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A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA E A FORMAÇÃO Luis Roberto Ramos de Sá Filho Nilo Agostini Universidade São Francisco [email protected] Resumo: A educação tem sido alvo de importantes estudos ao redor do mundo, pois vivemos numa época de grandes transformações e exigências cada vez mais complexas. Como podemos vivenciar nas últimas décadas do século XX e o início do século XXI, nos encontramos em meio a um processo cada vez mais acelerado de mudanças. O Brasil, por sua vez, passa igualmente por um momento de profundas transformações. Os métodos tradicionais de ensino se revelam defasados e ineficazes. Isto requer reflexão e análise acuradas. Apresenta-se o desafio de uma formação integral, fruto de uma educação harmonizadora das diversas dimensões do ser humano. Neste cenário o ensino técnico foi em nosso país, por anos, considerado apenas uma ferramenta governamental para promoção social dos desvalidos da sociedade, para integrá-los no mercado. No entanto com os avanços tecnológicos e científicos se faz necessário uma nova reflexão e visão para ensino técnico, sendo necessário um olhar para o humano e sua capacidade de ser livre, autônomo e capaz de criar e recriar a sua história. Palavras-chave: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, ENSINO TÉCNICO, FORMAÇÃO HUMANA E TECNOLÓGICA. Apoio financeiro: Capes Área do Conhecimento: 7.08.07.07-8 Ensino Profissionalizante Área temática: IC Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação: Educação, Sociedade e processos formativos.

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A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA E A FORMAÇÃO

Luis Roberto Ramos de Sá Filho

Nilo Agostini

Universidade São Francisco

[email protected]

Resumo: A educação tem sido alvo de importantes estudos ao redor do mundo, pois

vivemos numa época de grandes transformações e exigências cada vez mais

complexas. Como podemos vivenciar nas últimas décadas do século XX e o início do

século XXI, nos encontramos em meio a um processo cada vez mais acelerado de

mudanças. O Brasil, por sua vez, passa igualmente por um momento de profundas

transformações. Os métodos tradicionais de ensino se revelam defasados e

ineficazes. Isto requer reflexão e análise acuradas. Apresenta-se o desafio de

uma formação integral, fruto de uma educação harmonizadora das diversas

dimensões do ser humano. Neste cenário o ensino técnico foi em nosso país, por

anos, considerado apenas uma ferramenta governamental para promoção social dos

desvalidos da sociedade, para integrá-los no mercado. No entanto com os avanços

tecnológicos e científicos se faz necessário uma nova reflexão e visão para ensino

técnico, sendo necessário um olhar para o humano e sua capacidade de ser livre,

autônomo e capaz de criar e recriar a sua história.

Palavras-chave: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, ENSINO TÉCNICO, FORMAÇÃO

HUMANA E TECNOLÓGICA.

Apoio financeiro: Capes

Área do Conhecimento: 7.08.07.07-8 Ensino Profissionalizante

Área temática: IC Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação: Educação, Sociedade

e processos formativos.

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Introdução

Os desafios, conceitos, filosofias e atribuições sobre a formação humana vêm

sendo debatidos por séculos, mas os principais registros que são considerados como

o berço de nossa civilização ocidental são os gregos que, segundo CORTINA (2005

p.51 apud AGOSTINI, 2010p. 23): “como toda a cultura do ocidente em geral – nasceu

sem duvida entre os antigos gregos (...)”, tendo como personagens principais

Sócrates, Platão e Aristóteles.

Segundo AGOSTINI, (2010 p.24) os filósofos gregos fundam seu pensamento

na pergunta pelo “ser” das coisas. Buscam sua verdadeira realidade, na autêntica

natureza, pois, muitas vezes, as aparências enganam(...) A busca do “ser” do “ser

humano” e sua real posição na sociedade foi debatida pelos gregos, começando por

Sócrates, que dizia que o iluminar o conhecimento deve ser feito pelo bem da verdade

e que o diálogo e consenso na busca da verdade e o autoconhecimento como o

desafio de toda humanidade.

Segundo AGOSTINI, 2010, Sócrates continua seu pensamento definindo que a

excelência humana reside na atitude de busca do verdadeiro bem, então colocá-lo em

prática, sendo esta busca da verdade não uma mera curiosidade, mas a busca dos

conhecimentos necessários para agir bem, chegando assim à sabedoria, acreditando

que alguém que realmente conhece o bem não pode agir mal e que a educação dos

cidadãos consiste, numa tarefa ética primordial.

AGOSTINI, 2010 diz que, ao falar da alma humana, Platão trabalha com três

dimensões: a racional (capacidade de raciocínio, inteligência, capacidade de conhecer

e de excelência no ser humano), a irascível (ou paixão; lugar de decisão e da coragem

a força interior que colocamos em ação) e os apetites (desejos, paixões e instintos).

Assim sendo, a sabedoria é conquistada no equilíbrio do racional, do irascível e dos

apetites, sendo o equilíbrio entre razão, apetites e paixões contribui para que o homem

seja melhor e mais consciente de suas obrigações na sociedade pois se ele conseguir

dominar a pessoa mais difícil e complicada de todos que é o “eu”.

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Além disso, segundo SEVERINO (2006,p.624), “Platão via a educação como a

necessária formação do espírito”, levando os homens ao conhecimento do bem e,

assim, com a sua prática. Essa prática do conhecimento diferencia o ser humano e

demonstra sua formação de modo prático e autônomo. Mesmo que os gregos ainda

não vissem todos os homens como iguais, tais contribuições são importantes para a

sociedade atual.

O terceiro personagem destacado dentre os filósofos gregos é Aristóteles que,

segundo Severino (2006), valorizava a realidade empírica do Estado e a condição

social do individuo e nos traz o entendimento que a formação ética dos indivíduos é o

único caminho para a virtude. Virtude esta que, para ele é necessário que o homem

obtenha para ser inserido na sociedade que vivemos.

De acordo com Severino (2006), as posições aristotélicas são ainda mais

reforçadas com a apropriação da teologia cristã, graças ao trabalho filosófico feito por

São Tomas de Aquino, que são acompanhadas e definidas por religiosos com base no

teocentrismo como Agostinho de Tagaste e Boaventura de Bagnoregio .

Nesta visão, o amor estabelece prioridades, passa a ter cuidado como os fins e

os meios. Por o meu fim é chegar a Deus e só posso alcançar esse objetivo se meus

meios forem bons. Com isso, os bens deste mundo são meios para chegar a Deus e

devem ser equilibrados a sua “justa medida”.

São Tomas de Aquino colabora com a visão teocentrista dizendo que o homem

deve fazer uma leitura da própria natureza, nela encontrará a verdadeira felicidade.

Retornamos a Deus no agir pelo “Bem Agir”.

Apoiando tais teorias, o Frei Boaventura de Bagnoregio definiu “sê bom e será

sábio” e que são dois caminhos para a sabedoria o da especulação e da prática (a

prática das virtudes), pois para o Frei segundo Agostini(2006) o importante não é

conhecer a verdade, mas antes é desejável viver a verdade, pois esta nos tornará

verdadeiramente humanos e livres.

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Passado por esse período, dá-se início uma fase definida por Agostini, (2010)

como “Dos modernos aos contemporâneos”, passando pelo racionalismo, empirismo,

iluminismo e pelo criticismo. Começando por René Descartes definia e existência do

homem pelo pensamento “Penso, logo existo”, trazendo assim um novo “ DUALISMO”

– A RAZÃO E AS COISAS. Ou seja, o que é ser humano? É possuir a razão de forma

autônoma e não heterônoma, ou seja, livre o homem para que o homem seja dotado

de RAZÃO.

Em contrapartida, temos Immanuel Kant, que propõe que há uma lei moral

sendo definida que é o fim em si mesmo de modo autônomo e que cada um traz a

humanidade em si. A razão não leva à descrença religiosa, a liberdade é postulada

pela razão e o que é distinto não é necessariamente oposto; o respeito as diferenças

leva ao crescimento e desenvolvimento humano.

Já no fim do século XIX surge o que é definida por Agostini (2010) como a

Ética da Linguagem tendo como base a chamada virada linguística e seu principal

percursor Friedrich Nietzsche que em sua obra critica de toda a visão ética e moral do

ser humano, rompe com a visão teleológica – “o fim” e se desvincula da moral

introduzindo o conceito de “eterno retorno”, ou seja, uma vida estética sendo definida

em três estágios o do “tu deves” , o “Eu quero” e o “Eu Sou” surgindo assim o niilismo

sendo ele considerado o crepúsculo do Deus.

Sem a moral e sem um fim além do dever, cada qual busca a sua verdade e

tudo se liquefaz não havendo nada sólido. Sendo assim, para Nietzsche, não existem

fenômenos morais, mas apenas uma interpretação moral dos fenômenos, que, para

Agostini (2010), o autor estabelece a lei da autonomia da vontade como aquela capaz

de selecionar o seu desejo.

Dando a modernidade e pós modernidade o rompimento do conhecimento

sólido mas do conhecimento que se adapta, que evolui, que cresce e rompe com o

senso comum.

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Passando para nossos dias, tais anseios se projetam ainda mais emergentes e

o convite ao diálogo e o consenso de mudança se torna ainda emergente como é

notório nas palavras de grandes educadores do século XX e XXI como Paulo Freire,

Bakhtin, Vygostsky, Prof. Antonio Joaquim Severino, Jorge Renato Johann entre

outros que versam em suas obras que a educação de ir além do conhecimento

tecnicista, fechado e protocolar, mas sim deve ser voltada no sujeito e em sua

autonomia, de como o ser humano pode se tonar mais humano, como definido por

Severino (2009): “Sem dúvida, a educação, em seu sentido mais profundo é o

processo fundamental para a constituição do humano”.

Esse ser humano que vive, sofre, busca e luta que espera por dias melhores,

que possuem em suas mãos as marcas da vida que por muito o privou, que vê em

seus filhos muitas vezes a possibilidade de romper esse ciclo de pobreza e miséria a

qual se sente condenado.

Com isso, SEVERINO (2009) define que a educação como o esforço para se

conferir ao social, no desdobramento do histórico, um sentido intencionalizado, como

esforço para a instauração de um projeto de efetiva humanização, feita através da

consolidação das mediações histórico-sociais da existência humana.

Desta forma a formação humana de modo mais abrangente deve fazer parte de

Educação de acordo como o autor que nos leva a refletir arqueogenealógica, nos

levando ao cotidiano do ser humano, suas relações pessoais, intimidades,

singularidades, amores, desejos, etc.

Contudo autor conclui que a educação é práxis, ou seja, não se trata de uma

prática mecânica, transitiva; é pratica orientada, norteada e pensada, promovendo

assim o conhecimento.

Tal reflexão nos leva a crêr que estamos passando por um período de intensa

mudança, o que provoca um certo desequilíbrio aos profissionais em geral, ainda mais

aos educadores que tem o dever de refletir sobre suas atitudes e ações de modo que

possam transformar suas práxis pedagógicas mais eficientes para que o sujeito,

desvalido e inconcluso em seu desenvolvimento possa estar pronto a superar as

dificuldades que lhe são propostas no mundo atual.

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E é neste contexto que a Educação Profissional vem sendo desenvolvida e

difundida, pois para atender as necessidades de sobrevivência é necessário atender

às ordens de uma sociedade capitalista, onde a produção se faz cada vez mais

necessária para os anseios e os desejos de uma sociedade cada vez mais consumista

e estética.

No Brasil, a educação profissional, prevista e regulamentada pelo artigo 39 da

LBD nº 9394/96 (Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional) e alterada pelos

Decretos Lei 5254/2004 e 11.741/2008, tem sido constantemente utilizada como meio

de promoção social, de modo que os “desvalidos da sorte” obtenham melhores

condições de vida (BRASIL, 2004, 2008).

Tal pensamento tem sua origem no início da colonização do Brasil, no século

XVI, passando pela vinda da família Real ao Brasil no século XIX, até os dias atuais

com o surgimento dos programas sociais em parcerias com as instituições privadas de

ensino como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego

(PRONATEC) do Governo Federal.

De acordo com a Lei 13.005, de 25 de Junho de 2014 que estabelece o Plano

Nacional de Educação (PNE), no seu anexo estabelece metas e estratégias para a

educação nacional até o ano de 2024 e as metas 10 e 11 estabelece que no mínimo,

25% das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e

médio, na forma integrada à educação profissional, além de triplicar as matrículas da

educação profissional técnica de nível médio.

Estamos falando de um universo aproximado que hoje de 4,8 milhões (segundo

dados do INEP 2014) de pessoas que passarão a fazer parte da educação

profissional. É fundamental que a educação profissional faça parte desde debate para

que possa ser associada ao desenvolvimento humano, diferente do que

historicamente vimos no Brasil uma educação voltada apenas a “aprendizes de

ofícios”, sendo o homens um mero apêndice da máquina, sendo assim necessário

romper com tais conceitos.

A Educação Profissional e a Ética

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A educação profissional passa a ser um agente importante para transformação

do conceito de formação integral do indivíduo e a essa de cultura educacional, dando

a oportunidade aos interessados em desenvolver-se profissionalmente.

Segundo Xavier, (1997) é necessária uma reflexão maior e direcionada a cerca

do nosso contexto de constantes mudanças e como a educação está presente em

todo este processo, a autora define que “mudança” é um tema que está cada vez mais

presente no discurso atual e como tal fato provoca desequilíbrio e inquietude aos

profissionais em geral e também aos educadores. Com isso, nos leva a refletir sobre

conceitos como “revolução” ou “inovação”, “modernidade” ou “pós-modernidade”,

sendo que para a primeira indagação ela sugere que mudança tem o mesmo sentido

de “revolução” ou “inovação” ela é um processo de construção inédita, pelas

especificidades das condições gerais sob as quais ocorre no sistema.

(..)pode-se dizer que, se mudança tem o mesmo sentido de “revolução" e de

"inovação", ela é um processo de construção inédita, pelas especificidades das

condições gerais sob às quais ocorre no sistema, e dos seus instrumentos, que

são o produto das pessoas que a concretizam pela interação social. Além de a

mudança ser original e única, é intencional e deliberada para melhorar um

sistema - no caso, o educativo – por se supor que ela o torna mais eficaz na

consecução de seus objetivos e mais efetivo, o que garante a sua visibilidade

na sociedade. (XAVIER,1997 p.288)

Esse tornar “melhor um sistema”, tornar “mais eficaz” e “efetivo”, nos remete a

formação integral e a necessidade de que a educação contemple a educação também

profissional, sendo que o indivíduo se torna cada vez mais autônomo a medida que

tem suas necessidades básicas atendidas.

Com tais definições, se faz ainda mais relevante destacarmos a definição dos

pilares do conhecimento definida por DOLORS e seus colaboradores (1996 apud

Xavier, 1997) que são:

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o aprender a conhecer - para adquirir os instrumentos da compreensão; o

aprender a fazer - para poder agir sobre o meio em que vive; o aprender a viver

em sociedade - para participar e cooperar com os outros; o aprender a ser -

para conseguir a integração das outras três vias do saber, levando, assim, ao

"desenvolvimento total da pessoa: espírito e corpo, inteligência, sensibilidade,

sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade (Delors et al., 1996,

p. 85)

Esta necessidade do homem aprender a viver em sociedade, o aprender a

fazer, fazem parte da proposta de Educação Profissional que ao logo dos anos tem

recebido duras críticas por seu perfil tecnicista e voltado unicamente a qualificar a mão

de obra para coloca-la no mercado, como se fora uma mercadoria que é definida por

MARX em seu livro o Capital capitulo “o atender as solicitação do capitalista, para a

remuneração do capital, por meio da mais valia”. No entanto a educação profissional

pode se tornar uma educação libertaria, a medida em que passa a compreender os

indivíduos envolvidos neste processo como sujeitos e agentes de transformação do

seu meio, que a medida que se desenvolvem profissionalmente adquirem autonomia e

estima de si.

Ao citar uma pedagogia libertaria é impossível não citarmos aqui autores como

Paulo Freire e Arendt, que nos leva a refletir como deve ser essa pedagogia da

autonomia, como o ensino de princípios e valores pode levar o individuo a superar

seus desafios e labores da vida, sendo o homem capaz de grandes conquistas e

conhecimentos, mas incapaz de lidar com seu semelhante de modo igualitário.

Jorge Renato Johann em seu livro “Educação e ética: em busca de uma

aproximação”, traz o debate a necessidade de aproximarmos a educação princípios

éticos e valores e que isso leva o sujeito a autonomia, define que a educação que não

leva em consideração o sujeito é apenas um conhecer de forma imediata e diz:

Um nível de consciência intransitiva não permite ver, ouvir, sentir, expressar e

atuar sobre o mundo. A leitura que ele faz de seu mundo é ingênua. Ele o

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apreende da forma imediata como este lhe é apresentando. Toma

conhecimento dos fatos. Porém, não chegará a compreender as razões e os

efeitos resultantes. Acaba acolhendo a realidade de forma simples e

absorvendo opiniões como verdades inquestionáveis e de forma dogmática.

Assim, permanecerá no fechamento de uma consciência, reduzindo seu existir

ao tamanho que ele próprio lhe confere em sua simplicidade e ingenuidade.

Seu horizonte, portanto, permanecerá sempre limitado à percepção ínfima,

comparável ao nível de um simples animal calçado com viseiras. (JOHANN,

2009, p.80)

Sendo assim, ao pensarmos na prática educativa desprovida de um sentido

mais dinâmico, profundo e amplo, estaríamos construindo uma poiésis e não uma

práxis educativa. Somente uma práxis educativa haveria de se constituir em uma ação

ética, por assumir um significado de desenvolvimento de todas as potencialidades

humanas.

Somente à luz da Ética e da Educação é possível a autonomia e emancipação

do indivíduo, sendo assim uma importante contribuição a minha pesquisa, que tem o

foco na formação integral. A questão de fundo é como o ensino para técnico pode

contribuir a essa formação, pois ao prepararmos para o mercado de trabalho cada dia

mais seletivo, exigente e desumano, pratica humanizadas e éticas se tornam

diferenciais importantes, de modo a proporcionar autonomia e liberdade ao oprimido.

A Educação Profissional e a Construção do Sujeito Ético

Rodrigues (2001) enfatiza sobre uma crença que tem sido assumida e

reforçada em diversos discursos sobre educação, a de que se deve “preparar os

indivíduos para a vida social”, que as propostas de educação devem, além de

transmitir conhecimentos e habilidades, devem ser associados a ética e a cidadania.

Promovendo a consciência que o ser humano é mais que produtor das condições de

reprodução de sua vida, e que as formas sociais devem fazer parte de sua

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organização social e devem ser orientadas pelos princípios de solidariedade, e do

reconhecimento do valor das individualidades.

Desta forma RODRIGUES, 2001 define que a educação é necessária para que

o Ser Homem seja constituído, sendo assim o ser humano deve ser educado para que

possa alcançar o seu potencial máximo. O autor continua definindo que a formação

humana se dá em dois planos distintos e complementares: um de fora para dentro e

outro de dentro para fora.

O primeiro plano denota a importância do Educador e o educando na

construção do conhecimento; a educação provem de uma ação do meio exterior com o

indivíduo e como a participação do meio social transmitindo conceitos e valores que

conduzem o indivíduo a sua formação.

No segundo plano, educar compreende acionar os meios intelectuais de cada

educando para que ele seja capaz de assumir o pleno uso de suas potencialidades

físicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua própria formação.

Assim, a educação possibilita com que cada indivíduo adquira a capacidade de se

auto-conduzir no seu próprio processo formativo.

Sendo assim, como considerar tais afirmações sem levarmos em consideração

a necessidade de uma educação profissional? Como dito por Rodrigues (2001), a

educação deve presar pelo preparo do homem para viver em sociedade.

Sociedade essa que consome e nos leva a consumir, que nos impõe barreiras

que excluem e desagregam os que não possuem. Não se faz necessário então uma

educação que rompa essas barreira por meio de ética, princípios e valores associados

a carreira profissional?

Rodrigues(2001) questiona: “Quem é o educador-formador desse sujeito

humano?”. Tal questão nos leva a refletir sobre a nosso papel de educador, pais,

indivíduos e num contexto mais amplo nos remete a uma reflexão específica sobre

nossa estrutura escolar e as contribuições que ela pode proporcionar a uma formação

integral e emancipadora.

Tais contribuições foram enriquecidas por Jorge Miranda de Almeida(2013) em

seu artigo “A educação como ética e a ética como educação em Kierkegaard e Paulo

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Freire” que traz ao debate KIERKEGARD e PAULO FREIRE, procurando ver o homem

com um ser inconcluso e em formação constante e a ética como educação, pois

ambos os autores, que são referências para diversos estudiosos da educação,

convergem quanto o conceito e as contribuições da ética para a formação do homem.

Ambos veem o homem como um ser aberto a múltiplas possibilidades e partindo deste

consenso fazem da ética, da educação, da política, do trabalho, da cultura, da

dialogicidade, do ser em relação, da dignidade os temas fundamentais dos seus

escritos.

Ao fim o educar para humanização do humano em seu constante estado de

devir, de deixar de ser para tornar-se, transformando a existência deste homem

inconcluso e repleto de desafios, desejos e sonhos.

Associando tais conceitos com o debate promovido por Ana Maria Saul e

Antônio Fernando Gouvêa da Silva “Uma leitura a partir da epismologia de Paulo

Freire: A transversalidade, currículo e ensino”, conceitos sobre a função do currículo

escolar no processo de ensino e como temos muito o que evoluir para considerarmos

aptos para que a ética e a complexidade do ser humano possa ser compreendida e

desenvolvida. Como é possível alcançar uma educação libertadora em meio a um

currículo tão precário e desatualizado? Foram algumas questões que fizeram parte de

nosso debate em sala e o que me fez refletir como deve ser o currículo ideal? Será

que um currículo mais aberto compreenderia o humano e atenderia os desejos e

anseios de nossa sociedade? Como os projetos interdisciplinares e transdisciplinares

contribuem com a formação do sujeito?

Tais questionamentos sempre embasados na proposta freireana na formação

permanente de educadores que são os principais agentes deste processo que vão

além do ensino aprendizagem de habilidades e conhecimentos, mas perpassam por

ética, valores, crenças e racionalidades.

Reforçando as ideias de Paulo Freire, que retrata a “transformação” social que

provém de uma educação transformadora com base na liberdade e na autonomia do

sujeito, nos convidando a refletir e pensar no homem como um ser em formação, e

que neste processo de formação contínua ele está sempre se transformando e

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transformando o seu meio, de modo a se revelar cada vez mais necessário o ensino

de valores e assim a ética como parte essencial da pedagogia libertaria proposta por

FREIRE.

Andreola (2011) ressalta a necessidade de compreendermos Paulo Freire

como um educador que olhava o humano e nos estimula a fazer o mesmo com

referências, nos leva a refletir sobre quais os rumos de nossa sociedade cada vez

mais opressora e que o humano se torna cada vez mais distante da sua humanização.

O autor destaca Paulo Freire quando diz que é necessário e urgente uma nova

postura e citando o seu post-scriptum “.um grito da solidariedade e de esperança, para

que seja finalmente possível ‘um mundo onde seja menos difícil amar‘(Freire)”

Com o mesmo pensamento Souza(2011) traz Karl MARX fazendo a relação

entre educação e ética e a necessidade de olharmos além do “Eu” e possibilitarmos

uma “Educação Revolucionária”, por meio de uma ética crítica e que produza atitudes

voltadas ao desenvolvimento humano e social e menos voltadas ao desenvolvimento

do capital.

Defendendo que educar é organizar para a luta, na própria sociedade que nos

rodeia, formando assim forças capazes de varrer o velho e formar o novo. Assim

compreendendo que a sociedade é feita por seres humanos que devem buscar

aprender sua realidade e a transformá-la em algo melhor.

Tais autores demonstram a realidade e a necessidade da formação do sujeito

Ético na sociedade e como a educação pode ser opressora e libertaria sendo o educar

vai muito além que uma simples transmissão de conteúdos ou aprendizados de

afazeres há na educação a capacidade transformar o SER HUMANO, ser humano

este inconcluso e tem a capacidade de ir além de seus limites.

Considerações Finais

Ao tecer minhas considerações finais, cito Frei Nilo Agostini que em seu livro

Ética: Dialogo e Compromisso define a relação homem e tecnologia de forma a alinhar

tudo o que foi tido até aqui que é o seguinte:

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Os avanços Tecnocientíficos só encontrarão real consistência se forem

fundados na ética, resguardando o princípio de humanidade. Hoje um diálogo

multidisciplinar necessita ser travado, saindo de nossas trincheiras. Diante do

assédio do “tudo é genético” e de deslizes reducionistas, a ética nos abre os

olhos para a corrida insana do lucro a qualquer preço e do desgoverno

biotecnoliberal. Quando lastreado na dignidade humana, ser humano é

reconhecido, protegido e tutelado no seu valor incomparável, inviolável e

inalienável e passa a ser assumido na riqueza de suas dimensões que

integradas, abrem-lhe o caminho da maturidade e da realização. O ser humano

é mais do que simples material biológico. (Agostini, 2010, p147)

O ensino técnico no Brasil por anos é considerado uma ferramenta

governamental para promoção social e inclusão no mercado do trabalho, de modo a

promover ao mercado os desvalidos da sociedade, porém com os avanço tecnológicos

e científicos se faz necessário uma nova reflexão e visão para ensino técnico como

está sendo feita na educação escolar como um todo, sendo que agora é necessário

olhar o humano e suas capacidades libertárias e toda sua complexidade de um ser

inconcluso.

Como definido por SEVERINO(2014):

Nunca é demais repetir que a finalidade da educação é a humanização, a

formação das pessoas humanas, e mais do que qualquer outra prática social,

cabe a ela, nessa condição, investir na construção da autonomia das pessoas,

respeitando e consolidando sua dignidade. Trata-se da própria construção do

humano que não é dado como pronto e acabado, mas como um ser a ser

construído, num processo permanente de um vir-a-ser, de um tornar-se

humano. (SEVERINO, 2014,p.207)

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Instruir o ser humano de modo a promover a autonomia e a liberdade, tendo

suas necessidades básicas atendidas é o mínimo esperado de uma educação

profissional que deve ser cada vez mais inclusiva e transformadora.

Referências

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