A ESTRUTURA DA MAGIA · 2012-11-20 · universidade federal da bahia a estrutura da magia um estudo...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA A ESTRUTURA DA MAGIA UM ESTUDO SOBRE AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DISCIPLINA: PROJETOS EXPERIMENTAIS EM COMUNICAÇÃO ORIENTADOR: RENATO DA SILVEIRA PROJETO APRESENTADO POR FÁBIO N. SERRANO.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

A ESTRUTURA DA MAGIA

UM ESTUDO SOBRE AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃODISCIPLINA: PROJETOS EXPERIMENTAIS EM COMUNICAÇÃO

ORIENTADOR: RENATO DA SILVEIRAPROJETO APRESENTADO POR FÁBIO N. SERRANO.

Apresentação

Em 1997, as histórias em quadrinhos completam 170 anos de

existência desde que o suíço Rudolph Töpffer começou a ilustrar M. Vieux

Bois por volta de 1827. Essa resistência demonstra, pelo menos, a grande

aceitação que as HQ tiveram durante gerações no mundo inteiro. Desde

então, as tirinhas vêm adquirindo terreno nos veículos de comunicação

impressa. Hoje, em quase todos os jornais de grande circulação, existe um

espaço reservado diariamente para as pequenas histórias. A penetração desta

forma de comunicação se amplia ao se observar o mercado de revistas do

gênero. São numerosas as publicações e sua variedade abrange todas as

faixas etárias.

No Brasil, segundo Álvaro De Moya, as primeiras ilustrações datam

de 1867 com Ângelo Agostini (De Moya, 1987: 16). Hoje o consumo de HQ

no país é grande, a Maurício de Souza Produções vende cerca de 3,4 milhões

de suas revistas infantis por mês. Seu faturamento em 1993 foi de US$ 35

milhões, de acordo com o Jornal do Brasil de 24/06/94. As HQ conquistam

um terreno cada vez maior com a criação de novos heróis, novas sagas. Os

“comics” (como são conhecidas as HQ nos Estados Unidos) fazem sucesso

em todo o mundo.

2

Este trabalho propõe-se a analisar elementos inerentes à construção

narrativa dos quadrinhos bem como suas prováveis interpretações acerca do

que foi e é oferecido pelo universo quadrinista. Devido ao vasto número de

publicações do gênero, serão aqui analisadas (na fase do trabalho que

abrange o estudo das edições Marvel no período de 10/95 a 09/96, devido à

disponibilidade no material e este apresentar uma seqüência completa) as

revistas de maior circulação no mercado atualmente, as quais são publicadas

no Brasil pela editora Abril. Como neste estágio do trabalho serão

observados elementos que não fazem parte do repertório das revistas infantis

(violência, etc.) serão usadas apenas aquelas que se incluam no universo

adulto/adolescente.

3

Existem dois grupos básicos de publicação quadrinista que preenchem

os requisitos acima citados (incluindo o item grande circulação): o DC

Comics e o Marvel Comics. Dentre os dois, será escolhido o segundo

(Marvel Comics), por conter uma variedade maior de personagens e ter

maior vendagem, de acordo com os números da própria Abril (a Marvel

Comics vende 35% a mais que a DC Comics)1. O grupo Marvel Comics é

constituído pelas seguintes publicações: X-MEN, CAPITÃO AMÉRICA,

HULK, HOMEM-ARANHA, WOLVERINE e SUPERAVENTURAS

MARVEL.

O propósito deste trabalho é estudar e tentar explicar as mudanças

ocorridas nas formas de expressão quadrinistas e ferramentas usadas pelos

artistas dos quadrinhos. Dentro desse aspecto, a análise dos quadrinhos

torna-se importante devido ao fato de que de todos os meios expressivos, as

HQ são, ao lado do cartaz, uma forma onde estão ligados o texto e a

ilustração para a obtenção de seus resultados. Ainda assim se faz necessário

o estudo da relação desses textos, do modo com o qual são associados à

ilustração e situações propostas pelos desenhistas. Nesse caso, os diferentes

usos de texto/ilustração irão proporcionar diversos ritmos narrativos e

ambientações distintas. O trabalho será de natureza teórica.

1 Dados de dezembro de 1995. Editora Abril, distribuidora Dinap.

4

Para tanto, a ferramenta metodológica escolhida para tal estudo será a

da narratologia exatamente por preencher (tomando as devidas precauções)

os requisitos necessários para a análise proposta. Embora tenha sido

concebida para o melhor entendimento do relato cinematográfico, a

narratologia, sem maiores problemas, pode ser usada na análise dos

quadrinhos Será possível entender melhor os mecanismos de escolha de

repertório de imagens (ilustrações, da narrativa, como também das relações

entre texto/ilustração.

De acordo com Mauro Baptista (Baptista, 1994: 78), são duas as

escolas narratológicas: “1) a de conteúdo ou temática que se concentra no

estudo dos significados do relato, ocupa-se da história contada, das ações e

papéis das personagens, independente do meio utilizado. Neste enfoque

pouco importa se a história é veiculada por um filme ou por um romance; e

2) a outra narratologia chamada da expressão ou modal, cujo principal

representante é Gerard Genette, ocupa-se sobretudo da expressão narrativa

(do discurso), da forma mediante a qual conta-se uma história: “Estuda as

matérias de expressão utilizadas (imagens, música etc.), as manifestações do

narrador, os níveis da narração, a temporalidade do relato, o ponto de vista

narrativo”2. Fazendo-se as devidas modificações para a análise dos

2 Idem op. cit. pág. 78.

5

quadrinhos, por exemplo no lugar da música e do som do cinema pode-se

abordar a onomatopéia.

Seguindo os conceitos de Genette de focalização (zero, interna e

externa), as proposições feitas anteriormente acerca das estruturas dos

elementos narrativos dos quadrinhos serão melhor estudadas e entendidas.

Genette propõe que as focalizações devem ser substitutas dos termos ponto

de vista e visão utilizados em outras escolas metodológicas. Sua definição

das três focalizações propostas é: 1) Focalização zero representa o relato

clássico ou o relato não focalizado, onde a narrativa segue um eixo normal e

de encadeamento tradicional; 2) “[...] o segundo tipo será o relato em

focalização interna, seja fixa (o campo sempre restrito a uma mesma

personagem); variável (se passa de uma personagem a outra); ou múltipla

(os mesmos acontecimentos são contados várias vezes segundo pontos de

vista de personagens diferentes)”3; 3) a focalização externa é tomada de um

ponto de fora da trama de acontecimentos, sua consideração é exterior, sem

explicação sobre pensamentos e sentimentos.

A narrativa quadrinista (principalmente a contemporânea) segue uma

linha onde podem ser encontrados os tipos de focalização propostos acima, e

muitas vezes estas focalizações podem se misturar, torna-se fundamental o

uso da narratologia para o melhor entendimento do trabalho a ser executado.

3 idem op. cit. pág. 79.

6

A penetração das histórias em quadrinhos na sociedade hoje é

incontestável. Segundo a escritora Zilda Augusta Anselmo, em sua obra

“História Em Quadrinhos” (Anselmo, 1975: 38), existem altos índices de

consumo de HQ em países industrializados ou não. “No Brasil, a empresa do

grupo Abril Jovem, faturou US$ 40 milhões em 1994 com a reativação das

HQ, e em 1995 a renda está calculada em US$ 60 milhões” (Jornal do Brasil,

24/06/94, Caderno2: 5).

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CAPÍTULO I

O HOMEM MODERNO E OS QUADRINHOS

“A Revolução Industrial é uma referência e um exemplo de

transformação rápida e radical. Os primórdios e conceitos originais da

sociedade moderna estão lá localizados” (Cohen & Klawa, 1977:104).

Especificamente para o assunto sobre o qual discursaremos, a Revolução

Industrial estabelece um limite pelo menos inicial na gênese das historietas,

pois é no mapa desse período que temos estabelecido o marco zero da

história das histórias em quadrinhos. “No entanto, a necessidade de

relacionamento entre as histórias em quadrinhos e a Revolução Industrial

não é exclusivamente ditada pela sua origem, mas também pelo

levantamento de alguns fatores decisivos para o entendimento do seu

significado histórico/cultural. Dentre eles a noção do conceito de produção

em massa. A História deixava de ser uma referência distante, uma cena

intangível na qual participavam somente grandes personagens” (Cohen &

Klawa, 1977: 104).

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O conhecimento, ou pelo menos parcela dele, foi também

transformado em mercadoria, no entanto, ainda que precariamente, atendeu

às indagações motivadas pela ânsia de compreensão do mundo. Nessa época,

o cosmopolita passou a viver de modo diferente. Segundo Antônio Houaiss

“o trabalho passou a ser isolado de sua vida cotidiana familiar e esta alheia

a sua atividade de criação. Os acontecimentos, os fatos, as coisas,

multiplicavam-se, ocorriam desordenadamente; dificilmente poderiam ser

entendidos como um conjunto, mas eram vividos ou percebidos

concomitantemente” (Houaiss, 1989: 20). O mundo desse novo homem

ficou massificante, no entanto, ele tornou-se mais consciente de sua

individualidade. Correndo o risco de cair em generalizações apressadas,

pode-se dizer que a nova realidade passou a ser fragmentada, apresentando-

se numa cadência onde suas unidades não estavam dispostas de uma forma

linear e lógica, como acontecia, por exemplo, na Idade Média. Em

contrapartida, com alteração do eixo da vida social na relação

produção/consumo, a transfiguração dos objetos e até mesmo sentimentos

em mercadoria, criou uma racionalidade objetiva e pragmática

essencialmente dirigida para a rentabilidade de qualquer atividade humana.

Essa objetividade pragmática, ao lado de uma realidade aparentemente

multipartida, deu origem a uma nova consciência que percebe o sistema

pelas suas conseqüências e não na sua estrutura.

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Existia uma compreensão perplexa e confusa desse fenômeno, não em

suas causas, mas sim nos seus efeitos. Contraditoriamente, a partir daí a

cultura tende a dois pólos distintos: à consciência e à alienação, ao saber e à

fetichização da realidade. Ao mesmo tempo que dinamiza, paralisa. Nesse

âmbito, desenvolveu-se a cultura de massa O cidadão médio não mais

enxerga no tempo apenas um marco divisor (vida/morte), e sim um

componente de sua praxis. A simultaneidade de acontecimentos, num

mesmo tempo, passa a fazer parte do ato de conhecer. “Uma diferente

consciência da realidade determina uma diferente percepção. E os sentidos

passam a atribuir um conjunto inédito de valores às relações entre o espaço,

tempo e o movimento” (Cohen & Klawa, 1977: 105). Um espaço

multidimensional, dinâmico, fragmentado, onde o tempo é usado como

medida de rearticulação da realidade.

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ANÁLISE DO USO DA PALAVRA

Num jornal, pequenos blocos de texto organizados sobre a folha

fornecem informações autônomas e independentes entre si. O espaço da

página é dividido; o campo não é mais ocupado por um texto unitário e

encadeado. Nos livros de literatura, a proporção era de um texto para muitas

páginas, ou, no máximo, de um texto por página.

O jornal, espelhando a nova concepção de espaço gráfico, atendendo

aos imperativos da venda, às necessidades de um consumo rápido e fluente,

subverte essa relação. Ao lado de uma notícia sobre política está outra sobre

saúde, moda ou música. Esses fenômenos não ocorreram de forma abrupta.

Desde o Renascimento já poderiam ser identificados. No entanto é na

Revolução Industrial que se definem como fenômenos de massa, que se

englobam na tendência geral de formação de um homem “estandardizado”.

O romance de folhetim institui um tempo narrativo novo. Cada capítulo é

uma unidade que deve criar condições e expectativas para o capítulo

seguinte. Fundamentalmente é o esquema que ainda se encontra hoje nas

novelas da televisão. Esse mesmo processo atinge a palavra em seu uso.

Na corriqueira análise de uma manchete de jornal pode-se perceber

uma seleção orientada, sustentada por uma necessidade de comunicação

rápida, eficiente e essencialmente vendável. Uma palavra é cognominada

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“chave” quando ela incita o consumo de informações, desperta a

curiosidade.

A PRÁTICA DAS IMAGENS

A princípio o uso das imagens no conjunto das páginas do jornal foi

relativamente pequeno. Representava o papel de simplesmente preencher os

espaços vazios. Com a crescente necessidade de informações rápidas e fáceis

passou-se a utilizar bem mais o recurso das imagens, ainda que de maneira

diversificada, numa freqüência ainda maior.

A ilustração que vinha de acompanhamento às reportagens não servia

apenas como um elemento de redundância da notícia, e sim permitia que,

além do processo de conhecimento de um fato, operasse também o

reconhecimento. Desta forma quando uma notícia era veiculada já não

bastava uma descrição abstrata dos fatos. O homem urbano desejava uma

participação subjetiva mais vibrante e presente.

As feições dos personagens envolvidos nos acontecimentos, seus

trejeitos, vestuário, o flagrante do fato no seu auge; tudo isso dá uma noção

mais completa como também uma sensação de proximidade, quase íntima.

O desenhista “repórter” seria substituído pelo fotógrafo, mas a

tradição de texto e ilustração como elementos complementares vingou.

Outro formato de ilustração que foi bastante solicitado foi a caricatura. Esta

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não tinha a função ilustrativa. A posição política/crítica de um jornal se

tornava mais clara de acordo com a caricatura que publicava.

A crítica se firmava ao buscar ridicularizar certos personagens e seus atos

que fossem contrários à posição do jornal. Criava-se assim um desenho que

deformava figuras famosas e conhecidas conferindo-lhes conotações

desfavoráveis.

Depois vieram os cartuns que também exerciam uma função crítica

mas com características diferentes das caricaturas. Seu principais temas eram

os costumes, as diferenças de classes sociais, a instituição familiar. O

cartum, como se sabe, é um desenho acompanhado de texto (quase sempre

um diálogo), ou ainda, apenas o desenho muitas vezes (segundo Haron

Conte) batizado de “histórias sem palavras” (Cohen & Klawa, 1977 : 108)

deixando claro que os fatos se bastavam, desde que visíveis.

Todos esses formatos analisados anteriormente fazem parte de um

conjunto no qual a imagem assume diferentes papéis, mas também uma

mesma relação com o texto: são complementares e independentes entre si. É

possível extrair-se a imagem que acompanha um texto e este continuar

compreensível. Mesmo com mais dificuldade, o inverso também pode

acontecer, isto é, a imagem assumir vida própria numa página de jornal. Na

verdade, o importante é a visualização da relativa autonomia de texto e

imagem, a independência do espaço em que estão compostos.

13

FINALMENTE, OS QUADRINHOS

É necessário que as histórias em quadrinhos (daqui para frente HQ)

sejam entendidas como um produto peculiar da cultura de massas. A

necessidade de participação e envolvimento catártico motivados pela

exaltação do indivíduo, a transformação da informação em mercadoria, o

aumento da tecnologia; enfim os alicerces da estrutura da nova sociedade de

consumo foram a base para o surgimento crescimento e sucesso do jornal,

cinema e HQ. O teatro e a pintura foram meios transformados e adaptados à

nova situação, enquanto que as HQ, assim como o cinema, podem ser

classificados como novos meios. De forma alegre e digestiva ou séria e

crítica, constituíram-se numa articulação imagística original e obviamente

particular. Os quadrinhos, como o nome já diz, são um conjunto e uma

seqüência. O que faz do bloco de imagens uma série é o fato de que cada

quadro ganha sentido depois de visto o anterior; a ação contínua estabelece a

ligação entre as diferentes figuras. Existem cortes de tempo e espaço, mas

estão ligados a uma rede de ações lógicas e coerentes. Ao ser confeccionada

para o jornal, a historieta seguia o caminho do romance de folhetim (é

inegável a influência dos folhetins sobre os primeiros quadrinhos), criando

uma expectativa para o desenrolar da seqüência.

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O surgimento dessa nova ordem de estruturação de imagens significou

uma revolução na maneira com que eram tratadas as imagens analógicas. A

fixação pictórica de um instante já não era mais o todo. Agora se observava

uma narração figurada onde a seqüência de ações praticadas pelas

personagens desde o começo ao fim de uma cena, podia ser apreendia , vista

ou revivida. Uma particularidade vital foi acrescentada à representação das

imagens: o tempo era elemento fundamental na organização da série. No

entanto, fazia-se necessário que o leitor completasse o “vazio” entre um

quadrinho e outro (a calha). O personagem acende um cigarro, risca o

fósforo. No quadro seguinte mostra-se um cinzeiro cheio de bagas. Nesse

caso é preciso que o leitor complete a seqüência com sua consciência a falta

dos movimentos entrementes para o estabelecimento da coerência dos dois

quadros. Sobre a eficácia desse continuum virtual, deteve-se Evelin

Sullerot ao analisar a estrutura da fotonovela. Estudo esse que pode ser, sem

maiores problemas, aproveitado para a análise das HQ no que se refere ao

tópico em questão. Numa pesquisa de opinião feita sobre a capacidade de

memorização de uma fotonovela, tornou-se patente que as leitoras

submetidas ao teste recordavam de várias cenas que de fato não existiam na

página, mas resultavam subentendidas pela justaposição de duas fotografias.

Sullerot examina uma seqüência composta de dois quadros: 1) pelotão de

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execução disparando e 2) condenado caído no chão, referindo-se aos quais,

os sujeitos falavam longamente sobre uma terceira imagem (condenado

enquanto caía). Sullerot sugere uma analogia entre esse procedimento

elíptico e o da comunicação telegráfica; analogia que pode ser definida em

termos rigorosamente informativos, como eliminação pragmática das

redundâncias (Sullerot, 1963: 17). Nesse sentido, a técnica das HQ deveriam

permitir uma mensagem de alta capacidade informativa.

Na verdade, porém, essa técnica recorre a um código de tal maneira

preciso, onde as redundâncias são eliminadas em pontos-chaves nos quais a

previsibilidade da mensagem fornece o significado já esperado, e portanto,

uma informação objetiva e compacta. “Quanto mais se é “instruído”, mais

facilmente se tem acesso à abstração simbólica; e, no âmago da ordem

simbólica, melhor se formaliza, por cálculo, certas operações lingüísticas”

(Bougnoux, 1994: 113). Em outros termos, a mensagem, no que concerne a

estrutura da narrativa, surge dotada de um certo potencial informativo do

ponto de vista da racionalidade da informação. Mas aparece superficial do

ponto de vista relativo ao repertório de conhecimentos já em posse do leitor.

O fato de que entre o pelotão de execução que dispara e o homem caído seja

subentendida a imagem do homem que está caindo, obriga de fato o receptor

a desencavar uma certa informação da seqüência.

16

A informação era a mais previsível e não despertou no receptor

nenhuma tendência para a descoberta embora este tenha ganho em agilidade

na sua leitura. Sullerot analisa ainda uma série de referências à linguagem

cinematográfica, graças às quais a fotonovela consegue sugerir num só

enquadramento toda uma série de estados de alma, um “mood”, um conjunto

de conclusões implícitas, de sorte que, segundo um código cinematográfico,

tais enquadramentos têm agora um valor quase fixado, e funcionam como

mensagem unívoca.

Pode-se dizer que a grande probabilidade do desfecho da ação não

seja uma característica da linguagem das HQ, mas sim da sua

mercantilização, exatamente na mesma medida em que o happy end também

não o é no cinema. A seqüência de quadros não é necessariamente previsível

como demonstra-se no “Luna Toon” (figura 1). Cada quadro, quando

isolado, tem um grau menor de imprevisibilidade e maior quando

reagrupados. De certo, o grau maior é obtido pela continuidade de tempo,

espaço e movimento na forma sugerida anteriormente. Sendo assim, a

articulação dos quadros pode não ser feita exclusivamente através da

unidade da ação. O tratamento da página (principalmente quando a história é

publicada em revistas), como uma complexidade formal, um mural onde a

unidade é o quadrinho. Quando compõe diferentes espaços, claros-escuros,

17

símbolos, independentemente do tempo narrativo, é uma tentativa de

acréscimo das conquistas pictóricas às HQ.

As HQ são uma forma de representação diversa da ilustração, da

caricatura e do cartum. Uma despretensiosa constatação do seu caráter de

série organizada pelo uso conceitual do tempo não só é bastante, como

também coloca-nos na presença de uma estrutura narrativa nova. De

qualquer modo, a complexidade da sua linguagem não paira somente sobre

este fator. Ao examinar-se a relação texto e imagem na ilustração, caricatura

etc., já observa-se a autonomia entre um e outro. Quando Richard Outcault,

na sua criação “The Yellow Kid” (figura2) colocou textos dentro do

quadrinho e limitou-os ao espaço do balão, fazia mais do que mudar o lugar

das palavras em relação às figuras. De fato, uma de suas principais

características é o balão com seus mais diversos formatos encerrando os

mais variados diálogos, idéias, pensamentos, ruídos. Foi introduzido por

volta de 1895, embora seja antigo em outras manifestações de arte sem se

verificar em sua pré história (as tapeçarias de Bayeux) ou proto-história

(como, o já citado, Rudolphe Töpferr e Wilhelm Busch). Na verdade, o

balão, o ruído onomatopaico e o ritmo visual constituem os elementos

fundamentais de uma poética dos comics, “[...] era estimulante partir desses

balões que pensam tanto como as palavras ou, pelo menos, levam a pensar”

(Bougnoux, 1994:13).

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Com a ajuda do balão o artista pode atingir a metalinguagem, como no

exemplo do Gato Félix de Pat Sullivan (figura 3), ou dimensões

informacionais completamente novas como Pogo de Walt Kelly (figura 4)

que, neste particular, é de uma riqueza fascinante. Solidificador da palavra,

do sonho e do fôlego, o balão é uma instigante visualização espacial do som,

assim como a onomatopéia. Criador de um novo espaço gráfico,

redimensiona o quadro proposto à revelia do desenhista. Como diz Jacques

Marny : “Matéria eminentemente plástica, o “balão” se presta às menores

nuances”. Em estreita relação com a confecção tipográfica do texto, expressa

fúria, ódio, medo, alegria, surpresa etc. Passando às vezes de uma realidade

lingüística (abstrata) para uma realidade física (concreta)4. O balão pode

ultrapassar a sua realidade específica tornando-se um elemento estrutural,

abandonando as palavras dos personagens para ir contornar o próprio

quadro.

Já a inclusão de palavras no campo imagístico causou uma

transformação em seu uso, adicionando conotações e outras vezes alterando

o seu significado. Desde então as palavras sofreram um tratamento plástico;

passaram a ser mais trabalhadas; o tamanho da letra, cor, espessura etc;

4 Ver figura 3.

19

tornaram-se componentes relevantes para a interpretação do texto e, por

conseguinte, das imagens.

Da mesma forma com que um personagem diz: “Cuidado!” com letras

pequenas e tímidas pode significar uma situação de impotência diante do

fato consumado. Por outro lado a mesma expressão escrita com letras

espessas significa que o personagem procura avisar (gritando) alguém de

algum perigo. Dois sentidos diferentes são conotados com a mesma palavra

figurada distintamente. Outro bom exemplo acontece quando a letra serve

como elemento de aclimatação de uma cena (figura 5). Aqui todo um clima é

criado quando as letras são também encharcadas envolvendo o leitor com o

quadrinho. Torna-se claro que o desenho da palavra existe também fora do

campo das imagens. Nesse caso existe, simultaneamente, a linguagem

analógica das imagens e a digital das palavras. É nessa concomitância que

está o valor do transporte e tratamento do texto; na relação organizada entre

informação analógica e a abstrata que criam um conjunto novo, permitindo

um conhecimento rápido e preciso.

Ao imaginar uma história em quadrinhos transferida para uma tela de

cinema nada mais se teria além de uma sucessão de imagens estáticas. Essa

sucessão deixaria estarrecido o espectador cinematográfico do início do

século, porém não nos apanharia, em absoluto, de surpresa pois nele

reconheceríamos o estilo de Goddard de Vivre sa vie ,de Chris Marker de Lá

20

jetée e, mais recentemente, na obra de Rachel Talalay, Tank Girl onde o

filme é articulado através da pura e simples justaposição de imagens.

Isso quer dizer que, pelo menos no nível da montagem, os quadrinhos

estariam realizando um discurso cinematográfico que ainda ia acontecer. Em

Tank Girl, os meios (cinema e quadrinhos) são inteiramente explicados como

suportes de imagens. Embora possam gozar de convivência pacífica, os dois

não se misturam. O quadrinho, como já foi dito antes, tem sua carga de

informação necessária para seu entendimento. Ao leitor é sugerida a

seqüência entre um quadro e outro. A calha (espaço entre os quadros) é

preenchida pela sua imaginação. No filme em questão há uma troca de papéis

interessante. Entre duas cenas, ou antes de uma nova ambientação,

freqüentemente aparecem imagens de quadrinhos explicando ou

apresentando alguma situação. A eloqüência dos comics é indubitável neste

caso. O quadrinho, paradoxalmente, passa a ser a “calha” na seqüência

cinematográfica pois é inserido exatamente como elemento de ligação na

narrativa do filme. Devido ao alto teor informativo do meio, essa função é

exercida com precisão. Pode-se dizer que, neste caso, o quadrinho é extrato

da informação fílmica. Elemento necessário tanto narrativo quanto estético.

21

CAPÍTULO II

AVALIAÇÃO TÉCNICA

Neste capítulo serão feitas as análises acerca das revistas que

circularam no universo Marvel no período de 10/95 a 09/96. Das 72 revistas

(lembrando que são seis publicações no curso de um ano) foram escolhidas

algumas imagens das revistas em questão:

1) Capitão América.

2) O Homem Aranha.

3) Superaventuras Marvel.

O critério de escolha das histórias prima pela quantidade de

informação contida nas mesmas bem como o momento propício para uma

análise onde não houvessem saltos e /ou interrupções na cadência dos

acontecimentos. De uma forma geral, pode-se afirmar que a qualidade do

traço dos desenhistas evoluiu de forma sensível. Os enquadramentos são

cada vez mais ousados e exploram claramente a linguagem cinematográfica:

“O enquadramento opera um corte e a partir dele, o olhar bifurca em direção

de um mundo pleno onde os signos falam. Uma obra é reconhecida pela

autoridade de seu enquadramento, pela vontade que temos de habitar nesse

confinamento” (Bougnoux, 1994: 273).

22

Mais uma vez os heróis se encontram num nível de humanização

maior e seus problemas pessoais se aproximam dos sofridos pelo leitor

comum. Esta estratégia, conta Chris Claremont (criador de inúmeros super-

heróis), foi de extrema importância para a sobrevivência das HQ nos anos

90. “O leitor já estava cansado de ver heróis inatingíveis e sem apelo

humano”5. Isso se reflete nas revistas Marvel editadas no Brasil embora o

tratamento dado às mesmas não seja o mesmo que o dado às edições

americanas. O primeiro elemento que logo aflora aos olhos é a qualidade do

papel. As revistas americanas são feitas em papel verniz enquanto que as

brasileiras são confeccionadas em papel jornal o que compromete

necessariamente a impressão e, conseqüentemente, as cores nas HQ. O papel

jornal absorve a tinta e ofusca os tons, especialmente o vermelho. A editora

Abril vem investindo na qualidade do papel em algumas edições especiais

mas ainda não tem, na maioria de suas publicações, uma qualidade superior

e homogênea. As histórias levam geralmente de 2 a 3 anos para serem

publicadas no Brasil. Em alguns casos esse tempo é reduzido, como foi o

caso da última batalha entre os heróis dos dois mais importantes grupos de

HQ no mundo: Marvel e DC. A seguir procederemos a uma análise

individual de três edições do universo Marvel:

5 Revista Wizard, edição americana, novembro de 1993, pág. 36.

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CAPITÃO AMÉRICA

Captain America

Alter-ego: Steven Grant Rogers

Criadores: Joe Simon e Jack Kirby

Estréia: Captain America Comics nº 1, 1941 (Timely/Marvel)

Revistas onde já apareceu regularmente: All-Winners Comics, Avengers,

The Invaders, Marvel Double Feature, Marvel Super Action, Young Allies,

Tales of Suspense, Fantasy Masterpieces, Captain America, Captain

America and The Falcon

Grupos de que já fez parte: Invasores e Vingadores

Poderes: Domínio de várias técnicas de luta e artes marciais. Sua

musculatura foi tornada perfeita com o soro do super-soldado. Com a

retirada deste de seu sangue, no entanto, os efeitos de sua atuação ainda

estão evidentes em sua estrutura celular. Grande maestria no arremesso do

escudo indestrutível que possui.

Observação: Outros indivíduos assumiram a alcunha e o uniforme do

Capitão América. Em 1943, o herói conhecido como o Independente

colocou as vestes azuis, brancas e vermelhas para ajudar os antigos

Invasores (então Esquadrão Vitorioso) e intimidar os nazistas.

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Este, no entanto, morre em combate, e é substituído pelo Patriota, que seria o

Capitão América até 1949. Em 1952, um historiador descobre a fórmula do

super soldado, a administra em si próprio e passa a ser a quarta encarnação

do Sentinela da Liberdade. Com a volta do Capitão original, apenas John

Walker (o Super Patriota) usaria o uniforme, durante o período em que Steve

Rogers o devolveu ao Governo americano.

BRASIL

Revistas regulares em dezembro de 1996: Capitão América (Abril)

Publicações regulares anteriores: O Globo Juvenil Mensal, Gibi Mensal

(O Globo), Capitão Z (3ª série), A Maior, Capitão Z em cores, Homem-

Aranha em Cores (Ebal), Novo Capitão América, Os Vingadores (Bloch),

Capitão América, Heróis da TV (Abril)

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Revista: Capitão América no 200 (comemorativa em papel verniz).

Editora: Abril. A revista, no Brasil, foi descontinuada a partir do no 220.

História: Símbolos (págs 153 a 162).

Número de quadros analisados: 37.

Quadro 1:

A cena é de um enterro, chuva, pouca luz apenas um padre e um

ouvinte, louro, num sóbrio sobretudo, cabeça baixa. Respeitosamente ouve

as palavras do padre em silêncio. Nota-se os nomes dos desenhistas no sopé

de um túmulo e em lápides, desta forma utilizando o próprio meio de

maneira metalingüística. O mundo real invade o dos quadrinhos.

Quadros 2 e 3:

Seqüência clássica, o padre em primeiro plano em “close” (com a

permissão do uso de termos da linguagem cinematográfica), profere palavras

da bíblia e sacramenta o ritual de sepultamento . O céu é muito escuro dando

a impressão de que é noite. A chuva cai impiedosamente e o clima

apresentado traz ao leitor uma sensação de desolação.

Quadros 4 e 5:

Nos dois quadros o texto não é usado, a influência cinematográfica é

incontestável. O quadro 4 mostra o padre se afastando do caixão enquanto o

desconhecido se aproxima.

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O autor mantém sua identidade ainda meio velada no intuito de manter

a atenção do leitor com suas suspeitas. Ele pára e observa o esquife. O

quadro 5, com o acréscimo do elemento da chuva e o silêncio do

personagem exprimem a lentidão do ritmo narrativo neste momento, apenas

contemplação.

Quadro 6:

Neste quadro, o silêncio é interrompido pelo discurso do até então

desconhecido que dá as primeiras pistas de quem é ao dizer: “descanse em

paz soldado”. Aí já compete ao leitor ter a informação que o Capitão

América teve sua formação militar no exército, caso contrário essa

informação passará despercebida na identificação do personagem (sabe-se

que a identidade do Capitão América (Steve Rogers) é secreta).

Quadros 7 e 8:

O personagem se afasta de maneira sóbria, cabisbaixo. A narrativa

ainda é lenta, o ritmo da história se mantém inalterado. No quadro seguinte,

o oitavo, esse ritmo é interrompido. O personagem pára e desvia sua atenção

para algo que acontece atrás dele. O enquadramento é um “close” nos olhos

do personagem reforça a idéia de ritmo bruscamente interrompido.

Quadro 9:

Em primeiro plano o personagem se vira e olha alguns homens indo

em direção ao túmulo do amigo.

27

Quadros 10 a 14:

Nesta seqüência a situação é explicada. Os homens não aceitam que

um negro seja enterrado num cemitério de brancos. O ritmo se desenvolve

na medida em que os ânimos vão se exaltando. No quadro 13 são destacadas

as palavras “preto” e “branco” o que intensifica a idéia racista e maniqueísta

dos dois significados.

Quadros 16, 17:

O personagem começa a contar sua história e os quadros, mudam de

ambiente (16 e 17), tempo e espaço. No quadro 17 é possível identificar o

personagem com o alter ego do Capt. América pois na sua tarja de

identificação aparece o sobrenome Rogers. Note-se que daqui para frente,

enquanto a situação se remete ao passado do soldado Rogers as pontas dos

quadrinhos se tornam abaoladas; um recurso que o desenhista usou para

diferenciar as ambientações temporais. Aqui uma outra aclimatação toma

forma embora o mesmo tema venha a ser abordado. No quadro 17 a palavra

“racista” aparece em destaque.

Quadros 18 a 21:

A narrativa aqui continua inalterada em relação aos quadros

anteriores. O personagem negro (Biz) descobre por engano que alguém do

seu alojamento é o Capitão América. Mesmo assim mantém segredo.

28

Quadros 22 a 25:

Aqui o personagem Biz é torturado no intuito de se descobrir alguma

informação. No momento em que este beira a morte , ao fundo, como uma

luz ao fim do túnel, aparece a silhueta de um novo personagem. A

expectativa tem seu auge neste momento. A história atinge deu clímax. No

quadro seguinte, a figura do herói iluminado por completo trazendo a ordem

quando tudo era “negro” (note-se que nos três quadros anteriores a

luminosidade era extremamente precária).

Quadros 26 a 29:

Uma luta é travada e os oponentes caem um a um. Muito ferido o

personagem Biz agradece ao herói. O curioso aqui é a passagem da

ambientação no passado para o presente. Um mesmo enquadramento é

escolhido nos dois quadros (28 e 29). O personagem está na mesma posição

só que sem o disfarce. Ainda assim seus traços se conservam o que termina

com o processo de identificação. Aqui as arestas do quadro voltam a seu

formato normal.

Quadros 30 a 35:

O herói resolve manter a honra do seu amigo morto, disposto a

enfrentar os seus oponentes. Nesta seqüência o que há de interessante é o

“close” nos músculos do braço do personagem como elemento de

29

intimidação e os balões alterados dos inimigos exprimindo medo e

contenção, exemplo vivo das possibilidades da estética do balão.

Quadros 36 e 37:

Aqui a apoteose é finalmente estabelecida. As honras ao amigo morto

são feitas. Logo o céu se abre e a chuva passa com o ‘espírito’ do herói

maior ao fundo, protegendo e prestando a última homenagem.

Analise geral:

A história se passa num ritmo narrativo lento. Segundo a narratologia

de Mauro Baptista a focalização encontrada é zero, relato clássico

cinematográico, até o momento em que é feita a volta ao passado. Daí a

focalização é interna e fixa com um personagem tendo controle do ritmo

narrativo. De volta ao presente a focalização volta ao eixo inicial.

Na maioria das as revistas do Capitão América não foram encontrados

elementos de desconexão com a linguagem clássica dos quadrinhos. Seus

relatos quase sempre permeiam valores cívicos pré-estabelecidos,

invariáveis. A problemática do herói não atinge o nível humano simples e

sim revolve numa conjuntura mais ampla e universal. Sempre a coletividade

e seus sistemas são mais importantes.

30

HOMEM-ARANHA

Spider-Man

Alter-ego: Peter Parker

Criadores: Stan Lee e Steve Ditko

Estréia: Amazing Fantasy nº 15, 1963 (Marvel)

Revistas onde já apareceu regularmente: Amazing Spider-Man, Peter

Parker The Spectacular Spider-Man, Marvel Team-Up, Marvel Tales,

Spidey’s Super Stories, Web of Spider-Man, Spider-Man Comics Magazine,

Spider-Man, The Sensational Spider-Man, Spider-Man Unlimited, Untold

Tales of Spider-Man, Spider-Man Adventures

Grupos de que já fez parte: Vingadores, Novo Quarteto Fantástico

Poderes: Força, reflexos, agilidade e equilíbrio sobre-humanos. Sentido de

radar premonitório que o avisa do perigo. Capacidade de detectar onde está

seu sinalizador-aranha e de aderir à paredes com as mãos e os pés. Além de

todos esses poderes, Peter Parker possui conhecimentos científicos além dos

normais, que o ajudam no combate ao crime e na fabricação de sua teia.

Observação: A Marvel também criou uma versão do herói que age em

2099.

31

BRASIL

Primeira aparição: Álbum Gigante (4ª série) nº 11, 1968 (Ebal)

Revistas regulares em dezembro de 1996: O Homem-Aranha, A Teia do

Aranha (Abril)

Publicações regulares anteriores: O Homem Aranha, O Homem Aranha

em Cores (Ebal), O Homem-Aranha (Bloch), O Homem Aranha, Super-

Heróis Marvel, Almanaque do Homem-Aranha, Super Almanaque do

Homem-Aranha (RGE)

32

Revista: O Homem Aranha 150 (comemorativa em papel jornal).

Editora: Abril.

História: Ninguém sai daqui vivo

Número de quadros analisados: 48

Quadros 1 a 3:

Prévia: O Homem Aranha se acidenta numa explosão de uma central

de ar condicionado e cai inconsciente.

Neste primeiro quadro, o Homem Aranha encontra-se com Thanos,

poderoso vilão que tem o poder de manipular o tempo. Aqui sua

inconsciência depara-se com a possibilidade da morte. Note-se que ele não

mais usa o capuz que esconde sua identidade secreta. O interessante é que o

fundo não é mais o branco convencional e sim preto. Dessa forma o artista

tenta criar uma atmosfera mais densa. O herói ainda se encontra em

adaptação à nova situação.

Quadros 4 a 8:

Thanos apresenta ao herói uma nova situação: ele se vê caído com, o

que parece ser, uma poça de sangue próxima a sua cabeça. Ele dá pouca

importância ao fato de que se encontra “morto” e atenta para o desespero de

alguém que suplica por socorro. Uma mãe, desesperada com a morte da filha

33

pragueja contra ele num impulso impensado, ela não se conforma com a

morte da filha e culpa o homem aranha por isso.

O desenhista liga os enquadramentos usando o quadro maior como

fundo. Isso aproxima o leitor, chama sua atenção.

Quadros 9 a 13/14:

Neste momento, o herói esquece completamente do seu dilema e

atenta para a vinda da criança para o “mundo dos mortos” e questiona a

justiça do acontecimento. Seu pedido é ignorado e ele tanta investir contra

seu oponente. No momento em que parte para a ação o desenhista usa um

recurso interessante: duvide o quadro em dois (e coloca, dessa forma o

segundo quadro em detalhe), destacando o punho fechado do herói prestes a

desferir o golpe.

Quadros 15 a 18:

O desenhista aqui repete o recurso de usar um quadro maior como

fundo para os menores. Aqui acontece uma aceleração no ritmo narrativo, o

herói fita o adversário, este lê seu pensamento enquanto o terceiro

personagem, a morte, observa impassível. O ritmo explode quando o homem

aranha golpeia Thanos. O balão de fala se transforma transmitindo uma idéis

de vigor. É de se observar que os balões de fala de Thanos são todos

contornados por uma faixa azul. Isso se deve ao fato que ele não possui uma

voz comum, essa diferenciação é transmitida aqui com esse recurso.

34

Quadros 19 a 22:

A luta é travada sem êxito para Peter Parker. Suas tentativas são todas

frustradas. O autor apenas prepara o leitor para a próxima cena. O recurso

usado é o escurecimento do fundo para a desaceleração do ritmo narrativo.

Quadros 23, e 24:

O golpe de Thanos gera muita energia e o herói é projetado. O recurso

na onomatopéia é usado (SK-KOW!, BK-SKUSH!) exemplificando os

acontecimentos e somando à interpretação do leitor.

Quadros 25 a 32:

A luta continua, a linguagem usada pelo desenhista segue de uma

forma convencional. O Homem Aranha tenta investir contra Thanos sem

êxito. A onomatopéia continua sendo usada.

Quadros 33 a 42:

Aqui o absurdo inconsciente é revelado. O herói tenta escapar em vão

de seu algoz que assume, como num sonho, dimensões gigantescas. No

quadro 35 Thanos se dirige à morte questionando seu olhar crítico. O fundo

agora é preto aproximando o leitor à “pessoalidade” do momento. Enquanto

Peter Parker discursa vai passo a passo se transformando em Homem Aranha

e a figura da morte, ao fundo, vai assumindo uma expressão mais amena. A

simultaneidade dos acontecimentos aqui é transmitida com maestria.

35

Quadros 43 a 48:

Na última página, o herói acorda junto com a garota e descobre que o

suposto sangue era molho de churrasco. Aqui, os recursos usados voltam a

um nível convencional.

Análise geral:

Uma história interessante no que concerne a linguagem utilizada. O

inconsciente é tratado de forma diferenciada com uma estética original. O

uso de quadros maiores como fundo aproximam o leitor ao teor do tema e

ritmo narrativo sugeridos. A focalização proposta aqui é zero. Este tipo de

abordagem não foi encontrado em abundância nas revistas analisadas no

curso de um ano (10/95 a 09/96), a maioria de suas histórias são contadas de

forma tradicional com fundo branco e narrativa clássica com focalização

zero.

36

DEMOLIDOR

Daredevil

Alter-ego: Matthew Murdock

Criadores: Stan Lee e Bill Everett

Estréia: Daredevil nº 1, 1964 (Marvel)

Revistas onde já apareceu regularmente: Daredevil, Daredevil & The

Black Widow

Grupos de que já fez parte: nenhum

Poderes: Noções profundas de boxe, ginástica, ninjitsu, judô e várias outras

artes marciais. Apesar de cego, todos os seus outros sentidos são super

aguçados. Seu sentido de radar faz, literalmente, com que ele “enxergue” e

perceba tudo que acontece a sua volta.

BRASIL

Primeira aparição: O Demolidor nº 1, 1969 (Ebal)

Revistas regulares em dezembro de 1996: Super Aventuras Marvel

(Abril)Publicações regulares anteriores: O Demolidor (Ebal), Defensor

Destemido (GEA), O Demolidor (Bloch), Almanaque Marvel (RGE)

37

Revista: Superaventuras Marvel n0163.

Editora: Abril

História: Em busca da alma.

Número de quadros analisados: 37

Quadros 1 a 4:

O Demolidor luta contra uma bruxa que tenta se apossar de sua alma.

Os acontecimentos são desencadeados em dois níveis: o da luta em si e o da

consciência do herói aqui narrados fora dos balões, em quadros no tom ocre.

Os balões de fala da bruxa não são convencionais, o contorno vermelho

denota a diferenciação de voz que ela possa ter (esganiçada talvez).

Quadros 5 a 10:

Os dois continuam a travar a luta enquanto o Demolidor fala consigo.

Os quadros não têm formato convencional, suas bordas descrevem uma

trajetória caótica demonstrando que o combate não acontece no nível

consciente.

Quadros 11 a 17:

Na tentativa de escape, o Demolidor, ao perceber que não logrará

sucesso, sofre um lampejo de pré-consciência e tira seu traje numa tentativa

de, no mundo consciente manter sua identidade em segredo. O desenhista

38

utiliza recursos de fragmentação de quadros para colocar os detalhes dos

fragmentos em destaque. Os quadros 12 e 13 exemplificam isso.

Quadros 18 a 22:

Ainda em pré-consciência o herói “percebe” [lembrando que ele é

cego] as formas dos paramédicos que o socorrem. Aqui as cores são

suprimidas no intuito de exprimir a percepção de radar que possui o

protagonista. No quadro 22, ao notar que foi dado como morto, a

consciência grita num enquadramento em preto.

Quadros 23 a 29:

Num salto temporal o necrotério se aproxima. Sua consciência ainda

lhe fala mesmo que de forma confusa. No quadro 29 não há mais a visão do

mundo consciente. A bruxa inicia seu ritual enquanto o Demolidor se

encontra inerte.

Quadros 30 a 38:

O herói aqui já não age. Não há mais a fala da consciência. A bruxa

completa seu ritual sugando toda a vitalidade da vítima. A alma se foi. Tudo

se passa num plano que não o real. A nova essência do herói é finalmente

construída.

39

Análise geral:

A Focalização da história se passa no nível interno enquanto a

narrativa passa pela consciência do herói. O desenhista usa recursos inéditos

para descrever a inconsciência do protagonista. Aqui o surrealismo é revisto

no uso das bordas retorcidas dos quadros e do fundo terroso, que lembra

uma cova, presente em toda a passagem da história, representando o mundo

inconsciente e/ou dos mortos.

Observação:

Em todas as revistas analisadas (de todo o universo Marvel estudado

de 10/95,a 09/96) não foi encontrado nenhum caso de focalização externa.

Todas as histórias foram contadas, em sua maior parte, como relato clássico,

sendo assim, focalização zero; e, em alguns casos, focalização interna como

na história anterior.

40

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES

O fato de que os quadrinhos possuam características estilísticas

particulares não impede que possa estar em posição “simbionte” em relação

a outros meios de expressão. Por outro lado, o fato de alimentarem relações

de “simbiose” a certos níveis não proíbe que a outros, se encontre em

relação oposta, ou seja, de “promoção”. Por exemplo: quando num

quadrinho vê-se a representação de um objeto que passa velozmente feita

com traços horizontais deve-se agradecer à fotografia pois sem ela não se

teria o acesso inicial a tal representação gráfica do movimento. É verdade

que se poderiam individualizar certas representações deste tipo em cartuns

e/ou tiras que precedem as experiências futuras, mas também é verdade que,

só após os experimentos da pintura contemporânea e as descobertas dos

técnicos e artistas da fotografia pôde a história em quadrinhos impor suas

próprias convenções gráficas como linguagem universal, com base numa

sensibilidade adquirida agora por um público bem maior. De certo, num caso

como este, “simbiose” não significa inutilidade. “Representar ou significar é

praticar uma seleção, portanto, instaurar um confinamento informacional,

um corte ou distância semióticos” (Bougnoux, 1994: 254).O fato de que uma

solução estilística seja tomada de empréstimo a outros campos não lhe

41

impugna o uso, desde, é claro, a solução venha integrada numa contexto

original que a justifique.

Por outro lado, num viés oposto, há a possibilidade das HQ

contribuírem para a boa veiculação da informação. Como no caso do filme

Tank Girl abordado anteriormente, os quadrinhos “promovem” o acerto

entre cenas por possuir grande capacidade informativa. Dessa forma o olhar

mais uma vez é distorcido na tradução dos meios distintos. A estética dos

comics subverte seu próprio papel inicial. Isso é claramente uma evolução

no nível de representação do meio.

Os quadrinhos representam respostas às suas épocas e, em geral, têm

expressado uma visão de mundo semelhante às outras formas de veiculação

de informação imagética. De fato, o poder que os quadrinhos têm de ampliar

nosso modo de ver foi percebido inicialmente pela visão criativa do artista.

Assim como a xilogravura, a água forte, a gravura em cobre e a litografia, os

quadrinhos são uma forma de impressão que depende de processos

mecânicos. No entanto, os quadrinhos não são, como já foi visto antes, um

meio neutro. Eles nunca resultam em uma reprodução fiel da realidade.

Sejamos ou não capazes de perceber tal fato, o traço do artista quadrinista

altera as aparências e reintrerpreta o mundo a nossa volta, fazendo com que

o vejamos, literalmente, em novos termos.

42

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES E HISTÓRIAS

Figura 1 - Luna Toon, Zap Comix (direitos reservados), In: Zap Comix no

5, pg 2, Ed. Magna, 1975.

Figura 2 - O menino amarelo, King Features Syndicate/The Hearst

Corporation (direitos reservados) In: História da história em quadrinhos

(pg.17), Álvaro De Moya, ed. Brasiliense, 1986.

Figura 3 - O gato Félix, King Features Syndicate (direitos reservados), In:

História da história em quadrinhos (pg. 51), Álvaro De Moya, ed.

Brasiliense, 1986.

Figura 4 - Pogo, Walt Disney Inc. (direitos reservados), In: História da

história em quadrinhos (pg. 156), Álvaro De Moya. ed. Brasiliense, 1986.

Figura 5 - Contrato com Deus, Will Eisner Copright® 1985 (direitos

reservados), In: Contrato com Deus (pg. 15), ed. Abril, 1988.

História 1 - Símbolos, Marvel Entertainment Group Inc. (direitos

reservados), In: Capitão América no200 (pgs. 153 a 162), ed. Abril, 1996.

História 2 - Ninguém sai daqui vivo, Marvel Entertainment Group Inc.

(direitos reservados), IN: O homem aranha no 150 (pgs. 152 a 162), ed.

Abril, 1996.

43

História 3 – Em busca da alma, Marvel Entertainment Group Inc. (direitos

reservados), In: Superaventuras Marvel no 163 (pgs. 36 a 41), ed. Abril,

1996.

BIBLIOGRAFIA

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- BAPTISTA, Mauro. “Narratologia: panorama de uma nova teoria do

cinema”, In: Revista Imagens no 2 UNICAMP, 1994;

- BARTHES, Roland. A Câmara clara, ed. Nova Fronteira, 1984;

- BOUGNOUX, Daniel. Introdução às ciências da informação e da

comunicação – Vozes – 1994;

- CIRNE, Moacy. Uma Introdução política aos quadrinhos, Achiame, 1971;

- COHEN, Haron & KLAWA, Laonte, “Os Quadrinhos e a comunicação de

massa” In: Shazam, Álvaro De Moya (org.), Perspectiva, 1977;

- DE MOYA, Álvaro. História da história em quadrinhos, Brasiliense,

1987;

44

- EISNER, Lotte H.. A Tela demoníaca, ed. Paz e Terra, trad. Lúcia Nagib,

1985;

- EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial, Martins Fontes, 1989;

- GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais, Companhia das Letras, 1990;

- HOUAISS, Antônio. “A estrutura da conceituação...”, In: A Lógica do

pensamento lingüístico contemporâneo, Márcio Gabeira (org), ed. Summus,

1989;

-MACHADO, Arlindo. A Arte do vídeo, ed. Brasiliense, 1990;

-McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos, Summus, 1995;

-McLUHAN, Marshall. Os Meios de comunicação como extensões do

homem, trad. Décio Pignatari, ed. Cultrix, 1970;

-RODRIGUES, Aline Leal & LUZ, Augusta Barros. A Metamorfose dos

super-Heróis. Projeto Experimental no 174, Faculdade de Comunicação da

Universidade Federal Da Bahia, 1995;

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-SULLEROT, Evelin. “Il fotoromanzo, mercato comune latino

dell’immagine”, In: Almanacco Bompiani 1963 - Civiltà dell’immagine e La

presse féminine, Paris, Colin, 1963.

- Revista Wizard, Novembro/1993, BPA International ®.

46