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A EDUCAÇÃO NA VIDA

E A VIDA NA

EDUCAÇÃOuma abordagem histórico-cultural

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Patrícia L. M. Pederiva (Org.)

A EDUCAÇÃO NA VIDA

E A VIDA NA

EDUCAÇÃOuma abordagem histórico-cultural

São Carlos, 2019

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Copyright © das autoras e dos autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser re-produzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos autores.

Patrícia L. M. Pederiva (Organizadora)

A educação na vida e a vida na educação: uma abordagem históri-co-cultural. São Carlos: Pedro & João Editores, 2019. 197p.

ISBN 978-85-7993-681-4

Educação; Vida; Vigotski; Teoria Histórico-Cultural; Diversidade.

CDD – 370

CapaJoão Barreto

EditoresPedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

DiagramaçãoDiagrama Editorial

Conselho Científico da Pedro & João EditoresAugusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/ Brasil); Hélio Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Bra-sil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil).

www.pedroejoaoeditores.com.br13568-878 - São Carlos – SP

2019

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SUMÁRIO

PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Daniela BarrosSaulo Pequeno

APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13Profa. Dra. Patrícia Lima Martins Pederiva

(RE)PRODUÇÕES COLONIAIS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19Gabriel GonçalvesLucas Gusmão

REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DOS ALUNOS LGBTQ+ NAS ESCOLAS MILITARES . . . . . . 33Weriklis Marques

DESENVOLVIMENTO HUMANO E INSTITUIÇÕES SOCIAIS: FAMÍLIA E ESCOLA NA CONSTITUIÇÃO DA DIVERSIDADE . . . 47Samuel Brito de GusmãoFabrício Santos Dias de Abreu

EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES EDUCATIVAS . . . . . . . . . . . . . . 65Angélica Bimbato

ESPAÇOS DE PERTENCIMENTO: UMA REFLEXÃO SOBRE CAMINHOS EDUCATIVOS . . . . . . 77Fernanda Chaves de SouzaBeatriz Rezende

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DIMENSÕES DA ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS EDUCATIVOS: DAS ESTRUTURAS FÍSICAS ÀS RELAÇÕES SOCIAIS. . . . . 89Patrícia Bittencourt

O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109Emilly Saraiva da Silva

DIÁLOGOS COM OUTROS MODOS DE EDUCAR . . 121Bruna Lopes Lima

O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL . 135Letícia Cardoso Rosas

OS ENCANTOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147Ellen Dantas

DA IMAGINAÇÃO À CRIAÇÃO: DESCAMINHOS NA ESCOLA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157João Vitor Barreto Gomes de SáGiulia Ribeiro Salgado

PEDAGOGIA DOS CORPOS: DOS LIMITES ÀS POSSIBILIDADES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171Nathália Mendonça

COLETIVO DE SAÚDE MENTAL À LUZ DA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL . . . . . . . . . . . 183Fernanda Lisboa de Andrade

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PREFÁCIO

Quando recebemos o convite para escrever o prefácio desta publicação, fomos tomados de uma imensa alegria, pela oportunidade de participar de um registro das re-flexões e experiências deste ciclo pelo qual passa o PET-

-Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, ao lado da professora tutora Patrícia Lima Martins Pederiva. Ao longo dos anos, partilhar com es-tas pessoas os ambientes de estudo, de pesquisa e a con-vivência cotidiana tem sido uma inspiração e um rico aprendizado, sendo para nós um privilégio acompanhar todo o processo que chega até esta obra.

Tratar de educação com rigor acadêmico e afetivo sig-nifica, a partir da Teoria Histórico-Cultural de Vigotski, base teórica praticada pelo grupo PET – Educação, en-tender Educação como o desenvolvimento humano na cultura. Isto significa que todas as experiências, desde a infância, e a forma como orienta-se a reação a elas com o suporte das possibilidades oferecidas pelas pessoas e contexto cultural, vão dando forma ao comportamento, ao modo de estar no mundo. Assim, o sentido da edu-cação é possibilitar o maior número de experiências da forma mais diversa e heterogênea, oferecendo um am-biente em que se permita criar, tentar, arriscar, para uma reflexão de si na relação com o mundo e, finalmente, para uma orientação de si na sua relação com o mundo.

Esta perspectiva de educação está acompanhada de uma concepção que percebe a pessoa humana em mo-vimento: não apenas o movimento que acompanha o crescimento e a maturidade de bebê à vida adulta, mas também o movimento pelo qual se passa ao longo das afirmações, oposições e contradições dos encontros e da

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cultura, e que podem transformar radicalmente aquilo que há pouco era tido como inquestionável. A pessoa humana, portanto, é um ser de possibilidades, em que o ambiente oferece situações e experiências que colocam transformações na iminência de acontecer, podendo afirmar ou transformar o comportamento. Não há neste horizonte espaço para as ideias de pessoa e de educa-ção que proponham a determinação do comportamento, adestrar o corpo, cercear a livre expressão, oprimir as vontades, doutrinar a consciência, condicionar o intelec-to, entre muitos dos outros objetivos de educação pro-postos segundo concepções opressoras e utilitaristas. A pessoa humana, como ser de possibilidades, é entendida como ser de livre expressão – intelectual, afetiva, corpo-ral – e que, entendendo-se desta maneira, comporta-se de maneira ética para não cercear a livre expressão de outra pessoa. Estes pontos de vista são enunciados e tra-balhados nas páginas desta obra.

Pelas palavras desta obra, trabalha-se a concepção de que as pessoas agem, educam-se e comportam-se de ma-neira diversa, sem que o estabelecimento de quaisquer padrões normativos sejam tomados como caminho ine-vitável para o desenvolvimento. E, ao trazer aqui a pala-vra diversidade, refere-se a instâncias além dos lugares comuns com que tem sido usada nos espaços políticos recentes; a diversidade não é entendida como oposição à norma. Pelo contrário, a diversidade é o princípio do desenvolvimento humano, do comportamento, e das culturas que se atravessam em sociedade. A diversida-de é a característica de todo encontro entre pessoas ou grupos de pessoas, através da alteridade e da empatia ante pessoas diferentes, com histórias diferentes, corpos diferentes, sensibilidades diferentes, especialmente em um espaço educativo, em que devem colaborar juntas para que todos os polos que compõem a unidade do en-

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contro extraiam, mutuamente, o melhor de si. Qualquer tentativa de normatização, portanto, manifesta-se contra a educação, contra o desenvolvimento e, em última ins-tância, contra toda a existência. Ao passo que é possível a tentativa de sufocar, oprimir e ignorar a diversifica-ção, como muitos projetos de poder o fazem através da educação, o PET-Educação procura reconhecer, refletir e amparar em teoria, prática e ação política, a diversidade como condição da própria existência humana.

Por este conjunto de entendimentos, compreende-se que a educação, em sua prática e seus desafios, não é sinônimo de escola, e vai muito além desta. Entretanto, como uma instituição central para a modernidade, que monopoliza o ideário de relações com o saber, e que é tida socialmente como o local destinado para a instru-ção, a escola contém em si um conjunto determinado de procedimentos, de conhecimentos e de projetos de futu-ro, de forma que também deve ser refletida, analisada e criticada com rigor. Seu local é tão estratégico e central para a modernidade que as práticas que caracterizam a escolarização irradiam para todos os setores da socieda-de em qualquer relação com o saber. E esta instituição possui uma forte contradição: por um lado, entendi-mentos e protocolos rígidos sobre a prática educativa, sendo também um microcosmo da sociedade, com to-das as suas opressões, normas arbitrárias e assimetrias; por outro lado, é local que recebe bebês, crianças, ado-lescentes, jovens e adultos com todas as suas trajetórias e potencialidades sendo então, também, um espaço de possibilidades. Com a intenção de abalar as certezas e imposições da educação e da escolarização, este conjun-to de textos procura trabalhar com o desenvolvimento humano, pautado na diversidade, para caminhos de re-flexão e transformação de todos os espaços educativos, inclusive os espaços escolares.

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O presente livro é composto por artigos escritos por estudantes, profissionais da educação em formação, e por profissionais da educação recém formadxs. E este é mais um exemplo de transgressão do PET-Educação e da professora Patrícia Pederiva frente aos lugares comuns da academia. Usualmente privilegia-se a publicação de obras de pesquisadorxs com títulos de pós-graduação – mas isso não quer dizer nada, por si só, da qualidade das reflexões que estão em qualquer obra. É necessário desta-car que nesta etapa da formação profissional superior, xs estudantes são interlocutorxs privilegiadxs para enten-der as dificuldades, contradições e possibilidades da edu-cação e, ao mesmo tempo, da formação em educação. É, portanto, uma importante referência para conhecer aqui-lo que se identifica entre críticas e possibilidades das suas experiências escolares, das expectativas e frustrações de estágios, do curso superior, da prática profissional e da própria ideia em movimento do que pode ser a educa-ção, de como lutar por ela, de como alcançar formas de exercer a função social dx professorx, que é possibilitar o desenvolvimento humano em sua plenitude, torná-lo possível mesmo em processos educativos dados num ambiente institucionalizado. Acima de tudo, são admira-dxs e respeitadxs profissionais pensadorxs da educação.

Dedicando-se igualmente ao ensino, pesquisa e ex-tensão de forma intensa e valente, o PET-Educação junto à professora Patrícia Pederiva faz os necessários enfren-tamentos, não foge das reflexões, desbrava, corre atrás de viver, de experimentar, de estudar, de refletir, porque compuseram, em conjunto, consciência da responsabili-dade da profissão que escolheram, do ato de serem pro-fessorxs. Entre tantos outros, destacamos alguns marcos que deram identidade e coesão ao grupo, ao mesmo tempo ofereceram profundidade na experiência profis-

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sional, que enchem de inspiração qualquer profissional da educação.

Ao longo de sua trajetória, o grupo se organizou para a luta em nome das estudantes não só da pedagogia, mas de toda a universidade. Este foi o trabalho a respei-to das estudantes mães da Universidade de Brasília com pesquisas de levantamento do número de estudantes, identificação dos seus direitos, em aliança com outros grupos de estudantes, com coletivos de estudantes, com outros PETs da universidade, além de grupos fora dos espaços da universidade. Nestes esforços, conquistaram uma sala de acolhimento para estudantes mães com su-porte para amamentação e cuidado com as crianças, lo-cal há muito tempo desejado pelas estudantes da UnB. Produziram material empírico e teórico a respeito desta jornada, problematizando os temas educação, mulher, maternidade, gênero, suporte institucional, entre outros.

Realizaram estágios, atividades e acompanhamentos na Casa de Ismael – Lar da Criança. Esta é uma experiên-cia importante, porque ocorre em uma instiuição conve-niada da Secretaria de Educação do Governo do Distrito Federal que oferece educação básica, ao mesmo tempo que é lar de acolhimento institucional para crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade oferecendo, além de educação, assistência e orientação profissional. Realizando trabalho comprometido junto à Casa de Ismael, foi oferecido ao PET um local de traba-lho complexo e desafiador para a sua formação, abar-cando a educação, mas também suas articulações com concepções de sociedade, família, infância e adolescên-cia, identidade e direitos sociais.

Além disso, o grupo não se esquivou da responsabi-lidade de discutir diversidade dentro da instituição uni-versitária, abrindo espaços de conversa; rodas de estudo; e a realização do I Seminário de Diversidade da Facul-

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dade de Educação, organizado pelos estudantes do PET junto à professora Patrícia Pederiva, abordando a educa-ção pública, raça, classe, gênero e sexualidade, infâncias juventudes e preconceitos, tanto no aspecto crítico quan-to nas suas possibilidades propositivas, resultando, além de um evento excepcional, material acadêmico como mo-nografias e artigos. Estes são alguns exemplos das formas de como este grupo vivenciou com excelência o ensino, pesquisa e extensão, credenciais importantes para locali-zar ainda melhor a importância da presente obra.

Este livro é mais um dos resultados de todo esse pro-cesso, e é uma cristalização que traduz o PET-Educação como um grupo que busca (e pratica) a educação por ou-tros olhares, outras experiências, para uma outra cons-ciência, outra escola. É uma leitura necessária para toda pessoa que se preocupa com a educação, de estudantes, professorxs e interessadxs, para que práticas enrijecidas não continuem a se repetir e violentar seres humanos em suas possibilidades, para que os caminhos de respeito e re-flexão aberta e honesta continuem a ser abertos e trilhados.

Para nós é uma imensa alegria acompanhar todo este processo, desde a primeira configuração do grupo até a presente obra. É um privilégio acompanhar estxs par-ceirxs, amigxs, em um ambiente de crescimento mútuo, respeitoso, amoroso, receptivo, afetuoso. É encantador ter estas pessoas como parceiras entre profissionais da educação. É uma honra poder contribuir com esta obra, pela qual temos tanta estima, respeito e admiração.

Carinhosamente,

Daniela BarrosSaulo Pequeno

Pedagoga e Antropólogo. Mestrxs em Educação.Doutorandxs em Educação pela Universidade de Brasília.

Brasília, 15 de maio de 2019

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APRESENTAÇÃOProfa. Dra. Patrícia Lima Martins PederivaTutora do PET Educação/FE/[email protected]

A escola é uma instituição secular. Tornou-se, em um processo histórico, o locus responsável pela instrução das pessoas, da infância à vida adulta. Há muitos ganhos e perdas ao longo do caminho. Por tudo o que representa socialmente, por vezes, a escola parece ser inquestioná-vel, pois, há poucos espaços para discutir alguma das questões que fazem parte dessa instituição na contem-poraneidade.

Este livro foi pensado, organizado e constituído como um desses espaços de discussão. Aqui, buscou-se prezar por temáticas que dizem respeito à escola e aos proces-sos educativos e que pulsaram e ainda pulsam na vida.

Nós, organizadora e autorxs do presente texto, temos plena consciência dos processos sociais que perpassam e atravessam a escola. Educação, melhor dizendo, educa-ções – termo no plural, por respeito aos modos e singula-ridades dos diversos processos educativos – acontecem na vida e em diferentes espaços. Dessa forma, escola não necessariamente equivale à educação e vice-versa.

Por isso, aqui, tratamos de diversidade, relações hu-manas, sentidos de pertencimento, o lugar das expe-riências nos processos educativos, imaginação, criação, educação na vida adulta e outros temas importantes. Discutimos também, à luz da teoria histórico-cultural de Lev Semionovich Vigotski e de outrxs autorxs, o papel de professorxs como organizadorxs do espaço educativo

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e as implicações de algumas convenções na constituição das pessoas que integram estes lugares.

Estamos convictos de que as reflexões aqui presentes suprem lacunas ora existentes, nas discussões educati-vas, e convidam à continuidade da busca por conheci-mentos e modos mais humanos de transformações edu-cativas e sociais.

Para tanto, apresentamos a seguir os títulos dos arti-gos, na sequência do livro, e respectivos autorxs, resu-mos das propostas, além das palavras-chave:

1. (RE)PRODUÇÕES COLONIAIS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR. Gabriel Gonçalves e Lucas GusmãoResumo: Reflete sobre a escola como produtora privile-giada de diferenciação social, baseada nos valores e nas práticas coloniais homogeneizadoras/padronizadoras e, ainda, como se (re)produzem diariamente nos espaços escolarizados as práticas de dominações coloniais.Palavras-chave: Educação; Colonialismo; Escolarização.

2. REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DOS ALUNOS LGBTQ+ NAS ESCOLAS MILITARES. Weriklis MarquesResumo: Reflexão sobre a escolarização dos alunos LGBTQ+ nas escolas militares. Traz relatos e denuncias de vivencias de estudantes nesses espaços.Palavras-chave: LGBTQ+; Escolarização; Relações

3. DESENVOLVIMENTO HUMANO E INSTITUIÇÕES SOCIAIS: FAMÍLIA E ESCOLA NA CONSTITUIÇÃO DA DIVERSIDADE. Samuel Brito de Gusmão e Fabrício Santos Dias de AbreuResumo: Análise da construção da heteronormativida-de, em dois espaços sociais e educativos – escola e famí-lia – a partir de experiências vivenciadas pelo primeiro autor, para compreender o papel da diversidade no de-

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senvolvimento das pessoas nesses espaços, pela lente da teoria histórico-cultural de Vigotski e autorxs que abor-dam questões de gênero e sexualidade.Palavras-chave: Teoria histórico-cultural; Heterormati-vidade; Diversidade.

4. EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO: REFLEXÕES SO-BRE AS RELAÇÕES EDUCATIVAS. Angélica BimbatoResumo: Reflexão que coloca as relações sociais tecidas nos espaços escolarizados como fator central e nortea-dor do desenvolvimento humano. A partir da teoria his-tórico-cultural, o artigo discute a emancipação humana, nas relações entre educadorxs e educandxs nos espaços educativos.Palavras-chave: Relação; Emancipação; Afeto; Desen-volvimento.

5. ESPAÇOS DE PERTENCIMENTO: UMA REFLEXÃO SOBRE CAMINHOS EDUCATIVOS. Fernanda Chaves de Souza e Beatriz RezendeResumo: Relatos pessoais de vivências escolares, até a graduação, sobre como o sentido de pertencimento foi se constituindo, pelas relações interpessoais, nos espa-ços educativos.Palavras-chave: Pertencimento; Relações; Espaços educativos.

6. DIMENSÕES DA ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS EDUCATIVOS: DAS ESTRUTURAS FÍSICAS ÀS RELA-ÇÕES SOCIAIS. Patrícia BittencourtResumo: Reflexão sobre o papel do professor na orga-nização do espaço educativo como espaço relacional, segundo a teoria Histórico-cultural de Lev Semionovi-ch Vigotski.

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Palavras-chave: Organização do espaço; Teoria históri-co-cultural; Espaço relacional.

7. O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA. Emilly Saraiva da Sil-vaResumo: Reflete sobre o espaço escolar e sua função so-cial e faz uma crítica ao sistema vigente. Breve histórico sobre essa instituição em diálogo com algumas das leis que tratam sobre a educação e escola no Brasil. Busca por outros modos de pensar a escola.Palavras-chave: Escolas; Educação; Função social.

8. DIÁLOGOS COM OUTROS MODOS DE EDUCAR. Bruna Lopes LimaResumo: Reflexão, em quatro tópicos, acerca dos pro-cessos educativos com um olhar mais atencioso e ativo para seus participantes. O primeiro, “da experiência às reflexões”, aborda questões geradas por vivências edu-cativas. O segundo, “diálogos necessários”, estabelece a perspectiva histórico-cultural de Vigotski como lente teórico-analítica. O terceiro, “como educar e ser profes-sor”, discute os espaços educativos. O último, “reflexões sobre transformação”, demonstra que existem maneiras mais leves, livres e afetuosas de se relacionar.Palavras Chave: Educação; Desenvolvimento; Espaços educativos.

9. O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. Letícia Cardoso RosasResumo: Reflete sobre a condição de crianças em si-tuação de risco e vulnerabilidade social no contexto educativo.Palavras-chave: Criança; Educação; Escola; Situa-ção Social.

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10. OS ENCANTOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Ellen DantasResumo: Discute a respeito da educação de jovens e adultos, EJA, e sobre seus modos de organização, seus limites e possibilidades.Palavras-chave: EJA; escola; direitos.

11. DA IMAGINAÇÃO À CRIAÇÃO: DESCAMINHOS NA ESCOLA. João Vitor Barreto Gomes de Sá e Giulia Ri-beiro SalgadoResumo: Discussão, com base na perspectiva histórico-

-cultural, sobre as relações do desenvolvimento humano nas escolas e as potencialidades de um trabalho imagi-nativo e criativo que não tenha como único meio e fim a reprodução.Palavras-chave: Criação; Imaginação; Escolarização; Reprodução.

12. PEDAGOGIA DOS CORPOS: DOS LIMITES ÀS POS-SIBILIDADES. Nathália MendonçaResumo: O artigo questiona e reflete sobre a padroniza-ção dos corpos no contexto de processos educativos, de como esses corpos estão sendo engaiolados e controla-dos. Por meio de vivências artísticas e corporais, busca-

-se pensar no desenvolvimento educativo com um olhar mais humano, a partir dos afetos e do reconhecimento destes corpos diversos e singulares.Palavras-chave: Corpo; Marcas; Afeto-intelecto; Arte; Educação.

13. COLETIVO DE SAÚDE MENTAL À LUZ DA PERS-PECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL. Fernanda Lisboa de AndradeResumo: O presente artigo tem o objetivo de explanar sobre o fenômeno de adoecimento psicológico de es-

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tudantes universitários. Com base nessa problemática localiza-se a questão na perspectiva histórico-cultural para, então, descrever uma proposta de intervenção rea-lizada pelo Coletivo de Saúde Mental da Faculdade de Educação-UnB.Palavras-chave: Saúde-mental; Universidade; Coletivo.

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(RE)PRODUÇÕES COLONIAIS NA EDUCAÇÃO ESCOLARGabriel Gonçalves1

[email protected] Gusmão2

[email protected]

A partir do impulso teórico de Illich (1979), podemos dizer que desde seu surgimento a escola tenta tomar para si o controle de todos os processos educativos, de-sencorajando e subjugando todas as outras formas de se educar, ou seja, todas as formas de se enraizar na vida social que não passam necessariamente pela frequência na instituição escolar.

Em sua teoria - considerada radical por muitos – o au-tor assume um papel extremamente crítico em relação à escola e ao papel que ela desempenha ao criar desigual-dades sociais, perpetuar exclusões e como pretendemos refletir mais adiante, perpetuar o colonialismo.

Por colonialismo, entendemos todo o cruel processo de colonização cultural, dominação dos povos, da eco-nomia e da política que abasteceu a economia Europeia e onde foi vivenciada de forma intensa a produção de marcadores sociais da diferença.

1 Estudante de graduação do curso de Antropologia da Universi-dade de Brasília, membro do ECOA – Laboratório em Etnologia em Contextos Africanos.

2 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro egresso do grupo PET-Educação.

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É a partir desse entendimento que esse artigo se pro-põe a refletir sobre a escola como produtora privilegiada de diferenciação social, baseada nos valores e nas prá-ticas coloniais homogeneizadoras/padronizadoras que negam a diversidade que nos compõem enquanto hu-manos e ainda refletir como se (re)produzem diariamen-te nos espaços escolarizados as práticas de dominações coloniais.

Também traremos à luz das nossas reflexões a teoria Histórico-Cultural, na tentativa de entender como a ne-gação da diversidade e a normatização dos corpos têm impacto direto no processo de desenvolvimento humano.

INTRODUÇÃO

Diversos autores ao longo de suas carreiras se debru-çaram a estudar o caráter social da escola e as relações que a partir dela se engendram, apontando de forma bastante crítica sua função na sociedade ocidental, como por exemplo, Foucault (1999) e Ivan Illich (1979).

O conceito de disciplina, tal como cunhado por Fou-cault, nos ajuda bem a pensar a lógica de poder e domi-nação estabelecida pela escola e sua importância dentro do projeto imperial. Segundo ele, a disciplina é dada por métodos de controle dos corpos, onde de fato o corpo pode ser esquadrinhado através de proibições e normas que têm por finalidade final padronizar e normatizar, excluindo aqueles tidos como desviantes ou anormais.

Illich também desenvolve um conceito importante para nos situar teoricamente em nossa proposta, o con-ceito do monopólio radical, que pode ser caracterizado como a tentativa do controle das necessidades e das pos-sibilidades de trabalho, saúde, lazer, e da educação das pessoas, criando assim uma pseudo-dependência do ser social para com algumas instituições (GUSMÃO, 2017).

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No caso da educação, fazendo com que cada vez mais a aprendizagem se confunda – e fique restrita – a institui-ção escolar e o que é ensinado por ela.

No que diz respeito ao monopólio da educação, tam-bém podemos falar em monopólio do saber, sendo que, dentro da lógica escolarizada, tanto o conhecimento quanto os saberes são alienados e transformados em produtos, apenas com o objetivo de diplomar e comer-cializar a educação como um todo. (GUSMÃO, 2017). A mentalidade escolarizada faz parecer que a maioria do que se aprende é resultado do ensino escolar, quando na verdade a maioria dos conhecimentos e os saberes de uma pessoa são adquiridos fora dela, como, por exem-plo, comer, brincar, dançar e etc.

Antes do surgimento da escola tal como a conhecemos hoje, a aprendizagem era universal, no sentido que Ivan Illich imprime a essa expressão: a busca continua do sa-ber e a relação gratuita e celebradora com ele, que ocor-ria de forma não padronizada e sem imposições regula-mentadoras. Escolhia-se o que aprender, como, quando, com quem, e por quanto tempo (TUNES, 2011, p. 9).

Portanto, a escola não pode ser entendida como si-nônimo de aprendizagem, e não pode ser tratada como tal, visto que nos moldes em que foi instituída a esco-larização nunca teve como compromisso as diferenças culturais e a diversidade que nos compõe enquanto se-res humanos, pelo contrário, sempre esteve imersa em lógica de exclusão e de relações de poder desiguais que geram hierarquias a partir de marcadores de raça, classe, gênero e sexualidade, por exemplo.

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SOBRE A COLONIZAÇÃO

Desde a colonização se inaugurou uma nova forma de olhar o mundo e o ser humano. Esse novo modelo, imposto de forma violenta, rompe com a unidade huma-no-natureza, com a consciência histórica, prega o indivi-dualismo, a competitividade e o padrão eurocêntrico de ser e estar no mundo. Segundo Barros (2017), o processo de colonização tinha como objetivo não só a expansão territorial europeia, mas a expansão da eurocentrismo, que coloca a Europa como protagonista da história da humanidade, em detrimento das demais cultural. A mu-dança na organização cultural e social imposta como processo civilizatório procurou homogeneizar a forma-ção humana, criando uma padronização e hierarquiza-ção do conhecimento, tornando-o um produto, e sendo assim, fez com que não fosse acessível a todos.

A institucionalização do ensino, na sociedade contem-porânea, atrelada às necessidades do capitalismo, assu-me características empresariais, nas quais presenciamos a comercialização do conhecimento e a transformação do aluno em um objeto de consumo (TUNES, PEDRO-ZA, 2011, p. 19).

Dessa maneira, se engendra, a partir da colonização, um novo sistema educativo, de mentes escolarizadas, que está assentado nos pilares capitalistas e que atende exclusivamente aos seus interesses. Esse sistema escola-rizado de educação tem como objetivo formar um ser humano totalmente voltado para a lógica do mercado, e que para atingir seus objetivos, não poupa esforços em desumanizar, padronizar e excluir.

Hoje, o caminho da escolarização não é uma escolha, ele é imposto à quase todos como forma de direito e justificado por um discurso de inclusão, que, no entan-

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to, é contraditório. O que percebemos na prática é que a escola reforça através de seus mecanismos, a ordem da estrutura social e das relações hierárquicas engendradas pela modernidade, reproduzindo constantemente a lógi-ca colonial imposta

Há assim, na sociedade, de um lado, o movimento pela inclusão e a obrigatoriedade de escolarização definida em lei; do outro, há a escola promovendo os mecanis-mos excludentes socialmente aceitos e historicamente perpetuados. A inclusão, seja escolar ou de qualquer outra ordem, está, pois, imersa na lógica da exclusão (TUNES, PEDROZA, 2011, p. 15).

A escolarização recebeu na sociedade ocidental um papel decisivo na formação humana, nas formas de se engendrar na vida social, cultural, no imaginário coleti-vo, na subjetividade, e em vários outros aspectos. Exis-te no imaginário coletivo certo consenso – que pode ser percebido através de discursos e narrativas – que afirma que somente aqueles que frequentam a escola um dia serão sábios e terão um futuro promissor. No entanto, diferentemente do consenso geral percebido nesse tipo de narrativa, os espaços escolarizados estão totalmente imersos numa lógica separatista e de exclusão.

A educação é designada socialmente pela sociedade como a principal possibilidade de um futuro promissor e de um emprego digno. A escola é obrigatória e aquele que não a frequenta está fora da lei, não sendo assim digno de um emprego e impossibilitado de sonhar com um futuro melhor. A escola assume hoje o principal veí-culo de ascensão social e, pelo seu caráter de monopó-lio radical, também de exclusão (TUNES e PEDROZA, 2011, p. 20).

E de fato os espaços escolarizados vêm cumprindo com sua função de segregar e excluir todos aqueles que

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fogem ao padrão colonial de cidadão (indivíduo) ideal, que no limite seria homem, branco, heterossexual e de classe social privilegiada.

A COLONIZAÇÃO E A PRODUÇÃO DE DESIGUALDADES NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR

Analisando historicamente o processo perverso da escolarização, podemos perceber que, desde seu início, ele nega as experiências vivenciadas e a singularidade de cada pessoa, delimitando um conjunto de normas e regras a serem seguidas, um conjunto de normas e re-gras à qual se deve inspirar, além de possuir um caráter anti-educativo perante a formação sociocultural e psi-cológica do ser humano. O sistema escolarizado tenta engessar as formas modernas de ser, se baseando nos valores eurocêntricos, tornando a experiência es-colar violenta para todos os alunos que não têm, dessa forma, sua história, cultura e vivências respeitadas e re-presentadas.

Portanto, a escolarização se dá por meio de mecanis-mos opressores que afastam a diversidade e a cultura do processo pleno de desenvolvimento humano. Que cria uma realidade artificial onde o aprender é descolado da vida real e produzido apenas pela escola, criando uma dicotomia onde se separa a educação da vida cotidia-na. É justamente nessa falsa dicotomia entre educação e vida real que se encontra o caráter alienante da escola.

Essa dicotomia entre educação e vida real é levada ao máximo, e pode ser percebida em diversas áreas do conhecimento escolarizado, como na música, nas artes, e até mesmo no que diz respeito à cultura.

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Na sociedade ocidental escolarizada, cultura e educa-ção possuem lugares e momentos diferentes e determi-nados para serem experienciados. Existe o lugar especí-fico para se aprender, notadamente o espaço escolar; E existem lugares específicos para se apreciar e conhecer cultura, como museus, teatros, exposições e auditórios. Nos processos de educação formal, a cultura aparece nos currículos como atividade destacada dos momen-tos de aprendizagem (BARROS et al, 2018, p. 119).

Separar educação e cultura é sem dúvidas apartar o homem da vida real, onde, segundo Vigotski (2003), de fato acontece a educação. É nas relações sociais que acontece o desenvolvimento, uma vez que, são nelas que nos constituímos enquanto seres sociais, tão singulares e cheios de particularidades.

Durante toda sua trajetória enquanto pensador, Vi-gotski chama atenção ao caráter social da educação. Se-gundo ele, todas as reações que agem sobre nosso or-ganismo biológico são estritamente determinadas pelo mundo que nos cerca e pelos encontros que nele acon-tecem. Dessa forma, Vigotski defendia que a máxima onde o único educador capaz de formar novas reações no organismo do educando é de fato a experiência pes-soal, ou seja, é a realidade, a perejivânie, que deve ser a base orientadora de qualquer trabalho pedagógico que busque a educação real (VIGOTSKI, 2003).

Nos pilares em que se constitui a escola, e nos quais se apoia ainda hoje, essa instituição pode não somente atrasar, mas também dificultar e impedir o desenvolvi-mento pleno dos alunos, já que, impor um modelo en-gessado de ser humano é desconsiderar toda a cultura que nos forja, e fazer isso, é desconsiderar as formas pelas quais as pessoas significam seu lugar no mundo. A educação enraizada na vida real (VIGOTSKI, 2003) é essencial para o desenvolvimento humano, a atividade

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real possibilita às crianças a serem seres ativos, criadores, com potencialidades, além de significar o seu lugar de pertencimento na cultura.

Por isso, a passividade do aluno, bem como o menos-prezo por sua experiência pessoal, são, do ponto de vis-ta científico, o mais crasso erro, assim como a falsa regra de que o professor é tudo, e o aluno, nada. Pelo con-trário, o critério psicológico exige que se reconheça que, no processo educativo, a experiência pessoal do aluno é tudo. A educação deve ser organizada de tal modo que não se eduque ao aluno, mas que este se eduque a si mesmo (VIGOTSKI, 2003, p. 75).

Segundo Vigotski (2003), a educação deve ser enten-dida como a totalidade que nos constitui enquanto hu-manos na cultura. Sendo assim, ela deve ir além da visão distorcida que prega a escolarização, deve estar enraiza-da nas demandas reais da vida, onde os seres humanos engendrados na cultura e na relação com os outros, se constitui plenamente.

No entanto, de forma geral, os espaços de mentes es-colarizadas se dirigem para o caminho oposto. Celebrar a diversidade que nos constitui nunca esteve em sua pauta, muito menos debater as opressões e os preconcei-tos esmagadores existentes em nossa sociedade.

É certo que falar em preconceito, em realidade, tor-nou-se um tema tabu. A escola sempre foi considerada uma instituição de seleção e de diferenciação social e nos comportamos como se isso não existisse. Com isso esta-mos sempre em situações de fragilidades, de ‘’estar pi-sando em ovos’’, na prática escolar sem podermos rom-per com isso. É fato que não se pode negar a seletividade que está presente na prática institucional escolar e, por vezes, de caráter elitista. A vivência do preconceito pode

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ser notada pela prática da diferença, que é muito presen-te no cotidiano brasileiro (ITANI, 1998, p. 120).

Ainda de acordo com Itani (1998, p. 121), “o processo educacional, tal como ele se desenvolve, pode estar se-lecionando e colocando para fora muitos que não conse-guem se defender”, ou seja, os espaços de mentes esco-larizadas atuam cada vez mais no sentido de reproduzir um projeto de exclusão há muito vigente.

Dentro dos espaços de mentes escolarizadas as pes-soas não são percebidas como seres de possibilidades, que possuem necessidades particulares forjadas através de suas experiências - que são únicas - e que já possuem conhecimentos e saberes adquiridos culturalmente.

Coube à escola, desde seu início, a função de dividir as pessoas, seja separando os que a frequentam ou não, e mesmo os que se submetem a ela também são separados e diferenciados entre si. Dentro da escola, há muito tem-po, as diferenças são transformadas em desigualdade e tratadas como tal;

A escola que nos foi legada pela sociedade mental mo-derna começou a separar adultos de crianças, católicos e protestantes. Ele também se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela imediatamente separou os meni-nos das meninas (LOURO, 2011, p. 61).

Sendo assim, a escola ocidental que herdamos se ca-racteriza como um espaço que valoriza e reforça o pa-drão eurocêntrico de ser humano, e não como um espa-ço que celebra a diversidade, que reconhece as pessoas em suas particularidades, que respeita seu tempo, sua forma de ser e de se relacionar. O processo de escolariza-ção se caracteriza assim como um lugar onde a desigual-dade é necessária e louvada.

São várias as formas pela qual se expressam os pre-conceitos e as desigualdades dentro dos espaços esco-

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larizados, como o exercício cotidiano da linguagem, o olhar da diferença, através de livros didáticos, dentre várias outras ferramentas. Itani, (1998), usa a linguagem cotidiana carregada de expressões racistas, como por exemplo, “a coisa tá preta” para exemplificar a expres-são desses preconceitos (GUSMÃO, 2017).

Vale ressaltar que o uso da linguagem é uma ferra-menta poderosa na tentativa de homogeneizar as pes-soas, uma vez que, ela não somente expressa os precon-ceitos, mas também cria essa realidade, uma vez que a linguagem enraíza culturalmente certas verdades.

Se o uso da linguagem é uma arma poderosa nesse processo de exclusão gerado pelos espaços escolariza-dos, o seu não uso pode ser tão poderoso quanto. Tudo aquilo que é taxado como diferente, diverso, que se ex-pressa em desacordo com o padrão imposto, é silenciado e deixado de lado, naturalizando esse tipo de comporta-mento (GUSMÃO, 2017).

Provavelmente nada é mais exemplar disso do que o ocultamento ou a negação dos/as homossexuais – e da homossexualidade- pela escola. Ao não se falar a res-peito deles e delas, talvez se pretenda “elimina-los/as”, ou pelo menos se pretenda evitar que os alunos e as alunas “normais” os/as conheçam e possam deseja-los. Aqui o silenciamento – A ausência da fala – aparece como uma espécie da garantia da “norma” (LOURO, 2011, p. 71,72).

Para esses alunos taxados de forma negativa como “diferentes” ou “anormais”, existir no espaço onde atuam mentes escolarizadas é uma tarefa extremamente árdua violenta, não sendo propícia a qualquer atividade de cunho educativo.

Dessa maneira podemos perceber como a escola têm colaborado para a (re)produção dos valores coloniais,

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além de ter papel fundamental na construção se uma so-ciedade hierarquizada, racializada, generificada e tam-bém sexualizada.

CONCLUSÕES: RUMO À UMA NOVA PRÁTICA EDUCACIONAL

Esperamos com esse artigo ter conseguido apontar as formas pela qual a escola se constitui a partir dos valo-res coloniais e como foi uma peça fundamenta – e ainda hoje é – para a sua (re)produção, através de mecanismos opressores que atacam a todo o tempo a diversidade nos compõem e nos torna seres tão singulares.

Acreditamos ser de extrema importância debater os valores reproduzidos e as práticas realizadas diaria-mente no interior das escolas - que carregam ainda hoje um legado colonial de dominação e esquadrinhamento dos corpos.

Optamos por defender, tal qual Vigotski, uma edu-cação que esteja enraizada na vida real, que não rompa com a consciência histórica necessária para o pleno de-senvolvimento humano.

Vigotski, com sua base spinozista e marxista, desen-volveu logo após a revolução de 1917 um novo modelo educacional que pretendia engendrar novas formas de conduta humana, através da perspectiva histórico-cultu-ral, que buscava estabelecer uma identidade calcada no pensamento socialista.

Uma mudança de rumo para uma atividade educativa criadora e mais humanizante seria viabilizada, então, além de uma educação voltada para esse fim, pela va-lorização de todas as experiências diversas possível. To-das as experiências humanas guardam em si riquezas. Todas podem ser compartilhadas, aprendidas, fonte e motor de qualquer prática educativa, Elas dizem res-

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peito a vidas humanas, a individualidades socialmen-te constituídas, a culturas, a modos de ser e existir, de viver e conviver. Não pode haver uma comparação e uma valoração sobre elas. Nenhuma delas tem maior valor sobre outras. Todas são extremamente importan-tes para a vida educativa. Por isso, é preciso valorizar as experiências cotidianas de cada um. Elas permane-cem em um falso patamar de inferioridade, quando se trata de educação. É necessário valorizar os saberes, principalmente àqueles que não alcançaram o status da cientificidade laureada e reconhecida pela instituição acadêmica. Eles também têm muito a nos dizer e a nos educar sobre distintas formas de sentir, estar, e viver no mundo, nas trocas entre diferentes idades, contextos di-ferenciados e distintas fontes de saber (PEDERIVA, et al, 2018, p. 26, 27).

Se opondo firmemente ao projeto de educação capita-lista e de base colonial, sua perspectiva vai ao encontro do humanismo, coletivismo, democratismo, do respeito à personalidade do indivíduo, que tinha sim, como ob-jetivo, alterar o tipo humano histórico. Pensar uma edu-cação onde se leve em conta que nos constituímos his-tórico culturalmente, onde se perceba que é na relação com o outro e na troca de experiência que me estabeleço e estabeleço meus saberes, nos coloca em um patamar de corresponsabilidade com o outro, onde se pode enxer-gar e reconhecer a diversidade que nos compõem e final-mente nos proporcionar a experiência de vivenciar uma sociedade desescolarizada onde a aprendizagem seja li-vre de qualquer amarra, ou melhor, de qualquer escola.

REFERÊNCIAS

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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da pri-são. Petrópoles, RJ: Vozes, 1999.

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ITANI, Alice. Vivendo o preconceito em sala de aula. In: GROPPA, J. A. Diferenças e preconceitos: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998.

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SILVA, Daniela Barros Pontes e. Educação, Resistências e Tradição oral: A transmissão dos saberes pela oralida-

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VIGOTSKI, Lev. Semenovich. Psicologia Pedagógica. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2003.

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REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DOS ALUNOS LGBTQ+ NAS ESCOLAS MILITARESWeriklis Marques1

[email protected]

A educação militar é vista por muitos na sociedade como exemplo de educação e disciplina para os jovens, uma educação que fornece, segundo essa visão, “resul-tados positivos” como sucesso acadêmico e patriotismo para a vida dos seus alunos dentro de uma carreira mi-litar. Mas, o que as pessoas desconhecem é o fato de os alunos serem silenciados dentro dessas instituições.

Os alunos LGBTQ+, atualmente, sofrem com a re-pressão dentro dos ambientes escolares, ambientes esses, que deveriam acolher e possibilitar todos aqueles que estão em seus espaços a plena condição de se desen-volver, seja nos aspectos mentais, físicos, acadêmicos e sociais, pelo fato da escola ser um dos maiores ambien-tes de socialização que os indivíduos têm fora de seus ambientes familiares. A não possibilidade desse desen-volvimento tem implicado de modo negativo na vida desses estudantes.

As identidades sexuais não hegemônicas estão ga-nhando cada vez mais espaço de discussão e garantia

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação.

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de direitos dentro da sociedade, esse florescimento favo-rece o debate, a construção de argumentos e a descons-trução de preconceitos. Ao mesmo tempo em que esses assuntos ganham enfoque, ainda assim, esses “corpos estranhos” sangram diante de nós e imploram a possi-bilidade de um dia ter o pleno desenvolvimento como qualquer outro indivíduo deveria ter. No ano de 2017 o número de assassinatos de LGBTQ+ cresceu 30% de acordo com o jornal “O GLOBO Sociedade”, esse núme-ro chega a 445 mortos. Nossa sociedade distingue e clas-sifica as pessoas por não corresponderem ao “padrão” imposto pela mesma.

Entende-se que o ambiente escolar deveria ser o pró-prio desconstrutor dessas ideias que oprimem os indi-víduos, segundo afirma Vigotski et al. (2006, p. 28), “[...] deve ser trabalhada intencionalmente para humanizar o mundo por meio de uma formação cultural e da práxis transformadora de todos os cidadãos sujeitos da sua his-tória [...]”.

Isto posto, esse artigo discute a violência sofrida des-ses corpos dentro da educação militar que hoje em dia se faz opressora e transgressora perante esse público, e tem por objetivo questionar esses atos nessas instituições de ensino. Assim, traremos durante o texto algumas falas de pessoas que vivenciam problemáticas que expressam essa realidade.

CONSTITUIÇÃO E O DIREITO À EDUCAÇÃO PARA TODOS

“Lembro que realmente entendi bem o que eu era no meu segundo 9º ano, pois eu reprovei nessa série. Como o proces-so de ensino e disciplina lá era bastante rígido e as pessoas tinham as mentes muito fechadas, elas não conseguiam ab-sorver a ideia de que eu ainda não tinha consciência do que

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eu gostava ou do que eu era. Já cheguei e ser alvo de piadas durante uma época da minha vida escolar, de preferência no meu 7º ano, por causa das músicas que eu ouvia. Já cheguei a me forçar a gostar de garotas e também já tentei um namoro com minha atual melhor amiga, que nunca aconteceu e me tor-turava por isso. O único momento em que eu pude realmente me sentir liberto disso foi somente quando eu saí do colégio, porque ali não se pregava liberdade, eles tinham medo de tocar nesse assunto. Nem os professores chegavam nesses assuntos por acharem algo “muito delicado”. Os meus colegas também demoraram a tocar nesse assunto pois eles mesmos não sabiam o que queriam também, no final das contas. Em suma, foi uma experiência de descoberta e sobrevivência, visto que eu fiquei nesse colégio desde o meu jardim III e sai de lá formado.” (re-lato de um aluno de 19 anos, via whatsapp).

Esse depoimento evidencia o quanto a escola era omissa as questões de gênero e sexualidade, e como isso é maléfico para a vida dos alunos. A constituição brasi-leira de 1988, no artigo 205, prevê e assegura o direito à educação dizendo:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da fa-mília, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Devemos nos atentar a que tipo de educação a cons-tituição está se referindo. A educação que as escolas mi-litares hoje em dia ministram, é especificamente voltada para o âmbito tecnicista, engessada nos moldes da socie-dade capitalista, ou seja, uma educação de “máquinas”. Nega-se a esses alunos um processo educativo humani-zador, que os ajude nos conflitos pessoais e sociais e que também favoreça a condições física e psicológica para o suporte das decisões desses alunos.

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Para além da capacitação profissional, a Constituição Federal cita o pleno desenvolvimento das pessoas, entre-tanto, as escolas militares ferem diretamente o que é pre-visto em lei, pois, o desenvolvimento dos alunos LGB-TQ+ estão sendo prejudicados pelo simples fato de não haver qualquer tipo de orientação, debates ou palestras sobre o assunto. Nesse sentido, como é possível desen-volver-se em meio ao desconhecido? A negação de infor-mações e de debates corrompe diretamente o autoconhe-cimento no âmbito social. Ser visto como estranho pela sociedade é algo bastante doloroso, mas, ser visto como estranho por si mesmo, quando não há espaços educati-vos para o auto reconhecimento, é mais perturbador do que qualquer outro julgamento vindo do externo.

O Artigo 205, já citado, responsabiliza diretamen-te três setores para o desenvolvimento dessa educação, sendo estes: o Estado, a família e a sociedade. Nas co-munidades LGBTQ+, entende-se que todos esses res-ponsáveis pela educação corrompem esse direito a es-sas pessoas. O Estado corrompe essa educação quando apoia diretamente a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), pois há omissão às informações sobre gênero e sexualidade. Vale lembrar também que a BNCC norteia os currículos escolares das escolas de todo o país na edu-cação infantil e no ensino fundamental. Incluir assuntos como esse na BNCC nos garantiria o debate integral do mesmo nas instituições de ensino de todo Brasil.

A família também veta esse direito quando não dis-cute, ainda em casa, gênero e sexualidade e quando também não reconhecem seus filhos na condição inte-gral como LGBTQ+, oprimindo e violentando-os física e verbalmente. A sociedade participa dessa rede de abu-so de algumas maneiras, como por exemplo, o silencia-mento com o desrespeito moral dos alunos nas escolas, apoiando argumentos sociais homofóbicos e transfóbi-

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cos que causam o desrespeito no convívio social das pes-soas LGBTQ+.

Um dos casos mais recentes de homofobia que veio a público é o do aluno Talles de Oliveira Farias do Insti-tuto de Tecnologia Aeronáutica. Talles se formou em en-genharia e na cerimônia de formatura usou maquiagem e um vestido vermelho que continha frases como “ITA excelência em: homofobia, machismo, racismo, fascismo, violência.” Talles subiu ao palco, recebeu seu diploma com esse vestido o que causou um extremo alvoroço. Além disso, o estudante se pronunciou detalhando o co-tidiano do que viveu dentro do colégio.

“Desde os 12 anos, eu sempre ouvi coisas maravilhosas so-bre o ITA. Sobre ser a melhor universidade do país, a possibi-lidade de receber dinheiro durante a graduação, a quantidade de oportunidades que se abriam ao fazer essa faculdade. O ITA era meu grande sonho. Mal sabia que seria a maior decepção de minha vida. Durante o ensino médio estudei numa escola mili-tar da Aeronáutica (EPCAR) e já fui para lá com muito medo que descobrissem sobre minha orientação sexual, expulsassem-

-me e que minha família, que na época não sabia, descobrisse que havia sido expulso devido a minha orientação sexual. Seria uma grande tragédia, já que na época sentia vergonha por ser LGBT. Eu não conhecia nenhum regulamento da aeronáutica e não precisava para saber que era um ambiente homofóbico. Desde pequeno as pessoas nos ensinam que ser LGBT é vergo-nhoso e levamos muito tempo para superar essas feridas. Senti como a homofobia acontece nas Forças Armadas através da invisibilidade, da chacota e da expulsão daqueles que ousam se abrir em relação a sua orientação sexual. Assim, se passam os anos e os homossexuais lá presentes precisam levar uma vida marginalizada e escondida para que não o descubram e o eliminem. Invisíveis, vivem suas vidas. Cheguei no ITA e de-cidi que pra mim bastava. Aceitem-me como sou ou sejam ex-postos pelo que vocês são. Não me aceitaram, violentaram-me,

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riram de mim, tentaram me tornar invisível. Que a exposição os mude porque eu vou continuar me amando e me fazendo muito presente mundo afora.” (Talles de Oliveira Farias).

Esse tipo de depoimento é extremamente raro, pois os alunos sentem medo de possíveis perseguições que esse tipo de exposição pode trazer, Talles só conseguiu se pronunciar depois de conseguir se formar na insti-tuição, assim não tendo mais vínculos com a mesma. É preciso oportunizar ampla discussão sobre o tema. Esse artigo é um esforço nesse sentido.

“Ninguém educa ninguém, como tão pouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comu-nhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1981, p. 79). Essa citação de Paulo Freire nos mostra brilhantemente como o processo educacional deveria ser realizado nos espaços educativos. A educação para esse autor é uma via de mão dupla, em que professores não se colocam em uma relação vertical perante a seus alunos, mas sim em uma relação de iguais, organizando o conhecimento compartilhado por todos. O aluno aprende com o pro-fessor assim como o professor aprende com o aluno, dessa forma, não se colocando como detentor de todo o conhecimento, aliás o ser humano nem no fim de sua vida se tornará um sujeito completamente desenvolvi-do, sempre estará em processo de construção, e é exata-mente o contrário que os exemplos aqui compartilhados mostram, e como essa prática docente vem danificando os processos de aprendizagem dos alunos das escolas militares.

COMO A SOCIEDADE ENXERGA A DENÚNCIA

O jornal Metrópoles publicou em 19/12/2016 uma matéria que falava a respeito de uma página no Facebook,

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criada com o intuito de denunciar os abusos e as intole-râncias vividas pelos alunos, a matéria dizia:

“Desde a terça-feira (27/12/16), alunos e ex-alunos de colégios militares de todo o Brasil tem usado uma pági-na no Facebook para expor situações constrangedoras (e até criminosas) vividas dentro das dependências da ins-tituição. A página, batizada de No Meu Colégio Militar, recebe relatos por e-mail e via formulários e os publica de forma anônima. Em dois dias, conquistou mais de 5 mil curtidas. Segundo estudantes, escolas mantidas pela instituição em todo o país, inclusive a de Brasília, enfren-tam problemas como racismo, machismo, intolerância religiosa e homofobia.”

Com a criação da página os alunos se sentem mais confortáveis para relatar suas vivências, uma vez que são vistos como anónimos pelos leitores, alguns exem-plos das denúncias são:

“Sargento chamou um casal heterossexual de alunos e deu parabéns para o homem (como se a mulher sequer estivesse ali) e o parabenizou por “não ter seguido a moda e virado viado também”. Enquanto isso, na festa do alívio dezenas de beijos heterossexuais; quando houve o primeiro beijo LGBT, houve intensa movimentação para punir apenas esse e acionar os pais dos alunos. Segundo o comandante de companhia, “beijos são proibidos na instituição e se não quiser que papai saiba é só não fazer”. A homofobia ali não é velada.”

“Sou repreendida por abraçar qualquer pessoa do mesmo sexo por conta da minha sexualidade, enquanto vejo casais he-terossexuais de mãos dadas no meio do pátio.”

“Em 2015, estava em simulação da ONU em Brasília, repre-sentando o meu colégio, e estávamos de roupa civil dentro do ônibus (que nos levaria de volta ao CMB, onde estávamos hos-pedados). Tinha vários casais heterossexuais de mãos de dadas dentro do ônibus, mas quando fui segurar a mão do meu par-

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ceiro um sargento do CMSM imediatamente nos repreendeu, e ameaçou nos dar um informativo negativo.”

“Quando eu namorei um menino nenhum monitor ou pro-fessor reclamou de estarmos juntos. Quando eu consegui uma namorada eu não podia ficar nem perto dela direito que tinha um monitor por perto para ameaçar.”

“Sou ex aluna do cmb tem 1 ano, e passei diversas situações onde minha sexualidade foi um problema, já recebi alfinetadas sobre homossexuais vindas de professores e tive de suportar um monitor que ficou sabendo que eu namorava uma garota da minha companhia e a levou para conversar e tentar conven-cê-la que era errado, ao procurá-la me deparei com a cena do monitor dizendo que íamos pro inferno e ele para o céu e que seria triste ir para um lugar diferente do nosso. Tirando as milhares de dificuldades com os alunos do colégio, que faziam, com frequência, comentários extremamente preconceituosos e machistas comigo.”

“O capitão de CIA proibiu casais do mesmo sexo de dan-çarem na festa junina (de acordo com ele casal é só menino e menina), especificou q o “certo” para a dança eram os garotos usarem calça, não roupas “femininas” e disse que “famílias estruturadas” já deveriam ter ensinado isso”

De um lado vemos um público de alunos denuncian-do a violência presenciada dentro das instituições, agora, veremos o que a sociedade pensa sobre essa quebra de silêncio que pode corromper a imagem até então “im-pecável” das escolas militares, os seguintes comentários foram retirados da mesma página do Facebook:

“Se vc é contra os colégios militares com certeza se enquadra em um ou mais quesitos listados:

* É homossexual recalcado (tive amigos homoxessuais em CM q gostavam do colégio)

* Votou no PT na última eleição.* E defensor do Jeanus Wyllis.* E feminista ferrenha ou

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* Fuma maconha.Perceba q com certeza vc q n gosta do CM se enquadra em

um desses quesitos.”É perceptível no comentário acima, o quanto as mino-

rias que se expressam e denunciam as agressões são vis-tas de forma estereotipada, apenas por estarem expondo abertamente agressões que até então estavam escondi-das, continuemos com outros exemplos:

“Alô, é dos direitos humanos? Liguei pra denunciar que eu sou um bosta.”

“Perdedores, fracassados.”“Até onde me lembro, no meu Colégio Militar tinha con-

curso para entrar, talvez o mais concorrido da cidade, Campo Grande - MS, nunca ninguém foi obrigado a ficar lá e aque-les que+ ficaram tiveram suas bases de conhecimento, ética e patriotismo muito reforçada. Isso aqui é uma página de um monte de gente tendenciosa, falando um monte de merda que inventam durante a aula que não querem assistir.”

Devemos nos atentar ao fato de que as pessoas que comentam as publicações, estarem sempre deixando explícito que os alunos denunciantes estão de alguma maneira tentando “destruir” a escola militar e que os mesmos não estariam interessados em estudar, mas será mesmo essa real intenção do público? Esses alunos es-tariam de fato tentando implodir o ensino militar? Uma pessoa que não se sente respeitada e com o mínimo de condições saudáveis de saúde mental é impossibilitada de estar tendo o seu rendimento educativo e desenvolvi-mento pessoal normalizado no âmbito em que se é inse-rido, ou seja, se você não se sente confortável na sua rede de ensino, logo, essa instituição estará descumprindo o que era proposto de início para todos os alunos, o de-senvolvimento pleno do ser, sendo este pessoal, mental e físico. Mais uma vez, o oprimido é subjugado, mes-

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mo no exercício de seu pleno manifesto, o que se torna preocupante.

Analisemos um sujeito que está em constante sofri-mento dentro dessas instituições: Temos um adoles-cente que está na flor de sua puberdade e se descobre homossexual, esse indivíduo que tem uma educação militar, normalmente vem também de uma família tra-dicional militar, ou seja, já não terá na maioria das vezes o apoio de sua família na sua sexualidade, esse adoles-cente também é rodeado por profissionais que estão a todo o momento enfatizando o quanto ser LGBTQ+ no meio militar é errado, onde esse aluno procurará apoio para se desenvolver? Seria quase como um labirinto sem saída, seria necessária muita força psicológica para que esse adolescente compreenda sua identidade de gênero e sexualidade.

A PERSPECTIVA DE VIGOTSKI

No Livro fundamentos da defectologia, Vigotski (1997) compreende ser alto o prejuízo que a segregação das classes pode causar. Alunos com a sexualidade se-melhante comprometem as trocas psicossociais, pelo fato já citado anteriormente, a qual a homogeneização social está muito intrínseca na escola. Logo, sem a vivên-cia da diversidade instaurada, esse processo de conheci-mento do “diferente” tornou-se inviável. De acordo com o pensamento vigotskiano, “a criança acrescenta novas competências àquelas em curso, por meio de apropria-ções semióticas, tendo o adulto ou um outro mais de-senvolvido como mediador dessa competência”. Isso fundamentaliza a crítica ao modelo de escolarização da educação militar a qual não proporciona as relações so-ciais entre os diferentes, reforçando a homogeneização de perfis.

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Quando a pessoa é criada e educada a respeitar ape-nas seus “aparentemente” iguais, o encontro com o dife-rente faz com que haja um estranhamento. Pelo fato de ser desconhecido, curioso, esse “estranhamento” pode vir a se tornar agressivo, preconceituoso e perigoso para os dois grupos que se encontram.

Torna-se nítido que com o preconceito no qual os alu-nos vivenciam na educação militar, seus efeitos não se limitam apenas à comunidade LGBTQ+. Como afirma Vigotski (2001, p. 63), “o comportamento do homem é formado por peculiaridades e condições biológicas e sociais do seu crescimento”. Os alunos no meio social da escola também sofrem indiretamente os impactos da tentativa que o sistema impõe da não existência desses alunos LGBTQ+. Os processos de socialização dos dois grupos são extremamente necessários para que haja a construção coletiva e diversificada do meio. No entan-to o não estabelecimento dessa prática cultural histori-camente localizada de ambos os grupos podem causar impactos sérios para a socialização. Observo aqui que a constituição da diversidade desses grupos citados, é na verdade o que estabelece a unidade e que por isso os tornam plurais, diversos e heterogêneos.

Sobre a importância da afetividade nas relações so-ciais, trata-se de

um processo que se dá a partir e por meio de indivíduos com modos histórica e culturalmente determinados de agir, pensar e sentir, sendo inviável dissociar as dimen-sões cognitivas e afetivas dessas interações e os planos psíquico e fisiológico do desenvolvimento decorrente. […] a interação social torna-se o espaço de constituição e desenvolvimento da consciência do ser humano des-de que nasce (BRASIL, 2006).

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Reafirmamos, então, a importância da relação social no processo de aprendizagem do aluno nos espaços de educação. Devemos esclarecer que esse vínculo deve ser respeitado para que o processo de aprendizado se torne humano e mais acessível para todos os alunos, favore-cendo o plano psíquico emocional e o desenvolvimen-to do ser social na sua integridade como indivíduo na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática citada dá ouvido aos alunos que estão sendo vítimas dentro dos seus espaços escolares, onde deveriam estar sendo educados para o exercício da ci-dadania, desenvolvendo seu ser social e não passando por questões violentas nesses espaços. É importante a discussão do tema para que a escola militar reavalie seu comportamento em relação a estrutura político pe-dagógica perante seus alunos, e para que seus docen-tes tenham mais consciência das agressões e o que elas causam aos seus discentes. O artigo também alerta a so-ciedade para se responsabilizar as agressões até então silenciosas que os alunos vêm sendo expostos dentro das instituições até então vistas pela mesma como mo-delo. Devemos também ouvir com atenção as denúncias dos alunos e não banaliza-las, uma vez que os mesmos vivem o cotidiano e as dinâmicas das escolas e tem local de fala para dizer o que sentem em relação a esses es-paços que deveria ser agradáveis para o público escolar.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006 v. 1.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Repúbli-ca Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2010.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 9 ed., Rio de Janei-ro. Editora Paz e Terra. 1981, p. 79.

FACEBOOK. in: No meu colégio militar. Disponível em: https://www.facebook.com/nomeucm/ Acesso em: 21 de março de 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 9 ed., Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra. 1981, p. 79.

VIGOTSKI, Lev. S. Fundamientos da Defctologia: Obras Escogidas V. Madri: Visor, 1997.

_____Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

_____LURIA, A. R; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desen-volvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006.

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DESENVOLVIMENTO HUMANO E INSTITUIÇÕES SOCIAIS: FAMÍLIA E ESCOLA NA CONSTITUIÇÃO DA DIVERSIDADESamuel Brito de Gusmão1

[email protected]ício Santos Dias de Abreu2

[email protected]

O eminente teórico russo Lev Semyonovich Vigotski na obra Psicologia Pedagógica (2001), publicada origi-nalmente em 1926, busca compreender o desenvolvi-mento humano e suas relações com os processos educa-cionais. O autor se interessa por investigar as bases da atividade consciente do homem e defende que nossas formas específicas de ser, pensar, agir e sentir encontram sua gênese nas relações sociais travadas na cultura. As-sim, são as experiências históricas, culturais e sociais as responsáveis pela emergência de um funcionamento cognitivo que diferenciam o comportamento humano do instinto animal.

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação.

2 Professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Peda-gogo, Mestre em Psicologia e Doutorando em Educação.

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O fator decisivo do comportamento humano não é só o fator biológico, mas também o social, que confere com-ponentes totalmente novos à conduta do ser humano. A experiência humana não é apenas o comportamento de um animal que adotou posição vertical, mas é uma função complexa de toda a experiência social da huma-nidade e seus diferentes grupos (p. 63).

Através dessa compreensão, Vigotski foi capaz de nos revelar o caráter social do processo educativo. Nes-se sentido é importante ressaltarmos que a educação só ocorre por meio da experiência, em que são construídas novas reações no organismo. Reações estas que como bem ilustra o autor:

É evidente que esse novo sistema de reações é total-mente determinado pela estrutura do ambiente no qual o organismo cresce e se desenvolve. Por esse motivo, toda educação tem inevitavelmente um caráter social (VIGOTSKI, 2001, p. 75). .

Com isso, os ambientes culturais e as experiências sociais que emanam dos encontros são, antes de tudo, espaços educativos por influenciarem diretamente a conduta humana.

Na sociedade ocidental, convencionou-se que a edu-cação deveria se organizar em um local específico, com tempos e ritos próprios, chamado de escola. Pesquisas como a feita por Gusmão (2018), que parte de uma revi-são de literatura sobre a temática, tem demonstrado que o espaço escolar é marcado por tentativas de controle dos corpos a partir de um modelo considerado ideal de sujeito: branco, masculino, heterossexual, sem deficiên-cia e cristão. Neste texto discutiremos sobre os processos de heteronormatização que foi, historicamente, construí-da dentro de uma concepção moral cristã-burguesa, en-

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gendrando violências que perpassam as existências de pessoas LGBTQ+3. Estes sujeitos têm sido educados em ambientes que deslegitimam suas experiências. Por não se adequarem às normas culturais hegemônicas, são co-locados no local da abjeção, ou seja, como explica Louro (2001), nas zonas inabitáveis da vida social.

O sujeito abjeto […] não necessariamente admite de-terminada identidade, ele apenas representa o local da diferença e do considerado não natural, que por ser vista como uma ameaça ao padrão comportamental heteronormativo, deve ser afastada (GUSMÃO, 2018, pp. 30/31).

A abjeção institui no corpo desses sujeitos o local da clandestinidade, da desigualdade, da discriminação e da exclusão e os processos escolares são marcados pela violência, vulnerabilidade e evasão.

O espaço da universidade foi para mim4, como es-tudante do curso de Pedagogia, um local primordial para que pudesse compreender de forma mais evidente os processos, que, nos mais diversos meios sociais em que estive presente, deslegitimavam minhas formas de sentir, de ser e de estar no mundo, levando-me a censu-rar parte daquilo que me constitui enquanto pessoa: os meus desejos afetivos-sexuais.

Hoje, com um pouco mais de consciência, e me utili-zando desta palavra pela concepção vigotskiana de au-torregulação nos espaços, entendo o quão pungente foi este processo. Por isso, busco neste artigo, através das

3 Sigla que faz referência às identidades sexuais e de gêneros não heterossexuais/cisgênero.

4 Este texto foi construído por meio da história de vida do primei-ro autor. A partir de sua narrativa autobiográfica foi-se tecendo analises teóricas.

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minhas experiências em diferentes meios sociais, como a escola e a família (entendendo essa instância como um lócus de educação) dialogar com a teoria histórico-cultu-ral de Vigotski e os estudos de gênero, em especial aque-les que ganharam força na metade final do século XX, para que sejamos capazes de entendermos brevemente a raiz dessas estruturas heteronormativas e, que, por meio dessa reflexão, pensemos em atuações mais humaniza-das e acolhedoras.

FAMÍLIA: DO ACOLHIMENTO A NORMATIZAÇÃO

– “Você gostaria de ser menina?” – foi assim que, ques-tionado pelo meu pai em uma de nossas reuniões fami-liares, entendi pela primeira vez que, de alguma forma, parte do que eu era nunca seria bem-vindo naquele espaço. Apesar de destoante dos papéis hegemônicos de masculinidade, meu comportamento tinha menos a ver com uma “vontade de ser menina” – embora em determinados momentos essa parecesse a solução per-feita para a tão sonhada aceitação social – do que com meus desejos afetivos e sexuais. Ainda assim, atitudes como essas demarcavam até onde minhas experiências seriam aceitas, validadas, respeitadas e abraçadas na-quele espaço.

As reflexões de Junqueira (2013) são capazes de nos ajudar a compreender este processo ao revelar o ambien-te familiar como crucial na “instituição heteronormativa da sequência sexo-gênero-sexualidade”, que de forma biologizante entende o comportamento heterossexual

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cisgênero5 enquanto natural e hierarquicamente supe-rior, colocando aqueles sujeitos que não se enquadram dentro dos padrões heteronormativos6 em uma posição de inferioridade, validando o processo de exclusão e dominação de uns (heterossexuais) sobre os outros (ho-mossexuais, bissexuais, transgêneros e etc.) (JUNQUEI-RA, 2013 e SCHULMAN, 2009).

Não obstante, tornava-se necessário que determina-das medidas coercitivas fossem tomadas para que eu fosse capaz de desempenhar o “papel masculino” im-posto como norma, que como Connel (1995) nos ajuda a entender, ao se tornar um conceito popular na definição da “masculinidade apropriada”, não nos permite com-preender as complexas, diversas e “múltiplas formas de masculinidade” (p. 188). É importante entender que muitas vezes, no imaginário social, os conceitos gênero e sexualidade se misturam, partindo de um pressuposto machista que encara a feminilidade como fator de fra-queza, por sua relação com gênero feminino. Homens que performam outros tipos de masculinidades, não hegemônicas (seja ela afetivo e sexual, seja ela compor-tamental), são associados de forma depreciativa ao femi-nino, reforçando a relação sexista existente entre homo-fobia, machismo e a imposição de uma forma única de masculinidade. Portanto, ao trazermos essas referências ao texto, não estamos, de forma alguma, concordando com os seus usos, mas, sim, utilizando-as como forma de retratar uma realidade social na denúncia de que a

5 Termo utilizado para se referir a pessoas cujo sua identidade de gênero corresponde ao sexo que culturalmente é entendido como natural.

6 A heteronormatividade “pode ser entendida como a naturaliza-ção da heterossexualidade como única expressão sexual e iden-titária” (GUSMÃO, 2018, p. 21).

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base do pensamento homofóbico é o machismo e a de-preciação de tudo que se aproxima do feminino.

Butler (2019) nos ajuda a compreender melhor es-sas questões ao explicar que as identidades de gênero se materializam como uma relação existente entre sexo, gênero, prática sexual e desejo. Essas características que compõem a experiência dos sujeitos no mundo são, an-tes de mais nada, constructos sociais e históricos, na qual a heterossexualidade compulsória incide de forma dire-ta na tentativa de forjar os corpos a partir de dicotomia homem e mulher.

Com isso, ainda antes de uma possível consciência identitária sexual e afetiva, a forma considerada “não masculinizada” como eu atuava no mundo já me co-locava dentro de um espectro da homossexualidade, apontando que para os outros, havia em mim uma des-continuidade e incoerência de gênero e sexualidade. O comportamento, considerado desviante, era estigma-tizado, censurado e haviam tentativas explicitas de me

“realocar” na performance de gênero típicas de quem nasce biologicamente homem.

A postura coercitiva que meu pai e minha mãe toma-vam, muitas vezes, diante do meu – lido por eles –“jeito afeminado”, referendava que atuassem como vigiais da performance de gênero em busca de uma normatização. Essa ação, foi consequência de uma construção cultural que, historicamente, coloca a família nesse lugar de bus-ca e afirmação da heterossexualidade compulsória. Seria o que Sarah Schulman (2009), entende por homofobia familiar, que através de uma estrutura social dominante, a dispõe como mecanismo de controle sobre a vida dos homossexuais. É nesse sentido que, ainda dentro de casa, a heteronormatividade, como bem retrata Junqueira (2013), age sobre os corpos, hierarquizando, controlando as identidades e comportamentos, naturalizando a hete-

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rossexualidade, e legitimando-a como única expressão sexual natural e aceitável.

A homofobia, construída historicamente a partir do cristianismo e reestruturada no contexto ocidental mo-derno, influencia o comportamento de todos os sujei-tos dentro das culturas regidas por esses dogmas. Logo, meus pais através de suas experiências sociais, enten-diam a homossexualidade como uma forma não legiti-ma de expressão afetivo-sexual, que precisava, a todo custo, ser reprimida.

Dialogando com um dos pontos em que Vigotski (2001) discute sobre este espaço social, podemos enxer-gar com mais clareza como se organiza esse processo. O autor nos explica que, embora a família nos permita criar vínculos sociais sólidos, este meio é limitado e pou-co complexo.

A família constitui um todo social não muito complexo com uma pequena quantidade de elementos bem-co-nhecidos e com formas completamente estabelecidas de relações entre seus membros. Por isso, é capaz de criar na alma infantil vínculos sociais profundos e sólidos, porém de uma extensão sumamente limitada (VIGOT-SKI, 2001, p. 106).

Então, embora o ambiente familiar estabeleça rela-ções extremamente profundas entre seus membros, este se organiza de forma restrita e pouco diversa.

Ao estudar a teoria de Darwin, Vigotski nos permi-te compreender a diversidade como primordial para a constituição humana e continuidade das espécies (GUS-MÃO, 2017). Diversidade que, muitas vezes, não encon-tra espaço nos ambientes familiares, que por sua vez aca-ba reproduzindo somente aquilo que, por meio de suas próprias experiências, já estão enraizados culturalmente,

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influenciando diretamente o processo de desenvolvi-mento de crianças, adolescentes e adultos neste espaço

A família ensina apenas aquilo que se relaciona ao mais íntimo e próximo nexo social, educa o doméstico, en-quanto nossa época exige a grandiosa tarefa de educar um cidadão do mundo, ligado aos vínculos mundiais que aumentam dia após dia (VIGOTSKI, 2001, p. 106).

Por, de uma forma geral, não estar aberta à diversida-de, esse local (família) acaba invalidando as diferentes formas de desejar, de ser e de estar no mundo, tornando-

-se espaço que reforça violências que estão estruturadas na sociedade contra sujeitos LGBTQ+.

A escola, por sua vez - devido à importância que toma para si no processo de desenvolvimento das pessoas - deveria assumir papel na instrução de seres humanos, os formando como sujeitos capazes de olhar para além do seu meio e suas convicções. Como bem afirma Vigotski (2001), enxergando e construindo novas possibilidades, o que, dentro de um contexto heteronormativo, seria a organização do espaço educativo para além destas nor-mas e imposições sociais. Porém ao observá-la encontra-remos outra realidade.

ESCOLA: NORMATIZAÇÃO DOS CORPOS E HETEROSSEXISMO

Existe uma construção cultural, que legitima a escola como fundamental para o desenvolvimento dos sujeitos (TUNES E PEDROZA, 2011). Illich (1979), na obra “So-ciedade sem escolas”, traz uma reflexão sobre a escola-rização, e sua reverberação na sociedade, que se tornou igualmente escolarizada (GUSMÃO, 2017). A escola ten-ta tomar para si, exclusivamente, a função de ensinar, re-

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forçando sua competência e necessidade no processo de aprendizado.

Apesar disso, este meio social, colocado como indis-pensável na vida e desenvolvimento das pessoas, e seu modelo tal qual o temos, tem sido utilizado para re-forçar e referendar a heteronormatividade presente na sociedade. Gusmão (2017), afirma que no processo de segregação dos estudantes, as desigualdades presentes na sociedade, comandam o acesso às diversas formas de ensino e atuam diretamente dentro delas (das escolas). A heteronormatividade, construída culturalmente, está presente, então, nos processos educativos formais, edu-cando, assim, os sujeitos deste ambiente, pautados em normas heterossexistas.

Junqueira (2013) retrata que existe uma Pedagogia do Armário, que por meio de dispositivos e práticas curri-culares – que tem como norteador central as normas de gênero – silencia, exclui e deslegitima corpos, saberes e identidades não heterossexuais. Segundo o autor, a or-ganização da escola, associando o currículo ao cotidiano escolar, está estruturada para reforçar a homofobia e o heterossexismo.

Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN – 1997), publicados há mais de 20 anos, ressaltem a ne-cessidade de que se abordem temáticas transversais a vida cotidiana dos brasileiros, como orientação sexual e pluralidade cultural nas diversas disciplinas, o que per-cebemos, na realidade, é uma escola que negligencia a diversidade afetivo e sexual de seus alunos, abordando assuntos relacionados às sexualidades de forma simplis-ta, baseada em um pressuposto biológico, heterossexual e cisgênero (GUSMÃO, 2018).

Gusmão (2018), ressalta que, quando a escola nega elementos que permeiam as questões de sexualidade como afeto, corpo, prazer e sua construção cultural, ela

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transparece a postura coercitiva que tem desempenha-do em função da heteronormatização através do silêncio discursivo. Silêncio este, que pautado numa estrutura de poder hierárquica heterossexual, constitui nossas ex-periências enquanto seres culturais.

Esse silêncio discursivo é marcado ainda pelo pres-suposto heterossexual, que é continuamente reforçado:

O pressuposto da heterossexualidade encontra-se expli-citamente exposto nas aulas de Ciência que abordam a sexualidade apenas pelo viés reprodutivo, pelos livros de literatura que abordam apenas o amor romântico he-terossexual, e também pelo modelo da família nuclear que é constantemente reproduzido nos livros didáticos (DINIS, 2011, p. 48). .

O silêncio discursivo, associado a tais representações heterossexuais, dentro da escola, são extremamente vio-lentos. O sentimento de medo, para mim, era tão recor-rente no cotidiano escolar, que eu buscava omitir todos aqueles comportamentos estigmatizados na figura de um menino afeminado. Mesmo com esse esforço, em certos momentos, estes se evidenciavam e elucidavam que muito do que me constituía não correspondia ao que, socialmente, se esperava sobre ser um menino.

São nestes momentos, que a homofobia transcende imposições e normas que estão no campo do não dito e se materializa de diferentes formas. Conforme ressalta Miskolci (2012), é quando a violência invisível se mostra ineficiente, que surgem os atos isolados de violência.

A homofobia dentro da escola se efetiva em forma de ofensas verbais, de exclusão, de marginalização, de agressões físicas e psicológicas. É muito comum que, principalmente meninos, se utilizem até mesmo de ditas brincadeiras para se referirem àqueles mais afeminados

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de forma pejorativa, com apelidos como “viado”, “mari-cas”, entre outros.

Tais “brincadeiras” ora camuflam ora explicitam injú-rias e insultos, jogos de poder que marcam a consciên-cia, inscrevem-se no corpo e na memória da vítima e moldam pedagogicamente suas relações com o mun-do. Mais do que uma censura, traduzem um veredito e agem como dispositivos de perquirição e desapossa-mento (JUNQUEIRA, 2013, p. 486).

Lembro-me de recorrentes casos em que grupos de meninos se juntavam para me violentarem através de brincadeiras, palavras e xingamentos. Eram ainda roti-neiros, os questionamentos a respeito da minha sexuali-dade vinda de professores – sempre pautados nos meus gostos, na minha voz e no meu jeito – que se sentindo autorizados a corrigirem comportamentos considerados não-heterossexuais, agiam “na certeza da impunidade, em nome do esforço corretivo e normalizador” (JUN-QUEIRA, 2009/2010 p. 219).

Essas atitudes moldaram violentamente a própria relação, que, por muito tempo, tive com meu próprio corpo e identidade. Reforçando, assim, inseguranças, desconfortos e o inconformismo sobre quem eu era e de-sejava ser.

Em geral, os atos homofóbicos – silenciosos ou não – são consequências do processo violento de imposições de normas, que engloba a todos que compõem o am-biente educativo. Enquanto para alguns a “pedagogia do armário” provoca a invisibilidade, a exclusão e o des-prezo, para outros, ela não permite uma masculinidade falha. Meninos são pressionados a prová-la, por meio da virilidade (JUNQUEIRA, 2013), e, muitas vezes, se uti-lizam da violência, para que fique demarcado as suas diferenças em relação aos corpos abjetos.

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A homofobia abarca ainda aqueles, que não necessa-riamente se reconhecerão como homossexuais, mas, que de alguma forma não se encaixam dentro de um padrão comportamental heteronormativo. A diversidade de corpos e expressões, em suma, não é acolhido na escola como uma dimensão do humano, mas apenas como algo que precisa ser extinto em detrimento da massificação.

É de extrema importância ressaltar que embora par-tamos de minhas experiências, a heteronormatização é consolidada de diferentes formas nas mais singulares realidades sociais e internalizada de maneiras específi-cas pelos sujeitos que a sofrem. O conceito de intersec-cionalidade nos ajuda, nesse sentido, a compreender a relação das mais diversas estruturas de poder na vida de uma única pessoa, diferenciando, por exemplo, as opressões culturais na constituição identitária de um homem bissexual branco, e de uma mulher negra e lés-bica. Todos estes, vivenciados em um ambiente escolar marcado pela abjeção e pela deslegitimação de suas ex-periências e corpos.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Ainda nestes ambientes sociais violentamente norma-tizadores, o que trago de mais precioso de minhas expe-riências são as inúmeras pessoas que, em ambos os espa-ços sociais, foram indispensáveis no meu processo de (re)conhecimento no outro. Que eram capazes de contrariar imposições de gênero e sexualidade diante da abjeção, atestando a capacidade de pessoas LGBTQ+ quebrarem barreiras e imposições culturais. Mas, se o ambiente tem tanta influência no comportamento humano como isso pode ser possível? Como esses sujeitos tem re(existido) nesses espaços?

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Embora os meios sociais tenham importância funda-mental para o aprendizado, Vigotski (2001), esclarece que os processos de desenvolvimento não são unilate-rais, em que o ambiente seria o responsável único por influenciar o organismo. Ao contrário disso, os proces-sos educativos são dinâmicos e encarregam todos os per-sonagens que estão neste âmbito de exercerem funções participativas.

Com isso, ainda que determinado meio social desem-penhe papel nocivo no desenvolvimento dos sujeitos, es-tes, como personagens ativos e criativos do meio social, são capazes de contrariarem tais influências:

O organismo enfrenta o mundo como uma magnitude que luta ativamente […] O organismo luta pela auto afirmação. O comportamento é um processo dialético e complexo de luta entre o mundo e o ser humano no seio do próprio ser humano (VIGOTSKI, 2001).

Os seres humanos são capazes de, combinar os ele-mentos de tal forma a criarem novas configurações de ambiente social e sociabilidade. Britzman (1996), ao tra-tar das identidades no campo da educação e da pedago-gia, é capaz de nos ajudar a compreender as construções identitárias dos sujeitos das abjeções:

Gostaria de argumentar em favor de uma noção mais complexa e mais historicamente fundamentada de identidade, uma noção que veja a identidade como flui-da parcial, contraditória, não-unitária, uma noção que veja a identidade como envolvendo elementos sociais. Pensar a identidade significa não apenar ver esses ele-mentos como efeitos constitutivos das relações sociais e da história, mas também como capazes de rearticular o desejo e o prazer. Quando se trata de questões de de-sejo, de amor e de afetividade, a identidade é capaz de surpreender a si mesma: de criar formas de sociabilida-

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de, de política e de identificação que desvinculem o eu dos discursos dominantes da biologia, da natureza e da normalidade (p. 73).

É através da conduta sexual, e de seu caráter afetivo e amoroso que se adquire na cultura (VIGOTSKI, 2001), que esses sujeitos articulam, como bem traz a autora aci-ma citada, novas formas de se identificarem, de criarem vínculos e de estarem de modo singular em um mundo social. Com isso, as próprias experiências não heteronor-mativas dentro de suas diversidades, são fluidas e não estáticas. São variáveis e capazes de diferir nossa consti-tuição humana.

Diante disso compreendemos que a (re)existência desses sujeitos por si só deveria ser motivo suficien-te para que nos responsabilizássemos, conjuntamente, pelo combate às violências que sofrem diariamente. Po-rém, Vigotski, ao estudar a teoria de Darwin, nos traz uma reflexão ainda mais profunda7:

Em geral, quando se estuda a teoria de Darwin, é co-mum que olhemos para o princípio que diz, colocan-do de forma bastante simplificada, que o mais forte se sobressairá sobre o mais fraco. Vigotski nos convida a pensar diferente, ele desloca a centralidade desse prin-cípio e afirma que a grande colaboração de Darwin não é a lei onde afirma que o mais forte sobreviverá, mas sim a noção de diversidade embutida nessa afirmação. É necessário para a constituição da humanidade que exista uma diversidade de espécies, já que se existisse

7 Embora a diversidade, como a conhecemos hoje, não fosse agen-da de pesquisa para Vigotski e sua época, muitos de seus estu-dos contribuem para que possamos entender o desenvolvimen-to humano por um viés que fuja dessa lógica normativa.

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apenas uma espécie sobre a terra, ela certamente não sobreviveria (GUSMÃO, 2018, p. 20).

A diversidade está, então, na centralidade da nossa existência relacional enquanto humanidade, em nosso princípio constitutivo. Com isso, quando se nega a expe-riência de uma pessoa, seja esta qual identidade assumir, no processo educativo, subestimamos a potencialidade do desenvolvimento não exclusivamente a este sujeito. Nega-se igualmente, a todos aqueles inseridos neste am-biente, parte do que nos perpassa enquanto sujeitos: a diferença do outro, que socialmente me constitui. O que temos nas escolas, nas famílias e na sociedade brasileira de um modo geral, é a negligência ao que há de primor-dial em nossa existência: a diversidade e o outro. Nega-mos a ambos!

Mas, se como visto anteriormente, há um padrão de normatividade estabelecido, como então seremos ca-pazes de reestruturar estes ambientes de tal forma que a diversidade seja o centro das relações nos processos educativos?

Vigotski continua nos explicando a relação do meio social com os processos educativos e retrata que, somos nós também capazes de organizá-los.

O ambiente não é algo totalmente estático, rígido e in-variável. Pelo constrário na realidade concreta não exis-te um meio único. Ele se divide em uma série de frag-mentos mais ou menos independetes e isolados uns dos outros, e esses fragmentos podem ser objeto da influên-cia inteligente do ser humano (VIGOTSKI, 2001, p. 79).

Nós, enquanto sujeitos sociais, somos então capazes de (re)pensarmos os ambientes a quais estamos inseri-dos. Mais do que isso, somos responsáveis diretamente pelas formas que as relações são ali construídas e man-

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tidas. Com isso, torna-se primordial que nos aproprie-mos histórica, social e culturalmente dos ambientes que ocupamos, para que sejamos capazes de conjuntamente nos autorregularmos, trabalhando em prol de uma cons-trução diversa deste meio.

Por estarmos inseridos em uma sociedade que enten-de o diverso como anormal, reforçando estruturas de dominação e de desigualdade, carecemos, mais do que nunca, repensar nossas atuações de forma extremamen-te cautelosa, começando por refletirmos que papel social já temos assumido diante da diversidade - sejamos nós professores, pais, mães, irmãos, irmãs, amigos, colegas ou cidadãos. Em segundo lugar, devemos assumir a existências do diverso nos ambientes que estamos inse-ridos; quando está (a diferença) não existir devemos, en-tão, trabalhar incessantemente em prol da inclusão. Sem parar por aí, é preciso que lutemos pelo fim das desi-gualdades sociais, a fim de que estas pessoas marginali-zadas tenham suas experiências reconhecidas, legítimas e respeitadas socialmente em todos os ambientes. Para que, por fim, possamos organizar enquanto seres sociais

“um espaço totalmente democrático de celebração das diferenças, entendendo estas como princípio básico da constituição individual do sujeito a partir do outro no meio social” (GUSMÃO, 2018, p. 42).

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EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES EDUCATIVASAngélica Bimbato1

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INTRODUÇÃO

Anos iniciais da escolarização. Ensino Fundamental. Médio e, quando muito, Graduação. Essa seria a repre-sentação da trajetória escolar de forma objetiva e linear pela qual a maioria das pessoas passa. Contudo, o que me interessa aqui não é o olhar sobre o percurso, mas so-bre o que poderia fazer desse caminhar uma ferramen-ta de transformação social. Meu objeto de reflexão está voltado para algo presente nos espaços educativos e que fundamenta todo o processo de aprendizagem. Ao con-trário do que somos habituados a pensar, não é o conhe-cimento o FATOR estruturante do processo educativo. Este pode ser sim, um mediador, do qual as pessoas pre-sentes nesses espaços se apropriam para dar significação humana e social à sua história. Mas, se a centralidade da

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universi-dade de Brasília, membro do grupo PET-Educação e partici-pante do GEPPE – Grupo de Estudos e Pesquisas em Práticas Educativas.

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educação não é a “transmissão” dos conteúdos, então em que ela se alicerça?

São as relações tecidas e desenvolvidas nos espaços educativos entre educador e educando que possuem uma boa parcela de importância no processo de desen-volvimento dos que ali compõem e integram a comu-nidade escolar e, defender um determinado posiciona-mento sobre o que de fato é o fator de centralidade em espaços institucionalizados, diz muito sobre que con-cepções de ser humano e de sociedade queremos formar.

Há vertentes que colocam como indispensável a figu-ra de um professor que supostamente detém o saber e sobre o qual está assentado os pressupostos da aprendi-zagem. O aluno, neste caso, apenas recebe os conteúdos transmitidos na forma de verdade única e inabalável. Há outras lentes que, pormenorizando a importância da figura de um educador, focalizam no aluno todo o processo. Não mais o ensino, mas a aprendizagem é co-locada em evidência, ou seja, o que importa é saber se este aluno está aprendendo ou não. Tende-se assim, a pautar o rendimento do estudante por aquilo que ele produz, aprende.

No primeiro caso, as possibilidades de se criar um sistema autoritário são muito maiores. Não há questio-namentos sobre a figura desse professor como único de-tentor do saber, logo, as relações estabelecidas entre este e seus alunos refletem uma hierarquização que em nada contribui para desenvolvimento de uma consciência crí-tica. Todo o espaço configura-se para uma disciplinari-zação dos corpos e das mentes desses alunos (FOCAULT, 1997). Ao colonizar a mente, domina-se o sujeito que, por meio da subjugação, reproduzirá a norma vigente. Terreno fértil para uma padronização do pensamento. Poda-se a dimensão criativa do ser e, com isto, a possi-bilidade de fazer com que os educandos se apropriem

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do saber e das ferramentas culturais, únicas capazes de possibilitarem a transformação social.

Já no segundo, a limitação consiste em mensurar o aluno de acordo com aquilo que falta. Se este não está aprendendo, a responsabilidade recai sobre os métodos, que podem não estar sendo tão eficazes. Melhorando-se os métodos, melhora-se o desempenho. Este é o racio-cínio que guia essa forma de pensar e de atuar. De cer-ta forma, é uma educação que se destaca por favorecer o produto em detrimento do processo. Pune-se o erro, como sendo uma parte a ser descartada. Há também a

“etapização” do desenvolvimento do estudante, isto é, para se atingir uma próxima fase, há uma dependência das atribuições conquistadas na fase anterior. Essa é a lógica do que aqui denominamos de mentalidade esco-larizada (ILLICH, 2007).

Contudo, a base do processo educativo está em forta-lecer o reconhecimento das experiências humanas que ali se encontram, procurando assim organizar um am-biente de tal maneira que, as potencialidades de cada um possam ser utilizadas de forma a proporcionar a combi-nação de novas formas de comportamento. Isso coloca a relação como parte substancial de um caminho que visa, a partir desta, o desenvolvimento da consciência e de novas combinações de pensamento (VIGOTSKI, 2003).

Essa ideia contrapõe-se ao sistema hegemônico de mente escolarizada, que ao contrário do explicitado aci-ma, desconsidera e renega as experiências trazidas por cada ente em seu processo histórico de constituição hu-mana, social, cultural. O que de fato existe, é um ambien-te artificializado, ditado pelo controle – dos corpos, do tempo, do pensamento, das ideias, dos afetos, das repre-sentações, dos sentimentos, das emoções - e que pouco se relaciona com a vida e com as demandas que esta traz. Centralizar o processo educativo ora no professor, ora

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no aluno confere limitação ao mesmo, uma vez que as duas formas se baseiam na sectarização. Tanto em uma como em outra há partes isoladas que não se relacio-nam com o todo e, segundo SPINOZA (2009), o todo sempre será maior do que a soma das partes.

É uma educação dos reflexos condicionados (VIGOT-SKI, 2003), não possibilitando ao ser humano o desenvol-vimento de suas potencialidades, mas restringindo-se a educar pela adaptação ao que lhe é imposto. Pode-se perceber que uma educação pautada em estímulo-res-posta, tendo por base a ideia de que a potencialidade do educando está em produzir uma resposta condicionada, ou seja, uma reação a determinado estímulo orientado para uma determinada resposta, não é de fato uma edu-cação que visa à liberdade, mas sim à servidão (SPINO-ZA, 2009). Sobre servidão, Spinoza compreende

Chamo de servidão a impotência humana para regular e refrear os afetos. Pois o homem submetido aos afetos não está sob seu próprio comando, mas sob o do acaso, a cujo poder está a tal ponto sujeitado que é, muitas vezes forçado, ainda que perceba o que é melhor para si, a fazer, entretanto, o pior (SPINOZA, PARTE IV, PREFÁCIO).

Pois bem, se o que predomina nos espaços escolari-zados é uma educação que impede que os educandos e educadores aumentem sua potência de sentir e agir, logo, partirmos de uma lógica em que o nosso compor-tamento é de todo racional, sem qualquer interferência desse âmbito afetivo. Mudar a perspectiva de como en-caramos os afetos, é entender que os mesmos são uma representação de estar e atuar no mundo, portanto, todo afeto é bio-político, porque toda ação humana no mun-do, corporalmente falando, é política! Diante do exposto, contribui Safatle,

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Talvez precisemos partir da constatação de que socie-dades são, em seu nível mais fundamental, circuitos de afetos […] Nesse sentido, quando sociedades se trans-formam, abrindo-se à produção de formas singulares de vida, os afetos começam a circular de outra forma, a agenciar-se de maneira a produzir outros objetos e efei-tos. Uma sociedade que desaba são também sentimen-tos que desaparecem e afetos inauditos que nascem. Por isso, quando uma sociedade desaba, leva consigo os su-jeitos que ela mesma criou para reproduzir sentimentos e sofrimentos (SAFATLE, 2015, p. 17).

Portanto, os espaços escolares, quando esvaziados de sentido, são pautados por uma subserviência dos corpos, logo dos afetos, o que de fato acontecerá é que, não po-dendo ter consciência sobre o que seu corpo sente, tam-pouco os que ali se fazem presentes serão capazes de ter consciência sobre o que pensam. Se pensar e sentir estão dicotomizados, há então uma fragmentação da existên-cia do ser, de suas consciências que por ser visto de for-ma separada, despontencialia-ze.

Se a educação não é uma ferramenta capaz de ensinar ao ser humano a premissa básica de estar no mundo, em e com consciência, que implica aprendermos a nos rela-cionar –com o mundo, com o outro e conosco-, para quê ou quem ela tem servido até então? Ela será capaz de nos libertar de nossas próprias prisões?

EDUCAR PARA AS RELAÇÕES – O LUGAR DO OUTRO

Ao chegarmos ao mundo, todos nós, somos consti-tuídos por relações sociais e é através destas que temos a possibilidade de nos mantermos vivos. Não somente pela chance de sobrevivência, mas também como consti-tuinte de nosso comportamento se encontra a utilização

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ampliada da experiência das gerações anteriores como experiência histórica (VIGOTSKI, 2003). Logo, para com-preender quem somos, há um fio que nos conduz ao en-contro do “outro”. Como lembra Tacca, “A experiência do sujeito no convívio social possibilita que, no contato com o outro, aconteça a construção e reconstrução dos sentidos pessoais que organizam e integram o funciona-mento da personalidade” (TACCA, 2004, p. 104).

Esse complexo processo de constituição da nossa per-sonalidade ocorre então, a partir das trocas que estabele-cemos com o mundo. Ao nos colocarmos enquanto sujei-tos ativos desse processo, muda-se toda a compreensão da essência da educação em nosso sistema. Quando utilizada para fins utilitaristas, mercadológicos, temos diante de nós um quadro de profundo esvaziamento do ser humano. Ou seja, tornamo-nos desumanizados. Uma educação que incentiva a competição, alegando que para uns serem vencedores, outros têm de perder, não possibilita ao sujeito a consciência de que o indiví-duo só se constitui no meio social e que nessa relação, só passamos a ser nós mesmos através de outros (VIGOT-SKI, 2003).

Nesse sentido, cabe salientar que em ambientes edu-cativos é preciso organizar espaços (VIGOTSKI, 2003) em que ambos –educadores e educandos- possam, a partir de suas experiências, dialogar com o mundo e que a partir disso, surjam novas formas de se relacionarem. Para isso, organizar ambientes em que o diálogo seja a ferramenta principal para a solução de questões que sur-gem a partir de uma realidade concreta, é fundamental. A afetividade é parte indissociável da práxis pedagógica. Se quisermos que um estudante se aproprie de um saber, devemos nos concentrar no fato de que a educação nun-ca é só intelectiva, como também emocional. Guardamos

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na memória aquilo que possui alta intensidade afetiva. Vigotski contribui com esse ponto da seguinte maneira

Além de preparar as correspondentes forças da inteli-gência, o professor sempre deve se preocupar com as correspondentes forças do sentimento. Não se esque-çam de estimular o sentimento do aluno sempre que quiserem que algo fique enraizado em sua mente. Di-zemos com frequência: “Lembro-me disso porque me surpreendeu na infância” (VIGOTSKI, 2003, p. 149).

A intencionalidade ao olhar esses aspectos se faz ne-cessária porque, toda a educação é meio de servir a uma ideologia. É preciso, dessa forma, empoderar as pessoas que se encontram nos espaços escolares, de forma a conscientizá-los de que são seres humanos em processo de desenvolvimento, sendo este contínuo e dinâmico e que se dá ao longo da vida e que a única via capaz de torná-los pessoas que se reconhecem humanas - porque sonham e sentem, humanas porque capazes de sentirem empatia, de serem afetados e de afetarem – é a da eman-cipação. Emancipar então é trazer ao humano a força da existência e por isso, torná-lo a potência em ato. Diante do explicitado, recorda Paulo Freire,

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo--crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o pro-fessor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, cria-dor, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque ca-paz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do

“não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu (FREIRE, 1996, p. 18,19).

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É pelo reconhecimento da capacidade inerente de cada ser humano, visto enquanto ser pensante, único, que podemos falar de emancipação. É pelo aspecto irre-petível das experiências individuais, com múltiplas pos-sibilidades de significação, podendo só ser construídas e desenvolvidas no momento próprio da relação, possi-bilitando as bases para uma educação pautada na valo-rização da dimensão criadora do ser humano. Como já bem Vigotski escreve

Pensar como podem ver, não significa outra coisa que a participação de toda a nossa experiência anterior a solução da tarefa presente, e a peculiaridade dessa for-ma de comportamento reside em aportar o elemento criativo, formando todas as combinações possíveis dos elementos existentes na experiência prévia (VIGOTSKI, 2003, p. 173).

A RELAÇÃO COMO ATO POLÍTICO

A lente que nos permite olhar e entender o mundo e, a partir disto fundamentar nossas formas de agir e nos posicionarmos é repleta de aspectos intangíveis e ideo-lógicos, que são tecidos e desenvolvidos na cultura e que, muitas vezes, determinam aspectos inconscientes de se relacionar. Nossas ações e também escolhas estão carre-gadas de significados e estas, de forma alguma, podem ser descritas como imparciais (PEDERIVA, 2017).

Apesar disso, não acredito que tenhamos total cons-ciência desse processo, contudo, entendo que uma edu-cação compromissada com o desenvolvimento do ser humano tem por dever traçar meios para que o indiví-duo se torne cada vez mais consciente dos padrões que determinam sua maneira de estar no mundo e com ele se relacionar. Para Paulo Freire (1987), o termo educando existe porque, na visão do autor, não existem pessoas

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educadas e não educadas, mas sim “andos”- processos, pessoas em constantes transformações, educando-se uns aos outros e a si mesmos. Por isso, já dito anteriormente, abre-se espaço para desmistificar a centralidade do pa-pel do professor enquanto uma figura social detentora do conhecimento. Vejamos,

Sempre se aprende, ao escutar um homem falar. Um professor não é, nem mais, nem menos inteligente do que qualquer outro homem; ele geralmente fornece uma grande quantidade de fatos à observação daque-les que procuram. Há, porém, somente uma maneira de emancipar. Jamais um partido, um governo, um exér-cito, uma escola ou uma instituição emancipará uma única pessoa (RANCIÈRE, 2015, p. 108).

Outro fator que impede que uma relação entre pro-fessor e aluno seja capaz de direcioná-los a uma prática libertadora são os métodos avaliativos. Ao utilizar-se de métodos de quantificação, ou de posicionamentos que deslegitimam as experiências que cada educando traz, como é comum acontecer em tal contexto, o professor não desconsidera apenas o fato de que seres humanos não podem ser enquadrados em escalas arbitrárias de avaliação, como também perde-se, nessa comparação, entre os que “sabem mais ou menos”, todas as experiên-cias sociais e históricas vividas na cultura, impedindo que cada um se apresente com aquilo que lhe confere sentido e que os constitui enquanto seres humanos que são (VIGOTSKI, 2003).

Para que a emancipação – humana, educativa, social, cultural, pedagógica, política- aconteça de fato, é preciso repensar as formas de atuação que os professores têm desempenhado socialmente. Um processo educativo é algo que está para além do controle que os mesmos acreditam ter sobre seus alunos. Com base em SPINOZA

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(2009), podemos dizer que o professor não é a única cau-sa do desenvolvimento dos educandos, mas, uma delas, talvez, da maneira que se encontra organizada hoje, por uma influência de mentalidade escolarizada nas institui-ções de ensino, a que mais prejudique o processo educa-tivo, quando se assume detentor do saber.

Considerando a educação como sinônimo de vida, somente ela, a Vida, é capaz de direcionar os rumos na forma como cada um entende e se apropria de seu sa-ber (VIGOTSKI, 2003). Neste momento, desconstrói-se a ideia de que seria o docente, o único responsável por todo esse decurso. É o educando que agora se apode-ra também da responsabilidade por seu próprio cresci-mento (ILLICH, 2007). Com isso, educador e educando organizam-se, nos espaços educativos, por meio de uma relação dialética e simbiótica, em que não há como mais distinguir quem aprende ou quem ensina, visto que, no reconhecimento de todas as formas de se aprender e de se desenvolver, estão impressos valores únicos e irrep-tíveis de se ver o mundo, dando a entender que é por meio da valorização das relações que abre-se espaço para o desenvolvimento da dimensão criadora, das his-tórias e experiências que cada um traz consigo e é onde se fundamenta a possibilidade de criação de um espaço de verdadeira atuação do ser, enquanto humano.

CONCLUSÃO

Mudar a forma como entendemos a escola e as re-lações que lá ocorrem é redirecionar as nossas ações e sentidos para uma outra forma de atuar. Boa parte da trajetória da maioria das pessoas se deu em um espaço escolar, por isso, tamanha é a sua relevância na consti-tuição, na memória, na personalidade do ser humano. Portanto, o espaço torna-se lugar de pertencimento, de

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atuação, é dinâmico – e não estático, ao contrário do que somos habituados a pensar. Nesse espaço em que tudo pode acontecer, ressaltar o lugar das relações dos agen-tes que o compõe é de total primazia para permitir que ali se desenvolvam práticas que visem o pleno desenvol-vimento do ser humano.

O conhecimento, enquanto um mediador do ato pe-dagógico é, por si só, um afeto. Embora tenhamos uma sociedade que exalta a aquisição do mesmo, em contra-partida, pouco o enxergamos no seu grau de afetividade. Se, para Paulo Freire (1987), é preciso conhecer o mundo para transformá-lo, é por meio dessa mesma lógica que entendo que essa transformação do mundo a qual acre-ditava o autor e que também aqui por mim é defendida, passa por uma consciência da forma como afeto e sou afetado. Por isso as relações são o ponto de partida do processo de desenvolvimento. É impossível viver sem se relacionar com o mundo, com as coisas, com as pessoas e com sigo mesmo -uma vez que estar vivo implica a ideia de estar em relação.

REFERÊNCIAS

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ESPAÇOS DE PERTENCIMENTO: UMA REFLEXÃO SOBRE CAMINHOS EDUCATIVOSFernanda Chaves de Souza1

[email protected] Rezende2

[email protected]

INTRODUÇÃO

Este artigo tem o objetivo de refletir sobre a noção de pertencimento nos ambientes educativos. A ideia de discutir sobre esse tema, veio da vontade das duas au-toras do presente texto, em escrever algo em conjunto. Isso, nos levou a um processo de reconhecimento de ex-periências comuns em relação ao conceito que será aqui discutido. A partir disso, começamos uma retrospectiva dos nossos percursos educativos, resgatando momentos que foram marcantes nesse processo.

Assim, nos questionamos, o que é pertencer? A res-posta para essa pergunta foi constituída a partir dos ca-minhos de duas estudantes de graduação do curso de

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação e participante do projeto de extensão Semilleiro Brasil.

2 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação.

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Pedagogia, da Universidade de Brasília. Dessa forma, fizemos uma retomada de nossos processos educativos, por meio do resgate dos espaços em que já estivemos e, nos quais, nos sentimos pertencentes ou não. O ambien-te acadêmico também compõe essa reflexão, no sentido de compreender as marcas que essas experiências têm nos deixado.

Falar de pertencimento é falar de muitas formas de ser e estar no mundo. Envolve o que está ao nosso redor e tudo que nos forma como seres humanos na cultura e natureza. Incluímos aqui o conceito de natureza, já que, nossos comportamentos e hábitos sociais, costumam desprezá-la.

Quando percebemos o ambiente em que estamos, nos tornamos mais atentos a ele. Isso cria condições junta-mente com outras pessoas, em relações de cuidado e acolhimento, de transformá-lo, a partir de intencionali-dades e necessidades comuns. Pertencer, no que tange aos processos educativos, é sentir-se confortável para questionar e ser questionado; desafiar e ser desafiado; tudo isso de forma receptiva, aberta e dialogal. É cons-truir com os outros, e consigo mesmo um espaço alegre de possibilidades.

Os sentidos de pertencimento em espaços educativos têm sido renegados, colocados em segundo plano, a fa-vor de outros hábitos que se entendem como prioritários nesse contexto. Avaliar, quantificar, segregar, preparar

“para”, etc. Para nós, a noção de pertencimento, como colocada anteriormente, é vital para se pensar educa-ção. Entende-se, igualmente, que o cultivo de relações de pertencimento em educação possibilita que isso seja extrapolado para outros ambientes sociais.

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A ESCOLA E O NADA: A PERDA DO SENTIDO EM EDUCAÇÃO

“Lembro da gente sempre bem pertoPor um caminho curto e direto

Atravessando os mares sem medo algum

Hoje te vejo em destino incertoNo meio desse imenso deserto

Que vai do nada pra lugar nenhum.”Nilson Chaves.3

Quando pensamos na instituição escolar, de modo geral, vem a ideia de uma escola com um padrão já de-finido: quatro paredes, várias carteiras enfileiradas, um quadro negro e a figura do professor e de alunos, em relações que acontecem de modo vertical, autoritário, in-flexível, impositivo, etc. Dessa maneira, torna-se difícil criar sentidos de pertencimento devido às relações de poder estabelecidas dentro desta, com seus papéis mui-to bem definidos. Criamos, assim, pessoas com pouca responsabilização e participação em sua própria educa-ção, desenraizadas da vida e que se distanciam de seus processos educativos, não se enxergando como perten-cente a estes. Pergunta-se, então, se seria possível criar um sentimento de pertencimento para todas as partes envolvidas nesse processo educativo.

A escola que conhecemos hoje é, de modo geral, um espaço hostil e violento, que desrespeita e desconsidera aspectos fundamentais da constituição do ser humano, de sua essência enquanto tal. Desta maneira, questiona-

3 CHAVES, Nilson. Do nada pra lugar nenhum. Disponível em: https://www.letras.mus.br/nilson-chaves/955425/ Acesso em: 29/04 as 23:56

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mos, então, suas funções e intencionalidades, perceben-do o quão limitada ela pode ser ao não reconhecer as singularidades e experiências das pessoas com quem se lida. Principalmente, ao levar em consideração os con-textos e subjetividades dos processos educativos de cada um. De acordo com Paulo Freire (1987), estamos cami-nhando para uma pedagogia que “partindo dos interes-ses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humani-tarismo, mantém e encarna a própria opressão. É instru-mento de desumanização.” (FREIRE, P. 1987, p. 22).

Com isso, o ambiente da escola se configura em um meio que desestimula as noções de coletividade, uma vez que, ao invés de criar um elo, que preze pela po-tencialidade das pessoas e das qualidade das relações, unindo-as pela singularidade de seus caminhos, acaba por isolá-las. Outro aspecto que dificulta a criação de um sentimento de pertencimento é o incentivo à com-petitividade e a quantificação do conhecimento, posto que o outro passa a ser visto como um adversário ou um obstáculo, enquanto poderia ser um companheiro de caminhada.

Em muitos casos, o espaço escolar se torna um am-biente de despotencialização da nossa humanidade. É importante enfatizar que o conceito de humanidade, aqui, se dá por aquilo que nos torna humanos, que se-gundo Vigotski (1931) é a relação com os outros e consi-go mesmo. Ele diz ainda que:

Cabe decir, por lo tanto, que pasamos a ser nosotros mismos a través de otros; esta regla no se refiere únicamente a la per-sonalidad en su conjunto sino a la historia de cada función aislada. En ello radica la esencia del proceso del desarrollo cultural expresado en forma puramente lógica. La persona-lidad viene a ser para sí lo que es en sí, a través de lo que significa para los demás (VIGOTSKI, 1995, p. 149).

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Dessa forma, percebemos que, ao invés de nutrir la-ços e potencializar o sentimento de pertencimento, o es-paço escolar desvaloriza e até ignora as relações que lá são desenvolvidas. Por meio de relações autoritárias e hierárquicas, como dito anteriormente, o sistema educa-tivo traça e incentiva o desenvolvimento individualista e raramente foca em construções coletivas e nas singula-ridades. Isso nos faz reféns desse sistema para atender a um padrão freireanamente bancário onde, não é levado em conta as reflexões sobre sua real intencionalidade e finalidade para a sociedade.

Assim, inseridas dentro desses ambientes escolariza-dos nos quais apenas reproduzimos padrões, observa-mos que, dentro destes, inclusive na universidade, não havia sentido entre a teoria que se prega e a prática vi-venciada. Isso, já que, em nosso cotidiano, os discursos sobre repensar a educação e seu molde bancário eram e ainda são constantes. Embora as ideias fossem de incen-tivo à mudanças, estas perdiam o sentido em sua prática, visto que não éramos notados como pessoas de intencio-nalidades e potencial de transformação de nossa reali-dade, apenas como meros reprodutores sem o compro-misso de pensar sobre nossas ações. Acerca isso, Paulo Freire (2016) diz:

Se a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estar no mundo, associada indissoluvelmente à sua ação so-bre o mundo, não existe no ser, seu estar no mundo se reduz a um não poder transpor os limites que lhe são impostos pelo próprio mundo, do que resulta que esse ser não é capaz de compromisso. É um ser imerso no mundo, no seu estar, adaptado a ele e sem ter dele cons-ciência (FREIRE, . 2016, p. 19).

Dentro dessa realidade, que nos causava indignação, por se fazer prevalecer uma incoerência em todos os seus

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modos operantes, nos tornamos mais inquietas diante dos processos educativos que vivenciávamos e de seus propósitos contraditórios que não nos contemplavam.

NOSSOS CAMINHOS

Essas formas autoritárias e individualistas de rela-ções nos remetem à nossa trajetória escolar, em que éra-mos inseridas em um contexto no qual não nos davam ouvidos e não nos compreendiam como pessoas de ação e protagonistas da nossa caminhada educativa. Nesse contexto, os momentos tornavam-se vazios, no que diz respeito às nossas ações e não ações dentro dos espaços formativos, já que não éramos vistas e nem reconhecidas como parte dessas relações, o que nos fragmentava para, supostamente, nos encaixar dentro do padrão imposto. Isso, para nós, hoje, significa não pertencer.

Ao ponderar sobre nossas vivências, enquanto edu-candas inseridas em um sistema educacional impositi-vo e rígido, é possível refletir sobre as marcas que esses processos nos deixaram e como elas nos afetam com o passar do tempo. Hoje, somos estudantes de graduação da Universidade de Brasília (UnB), um lugar idealizado por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira para ser um espaço circular de encontros, que reconheça os diversos saberes. Um ambiente que possibilite que os educandos passem por muitos caminhos, para assim, dentro de suas expe-riências e relações interdisciplinares, escolham a área que mais sentem afinidade e o sentimento pertencimen-to. Sobre a idealização da UnB, Darcy Ribeiro (1995) diz:

Comecei então a arguir sobre a necessidade de criar também uma universidade e sobre a oportunidade extraordinária que ela nos daria de rever a estrutura obsoleta das universidades brasileiras, criando uma universidade capaz de dominar todo o saber humano

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e de colocá-lo a serviço do desenvolvimento nacional (RIBEIRO, 1995, p. 7).

Ao refletir sobre a idealização da UnB, é importante pensar no contexto social e político da época. Na década de 50, o então presidente Juscelino Kubitschek fomen-tou a dívida externa brasileira para a construção da ca-pital, Brasília, o que agravou a situação econômica do país. Além disso, em 1964, foi instaurado o golpe mili-tar, período no qual a violência estatal regia a sociedade. Esses anos foram marcados por um governo repressivo e intolerante. Portanto, a universidade, inaugurada em 1962, cresce em circunstâncias ríspidas e violentas, fa-zendo com que seus primeiros anos já fossem de luta e resistência.

Ainda assim, Darcy Ribeiro vislumbra para a univer-sidade uma revolucionária estrutura multidisciplinar, capaz de oportunizar uma grande variedade de cami-nhos com o compromisso da identificação e reconheci-mento do/com outro, da fraternidade e a busca do de-senvolvimento. No entanto, mesmo com a proposta de um projeto que não fosse tão aprisionador em relação aos seus conteúdos e saberes, o modelo vigente nos dias atuais expõe dificuldades de compartilhar experiên-cias comuns.

Ou seja, o espaço de comunicação entre diversas áreas não é tão orgânico como idealizado. A demanda de preferir seguir por uma grade curricular fechada em que , em muitos casos não nos é apresentado formas de diálogo com outros espaços/departamentos dentro da universidade, faz com que se perca o eixo de integração e conexão entre as diversas áreas que temos, os encon-tros com outros saberes vão perdendo o sentido. Além disso, ela está disposta de forma que, por mais que se sugira pensar no coletivo, ela se molda de maneira indi-vidualista.

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Com isso, nossos caminhos dentro da universidade, principalmente na Faculdade de Educação, estão sendo trilhado de forma a refletir sobre esses lugares de perten-cimento, e como eles nos trazem esse sentimento dentro dos espaços físicos e sociais em que estamos inseridas.

Nossa caminhada pela graduação se iniciou com a sensação de não pertencimento ao ambiente em que es-távamos, tendo a percepção que as conexões estabeleci-das eram superficiais, apenas atendendo a padrões ins-tituídos que eram aceitos sem questionamentos. Essas relações, tais quais professor-aluno, aluno-aluno, aluno-

-espaço são convencionalmente estruturadas de forma a favorecer o distanciamento das ações em torno do cole-tivo, pois sempre nos levavam a vivenciar os processos em que a finalidade acontecia no âmbito individual, no sentido da avaliação e da quantificação.

Essas situações aconteciam cotidianamente, e nos afetavam de forma a não nos despertar interesse pelos outros e nos distanciar das relações. Dessa maneira, nós vivenciávamos uma sensação de exclusão, que é “não encontrar nenhum lugar social, é o não pertencimento a nenhum topo social, uma existência limitada à sobrevi-vência singular e diária.” (TUNES, Elizabeth. 2011, p. 17). Com isso, nossos sentimentos dentro da graduação esta-vam esvaziando-se e culminando no não pertencimento.

OS BONS ENCONTROS

“Procuro despir-me do que apren-di, Procuro esquecer-me do modo de

lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções ver-dadeiras, Desembrulhar-me e ser eu...”

Alberto Caeiro.

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Diante de todas essas inquietações em nossos per-cursos educativos, decidimos procurar na graduação ambientes que pudessem proporcionar relações im-pulsionadoras diante das nossas ações. Esses espaços constituem, conjuntamente, uma formação que vai além de ver e ouvir ideias e ideais. Eles prezam pela expe-riência, pelo ser, pelo agir, pela criação e pelo constante movimento.

Dentro disso, projetos como, Programa de Educação Tutorial - PET4, o projeto de extensão Semeadores de Inves-tigação (Semillero): educação, transformação e alegria na prá-tica docente5 vem trazendo o sentido de pertencimento em nossos caminhos. Dentro desses ambientes, temos a possibilidade de (re)pensar e questionar o espaço educa-tivo no qual nos inserimos dentro e fora da universidade, e nos espaços educativos no qual almejamos estar como educadoras em formação.

Estar nesses ambientes é vivenciar a autonomia, a di-versidade, a diferença, e o olhar para o outro percebendo suas subjetividades. É compreender que esse outro aju-da a me constituir na cultura e na natureza, contribuin-do para um novo modo de ser e de agir. Sendo assim, o sentimento de pertencer a essa realidade ganha força, no sentido de nos firmar no mundo por meio de relações que carregam esses mesmos ideais de coletividade.

4 Programa de Educação Tutorial - PET é um programa nacional baseado na indissociabilidade do tripé universitário: pesquisa, ensino e extensão.

5 Semeadores de Investigação (Semillero): educação, transformação e alegria na prática docente é um Projeto de Extensão da Faculda-de de Educação da UnB que propõe um espaço de pesquisa e extensão interdisciplinar através do protagonismo infantil por meio de intercâmbio de ideias, projetos, práticas e pessoas que desejam transformar a prática docente com alegria, rigorosida-de investigativa e práticas extensionistas.

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Os encontros que ocorrem no decorrer desse cami-nhar que está sendo trilhado aqui, nos mostram uma re-volução nos modelos de relações convencionais impos-tos em grande parte dos percursos educativos. Tendo em vista que, estes se dispõem de maneira a compreender e reconhecer os processos que cada um passa. Isso ressalta como o sentimento de pertencimento pode ser estabele-cido a partir desses elos.

Entendemos, então, que o sentimento de pertenci-mento é estabelecido através das qualidades das expe-riências e das nossas relações com alegria, que aqui se compreende por ser “um afeto pelo qual a potência de agir do corpo é aumentada ou estimulada” (SPINOZA, 2016, p. 315). Destaca-se, o conceito de alegria por ser o sentimento que elucida nossa prática diária. Dessa ma-neira, nosso modo de afetar e ser afetado dentro dos gru-pos afirma nossa força de agir que, se organiza de modo ativo, mostrando nossa relação com o todo e as partes.

Esse sentido do coletivo que os grupos trouxeram fez com que nossos percursos se tornassem mais leves, alegres e dinâmicos, fazendo com que nos sentíssemos à vontade para agir sobre eles. Nossos movimentos em torno de nós mesmas e do grupo nos mostram possibi-lidades de transformação, de ações comprometidas em transformar conscientemente nossa realidade.

CONCLUSÃO

Diante disso, é possível perceber a criação desses es-paços acadêmicos, que puderam proporcionar reflexões que culminaram, por exemplo, na escrita deste artigo. Ainda sobre a intencionalidade de se repensar os am-bientes educativos fora dos moldes convencionais, e a importância das relações na constituição dos processos educativos, Vigotski (2003) diz que:

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Junto com a crescente complexidade da vida, o ser humano incorporou relações sociais cada vez mais complicadas e diversas, passou a participar das mais diferentes formações sociais e, por esse motivo, toda a diversidade das relações sociais do ser humano contem-porâneo não pode ser totalmente abrangida por certos hábitos ou por aptidões preparadas antecipadamente. Nesse caso, o objetivo da educação não é o de elaborar determinada quantidade de aptidões, mas capacidades criativas para uma rápida e criativa orientação social (VIGOTSKI, 2003, p. 106).

Com base nas ideias de Vigotski, é possível ponderar a respeito da necessidade de estarmos atentas a pensar nas relações e nas formas que elas se constituem, tendo em vista os ambientes educativos em que estamos e suas intencionalidades de ação. Além disso, é possível ques-tionar a forma com que essa padronização proposta pela educação convencional afeta as educandas e educandos, de forma a limitar as suas necessidades e desejos às de-mandas do sistema educacional.

A partir das reflexões acerca do tema e do reconheci-mento desses ambientes de pertencimento, é possível re-pensar os espaços educativos e vislumbrar possibilida-des de ação que possam ir de encontro a uma educação mais humana, e menos mecanicista. Ou seja, um espaço no qual as potencialidades de cada um seja valorizada, pautado nas relações alegres e horizontais e que respeite as subjetividades.

REFERÊNCIAS

RIBEIRO, D. O nascimento da UnB. A carta, Brasília, nº 14, 1995.

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TUNES, Elizabeth. Sem escola, sem documento. Rio de Janeiro: E-papers, 2011.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro/São Paulo, Paz e Terra, 2016.

_____. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

CAEIRO, Alberto Deste modo ou daquele modo. O guardador de rebanhos, Capítulo XLVI, 1914.

SPINOZA, Baruch de . Ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.

VIGOTSKI, Lev. Ssemionovich Obras Escogidas Tomo III: Problemas del desarrollo de la psique. Madrid, Visor, 1995.

_____. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: ARTMED, 2003.

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DIMENSÕES DA ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS EDUCATIVOS: DAS ESTRUTURAS FÍSICAS ÀS RELAÇÕES SOCIAISPatrícia Bittencourt1

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INTRODUÇÃO

O presente artigo derivou de uma pesquisa sobre ex-periências em espaços educativos em uma instituição de educação infantil situada na Asa Norte, Brasília-DF, onde eram realizadas atividades de extensão do Pro-grama de Educação Tutorial do curso de pedagogia da Universidade de Brasília, o PET-Educação. A experiên-cia culminou na elaboração do trabalho de conclusão de curso, que buscou compreender as estruturas que fundamentam a organização dos espaços educativos e, também, refletir sobre possibilidades de novas maneiras de pensar o ambiente, prezando a autonomia, a coletivi-dade e a liberdade.

Ao pensar sobre a organização de espaços educativos é necessário, também, falar sobre as escolas. Analisan-do as estruturas destas instituições destinadas ao ensino

1 Pedagoga graduada na Universidade de Brasília, membro egressa do PET-Educação.

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de crianças no Brasil, evidenciou-se, na pesquisa citada, que a grande maioria delas, em sua trajetória histórica, mantém modelos que não valorizam as relações e a im-portância destas para o desenvolvimento humano. As instituições legitimadas para o ensino, as escolas, têm sido idealizadas como modelos que prezam a indivi-dualidade, de modo, a possibilitar um processo de dis-ciplinarização das pessoas, como bem aponta Foucault ao falar da formação dos corpos dóceis e da sociedade disciplinar.

Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilida-de-utilidade, são o que podemos chamar as disciplinas. […] O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tam-pouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil […] A disciplina fabrica assim corpos submisso e exercitados, corpos “dóceis” (FOUCAULT. 2003, p. 118- 119).

A busca pelo controle, que ocorre especialmente por meio da vigilância, culmina na organização de espaços e modos de condutas que engendram relações hierárqui-cas, tendo o professor como aquele que detém o conhe-cimento, vigia, pune e, portanto, centraliza o poder. Essa maneira de pensar as relações nos espaços educativos institucionalizados gera um grande foco na padroniza-ção e na reprodução, servindo, também, como aparelho de conservação da ideologia hegemônica, legitimando determinada forma de pensar, meios culturais e de ação. Assim, Ivan Illich afirma que:

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[…] os jovens são pré-alienados pelas escolas que os isolam, enquanto pretendem ser produtores e consu-midores de seus próprios conhecimentos, concebidos como mercadoria que a escola coloca no mercado. A escola faz da alienação uma preparação para a vida, separando educação da realidade e trabalho da criati-vidade. A escola prepara para a institucionalização alie-nante da vida ensinando a necessidade de ser ensinado. Aprendida esta lição, as pessoas perdem o incentivo de crescer com independência; já não encontram atrativos nos assuntos em discussão; fecham-se às surpresas da vida quando estas não são predeterminadas por defi-nições institucionais. A escola, direta ou indiretamente, emprega a maior parte da população. A escola retém as pessoas por toda a vida, ou assegura de que se ajus-tarão a alguma instituição (ILLICH, 1985, p. 60 - Gri-fos nossos)”.

Estruturar o espaço dessa maneira alienante, para mentalidades escolarizadas, como bem aponta Illich, acarreta um processo que, aos poucos, vai matando o espírito criativo da criança, substituindo-o pela repro-dução, ou seja, pela imitação. A imitação possui papel fundamental no processo de criação, permite o contato e domínio do repertório histórico cultural já existente, no entanto, percebe-se que as instituições pensam nesse modo da criação como o objetivo final do percurso edu-cativo, no intuito de possibilitar a uniformização, padro-nizando e preparando para a aceitação do já existente.

De acordo com Vigotski (2009), autor russo que de-fende processos educativos humanizados, ou seja, que possibilitem a apropriação dos meios histórico-culturais que permitem a vivência social e tipicamente humana. A criação está fundamentada na imaginação e apoia-se nas experiências das pessoas que ocorrem no meio cultural. Portanto, a concepção de imaginação de Vigotski se di-fere das correntes teóricas que a compreendem como

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um devaneio, que pouco se conecta realidade material. Assim, para o autor, a criação possibilita a alteração do meio circundante, pois, partindo das experiências sociais, individuais e históricas, a realidade pode ser combinada, cristalizando-se no meio relacional como algo novo.

Compreende-se que as experiências não se limitam a simples acumulação de vivências, mas, constituem-se em um processo dinâmico que emerge na relação com o outro e o meio, estando sujeita a diversas transforma-ções e significações diante de quem as vivencia. Dessa maneira, enquanto organizadores dos espaços educati-vos (VIGOTSKI, 2003), os professores devem estar aten-tos em oportunizar às crianças atividades que possibi-litem experiências alicerçadas em bases qualitativas, já que, por ser a experiência que fundamenta a imaginação e, consequentemente, a criação, deve ser também a base da educação. Assim, é necessário organizá-las de modo que o educando perceba a sua possibilidade de criar. Que lhe sejam oportunizados atuarem de modo criador e expressivo no ambiente e por consequência a liberdade para a modificação do espaço em que se encontra.

Vigotski destaca o caráter social da experiência, base do processo educativo, evidenciando que o indivíduo não existe no mundo sozinho, e que o nosso desenvol-vimento ocorre por meio do outro, das relações. Assim, o autor afirma que “pasamos a ser nosotros mismo a través de otros”. (VIGOTSKI, 1995 p. 149 – grifos nos-sos), destacando a importância das relações sociais na formação do “eu”, da personalidade.

Diante das considerações apontadas, propõe-se aqui, então, a reflexão sobre a organização social do espaço educativo, que não considere apenas estruturas físicas, buscando, também, organizar os diversos elementos que constituem o ambiente, principalmente, as relações. Assim, intenta-se, com base em Vigotski, demonstrar o

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caráter essencialmente relacional do desenvolvimento humano e, portanto, dessa forma, a necessidade de or-ganização do espaço relacional que seja orientado por objetivos distintos das escolas de mentalidade escolari-zada, ou seja, que considere a colaboração, a dimensão social e singularidade das vivências das pessoas e de sua dimensão afetiva.

O DESENVOLVIMENTO DO EU-SOCIAL

Pensa-se ser de suma importância, compreender como a personalidade é elaborada, de modo a permitir que o professor organize o ambiente considerando esse processo de desenvolvimento. Na formação da persona-lidade a presença de outros é constante. Após o nasci-mento, nas primeiras fases do desenvolvimento infantil, o modo pelo qual a pessoa se estabelece no mundo e tem suas necessidades e desejos atendidos, acontece por meio da relação com os outros, no geral os adultos. No entanto, de acordo com Vigotski, esse contato se esta-belece de maneira “totalmente específica, profunda, pecu-liar, debido a una situación social de desarrollo única” (1996, p. 284-285). A relação do bebê com o meio se encontra na contradição entre a sua máxima sociabilidade e suas mínimas possibilidades de comunicação, devido a seu pouco desenvolvimento biológico e cultural.

Outro ponto do desenvolvimento do bebê de suma importância destacar é a sua relação com objeto, segun-do Vigotski,

El centro de toda la situación objetal para el bebé es otra perso-na, quien cambia el significado y el sentido de la misma, y, en segundo lugar, que la actitud ante el objeto y la persona toda-vía no están diferenciados en el bebé. El objeto, por sí mismo, a medida que se aleja, pierde su fuerza de atracción afectiva para el niño, pero renace com la misma intensidad tan pron-

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to como al lado del objeto en cuestión y en el mismo campo visual aparece un adulto (VIGOTSKI, 1996, pp. 308-309).

Não nos cabe no presente artigo, discutir aprofunda-damente acerca das peculiaridades do desenvolvimento do bebê. Buscou-se apenas refletir que desde o primeiro contato com o mundo, o nosso desenvolvimento é fun-damentalmente social, no entanto, a consciência do eu ainda não existe completamente, apenas na crise do pri-meiro ano, em que há o surgimento uma nova função psíquica, denominada por Vigotski de “protonosotros”, sendo esta, uma consciência primária do eu na comuni-dade psíquica. Trata-se de uma nova estrutura que, junto com o desenvolvimento físico, altera o campo psíquico, modo pelo qual o bebê se relaciona e percebe o ambiente.

Pode-se dizer, de acordo com Vigotski, que o desen-volvimento é caracterizado pelo surgimento do novo. No entanto, o que seria esse novo? Entende-se que a psi-que é fundamentada em uma base biológica e é no con-tato com a cultura, na relação com outras pessoas, que saímos da condição de homo sapiens, conquistando as funções psíquicas culturais, caracterizada pela a unida-de bio-cultural que nos compõe. Dessa maneira, eviden-cia-se a forma dialética em que se estrutura a psique, na qual o surgimento do novo é marcado por uma mudan-ça qualitativa da estrutura, no entanto conservando em seu interior a função elementar, portanto “as funciones naturales continúan existiendo dentro de las culturales” (VI-GOTSKI. 1995 p. 132).

Vigotski alerta como a velha psicologia, ora estrita-mente biológica, ora social, desconsidera a unidade bio-

-social da pessoa. Essas psicologias, ao abordar o tema do desenvolvimento humano, focava seus estudos nos momentos estáveis, atribuindo pouca atenção aos perío-dos de crise. Para ele, o surgimento do novo ocorre nas crises, momento caracterizado pelo entre, a passagem de

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um período a outro, na qual ocorre a revolução organi-zacional das estruturas da psique, que possibilitam uma nova maneira de se relacionar interna e externamente com o meio, assim, deve-se atribuir maior cuidado a análise desses períodos, pois, é justamente nesses mo-mentos que acontecem a reestruturação do eu.

A medida que el niño se va desarrollando no sólo se modifica su relación con los elementos nuevos del entorno, sino tam-bién con los viejos, já que cambia el carácter de su influencia sobre el niño. La situación social del desarrollo, existente al comienzo de la edad, se modifica, y una vez que el niño se hace distinto, se destruye la vieja situación social del desar-rollo y comienza un nuevo período de edad (VIGOTSKI, 1996, p. 150 - grifos nossos).

Ao surgir uma nova função central, alterando em qua-lidade as funções periféricas, modifica-se a dinâmica or-ganizacional da psique, tal mecanismo é extremamente visível na fase de maturação sexual do adolescente que, ao adquirir o pensamento por conceitos, uma função central, modifica toda a dinâmica do seu pensamento.

Diante dessa nova maneira que a psique se apresenta, o adolescente assume também uma posição negativa, de abandono dos interesses infantis, e uma positiva, onde há a mudança da relação com o meio externo e inter-no, marcado pela modificação da memória, da atenção, e da percepção, atribuindo-lhe, outra consciência acerca do mundo e de si e, por conseguinte, novos interesses. O processo de desenvolvimento, para Vigotski é revo-lucionário. Portanto, esse ocorre frente às necessidades da própria pessoa, oportunizado pelo desenvolvimen-to biológico e pelos obstáculos do meio social. Não há desenvolvimento em um corpo inteiramente adaptado ao seu meio, dessa forma, ao pensar no processo edu-cativo destaca-se a importância de organizar ambientes

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desafiadores para os educandos, experiências que lhes impulsionam o pensamento e possibilitem a criação.

O PROCESSO INTENCIONAL DA EDUCAÇÃO: OS OBJETIVOS CONCRETOS

Rodrigues (2017) evidencia que no espaço educativo, além da organização física do concreto e do mobiliário, também está presente em sua estruturação, uma inten-ção de quem o elabora, pessoa que se constitui no meio cultural, que reflete suas experiências no mundo. Por-tanto, os espaços educativos não são e nem podem ser neutros, tendo imbricado em sua organização a intenção do indivíduo, ou grupo, que o idealizou para cumprir determinada função e ideal pedagógico, humano e social.

Diante da impossibilidade de neutralidade na orga-nização do espaço educativo, afirmar-se que a educação está orientada a determinada finalidade. Horn (2004), baseando-se em Pol e Morales, enfatiza que “a forma como o organizamos transmite uma mensagem que pode “ser coerente ou contraditória com o que o educa-dor quer fazer chegar à criança” (p. 41). Percebe-se, as-sim, uma relação direta entre a organização do espaço educativo e a concepção pedagógica do professor. No entanto, Horn faz o seguinte questionamento “será que a transformação do espaço modifica a ação pedagógica dos professores, ou ocorre o inverso ?” (p. 40).

Em uma pesquisa de campo realizada por Rodrigues (2017), tal questionamento pode ser explicitado. A auto-ra relata que na instituição investigada, logo ao entrar no prédio, percebia-se que a estrutura física da sala do 2º período da educação infantil era organizada de ma-neira totalmente diferente da maioria das instituições desse segmento do Distrito Federal. A concepção teórica que orientava tal estruturação dos espaços se baseava

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nos ateliês de atividades do pensador francês Freinet, em que, organiza-se a sala em cantos com diversas pro-postas de ação e idealiza-se que as crianças passem por todos os cantinhos de trabalho durante o dia, de acordo com seus interesses.

Entretanto, observou-se que apesar da estrutura fí-sica existente, possibilitar um modelo pedagógico que valorize a liberdade e a autonomia das crianças, ideal da concepção de Freinet, as relações mantidas seguiam um modelo característico da sociedade de mentalidade escolarizada. Apesar da mudança do espaço físico, as professoras reproduziam o método convencional que vi-venciaram em seu percurso escolar, mantendo relações hierarquizadas e foco no desenvolvimento cognitivo, por conseguinte, fragmentando o ser humano.

Dessa maneira, buscando responder ao questiona-mento feito por Horn, acredita-se que é a intencionalida-de pedagógica que muda o espaço educativo. O espaço físico é de suma importância para prática pedagógica, entretanto, para uma mudança efetiva do modelo edu-cacional devem-se alterar, também, as relações engen-dradas nesse ambiente.

Ao alterar a maneira de se relacionar nesse espaço, estamos também redimensionando sua estrutura físi-ca. As relações são assim organizadas para possibilitar a individualização da criança, o silêncio, viabilizando a vigilância e o controle. No entanto, ao compreender que a educação se destina a outros fins, que não se limitam a cumulação de conteúdo e a submissão, é preciso tam-bém, pensar em outras maneiras de organizar o espaço educativo. Desse modo, questiona-se: Qual deve ser a intencionalidade do processo educativo e que tipos de espaços ela possibilita?

Ao falar dos objetivos psicológicos, Vigotski (2001) aponta que a estrutura psicológica do processo educati-

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vo é a mesma para um fascista, um revolucionário, um funcionário, entre outros. A conduta humana está ligada com o meio, sendo este um “fator decisivo na formação da experiência individual [...] a estrutura do ambiente cria e determina as condições das quais depende, em definitivo, a elaboração de toda conduta individual” (p. 54). É na relação com o ambiente, nas experiências que engendramos em meio a cultura, que nos é possibilitada a ação, e o desenvolvimento das funções culturais, ou seja, funções regidas pelas leis culturais, sendo assim, nos educamos em nossa relação com meio social.

Dessa maneira, o autor afirma que o objetivo da edu-cação “é totalmente concreto” e, portanto, que apenas

“objetivos concretos possam ser atribuídos ao processo educativo”. Portanto, a educação não é neutra e serve aos ideais de determinada classe é determinado tempo histórico. p. 80).

O que acontece é que, na sociedade humana, a educação é uma função social totalmente determinada, que sem-pre se orienta em prol dos interesses da classe domi-nante, e a liberdade e independência do pequeno meio educativo artificial com relação ao grande meio social são, na verdade, uma liberdade e uma independência muito relativas e condicionais, convencionais, dentro de estreitas fronteiras e limites (VIGOTSKI, 2001, p. 80).

Considerando o exposto, pensa-se que a educação deve ter a intencionalidade de oportunizar às crian-ças meios para que possam atuar de forma consciente consigo mesmas e com os outros, em que, além de um desenvolvimento meramente intelectualizado e prepa-ratório para o mercado de trabalho, o percurso educa-tivo possibilita experiências que valorizem a vivência coletiva e corresponsável, respeitando a integralidade do ser humano. Ou seja, propõe-se uma educação so-

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cial, em que não se pretende “elaborar determinadas quantidade de aptidão” que servem para a adaptação ao que já está dado, mas “capacidades criativas para uma rápida e criativa orientação social”(2001, p. 106).

Nas Obras Escogidas III: Problemas del desarrollo de la psique, no capítulo 12,Vigotski (1995), se dedica ao tema do domínio da própria conduta. Tal mecanismo é con-siderado uma função cultural, possuindo origem social. Segundo o autor, o domínio da própria conduta está diretamente ligado aos processos da vontade e, apoian-do-se em Espinosa, afirma que a “nuestra voluntad no es libre, sino que depende de motivos externos” (p. 287) assim, estão relacionadas com o ambiente, distinguindo-se da concepção de livre arbítrio advinda do senso comum. O autor faz uma distinção entre a vontade do homem e do animal por meio da consciência do ser humano em re-lação à situação criada. Tal conhecimento lhe possibilita a liberdade de atuação nesse ambiente, desse modo, de organizar e criar situações que influenciam sob sua von-tade. Portanto;

O libre albedrío no consiste en estar libre de los motivos, sino que consiste en que el niño toma conciencia de la necesidad de elegir […] el niño domina su reacción electiva pero no en el sentido de que anula las leyes que la rigen, sino en el sentido en que la domina según la regla de F. Bacon, es decir, supedi-tándose a sus leyes (VIGOTSKI, 1995, p. 289).

Entende-se, assim, o domínio da própria conduta como algo, de início, externo à pessoa, ocorrendo, princi-palmente, pela subordinação dos elementos que compõe o meio e as relações. Processo que, depois, ao se inter-nalizar, passa a regular as estruturas da psique. Assim, ao dominarmos as relações externas, concomitantemen-te, nos organizamos internamente, passando de uma

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conduta baseada em mecanismo involuntário para uma voluntária.

O PAPEL DO PROFESSOR: ORGANIZADOR DO ESPAÇO EDUCATIVO

Vigotski destaca a importância do professor se apre-senta como organizador do espaço Educativo e, conse-quentemente, da experiência. Entende-se que ao abrir mão de mecanismos que preza pela educação como adestramento, para uma concepção de organização do ambiente em que a criança se encontra ativa, perde-se o controle do produto da aprendizagem, abre-se mão de uma conduta padrão e comum ao fim do processo edu-cativo, compreendendo que este ocorre de diferente ma-neira para cada indivíduo, e que a formação, as vontades, as aprendizagens ocorrem pela e na atividade organiza-da, dialogando com a experiência individual de cada um, que se apropria de maneira única de tal vivência.

Pensa-se, dessa forma, que o produto da experiên-cia é pessoal. Rodrigues (2017), relata que “mesmo as experiências possuindo uma base social e cultural que lhe atribui um caráter coletivo, ela se torna também in-dividual, a partir do momento em que as vivências e as emoções de cada indivíduo, a interpreta de maneira pró-pria” (p. 37).

À vista disso, entende-se a liberdade como fator es-sencial para o percurso educativo intencional, oportuni-zando que criança faça escolhas, modifique o meio de acordo com seus interesses e necessidades, manipule os objetos, dialogue, argumente, intérprete, compreenda ativamente. Para que, conscientemente, possa modificar as estruturas do ambiente, percebendo a relação existen-te entre o meio e o comportamento, possibilitando o do-

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mínio dos mecanismos pelo qual significamos o mundo e dominamos a nossa conduta.

Como aponta Vigotski (1995) “Toda función psíquica superior fue externo por haber sido social antes que interna” (p. 150). Tal afirmação possui grandes impactos ao pen-sar-se sobre a educação. Traz-nos a ideia de correspon-sabilidade, toda função psíquica superior por ter sido de início social, existindo na cultura anteriormente ao nas-cimento do indivíduo, faz que por meio dessas relações estabelecidas com o outro, ocorra a elaboração da perso-nalidade, do “eu”. Dessa maneira, o compromisso dian-te a educação perde o seu caráter individualizante, se es-tabelecendo mediante ao coletivo. Vigotski aponta que:

Potencialmente, a criança contém muitas personalida-des futuras; ela pode vir a ser isto ou aquilo. A educa-ção produz a seleção social da personalidade externa. A partir do ser humano como biotipo, a educação, por meio da seleção, forma o ser humano como tipo social (VIGOTSKI, 2001. p. 82).

Sabemos que educação não se limita ao espaço esco-lar, ocorrendo na vida, em meio à sociedade e em todos os espaços que nos relacionamos. No entanto, em nosso cotidiano, estamos frequentemente cercados de pessoas e de objetos, mas quantas vezes no relacionamos verda-deiramente com esse meio?! Estamos sempre tão ocupa-dos com o produto da atividade, com as cobranças da atual da sociedade capitalista, que não nos sobra tempo de vivenciar os processos, de experienciar verdadeira-mente o meio do qual estamos inseridos e de transfor-má-lo de maneira consciente. Ao compreender liberdade como consciência acerca da natureza, o conhecimento, não apenas ligado ao aspecto racional, que nos permite a manipulação do meio natural e social de acordo com as nossas vontades e escolhas, ao organizar um espaço

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educativo pensado para a experimentação e para o diá-logo, possibilita-se, também, um processo de emancipa-ção da pessoa.

Portanto, ao conhecer como se estrutura a psique se-gundo a perspectiva histórico-cultural, evidenciado a impossibilidade de neutralidade na organização do am-biente, destaca-se dois aspectos que devem ser evitados pelo professor, corroborando para atingir o objetivo do percurso educativo que propõe-se nesse texto, o domí-nio da própria conduta: O primeiro deles diz respeito à “facilitação” do processo de ensino e aprendizagem por meio de imagens e resposta prontas. Percebe-se que, atualmente, a crescente presença das tecnologias da in-formação e a ditadura dos testes de larga escala, tem nos levado a um tipo de ensino conteudista e reprodutor, possuindo como fim a informação. Esse modelo da cópia desinteressante e automatizada dificulta o pensamento.

O pensamento não independe da matéria, assim, com o corpo tornam uma unidade, que possuem caráter dis-tintos, mas dialogam juntos com o mundo circundante. No contato com o ambiente o ato de pensar pode ser desafiado ou não, sendo que, no espaço educativo in-tencional, “é muito mais importante ensinar a criança a pensar que comunicar à ela determinado conhecimen-tos”(VIGOTSKI. 2001, p. 172). Acredita-se, portanto, que professor possui a função de organizar o conflito, elabo-rar atividades desafiadoras, oportunizando o pensar, o investigar, o fazer.

O ambiente social e todo o comportamento infantil de-vem ser organizados de tal maneira que cada dia pro-voquem novas combinações, casos imprevistos do com-portamento, para os quais não haja hábitos e respostas preparadas no depósito da experiência da criança, mas que exijam em cada oportunidade novas combinações de pensamento. […] a participação de toda nossa expe-

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riência anterior na solução da tarefa presente (VIGOT-SKI, 2001, p. 173).

As escolas, ao “facilitar” o ensino não possibilita que o estudante aprenda a pensar. A função do pensamento é de suma importância, pois além de organizar o compor-tamento externo, é por meio dele que nos comunicamos conosco e nos organizamos internamente. Desse modo, o pensar corretamente sobre si, permite a sintonia com o fazer. Acredita-se, assim, ser necessário destacar que não é apenas por meio da educação escolarizada que apren-demos a pensar, muitas vezes engendramos relações que nos possibilitam o desenvolvimento dessa função psíqui-ca e a consciência de si. Mas como já relatado, as pessoas estão passando cada vez mais tempo nas instituições de ensino, de forma que essas relações espontâneas estão cada vez mais escassas. Assim, a escola não tem oportu-nizado o desenvolvimento do pensamento, como aqui o entendemos, e ao prezar pelo automatismo, formam pessoas que, em sua maioria, não conseguem articular com coerência o que pensam e como agem. Diante des-se fato, surge o questionamento: Como essa dissonância, entre o pensar e o agir, tem afetado as pessoas? Não nos cabe neste presente artigo discorrer acerca de tal tema, no entanto não poderia deixar de relatar tal inquietação aqui, em suma, essa escola, que não nos ensina a pensar, não educa os afetos, nos individualiza, nos fragmenta formam indivíduos que não conseguem responder efe-tivamente às questões sociais quais se deparam no coti-diano, levando, em muitos casos, ao sofrimento psíquico.

Considerando o exposto, acredita-se que cabe ao professor organizar espaços que desperte a curiosidade, que possibilite o perguntar, questionar, desafiar, pensar. Destaca-se a importância das perguntas para o processo de compreensão do mundo, segundo Flinckinger (2014), Gadamer em suas considerações acerca do diálogo e do

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fenômeno da compreensão, atribui suma importância ao ato de perguntar, para ele

O perguntar faz sempre parte de uma situação comuni-cativa já em andamento, que delimita o marco temática, dentro do qual a pergunta e, consequentemente, o diá-logo se desdobram. Nesse sentido pode-se falar tam-bém da primazia da pergunta diante a resposta; e daí sua importância” (FLINCKINGER, 2014, p. 84).

Apesar de Gadamer se referir à comunicação entres duas pessoas, podemos transpor para o diálogo que te-mos com o mundo. A organização de um espaço funda-mentado na resposta é a inserção na temática do outro, no pensamento do outro. Permitir o diálogo com o meio relacional orientado pelas próprias perguntas, permite um estar no mundo autêntico, investigativo, consequen-temente, alguém que não reproduz o modelo existente embasado apenas no acúmulo de respostas já prontas. Possibilitar uma educação orientada ao perguntar, é uma educação pensada para a emancipação, para a consciên-cia e o domínio da própria conduta.

O segundo aspecto que se deve atribuir atenção, é a tendência do olhar constante para o desenvolvimen-to passado. Como professores, não podemos ignorar a importância de nos relacionarmos com pessoas em di-ferentes momentos de desenvolvimento. Ao considerar os processos de ensino e aprendizagem, as escolas bra-sileiras possuem a tendência de agrupar, em um mes-mo espaço, pessoas com o mesmo nível de conhecimen-to, tendo como base a idade e apenas o que a criança já sabe fazer sozinha. Esse, segundo Vigotski (1996), seria uma olhar para o desenvolvimento passado, já estável na criança, sem levar em conta o que o educando é ca-paz de realizar em colaboração com os seus pares, o que lhe é possível resolver por meio da imitação intelectual,

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ou seja, orientada pela compreensão da operação que se imita, assim, perdendo de foco o desenvolvimento imi-nente da criança.

Eso quiere decir que cuando esclaremos las posibilidades de niño para realizar la prueba en colaboración, establecemos al mismo tiempo el área de sus funciones intelectuales en el proceso de maduración que darán sus frutos en el próximo estadio del desarrollo; de ese modo llegamos a precisar el real de su desarrollo intelectual. Por tanto, al investigar lo que puede hacer el niño por sí mismo, investigamos el desarrollo del día anterior, pero cuando investigamos lo que puede hacer en colaboración determinamos se desarrollo del mañana (VI-GOTSKI, 1996, p. 168-169).

De acordo com Prestes, essa experiência que descre-vemos é o que Vigotski compreende por zona de desen-volvimento iminente. Essa zona “é exatamente aquilo que a criança consegue fazer com a ajuda do adulto, pois o que ela faz sem ajuda, e não mediação, já se caracteriza como nível do desenvolvimento atual” (PRESTES. 2012, p. 193) Prestes nos sinaliza a propensão de pensar a zona de desenvolvimento iminente apenas quando tratamos da educação formal, no entanto ela se faz presente em todos os aspectos de na nossa vida.

CONCLUSÃO

Considerando o já exposto, sabe-se que é parte do processo educativo possibilitar aos educandos plenas condições para o seu desenvolvimento, oportunizando meios para a experiência e relações de modo que as pes-soas tenham consciência de seu mundo interno e exter-no. Dessa maneira, entende-se que, por sermos sujeitos históricos, que habitam determinado território e uma classe específica, existe a impossibilidade de organizar-

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mos ambientes neutros. Portanto a educação escolariza-da sempre está orientada para determinada ideologia, podendo contribuir para a submissão ou a emancipação do ser humano.

Percebe-se que as instituições de ensino brasileiras têm atuado na perspectiva do adestramento, em um mo-delo conteudista que desconsidera a integralidade que compõem a pessoa. Em contato com essas realidades, vê-se a necessidade de organizarmos espaços distintos desses que nos são apresentados, que considerem a pes-soa em sua unidade biossocial. Assim, analisando a im-portância do meio, espaço físico, relacional e simbólico para o desenvolvimento humano, propõe-se uma nova forma de pensar esse ambiente, em que haja a valori-zação das experiências individuais, sociais e históricas, possibilitando uma atuação consciente e relação livre com o meio.

A proposta que discorremos nesse texto apresenta como objetivo para educação, um processo educativo intencional voltado para possibilitar o domínio da pró-pria conduta, e para tal, é imprescindível a consciência do mundo circundante. Destaca-se a imprescindibili-dade da liberdade, para que na relação engendrada o educando se conheça, em que de forma dialética entre o externo e o interno aconteça a constituição consciente do “eu”. Para atingir esses objetivos é importante que o professor organize ambientes que ensinem a pensar, estruturando o conflito e atividades que desafiem o es-tudante a buscar soluções que ainda não existem em seu repertório de experiências.

Consequentemente, ao possuir a função de organi-zador do espaço educativo, considerando que o desen-volvimento ocorre na relação com o ambiente, a respon-sabilidade do professor frente ao percurso educativo é imensa e, que, portanto, não se pode deixar essa elabo-

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ração ao acaso ou seguir acriticamente o modelo indivi-dualizante já posto pela tradição escolar. Assim, o pro-fessor, procurando estruturar espaços que funcionem a favor dos objetivos concretos por ele traçados, se faz fundamental que conheça como o ser humano se desen-volve, possibilitando ao pedagogo mecanismos de atua-ção intencional e de estruturação de um caminho educa-tivo próprio, que ocorre de acordo, e não em confronto, com o modo pelo qual se estrutura psique.

Daí a importância de uma Psicologia Pedagógica, tal como proposta por Vigotski, que convida a compreen-der o percurso educativo para além dos métodos con-vencionais que orientam o fazer das escolas, assim se faz necessária, a compreensão do ser humano em sua integralidade, enquanto ser social, e diante disso, o au-tor aponta a psicologia pedagógica como “a ciência so-bre as leis de modificação do comportamento humano e sobre os meios de dominar essas leis” (Vigotski, 2001, p. 43), ou seja, o conhecimento das leis que orientam o comportamento e o desenvolvimento, a fim de organizar, considerando as especificidades que de cada realidade social, experiências educativas que sejam efetivas, possi-bilitando as ferramentas necessárias para que o educan-do domine sua conduta.

REFERÊNCIAS

FLINCKINGER, H. Gadamer & a educação. Belo Horizonte, Autêntica, 2014. (Coleção pensadores da educação).

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: História da violência nas prisões. Petrópolis, Vozes, 2003.

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_____. A Sociedade Punitiva. São Paulo, Martins Fontes, 2015.

HORN, M.G.S. Sabores, Cores, Sons, Aromas: A or-ganização dos espaços na Educação Infantil. Porto Alegre, 2004.

ILLICH, I. Sociedade sem escolas. Petrópolis, Vozes, 1985.

PRESTES, Z. Quando não é quase a mesma coisa: Tra-duções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Campi-nas-SP, Autores Associados, 2012.

RODRIGUES, P.B. O espaço para além do espaço: A organização de Ambientes educativos para a educação infantil. 2017. Monografia (Licenciatura em Pedagogia)

– Universidade de Brasília, Brasília, 2017.

VIGOTSKI, L.S. Obras Escogidas III: Problemas del de-sarrollo de la psique. Madrid, Visor, 1995.

_____Obras Escogidas IV: Psicología infantil. Madrid, Visor, 1996.

_____ Psicologia Pedagógica. Porto Alegre, Artmed, 2001.

_____Imaginação e Criação na Infância. Ática, 2009.

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O PAPEL SOCIAL DA ESCOLAEmilly Saraiva da Silva1

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A escola convencional está em crise. Não é à toa que as pessoas têm buscado alternativas, escolas que ofere-çam outro tipo de atendimento a seus alunos e famílias. Podemos encontrar vários exemplos espalhados pelo Brasil e pelo mundo, em 2018, por exemplo, três escolas brasileiras foram reconhecidas como inovadoras pelo programa Escolas Inovadoras, uma iniciativa da Ashoka, que é uma organização que tem o objetivo de potencia-lizar as transformações sociais por meio do reconheci-mento e do apoio a empreendedoras e empreendedores sociais inovadores, e do Instituto Alana, que é uma orga-nização da sociedade civil, sem fins lucrativos que nas-ceu com a missão de “honrar a criança” e é uma das três frentes do Alana, que é uma organização de impacto so-cioambiental que promove o direito e o desenvolvimen-to integral da criança e fomenta novas formas de bem viver. O programa Escolas Inovadoras, reúne instituições de todo o mundo comprometidas com a mudança da educação, sendo elas; Escola Pluricultural Odé Kayodê, de Goiás (GO), o Projeto Âncora, de Cotia (SP), e o Cen-tro Municipal de Educação Infantil Hermann Gmeiner, de Manaus (AM).

1 Pedagoga graduada na Universidade de Brasília, membro egressa do PET educação, cursando Pós Graduação Lato Sensu em Educação Infantil na perspectiva histórico-cultural.

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Compartilho da ideia de que a escola deveria ser mais uma possibilidade de um espaço educativo que permita o desenvolvimento de cada estudante, levando em con-sideração suas vivencias e necessidades, para um desen-volvimento integral. Mas, o cenário que temos, até hoje, em sua grande maioria, é de uma escola que apenas impõe seus conteúdos e, que não está aberta ao diálo-go. Freire (2003, p. 90) afirma: “como, porém, aprender a discutir e a debater numa escola que não nos habitua a discutir, porque impõe?”

Em toda minha trajetória na educação básica, nun-ca entendi, ao certo, o motivo de estar ali, nunca ques-tionei meus professores por nada, tão pouco o motivo de “aprender” tanta coisa que não fazia o menor sen-tido para mim, apenas segui e cumpri o rito social de frequentar a escola, carregando a esperança e responsa-bilidade dos meus familiares de “crescer e ser alguém na vida”. Nesse sentido, posso afirmar que a escola não é nenhum pouco atrativa, se não, pelo fato do contato e interação com outras pessoas. Crer que a escola que temos hoje está falida, mas, em contrapartida, acreditar no poder de transformação que esse espaço tem, me leva a refletir sobre seu papel social.

Silva (2016, p. 13), afirma que:

A nossa sociedade vive um processo de mudança diária, tudo se transforma, a maneira de falar, de se vestir, de se comportar, os mecanismos de trabalho, a ciência e en-fim, mas a escola continua a mesma, exatamente como era a dez, quinze, vinte anos atrás e os estudantes come-çaram a perceber e pedir mudanças. Podemos ver isso com as ocupações dos secundaristas em São Paulo, no Rio e em Goiânia, vi as mesmas como um grito de ‘Nós acreditamos na escola, mas precisamos melhorá-la. ³.

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A nossa educação está paralisada e grita por mudan-ças. Os corpos não podem ser mais silenciados, coloca-dos em fileiras de mesas fixadas em quadrados sem co-res, que denominamos de sala de aula, com uniformes sempre iguais, escondendo a personalidade de cada um, vivendo um dia após o outro em um ambiente autori-tário, antidemocrático, que adoece, tanto os estudantes, como seus educadores.

A escola é um espaço que vende a ideia de ser neces-sária e importante para que se possa adquirir liberdade, ou, ainda, ter um futuro próspero, para que possamos

“ser alguém na vida”, mas, que, também nos ensina a competir, nos reprime, nos humilha, e que nos coloca em formas engessadas de viver e de conviver, podando toda nossa personalidade. Nos poda ao não nos dar ouvidos, ao querer silenciar nossos corpos por meio de regras de comportamento padronizados, define a hora que pode-mos ou não falar, nos reprime quando não fazemos algo dentro do esperado e planejado por ela, não permite ou possibilita o debate ou expressão das mais diferentes formas de culturas.

A educação é algo extremamente importante, pois é garantida pelo Estado, por meio de todos os seus pode-res (executivo, legislativo e judiciário), bem como pelos níveis da federação (União, estados e municípios), que devem não apenas garantir e oferecer condições para o exercício desse direito, mas principalmente fiscalizar seu cumprimento. Dada sua importância, devemos res-saltar, que o Poder Público não é o único responsável pela garantia desse direito, a educação também é dever das famílias e da sociedade, que deve incentivar e cola-borar para a realização desse direito, como previsto em lei, no Art. 205 da Constituição “ a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao

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pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, p. 123).

No Brasil, temos muitas leis que regem a educação, que garantiriam, a princípio, uma educação mais respei-tosa, humana e diversa, mas, será que de fato elas têm sido cumpridas? Estamos diante de uma escola que não enxerga sua contradição, que tem invertido valores, vi-sando mais o mercado de trabalho do que a emancipa-ção, que não prepara verdadeiramente para a cidadania.

São muitas as situações que me fazem questionar o papel da escola e que me trouxeram até esse tema, prin-cipalmente, por perceber que as pessoas se transformam dentro de todos os ambientes pelos quais passam, todos os meios que estamos inseridos tem uma função, e para defender a escola, de alguma forma, é preciso entender seu papel social.

DIALOGANDO HISTORICAMENTE

A palavra escola vem do grego scholé, que significa “lugar do ócio”. (FUJITA, 2016). Segundo Vicente (2015), foi na Grécia, com aulas ministradas por Platão e seus discípulos, que surgiram as primeiras escolas, e esses estabelecimentos de ensino se referiam mais a um espa-ço de debate, onde as pessoas iam apenas para passar o tempo, por isso o nome “lugar do ócio”.

Para os gregos, o papel do professor era o de formar futuros governantes, pois o mesmo não deveria ensinar de acordo com suas concepções, mas, em consonância com a exigência da sociedade. Quem tinha acesso à edu-cação era membro da elite e os responsáveis por educá-

-los eram os filósofos, que, geralmente, ensinavam polí-tica, artes, aritmética e filosofia, para grupos pequenos de seguidores.

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Já nas comunidades denominadas, preconceituosa-mente, como primitivas, a educação acontecia informal-mente e visava o ensino das práticas da vida coletiva, das necessidades locais e para sobrevivência, “cada in-divíduo tinha sua função e os ganhos eram repartidos igualmente. Não havia excedente na produção e a socie-dade vivia em função da subsistência coletiva” (BOM-FIM; 2015). Mas, isso foi assim só até o surgimento de novas técnicas de produção, que possibilitaram manu-faturas em massa, fazendo com que as famílias tivessem mais que o necessário e começassem a fazer intercâmbio de mercadorias. Como resultado disso e a partir de pro-cessos civilizatórios, que continuaram se desenvolvendo ao longo da história, mas que não serão tratados nesse artigo, os indivíduos foram condicionados a um pensa-mento e forma de agir individualista, deixando de pen-sar de forma essencialmente coletiva passaram a traba-lhar pensando no acumulo de fortunas e nas concepções de valor de cada trabalho.

A escola e a forma como se dá seu processo de esco-larização, está inteiramente ligada ao desenvolvimento do capitalismo, pois durante o período da Revolução In-dustrial, houve a necessidade de mão-de-obra (barata) para operar as máquinas e, para isso, era necessário que os funcionários tivessem no mínimo uma instrução bá-sica. Assim, a educação era oferecida à população como forma de controle, pois a burguesia viu que através dela, se poderia controlar e disciplinar de uma vez só, cente-nas de trabalhadores.

A escola, no Brasil, também tem sido historicamen-te, uma forma de controle social. Em aproximadamente 1550, os jesuítas criaram as primeiras instituições esco-lares, que serviriam para formar sacerdotes e catequizar os indígenas, além da educação da elite nacional. Seu plano de atuação, o Ratio Studiorum, era totalmente in-

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fluenciado pela cultura europeia e privilegiava uma cul-tura idealizada pela Igreja Católica.

A educação pública estatal teve início na Alemanha e na França, mas não tinha o interesse de atender a classe trabalhadora. No Brasil, ela só começou a ser pensada no final do séc. XIX, mas, o debate efetivo sobre educa-ção, só passou a ser realmente feito no início do século XX, com o movimento escolanovista na década de 20, que surgiu como uma crítica à educação convencional em busca da universalização do ensino no país. Tal mo-vimento deu origem ao Manifesto dos Pioneiros da Edu-cação Nova, em 1932, que defendia a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita.

Mas, a escola não foi pensada para emancipar e edu-car a classe trabalhadora e, sim, para essas classes mais abastadas, pois os nobres viam a educação como uma forma de controle social e manutenção da estrutura vi-gente. Pois, aquele que obtivesse mais educação, estaria no topo da escala social, e embora alguns tenham luta-do para uma educação libertadora, como a proposta do Manifesto dos Pioneiros, a escola que temos hoje, ainda carrega muito desse pensamento.

A escola ainda tem muito que se reinventar, para su-prir as reais necessidades das nossas crianças, jovens e adultos, entretanto, é possível transformar esses espaços positivamente, mas para isso precisamos dar ouvidos à essas pessoas e buscar entender suas reais necessidades e organizar um espaço educativo deles e para eles. Tendo em vista todo o processo histórico apresentado até aqui, podemos perceber que o modelo de escola que temos hoje não consegue educar para a emancipação, pois se-gue um modelo padronizador, engessado e hierárquico.

A educação, em grande parte, tem sido historicamen-te e ideologicamente utilizada para a manutenção de de-sigualdades, que são elas; desigualdade de gênero, racial,

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regional e econômica, essa última, me inquieta muito, pois, as classes mais pobres já enfrentam diariamente di-versas dificuldades para sobrevivência e quando não se pensa sobre a pobreza dentro das instituições de ensino, na realidade de seus agentes, é comum ouvir e apontar jovens pobres, como seres preguiçosos, sem dedicação ao estudo, indisciplinados, jovens problemas, e com isso compreender tal situação, como determinismo da condi-ção social de cada um e não como consequência.

A ênfase na visão moralista da pobreza, traz conse-quências para a escolarização dos pobres e isso ocorre porque os esforços escolares não priorizam a garantia do direito ao conhecimento. Freire (2018, p. 96) afirma:

“Não pode haver conhecimento pois os educandos não são chamados a conhecer, mas a memorizar o conteúdo narrado pelo educador. ”

A ESCOLA DE VIGOTSKI

A escola está organizada de forma a manter a discipli-na dos estudantes, isso se dá por meio da organização do espaço físico das salas de aula, dos pátios e muros, que fazem com que a escola não dialogue com a cida-de e principalmente pelo currículo, que é totalmente fe-chado em si mesmo. Embora estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente, Art. 58. Que, “no processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísti-cos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura”, sabemos que não é assim que acontece. Os estudantes são prepara-dos geralmente, para disputar uma vaga no mercado de trabalho e, em alguns casos, para o tão sonhado vestibu-lar, reforçando a meritocracia, por meio de um currícu-

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lo cheio de conteúdos e regras que não conversam com suas realidades.

O aprender depende de necessidades autênticas e, para isso, estudantes tem que se sentir parte do processo, suas experiências devem ser levadas em consideração,

“o saber que não passa pela experiência pessoal não é sa-ber. A psicologia exige que os estudantes não aprendam apenas a perceber, mas também a reagir: acima de tudo, educar significa estabelecer novas reações, elaborar no-vas formas de conduta” (VIGOTSKI, 2003, p. 76).

A escola ideal não se difere do que temos registrado em lei no Brasil, mas, não é garantida. Ela deve ser um instrumento de inclusão social e não o contrário. Seu principal papel social deveria ser o de contribuir para a emancipação humana em sua a sua integralidade, res-peitando o tempo de cada um, suas experiências e con-cepções de vida.

A principal função de educadores no processo educa-tivo no ambiente escolar, não é passar para os estudantes todo o seu saber acumulado, mas sim, melhor organizar o espaço educativo de forma que possibilite o processo de desenvolvimento do estudante, tendo em vista que a educação se dá por meio das experiências e é deter-minada pelo ambiente. Vigotski (2003, p.:296), diz que o professor “tem de se transformar em organizador do ambiente social, que é o único fator educativo. Sempre que ele age como um simples propulsor que lota os estu-dantes de conhecimentos, pode ser substituído com êxi-to por um manual, um dicionário, um mapa ou uma ex-cursão”, seguindo essa mesma linha de raciocínio Freire (2018, p.:95) afirma que;

Desta maneira, o educador já não é o que apenas edu-ca, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que

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crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, au-toridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.

Sabendo então que a essência da educação se dá com base nas experiências e relações e que toda educação tem um caráter social para que possamos possibilitar o desenvolvimento das pessoas de forma crítica, conscien-te e democrática, é necessário inseri-las nesse contexto. A escola é um dos principais locais para alicerçar a de-mocracia, tendo em vista, que nela somos colocados em contato com pessoas desconhecidas, com opiniões di-versas e, para conseguirmos manter um ambiente social respeitoso temos que aprender a lidar com as diferenças, trabalhar em grupo, tomar decisões coletivamente, que sejam melhores para todos, além de que, toda relação deixa um pouco de si no outro.

Devemos, enquanto educadores e sociedade, possi-bilitar para nossas crianças, jovens e adultos, que são o presente e não o futuro da nação, uma escola que orga-nize a elas espaços para imaginar, criar, de forma que as combinações das experiências vividas possam resultar coisas novas. Vigotski (2009), afirma que “pouco impor-ta se o que se cria é algum objeto do mundo externo ou uma construção da mente ou do sentimento, conhecida apenas pela pessoa em que essa construção habita e se manifesta”, o que importa é o processo de se criar e o quão singular e único foi esse processo para os agentes envolvidos.

A escola deve ser um espaço de diálogo, de constru-ção coletiva, criação de saberes para seus agentes, uma educação que seja capaz de transformar os indivíduos que serão os responsáveis pela organização do meio em que vivem. Ela é o espaço onde se dá o diálogo entre os seres humanos, mediatizados pelo mundo ao redor,

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surgindo daí a necessidade de transformação do mun-do. Não devemos chamar o povo à escola para receber instrução, postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas, para participar coletivamente da consti-tuição de um saber, que vai além do saber de pura expe-riência feita, que leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transfor-mar-se em sujeito de sua própria história (FREIRE, apud SALES 2016).

O processo educativo é algo muito amplo e complexo, devemos considerar vários fatores para entendê-lo e as-sim transforma-lo. Vigotski afirma que;

Na educação não há nada passivo ou inativo. Até as coisas inanimadas, quando incorporadas ao âmbito da educação, quando adquirem um papel educativo, se tornam dinâmicas e se transformam em participantes eficazes desse processo (VIGOTSKI, 2003, p. 78).

Com isso, devemos ter consciência de que a escola é um espaço de formação extremamente importante e que toda sua forma de organização afeta seus agentes, cada um de uma forma, devido às experiências que cada um carrega. A escola deve ser um espaço onde tudo deve ser disposto com um objetivo, para um fim, por mais que este se manifeste de diferentes formas dentro de um mesmo grupo. Sabendo que a educação se dá por meio de experiências e a troca das mesmas no social, seria plausível defender que, para tal, não precisaríamos da escola; entretanto Vigotski afirma que;

Portanto, a educação pode ser definida como a influên-cia e a intervenção planejadas, adequadas ao objetivo, premeditadas, conscientes, nos processos de cresci-mento natural do organismo. Por isso, só terá caráter educativo o estabelecimento de novas reações que, em

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alguma medida, intervenham nos processos de cres-cimento e os orientem. Nem todos os novos vínculos que se fecham [formam] na criança, portanto, serão atos educativos (VIGOTSKI, 2003, p. 82).

Vigotski, então, nos mostra que a educação se mani-festa de diversas formas e em diferentes espaços, desde que organizada e planejada de forma consciente para um objetivo. Com isso, me atrevo a afirmar que o papel social da escola é o de possibilitar esse espaço organiza-do para seus estudantes, de forma amorosa, respeitosa, horizontal, que incentive a autonomia e, que tenha um currículo focado no desenvolvimento de habilidades pessoais, talentos e paixões, bem como, propor o desen-volvimento com base em situações reais, que possibili-tem a inquietude, a criação, a curiosidade, o senso crítico e que considere acima de tudo, as experiências de seus estudantes e profissionais, sem anular uma ou outra, pois só se é possível aprender um com o outro.

REFERÊNCIAS

BOMFIM, Yuri Mello Chagas. O sentido da escola: qual a função da escola para a comunidade escolar do CEAN (Centro Educacional Asa Norte)? 2015. 40 f. Monografia (Licenciatura em Pedagogia) — Universidade de Brasí-lia, Brasília, 2015.

BRASIL. Lei nº 8. 069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

BRASIL. Constituição da República Federativa do Bra-sil de 1988 Brasília: Senado Federal, 2016.

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FUJITA, Luiz. Qual foi à primeira escola? Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/gestao-es-colar/qual-foi-primeira-escola425383.shtml>. Acesso em: 28 nov. 2016.

FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. 3. Ed. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003.

_____Pedagogia do Oprimido. 66.ed.- Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.

SALES, Antônia de Jesus. A Escola Através dos Tempos. Disponível em: <http://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/a-escola-atraves-dos-tempos.htm>. Aces-so em: 03 de Maio, 2019.

SILVA, Emilly Saraiva. O Papel Social da Escola 2016. 32 f. Monografia (Licenciatura em Pedagogia) — Uni-versidade de Brasília, Brasília, 2016.

VICENTE, Nataniel Antônio. Alfabetização Espacial na Aprendizagem de Jovens e Adultos: Um diário de Aventuras. Porto Alegre: UFRGS, 2015. 191 f. Tese (Mes-trado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Ciências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.

VIGOTSKY, Lev Seminovich. . Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.

_____Semionovich. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.

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DIÁLOGOS COM OUTROS MODOS DE EDUCARBruna Lopes Lima1

[email protected]

DAS EXPERIÊNCIAS ÀS REFLEXÕES

O presente texto objetiva refletir sobre uma experiên-cia vivida pela autora, como estudante de pedagogia em exercício docente, na escola Casa de Ismael - Lar da Criança. Essa instituição é um local que auxilia no pro-cesso educativo de crianças da comunidade, atendendo-

-as no turno contrário ao da escola e que funciona como abrigo para crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social.

A partir de situações vivenciadas, enquanto educa-dora em formação, no contexto acima descrito, surgi-ram-me inquietações no que se refere à forma como se dá o processo de desenvolvimento de crianças. De que maneira esse espaço é organizado? E como tais experiên-cias poderiam influenciar na forma como cada criança vivencia esse percurso a partir de sua situação social de desenvolvimento? Entende-se, aqui, por situação social de desenvolvimento, “a condição dos modos de vida da criança em sua existência social” (VIGOTSKI, 1996 p. 264, tradução nossa).

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação.

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As visitas à casa tiveram caráter semanal. Fizeram parte de um projeto de extensão do Programa de Edu-cação Tutorial da educação, PET-Educação, cujo intuito é unir, por meio de sua atuação, pesquisa- ensino- exten-são. Todas às terças-feiras, íamos à Casa, ao encontro das crianças. Cada professor da Casa de Ismael é responsá-vel por uma oficina- de arte- de corpo e movimento, en-tre outras. O grupo do Programa de Educação Tutorial, o PET, dividia-se nas atividades educativas para participar das oficinas no “serviço de convivência e fortalecimento de vínculos”, proposta pela instituição aos estudantes.

O PET-Educação agiu ativamente na organização do espaço educativo nesse contexto, com propostas que vi-savam sair do padrão comum de escolarização, que se-rão esclarecidas a seguir. A escolarização, no sentido de mentalidade escolarizada, confunde ensino com apren-dizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência. Aceita serviços em vez de valores (IL-LICH, 2007, p. 7). Em sentido oposto a isso, organizamos diversas atividades educativas para o desenvolvimento das crianças, de modo mais respeitoso, dialogal e hori-zontalizado.

Dentre as práticas organizadas, propusemos ativida-des com músicas e movimentos corporais, que tinham por intencionalidade desenvolver uma vivência ativa, relativas à corporeidade por parte das crianças e, de in-centivar a participação delas, de modo a promover um espaço acolhedor. Com isso, permitir que as mesmas pudessem, a partir de suas próprias experiências, criar movimentos corporais diversos. Cada uma apresentaria ao final da dinâmica, o que tivesse sido desenvolvido durante a prática. Entretanto, ao final da atividade, al-guns alunos não quiseram apresentar-se.

Posteriormente, pedimos para que as crianças tiras-sem uma foto em grupo e, ao observá-la, percebi que

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uma das crianças encontrava-se de costas em todos os retratos. Essa mesma criança havia declarado que a di-nâmica não lhe “apetecera” muito, pois, segundo ela, não gostava dessa atividade, preferia estar em sala len-do histórias em quadrinhos.

Foi por meio da experiência, com essa criança, que di-versas indagações começaram a surgir para mim. Aces-sei memórias de minhas vivencias escolares, práticas e ações que eu tinha vivenciado na infância, em escolas que frequentei, minha relação com professores e amigos, acontecimentos que haviam marcado minha vida esco-lar. “Comecemos por pensar sobre nós mesmos e trate-mos de encontrar, na sua natureza do homem, algo que possa constituir o núcleo fundamental no qual se susten-te o processo de educação“ (FREIRE, 2014, p. 35).

Como estudante, passei por um processo de escolari-zação comum. A partir da segunda série do fundamental em escolas públicas, em que, apesar de vários momentos educativos não estimulantes e de conflitos relacionais, tive ótimas vivências, conheci professores que me incen-tivaram a ser uma pessoa melhor, que colaboraram com o meu crescimento e incentivaram a minha autonomia.

É impressionante notar o quanto podemos nos envol-ver nas situações quando elas no causam encantamento, e, também, quando aquilo que não nos interessa, não tem tanta relevância para nossa vida. Durante a escolariza-ção básica tive uma professora chamada Adriana que eu adorava, ela era atenciosa, afetuosa, estava sempre preo-cupada em manter o nosso interesse nas atividades, não somente nos conteúdos programáticos, mas, também nos momentos em que nos incentivava a nos reconhecermos enquanto seres humanos autênticos e ricos de possibili-dades, mesmo que esse processo tenha se dado de forma inconsciente. Posteriormente, no Ensino Fundamental e Médio, todas as matérias com as quais eu tive afinidade,

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foram as que, de alguma forma, estavam ligadas à minha boa relação com os professores. “Quando se admira um mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender o que o mestre sabe. Saber o que ele sabe passa a ser uma forma de estar com ele. Aprendo porque amo, aprendo porque admiro.” (ALVES, 2018, p. 73)

Na atual conjuntura, cursando o Ensino Superior em pedagogia na Universidade de Brasília, várias portas se abriram nesse percurso. Pude perceber ainda mais, que o processo educativo está para além desse sistema hie-rarquizado, no qual somente o professor detém o saber. Os saberes são múltiplos, não são adquiridos somente na escola, nem por um professor dizendo o que você deve ou não fazer. Os diversos tipos de conhecimentos se dão ao longo da vida e em todos os ambientes.

A partir disso, surgiram algumas reflexões que per-meiam o presente artigo: o que acontece quando você chega numa sala de aula em que os alunos não respon-dem de acordo com a sua intencionalidade educativa, como na situação relatada no início desse texto? Seria por falta de oportunização dos espaços a partir de seus interesses reais? Seria pelo fato de que os sujeitos em si-tuação de vulnerabilidades social são comumente julga-dos como incapazes? Ou, pelo preconceito racial?

Junto a essas angústias, as dúvidas mais frequentes eram: será que estou no lugar certo como educadora? Será que teria condições e recursos para lidar com esse tipo de situação? Será que saberia lidar com todos os problemas de uma sala de aula que não tem nada a ver com a “parte educativa”? O que é ser pedagogo? Até onde vai o papel do professor? Qual o papel do educa-dor frente a um aluno?

No meio do caminho, encontrei autores como Paulo Freire e Vigotski, os quais me mostraram que não bas-ta “saber dar uma aula” de um determinado assunto,

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sendo um mero expositor da disciplina. Não adianta ter somente o título de pedagogo. Muitas vezes, os estudan-tes não vão lembrar-se desses conteúdos programáticos, mas, das relações estabelecidas nesse processo. Com isso, iniciei minhas reflexões acerca do que entendo por edu-cação e qual seria o papel do professor, que será apro-fundado ao longo do texto.

DIÁLOGOS NECESSÁRIOS

As pessoas, enquanto cidadãs, possuem direitos na sociedade e estes, de alguma maneira, deveriam auxiliar e impulsionar o desenvolvimento dos seres, enquanto humanos. Existe uma enorme discrepância entre os di-reitos que deveriam ser assegurados aos cidadãos e à realidade social. As necessidades das pessoas deveriam ser cumpridas tal como consta nas leis.

Conforme a Constituição Federal de 88 (BRASIL, 1988), toda educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (Art. 205). Reforçado pelo art. 2 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, LDB, n 9. 394 96), esse princípio abriga o con-junto de pessoas e dos educandos como um universo de referências sem limitações. Assim, por exemplo, a EJA (modalidade que visa além da escolarização, à inclusão e ao resgate da cidadania e à reparação de anos de segre-gação educacional) esforça-se em prol da igualdade de acesso à educação como um bem social.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegu-rar à criança, ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig-nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma

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de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL. Redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 1988).

Como é dever do Estado assegurar absoluta priorida-de ao desenvolvimento pleno do aluno, as instituições de ensino deveriam ser valorizadas na sociedade. In-justamente, a escola e os professores não têm reconhe-cimento e o valor social devido. Estes valores não estão escritos em um quadro e nem catalogados ou classifica-dos em livros, eles são construídos cotidianamente por meio das relações.

Hanna Arendt (2005, p. 60), afirma que, “valores são bens sociais que não têm significado autônomo, mas, como outras mercadorias, existem somente na sempre fluida relatividade das relações sociais e do comercio.” Valores quantificados. Os mesmos estão ligados ao modo de existência embasados na lógica do capital, que intentam atribuir finalidade a tudo. Segundo Mézáros (2008, p. 35)

A educação institucionalizada, especialmente nos últi-mos 150 anos, serviu – no seu todo - ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal à máqui-na produtiva, em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, […] O impacto da incorrigível lógica do capital sobre a educação tem sido grande ao longo do desenvolvimento do sistema.

A desigualdade social característica do sistema ca-pitalista em que vivemos, reforça a desvalorização da educação e da má gestão do Estado no quesito escola, entre outros fatores, impossibilitando uma igualdade de oportunidades entre a população. O sistema escolari-zado atual se encontra em condições desumanizantes e

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alienantes. Este se apossa das nossas formas de estar no mundo, de tal maneira, que não se entende o ser huma-no como alguém que É, mas, como alguém que precisa

“apenas”, estar pronto para o trabalho (“cumprir um pa-pel de mão de obra”).

Isto posto, impõe-se uma lógica de fragmentação da pessoa em prol de uma racionalidade pré-determinada, desconsiderando as potencialidades dos modos de estar no mundo, quando não são de acordo com os valores do capital. Propostas de um ensino tecnicista tais como

– “não pense”; “saia da escola pronto para o mercado de trabalho”. Além disso, desqualificam as experiências não escolares dos discentes, desconsiderando pratica-mente todas as aprendizagens prévias dos mesmos.

Devemos levar em consideração que a educação sem-pre e em todas as partes teve um caráter classista, ainda que seus defensores e apóstolos não se dessem conta disso. O que acontece é que, na sociedade humana, a educação é uma função social totalmente determinada, que sempre se orienta em prol dos interesses da classe dominante, e a liberdade e independência do pequeno meio educativo artificial com relação ao grande meio social, na verdade, uma liberdade e uma independência muito relativas e condicionais, convencionais, dentro de estreitas fronteiras e limites (VIGOTSKI, 2001, p. 80).

Essa lógica classista imposta pelo sistema, não permi-te que estudantes se reconheçam como protagonistas de seu próprio desenvolvimento. A escola utiliza métodos e avaliações para tentar, prioritariamente, mensurar o desenvolvimento dos alunos. Focam na quantidade de

“absorção” de conteúdos, sem olhar para a qualidade dos processos educativos. “Para a educação atual não é tão importante ensinar certa quantidade de conhecimen-

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tos, mas educar com aptidão de adquirir esses conheci-mentos e valer-se deles” (VIGOTSKI, 2001, p. 296).

É preciso, como educadores, perceber a educação, os professores e as formas de que modo os espaços educa-tivos são organizados tem despotencializado os alunos, para então buscar meios possibilitar o desenvolvimento, de maneira que integrem tanto o aluno quanto o edu-cador. Por conseguinte, faz-se também necessário, pen-sar uma educação embasada em outros valores que não sejam desrespeitosos, de extrema individualidade, indi-ferença e competitividade. Como afirma Illich (2007, p. 42) “os valores institucionalizados que a escola inculca são valores quantificados. A escola inicia os jovens num mundo onde tudo pode ser medido.” Daí a legitimação de um discurso de categorização dos saberes, em que as pessoas tomam pra si que os valores podem ser atingi-dos e medidos, dispondo-se a aceitar qualquer espécie de hierarquização.

SOBRE EDUCAR E SER PROFESSOR

As instituições de ensino devem ser espaços organi-zados por todos os profissionais, mas, considerando o papel do professor como o principal organizador do es-paço educativo, sua intencionalidade deve ser a de pro-porcionar atividades que possibilitem o desenvolvimen-to de estudantes, “esse desenvolvimento não abrange somente o domínio de técnicas por si mesmas. Envolve a consciência de si, do mundo, e de si no mundo” (PE-DERIVA, 2018. pp. 1-7).

Para Vigotski, a educação escolar deveria ser estru-turada em bases colaborativas e experienciais e, ainda, possibilitar a apropriação das ferramentas e signos cul-turais, por meio do trabalho (como atividade) para auto-

-regulação da conduta. “A educação é realizada através

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da própria experiência do aluno, que é totalmente deter-minada pelo ambiente; a função do professor se reduz a organização e a regulação do ambiente.” (VIGOTSKI, 2001, p77).

A perspectiva histórico-cultural permite o diálogo sobre questões educativas, tais como formas de apri-moramento de educadores, com a intencionalidade de instigar estudantes a se perceberem como coautores de seu crescimento e, a partir disto, possibilitar experiên-cias no decorrer do processo de empoderamento de si. A consciência como ferramenta para a autoeducação é a propriedade de regular o próprio comportamento. Para Vigotski

(…) esse papel vai se anulando cada vez mais e é substi-tuído de todas as maneiras possíveis pela energia ativa do próprio aluno, que deve buscar os conhecimentos, buscá-los sozinhos, mesmo quando os recebe do pro-fessor, sem deglutir o alimento que este lhe oferece (VI-GOTSKI. 2001. p. 296).

Espera-se que professores vejam a possibilidade de desenvolvimento nesses seres, no desenvolvimento completo de potência que está intrínseca no ser huma-no. A missão da educação, para Pederiva (2018), é “abrir portas e janelas”. Uma educação na liberdade, com liber-dade, para a liberdade. O caminho para a consciência é o caminho para a liberdade. Se libertar das formas engessadas de ver o mundo. Quando se é livre, a sua liberdade é atuante.

É preciso desescolarizar. Abrir as portas da escola e to-dos os espaços possíveis como espaços livres, de instru-ção, de união de comunidade e afins, de autenticidade, para partilhar práticas e conhecimentos. É preciso que aquilo que se chama escola prime pela vontade de cada

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um, pela liberdade e responsabilidade, pela ética, pelo diálogo, pela criação, pelo compartilhar. É preciso de-sierarquisar, descurricularizar, despadronizar, praticar conhecendo e conhecer praticando, aqui e agora (PE-DERIVA, 2013, p. 153).

Deve-se pensar em um espaço educativo em que o professor proporcione situações e atividades em que so-mos livres porque somos seres relacionais. Liberdade é existir em relação. É falsa a ideia de liberdade de fazer qualquer “coisismo”. Liberdade junto com uma autori-dade sem autoritarismo. Como afirma Vigotski (2004, p. 77), a educação acontece através da própria experiência, que é totalmente estabelecida pelo ambiente; “a função do professor se reduz à organização e à regulação de tal ambiente”. “A vida educa melhor que a escola, façamos a criança mergulhar no grandioso fluxo da vida e pode-mos estar seguros de antemão que esse modo de educar produzirá um homem firme e apto para enfrentar a vi-da”(VIGOTSKI. 2004 p. 68).

REFLEXÕES SOBRE TRANSFORMAÇÃO

“Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é edu-cação sem refletir sobre o próprio homem” (FREIRE, p. 33 2014). É necessário que tenhamos um olhar abran-gente ao estar de frente com outro ser humano, não fo-car nas limitações, mas dar condições de possibilidades para outras formas de educação. O ser humano é ilimi-tado em suas possibilidades de atuar e transformar, as pessoas são um mundo de oportunidades. É preciso ter sensibilidade para entender o ser humano enquanto ser integral, único, de experiências únicas e irrepetíveis. Um Ser humano indissociável da natureza e que se desen-volve através das relações sociais constituídas na cultura

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(BARROS; PEQUENO; PEDERIVA, 2019). É a unidade das sínteses humanas, compreendendida não como cor-po e mente, mas unidade corpo-mente, afeto-intelecto. Segundo Paulo Freire (2014, p. 86) “se não houvesse essa integração, que é uma característica das relações do ho-mem e que se aperfeiçoa na medida em que se faz crítico, seria apenas um ser acomodado e, então, nem a história nem a cultura – seus domínios- teriam sentido”.

As diferentes formas de educadores se posicionarem frente à educandos, refletirão no desenvolvimento de sua personalidade. Os modos como o educador tratam os seus alunos deixam marcas. O ser humano está em constante mudança e desenvolvimento. À medida que o professor vai criando relações com seus educandos, am-bos vão transformando suas vidas.

Entretanto, é difícil perceber-se como autor do pró-prio caminho de formação, visto que temos a liberdade podada em nossos processos educativos e em diferentes espaços, pois, passamos a vida inteira recebendo ordens e reproduzindo o discurso do que nos é imposto na es-cola e em outros espaços educativos. “Não basta ser um professor inspirado, porque nem sempre essa inspiração chega ao aluno. Seria melhor fazer com que os alunos se entusiasmem por si mesmos” (VIGOTSKI, 2001, p. 299).

O processo educativo é único, singular para cada ser humano, depende das experiências vivenciadas, de coi-sas que ficaram marcadas nas pessoas e no desabrochar de inquietações e questionamentos, para assim, desen-volvermos o nosso posicionamento frente ao mundo e às pessoas. “Em suma, só a vida educa” (VIGOTSKI, 2001, p. 300).

É libertador quando a busca de conhecimento apro-funda o olhar sobre o ser humano e nos transforma a ponto de mudar a nossa forma de agir.

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A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é ina-cabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição. A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém (FREIRE, 2014 p. 34).

Acredito plenamente em um modelo de educação mais afetuoso, onde exista empatia com os limites de cada um. Acredito no ensinar com amor, com cuidado e responsabilidade. Para os corpos que tiveram sua sin-gularidade, sensibilidades e liberdade tolhidas, o afeto vai ser sempre um ato revolucionário. Dito isso, apro-prio-me das palavras de Paulo Freire (2017, p. 45), para frisar a importância da reeducação, que considero fun-damental no processo de desenvolvimento docente, pois,

“não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai gerando coragem.”.

Diante destas questões, os professores deveriam fazer o exercício de perceber as diferenças entre seus estudan-tes e tentar organizar o ambiente educativo de maneira a atender as necessidades específicas de cada um. Para isso, é necessário ter um olhar sensível e atento para as crianças cuja identidade ainda estão sendo formadas. O direcionamento para o desenvolvimento da personali-dade da criança deve ser com a intenção de formar pes-soas amorosas e social e humanamente empáticas.

É importante que o ambiente e as atividades educa-tivas tenham sentido positivo para àqueles que os vi-venciam. Por fim, não adianta memorizar ou querer que outras pessoas decorem coisas que não fazem sentido. Que apenas memorizem. Como diz Rubem Alves (2018, p. 76), “o que foi realmente aprendido é aquilo que so-

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breviveu à ação purificadora do esquecimento. O apren-dido é aquilo que fica depois que o esquecimento fez seu trabalho”.

Após o diálogo com essas outras formas de educar, um interesse genuíno pela educação nasceu em mim. Possibilitou-me uma reflexão profunda sobre os meus posicionamentos e atitudes, não somente ao estar de frente a uma criança, mas convidou-me a estar atenta a regulação de meu comportamento frente a qualquer outro Ser humano.

Apesar das angústias que foram geradas a partir da consciência sobre o ato de educar, gostaria de reiterar que isso é um exercício diário de coerência, pois, nin-guém nasce pronto, como donos de uma verdade ou sa-ber superior aos outros, não se pode mudar do dia para a noite. Mas, na prática cotidiana, vamos percebendo e encontrando caminhos para transformar de modo cria-dor o que está ao nosso alcance, rumo aquilo que alme-jamos ser. Educadores.

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. A educação dos sentidos: conversas sobre a aprendizagem e a vida / Rubem Alves. – São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradu-ção Mauro W. Barbosa. – São Paulo: Perspectiva, 2005.

BARROS, Daniela; PEQUENO, Saulo; PEDERIVA, Patrí-cia Lima Martins. Educação na Tradição Oral de Matrix Africana: A constituição humana pela transmissão oral de saberes tradicionais – um estudo histórico-cultural. Curitiba: Appris, 2019.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Bra-sil. Brasília: Senado Federal, 1988.

_____Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional. LDBEN (Lei n 9. 394/96). Brasília, 20 de Dezembro de 1996.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 36ª Ed. Rio de Ja-neiro/ São Paulo: Paz e Terra, 2014.

_____Pedagogia da Autonomia. Ed. 2017.

ILLICH, Ivan. Sociedade Desescolarizada. Tradução: Luciana Reis. Porto Alegre: Ed. Deriva, 2007.

MÉZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução: Isa Tavares. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

PEDERIVA, Patrícia, Lima Martins A institucionalização escolarizada da atividade musical. In: PEDERIVA, Patrí-cia; TUNES, Elizabeth. Da atividade musical e sua ex-pressão psicológica. Curitiba: Prismas, 2013.

_____. Educação Musical e Emancipação. Em: ANAIS, IV Encuentro hacia una pedagogia emancipatoria em nues-tra América, 2018. p. 1/7. Disponível em:> https://pe-dagogiaemancipatoria.wordpress/page/2.

VIGOTSKI, Lev Semionovich. Obras Escogidas IV. Vi-sor: Madrid, 1996.

_____Psicologia Pedagógica. edição comentada. Tradu-ção: Não informado. São Paulo: Artmed, 2001.

_____Psicologia Pedagógica. Tradução: Paulo Bezerra. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONALLetícia Cardoso Rosas1

[email protected]

Este artigo surgiu a partir de meu Trabalho de Con-clusão de Curso, escrito em 2018 na Faculdade de Edu-cação, na Universidade de Brasília, no curso de Pedago-gia, com a orientação da professora Patrícia Pederiva a partir de minhas vivencias proporcionadas pelo grupo PET-Educação.

Crianças em situação de acolhimento institucional, tema deste trabalho, são àquelas que, em algum momen-to, tiveram seus direitos previstos em lei desrespeitados e, dessa maneira, não lhes foi possível algum tipo de re-integração com suas famílias

Tive a oportunidade de vivenciar a rotina de um lar de acolhimento, localizado em Brasília, conhecido como Casa de Ismael – Lar da Criança. A casa de Ismael presta serviços destinados às crianças, adolescentes e famílias que estão em situação de vulnerabilidade. O lar possui moradias para estas crianças e adolescentes até que com-

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação.

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pletem 18 anos, supervisionadas por mães sociais; ofici-nas em turno contrário a atividade escolar e uma escola de ensino fundamental.

Minhas observações, ocorridas nessa instituição, se deram no serviço de convivência, que propõe oficinas socioeducativas relacionadas a arte, saúde e higiene, cor-po e movimento, entre outras, em turno contrário às ati-vidades escolares, para crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, em que algumas moram na instituição e outras não.

Depois de alguns meses de observação nesse contexto, na condição de estagiária do curso de Pedagogia, come-cei a refletir e a perceber como àquelas crianças são “es-quecidas” pela sociedade e, como, por exemplo, quando ocorrem debates sobre políticas públicas na educação, de modo geral, crianças de lares institucionais não são lembradas nem incluídas nessas discussões.

Quando se trata de crianças em vulnerabilidade, leva-mos sua condição social mais em conta do que a pessoa, o ser que está ali, para além do estigma, porém, essas crianças são muito mais do que números ou pesquisas.

Ser criança nessa situação é muito além e mais complexo do que apenas uma condição social, elas são seres pensantes, estão em desenvolvimento a todo o momento, chegaram há pouco tempo no mundo, mas já se fazem pertencentes dele. Estas que me refiro e, que estão nessa situação de instabilidade, e que moram em lares de acolhimento, então, possuem um lugar social inferiorizado, e, dessa forma, acabam sendo esquecidas pela sociedade, sendo colocadas apenas dentro de um sistema que para muitas não funciona e, para, além dis-so, não possuem local de fala.

Pelas minhas vivencias, no contexto citado, pude per-ceber que muitas delas, acabam crescendo revoltadas com uma situação na qual nunca se sentiram ampara-das e pertencentes ao local que são colocadas para morar

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ou estudar e que nunca puderam ou não sabiam como questionar, por sempre se sentirem sozinhas e sem saber a quem recorrer.

Isso se tornava bastante perceptível quando chegáva-mos à instituição e víamos que os trabalhos que fizemos com as crianças, enquanto estudantes em estágio, na semana seguinte, já haviam sido destruídos, de alguma forma, por alguns dos que moravam lá. Nós entendía-mos que aquilo era uma forma de expressarem toda a sua raiva, ou, talvez, apenas uma forma dessas crianças chamarem a atenção por estarem se sentindo esquecidas.

De modo geral, se pararmos para refletir sobre a in-serção das crianças no ambiente escolar, percebe-se que para muitas, o primeiro dia de aula é terrível, e pautado por choros e desesperos. Estas são retiradas do conforto de seus lares onde apenas faces conhecidas as rodeiam, e são levadas para um ambiente totalmente diferente, ou seja, retiradas do colo de seus responsáveis e colocadas numa sala com diversos outros rostos e com um adulto que não conhecem, que as recebem enquanto seus res-ponsáveis vão embora. Esta é uma experiência muito forte, uma troca de realidade muito chocante de um dia para o outro, e que aos poucos, estas vão se acostuman-do e começando a entender que aquilo agora faz parte de suas rotinas.

Mas, como seria essa experiência com uma criança que já está acostumada a mudar de ambientes por não ter um local fixo para ficar, não ter rostos familiares e conhecidos sempre por perto? Como esta adaptação se faz? Qual o sentido disso para estas crianças, que não possuem responsáveis, para explicar que logo mais esta-rão de volta para leva-la para seu lar?

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CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E A ESCOLA

De acordo com uma pesquisa quantitativa/qualitati-va ocorrida no Distrito Federal, feita pelas professoras Maria Aparecida Penso e Liana Fortunato Costa (2015), sobre a situação das crianças em lares de acolhimento, foram identificados motivos que levam as crianças e adolescentes a tais ambientes.

Os que ocorreram com maior incidência foram: maus tratos (19,8%), vivência de rua (18,5%) e negligencia (17,07%), abandono pelos pais ou responsáveis (8,1%), falta de condições materiais (7,7%), pais ou responsá-veis alcoolistas ou dependentes químicos (5,6%), abu-so, exploração ou suspeita de abuso/exploração sexual (4%), exploração do trabalho infanto-juvenil pelo tráfi-co ou mendicância (2%) (PENSO; COSTA, 2015, p. 27).

A pesquisa também relatou que, dentre 117 famílias dessas crianças, a maioria vinha de lares localizados nas cidades satélites ou entorno do Distrito Federal (DF), lo-cais onde se encontram os maiores índices de pobreza e desigualdades sociais em que em 42,8% constavam ape-nas as mães como responsáveis pela guarda da criança. Apenas duas famílias eram de Brasília.

A condição de ser uma criança que vive em abrigo, independentemente de qual porcentagem ela se encai-xa, faz com que o abandono marque sua vida e a rotule frente a uma sociedade que a marca com um sentimento de pena por ser alguém que já tem o seu caminho fomen-tado pelo fracasso, como afirma Buffa e Teixeira (2011).

A escola deveria ser um ambiente seguro e acolhedor, pensado para que tais crianças e adolescentes tenham

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a noção de que são, além de como a população as julga, como seres de piedade, e que não possuem sua trajetória fracassada de antemão. Porém, muitas vezes, a institui-ção visa trabalhar apenas com alunos padronizados pelo estigma do sucesso, esquecendo-se da diversidade so-cial, que se torna menos atrativa para os alunos que não conseguem se identificar com tal modelo, como afirma Tunes (2011): a regra máxima da escola é uniformizar. A autora, também afirma que a escola possui o ideal de controle social do aprendizado, ela requer a padroniza-ção do processo de aprender colocando-o de forma sub-missa ao processo de ensinar, e nesse sentido:

Devemos levar em consideração que a educação sempre e em todas partes teve um caráter classista, ainda que seus defensores e apóstolos não se dessem conta disso. O que acontece é que, na sociedade humana, a educa-ção é uma função social totalmente determinada, que sempre se orienta em prol dos interesses da classe domi-nante, e a liberdade e independência do pequeno meio educativo artificial com relação ao grande meio social são, na verdade, uma liberdade e uma independência muito relativas e condicionais, convencionais, dentro de estreitas fronteiras e limites (VIGOTSKI, 2003 p. 80).

Crianças que moram em abrigos são marginalizadas pela sociedade por estarem em situação de abandono, o que faz com que sofram bullying de outras crianças ape-nas por viverem em tais condições.

Na casa de Ismael as crianças abrigadas, em turno contrário das atividades escolares, participam das ofi-cinas oferecidas pela instituição juntamente com outras crianças que possuem família e vão embora ao final do dia, é perceptível como as crianças que não moram na casa consciente e inconscientemente marginalizam as que moram.

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Quando algo na casa não estava em seu devido lugar, ou alguma atividade que tínhamos deixado no ambiente aparecia destruída, as crianças rapidamente apontavam que eram os residentes da casa os culpados por isso, e no momento em que sugeríamos que a atividade rea-lizada ficasse exposta, as próprias crianças indagavam o porquê, se já tinham a certeza que os moradores não respeitariam. Assim, algumas preferiam levar para casa para ter a garantia que sua atividade não seria violada, por muitas vezes não conhecerem as circunstancias que as crianças em situação de abandono vivem.

Buffa et al. (2011), apontam que a escola pode ser um espaço tanto de construção como de desconstrução de preconceito acerca da criança abrigada. Visto isso, espera-

-se que os professores saibam quem são seus alunos, que situação os levou ao afastamento de sua família e como, a exemplo de um plano de aula, pode deixá-los mais con-fortáveis e se sentindo mais próximo das outras crianças, para que assim não sejam excluídos por outros alunos.

A experiência pessoal de cada aluno é a base para um bom trabalho pedagógico, um dos maiores equívocos da escola é querer a passividade do aluno e menosprezar suas experiências. Sendo assim, a educação não deve ser feita para que o professor eduque alguém, mas sim, para que este ser eduque a si mesmo, como afirma Vi-gotski (2003).

Quando a escola, então, ignora a história desses alu-nos por se tratarem de uma minoria em sala de aula, e por querer que todos se adequem ao padrão ali estabele-cido, isso só faz com que cada vez mais, tais crianças se sintam menos motivadas e não pertencentes ao ambien-te escolar, que deveria ser um local seguro e não retratar e/ou reforçar comportamentos que levam essas crianças a situações de desconforto e humilhação, por ser um se-

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gundo ambiente que ela frequenta e passa uma grande parte de seus dias.

A escola deve ser um ambiente onde a singularida-de, a experiência, o cotidiano, a cultura e a vivência de cada aluno faça parte de seu desenvolvimento e da sua integração com a sociedade para que ela mesma possa reconhecer e respeitar a sua realidade social, como afir-ma Martins (2017).

Quando se afirma a existência de invisibilidade das crianças em situação de acolhimento institucional, bus-ca-se evidenciar uma categoria específica de crianças que tem sido pouco ou nada investigada no contexto da educação, apesar de se constituir em relação a estas, numa ação social educativa de extrema relevância, uma vez que, a situação de vulnerabilidade social na qual se encontram e que se tem hoje, é comum às próprias con-cepções de infância e criança (MARTINS, 2017, p. 16).

A educação, cada vez mais, poda esses seres para que se expressem menos colocando-os em um lugar de inferioridade social, o que faz com que um padrão de criança seja estabelecido como o supostamente correto. Dessa maneira, quando crianças que se comportam de modo não adequado a este modelo, são taxadas como

“problemáticas” e não adequadas ao sistema, isso incita a exclusão dessas crianças na escola e faz com que cada vez menos queiram frequentar tal ambiente.

O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, en-quanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conheci-mento como processos de busca (FREIRE, 1987, p. 34).

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Com essas recriminações que as crianças sofrem por serem tidas como “problemas”, a escola não consegue garantir sua permanência na instituição a medida que elas vão crescendo, por não se sentirem pertencentes.

De acordo com Martins (2017), isso acontece pela ine-ficiência do sistema público que garante todas as formas de educação escolar para essas crianças, mas, que não consegue avançar no que se diz respeito à permanência delas na instituição. Assim, o número de reprovação e evasão destes cidadãos apenas aumenta de modo expo-nencial, o que leva a conclusão, que, crianças que se en-contram em situação de vulnerabilidade social poderão se tornar adolescentes nesta mesma situação se conti-nuarem sendo ignoradas pelo sistema educativo.

A escola foi pensada e planejada para atender alunos com homogeneidade social, econômica e cultural. As-sim, no Brasil, desestruturou-se a partir da segunda me-tade do século XX, ao ser implantada a política de ex-pansão educacional, a qual trouxe para as salas de aula os alunos das camadas populares, sem que houvesse uma formação docente pertinente para atender essa nova demanda. Dessa forma, a massificação da edu-cação alocou um contingente heterogêneo de alunos, cujo perfil e hábitos não correspondiam àqueles para os quais a instituição mostrava-se preparada, ocasionando um “curto-circuito” em todo o campo das relações insti-tucionais e vários mecanismos defensivos dos docentes (PENSO & COSTA, 2015, p. 155).

A escola, então, coloca a culpa dessas evasões e re-provações em seus próprios alunos por estes não conse-guirem se adequar ao padrão na qual ela prega, Como afirma Penso e Costa (2015), citando Aquino e Legnani, afirmam que, na verdade, a instituição é que deveria se adequar a esses educandos e, assim, mudar suas formas de ensino que insistem em transmitir conhecimento

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e padronizar seus alunos, ignorando toda a sua histó-ria de vida.

Buffa et all. (2011), em pesquisa realizada em uma instituição que abriga crianças e adolescentes, localiza-da no interior de São Paulo, relatou diversas atitudes de exclusão das crianças na escola, tanto por parte dos edu-candos, quanto dos professores e diretores. Nela, os pró-prios coordenadores do abrigo, em suas falas, denuncia-ram autoridades da escola que não queriam crianças em tal situação, frequentando o ambiente escolar. Eles não acreditavam no potencial desses alunos e, dessa forma, o abrigo acabava compactuando com tais atitudes e muda a criança de instituição, atitude que dificulta cada vez mais o processo de adaptação da criança com o contexto educacional.

Da mesma forma que o abrigo, a escola deve ser com-preendida como um contexto desenvolvimental im-portante para todas as crianças, uma vez que este é um local em que a criança ingressa cada vez mais cedo, pas-sa grande parte do seu dia e no qual deveria adquirir instrumentos, sendo, assim, uma espécie de passaporte, baseado na obtenção, atualização e uso de conhecimen-tos e valores (Buffa, et all., 2011, p. 175).

No acolhimento institucional as crianças vivem di-versas situações nas quais acabam podendo despertar sua ansiedade, por terem uma vida muito mutável, com o afastamento de sua família, entrada e saída de outras crianças no abrigo, entre outras situações imprevisíveis. Por isso, o diálogo é importante para que elas entendam a situação em que se encontram e terem a abertura de falar sobre o que não entendem como afirma Rosetti-Fer-reira et al. (2011).

Na casa de Ismael, observando as atividades, pude perceber diversas vezes como o professor que acompa-

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nhei nas dinâmicas educativas priorizava o diálogo na hora de repreender alguma criança e que, sem precisar gritar ou castigá-las, ele era ouvido e respeitado.

Esse tratamento é diferente de alguns ambientes que cultivam gritos ou castigos, assim como diz Martins (2017), citando Vigotski, que é pela palavra que a crian-ça consegue expressar toda sua vivencia e invisibilidade no mundo “a palavra expressa, denuncia todo o mundo interior infantil, onde estão intrínsecas suas experiências e o seu cotidiano.”.

As crianças em situação de acolhimento institucional precisam de mais visibilidade, como seres humanos res-peitáveis, pleno de direitos em seus processos de desen-volvimento educativo, para que, assim, novas políticas pedagógicas surjam e façam com que elas se sintam mais pertencentes ao ambiente na qual precisam frequentar.

O preconceito que uma criança em acolhimento sofre em sua vida, mesmo que não haja intenção, precisa ser desconstruído dentro da sociedade. O ambiente escolar é um dos locais de onde essa desconstrução pode e deve começar acontecer. As crianças e adolescentes nesse con-texto, também precisam tirar a carga que trazem nas costas por conta deste rotulo que lhes é colocado, desde quando foram institucionalmente destinadas a morar em um abrigo.

A partir da vivência e da história de cada um é pos-sível transformar a escola em um ambiente agregador para todos, um local onde todos poderão ser quem são. A regra da escola não deveria ser de padronizar. Nin-guém é igual a ninguém, então, porque todos devem dar a mesma resposta, precisam ter a mesma opinião do professor, devem se vestir igual e não podem questionar o que lhes foi passado sem que sejam taxados como alu-nos problema?

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A escola precisa ser um ambiente em que todos pos-sam ser como realmente são, a partir do momento que padrões de aceitação forem descontruídos, alunos ti-dos como os invisíveis pela sociedade, terão voz e po-derão assumir sem ter vergonha de onde vieram, das suas histórias de vida e poderão se sentir confortáveis para conversar e expor suas insatisfações sem que preci-sem expor essas frustrações de maneiras mais violentas, por exemplo.

REFERÊNCIAS

BUFFA, Carolina Gobato; TEIXEIRA, Sueli Cristina de Pauli. “Crianças que estão em abrigo e a escola: o univer-so das corujinhas” in: O acolhimento institucional na perspectiva da criança. São Paulo: Hucitec, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

MARTINS, Maria Aparecida Camarano. FALAS DA INFÂNCIA: a invisibilidade das crianças em situação de acolhimento institucional no contexto de Educação. Projeto de Pesquisa apresentado ao Programa de Pós-

-Graduação para o doutorado. Universidade de Brasília, Brasília, 2017.

PENSO, Maria Aparecida; COSTA, Liana Fortunato. Infância e adolescência abandonadas: acolhimento institucional no Distrito Federal. Jundiaí, Paco Edito-rial, 2015.

ROSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde; SERRANO, Maria Aparecida; DE ALMEIDA, Ivy Gonçalves. O acolhimen-

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to institucional na perspectiva da criança. São Paulo: Hucitec, 2011.

TUNES, Elizabeth. Sem escola, sem documento. Rio de Janeiro: E- papers, 2011.

VIGOTSKI, Lev. Semionovich. Psicologia Pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.

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OS ENCANTOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOSEllen Dantas1

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Quem me dera ser um passarinho, esse passarinho seria então de corpo inteiro ao vento, mas se passarinho fosse, me encontraria “borocochô” no ninho a matutar como todos os dias percebo que estamos cortando as asas daqueles com quem deveríamos estar voando.

Vivemos em um mundo de “deus do céu” que fere sem pedir licença, que massacra das mais diferentes for-mas, mas neste momento quero falar de um espaço que muito me intriga, a escola. Vamos então voar até ela.

Podemos pensar na escola das mais diferentes formas, conseguimos nos restringir a voar apenas pela estrutu-ra física, com salas de aula, carteiras propositalmente dispostas de uma maneira que limita os olhares, com quadros destinados as “verdades” daqueles que estão à sua frente e até vislumbrar a falta de estrutura advindo do descaso e omissão do Estado, podemos nos limitar a passear por uma escola que não passa de um lugar destinados a “ensinar” conteúdos pré determinados por um currículo, ou quem sabe nos aventuremos a voar em

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universi-dade de Brasília, membro do grupo PET-Educação e amante de jujubas.

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uma escola que, como diz Elizabeth Tunes (2011), carre-ga o ideal do controle social da aprendizagem.

Mas, dado que a aprendizagem tem um caráter social, isto é, aprende-se com o outro, afigura-se, então, uma possibilidade de exercício indireto de controle: a regula-mentação do ensino como forma de regular a aprendiza-gem. Então escolhe-se o que ensinar, como, quando, por quanto tempo e quem vai ensinar (TUNES, 2011, p. 9).

Desde sua origem a escola é uma condição de desen-raizamento social e de exclusão. Ela promove a exclusão, pois certifica a aptidão e inaptidão. (ELIZABETH TU-NES, 2011, p. 73) Gostaria de afirmar que a escola que temos hoje no seu formato pragmático e limitador, que visa diplomas e “retornos imediatos” ao mercado não tem contribuído para o descaso com que somos tratados, todo meu corpo gostaria de gritar que a escola é um lugar livre de preconceitos e exclusão, mas nos modos pelos quais ela se encontra acaba por ser uma terra sem ventos que distância todos os sonhadores que a procuram.

Por muito tempo, fui prisioneira da escola, meu can-to era ignorado, silenciado e com frequência minhas asas eram podadas, por vezes pensei que a escola e todo pro-cesso de escolarização não cabiam em mim, afinal, sou fei-ta de sonhos e sonhos não caminham em terras sem vento.

No meio dessa cruel realidade em que a educação está inserida e desse silenciamento dos cantos de quem a compõe quero convidar a voar conosco, a Educação de Jovens e Adultos, a EJA, que é permeada por muitos encantos e potencialidade, mas que infelizmente não ad-mirados pelos olhos desatentos de nossa sociedade.

A princípio não trago a beleza e o encanto que a EJA nos envolve, trago o endurecimento do qual ela nasce e como mesmo tendo a duros modos conquistado espaço na sociedade ainda é vista com olhos de desprezo, des-

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respeito, desvalorização e subestimação. Esse olhar tem colocado em nossas mãos tesouras afiadas.

O PESADELO DA EXCLUSÃO

“É no canto dos excluídos que antevejo a esperança de dias melhores.”

(Ellen Dantas)

Como pode passarinho que não canta e voa baixo ser admirado? É com esse questionamento que meu coração é enlaçado quando penso nas pessoas a quem a EJA é destinada, esses nossos companheiros de voo são marca-dos pelo silenciamento, rejeição e exclusão. Eles sabem o que é sentir em si a realidade da exclusão. Reis (2011).

Excluídos desse mundo que classifica saberes, quan-tifica o conhecimento e inválida aqueles que não passa-ram por um processo de escolarização, Jovens e Adultos são cobrados a buscar a escolarização, essa é vendida como “pote de ouro no final do arco-íris.”

Como as pessoas que acreditam que a escolarização ocupa lugar de hegemonia na corrida pela realização do sonho de um futuro promissor e de uma vida digna (ELIZABETH TUNES, 2011, p. 15) podem receber quem em algum momento da vida teve seu direito à Educa-ção negado? Então, elas são vistas como incapazes de sonhar? Nada de um futuro promissor ou vida digna para elas?

Se a inserção e permanência nesse tal processo de es-colarização é o que o faz ser admirado, validado e ou-vido pela sociedade, então, que seja, é com esperança, timidez, num voo calmo e sem alardes que os excluídos voam até a escola, colocando a escolarização em um pa-tamar de solução salvacionista e como única saída.

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CAMINHEI MUITO PARA CHEGAR ATÉ AQUI

Escuto urubus aos quatro cantos, “Educação para to-dos.” Em voos rasantes e sincronizados eles espreitam os sonhos quase falecidos daqueles que ousaram retor-nar à escola.

Ao final de mais um dia o encontro com a Educação de Jovens e adultos, essa que nasce da luta e embates da-queles que acreditaram que era possível, aqui nada foi dado, foi tudo conquistado, a EJA resiste e vive como modalidade da Educação Básica2 que segundo a LDB: a seção V no artigo 37 inciso 1º

Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os es-tudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do aluna-do, seus interesses, condições de vida e de trabalho, me-diante cursos e exames (BRASIL, 2004, p. 30).

A EJA que divulga oportunidades educacionais é a mesma que se limita em proposições com a finalida-de em sua grande maioria de capacitar pessoas para o mercado, numa visão capitalista, desconsiderando total-mente os interesses e experiências dos que se sujeitaram e se renderam aos processos educacionais.

Hoje encontramos uma EJA sob as guardas da educa-ção profissional, Educação para o trabalho os aguardam, gritam os urubus que a espreita, Adriana de Almeida e Ângela Maria Corso citando Di Pierre (2015) conta que:

2 Isso só aconteceu anos depois da LDB 9394/96 com o parecer Nº 11/2000.

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Com base a análise das políticas públicas em vigor nos últimos dez anos, apreende-se com a EJA vem adqui-rindo uma nova identidade, marcada pela qualificação profissional em alguns casos, pela oferta de cursos ali-geirados de curta duração e centralizados nos segmen-tos mais vitimizados pelo atual modelo de acumulação do capital (ALMEIDA, CORSO, 2015, p. 1285).

A EJA se estruturou da necessidade de capacitar as pessoas para suprir a necessidade da indústria. Vigots-ki (2003) reafirma que na indústria contemporânea cada vez mais o trabalhador se transformam no organizador da produção, em diretor dessa indústria. Sem ter a opor-tunidade de consumir de forma justa dessa indústria.

Podemos encontrar hoje na EJA uma reprodução de conteúdo, um método de alfabetização falido e infanti-lizado, muitas vezes advinda de um despreparo da uni-versidade em proporcionar aos estudantes de pedagogia um contato maior com a educação de jovens e adultos e a realidade que a circunda, além da falta de material di-dático que contribua para desenvolvimento dos jovens e adultos.

Nos diversos contextos que envolvem a EJA seu tra-jeto até a escola é marcado por um caminho árduo, onde muitas vezes está condicionado a uma sala de aula para obter um conhecimento sistematizado atravessa as ne-cessidades da sua própria subsistência, a troca do lápis por uma inchada é questão de se manter vivo e cuidar de toda uma família, não é mais uma questão de escolha, mas assim como se manter vivo e o que tira essas pes-soas da escola, pode ser o mesmo que as coloca.

É sobre a vigilância de urubus carniceiros que a EJA se constitui uma modalidade negligenciada pela socie-dade, que sofre ataques de governos que impossibilitam seu avanço, moldada para seguir um padrão capitalista que insiste em segmentar a educação de acordo com as

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classes sociais para manter os de classe menos favore-cidas exatamente onde eles estão: servindo ao mercado e sendo devorado pelos opressores. Consequentemente quando formulamos de forma científica os objetivos da educação, estamos estabelecendo de forma concreta e exata o sistema de conduta que queremos plasmar em nossa educação (VIGOTSKI, 2003).

OS ENCANTOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

“Todo mundo quer voar... (Paulinho Pedra Azul, 1996)

Sebastião, Maria da Conceição, Zezinho, Juarez, João, Inês, Maria de Jesus eu vou cantando um, dois, três... Nomes sem rostos, só vejo uma expressão cansa-da “desses tais que não sabem nada”, eles vão e vem girando essa grande máquina, têm quem os chamemos de burros, tem quem afirma que cultura é o que lhes fal-ta, mas eu digo sem pestanejar, que Sebastião, Maria da Conceição, Zezinho, Juarez, João, Inês, Maria de Jesus têm muito a nos ensinar.

Aos que resistiram ao voo e deixaram afetar-se, con-vido-os a sonhar com uma educação que segue o vento frio de uma manhã de primavera e que traz aos corações a esperança de um bom dia, convido-os a se desprende-rem de saberes sistematizados e se aproximarem da vida em sua essência, instigo a pensar na educação a partir de nossas experiências e vivências já adquiridas.

Portanto o fator decisivo do comportamento humano não é só o fato biológico, mas também o social, que con-fere componentes totalmente novos à conduta do ser humano. A experiência humana não é apenas o com-

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portamento de um animal que adotou a posição verti-cal, mas é uma função complexa de toda a experiencia social da humanidade e de seus diferentes grupos (VI-GOTSKI, 2003, p. 63).

Que possamos conhecer nossos companheiros de voo, suas histórias, seus anseios, vamos (re)conhecer o olhar daqueles que nos rodeiam, abraçar e sensibilizar-se com seus “causos” e quem sabe compartilhar esperanças, para que deixemos de voar sozinhos. Quando falamos da Educação de Jovens e Adultos falamos de pessoas que já experienciaram muito da vida, já voaram por muitos lugares. Ignorar tudo isso seria um erro, o qual, lamento dizer, acontece em cheio nas nossas escolas.

Às vezes me perco pensando, por que limitamos tan-to esses jovens e adultos? Por que insistimos em silen-ciá-los como se nada soubessem? Não deveríamos estar desfrutando de suas potencialidades? Por que não para-mos para ouvi-los? Por que insistimos em despejar um amontoado de saberes sem ao menos conhecer seus in-teresses? Aquilo que observamos com grande interesse é mais bem assimilado. Consideramos o interesse [interiés] como uma inclinação interna que orienta nossas forças para a pesquisa de um objeto (VIGOTSKI, 2003)

Que possamos nos desprender de uma educação que tem caráter classista e atende aos interesses de uma classe dominante Vigotski (2003) e possamos enxergar a natureza transformadora da educação e seus encantos sejam apresentados à esses jovens e adultos, fazendo com que seja educação para a vida e deixe de ser o meio para obter um diploma.

Conhecer o contexto no qual essas pessoas estão inse-ridas e seus interesses talvez seja o primeiro passo para transformar a EJA. Nesse sentido, cabe ao professor, a partir daí proporcionar novas experiências a seus estu-dantes, possibilitando novas marcas, enquanto novas

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experiências, na vida dessas pessoas. A experiência pes-soal, do educando, de acordo com Vigotski (2003), é a base do trabalho pedagógico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quantos passarinhos deixaram de voar por achar que não sabiam? Quantos foram jogados do ninho sem ao mesmo saber voar? Quantos depositaram suas esperan-ças em sonhos daqueles que eles julgaram saber sonhar? Quantos passarinho morreram de fome e frio? Quantos passarinhos hoje são poemas?

É evidente que a Educação de jovens e adultos tem tentado voar em condições nada favoráveis, permeada por ações paliativas e mal estruturadas na tentativa de tapar buracos que foram deixados ao longo do tempo.

Pés no chão, tão fincados que nossas asas não con-seguem alçar voo, pensamentos tão endurecidos e dire-cionados pela crueldade do mundo que não há margens para imaginação, cuja função básica seria organizar for-mas de comportamento que não ocorreram, ainda, na experiência do ser humano (VIGOTSKI, 2003)

Que possamos abrir as gaiolas que esse sistema falido tem insistido em nos colocar, que possamos finalmente voar em meio nossas experiências e a partir delas des-bravar novos céus, que possamos lançar mão da nossa esperança de mudança, que nossa fé inquebrável na educação alcance os sonhadores, que consigamos voar lado a lado em terras de ventos e comtemplar os encan-tos que a vida nos proporciona.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Adriana de, CORSO, Angela Maria. A edu-cação de jovens e adultos: aspectos históricos e sociais. Rio de Janeiro: Educere, 2015.

BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal. LDBEN (Lei n 9. 394/96). Brasília, 20 de Dezem-bro de 1996.

REIS, Renato Hilário dos. A constituição do ser huma-no: amor-poder-saber na educação/alfabeto de jovens e adultos. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.

TUNES, Elizabeth. Sem escola, sem documento. Rio da Janeiro: E-papers, 2011.

VIGOTSKY, Lev Seminovich, trad. Claudia Shilling. Psi-cologia Pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.

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DA IMAGINAÇÃO À CRIAÇÃO: DESCAMINHOS NA ESCOLAJoão Vitor Barreto Gomes de Sá1

[email protected] Ribeiro Salgado2

[email protected]

INTRODUÇÃO

Ao estudar educação e os processos de desenvolvi-mento humano, enquanto pedagogos em formação e, como educadores, é inevitável repensar sobre todos os nossos percursos formativos, a tomada de consciência sobre estes, e seus impactos. Sendo assim, um dos auto-res do presente artigo expõe sua narrativa abaixo:

Com frequência lembro-me do ensino médio assim como um estudante olha para a Idade Média e pensa na “Idade das Trevas”. De modo geral sempre achei di-fícil compreender conteúdos que exigiam entendimento imediato e não reflexão. As matérias não eram processo, e sim resultado. Até mesmo as que eram voltadas para as artes, o foco era o “outro” e não o “eu”, era importan-

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação.

2 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação.

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te entender que existiu aquele que pensou, “o artista”, e eu, aquele que aprende a pensar como o artista.

Assim sendo, a finalidade da educação consistiu em espelhar um modelo de aprendizagem que não incluía o estudante como parte ativa desse processo, Alexandra Rodrigues discute essa questão ao evidenciar a obriga-ção de cumprir um rigor formal e uma lógica unidire-cional de ensino que a escola se compromete, “No con-texto escolar, até mesmo a linguagem literária deixa de ser arte e o clima poético, com a emoção, a liberdade e a subjetividade que lhe são peculiares perde espaço” (RO-DRIGUES, 2003, p. 3).

Já, ao revisitar a infância, é esperado que o caminho da educação tivesse sido mais livre e menos imposto. En-tretanto, nas memórias da alfabetização, lembro-me de não acompanhar o ritmo da escrita proposto pela profes-sora. Os signos escritos no quadro não me despertavam interesse, eu estava imerso nos meus próprios signos: o desenho. Entretanto, era esperado que eu me adaptasse à essa outra forma de representação, sem sentido para mim na época. Assim, passaram-se longas tardes em que exercitei caligrafia até “aprender” a escrever.

Desse modo percebe-se que durante esse processo, constantemente nos é imposto um caminho, na realida-de um descaminho. Descaminho, pois a pessoa é des-virtuada, ela não só é privada do autoconhecimento de seus interesses e sua própria trajetória, como também lhe são podadas as alternativas de caminho.

Foi durante esses descaminhos, revisitando experiên-cias em escolas e também no curso de graduação em Pedagogia, que percebemos muitas das nossas inquie-tações com a forma de educação vigente, que advieram de momentos que vivemos anteriormente, ou, que dei-xamos de viver, dentro dessas instituições. Neles, perce-bemos algumas lacunas deixadas pela Escola em relação

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à vários aspectos do desenvolvimento humano, que hoje entendemos como muito importantes e necessários na formação de um ser humano integral.

Uma destas inquietações, gira em torno dos proces-sos criadores e da imaginação no contexto escolar, vistos sempre como algo secundário, do racionalismo em de-trimento do exercício da imaginação. Essa relação não é incentivada nem possibilitada e por vezes só são expres-sadas fora do ambiente escolar.

Vigotski (2009), elenca no primeiro capítulo da obra “Imaginação e Criação na Infância”, dois tipos principais de atividades do comportamento humano: a reproduti-va e a criadora. No decorrer do artigo será explicitado como estas se relacionam diretamente com os ambientes educativos e como estão propositalmente organizados em meio às relações com cada nível de ensino. É impor-tante ressaltar, contudo, que o autor afirma a igual im-portância de ambas as atividades para o desenvolvimen-to de um ser humano integral.

A atividade combinatória do nosso cérebro não é algo completamente novo em relação à atividade de conser-vação, porém torna-a mais complexa. A fantasia não se opõe a memória, mas apoia-se nela e dispõe de seus da-dos em combinações cada vez mais novas (VIGOTSKI, 2009, p. 23).

Além disso, os estudos da educação ao longo da his-tória e da teoria histórico-cultural nos proporcionaram uma visão da intencionalidade educativa, da imagina-ção em espaços mais convencionais de educação. O não incentivo à imaginação livre e autônoma enquanto algo importante para o desenvolvimento da criança, é histo-ricamente embasado em uma visão arcaica de educação, que é ligada à uma maneira conservadora de entender a aprendizagem, em que o professor é o único detentor

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do conhecimento (RANCIÈRE, 2017). Por vezes, é tam-bém associada ao modelo tecnicista e padronizador de educação, no qual instiga-se apenas o intelectual, o cog-nitivo, sem trabalhar suas relações com o corpo, com o estético e o emocional.

Dessa maneira, de acordo com Silva (2018), podemos aferir que a forma de expressão subjetiva do ser não pode ser desvinculada do contexto social, político-eco-nômico. É necessário ter em mente que a educação está sujeita às intencionalidades e vontades de sociedades localizadas histórica e culturalmente. Portanto, é impor-tante se atentar às quais perspectivas de educação que permeiam as escolas atualmente, e, como essa lógica cartesiana, acelerada, líquida e imediatista, influencia os processos criativos e de imaginação.

A avaliação, por exemplo, tão presente e dita como re-levante na atualidade, não é um elemento tão latente nos anos iniciais e, portanto, há um enorme incentivo ao cha-mado lúdico e à fantasia, que falaremos mais adiante no artigo. No início do processo de escolarização, na educa-ção infantil, há uma menor cobrança dos conhecimentos adquiridos e, por isso, há sobra de algum momento de fissura, espaço para as artes e para uma possibilidade de vivências de processos de criação, imaginação, inven-ção e experiências estéticas, diferentemente dos outros níveis de ensino subsequentes. Mesmo que com um ca-ráter imitativo e muito direcionador, contra a ideia de liberdade artística, é o momento em que identifica-se a possibilidade do exercício da imaginação criadora por meio de músicas, desenhos e outros dispositivos.

Contudo, é na virada do Ensino Fundamental que se vê iniciar um processo, primeiramente, de substituição destes momentos minimamente livres para os de pura reprodução e, depois, de preparo para cobrança por meio de provas e avaliações. A expressão da criação e

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do registro por forma de desenho, música dança etc., se torna cada vez mais distante, pela força de uma aproxi-mação da lógica do adulto, por uma ideia de desenvolvi-mento linear, compartimentalizado e generalizado, além da imposição de uma lógica escolarizada.

De acordo com Illich esse pensamento confunde a experiência na educação, ao invés de processo ele é substância,

O aluno é, desse modo, «escolarizado» a confundir en-sino com aprendizagem, obtenção de graus com educa-ção, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é «es-colarizada» a aceitar serviço em vez de valor (ILLICH, 1985, p. 16).

Essa lógica tem como objetivo, transformar os proces-sos criadores em repetidores, culminando no Ensino Mé-dio. Momento este, em que todas as propostas giram em torno de um ensino voltado somente para a produção de uma resposta certa à uma pergunta escolhida, para a aprovação em um exame, reforçando seu caráter imita-dor. O que deixa cada vez mais de reconhecer o educan-do enquanto potente e criador.

Perpassando por toda essa realidade, identificamos uma grande lacuna no que diz respeito à expressão, ao trabalho com a emoção e aos processos criadores dentro de sala. Sabendo da relação que todos esses processos possuem com o processo imaginativo, qual é o espaço real da imaginação dentro da escola?

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COMO É VISTA A IMAGINAÇÃO E A CRIAÇÃO NAS ESCOLAS?

A atividade imaginativa é admitida, de maneira mais restrita e direcionada, no processo de escolarização dos anos iniciais de ensino, mais especificamente na Educa-ção Infantil, como citado acima. É comum este período ser associado ao lúdico, à brincadeira, à diversão. Po-rém, devemos nos questionar qual a forma de imagina-ção que é promovida pela escola. De acordo com Eunice Alencar e Fleith:

A criatividade deixou, ainda, de ser vista como produto apenas de um lampejo de inspiração, e a preparação do indivíduo, sua disciplina, dedicação, esforço conscien-te, trabalho prolongado e conhecimento amplo em uma área do saber, como pré-requisitos para a produção criativa, passaram a ser enfatizados. Por meio de uma análise do comportamento de pessoas que deram con-tribuições criativas, constatou-se que as grandes ideias ou produtos originais ocorrem, especialmente, em pes-soas que estejam adequadamente preparadas, com am-plo domínio dos conhecimentos relativos a uma deter-minada área ou das técnicas já existentes (2003, p. 16).

Essa é uma visão de criatividade que considera ape-nas o caráter produtivista e mais restrito da criação, e para tanto, a imaginação deve se submeter a exercícios de treinamento e técnica acerca de um assunto especí-fico, se aprimorando, para servir à um fim. Também é comum a ideia de que para haver criação é necessária uma demanda constante de exercício intelectual e cog-nitivo, os quais apenas “gênios” de uma inteligência inata ou, que mais preparados conseguem desenvolver. Esta é uma concepção que está naturalizada no ideário das práticas de salas de aula: apenas um educando bem

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dotado, cuja expressão só foi possível após muita de-dicação e estudo, ao final será recompensado pelo seu esforço, legitimando uma concepção meritocrática de ensino-aprendizagem.

Assim, dentro da lógica escolarizada da escola atual e do caminhar do processo educativo, é possível notar a relação desigual entre os processos de repetição e con-servação e os de imaginação e criação. À medida que se avança da educação infantil para o ensino fundamental e depois o ensino médio, há a passagem de um perío-do mais envolto na imaginação, para um processo de repetição, de estímulo-resposta (VIGOTSKI, 2009). Essa substituição está embasada primeiramente em uma perspectiva linear do desenvolvimento humano, em que a criança tem que, o mais rápido possível, caminhar em direção à tudo que é mais regulador, maduro e, portanto, adulto. Há também a falsa crença de que acompanha-da do aumento da idade, o ser humano torna-se menos potente para os processos criadores e, por isso, a lógica adultocêntrica seria a mais adequada.

Vigotski (2009) comenta sobre a confiança e a fal-ta de controle que as crianças têm sobre seus próprios processos imaginativos e que, por isso, são tidas como supostamente mais fantasiosas e criativas. É entendido que quanto maior o reconhecimento da potencialidade e liberdade criadora, maior a atividade imaginativa quan-do, na verdade, se a imaginação ganha mais potência com o maior número de experiências, deveria ser o adul-to o mais imaginativo. Estes são processos diferentes e igualmente importantes, pois:

A atividade da imaginação criadora é muito complexa e depende de uma série de diferentes fatores. Por isso, é completamente compreensível que essa atividade não possa ser igual na criança e no adulto, uma vez que to-dos esses fatores adquirem formas distintas em diver-

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sas épocas da infância. Eis por que em cada período do desenvolvimento infantil a imaginação criadora fun-ciona de modo peculiar, característico de uma determi-nada etapa do desenvolvimento em que se encontra a criança. Vimos que a imaginação depende da experiên-cia, e a experiência da criança forma-se e cresce grada-tivamente, diferenciando-se por sua originalidade em comparação a do adulto. A relação com o meio, que, por sua complexidade ou simplicidade, por suas tradições ou influências, pode estimular e orientar o processo de criação, é completamente outra na criança (VIGOTSKI, 2009, p. 43).

Vigotski também destaca que o processo criador não acontece de uma vez ou nasce com o sujeito3, mas, sim, acontece de forma vivencial e processual, ou seja, não há escala quantitativa. Sendo assim, nenhum ser humano cria algo a partir do nada, esta invenção é fruto da ima-ginação, a partir de experiências diversas: sociais, his-tóricas e individuais, e, portanto, qualquer indivíduo é um ser com potencialidades para tal, corroborado pelo autor: “A primeira forma de relação entre imaginação e realidade consiste no fato de que toda obra da ima-ginação constrói-se sempre de elementos tomados da realidade e presentes na experiência anterior da pessoa” (VIGOTSKI, 2003, p. 20).

Nesse sentido, o papel do educador deveria ser o de organizar o ambiente educativo (VIGOTSKI, 2009), para que este fosse propício ao desenvolvimento da atividade imaginativa do educando, para a possibilitar na expe-riência, como proposto acima.

3 Aqui posto como sinônimo de pessoa, e não como alguém que se “sujeita” e é “sujeitado”, de modo passivo.

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A DESPOTENCIALIZAÇÃO DO EDUCANDO E A IMPORTÂNCIA DA IMAGINAÇÃO

Mas então, por que é possível notar um declínio na prática imaginativa, no contexto escolar conforme as séries avançam? Pensamos que durante o processo de escolarização as atividades artísticas, do corpo, de ex-pressão, que desenvolvem a imaginação e criação, são vistos como elementos secundários, não importantes para a formação do ser humano como um todo. Assim, Vigotski (2009, p. 14) afirma que “No cotidiano, designa--se como imaginação ou fantasia tudo o que não é real, que não corresponde à realidade e, portanto, não pode ter nenhum significado prático sério”. Os princípios cul-tivados e a intencionalidade mudam, de forma que a imaginação é interpretada como algo sem ligação com a vida e, que não tem valor para a escolarização.

Nos anos iniciais de ensino, contudo, há um maior contato da criança com a fantasia, o “faz-de-conta”, jo-gos, imaginação, sonhos; mas estes elementos, vistos pe-los educadores como o lúdico, deixam de ter significado para a criança quando a escola se coloca como institui-ção de reprodução da cultura hegemônica. Atividades como as supracitadas são normalmente oferecidas às crianças mais novas não por um respeito pelo seu mo-mento de desenvolvimento, pela constituição da subje-tividade e pelos registros infantis, mas, por não encarar estas enquanto atividades naturais e necessárias para a estruturação psíquica do ser humano, sendo vistas ape-nas como simples divertimento e ócio, a ludicidade.

Isso muitas vezes ocorre por uma forte crença de que as atividades imaginativas estão diretamente o associa-das a comportamentos e pensamentos irreais, enganosos e que se aproximam da loucura, e não como atividades

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psíquicas que possuem não somente lastro na realidade e nas experiências vivenciadas, mas na imanente relação de todos estes fatores. Como corroborado por Vigotski:

A brincadeira para a criança não é uma simples recor-dação do que vivenciou, mas uma reelaboração criativa das impressões vivenciadas. É uma combinação dessas impressões e, baseadas nelas, a construção de uma rea-lidade nova que responde às aspirações e aos anseios da criança. Assim como na brincadeira, o ímpeto da crian-ça para criar é imaginação em atividade (2009, p. 17).

Essa imaginação e fantasia, paulatinamente negligen-ciadas, são afirmadas por Vigotski (2010, p. 19) enquan-to processo constituidor e inerente ao ser humano que nos diferencia dos animais, enquanto elemento essen-cial inclusive para sua sobrevivência e adaptação, sendo

“incorreta a visão comum que separa a fantasia e a rea-lidade com uma linha intransponível”. Um comentário de Ribot (VIGOTSKI, 2009 p. 15) acerca dos processos imaginativos e sua importância exemplifica como esse desenvolver ocorreu:

Quem sabe quantas imaginações foram necessárias para que o arado, anteriormente um simples pedaço de pau com as pontas calcinadas a fogo, se transformasse de um instrumento manual singelo no que e hoje, após uma série de modificações descritas em textos especia-lizados? Do mesmo modo, a chama tênue do graveto de uma árvore resinosa, a grosseira tocha primitiva, leva-

-nos por uma longa série de invenções até a iluminação a gás e a elétrica. Podemos dizer que todos os objetos da vida cotidiana, sem excluir os mais simples e comuns, são imaginário cristalizada.

Ou seja, corroborando as citações acima, a maioria dos processos escolarizados (ILLICH, 1985) tendem a

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aumentar o jugo e restringir a própria natureza humana. Inicia-se um processo de despotencialização (SPINOZA, 2009) do que se é e do que se poderia ser, formam-se adultos resignados e imitadores. São poucos os adultos imaginativos e criadores que conseguem sobreviver a uma instituição que não os considera enquanto relevan-tes, como os que se destacam em assimilar conteúdos de Física, Matemática, Biologia, História e etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante entender ambos os processos, repro-dutivo e criador, igualmente importantes e necessários como parte da condição humana. Nesse sentido a prá-tica do educador frente a essas questões deve ser a de organizar um ambiente educacional propício à manifes-tação da potência do sujeito, em que o professor, como coloca Paulo Freire (2015), consciente de seu inacaba-mento cultiva no educando sua autonomia, assim, “Sa-ber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 2015, p. 47), possibilitando um educando livre, consciente de si e fascinado por apren-der e educar-se.

A revisitação de práticas de uma Escola que acaba por fragmentar o ser humano em sua unidade afeto-in-telecto, que o distancia de seu próprio aspecto criador, é urgente. As lógicas pavlovianas4, lógicas baseadas no es-tímulo e na recompensa, completamente animalizantes (VIGOTSKI, 2003) sedimentadas nas instituições formais

4 A terminología pavlovianas advém de Ivan Pavlov (1849 - 1936), fisiologista russo que ficou conhecido por seus experimen-tos sobre o papel do condicionamento na Psicologia do Com-portamento.

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de ensino, que reforçam apenas a imitação precisam ser reestruturadas para uma concepção de educação mais humanizadora, que leve em conta também aspectos es-téticos e emocionais.

Por conseguinte, repensar os processos de imagina-ção e criação é pensar no pleno desenvolvimento do ser humano como um todo, reconciliar sua própria natureza, pois para Vigotski (2009, p. 14) “É exatamente a ativi-dade criadora que faz do homem um ser que se volta para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente”, e portanto, “ (...) a imaginação não é divertimento ocioso da mente, uma atividade suspensa no ar, mas função vi-tal necessária.” (VIGOTSKI, 2009, p. 20).

Se a atividade criadora faz do sujeito, ser humano, como parte da sua sobrevivência e presença no mundo, o mesmo continua a criar, mesmo que inconscientemente fora de um espaço escolar formal. A tarefa aos educado-res e educadoras é pensar qual a real necessidade de se trabalhar esse processo na escola e com as crianças, qual a real potência de se organizar uma prática educativa potencializadora do ser humano, para que este ao invés de ser conduzido a uma trilha que não lhe pertence, um descaminhar, possa de fato criar seus próprios caminhos.

REFERÊNCIAS

ALENCAR,Eunice Soriano de. Criatividade: múltiplas perspectivas - 3a edição - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, 2009 (reimpressão).

ILLICH, Ivan. Sociedade sem Escolas. 7a edição - Petró-polis: Vozes, 1985.

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RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante - cinco lições sobre a emancipação intelectual. 3a edição, 6a reim-pressão - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

RODRIGUES, Maria Alexandra Militão. Subjetivação da escrita: um desafio psicológico na formação de pro-fessores na formação de professores para início de esco-larização. Tese de Doutorado (cap. 3).Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília, 2003.

SILVA, Cesar Augusto Alves da. Educação e não emanci-pação: os limites objetivos da educação escolar no capita-lismo industrial contemporâneo. Campinas, [s.n.], 2018.

SPINOZA, Benedictus de. Ética. Belo Horizonte: Autên-tica Editora, 2009.

VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.

_____Imaginação e criação na infância. Ática, São Paulo, 2009.

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PEDAGOGIA DOS CORPOS: DOS LIMITES ÀS POSSIBILIDADESNathália Mendonça1

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Nostalgia…erespiro num suspiro de uma saudade!

Estou no palco agora e sentindo a adrenalina…TUMTUMTUMTUM …

TUMTUMTUMTUMTUMTUMTUMTUM……Ao ver e sentir o toque das luzes e o

nervosismo... e enfim, me entrego a música…Neste momento só existe este (momento)

mesmo o sentir, o pulsar, o tocar e o movimento proposto pelo agora! Lógico que tiveram os

ensaios, as expectativas, a produção, o cenário, o figurino, maquiagem… MAS eu só estou

vivendo e sentindo a música que me levou a fluir em elevações, desníveis, quedas e giros de compassos e descompassos de sorrisos, abraços,

e dos olhares de laços e enlaces.E tudo finaliza em energia da mais alta possível

em um conjunto de singulares palmas!Sou grata!!!!Renovada…

1 Estudante de graduação do curso de Pedagogia da Universida-de de Brasília, membro do grupo PET-Educação.

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O corpo é marca, atitude, movimento, resistência, toque, cheiro, temperamento, comportamento, energia, temperatura, cultura, olhar, pulso, pés, mãos, escuta, sensibilidade, raiz, intuição, paz, raiva, loucura, alegria. Este corpo se emociona e sente tudo de forma e de ma-neira própria e singular através de experiências sentidas em diferentes instantes, momentos e horas, vividos dia após dia. Apresento-lhes o corpo, este que nos sustenta, nos acolhe e é acolhido, dorme, acorda, come, corre, gri-ta, exercita, pira e respira. A este corpo, peço que, no mo-mento, o observe, toque, sinta e reflita o quão forte está sendo a caminhada por meio dele. E, agora, vamos per-correr pelos momentos em que este corpo, que passou por vários processos de amamentar, engatinhar, balbu-ciar, sorrir, relacionar-se, degustar, falar, dar os primei-ros passos, brincar, abraçar, amar, viajar, dançar.

CRÍTICA AO DOMÍNIO DOS CORPOS

O corpo ao qual estamos aqui refletindo a respeito é a nossa referência principal quando tratamos de edu-cação. Um corpo integral, afeto-intelectivo, indivíduo-

-social. Há, assim, a necessidade de nos questionarmos sobre como este corpo está sendo desenvolvido e orga-nizado, em termos educativos, nos diversos ambientes e por pessoas que o circundam, nas diversas experiências relacionais. E, ainda, como está sendo olhado e pré-de-terminado em termos de controle social.

Este artigo é uma “carta de desculpas” a todos os corpos vulgarizados, precarizados, injustiçados, limita-dos, violados, invizibilizados e burlados. O corpo está presente dentro dos diversos contextos e ambientes, em que está sendo marcado através das relações que o cons-tituem diariamente. No espaço escolar, esta relação é

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atravessada por uma função social determinante, que é parte do social que o engendra.

Ao visitarmos uma escola e observarmos seus espaços, suas disposições e seu ambiente, teremos a impressão de que se trata de um lugar familiar presente em nossa sociedade. Existe uma lógica na qual essas instituições foram pensadas. A Igreja, que foi precursora da expan-são da escolarização de maneira globalizada no mundo se utiliza de um termo técnico para a condução deste ambiente: a disciplina, que Foucault (1987) retrata.

Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilida-de-utilidade, são o que podemos chamar as “discipli-nas”. Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas tam-bém. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação (FOUCAULT, 1987, p. 288).

Como bailarina clássica, escutei demasiadamente a palavra disciplina para conseguir alcançar os meus objetivos de interpretar a variação de repertório e, que seria necessário para a execução dos movimentos, repe-tir, repetir e repetir. Refletir a respeito do meu, do seu e dos nossos corpos controlados por nossa sociedade, que nos limita e nos violenta nas instituições: família, igreja, escola e trabalho é desafiador, pois, vivemos cotidiana-mente em imposições de normalidade.

Por que os corpos continuam sendo manipulados, principalmente nos processos educativos? Eles não de-veriam ser espaços de experimentação, de vivências cor-porais mais livres e autênticas?

Amorim (2016), com base em Foucault, retrata a “me-cânica do poder”, em que o objetivo do Estado, bem

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como das elites sociais, é o de exercer o domínio sobre a população, sobre a grande massa da sociedade, e, para que isso aconteça, é necessário ter o controle desses di-versos corpos, para que, por meio disso, se determine seus comportamentos, ações e a eficiência social.

O processo de escolarização que conhecemos mo-vimenta-se a partir dos ideais de cada época em que a sociedade se encontra, ou seja, tem caráter histórico. Apesar das instituições serem, também, historicamente, um processo dinâmico, as relações de poder que se en-gendram no meio social se fazem presentes nos diversos espaços, seja na família, nas ruas e, até mesmo na escola.

Em nossa infância, podemos nos lembrar das primei-ras marcas de hierarquização, fixada em nossos corpos, em convivência com nossas famílias e, o quanto fomos podados para seguir a dita “forma correta” de nos com-portarmos. Isso vai se intensificando, ao longo da vida, em outros espaços, como na escola e, posteriormente, no trabalho. A reprodução dessas figuras: pai, professor ou chefe, que são considerados como “os disciplinadores” neste processo é expressiva. Muitas vezes, estes podem desempenhar marcas repressivas, ou seja, eliminando o que é “genuinamente nosso” e criando máscaras sociais, como caricaturas.

[…] E se é verdade que sua organização piramidal lhe dá um “chefe”, é o aparelho inteiro que produz “poder” e distribui os indivíduos nesse campo permanente e contínuo. O que permite ao poder disciplinar ser abso-lutamente indiscreto, pois está em toda parte e sempre alerta, pois em princípio não deixa nenhuma parte às escuras e controla continuamente os mesmos que estão encarregados de controlar; e absolutamente “discreto”, pois funciona permanentemente e em grande parte em silêncio (FOUCAULT, 1987, p. 202).

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No contexto escolar, o corpo também costuma ser “domado”, lugar em que prevalece o ambiente carte-siano, que tem por características carteiras enfileiradas, com corpos voltados para um quadro em que se expõem ideias pré-validadas, que tem funcionado como um pal-co para o professor, que é considerado o detentor do sa-ber neste processo e, que também é cobrado para que seus alunos sejam adequados a certos padrões: quietos, disciplinados, “inteligentes” e atentos. Os corpos, que de alguma maneira não se comportam do modo pré-

-programado, em obediência servil, sentados e calados são rotulados como, alunos problemas e desobedien-tes ou, são rotulados por meios de laudos, nos termos da medicina.

Ao chegar à escola pela primeira vez, a criança já encon-tra toda sua vida preparada. O seu presente é aquele da soberania do ritual, da disciplina, da retidão, das nor-mas, das avaliações, das hierarquias, do tempo certo. Enfim, um padrão de ser. O seu futuro é o da certifica-ção, do bom sucesso, do lugar social, do trabalho incer-to, mas dado como certo. Enfim, um padrão do vir-a-ser. A criança já é de todos sabida: a escola proclama, rui-dosamente, quem ela é, quais são suas necessidades, o que deve fazer, o que não deve fazer, o que pode e o que não pode querer. A escola fala, mas não precisa ouvir. A criança não deve falar, mas somente ouvir: sua vida já lhe foi esculpida (TUNES e PEDROZA, 2011, p. 28).

Refletir, a forma crítica sobre a escola é, também, ana-lisar as legislações e as políticas públicas que asseguram o direito à educação e a promoção da permanência e qualidade, em que são expressos na Constituição Fede-ral (BRASIL, 1988) através dos artigos 205 e 206.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Esta-do e da família, será promovida e incentivada com a

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colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvol-vimento da pessoa, seu preparo para o exercício da ci-dadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguin-tes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;.

O exercício efetivo desta legislação é, em diversas situações, modificado, sem que se pense, de fato, nas necessidades singulares das pessoas, de seus corpos, invisibilizando diversos brasileiros em suas particulari-dades. Arroyo (2012), descreve o desrespeito ao direito de vida plena desses corpos que são ignorados, ou seja, deixados de lado, como: corpos precarizados. São estes os que passam dias e dias morando nas ruas com fome, sem moradia, sem escola, doentes em filas de hospitais, violentados sexualmente, física, psíquica e mentalmen-te, pelo sofrimento e pelas dores diversas. Esses corpos são excluídos do convívio social, são corpos vulneráveis, que o sistema não aceita como seres humanos de ple-nos direitos

Ao questionar estas marcas, convido-os de novo a pensar em nosso ambiente escolar. Como o seu corpo foi moldado? Que ações bloquearam suas potencialidades? Que negações e violências sofreram?

O CORPO NO LUGAR DE VIVÊNCIA

Sentir... Um modo de fluir em si através das suas vi-vências individuais e conjuntas nos seus diversos grupos e destaco o DIVERSO! A diversidade constrói o mundo de possibilidades de ser, pensar, agir e criar...

Foi por meio de meu mergulho, dentro de mim mes-ma, que pude conhecer um pouco da minha virtude e essência, que me encontrei como bailarina, educadora

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e como ser criativo em que pude me reinventar. Gosta-ria que conhecessem a minha história para compreen-derem as ideias que acredito e que vou apresentar pos-teriormente.

A arte se fez arte dentro de mim mesma antes mesmo de eu haver nascido, por meio de meu pai, que é músi-co. Lembro-me que cresci escutando os sons de guitarra, violão e de suas canções. E, muito nova, aos quatro anos, iniciei meus estudos em ballet clássico, em que perma-neci por quase onze anos da minha vida cursando dança clássica. Durante todo esse período que vivenciei a dan-ça nos palcos, ensaios, conjuntos, como solo... Eu nunca me sentia ou não me colocava no papel de bailarina e artista. Isso estava distante como um mito. Por quê? Isso sempre esteve presente em minha vida... Por que isso ainda não me pertencia, apesar de todas as vivências corporais em dança? Hoje sou bailarina e artista, mas isso tudo foi um processo lento em que pude vivenciar a arte me movendo e me constituindo.

Através da minha vivência escolar e nas aulas de ar-tes, o que tinha como objeto artístico era algo inatingível e perfeito, ou seja, muito distante do real e, nas minhas aulas de ballet, também não se distinguiam muito desse modelo, pois uma bailarina precisava buscar a perfeição do corpo e das execuções dos movimentos. Seguindo a minha trajetória como professora de ballet, tive a opor-tunidade de conhecer e me encontrar com a educação musical, em que uma professora me ensinou vivências as quais tive o prazer em poder ser protagonista de pro-cessos criativos e, não somente de me limitar musical-mente por não ter formação musical.

Certo dia ela me disse: “Todos somos seres musi-cais!“. E essa afirmação me intrigou muito naquele mo-mento: Será que sou capaz de me expressar musicalmen-te, mesmo sendo uma bailarina? Foram através destas

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experiências em que fui me reconhecendo como artista, de modo integral!

Poder exercitar processos criativos não foi algo sim-ples e fácil, pois o meu corpo tinha sido moldado para a execução de movimentos prontos e, por isso, esse pro-cesso foi uma relação de conhecimento da minha cor-poreidade e da dos corpos em que relacionei ao criar-mos juntos, em relação. Outro momento marcante, nesse percurso educativo, foi quando pude, pela primeira vez, aceitar a minha voz ao cantar para os meus companhei-ros, pois, antes disso, nem aceitava cantar sozinha por acreditar “não possuir o dom da música”. Citando Vi-gotski, Pederiva afirma:

(…) a educação verdadeira somente pode ser realizada na atividade real, uma vez que são as necessidades prá-ticas e as demandas da vida concretamente vivida que impulsionam o processo de conhecer: é aí que o conhe-cimento justifica-se, confirma-se e verifica-se. Assim, a educação enraizada na vida real é fator de desenvolvi-mento, pois possibilita às crianças serem genuinamente ativas e criadoras. Na atividade real, a criança descobre o lugar e o significado de procedimentos técnicos que são partes de um todo. Aí, as aspirações infantis pos-suem verdadeiro sentido, seus esforços organizam-se e concatenam-se com seu sistema de ações (PEDERIVA, 2011, p. 72).

Por que nos restringimos em nossas vivências corpo-rais? Somos constituídos apenas por nossa razão em de-trimento de nossas emoções, de nossas vivências corpo-rais? O que te pulsa e vibra? Como viver-se em unidade, em integralidade, na vida e na educação?

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POR UMA EDUCAÇÃO DE CORPO INTEIRO: AFETO INTELECTO

Uma educação de corpo inteiro? Sigo me questionan-do sobre como organizar uma educação em que possa-mos vivenciar, de modo relacional, nossa corporeidade de modo mais autêntico. Com base em Vigotski as auto-ras Patrícia Pederiva e Andréia Martinez (2017) afirmam:

É na relação com o outro, na relação social que o ser humano se desenvolve, que percebe o meio à sua volta e sua própria existência. Isso não é dado ao ser humano de forma natural, mas se constitui em seu meio históri-co-cultural ao longo da sua existência desde os primei-ros momentos de vida. Portanto, já ao nascer, inicia-se o processo de relação social e as trocas de experiência com o outro (PEDERIVA e MARTINEZ, 2017, p. 27).

Nos diversos espaços, inclusive na escola, escutamos que a razão controla e domina todas as nossas ações e que tudo passa antes pela mente, que tudo controlaria, Vigotski defende a ideia da vivência de um corpo como unidade, como afeto-intelecto com suas experiências e relações. Tudo passa pelo corpo e por suas emoções. Seus sentimentos, medos, angústias, alegria, sensações, pensamentos e reflexões também o compõem, Para o au-tor, este processo é conhecido como, autorregulação:

[…] a reação emocional, entendida como reação secun-dária, é um poderoso organizador do comportamento. Na reação emocional realiza-se a atividade de nosso organismo. Vimos que as emoções surgiram, por via instintiva, dos movimentos mais complexos e vivos. Em sua época, elas organizaram o comportamento nos momentos mais difíceis, fatídicos e importantes na vida. Emergiram nos pontos culminantes da vida, quando o

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organismo triunfava sobre o ambiente ou estava prestes a ser destruído por este. Em todas essas oportunidades, as emoções exerceram uma espécie de ditadura sobre o comportamento (VIGOTSKI, 2001 p. 118).

Refletir sobre as potencialidades das pessoas na edu-cação, em processos que possa respeitar este corpo inte-gral é desafiador, mas, acredito que seja o caminho para alcançar a liberdade de criar livremente, de pessoas se conectarem, se relacionarem, se emocionarem e pode-rem amar. Educar é uma relação de amor consigo e com outro que o constitui, em essência. Explorar, vivenciar e criar a partir do movimento plural das relações educati-vas, nas quais, nem o educador e nem o estudante como centro do processo e sim os dois se desenvolvendo em conflitos, em encontros e criando em conjunto.

É quando temos diante de nós o circulo completo des-crito pela imaginação que os dois fatores – intelectual e emocional- revelam-se igualmente necessários para o ato de criação. Tanto o sentimento quanto o pensamen-to movem a criação humana (VIGOTSKI, 2009, p. 30).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou revisitar e questionar o cor-po como essência do ser. No primeiro momento deste artigo, fizemos uma critica a este cego padrão, que nor-matiza e homogeneíza as pessoas, que são seres singu-lares e diversos. Com isso, refleti sobre as instituições e a escolarização como espaços condicionantes e segrega-dores dos corpos. Estes corpos diversos e plurais, que se inventam e se reinventam através das relações que o constituem. Refleti também sobre as vivências educati-vas e sobre o corpo como unidade – afeto-intelecto.

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O corpo está presente! Ele é voz, escuta, choro, risada e súplica. Ele se questiona, se movimenta e se conduz pelo caminho e trajeto pelo qual quer percorrer. Ele se re-conhece e por isso, se respeita. Este corpo é negro, bran-co, alto, magro, pequeno, gordo, com curvas, linhas, ex-pressões, sentimentos e sim ele é diverso! Nossos corpos são arquiteturas, monumentos, gestos e composições. Precisamos de uma escola do respeito aos corpos, que abram suas gaiolas para o voo autêntico da vida, como diz Rubem Alves,

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Es-colas que são gaiolas existem para que os pássaros desa-prendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássa-ros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pás-saros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensi-nado. Só pode ser encorajado (ALVES, 2002, p. 29).

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Por uma educação romântica. Campi-nas-SP: Papirus, 2002. 207p.

AMORIM, Roberto R. S. BATUCADEIROS: Educação musical por meio da Percussão corporal, 2016.

ARROYO, Miguel; DA SILVA, Mauricio. Corpo-infân-cia: exercícios tensos de ser criança; por outras pedago-gias dos corpos. Petrópolis, RJ : Vozes, 2012.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Bra-sil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete Petrópolis: Vozes, 1987.

PEDERIVA, Patrícia. A escolarização da atividade mu-sical. In TUNES, Elizabeth. Sem escola sem documento. Rio de Janeiro: E-papers, 2011, p. 71-83.

_____ e MARTINEZ, Andréia. O ato estético: conversas sobre educação, imaginação e criação na perspectiva his-tórico-cultural. Curitiba: CRV, 2017.

TUNES, Elizabeth; PEDROZA, Lilia pinto. O silêncio ou a profanação do outro. In TUNES, Elizabeth. Sem escola sem documento. Rio de Janeiro: E-papers, 2011, p. 15-29.

VIGOTSKI, Lev Semionovich. Psicologia Pedagógica: Edição comentada. Porto Alegre: Artmed, 2001.

_____ Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.

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COLETIVO DE SAÚDE MENTAL À LUZ DA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURALFernanda Lisboa de Andrade1

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INTRODUÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA EDUCAÇÃO ESCOLARIZADA

O histórico de modelo educativo que tem sido adota-do na Educação Básica realiza-se por meio de uma cul-tura escolar que se baseia na reprodução de livros didáti-cos, em atividades que propõem aos educandos que eles precisam, apenas, saber dominar a “cópia e a cola” dos conteúdos para atingir resultados esperados, ou seja, na reprodução. Na Educação Superior anseia-se por práti-cas educativas diferenciadas desse modelo, a fim de in-centivar os educandos a serem ativos em seus processos de aprendizagem, por meio de ambientes organizados para que eles pensem criticamente, em oposição à mera reprodução. Almeja-se essa prática criadora, não apenas para a educação superior, mas para todos os segmentos e espaços educativos. Critica-se, assim, nesse processo automatizado, a cultura escolar ancorada na reprodu-

1 Pedagoga graduada na Universidade de Brasília, membro egressa do PET-Educação.

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ção, na uniformização dos educandos, que desconside-ra suas individualidades, reduzindo suas inteligências a padrões.

Entende-se que a organização dos espaços educati-vos tem se firmado em uma hierarquia intransponível entre professores e alunos. Dessa forma, a base das re-lações entre os próprios alunos também se baseia nesse clima hierarquizado e de competição. Isso acontece entre alunos considerados “promissores”, por se adequarem as metas estabelecidas nos dispositivos de avaliação, e, também, entre os que não conseguem atingir tais metas. Por consequência dessa cultura hierarquizada das rela-ções, atrelada às avaliações que se comprometem a medir e classificar inteligências, uma parcela de educandos se considera inferior em relação a educadores e colegas de curso. A excessiva preocupação sobre o processo de esco-larização em relação à menções que se propõe a medir e rotular os educandos, acabam por dificultar o desenvol-vimento pedagógico dos mesmos (TUNES, 2011, p. 11).

Desse modo, é preciso afirmar a importância de orga-nizar espaços educativos que permitam o diálogo entre educandos, em ambientes não hierárquicos, elaborados por estudantes para estudantes, livre de avaliações e da intenção de mensurar ou de reproduzir estigmas esco-larizados que costumeiramente tem permeado as salas de aula, e, portanto, as relações nos espaços educativos. Nossa socialização com o outro é o fator principal do ambiente educativo, e é isso que as roda de conversa se propõe a desenvolver, sendo essa a atividade que será discutida nesse trabalho.

Dessa forma, com base na análise e observação do ambiente acadêmico como propulsor do adoecimento psicológico dos educandos, com o número crescente de patologias psicossociais, levando grande parte dos estu-dantes universitários a enfrentarem crises de ansiedade,

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depressão, síndrome do pânico e, em casos mais extre-mos chegando até ao suicídio, dentro e fora do campus universitário.

Assim, o objetivo desse artigo é discorrer sobre a te-mática da saúde mental afim de situar como o fenômeno do adoecimento psicológico de estudantes universitário, como este tem sido localizado como uma problemática urgente e, então, a partir do debate dessas questões apre-sentar um relato de proposta de atividades de interven-ção a essa realidade, amparadas na perspectiva histórico cultural, desenvolvidas pelo Coletivo de Saúde Mental da Faculdade de Educação, na Universidade de Brasília, por meio de rodas de conversa, seguido das conclusões resultantes das reflexões estabelecidas até o momento, com base na interpretação das vivências experiência das nas atividades organizadas para este fim.

Em meio aos fatores expostos até aqui, pensa-se o Coletivo como um espaço de realização de atividades educativas que permitam a expressão dos sentimentos dos estudantes, principalmente, para os que não se sen-tem confortáveis no ambiente educativo da universida-de e, por consequência, desencadeiam ou potencializam episódios de sofrimento psicológico. Pretende-se assim, oportunizar experiências dialógicas nesse espaço, além de favorecer um espaço confortável de diálogo onde os educandos tenham suas vozes ouvidas e acolhidas.

ORGANIZAÇÃO DO COLETIVO À LUZ DA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

A partir da perspectiva histórico-cultural, pretende-se explanar sobre a urgência de práticas educativas que le-vem em consideração os afetos, o intelecto, o corpo, para além de uma subjetividade limitada à individualidade, de forma a considerar o movimento dialético entre o

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social, o cultural e o institucional em desenvolvimento durante o período universitário. Antes de ser algo indi-vidual a questão do sofrimento psíquico é um fenômeno social. Dessa forma, pretende-se trabalhar, onde, como e porque, de forma colaborativa, com a intencionalidade de organizada convivência das pessoas em grupo, des-mistificar o tabu cristalizado culturalmente em torno de questões sobre saúde mental, como ação de poucos, e, principalmente, como alternativa de enfrentamento a uma cultura escolar individualizante.

As rodas propostas pelo Coletivo têm sido conduzi-das como espaços de reconhecimento e de legitimação de estudantes universitários, para com seus próprios sentimentos, pelo fazer artístico experienciado na dinâ-mica inicial, pelo exercício da fala, ao explicarem para o grupo ali reunido, o que suas criações representam. Pre-tende-se, com isso, exercitar o fortalecimento das rela-ções entre estudantes-estudantes de forma a significar o ambiente universitário de forma agradável e acolhedora.

Na busca de compreender e dialogar sobre a saúde mental com uma abordagem para além de tratamentos, diagnósticos e rótulos relacionados às patologias, surgiu o Coletivo de Saúde Mental FE-UnB, situado na Facul-dade de Educação da Universidade de Brasília-DF, como uma alternativa de ação que se propõe a estabelecer o diálogo entre estudantes. Isso, com a intencionalidade de cultivar um ambiente de acolhimento, de cuidado, de compreensão uns com os outros, desvinculando o espaço universitário como mero espaço de construção de conhecimento acadêmico, em um espaço em que as relações entre os educandos estejam no foco do processo.

Propõe-se, assim, uma análise por meio de uma pers-pectiva educativa para o fato da educação, pelo modo como está organizada, estar adoecendo a saúde mental dos educandos. Entende-se a individualidade cristaliza-

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da na forma como nos relacionamos com o outro, com o mundo e com nós mesmos como um fator propulsor de patologias psicossociais. A esse respeito Vigotski (2003) afirma que os outros nos constituem. Isso significa que, por meio das atividades pedagógicas desenvolvidas, o viés relacional será uma ferramenta de transformação individual e coletiva, para, de maneira dialética, signi-ficar e legitimar as próprias vivências. Dialogar sobre questões relacionadas aos sentimentos que se tem viven-ciado na universidade, pode ser uma oportunidade de reconhecer, na fala do outro, sentimentos compatíveis, levando a uma aceitação de si e do outro. Dessa forma, desvincula-se do paradigma de que falar abertamente sobre questões psicológicas pode causar algum descon-forto social.

Procurou-se, nessa experiência, gerar uma reflexão sobre como os afetos têm sido tratados na educação, como questões ignoradas nos mais diversos ambien-tes educativos, em detrimento da dimensão intelectual. Para isso, utiliza-se o entendimento de Vigotski (2003), sobre as emoções, pensando o ser humano como uma unidade afeto-intelecto. Não é possível que, no ambien-te educativo, ou em qualquer outro, se desvincule a di-mensão emocional do intelectual das pessoas.

É nesse sentido, que o Coletivo se propõe a olhar para um campo da educação que está dia após dia sendo ne-gado. Tendo em vista que as funções cognitivas atuam em unidade com as emocionais, sendo ambas equivalen-tes em importância, utiliza-se e compartilha-se do enten-dimento do autor, para propor um espaço de acolhimen-to desses sentimentos na universidade. Isso, por meio de atividades que fortaleçam o vínculo de pertencimento dos educandos para com sua universidade, além de pro-mover o diálogo e a arte como instrumentos de sociali-zação consigo mesmo, e com os outros.

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No livro “Psicologia da arte”, obra escrita por Vigot-ski, entrevemos em alguns pontos do texto, uma ligação forte entre arte e educação, que juntas, podem contribuir para o desenvolvimento das emoções por meio das vi-vências artísticas. Um desses nós, e o que o autor (1999), parece considerar ser o mais fundamental, é o fato da arte se caracterizar num elemento chave para o desen-volvimento, a equilibrando a consciência sobre as emo-ções. (GONÇALVEZ; RAMALHO, 2015, p. 71).

O viés coletivo do trabalho pedagógico traz para a experiência, o caráter pessoal e intraduzível da arte, a catarse vivenciada por cada indivíduo, sendo, por si só, um processo no sentido de organizar os sentimentos, de materializar sentidos, de dar concretude ao subjeti-vo. Ao passo que toda essa individualidade é vivencia-da e potencializada por meio de uma atividade coletiva, em que se aprende, ao mesmo tempo, sobre si e sobre o outro, em um movimento dialético de se significar por meio da arte e por meio das relações estabelecidas na-quele ambiente.

Vigotski (2003), caracteriza o comportamento como um processo de relação entre o organismo e o ambiente que pode ocorrer de três formas distintas: na primeira, o organismo sente que predomina sobre o ambiente, nes-se caso a adaptação do organismo ao meio é ótima e se desenvolve com gasto mínimo de energia; na segunda situação, a força maior está do lado do ambiente, nes-se caso, a adaptação do organismo ao meio é mínima e ocorre com o máximo investimento de energia; por úl-timo, uma terceira forma, acontece quando surge certo equilíbrio entre organismo e ambiente e, nesse caso, por-tanto, nenhum deles prepondera sobre o outro e ambos estão equilibrados.

Partindo do entendimento de comportamento do au-tor, e na análise da conjuntura de educação no espaço

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universitário no contexto de atuação do Coletivo, en-tende-se que o comportamento nesse ambiente vem se desenvolvendo historicamente por meio das leis do se-gundo caso de comportamento descrito, de forma que o ambiente está hierarquicamente superior aos organis-mos e, por consequência, torna a adaptação dos mesmos, pequena e despotencializante.

Dessa forma, a terceira forma do processo do com-portamento, em que ambiente e organismo estão equili-brados entre si é onde pretende-se chegar, por meio de vivências em espaços educativos proporcionados pelo Coletivo que estejam amparadas no emponderamento dos educandos, em relação à suas inserções de maneira ativa e participativa no ambiente educativo das univer-sidades. Fortalece-se, assim, a sensação de pertencimen-tos dos mesmos para com esse ambiente que os consti-tui e que por eles é constituído por meio do movimento dialético nas vivências desse espaço.

CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE A TEMÁTICA DA SAÚDE MENTAL

O atual cenário em que se encontra o Brasil e o mundo em relação à depressão e outras patologias relacionadas ao adoecimento psicológico tem deixado em situação de destaque o tema da saúde mental. Dados alarmantes re-lacionados ao assunto, nos mais diversos segmentos da sociedade, podem ser interpretados de forma a desen-corajar quaisquer esforços no sentido de buscar meios para o enfrentamento dessa realidade desenfreada de adoecimento.

Estima-se que mais de 300 milhões de pessoas vivem com depressão, um aumento de mais de 18% entre 2005 e 2015 (OMS, 2017). Por se tratar de uma problemática global, e, concomitantemente, de um tabu socialmente

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estabelecido, dialogar sobre o tema tem sido um desafio, pelo desconforto social relacionado a ele. Mesmo para os que estão dispostos a debatê-lo, pode ser complica-do. Assim, é preciso que se contorne estigmas ligados ao tema para que se inicie uma conversa produtiva sobre possíveis intervenções.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a depressão é a principal causa de problemas de saúde e incapacidade em todo o mundo, fatores como falta de apoio às pessoas com o transtorno e o medo do estig-ma, são considerados os principais impedimentos para o acesso aos tratamentos necessários para que vivam uma vida saudável e produtiva (OMS, 2017).

Se, de um modo geral a depressão, dentre outras pa-tologias psicológicas, vem devastando a saúde da po-pulação a situação se torna ainda mais delicada quando nos deparamos com o cenário das universidades. Se-gundo estudos de Cerchiari, Caetano e Faccenda (2005), desde o início do século passado, o período universitá-rio é reconhecido academicamente como uma fase de extremo sofrimento psicológico. Esses dados explanam sobre essa realidade em um momento histórico diferen-te do atual, em que o assunto não estava em debate em diferentes circunstâncias, dessa forma, evidencia-se a importância de investigar essa perspectiva no período universitário, visto que, atualmente, tanto externa quan-to internamente às universidades a depressão é um fator comum de adoecimento.

A Escola em cada momento histórico constitui uma expressão e uma resposta à sociedade na qual está in-serida: ela nunca é neutra, mas sempre ideológica e politicamente comprometida. Precisa acompanhar as mudanças da sociedade, por isso precisa ser modifi-cada para enfrentar os novos desafios (GASPARIN. p. 10. 2009).

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A crescente quantidade de educandos com depressão e, ou, outros transtornos psicológicos que afetam direta-mente o comportamento, no contexto educativo,consti-tui-se como fator que precisa ser integrado as discussões e à dinâmica organizacional das práticas educativas por se tratar de uma problemática urgente ao contexto his-tórico atual.

A partir do exposto no presente artigo, conclui-se como um fator urgente que se desenvolvam práticas educativas que compreendam educandos como seres humanos constituídos como unidade, pelo afeto, pelo intelecto, pelo corpo, para além de uma subjetividade limitada a individualidade, de forma que o movimento dialético entre o social, o cultural e o individual estejam em desenvolvimento por meio da educação.

O adoecimento psíquico é também um fenômeno social, dessa forma, é preciso trabalhar de forma cola-borativa e dialógica, a fim de organizar a convivência em grupo contribuindo para desmistificar o desconforto social culturalmente situado em torno de questões so-bre saúde psicológica, e principalmente, pode ser uma alternativa de enfrentamento a uma cultura escolar in-dividualizante.

Uma cultura educativa, construída sob a falsa premis-sa de que é a racionalidade que deve predominar, em de-trimento do aspecto emocional, faz com que o racional seja superestimado e o emocional se torne subestimado. Traços desse passado, ainda muito próximo, em termos históricos, influenciam todo o funcionamento da cultura social, inclusive da cultura escolar. Privilegiar o racional, o cognitivo, as notas altas, em detrimento do emocional, das notas baixas, é um equívoco que mantém o modelo de educação que vem sendo reproduzido historicamen-te, e que é predomina há séculos ancorado na indiferen-ça para com as questões que envolvem sentimentos. Por

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isso, é preciso pensar nos espaços educativos, nas ativi-dades educativas bem como também, no lugar para a vivência educativa das emoções.

Pensar uma educação dos e para os sentimentos, em busca da emancipação dos próprios afetos que por tan-to serem ignorados no processo educativo, acabam por reprimidos não só para o espaço exterior como também interior e individualmente. Por meio da educação da fala, da escuta, da criação, da exposição de suas próprias criações para si e para o outro é possível desenvolver os afetos como atos educativos significados de empodera-mento de si mesmo, e, consequentemente, de outros com quem nos relacionamos. De forma que se reconheça e se legitime as próprias emoções por meio de vivencias estéticas nos ambientes educativos.

APRESENTAÇÃO DO COLETIVO

O Coletivo de Saúde Mental da Faculdade de Edu-cação da Universidade de Brasília entrou em atividade em novembro de 2017, até o momento, realizamos sete rodas de conversa. A quantidade de pessoas é oscilan-te, tendo havido uma roda com 7 e uma outra com 32 pessoas. As demais variaram entre 15 e 20 estudantes. A ideia do Coletivo foi resultado de inquietações em rela-ção ao meu trabalho de conclusão de curso, no curso de pedagogia. Na pesquisa em questão, desenvolvi uma re-flexão sobre as formas como os afetos têm sido tratados na educação, analisando uma cultura escolar que os des-considera como parte integrante dos educandos, como seres humanos que são, priorizando atividades intelec-tuais desconectadas das realidades sociais e individuais de cada educando. Ele surge, então, como uma proposta de ambiente educativo que tem como finalidade prin-

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cipal a relação de diálogo e de vivência de experiências coletivas entre estudantes universitários.

As rodas têm funcionado da seguinte maneira: come-çamos apresentando o Coletivo, como uma proposta de ação para que nós estudantes possamos nos conhecer, nos relacionar e nos acolher e, em seguida, convidamos os e as presentes por meio da expressão artística, na-quilo que se sentirem confortáveis “Que sentimentos a Universidade tem feito você sentir?” Disponibilizamos folhas de papel A3, canetinhas, lápis de cor, giz de cera e giz pastel. Quando o grupo conclui suas respectivas atividades artísticas, nos reunimos em roda e convida-mos aos que se sentirem confortáveis para socializar com o grupo presente o significado de sua expressão artística, em que, a maioria delas, têm sido realizadas por desenhos. Feito isso, propomos uma autorreflexão sobre os processos que vivenciamos e então agradece-mos pela presença dos e das colegas. Em algumas rodas, as pessoas manifestam vontade de conversar antes das criações artísticas e, nesses casos, há um momento de conversa inicial sobre a atual situação de universitários em relação ao próprio adoecimento psicológico.

Tendo em vista o entendimento do assunto sobre saú-de mental como um tabu, pensando no desconforto que falar sobre isso desperta, pensamos em uma dinâmica de roda em formato de rodas de conversa e ação, con-versas estas sempre associadas a desenhos, poesias, mú-sicas, entre outras expressões artísticas que permitem o contato com o outro e consigo mesmo por meio do fazer artístico.

Por se tratar de um projeto essencialmente grupal, a ordem e a forma com que as rodas se desenvolvem são determinadas pelos próprios estudantes que estão parti-cipando da mesma, de forma que estes sejam os protago-nistas de suas aprendizagens naquele espaço educativo.

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O formato de roda de conversa apresenta-se como ferra-menta metodológica a fim de facilitar a relação entre os participantes, ampliando as percepções sobre si e sobre os outros. No contexto da Roda de Conversa, o diálogo é um momento singular de partilha, uma vez que pressu-põe um exercício de escuta e fala (GUARDA, et al., 2015, p. 4). Desse modo, a questão que tem mantido a unidade das rodas até então tem sido a expressão dos sentimen-tos em relação à universidade.

O Coletivo procura conduzir as atividades por meio de uma perspectiva de desconstrução de padrões que, de alguma forma, menosprezem estados psicológicos adoecidos, seja por meio de discurso que buscam de-sacreditar ou contestar a capacidade e/ou eficiência de indivíduos acometidos por patologias psicossociais. Por meio de um movimento de conscientização, seriedade e comprometimento necessários para o enfrentamento e, posteriormente, a superação de tais enfermidades. Res-salta-se, contudo, a importância de buscar por ajuda de profissionais da área da saúde psicológica.

O fenômeno principal que possibilita todo desenvol-vimento das ações propostas é a disposição de cada estu-dante universitário que se compromete a participar das rodas, fazendo-as acontecer. Contribuem, assim, para o desenvolvimento individual, e, concomitantemente, so-cial dos envolvidos, levando ao pertencimento grupal no ambiente universitário, fora das salas de aula. Dessa forma, concordo com Pequeno (2017), que afirma que educação diz respeito a muito mais que escola, e está presente em toda e qualquer relação, em que uma pes-soa se torna o que é a partir de como se relaciona com os demais e com o seu ambiente.

É por meio das criações artísticas e das falas de cada indivíduo participante, que as atividades ganham vida e se desenvolvem. O comportamento é o processo de

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equilíbrio do organismo com o meio. Os processos de equilibração do organismo podem ser bastante confusos e complexos, quanto mais complexa e delicada se tornar a relação entre o organismo e o meio. Haverá aí a neces-sidade de equilibrar a balança do homem com o mundo (VIGOTSKI, 2003). A descarga de energia não utilizada faz parte da função da arte (PEDERIVA e TUNES, 2013).

RESULTADOS

Com base nos diálogos estabelecidos nas atividades, pode-se destacar que os fatores mais frequentes de preo-cupação dos estudantes em relação à universidade fo-ram: cobranças em relação às notas e avaliações, ao tem-po de conclusão do curso, receio em relação à elaboração do trabalho de conclusão de curso, assim como a excessi-va imersão em teorias e análises sociais do mundo, bem como o complicado confronto entre o que se imaginava da vida na universidade e a realidade vivenciada.

Um dos incômodos citados por diversos alunos, em relação aos sentimentos desencadeados pela UnB, foi o confronto de suas vivências diárias com as expectativas que nutriram em relação ao curso e a vida universitária. Compreende-se que cada indivíduo que ingressa na gra-duação traz consigo ideias muito particulares e idealiza-das sobre como transcorrerá sua trajetória acadêmica. É natural que, em meio a isso algumas expectativas sejam frustradas. Mas, isso não deve ser banalizado por uma cultura de não conversar sobre esses desapontamentos, ou seja, do silenciamento, entre tantos outros exemplos que são vivenciados ao longo dos anos em que se desen-volve o curso.

Acredita-se que se pode encontrar, na forma como nos relacionamos com o outro, com o mundo e conosco mesmo, a mola propulsora de patologias psicossociais.

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Dessa forma é importante analisar, por meio de um viés pedagógico, o fato da educação escolarizada na univer-sidade estar contribuindo para o adoecimento da saúde mental de estudantes. Por meio de uma ótica pedagó-gica entende-se a arte e o diálogo como fundamentais para o bem-estar dos educandos, refletindo como fator reflexivo sobre a saúde mental dos mesmos.

REFERÊNCIAS

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GASPARIN, João. Uma didática para a pedagogia histó-rico-crítica. 5 ed.rev. Campinas, SP. 2009.

GONÇALVES, Augusto, Charan Alves Barbosa, RAMA-LHO, Maria Luiza Dias Pensando o Sentido da Arte na Educação. In: PEDERIVA, P.L.M; MARTINEZ, Andréia Pereira de Araújo. A escola e a educação estética. Curi-tiba, CVR, 2015.

GUARDA, Gelvane. LUZ, Tatiane. RODRIGUES, Tami-ras. BELTRAME. Lisaura. A Roda de Conversa como Metodologia Educativa: o diálogo e o brincar opor-tunizando o protagonismo infantil na sala de aula. In: Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, XII, 2015, Curitiba, PR. Anais (online). Curitiba: EDUCE-RE, 2015. Disponível em: http://educere.bruc.com.br/

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PEQUENO, Saulo. Educação, Criação e Expressões Cul-turais Tradicionais: o caráter coletivo dos processos de criação frente à autoria individual. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de Brasília. Brasília, 2017.

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