e um objeto, um sujeito e
outro sujeito, como também entre um objeto e outro objeto.
Obviamente, o religar supõe ou um momento originário sem a
dualidade sujeito/objeto ou um elo primário (ligar) que, uma vez
desfeito, admite uma nova ligação (re-ligar). (2004, p. 187).
Sendo a religião a forma pela qual os homens procuram se ―religar‖ ao transcendente (a
divindade ou o sobrenatural), o estudo científico da religião, cujo modelo é o que se
harmoniza à educação de um Estado republicano laico, deveria se concentrar nas diversas
formas pelas quais esse ―religamento‖ acontece socialmente, nas diversas culturas e grupos,
incentivando-se o respeito e aproximação ao diferente. A grande questão que surge, no
entanto, é a que se segue: é realmente necessária a introdução de uma disciplina ―ensino
religioso‖ na educação pública para se estudar o tema ―religiosidade‖? Não são as disciplinas
escolares das áreas humanas, como filosofia, história e sociologia, já consagradas, capazes de
atender e contemplar essa temática sociocultural de uma forma eficaz e interdisciplinar?
Precisamos analisar os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e seus temas
transversais para dirimir as nossas dúvidas a respeito da capacidade das ciências humanas e
suas tecnologias em prover um estudo adequado da religiosidade num contexto multicultural e
eficaz.
O que são os PCNs? De acordo com a definição dada pelo Ministério da Educação:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de
qualidade para a educação no Ensino Fundamental em todo o País. Sua
função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema
educacional […] Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível,
a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre
programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas
autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não
45
configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo […] O
conjunto das proposições aqui expressas responde à necessidade de
referenciais a partir dos quais o sistema educacional do País se organize, a
fim de garantir que, respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas,
religiosas e políticas que atravessam uma sociedade múltipla, estratificada e
complexa, a educação possa atuar, decisivamente, no processo de
construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente
igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios
democráticos. […] (Secretaria de Educação Fundamental, 1997, p. 13).
O objetivo principal dos PCNs nada mais é do que nortear a criação dos projetos educacionais
em níveis regionais e locais. Ao mesmo tempo em que se mantém a autonomia dos
educadores locais em estabelecer seus projetos, eles são orientados por esses princípios gerais,
mais centralizados, e podem participar no projeto de criação de uma educação nacional
baseada em alguns princípios universais, em harmonia com o espírito democrático, típico da
educação humanista.
Para atingir esse objetivo universalizante, os PCNs lançam mãos dos Temas Transversais. O
que são estes? O mesmo texto explica o seguinte:
Adotando essa perspectiva, as problemáticas sociais são integradas na
proposta educacional dos Parâmetros Curriculares Nacionais como Temas
Transversais. Não constituem novas áreas, mas antes um conjunto de temas
que aparecem transversalizados nas áreas definidas, isto é, permeando a
concepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas de cada
área, no decorrer de toda a escolaridade obrigatória. A transversalidade
pressupõe um tratamento integrado das áreas e um compromisso das
relações interpessoais e sociais escolares com as questões que estão
envolvidas nos temas, a fim de que haja uma coerência entre os valores
experimentados na vivência que a escola propicia aos alunos e o contato
intelectual com tais valores. (p. 45, grifo acrescentado).
De acordo com o mesmo documento em questão, os Temas Transversais estão representados
na abordagem dos seguintes tópicos: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e
Orientação Sexual por ―envolverem problemáticas sociais atuais e urgentes, consideradas de
abrangência nacional e até mesmo de caráter universal.‖ (idem). Note-se que existe um amplo
espaço teórico de discussão para os assuntos religião, religiosidade ou fenômeno religioso em
si dentro dos temas transversais dos PCNs, como ética e pluralidade cultural. Tratar da
temática ―religião‖ neste contexto só aumenta a interdisciplinaridade e diminui os riscos de
catecismos nas escolas públicas.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio, que apresentam
detalhadamente os papéis das Ciências Humanas e suas Tecnologias[24]:
A presença da área de Ciências Humanas e suas
Tecnologias na organização curricular do Ensino Médio
tem por objetivo a constituição de competências que
permitam ao educando: Compreender os elementos
cognitivos, afetivos, sociais e culturais que constituem a
identidade própria e a dos outros. (p. 11.)
46
O que isto significa na prática? Que aquelas matérias conhecidas como Ciências Humanas,
formadas por disciplinas como Sociologia, História e Política, acompanhadas da Filosofia,
devem servir para a promoção da cidadania nos jovens educandos do ensino médio, prestes a
ingressar na vida adulta e trabalhista. Ainda segundo o documento:
O senso de responsabilidade perante o social que daí se
origina exige conhecimentos de História, Sociologia e
Política que deem conta da inter-relação entre o público e
o privado, para que se evite tanto o esmagamento do
segundo pelo primeiro, quanto a projeção individualista,
no sentido inverso. (p. 12).
Esta preocupação laica de ―esmagamento‖ do setor público sobre o indivíduo e do
individualismo contra o setor público é o que importa socialmente no estudo das relações
interpessoais. A religiosidade do indivíduo só deve ganhar importância quando esta se faz
transparecer como fenômeno social, quer seja numa abordagem positiva ou negativa dentro de
uma mesma cultura, quer seja numa abordagem relativista referente a culturas diversas.
Também se faz necessário, numa época marcada pelo multiculturalismo e pela enorme
variedade de comportamentos, movimentos e grupos sociais, a consideração analítica das
―relações sociais polêmicas‖, mais conhecidas como tabus. Ainda são perceptíveis entre
alguns adolescentes dos ensinos fundamental e médio algumas dificuldades em dominar a
capacidade consciente de convivência multicultural, no que diz respeito à diversidade social
existente. Podemos verificar que determinada parcela desses alunos permanece com alguns
pontos de vista acríticos, potencialmente geradores de violência nas escolas, provenientes de
algumas tradições das gerações anteriores. Por isso é importante a contemplação das
afirmações dos PCNs, quando dizem:
O Ensino Médio, enquanto etapa final da Educação Básica, deve conter os
elementos indispensáveis ao exercício da cidadania e não apenas no sentido
político de uma cidadania formal, mas também na perspectiva de uma
cidadania social, extensiva às relações de trabalho, dentre outras relações
sociais. Por sua natureza própria, as Ciências Humanas e a Filosofia
constituem um campo privilegiado para a discussão dessas questões. Mas,
não se deve perder de vista que a cidadania não deve ser encarada, no
Ensino Médio, apenas como um conceito abstrato, mas como uma vivência
que perpassa todos os aspectos da vida em sociedade. (p. 12)
Essas ―outras relações sociais‖ comentadas na citação podem estar relacionadas, por exemplo,
ao respeito à pluralidade cultural, à ética e às diferenças na orientação sexual, importantes
temas transversais, porém muitas vezes pouco abordados. O estudo e discussão conscienciosa
desses temas inibem atos de violência (como bulling) e de vandalismos (como pichações),
comuns na adolescência.
Que dizer das capacidades tecnológicas das Ciências Humanas específicas quais alternativas
eficazes ao ensino religioso como disciplina em escolas públicas? Vejamos isoladamente,
porém interdisciplinarmente, cada caso.
47
3.1. As Ciências Humanas e suas Tecnologias
O que significa as tecnologias das Ciências Humanas e por que são importantes? No
documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais que estamos analisando aborda-se esta
questão. É necessário que entendamos bem este termo, para que o seu uso seja amplamente
divulgado e aperfeiçoado. De modo que o documento nos esclarece os fatos da seguinte
forma:
Entretanto, uma compreensão mais ampla da tecnologia como fenômeno
social permite verificar o desenvolvimento de processos tecnológicos
diversos, amparados nos conhecimentos das Ciências Humanas. É preciso,
antes de tudo, distinguir as tecnologias das Ciências Humanas em sua
especificidade ante as das Ciências da Natureza. Enquanto estas últimas
produzem tecnologias ―duras‖, configuradas em ferramentas e instrumentos
materiais, as Ciências Humanas produzem tecnologias ideais, isto é,
referidas mais diretamente ao pensamento e às ideias, tais como as que
envolvem processos de gestão e seleção e tratamento de informações,
embasados em recortes sociológicos. Outro aspecto que permite associar as
tecnologias às Ciências Humanas diz respeito ao uso que estas fazem das
tecnologias originárias de outros campos de conhecimento, como o recurso
aos satélites e à fotografia aérea na cartografia. E, por fim, cabe ainda à área
de Ciências Humanas construir a reflexão sobre as relações entre a
tecnologia e a totalidade cultural, redimensionando tanto a produção quanto
a vivência cotidiana dos homens. Inclui-se aqui o papel da tecnologia nos
processos econômicos e sociais e os impactos causados pelas tecnologias
sobre os homens, a exemplo da percepção de um tempo fugidio ou
eternamente presente, em decorrência da aceleração do fluxo de
informações. (Parâmetros Curriculares Nacionais, p. 9).
A explicação é bem clara. As tecnologias das Ciências Humanas são os mecanismos usados
por elas na produção, transmissão e aperfeiçoamento de conhecimentos da área. Menciona-se,
por exemplo, os processos de gestão e seleção e tratamento de informações e frisa-se o fato
interessante de que tais Ciências fazem uso de tecnologias de outros campos do
conhecimento. Não obstante, o ponto mais importante de todos, na nossa concepção, é o fato
das Ciências Humanas ―construir a reflexão sobre as relações entre a tecnologia e a totalidade
cultural, redimensionando tanto a produção quanto a vivência cotidiana dos homens‖. São as
tecnologias das Ciências Humanas que dão sentido à análise da vida social — e o fenômeno
religioso faz parte do grupo de temas aos quais tal capacidade tecnológica é capaz de
abranger.
48
3.1.1. Conhecimentos de História
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, sobre o porquê do estudo de História, nos informa o
seguinte:
A História, enquanto disciplina escolar, ao se integrar à área de
Ciências Humanas e suas Tecnologias, possibilita ampliar estudos
sobre as problemáticas contemporâneas, situando-as nas diversas
temporalidades, servindo como arcabouço para a reflexão sobre
possibilidades e/ou necessidades de mudanças e/ou continuidades.
A integração da História com as demais disciplinas que compõem
as denominadas Ciências Humanas permite sedimentar e
aprofundar temas estudados no Ensino Fundamental,
redimensionando aspectos da vida em sociedade e o papel do
indivíduo nas transformações do processo histórico, completando a
compreensão das relações entre a liberdade (ação do indivíduo que
é sujeito da história) e a necessidade (ações determinadas pela
sociedade, que é produto de uma história). (p. 20, grifos
acrescentados).
Percebe-se que existe ampla margem para estudos de assuntos ligados ao humanismo e à
humanidade e suas peculiaridades, principalmente pelos dois fatos a seguir: primeiro, reflexão
sobre possibilidades ou necessidades de mudanças ou continuidades na história; segundo,
integração com outras disciplinas das Ciências Humanas, redimensionando aspectos da vida
em sociedade. Esta reflexão sobre o ―como somos‖ e sobre o ―como seremos‖, aliada ao
estudo de aspectos sociais ligados às mudanças históricas produz um melhor entendimento
nos jovens (ou nos adultos) da experiência religiosa, como um fenômeno tipicamente
humano, cultural, carente de relativizações e processos de tolerância.
Os PCNs realmente direcionam o estudo da História para o lado humano do termo,
possibilitando desnaturalizar os processos ideológicos de dominação e incentivando a
construção de uma visão não ―robótica‖ dos papéis sociais:
Tais constatações sobre as incertezas e mitos vividos pelos jovens
da atual geração implicam delimitar com maior precisão o papel
educativo da área, no sentido de possibilitar um Ensino Médio de
caráter humanista capaz de impedir a constituição de uma visão
apenas utilitária e profissional das disciplinas escolares. (p. 20,
grifos acrescentados).
A compreensão correta e eficaz dos sujeitos históricos, dos processos históricos e das
mudanças históricas sem dúvida auxiliará no estudo e compreensão da religião numa
perspectiva transversal.
49
3.1.2. Conhecimentos de Sociologia, Antropologia e Política.
―Para que serve Sociologia?‖ — Esta é uma das primeiras perguntas dos jovens alunos
ingressantes no Ensino Médio ao terem contato com esta área do conhecimento. Isto acontece
não por acaso. Pode-se concluir que essa reação seja um resultado educacional da má
compreensão das tecnologias das Ciências Humanas. Esta reação está relacionada, na
verdade, à ―visão apenas utilitária e profissional das disciplinas escolares‖, mencionada no
tópico anterior.
No entanto, os PCNs fazem uma demonstração dos objetivos e tecnologias destas três ciências
que podem ser reveladoras quer na prática pedagógica da disciplina correspondente no ensino
médio quer no estudo transversal da religião em si, que é nosso ponto em questão.
Por exemplo, sobre os aspectos da representação e da comunicação, destacam-se como
competências dessas ciências as capacidades de ―identificar, analisar e comparar os diferentes
discursos sobre a realidade‖ e de ―produzir novos discursos sobre as diferentes realidades
sociais, a partir das observações e reflexões realizadas‖. (p. 43) Já sobre os aspectos da
compreensão e da investigação, frisa-se a capacidade de
Compreender e valorizar as diferentes manifestações culturais de etnias e segmentos sociais,
agindo de modo a preservar o direito à diversidade, enquanto princípio estético, político e
ético que supera conflitos e tensões do mundo atual. (idem, grifo acrescentado).
No aspecto contextualização sociocultural, destaca-se a competência de:
Construir a identidade social e política, de modo a viabilizar o exercício da cidadania plena,
no contexto do Estado de Direito, atuando para que haja, efetivamente, uma reciprocidade de
direitos e deveres entre o poder público e o cidadão e também entre os diferentes grupos.
(idem).
Devemos ter presente o fato de que tais competências nas áreas de Sociologia, Antropologia e
Política são desenvolvidas pelos docentes formados em Ciências Sociais, com habilitação em
Sociologia. A Antropologia e a Política são estudadas como ―matérias afins‖ à Sociologia, e
eram abordadas de forma demasiadamente limitada até a implantação da Sociologia nos três
anos do ensino médio. Com a recente mudança em questão, tivemos uma ampliação da
capacidade, embora ainda reduzida tratando-se da baixa carga horária anual, de abordarmos
importantes temas sociais, de forma transversal, indispensáveis ao exercício da cidadania, da
liberdade e da paz.
50
3.1.3. Conhecimentos de Filosofia
As ciências humanas como a História, a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política
precisam da Filosofia em suas abordagens pedagógicas. O inverso também é verdade. A
Filosofia faz uso das ciências humanas para poder transmitir de forma eficaz seus conceitos
abstratos na vida prática dos alunos. Na verdade, é simplesmente impossível a concepção de
uma prática pedagógica que não esteja baseada em uma linha teórico-filosófica. Isto ocorre
porque a construção e a transmissão do conhecimento precisam ser feitos de forma
consciente, tornando o aluno capaz de refletir sobre os papéis desempenhados pelas correntes
de conhecimentos sobre o próprio ser que os cria, o ser humano.
Querendo ser, portanto, a religião ou a religiosidade uma forma ou área de conhecimento,
precisa submeter-se a uma abordagem filosófica, em interdisciplinaridade com as Ciências
Humanas comentadas até aqui nesta pesquisa. Esta afirmação está em harmonia com as
diretrizes curriculares para o ensino médio, comentadas rapidamente nos PCNs sob o tema
―Filosofia‖, demonstrando que, de acordo com a LDB, deve-se destacar ―o domínio dos
conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania‖. (p. 45)
Não podemos conceber o estudo da religiosidade sem uma noção de cidadania, por mais
primitiva que seja, dado o fato de a religião ser somente mais um aspecto da vida social,
localizada num panorama mais geral ou global. Se filosofia e cidadania se confundem, note-se
que a religião pode ser um tema transversal também dessa área do conhecimento.
A filosofia pode ser útil para a compreensão da religião também no que diz respeito à sua
enorme facilitação de debates. Esta parece ser uma tendência filosófica mais atual e é bastante
endossada pelos PCNs, conforme se nota:
Fica claro, então, a partir do sentido proporcionado pelo contexto originário da Filosofia,
porque esta é uma espécie de competência-síntese das anteriores: a partir de um ponto de vista
rico na informação, claro na formulação, concatenado na articulação e fundamentado
reflexivamente, vale dizer, elaborado conscientemente e decididamente posicionado, o aluno
deve poder participar, em igualdade de condições, em qualquer debate, sistemático ou não,
intra e/ou extraescolar.
Uma vez que se trata de construir conhecimento e vida em comum,
ele está imediatamente convocado a participar no debate, a
começar pelo espaço escolar: só será possível desenvolver a
capacidade de uma tomada de posição refletida se, durante a
exposição do professor, em sua própria exposição oral, na
discussão em pequenos grupos ou num debate generalizado em sua
turma, ele tiver e atribuir de modo simétrico aos interlocutores a
oportunidade de, com toda liberdade, perguntar, responder,
solicitar e fazer esclarecimentos, opor-se, criticar, confrontar
diferentes posições e possibilidades, recusar interpretações, fazer
interpretações etc e, em especial, mudar de posição quando estiver
convencido de que a sua pode não ser necessariamente a melhor.
(p. 61, grifos acrescentados).
51
Fica claro, portanto, que a abordagem sobre a religião, qual fator sociocultural, pode ser
facilmente contemplada como um tema transversal interligado à noção de cidadania, por
profissionais habilitados nas diversas áreas das Ciências Humanas e da Filosofia. Este ponto
de vista é defendido por algumas autoridades da área educacional. Conforme diz Íris Célia
Zannini, presidente do Conselho Estadual de Educação do Acre: ―É difícil garantir que os
professores não vão fazer proselitismo‖ em tais aulas de ensino religioso. De modo que
Penildon Silva Filho, diretor do Instituto Anísio Teixeira, responsável pela formação dos
professores na Secretaria de Educação da Bahia, admite:
Temos alunos deixando a escola porque sofreram discriminação religiosa e devido a sua
opção sexual […] Como gestor e membro do governo, procuro sensibilizar os professores
para que trabalhem a diversidade nessa aula. Mas, como cidadão e educador, acho que a
tolerância religiosa deveria ser um tema transversal, assim como a cidadania, a ética, a
sexualidade e o meio ambiente. Não entendo por que haver uma aula só para ensino religioso.
[25]
Atualmente existem grupos envolvidos na política tanto a favor como contrários à
manutenção do ensino religioso em escolas públicas. Desta forma, a polêmica a respeito do
laicismo do Estado ou que posicionamento ele deve tomar relacionado às religiões e suas
intromissões nas políticas públicas ainda está em aberto.
52
Considerações Finais
Em nossa pesquisa verificamos, sucintamente, alguns pontos interessantes a respeito do
ensino religioso na educação brasileira. Fizemos a abordagem histórica, demonstrando como
se deu a introdução da educação religiosa pelos jesuítas nas colônias descobertas por Portugal
e como este fato tanto se refletiu socialmente, na religião do povo, como também sofreu
reflexos de um fenômeno social mais amplo: as mudanças pelas quais vinham passando os
reinos europeus, no que diz respeito ao laicismo proveniente da separação entre religião e
Estado. Pudemos visualizar também as várias etapas históricas, e manipulações políticas
correspondentes, pelas quais a doutrinação religiosa se fez representar nos órgãos públicos de
educação.
Não podíamos deixar de analisar a parte prática do ensino religioso nas escolas. Verificamos
os vários problemas e desafios legais, pedagógicos e socioculturais enfrentados pela
introdução e manutenção desta disciplina na educação. Pudemos perceber que, em grande
parte, o ensino religioso serve mais a objetivos políticos, ao ―lobby eclesiástico‖, do que a um
interesse pragmático na educação, no que se refere à discussão do tema ―religião‖ em si, visto
ele poder ser estudado eficazmente como tema transversal por todas as Ciências Humanas e
suas Tecnologias e a Filosofia.
Mas, como sabemos, o ensino religioso já é um fato consumado na educação. Já faz parte da
grade curricular das escolas públicas. Portanto, o nosso objetivo principal não era promover a
descontinuação da disciplina e sim incentivar a sua evolução, desde que ela se faça de uma
forma científica e com um objeto de estudo específico às demais, embora mantendo a
interdisciplinaridade.
Por último, precisamos destacar a importância de uma presença maior do Estado no
oferecimento desta disciplina, promovendo a formação específica dos educadores na área e
estabelecendo normas claras de centralização pedagógica, laicas, tendo em mente os
prováveis interesses corporativistas, sectários, nos conteúdos ministrados por esta área
importante do conhecimento humano, o estudo da fé.
53
Bibliografia
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dificuldades e perspectivas. 2007. 385 f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade
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http://www.pucsp.br/rever/rv3_2009/t_soares.pdf. Acesso 15 de out. de 2010.
[1]Artigo disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI11548-15228-3,00-
JESUS+VAI+A+ESCOLA.html, acesso em 27 de outubro de 2010.
[2]Existiu até 1965, sendo reorganizada pelo Papa Paulo VI, chamando-a a partir desta data de Congregação
Para a Doutrina da Fé.
54
[3]CNBB, O ensino religioso nas Constituições do Brasil, nas legislações de ensino, nas orientações da
Igreja. 1. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, apud DANTAS, 2002, p. 28.
[4]CNBB, apud DANTAS, ibidem, p. 17l
[5]MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela História da Igreja. Belo Horizonte. O Lutador, 1995.
Vol. II., pp. 55-60. Apud Dantas, ibidem.
[6]Dantas, ibidem, p. 32.
[7]CNBB, apud DANTAS, 2002, p. 33.
[8]NERY, José Israel. O ensino religioso escolar no Brasil no contexto da história e das leis. Revista de
Educação da AEC, Brasília, nº 88, p.7 -20, jul.-set.1993, apud DANTAS, ibidem, p. 34.
[9]Padre Cícero foi oficialmente excomungado, embora o catolicismo popular dos nordestinos o venere como
santo até os dias atuais.
[10]FAUSTO, ibidem, p. 281.
[11]Sebastião Leme de Silveira Cintra nasceu em Espírito Santo do Pinhal, hoje Pinhal (SP) no dia 20 de janeiro
de 1882. Foi arcebispo de Olinda e Recife (1916-1921); arcebispo do Rio de Janeiro (1930-1942). Biografia
completa disponível em http://www.fgv.br/CPDOC.
[12]Apud FAUSTO, 1984, p. 282.
[13]CURY, Carlos Roberto Jamil. Ensino religioso e escola pública: o curso histórico de uma polêmica entre
Igreja e Estado no Brasil. Educação em revista, Belo Horizonte, nº 17, pp. 20-37, jun. 93. Apud DANTAS,
2002, p. 47.
[14]MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela História da Igreja. Belo Horizonte. O Lutador,
1995. Vol. III. Apud DANTAS, ibidem, p. 48.
[15]DANTAS, 2002, p. 48. [16]Apud DANTAS, ibidem, p. 49. [17]Apud DANTAS, ibidem, p. 51.
[18]CAETANO, ibidem, p. 75. [19]O Projeto de Lei n. 2757/97 do Deputado Nelson Marchezan; o Projeto de
Lei 2997/97 do Deputado Maurício Requião; o Projeto de Lei 3043/97 por iniciativa do Poder Executivo.
(CAETANO, ibidem, p. 100). [20]Apud CURY, ibidem, p. 186. [21]Apud CURY, 2004, pp.186, 187
[22]Artigo disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI11548-15228-3,00-
JESUS+VAI+A+ESCOLA.html, acesso em 27 de outubro de 2010.
[23]Apud CASSEB, 2009, p. 299.
[24]Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf.,
acesso 15 de out. de 2010.
[25]Apud Revista Época. Artigo disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI11548-
15228-3,00-JESUS+VAI+A+ESCOLA.html, acesso em 27 de outubro de 2010.