A Era Das Revoluções

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T 6 -A ERA DAS REVOLUÇÕES Europa 1789-1848 De: ERlC J. HOBSBAWM Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira Marcos Penchel Editora: pez e terra 9ªedição Pagina 43 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Tais obras, quaisquer que sejam seus funcionamentos, causas e consequências, têm infinito mérito, e dão grande crédito aos talentos deste homem mui engenhoso e útil, que terá o mérito de, onde quer que vá, fazer com que os homens pensem ... Livre-se desta indiferença estúpida, sonolenta e preguiçosa, desta negligência indolente, que prende os homens aos mesmos caminhos de seus antepassados, sem indagação, sem raciocínio, e sem ambição, e com certeza você estará fazendo o bem. Que sequência de ideias, que espírito de aplicação, que massa e poder de esforço brotaram, em todos os caminhos da vida, das obras de homens como Brindley, Watt, Priestley, A rkwright: Em que caminho da vida pode estar um homem que não se sinta estimulado ao ver a máquina a vapor de Watt? Arthur Young, Viagens na Inglaterra e no País de Gales 1 Desta vala imunda a maior corrente da indústria humana flui para fertilizar o mundo todo. Deste esgoto imundo jorra ouro puro. Aqui a humanidade atinge o seu mais completo desenvolvimento e sua maior brutalidade, aqui a civilização faz milagres e o homem civilizado torna-se quase um selvagem.

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ERlC J. HOBSBAWM

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T 6 -A ERA DAS REVOLUESEuropa 1789-1848

De: ERlC J. HOBSBAWMTraduo deMaria Tereza Lopes TeixeiraMarcos PenchelEditora: pez e terra 9edioPagina 43A REVOLUO INDUSTRIALTais obras, quaisquer que sejam seus funcionamentos, causas e consequncias, tm infinito mrito, e do grande crdito aos talentos deste homem mui engenhoso e til, que ter o mrito de, onde quer que v, fazer com que os homens pensem ... Livre-se desta indiferena estpida, sonolenta e preguiosa, desta negligncia indolente, que prende os homens aos mesmos caminhos de seus antepassados, sem indagao, sem raciocnio, e sem ambio, e com certeza voc estar fazendo o bem. Que sequncia de ideias, que esprito de aplicao, que massa e poder de esforo brotaram, em todos os caminhos da vida, das obras de homens como Brindley, Watt, Priestley, A rkwright: Em que caminho da vida pode estar um homem que no se sinta estimulado ao ver a mquina a vapor de Watt? Arthur Young, Viagens na Inglaterra e no Pas de Gales1 Desta vala imunda a maior corrente da indstria humana flui para fertilizar o mundo todo. Deste esgoto imundo jorra ouro puro. Aqui a humanidade atinge o seu mais completo desenvolvimento e sua maior brutalidade, aqui a civilizao faz milagres e o homem civilizado torna-se quase um selvagem. A. de Toqueville a respeito de Manchester em 18351 I Comecemos com a revoluo industrial, isto , com a Inglaterra. Este, primeira vista, um ponto de partida caprichoso, pois as repercusses desta revoluo no se fizeram sentir de uma maneira bvia e inconfundvel - pelo menos fora da Inglaterra - at bem o finai do nosso perodo; certamente no antes de 1830, provavelmente no antes de 1840 ou por essa poca. Foi somente na dcada de 1830 que a literatura e as artes comearam a ser abertamente obsedadas pela ascenso da sociedade capitalista, por um mundo no qual todos os laos sociais se desintegravam exceto os laos entre o ouro e o papel-moeda (no dizer de Car1yle). A Comdie Humaine de Balzac, o mais extraordinrio monumento literrio dessa ascenso, pertence a esta dcada. At 1840 a grande corrente de literatura oficial e no' oficial sobre os efeiPagina 44tos sociais da revoluo industrial ainda no comeara a fluir: os Bluebooks e as averiguaes estatsticas na Inglaterra, o Tableau de l'tat physique et moral des ouvriers de Villerm, a obra de Engels A Condico da Classe Trabalhadora na Inglaterra. o trabalho de Ducpetiaux na Blgica, e dezenas e dezenas de observadores surpresos ou assustados da Alemanha Espanha e EUA. S a partir da dcada de 1840 que o proletariado, rebento da revoluo industrial, e o comunismo, que se achava agora ligado aos seus movimentos sociais - o espectro do Manifesto Comunista -, abriram caminho pelo continente. O prprio nome de revoluo industrial reflete seu impacto relativamente tardio sobre a Europa. A coisa existia na Inglaterra antes do termo. Os socialistas ingleses e franceses - eles prprios um grupo sem antecessores s o inventaram por volta da dcada de 1820, provavelmente por analogia com a revoluo poltica na Frana J. Ainda assim, seria de bom alvitre consider-la primeiro, por duas razes. Primeiro, porque de fato ela "explodiu" - usando a expresso como um axioma - antes que a Bastilha fosse assaltada; e, segundo, porque sem ela no podemos entender o vulco impessoal da histria sobre o qual nasceram os homens e acontecimentos mais importantes de nosso perodo e a complexidade desigual de seu ritmo. O que significa a frase "a revoluo industrial explodiu"? Significa que a a certa altura da dcada de 1780, e pela primeira vez na histria da humanidade, foram retirados os grilhes do poder produtivo das sociedades humanas, que da em diante se tornaram capazes da multiplicao rpida, constante, e at o presente ilimitada, de homens, mercadorias e servios. Este fato hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a "partida para o crescimento autossustentvel". Nenhuma sociedade anterior tinha sido capaz de transpor o teto que uma estrutura social pr-industrial, uma tecnologia e uma cincia deficientes, e consequentemente o colapso, a fome e a morte peridicas, impunham produo. A "partida" no foi logicamente um desses fenmenos que, como os terremotos e os cometas, assaltam o mundo no tcnico de surpresa. Sua pr-histria na Europa pode ser traada, dependendo do gosto do historiador e do seu particular interesse, at cerca do ano 1000 de nossa era, se no antes, e tentativas anteriores de alar vo, desajeitadas como as primeiras experincias dos patinhos, foram exaltadas com o nome de "revoluo industrial" - no sculo XIII, no XVI e nas ltimas dcadas do XVII. A partir da metade do sculo XVIII, o processo de acumulao de velocidade para partida to ntido que historiadores mais velhos tenderam a datar a revoluo industrial de 1760. M as uma investigao cuidadosa levou a maioria dos estudiosos a localizar como decisiva a dcada de 1780 e no a de 1760, pois foi ento que, at onde se pode distinguir, todos 9s ndices estatsticos relevantes deram uma guinada repentina, brusca e quase vertical para a "partida". A economia, por assim dizer, voava. Chamar este processo de revoluo industrial lgico e est em conformidade com uma tradio bem estabelecida, embora tenha sido Pagina 45moda entre os historiadores conservadores - talvez devido a urna certa timidez face a conceitos incendirios - negar sua existncia e substitu-la por termos banais como "evoluo acelerada". Se a transformao rpida, fundamental e qualitativa que se deu por volta da dcada de 1780 no foi uma revoluo, ento a palavra no tem qualquer significado prtico -De fato, a revoluo industrial no foi um episdio com um princpio e um fim. No tem sentido perguntar quando se "completou", pois sua essncia foi a de que a mudana revolucionria se tornou norma deste ento. Ela ainda prossegue; quando muito podemos perguntar quando as transformaes econmicas chegaram longe o bastante para estabelecer uma economia substancialmente industrializada, capaz de produzir, em termos amplos, tudo que desejasse dentro dos limites das tcnicas disponveis, uma "economia industrial amadurecida" para usarmos o termo tcnico. Na Gr-Bretanha, e portanto no mundo, este perodo de industrializao' inicial provavelmente coincide quase que exatamente com o perodo de que trata este livro, pois se ele comeou com a "partida" na dcada de 1780, pode-se dizer com certa acuidade que terminou com a construo das ferrovias e da indstria pesada na Gr-Bretanha na dcada de 1840. Mas a revoluo mesma, o "ponto de partida", pode provavelmente ser situada, com a preciso possvel em tais assuntos, em certa altura dentro dos 20 anos que vo de 1780 a 1800: contempornea da Revoluo Francesa, embora um' pouco anterior a ela. Sob qualquer aspecto, este foi provavelmente o mais importante acontecimento na histria do mundo, pelo menos desde a inveno da agricultura e das cidades, E foi iniciado pela Gr-Bretanha. evidente que isto no foi acidental. Se tivesse que haver uma disputa pelo pioneirismo da revoluo industrial no sculo XVIII, s haveria de fato um concorrente a dar a largada: o grande avano comercial e industrial de Portugal Rssia, fomentado pelos inteligentes e nem um pouco ingnuos ministros e servidores civis de todas as monarquias iluminadas da Europa, todos eles to preocupados com o crescimento econmico quanto os administradores de hoje em dia. Alguns pequenos Estados e regies de fato se industrializaram de maneira bem impressionante, como por exemplo a Saxnia e a diocese de Lige, embora seus complexos industriais fossem muito pequenos e localizados para exercer a mesma influncia revolucionria mundial dos complexos britnicos. Mas parece claro que at mesmo antes da revoluo a Gr-Bretanha j estava, no comrcio e na produo per capita, bastante frente de seu maior competidor em potencial, embora ainda comparvel a ele em termos de comrcio e produo totais. Qualquer que tenha sido a razo do avano britnico, ele no se deveu superioridade tecnolgica e cientfica. Nas cincias naturais os franceses estavam seguramente frente dos ingleses, 'vantagem que a Revoluo Francesa veio acentuar de forma marcante, pelo menos na matemtica e na fsica, pois ela incentivou as cincias na Frana enquanto que a reao suspeitava delas na Inglaterra. At mesmo nasPagina 46cincias sociais os britnicos ainda estavam muito longe daquela superioridade que fez - e em grande parte ainda faz - da economia um assunto eminentemente anglo-saxo: mas a revoluo industrial colocou-os em um inquestionvel primeiro lugar. O economista da dcada de 1780 lia Adam Smith, mas tambm - e talvez com mais proveito os fisiocratas e os contabilistas fiscais franceses, Quesnay, Turgot, Dupont de Nemours, Lavoisier, e talvez um ou dois italianos. Os franceses produziram inventos mais originais, como o tear de Jacquard (1804) - um aparelho mais complexo do que qualquer outro projetado na Gr-Bretanha - e melhores navios. Os alemes possuam instituies de treinamento tcnico, como li Bergakademie prussiana, que no tinham paralelo na Gr-Bretanha, e a Revoluo Francesa criou um corpo nico e impressionante, a cole Polytechnique. A educao inglesa era uma piada de mau gosto, embora suas deficincias fossem um tanto compensadas pelas duras escolas do interior e pelas universidades democrticas, turbulentas e austeras da Esccia calvinista, que lanavam uma corrente de jovens racionalistas, brilhantes e trabalhadores, em busca de uma carreira no sul do pas: James Watt, Thomas Telford, Loudon McAdam, James Mill. Oxford e Cambridge, as duas nicas universidades inglesas, eram intelectualmente nulas, como o eram tambm as sonolentas escolas pblicas, com a exceo das Academias fundadas pelos "Dissidentes" (Dissenters) que foram excludas do sistema educacional (anglicano). At mesmo as famlias aristocrticas que desejavam educao para seus filhos confiavam em tutores e universidades escocesas. No havia qualquer sistema de educao primria antes que o Quaker Lancaster (e, depois dele, seus rivais anglicanos) lanasse uma espcie de alfabetizao em massa, elementar e realizada por voluntrios, no princpio do sculo XIX, incidentalmente selando para sempre a educao inglesa com controvrsias sectrias. Temores sociais desencorajavam a educao dos pobres. Felizmente poucos refinamentos intelectuais foram necessrios para se fazer a revoluo industrial". Suas invenes tcnicas foram bastante modestas, e sob hiptese alguma estavam alm dos limites de artesos que trabalhavam em suas oficinas ou das capacidades construtivas de carpinteiros, moleiros e serralheiros: a lanadeira, o tear, a fiadeira automtica. Nem mesmo sua mquina cientificamente maisNota: "Por um lado; gratificante perceber que os ingleses obtm um rico tesouro. para sua vida poltica ao estudar os autores antigos, embora s vezes de maneira pedante; tanto que os oradores 'parlamentares frequentemente citavam os antigos para .consegu.lr seus intentos, prtica esta que era favoravelmente recebida pela Assembleia e surtia efeito. Por outro lado, surpreendente que num pais onde so predominantes as tendncias manufatureiras, sendo portanto evidente a necessidade de se familiarizar o povo com as cincias e as artes que fazem progredir estes objetivos, passa quase desapercebida a ausncia destas disciplinas no currculo da educao da Juventude. E igualmente surpreendente o quanto, no obstante, conseguido, por homens carentes de qualquer formao acadmica para suas profisses." W. Wachsmuth, Europaeische Siuengeschichte 5. (Leipzig, 1839), p. 736. 46Pagina47Sofisticada, a mquina a vapor rotativa de James Watt (1784), necessitava de mais conhecimentos de fsica do que os disponveis ento h quase um sculo - a teoria adequada das mquinas a vapor s6 foi desenvolvida ex post facto pelo francs Carnot na dcada de 1820 - e podia contar com vrias geraes de utilizao, prtica de mquinas a vapor, principalmente nas minas. Dadas as condies adequadas, as inovaes tcnicas da revoluo industrial praticamente se fizeram por si mesmas, exceto talvez na indstria qumica. Isto no significa que os primeiros industriais no estivessem constantemente interessados na cincia e em busca de seus benefcios prticos. 4 Mas as condies adequadas estavam visivelmente presentes na Gr-Bretanha, onde mais de um sculo se passara desde que o primeiro rei tinha sido formalmente julgado e executado pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento econmico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da poltica governamental. A soluo britnica do problema agrrio, singularmente revolucionria, j tinha sido encontrada na prtica. Uma relativa quantidade de proprietrios com esprito comercial j quase monopolizava a terra, que era cultivada por arrendatrios empregando camponeses sem terra ou pequenos agricultores. Um bocado de resqucios, verdadeiras relquias da antiga economia coletiva do interior, ainda estava para ser removido pelos Decretos das Cercas (Encosure Acts) e as transaes particulares, mas quase praticamente no se podia falar de um "campesinato britnico" da mesma maneira que um campesinato russo, alemo ou francs. As atividades agrcolas j estavam predominantemente dirigidas para o mercado; as manufaturas de h muito tinham-se disseminado por um interior no feudal. A agricultura j estava preparada para levar a termo suas trs funes fundamentais numa era de industrializao: aumentar a produo e a produtividade de modo a alimentar uma populao no agrcola em rpido crescimento; fornecer um grande e.crescente excedente de recrutas em potencial para as cidades e as indstrias; e fornecer um mecanismo para o acmulo de capital a ser usado nos setores mais modernos da economia. (Duas outras funes eram provavelmente menos importantes na Gr-Bretanha: a criao de um mercado suficientemente grande entre a populao agrcola - normalmente a grande massa do povo - e o fornecimento de um excedente de exportao que contribusse para garantir as importaes de capital.) Um considervel volume de capital social elevado - o caro equipamento geral necessrio para toda a economia progredir suavemente - j estava sendo criado, principalmente na construo de uma frota mercante e de facilidades porturias e na melhoria das estradas e vias navegveis. A poltica j estava engatada ao lucro. As exigncias especficas dos homens de negcios podiam encontrar a resistncia de outros interesses estabelecidos; e, como veremos, os proprietrios rurais haviam de erguer uma ltima barreira para impedir o avano da mentalidade industrial entre 1795 e 1846. No geral, todavia, o dinheiro no s falava corno governava. Tudo que osPagina 48industriais precisavam para serem aceitos entre os governantes da sociedade era bastante dinheiro. O homem de negcios estava sem dvida engajado no processo de conseguir mais dinheiro, pois a maior parte do sculo XVIII foi para grande parte da Europa um perodo de prosperidade e de cmoda expanso econmica; o verdadeiro pano de fundo para o alegre otimismo do dr. Pangloss, de Voltaire. Pode-se muito bem argumentar que mais cedo ou mais tarde esta expanso, acompanhada de uma pequena inflao, teria empurrado algum pais atravs do portal que separa a economia pr-industrial da industrial. Mas o problema no to simples. A maior parte da expanso industrial do sculo XVIII no levou de fato e imediatamente, ou dentro de um futuro previsvel, a uma revoluo industrial, isto , criao de um "sistema fabril" mecanizado que por sua vez produz em quantidades to grandes e a um custo to rapidamente decrescente a ponto de no mais depender da demanda existente, mas de criar o seu prprio mercado . Por exemplo, a indstria de construes, ou as inmeras indstrias de pequeno porte produtoras de objetos de metal para uso domstico - alfinetes, vasilhas, facas, tesouras etc. -, na Inglaterra central e na regio de Yorkshire, expandiram-se grandemente neste perodo, mas sempre em funo do mercado existente. Em 1850, embora tivessem produzido bem mais do Que em 1750, o fizeram substancialmente de maneira antiquada. O que erra necessrio no era um tipo qualquer de expanso, mas sim o tipo especial de expanso que produziu Manchester ao invs de Biringham. Alm disso, as revolues industriais pioneiras ocorreram em uma situao histrica especial, em que o crescimento econmico surge de um acmulo de decises de incontveis empresrios e investidores particulares, cada um deles governado pelo primeiro mandamento da poca, comprar' no mercado mais barato e vender no mais caro. Como poderiam eles descobrir que o lucro mximo devia ser detido com a organizao da revoluo industrial e no com atividades comerciais mais conhecidas (e mais lucrativas no passado)? Como poderiam saber, o que ningum sabia at ento, que a revoluo industrial produziria uma acelerao mpar na expanso dos seus mercados? Dado que as principais bases sociais de uma sociedade industrial tinham sido lanadas, como quase certamente j acontecera na Inglaterra de fins do sculo XVIII, duas coisas eram necessrias: primeiro, uma indstria que j oferecesse recompensas excepcionais para o fabricante que pudesse expandir sua produo rapidamente, se necessrio atravs de inovaes simples e razoavelmente baratas, e, segunNota: A indstria automobilstica moderna um bom exemplo disto. No foi a demanda de carros existentes na dcada de 1890 que criou uma indstria de porte atual, mas a' capacidade de produzir carros baratos que fomentou a atual demanda em massa, Pagina 49do, um mercado mundial amplamente monopolizado por uma nica nao produtora. Estas consideraes se aplicam em certos aspectos a todos os pases nessa poca. Por exemplo, em todos eles a dianteira no crescimento industrial foi tomada por fabricantes de mercadorias de consumo de massa -. principalmente, mas no exclusivamente, produtos txteis 6 porque o mercado para tais mercadorias j existia e os homens de negcios' podiam ver claramente suas possibilidades de expanso. Sob outros aspectos, entretanto, eles se aplicam somente Gr-Bretanha, pois os industriais pioneiros enfrentaram os problemas mais difceis. Uma vez iniciada a industrializao na Gr-Bretanha, outros pases podiam comear a gozar dos benefcios da rpida expanso econmica que a revoluo industrial pioneira estimulava. Alm do mais, o sucesso britnico provou o que se podia conseguir com ela, a tcnica britnica podia ser imitada, o capital e a habilidade britnica podiam ser importados. A indstria txtil saxnica, incapaz de criar seus prprios inventes, copiou os modelos ingleses. s vezes com a superviso de mecnicos ingleses; os ingleses que tinham um certo gosto pelo continente, como os Cockerill, estabeleceram-se na Blgica e em vrias partes da Alemanha. Entre 1789 e 1848, a Europa e a Amrica foram inundadas por especialistas, mquinas a vapor, maquinaria para (processamento e transformao do ) algodo e investimentos britnicos. A Gr-Bretanha no gozava dessas vantagens. Por outro lado, possua uma economia bastante forte e um Estado suficientemente agressivo para conquistar os mercados de seus competidores. De fato, as guerras de 1738-1815, a ltima e decisiva fase do secular duelo anglo-francs, virtualmente eliminaram do mundo no europeu todos os rivais dos britnicos, exceto at certo ponto os jovens EUA. Alm do mais, a Gr-Bretanha possua uma indstria admiravelmente ajustada revoluo industrial pioneira sob condies capitalistas e uma conjuntura econmica que permitia que se lanasse indstria algodoeira e expanso colonial. II A indstria algodoeira britnica, como todas as outras indstrias algodoeiras, tinha originalmente se desenvolvido como um subproduto' do comrcio ultramarino, que produzia sua matria-prima (ou melhor, uma de suas matrias-primas, pois o produto original era o fusto, uma mistura de algodo e linho) e os tecidos indianos de alNota: "S muito vagarosamente o poder aquisitivo se expandiu com a populao, a renda per capita, os custos dos transportes e as restries ao comrcio. Mas o mercado se expandia, e a pergunta vital era: quando um produtor de alguma. Mercadoria de consumo de massa conseguiria uma fatia do mesmo suficientemente grande para permitir uma expanso rpida e contnua de sua produo." Pagina 50godo, ou chita, que conquistaram os mercados que os fabricantes europeus tentariam ganhar com suas imitaes. Inicialmente eles no foram muito bem sucedidos, embora melhor capacitados a reproduzir competitivamente as mercadorias grosseiras e baratas do que as finas c elaboradas. Felizmente, entretanto, o velho e poderoso interesse estabelecido do comrcio lanfero periodicamente assegurava proibies de importao de chitas indianas (que o interesse puramente mercantil da Companhia das ndias Orientais procurava exportar da ndia nas maiores quantidades possveis), dando assim uma chance aos substitutos da indstria algodoeira nativa. Mais barato que a l, o algodo e as misturas de algodo conquistaram um mercado domstico pequeno, porm til. Mas suas maiores chances de expanso rpida estavam no ultramar. O comrcio colonial tinha criado a indstria algodoeira, e continuava a aliment-la. No sculo XVIII ela se desenvolvera perto dos maiores portos coloniais: Bristol, Glasgow e, especialmente, Liverpool, o grande centro do comrcio de escravos. Cada fase deste comrcio desumano, mas sempre em rpida expanso, a estimulava. De fato, durante todo o perodo de que trata este livro, a escravido e o algo-: do marcharam juntos. Os escravos africanos eram comprados, pelo menos em parte, com produtos de algodo indianos, mas, quando o fornecimento destas mercadorias era interrompido pela guerra ou uma revolta na ndia ou arredores, entrava em jogo a regio de Lancashire. As- plantaes das ndias Ocidentais, onde os escravos eram arrebanhados, forneciam o grosso do algodo para a indstria britnica, e em troca os plantadores compravam tecidos de algodo de Manchester em apreciveis quantidades. At pouco antes da "partida", quase o total das exportaes de algodo da regio de Lancashire ia para os mercados americano e africano '. Mais tarde a regio de Lancashire viria a pagar sua dvida com a escravido preservando-a; pois depois da dcada de 1790as plantaes escravagistas do sul dos Estados Unidos foram aumentadas e mantidas pelas insaciveis e vertiginosas demandas das fbricas de Lancashire, s quais forneciam o grosso da sua produo de algodo bruto. A indstria algodoeira foi assim lanada, como um planador, pelo empuxo do comrcio colonial ao qual estava ligada; um comrcio que prometia uma expanso no apenas grande, mas rpida e sobretudo imprevisvel, que encorajou o empresrio a adotar as tcnicas revolucionrias necessrias para lhe fazer face. Entre 1750 e 1769, a exportao britnica de tecidos de algodo aumentou mais de dez vezes. Assim, a recompensa para o homem que entrou primeiro no mercado com as maiores quantidades de algodo era astronmica e valia os riscos da aventura tecnolgica. Mas o mercado ultramarino, e especialmente as suas pobres e atrasadas "reas subdesenvolvidas", no s se expandia de forma fantstica de tempos em tempos, como tambm o fazia constantemente sem um limite aparente. Sem dvida, qualquer Pagina 51pedao dele, considerado isoladamente, era pequeno pelos padres industriais, e a competio de diferentes "economias adiantadas" o fez ainda menor. Mas, como j vimos, supondo que qualquer uma das economias adiantadas conseguisse, por um perodo suficientemente longo, monopolizar todos ou quase todos os seus setores, ento suas perspectivas seriam realmente ilimitadas. Foi precisamente o que conseguiu a indstria algodoeira britnica, ajudada pelo agressivo apoio do governo nacional. Em termos de vendas, a revoluo industrial pode ser descrita, com a exceo dos primeiros anos da dcada de 1780, como a vitria do mercado exportador sobre o domstico: por volta de 1814, a Gr-Bretanha exportava cerca de quatro jardas de tecido de algodo para cada trs usadas internamente, e, por volta de 1850,treze para cada oito a. E dentro deste mercado exportador em expanso, por sua vez, os mercados colonial e semi-colonial, por muito tempo os maiores pontos de vazo para os produtos britnicos, triunfaram. Durante as guerras napolenicas, quando os mercados europeus foram grandemente interrompidos pelas guerras e bloqueios econmicos, isto era bastante natural. Mas at mesmo depois das guerras, eles continuaram a se afirmar. Em 1820, a Europa, mais uma vez aberta s livres importaes da ilha, adquiriu 128 milhes de jardas de tecidos de algodo britnicos; a Amrica, fora os EU A, a frica e a sia adquiriram 80 milhes; mas por volta de 1840 a Europa adquiriu 200 milhes de jardas, enquanto as reas "subdesenvolvidas" adquiriram 529 milhes. Pois dentro destas reas a indstria britnica tinha estabelecido um monoplio por meio de guerras, revolues locais e de seu prprio domnio imperial. Duas regies merecem particular ateno. A Amrica Latina veio realmente depender de importaes britnicas durante as guerras napolenicas, e, depois que se separou de Portugal e Espanha (vide captulos 6-1 e 13-1 adiante), tornou-se quase que totalmente dependente economicamente da Gr-Bretanha, sendo afastada de qualquer interferncia poltica dos seus possveis competidores europeus. Por volta de 1820, as importaes de tecidos de algodo ingleses feitas por este empobrecido continente j equivaliam a mais de um quarto das importaes europeias do mesmo produto britnico; por volta de 1840, adquiriu o equivalente quase metade do que importou a Europa. As ndias Orientais haviam sido, como vimos, o exportador tradicional de tecidos de algodo, encorajada pela Companhia das ndias Orientais. Mas como o interesse industrial estabelecido prevaleceu na Gr-Bretanha, os interesses mercantis da ndia Oriental (para no mencionar os dos prprios indianos) foram empurrados para trs. A ndia foi sistematicamente desindustrializada e passou de exportador a mercado para os produtos de algodo da regio de Lancashire: em 1820, o subcontinente adquiriu somente 11 milhes de jardas; mas por volta de 1840 j adquiria 145 milhes. Isto no era meramente uma extenso gratificante dos mercados de Lancashire. Era um grande marco na histria mundial. Pois desde a aurora dos tempos a Europa Pagina 52tinha sempre importado mais do Oriente do que exportado para l; porque havia pouca coisa que o Oriente necessitava do Ocidente em troca das especiarias, sedas, chitas, jias etc. que lhe enviava. Os panos de algodo da revoluo -industrial inverteram pela primeira vez esta relao, que tinha at ento se mantido em equilbrio por uma mistura de exportaes de lingotes e roubo. Somente os auto suficientes e conservadores chineses ainda se recusavam a comprar o que o Ocidente, ou as economias controladas pelo Ocidente, oferecia, .at que entre 1815 e 1842 comerciantes ocidentais, auxiliados pelas canhoneiras_ ocidentais, descobrissem uma mercadoria ideal que podia ser exportada em massa da ndia para o Extremo Oriente: o pio. O algodo, portanto, fornecia possibilidades suficientemente astronmicas para tentar os empresrios privados a se lanarem na aventura da revoluo industrial e tambm uma expanso suficientemente rpida para torn-la uma exigncia. Felizmente ele tambm fornecia as outras condies que a tornaram possvel. Os novos inventos que o revolucionaram - a mquina de fiar, o tear movido a gua, a fiadeira automtica e, um pouco mais tarde, o tear a motor - eram suficientemente simples e baratos 'e se pagavam quase que imediatamente em termos de maior produo. Podiam ser instalados, se necessrio pea por pea, por homens que comeavam com algumas libras emprestadas, j que os homens que controlavam as maiores fatias da riqueza do sculo XVIII no estavam muito inclinados a investir grandes somas na indstria. A expanso da indstria podia ser facilmente financiada atravs dos lucros correntes, pois a combinao de suas vastas conquistas de mercado com uma constante inflao dos preos produzia lucros fantsticos. "No foram os 5 ou 10%", diria mais tarde um poltico ingls, com justia, "mas as centenas ou os milhares por cento que fizeram as fortunas de Lancashire." Em 1789, um ex ajudante de um vendedor de tecidos, como Robert Owen, podia iniciar com um emprstimo de 100 libras em Manchester; por volta de 1809, ele comprou a parte de seus scios nas fbricas de New Lanark por 84 mil libras em dinheiro vivo. E seu sucesso nos negcios foi relativamente modesto. Deve-se lembrar que por volta de 1800 menos de 15% das famlias britnicas tinham uma renda superior a 50 libras por ano, e, destas, somente um-quarto ganhava mais de 200 libras por ano . Mas a indstria do algodo tinha outras vantagens. Toda a sua matria-prima vinha do exterior, e seu suprimento podia portanto ser expandido pelos drsticos mtodos que se ofereciam aos brancos nas colnias - a escravido e a abertura de novas reas de cultivo - em vez dos mtodos mais lentos da agricultura europeia; nem era tampouco atrapalhada pelos interesses agrrios estabelecidos da Europa. ANota: Os fornecimentos ultramarinos de l, por exemplo, tiveram pouqussima importncia durante todo o nosso perodo, s se tornando um fator importante na dcada de 1870, Pagina 53partir da dcada de 1790, o algodo britnico encontrou seu suprimento, ao qual permaneceram ligadas suas fortunas at a dcada de 1860, nos novos estados sulistas dos EU A. De novo, em pontos cruciais da indstria (notadamente na fiao), o algodo sofreu uma escassez de mo-de-obra eficiente e barata, e foi portanto levado mecanizao. Uma indstria como a do linho, que inicialmente tinha chances bem melhores de expanso colonial do que o algodo, passou a sofrer com o correr do tempo da prpria facilidade com que a produo no mecanizada e barata podia ser expandida nas empobrecidas regies camponesas (principalmente na Europa Central, mas tambm na Irlanda) onde basicamente havia florescido. Pois a maneira bvia de se expandir a indstria no sculo XVIII, tanto na Saxnia e na Normandia como na Inglaterra, no era construir fbricas, mas sim o chamado sistema "domstico", no qual os trabalhadores - em alguns casos, antigos artesos independentes, em outros, antigos camponeses com tempo de sobra nas estaes estreis do ano - trabalhavam a matria prima em suas prprias casas, com ferramentas prprias ou alugadas, recebendo-a e entregando-a de volta aos mercadores que estavam a caminho de se tornarem patres:" . De fato, tanto na Gr-Bretanha como no resto do mundo economicamente progressista, o grosso da expanso no perodo inicial da industrializao continuou a ser deste tipo. At mesmo na indstria algodoeira, processos do tipo tecelagem eram expandidos pela criao de multides de teares manuais domsticos para servir aos ncleos de fiaes mecanizados, sendo que o primitivo tear manual era um dispositivo mais eficiente que a roca. Em toda parte a tecelagem foi mecanizada uma gerao aps a fiao, e em toda parte, incidentalmente, os teares manuais foram morrendo vagarosamente, ocasionalmente se rebelando contra seu terrvel destino, quando a indstria no mais necessitava deles. III A perspectiva tradicional que viu a histria da revoluo industrial britnica primordialmente em termos de algodo portanto correta. A primeira indstria a se revolucionar foi a do algodo, e dificil perceber que outra indstria poderia ter empurrado um grande nmero de empresrios particulares rumo revoluo. At a dcada de 1830, o algodo era a nica indstria britnica em que predominava a fbrica ou o "engenho" (o nome derivou-se do mais difundido estabelecimento pr-industrial a empregar pesada maquinaria a motor); aNota: O "sistema domstico", que um estgio universal do desenvolvimento manufatureiro da produo caseira para a indstria moderna, pode tomar inmeras formas, algumas eventualmente muito prximas da fbrica. Se um escritor do sculo XVIlI fala de "manufaturas", isto que invariavelmente ele quer dizer em todos os pases ocidentais.

Pagina 54princpio (1780-1815), principalmente na fiao, na cardao e em algumas operaes a auxiliares, depois (de 1815) tambm cada vez mais na tecelagem. As "fbricas" de que tratavam os novos Decretos Fabris eram, at a dcada de 1860, entendidas exclusivamente em termos de fbricas txteis e predominantemente em termos de engenhos algodoeiros. A produo fabril em outros ramos txteis teve desenvolvimento lento antes da dcada de 1840, e em outras manufaturas seu desenvolvimento foi desprezvel. Nem mesmo a mquina a vapor, embora aplicada a numerosas outras indstrias por volta de 1815, era usada fora da minerao, que a tinha empregado pioneiramente. Em 1830, a "indstria" e a "fbrica" no sentido moderno ainda significavam quase que exclusivamente as reas algodoeiras do Reino Unido. Com isto no se pretende subestimar as foras que introduziram a inovao industrial em outras mercadorias de consumo, notadamente outros produtos txteis", alimentos e bebidas, cermica e outros produtos de uso domstico, grandemente estimuladas pelo rpido crescimento das cidades. Mas, para comear, estas indstrias empregavam muito menos pessoal: nenhuma se aproximava sequer remotamente do milho e meio de pessoas empregadas diretamente na indstria algodoeira ou dela dependentes em 1833. Em segundo lugar, seu poder de transformao era muito menor: a cervejaria. que era em muitos aspectos um negcio tcnica e cientificamente muito mais avanado e mecanizado, e que se revolucionou muito antes da indstria algodoeira, pouco afetou a economia sua volta, como pode ser provado pela grande cervejaria Guinness em Dublin, que deixou o resto de Dublin e da' economia irlandesa (embora no o paladar local) idnticos ao que eram antes de sua construo 12. As exigncias que se derivaram do algodo - mais construes e todas as atividades nas novas reas industriais, mquinas, inovaes qumicas, eletrificao industrial, uma frota mercante e uma srie de outras atividades - foram bastantes para que se credite a elas uma grande proporo do crescimento econmico da Gr-Bretanha at a dcada de 1830. Em terceiro lugar, a expanso da indstria algodoeira foi to vasta e seu peso no comrcio exterior da Gr-Bretanha to grande que dominou os movimentos de toda a economia. A quantidade de algodo em bruto importada pela Gr-Bretanha subiu de 11 milhes de libras-peso em 1785 para 588 milhes em 1850; a produo de tecidos, de 40 milhes para 2,025 bilhes de jardas IJ. OS produtos de algodo constituam entre 40 e 50% do valor anual declarado de todas as exportaes britnicas entre 1816 e 1848. Se o algodo florescia, a economia florescia, se ele caa, tambm caa a economia. Suas oscilaes de preo determinavam a balana do comrcio nacional. S a agricultura tinha um poder comparvel, e no entanto estava em visvel declnio.Nota: Em todos os pases que produziam qualquer espcie de manufaturas vendveis, as txteis tendiam a predominar: na Silsia (1800), constituam 74% do valor de todas as manufaturas. Pagina 55No obstante, embora a expanso da indstria algodoeira e da economia industrial dominada pelo algodo zombasse de tudo o que a mais romntica das imaginaes poderia ter anteriormente concebido sob qualquer circunstncia seu progresso estava longe de ser 'tranquilo, e por volta da dcada de 1830 e princpios de 1840 produzia grandes problemas de crescimento, para no mencionarmos a agitao revolucionria sem paralelo em qualquer outro perodo da histria britnica recente. Esse primeiro tropeo geral da economia capitalista industrial reflete-se numa acentuada desacelerao no crescimento, talvez at mesmo um declnio, da renda nacional britnica nesse perodo 11. Essa primeira crise geral do capitalismo no foi puramente um fenmeno britnico. Suas mais srias consequncias foram sociais: a transio da nova economia criou a misria e o descontentamento, os ingredientes da revoluo social. E, de fato, a revoluo social colidiu na forma de levantes espontneos dos trabalhadores da indstria e das populaes pobres das cidades, produzindo as revolues de 1848 no continente e os amplos movimentos cartistas na Gr-Bretanha, O descontentamento no estava ligado apenas aos trabalhadores pobres. Os pequenos comerciantes, sem sada, a pequena burguesia, setores especiais da economia eram tambm vitimas da revoluo industrial e de suas ramificaes. Os trabalhadores de esprito simples reagiram ao novo sistema destruindo as mquinas que julgavam ser responsveis pelos problemas; mas um grande e surpreendente nmero de homens de negcios e fazendeiros ingleses simpatizava profundamente com estas atividades dos seus trabalhadores luditas " porque tambm eles se viam como vtimas da minoria diablica de inovadores egostas. A explorao da mo-de-obra, que mantinha sua renda a nvel de subsistncia, possibilitando aos ricos acumularem os lucros que financiavam a industrializao (e seus prprios e amplos confortos), criava um conflito com o proletariado. Entretanto, um outro aspecto desta diferena de renda nacional entre pobres e ricos, entre o consumo e o investimento, tambm trazia contradies com o pequeno empresrio. Os grandes financistas, a fechada comunidade de capitalistas nacionais e estrangeiros que embolsava o que todos pagavam em impostos (cf. captulo sobre a guerra) - cerca de 8% de toda a renda nacional -, eram talvez ainda mais impopulares entre os pequenos homens de negcios, fazendeiros e outras categorias semelhantes do que entre os . trabalhadores, pois sabiam o suficiente sobre dinheiro e crdito para sentirem uma ira pessoal por suas desvantagens. Tudo corria muito bem para os ricos, que podiam levantar todos os crditos de que necesNota: Grupos de trabalhadores ingleses que, entre 181l e 1816, se rebelaram e destruram mquinas txteis, pois 'acreditavam que elas eram responsveis pelo desemprego. O lder ou iniciador desses movimentos chamava-se, provavelmente, Ned ou Kina Ludd, Da, supe-se, deriva o vocbulo ingls Luddtte.! N. T.) Pagina 56sitavam para provocar na economia uma deflao rgida e uma ortodoxia monetria depois das guerras napolenicas: era o pequeno que sofria e que, em todos os pases e durante todo o sculo XIX, exigia crdito fcil e financiamento flexvel . Os trabalhadores e a queixosa pequena burguesia, prestes a desabar no abismo dos destitudos de propriedade, partilhavam portanto dos mesmos descontentamentos. Estes descontentamentos por sua vez uniam-nos nos movimentos de massa do "radicalismo", da "democracia" ou da "repblica", cujos exemplares mais formidveis, entre 1815 e 1848, foram os radicais britnicos, os republicanos franceses e os democratas jacksonianos americanos. Do ponto de vista dos capitalistas, entretanto, estes problemas sociais s eram relevantes para o progresso da economia se, por algum terrvel acidente, viessem a derrubar a ordem social. Por outro lado, parecia haver certas falhas inerentes ao processo econmico que ameaavam seu objetivo fundamental: o lucro. Se a taxa de retorno do capital se reduzisse. a zero, uma economia em que os homens produziam apenas para ter lucro diminuiria o passo at um "estgio estacionrio" que os economistas pressentiam e temiam 17. Destas, as trs falhas mais bvias eram o ciclo comercial de boom e depresso, a tendncia de diminuio da taxa de lucro e (o que vinha a dar no mesmo) a escassez de oportunidades de investimento lucrativo. A primeira no era considerada sria, exceto pelos crticos do capitalismo como tal, que foram os primeiros a investig-la e a considera-la parte integrante do processo econmico capitalista e como sintoma de suas contradies inerentesv". As crises peridicas da economia, que levavam ao desemprego, quedas na produo, bancarrotas etc., eram bem conhecidas. No sculo XVIII elas geralmente refletiam alguma catstrofe agrria (fracassos na colheita etc.) e j se provou que no continente europeu os distrbios agrrios foram a causa primordial das maiores depresses at o final de nosso perodo. As crises peridicas nos pequenos setores manufatureiros e financeiros da economia eram tambm conhecidas, na Gr-Bretanha pelo menos desde 1793. Depois das guerras napolenicas, o drama peridico do boom e da depresso - em .1825-6, em 1836-7, em 1839-42, em 1846-8 - dominou claramente a vida econmica da nao em tempos de paz. Por volta da dcada de 1830, uma poca crucial no perodo histrico que estudamos, mais ou menos se reconhecia que as crises eram fenmenos peridicos regulares, ao menos no comrcio e nas finanas ", Entretanto, osNota: Do radicalismo ps-napolenico da Gr-Bretanha ao populismo nos EUA, todos os movimentos de protesto que incluam fazendeiros e pequenos empresrios podem ser reconhecidos pelas suas exigncias contra a ortodoxia financeira: eram todos "manacos da moeda corrente". O suo Simonde.de Simonde e o conservador Malthus foram os primeiros a usarem estes argumentos, mesmo antes de 1825. Os novos socialistas fizeram da teoria da crise a pedra 'fundamental de sua critica ao capitalismo. Pagina 57homens de negcios comumente consideravam que as crises eram causadas ou por enganos particulares - p. ex. super especulao nas bolsas americanas - ou ento por interferncia externa nas tranquilas atividades da economia capitalista. No se acreditava que elas refletissem quaisquer dificuldades fundamentais do sistema. O mesmo no ocorria com a decrescente margem de lucros, que a indstria algodoeira ilustrava de maneira bastante clara. Inicialmente esta indstria beneficiou-se de imensas vantagens. A mecanizao aumentou muito a produtividade (isto , reduziu o custo por unidade produzida) da mo-de-obra, que de qualquer forma recebia salrios abominveis j que era formada em grande parte por mulheres e crianas . Dos 12 mil trabalhadores nas indstrias algodoeiras de Glasgow em 1833, somente 2 mil ganhavam uma mdia de mais de 11shillings por semana. Em 131 fbricas de Manchester os salrios mdios eram de menos de 12shillings, e somente em 21 eram mais altos 19. E a construo de fbricas era relativamente barata: em 1846, uma fbrica inteira de tecelagem, com 410 mquinas, incluindo o custo do terreno e dos prdios, podia ser construda por aproximadamente 11 mil libras 22. Mas acima de tudo o maior gasto, relativo matria-prima, foi drasticamente diminudo pela rpida expanso do cultivo do algodo no sul dos EU A depois da inveno do descaroador de algodo de Eli Whitney, em 1793. Se acrescentarmos que os empresrios gozavam do beneficio de uma inflao sobre o lucro (isto , a tendncia geral dos preos de serem mais altos quando vendiam seus produtos do que quando os faziam), compreenderemos porque as classes manufatureiras se sentiam animadas. Depois de 1815, estas vantagens comearam a diminuir cada vez mais devido reduo da margem de lucros. Em primeiro lugar, a revoluo industrial e a competio provocaram uma queda dramtica e constante no preo dos artigos acabados mas no em vrios custos de produo li. Em segundo lugar, depois de 1815, a situao geral dos preos era de deflao e no de inflao, ou seja, os lucros, longe de um impulso extra, sofriam um leve retrocesso. Assim, enquanto em 1784 o preo de venda de uma libra-peso de fio duplo fora de 10 shillings e II pence e o custo da matria-prima 2 shillings (margem: 8 shillings e 11 pence), em 1812 seu preo era de 2 shillings e 6 pence e o custo da matria-prima I shilling e 6 pence (margem de I shilling), caindo em 1832 respectivamente para II 1/4 pence e 7 1/2 pence, reduzindo a 4 pence a margem para outros custos e lucros ll. Claro, a situao, que era geral em toda a indstria, tanto a britnica como as outras, no era muito trgica. "Os lucros ainda so suficientes", escreveu em 1835o historiador e campeo do algodo, em mais do que um eufemismo, "para permitirNota: Em 1835. E. Baines estimava em 10 shillings por semana a mdia salarial de todos os operadores de mquinas de tecelagem e fiao - cujas frias anuais de duas semanas no eram remuneradas - e em 7 shillings a dos teceles manuais. Pagina 58um grande acmulo de capital na manufatura,"23 Assim como as vendas totais cresceram vertiginosamente, tambm cresceram os lucros totais mesmo em suas taxas decrescentes. Tudo o que se precisava era uma expanso astronmica e contnua. No obstante, parecia que o encolhimento das margens de lucro tinha que ser contido ou ao menos desacelerado. Isto no podia ser feito atravs do corte nos custos. E, de todos os custos, os salrios - que McCulloch calculou em trs vezes o montante anual da matria-prima - eram os mais comprimeis. Eles podiam ser comprimidos pela simples diminuio, pela substituio de trabalhadores qualificados, mais caros, e pela competio da mquina com a mo-de-obra que reduziu o salrio mdio semanal dos teceles manuais em Bolton de 33 shillings em 1795 e 14 shillings em 1815 para 5 shillings e 6 pence (ou mais precisamente, uma renda lquida de 4 shillings I 1/2 pence) em 1829-3424 E de fato os salrios caram brutalmente no perodo ps-napolenico. Mas havia um limite fisiolgico nessas redues, caso contrrio os trabalhadores morreriam de fome, como de fato aconteceu com 500 mil teceles manuais. Somente se o custo de vida casse podiam tambm os salrios cair alm daquele limite. Os fabricantes de algodo partilhavam o ponto de vista de que o custo de vida era mantido artificialmente alto pelo monoplio da propriedade fundiria, piorado ainda pelas pesadas tarifas protetoras que um Parlamento de proprietrios de terra tinha assegurado s atividades agrcolas britnicas depois das guerras as Leis do Trigo (Corn-Laws]. Essa legislao protecionista tinha ainda a desvantagem adicional de ameaar o crescimento essencial das exportaes britnicas. Pois se o resto do mundo ainda no industrializado era impedido de vender seus produtos agrcolas, como poderia pagar pelas mercadorias manufaturadas que s6 a Gr-Bretanha podia - e tinha para - fornecer? O mundo empresarial de Manchester tornou-se portanto o centro da oposio, cada vez mais desesperada e militante, aos proprietrios de terras em geral e s Leis do Trigo em particular, constituindo a coluna vertebral da Liga Contra as Leis do Trigo de 1838-46. Mas as Leis s foram abatidas em 1846 e sua abolio no levou imediatamente a uma queda no custo de vida, sendo duvidoso que antes da era das ferrovias e dos navios a vapor mesmo importaes livres de alimentos o tivessem feito baixar. A indstria estava assim sob uma enorme presso para que se mecanizasse (isto , baixasse os custos atravs da diminuio da mo-de obra), racionalizasse e aumentasse a produo e as vendas, compensando com uma massa de pequenos lucros por unidade a queda nas margens. Seu sucesso foi varivel. Como vimos, o crescimento real da produo e das exportaes foi gigantesco; bem como, depois de 1815, a mecanizao das ocupaes at ento manuais ou parcialmente mecanizadas, notadamente a tecelagem. Isto tomou a forma principalmente de uma adoo geral da maquinaria j existente ou ligeiramente melhorada, ao invs de uma revoluo tecnol6gica adicional. Embora S8Pagina 59a presso por uma inovao tcnica aumentasse significativamente havia 39 patentes novas na fiao e em outros processos da indstria do algodo em 1800-20, 51 na dcada de 1820, 86 na dcada de 1830 e 156 na de 1840 II -, a indstria algodoeira britnica se achava tecnicamente estabilizada por volta da dcada de 1830. Por outro lado, em bora a produo por trabalhador tivesse aumentado no perodo ps napolenico, isto no se deu em uma escala revolucionria. A acelerao realmente substancial das operaes da indstria iria ocorrer na segunda metade do sculo. Havia uma presso semelhante sobre o ndice de rentabilidade do capital, que a teoria contempornea tendeu a identificar com o lucro. Mas esta considerao leva-nos fase seguinte do desenvolvimento industrial - a construo de uma indstria bsica de bens de capital. IV evidente que nenhuma economia industrial pode-se desenvolver alm de um certo ponto se no possui uma adequada capacidade de bens de capital. Eis por que, at mesmo hoje, o mais abalizado ndice isolado para se avaliar o potencial industrial de qualquer pais a quantidade de sua produo de ferro e ao. Mas tambm evidente que, num sistema de empresa privada, o investimento de capital extremamente dispendioso que se faz necessrio para a maior parte deste desenvolvimento no assumido provavelmente pelas mesmas razes que a industrializao do algodo ou outros bens de consumo. Para estes j existe um mercado de massa, ao menos potencialmente: mesmo os homens mais primitivos usam camisas ou equipamentos domsticos e alimentos. O problema resume-se meramente em como colocar um mercado suficientemente vasto de maneira suficientemente rpida ao alcance dos homens de negcios. Mas no existe um mercado desse tipo, por exemplo, para pesados equipamentos de ferro ou vigas de ao. Ele s passa a existir no curso de uma revoluo industrial, e os que colocaram seu dinheiro nos altssimos investimentos exigidos at por metalrgicas bem modestas (em comparao com enormes engenhos de algodo) so antes especuladores, aventureiros e sonhadores do que verdadeiros homens de negcios. De fato, na Frana, uma seita de aventureiros desse tipo, que especulavam em tecnologia, os saintsimonianos (cf. captulos 9-11 e 13-11), agia como principal propagadora do tipo de industrializao que necessitava de pesados investimentos a longo prazo. Estas desvantagens aplicavam-se particularmente metalurgia e especialmente do ferro. Sua capacidade aumentou, graas a algumas inovaes simples como a pudelagem" e a laminao na dcada deNota: Processo metalrgico utilizado outrora para obter o ferro, ou um ao pouco carrega, do em carbono, por contato de uma massa de ferro fundido com uma esc6ria oxidante no forno de revrbero. Enciclopdia Delta-Larousse, nota da edio brasileira).

Pagina 601780, mas a demanda civil da metalurgia permanecia relativamente modesta, e a militar, embora compensadoramente vasta graas a uma sucesso de guerras entre 1756 e 1815, diminuiu vertiginosamente depois de Waterloo. Certamente no era grande o bastante para fazer da Gr-Bretanha um enorme produtor de ferro. Em 1190, a produo britnica suplantou a da Frana em somente 40%, se tanto, e mesmo em 1800 era consideravelmente menor que a metade de toda a produo do continente, chegando, segundo padres posteriores, apenas diminuta quantidade de 250 mil toneladas. Na verdade, a produo britnica de ferro, comparada produo mundial, tendeu a afundar nas dcadas seguintes. Felizmente essas desvantagens afetavam menos a minerao, que era principalmente a do carvo pois o carvo tinha a vantagem de ser no somente a principal fonte de energia industrial do sculo XIX, como tambm um importante combustvel domstico, graas em grande parte relativa escassez de florestas na Gr-Bretanha. O crescimento das cidades, especialmente de Londres, tinha causado uma rpida expanso da minerao do carvo desde o final do sculo XVI. Por volta de princpios do sculo XVIII, a indstria do carvo era substancialmente uma moderna indstria primitiva, mesmo empregando as mais recentes mquinas a vapor (projetadas para fins semelhantes na minerao de metais no-ferrosos, principalmente na Cornulia) nos processos de bombeamento. Portanto, a minerao do carvo quase no exigiu nem sofreu uma importante revoluo tecnolgica no perodo que focalizamos. Suas inovaes foram antes melhorias do que transformaes da produo. Mas sua capacidade j era imensa e, pelos padres mundiais, astronmica. Em 1800, a Gr-Bretanha deve ter produzido perto de 10 milhes de toneladas de carvo, ou cerca de 90% da produo mundial. Seu competidor mais prximo, a Frana, produziu menos de um milho. Esta imensa indstria, embora provavelmente no se expandindo de forma suficientemente rpida rumo a uma industrializao realmente macia em escala moderna, era grande o bastante para estimular a inveno bsica que iria transformar as indstrias de bens de capital: a ferrovia. Pois as minas no s necessitavam de mquinas a vapor em grande quantidade e de grande potncia, mas tambm de meios de. transporte eficientes para trazer grandes quantidades de carvo do fundo tias minas at a superfcie e especialmente para lev-las da superfcie aos pontos de embarque. A linha frrea ou os trilhos sobre os quais corriam os carros era uma resposta bvia; acionar estes carros por meio de mquinas era tentador: acion-los ainda por meio de mquinas mveis no parecia muito impossvel. Finalmente, os custos do transporte terrestre de grandes quantidades de mercadoriaPagina 61eram to altos que provavelmente os donos de minas de carvo localizadas no interior perceberam que o uso desse meio de transporte de curta distncia podia serestendido lucrativamente para longos percursos. A linha entre o campo de carvo de Durham e o litoral (Stockton Darlington 1825) foi a primeira das modernas ferrovias. Tecnologicamente, a ferrovia filha das minas e especialmente das minas de carvo do norte da Inglaterra. George Stephenson comeou a vida como "maquinista" em Tyneside, e durante anos todos os condutores de locomotivas foram recrutados nesse campo de carvo. Nenhuma outra inovao da revoluo industrial incendiou tanto a imaginao quanto a ferrovia, como testem unha o fato de ter sido o nico produto da industrializao do sculo XIX totalmente absorvido pela imagstica da poesia erudita e popular. Mal tinham as ferrovias provado ser tecnicamente viveis e lucrativas na Inglaterra (por volta de 1825-30) e planos para sua construo j eram feitos na maioria dos pases do mundo ocidental, embora sua execuo fosse geralmente retardada. As primeiras pequenas linhas foram abertas nos EUA em 1827, na Frana em 1828 e 1835, na Alemanha e na Blgica em 1835 e at na Rssia em 1837. Indubitavelmente, a razo que nenhuma outra inveno revelava para o leigo de forma to cabalo poder e a velocidade da nova era; a revelao fez-se ainda mais surpreendente pela incomparvel maturidade tcnica mesmo das primeiras ferrovias. (Yelocidades de ate 60 milhas - 96 quilmetros - por hora, por exemplo, eram perfeitamente praticveis na dcada de 1830, e no foram substancialmente melhoradas pelas posteriores ferrovias a vapor.) A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaa, velocidade do vento, atravs de pases e continentes, com suas obras de engenharia, estaes e pontes formando um conjunto de construes que fazia as pirmides do Egito e os aquedutos romanos e at mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provindanismo, era o prprio smbolo do triunfo do homem pela tecnologia. De fato, sob um ponto de vista econmico, seu grande custo era . sua principal vantagem. Sem dvida, no final das contas, sua capacidade para abrir pases at ento isolados do mercado mundial pelos altos custos de transporte, assim como o enorme aumento da velocidade e da massa de comunicao por terra que possibilitou aos homens e s mercadorias, vieram a ser de grande importncia. Antes de 1848, as ferrovias eram economicamente menos importantes: fora da Gr Bretanha porque as ferrovias eram poucas; na Gr-Bretanha porque, devido a razes geogrficas, os problemas de transporte eram muito mais fceis de resolver do que em pases com enormes territrios . Mas, na perspectiva dos estudiosos do desenvolvimento econmico, a Nenhum ponto da Gr-Bretanha dista mais de 70milhas (112 quilmetros) do litoral, e todas as principais reas industriais do sculo XIX. com apenas uma exceo, ficavam beira-mar ou bem prximas dele.Pagina 62esta altura era mais importante o imenso apetite das ferrovias por ferro e ao, carvo, maquinaria pesada, mo-de-obra e investimentos de capital. Pois propiciava justamente a demanda macia que se fazia necessria para as indstrias de bens-de-capital se transformarem to profundamente quanto a indstria algodoeira. Nas primeiras duas dcadas das ferrovias (1830-50), a produo de ferro na Gr-Bretanha subiu de 680 mil para 2.250.000 toneladas, em outras palavras, triplicou. A produo de carvo, entre 1830 e 1850, tambm triplicou de 15 milhes de toneladas para 49 milhes. Este enorme crescimento deveuse prioritariamente ferrovia, pois em mdia cada milha de linha exigia 300 toneladas de ferro s para os trilhos. Os avanos industriais, que pela primeira vez tornaram possvel a produo em massa de ao, decorreriam naturalmente nas dcadas seguintes. A razo para esta expanso rpida, imensa e de fato essencial estava na paixo aparentemente irracional com que os homens de negcios e os investidores atiraram-se construo de ferrovias. Em 1830 havia cerca de algumas dezenas de quilmetros de ferrovias em todo o mundo - consistindo basicamente na linha Liverpool-Manchester. Por volta de 1840 havia mais de 7 mil quilmetros, por volta de 1850 mais de 37 mil. A maioria delas foi projetada numas poucas exploses de loucura especulativa conhecidas como as "coqueluches ferrovirias" de 1835-7 e especialmente de 1844-7; e a maioria foi construda em grande parte com capital, ferro, mquinas e tecnologia britnicos Estas exploses d investimento parecem irracionais, porque de fato poucas ferrovias eram muito mais lucrativas para o investidor do que outras formas de empresa, a maioria produzia lucros bem modestos e muitas nem chegavam a dar lucro: em 1855, a rentabilidade mdia do capital aplicado nas ferrovias britnicas era de apenas 3,7%. Sem dvida, os agentes financeiros, especuladores e outros se saram muito bem, mas no o investidor comum. E ainda assim, por volta de 1840, 28 milhes de libras foram esperanosamente investidas em ferrovias e, por volta de 1850, 240 milhes de libras. 28. Por qu? O fato fundamental na Gr-Bretanha nas primeiras duas geraes da revoluo industrial foi que as classes ricas acumulavam renda to rapidamente e em to grandes quantidades que excediam todas as possibilidades disponveis de gasto e investimento. (O excedente anual aplicvel na dcada 'de 1840 foi calculado em cerca de 60 milhes de libras. 29) Sem dvida, as sociedades aristocrticas e feudais teriam conseguido gastar uma parte considervel desse excedente em uma vida desregrada, prdios luxuosos e outras atividades no econmicas At mesmo na Gr-Bretanha, o sexto Duque de Devonshire, cuja renda normal era realmente principesca, conseguiu deixar paraNota: Em 1848 um-tero do capital nas ferrovias francesas era ingls. Claro que esse desperdcio tambm estimula a economia, mas de forma muito ineficiente, e muito pouco em funo do crescimento industrial. Pagina 63 seu herdeiro dvidas de 1 milho de libras em meados do sculo XIX (que ele pagou tomando emprestado mais 1 milho e 500 mil libras e especulando sobre os valores de terrenos.) 30 Mas o grosso das classes mdias, que constituam o principal pblico investidor, ainda era doa que economizavam e no dos que gastavam, embora haja muitos sinais de que por volta de 1840 eles se sentissem suficientemente ricos tanto para gastar como para investir. Suas esposas se transformaram em "madames" instrudas pelos manuais de etiquetas que se multiplicavam neste perodo, suas capelas comearam a ser reconstru das em estilos grandiosos e caros, e comearam mesmo a celebrar sua glria coletiva construindo monstruosidades cvicas como esses horrendos town halls imitando os estilos gtico e renascentista, cujo custo exato e napolenico os historiadores municipais registraram com orgulho. Uma moderna sociedade de bem-estar social (welfare) ou socialista teria sem dvida distribudo alguns destes vastos acmulos para fins sociais. No perodo que focalizamos nada era menos provvel. Virtualmente livres de impostos, as classes mdias continuaram portanto a acumular em meio a um populacho faminto, cuja fome era o reverso daquela acumulao. E como no eram camponeses, satisfeitos em socar suas economias em meias de l ou convert-las em braceletes de ouro, tinham que encontrar investimentos lucrativos. Mas onde? As indstrias existentes, por exemplo, tinham-se tornado demasiadamente baratas para absorver mais que uma frao do excedente disponvel para investimento: mesmo supondo que o tamanho da indstria algodoeira fosse duplicado, o custo do capital absorveria s uma parte dele. Era necessrio uma esponja bastante grande para absorver tudo . O investimento estrangeiro era uma possibilidade bvia. O resto do mundo - para comear, basicamente velhos governos em busca de uma recuperao das guerras napolenicas e novos governos tomando emprestado, com seus costumeiros mpetos e liberalidades, para fins indeterminados - estava muito ansioso por emprstimos ilimitados. O investidor ingls emprestava prontamente. Mas os emprstimos aos sul-americanos, que pareciam to promissores na dcada de 1820, e aos norte-americanos, que acenavam na dcada de 1830, transformaram-se frequentemente em pedaos de papel sem valor: de 25 emprstimos a governos estrangeiros concedidos entre 1818 e 1831, 16(correspondendo a cerca da metade dos 42 milhes de libras esterlinas a preos de emisso) estavam sem pagamento em 1831. Em teoria, estes emprstimos deviam ter rendido aos investidores 7 ou 9% de juros, quando, na verdade, em 1831, rendiam uma mdia de apenas 31%. QuemNotas: Algumas cidades com tradies do sculo XVIII jamais cessaram de erguer construes pblicas, mas uma metrpole nova, tipicamente industrial, como Bolton, em Lancashire, praticamente no construiu qualquer edil1cio grandioso e intil antes de 1847-8. "O capital total - fixo e de giro - da indstria algodoeira foi estimado por McCulloch em 34 milhes de libras em 1835 e 47 milhes de libras em 1845. Pagina 64no se sentiria desencorajado por experincias como a dos emprstimos a 5% feitos aos gregos em 1824 e 1825 e que s comearam a pagar juros na dcada de 1870? Logo, natural que o capital investido no exterior 110S booms especulativos de 1825 e 1835-7 procurasse uma aplicao aparentemente menos decepcionante. John Francis, observando a mania de 1851, assim descreveu o homem rico: ele "via o acmulo da riqueza, com o qual um povo industrializado sempre sobrepuja os mtodos comuns de investimento, empregado de forma legtima e justa ... O dinheiro que em sua juventude tinha sido gasto em emprstimos de guerra e, em sua maturidade, nas minas sul-americanas, estava agora construindo estradas, empregando mo-de-obra e incrementando os negcios. A absoro de capital (pela ferrovia) era no mnimo uma absoro, se mal sucedida, no pais que a efetuava. Contrariamente s minas estrangeiras e aos emprstimos estrangeiros, no podia ser exaurida ou ficar totalmente sem valor". Se uma outra forma de investimento domstico podia ter sido encontrada - por exemplo, na construo - uma questo acadmica para a qual a resposta permanece em dvida. De fato, o capital encontrou as ferrovias, que no podiam ter sido construdas to rapidamente e em to grande escala sem essa torrente de capital, especialmente na metade da dcada de 1840. Era uma conjuntura feliz, pois de imediato as ferrovias resolveram virtualmente todos os problemas do crescimento econmico. V Traar o mpeto da industrializao somente uma parte da tarefa deste historiador. A outra traar a mobilizao e a transferncia de recursos econmicos, a adaptao da economia e da sociedade necessrias para manter o novo curso revolucionrio. O primeiro e talvez mais crucial fator que tinha que ser mobilizado e transferido era o da mo-de-obra, pois uma economia industrial significa um brusco declnio proporcional da populao agrcola (isto , rural) e um brusco aumento da populao no agrcola (isto , crescentemente urbana), e quase certamente. (como no perodo em apreo) um rpido aumento geral da populao, o que portanto implica, em primeira instncia, um brusco crescimento no fornecimento de alimentos, principalmente da agricultura domstica - ou seja, uma "revoluo agrcola". O rpido crescimento das cidades e dos agrupamentos no agrcolas na Gr-Bretanha tinha h muito tempo estimulado naturalmente aNota: Antes da era da ferrovia e do navio a vapor - ou seja, antes do fim de nosso perodo a possibilidade de importar grandes quantidades de alimentos do exterior era limitada. embora a Gr-Bretanha tivesse se transformado em um livre Importador de alimentos a partir da dcada de J 780. Pagina 65agricultura, que felizmente ~ to ineficiente em suas formas pr-industriais que melhoras muito pequenas - como uma racional atenozinha criao domstica, ao revezamento das safras, fertilizao e disposio dos terrenos de cultivo, ou a adoo de novas safras _ podem produzir resultados desproporcionalmente grandes. Essa mudana agrcola tinha precedido a revoluo industrial e tornou possveis primeiros estgios de rpidos aumentos populacionais, e o mpeto naturalmente continuou, embora as atividades agrcolas britnicas tivessem sofrido pesadamente com a queda que se seguiu aos preos anormalmente altos das guerras napolenicas. Em termos de tecnologia e de investimento de capital, as mudanas de nosso perodo foram provavelmente bastante modestas at a dcada de 1840, o perodo em que se pode dizer que a cincia e a engenharia agrcolas atingiram a maturidade. O vasto aumento na produo, que capacitou as atividades agrcolas britnicas na dcada de 1830 a fornecer. 98% dos cereais consumidos por uma populao duas a trs vezes maior que a de meados do sculo XVIII, l4 foi obtido pela adoo geral e mtodos descobertos no incio do sculo XVIII, pela racionalizao e pela expanso da rea cultivada. Tudo isto, por sua vez, foi obtido pela transformao social e no tecnolgica: pela liquidao (com o "Movimento das Cercas") do cultivo comunal da Idade Mdia com seu campo aberto e seu pasto comum, da cultura de subsistncia e de velhas atitudes no comerciais em relao terra. Graas evoluo preparatria dos sculos XVI a XVIII, esta soluo radical nica do problema agrrio, que fez da Gr-Bretanha um pas d alguns grandes proprietrios, um nmero moderado de arrendatrios comerciais e um grande nmero de trabalhadores contratados, foi conseguida com um mnimo de problemas, embora intermitentemente sofresse a resistncia no s dos infelizes camponeses pobres como tambm da pequena nobreza tradicionalista do interior. O "sistema Speenhamland" de ajuda aos pobres, espontaneamente adotado por juzes-cavalheiros em vrios condados durante e depois da fome de 1795, foi analisado como a ltima tentativa sistemtica para salvaguardar a velha sociedade rural contra a corroso do vnculo monetrio . As Leis do Trigo, com as quais o interesse agrrio buscava proteger as atividades agrcolas contra a crise posterior a 1815, eram em parte um manifesto contra a tendncia de se tratar a agricultura como uma indstria igual a qualquer outra, a ser julgada pelos critrios de lucro. Mas estas reaes contra a introduo final do capitalismo no interior estavam condenadas e foram finalmente derrotadas na onda do avano radical da classe mdia depois de 1830, pelo novo Decreto dos Pobres de 1834 e pela abolio das Leis do Trigo em 1846.Nota: Segundo esse sistema, os pobres teriam garantido um salrio de subsistncia atravs de subsdios quando necessrio; o sistema, embora bem intencionado, eventualmente levou a uma pobreza ainda maior do que antes. Pagina 66 Em termos de produtividade econmica, esta transformao social foi um imenso sucesso; em termos de sofrimento humano, uma tragdia, aprofundada pela depresso agrcola depois de 1815, que reduziu os camponeses pobres a uma massa destituda e desmoralizada. Depois de 1800, at mesmo um campeo to entusiasmado do progresso agrcola e do "movimento das cercas" como Arthur Young ficou abalado com seus efeitos sociais ". Mas do ponto de vista da industrializao, esses efeitos tambm eram desejveis; pois uma economia industrial necessita de mo-de-obra, e de onde mais poderia vir esta mo-de-obra seno do antigo setor no industrial? A populao rural domstica ou estrangeira (esta sob a forma de imigrao, principalmente irlandesa) era a fonte mais bvia, suplementada pela mistura de pequenos produtores e trabalhadores pobres. Os homens tinham que ser atrados para as novas ocupaes, ou - como era mais provvel - forados a elas, pois inicialmente estiveram imunes a essas atraes ou relutantes em abandonar seu modo de vida tradicional.36 A dificuldade social e econmica era a arma mais eficiente; secundada pelos salrios mais altos e a liberdade maior que havia nas cidades. Por vrias razes, as foras capazes de desprender os homens de seu passado scio histrico eram ainda relativamente fracas em nosso perodo, em comparao com a segunda metade do sculo XIX. Foi necessria uma catstrofe realmente gigantesca como a fome irlandesa para produzir o tipo de emigrao em massa (um milho e meio de uma populao total de 8,5 milhes em 1835-50) que se tornou comum depois de 1850. No obstante, essas foras eram mais fortes na Gr-Bretanha que em outras partes. Se no o fossem, o desenvolvimento industrial britnico poderia ter sido to dificultado como o foi o da Frana pela estabilidade e relativo conforto de seu campesinato e de sua pequena burguesia, que destituram a indstria da necessria injeo de mo-de-obra Conseguir um nmero suficiente de trabalhadores era uma coisa; outra coisa era conseguir um nmero suficiente de trabalhadores com as necessrias qualificaes e habilidades. A experincia do sculo XX tem demonstrado que este problema to crucial e mais difcil de reNotas: Um outro ponto de vista sustenta que o suprimento da mo-de-obra vem no de tais transferncias, mas sim de aumento da populao total, que, como sabemos, crescia rapidamente. Mas isto um erro. Em uma economia industrial, no s os nmeros mas tambm a proporo da fora de trabalho no agrcola deve crescer vertiginosamente. Isto quer dizer que os homens e as mulheres que de outra maneira teriam permanecido em suas aldeias e vivido como seus antepassados tem que se mudar para outra parte em um certo estgio de suas vidas, pois as cidades crescem mais rpido do que sua prpria taxa natural de crescimento, que em qualquer caso tendia normalmente a ser menor do que a das vilas. Isto verdico tanto para o caso em que a populao agrcola realmente diminuir, mantem seu nmero ou at mesmo aumenta. 0 Caso contrrio, como os EUA, a Gr-Bretanha teria tido que depender da imigrao em massa. Na verdade, apoiou-se em parte na imigrao irlandesa. Pagina 67solver do que o outro. Em primeiro lugar, iodo operrio tinha que aprender a trabalhar de uma maneira adequada indstria, ou seja, num ritmo regular de trabalho dirio ininterrupto, o que inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estaes no trabalho agrcola ou da intermitncia autocontrolada do arteso independente. A mo-de-obra tinha tambm que aprender a responder aos incentivos monetrios. Os empregadores britnicos daquela poca, como os sul-africanos de hoje em dia, constantemente reclamavam da "preguia" do operrio ou de sua tendncia para trabalhar at que tivesse ganho um salrio tradicional de subsistncia semanal, e ento parar. A resposta foi encontrada numa draconiana disciplina da mo-de-obra (multas, um cdigo de "senhor e escravo" que mobilizava as leis em favor do empregador etc.), mas acima de tudo na prtica, sempre que possvel, de se pagar to pouco ao operrio que ele tivesse que trabalhar incansavelmente durante toda a semana para obter uma renda mnima (cf. captulo 10-III). Nas fbricas onde a disciplina do operariado era mais urgente, descobriu-se que era mais conveniente empregar as dceis (e mais baratas) mulheres e crianas: de todos os trabalhadores nos engenhos de algodo ingleses em 1834-47, cerca de um quarto eram homens adultos, mais da metade era de mulheres e meninas, e o restante de rapazes abaixo dos 18 anos. Outra maneira comum de assegurar a disciplina da mo-de-obra, que refletia o processo fragmentrio e em pequena escala da industrializao nesta fase inicial, era o subcontrato ou a prtica de fazer dos trabalhadores qualificados os verdadeiros empregadores de auxiliares sem experincia. Na indstria algodoeira, por exemplo, cerca de dois-teros dos rapazes e um-tero das meninas estavam assim "sob o emprego direto de trabalhadores" e eram portanto mais vigiados, e fora das fbricas propriamente ditas tais acordos eram ainda mais comuns. O sub-empregador, claro, tinha um incentivo financeiro .direto para que seus auxiliares contratados no se distrassem. Era bem mais difcil recrutar ou treinar um nmero suficiente de trabalhadores qualificados ou tecnicamente habilitados, pois que poucas habilidades pr-industriais tinham alguma utilidade na moderna indstria, embora, claro, muitas ocupaes, como a construo, continuassem praticamente inalteradas. Felizmente, a vagarosa semi industrializao da Gr-Bretanha nos sculos anteriores a 1789 tinha produzido um reservatrio bastante grande de habilidades adequadas tanto na tcnica txtil quanto no manuseio dos metais. Assim que, no continente, o serralheiro, ou chaveiro, um dos poucos artesos acostumados a um trabalho de preciso com metais, tornou-se o ancestral do montador-fresador e por vezes deu-lhe o nome, enquanto que na Gr-Bretanha o construtor de moinhos e o "operador de mquinas" ou "maquinista" (j comum nas minas e sua volta) foi quem desempenhou este papel. No um mero acidente que li palavra inglesa engineer descreva tanto o trabalhador qualificado em metal quanto Pagina 68o desenhista ou planejador; pois o grosso do pessoal tcnico de um ~ nvel mais alto podia ser, e era, recrutado entre estes homens com qualificaes mecnicas e autoconfiantes. De fato, a industrializao britnica apoiava-se neste fornecimento no planejado das qualificaes mais altas, enquanto a indstria continental no podia faz-lo. Isto explica a chocante negligncia com a educao tcnica e geral neste pas, cujo preo seria pago mais tarde. Ao lado desse problema de fornecimento de mo-de-obra, os de fornecimento de capital eram insignificantes. Inversamente maioria dos outros pases europeus, no havia escassez de capital aplicvel na Gr-Bretanha. A maior dificuldade era que os que controlavam a maior parte desse capital no sculo XVIII - proprietrios de terra, mercadores, armadores, financistas etc. - refutavam em investi-lo nas novas indstrias, que portanto frequentemente tinham que ser iniciadas com pequenas economias ou emprstimos e desenvolvidas pela lavra dos lucros. A escassez de capital local fez com que os primeiros industriais - especialmente os homens que se fizeram por si mesmos (self-made-men) - fossem mais duros, mais parcos e mais vidos, e seus trabalhadores portanto proporcionalmente mais explorados; mas isto refletia o fluxo imperfeito do excedente de investimento nacional e no sua inadequao. Por outro lado, os ricos do sculo XVIII estavam preparados para investir seu dinheiro em certas empresas que beneficiavam a industrializao; mais notadamente nos transportes (canais, facilidades porturias, estradas e mais tarde tambm nas ferrovias) e nas minas, das quais os proprietrios de terras tiravam royalties mesmo quando eles prprios no as gerenciavam. Nem havia qualquer dificuldade quanto tcnica comercial e financeira pblica ou privada. Os bancos e o papel-moeda, as letras de cmbio, aplices e aes, as tcnicas do comrcio ultramarino e atacadista, assim como o marketing, eram bastante conhecidos e os homens que os controlavam ou facilmente aprendiam a faz-lo eram em nmero abundante. Alm do mais, por volta do final do sculo XVIII, a poltica governamental estava firmemente comprometida com a supremacia dos negcios. Velhas leis em contrrio (tais como o cdigo social dos Tudor) tinham de h muito cado em desuso e foram finalmente abolidos > exceto quando envolviam a agricultura - em 181335. Na teoria, as leis e as instituies comerciais e financeiras da Gr-Bretanha eram ridculas e destinadas antes a obstaculizar do que a ajudar o desenvolvimento econmico; por exemplo, elas tornavam necessria a promulgao de caros "decretos privados" do Parlamento toda vez que se desejasse formar uma sociedade annima. A Revoluo Francesa forneceu aos franceses - e, atravs de sua influncia, ao resto do continente - mecanismos muito mais racionais e eficientes para tais propsitos. Na prtica, os britnicos se saram perfeitamente bem e, de fato, consideravelmente melhor que seus rivais. Deste modo bastante emprico, no planificado e acidental, construiu-se a primeira economia industrial de vulto. Pelos padres moderPagina 69nos, ela era pequena e arcaica, e seu arcasmo ainda marca a Gr-Bretanha de hoje. Pelos padres de 1848, ela era monumental, embora tambm chocasse bastante, pois suas novas cidades eram mais feias e seu proletariado mais pobre do que em outros pases". A atmosfera envolta em neblina e saturada de fumaa, na qual as plidas massas operrias se movimentavam, perturbava o visitante estrangeiro. Mas essa economia utilizava a fora de um milho de cavalos em suas mquinas a vapor, produzia dois milhes de jardas (aproximadamente 1.800 mil metros) de tecido de algodo por ano em mais de 17 milhes de fusos mecnicos, recolhia quase 50 milhes de toneladas de carvo, importava e exportava 170 milhes de libras esterlinas em mercadorias em um s ano. Seu comrcio era duas vezes superior ao de seu mais prximo competidor, a Frana, e apenas em 1780 a havia ultrapassado. Seu consumo de algodo era duas vezes superior aos dos EUA, quatro vezes superior ao da Frana. Produzia mais da metade do total de lingotes de ferro do mundo economicamente desenvolvido e consumia duas vezes mais por habitante do que o segundo pas mais industrializado (a Blgica), trs vezes mais que os EUA, e quatro vezes mais que a Frana. Cerca de 200 a 300 milhes de libras de investimento de capital britnico - um-quarto nos EUA, quase um-quinto na Amrica Latina - traziam dividendos e encomendas de todas as partes do mundo 39. Era, de fato, a "oficina do mundo". E tanto a Gr-Bretanha quanto o mundo sabiam que a revoluo industrial lanada nestas ilhas no s pelos comerciantes e empresrios como atravs deles, cuja nica lei era comprar no mercado mais barato e vender sem restrio no mais caro, estava transformando o mundo. Nada poderia det-la. Os deuses e os reis do passado eram impotentes diante dos homens de negcios e das mquinas a vapor do presente. "No geral, ~ condio da classe trabalhadora parece nitidamente pior na Inglaterra do que na Frana em IIDO-48", conclui um moderno historiador.