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A Europa Não Existe
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Mestrado em Políticas Comunitárias e Cooperação Territorial
Eduardo Jorge Guimarães de Abreu Pereira PG13336
[A EUROPA NÃO EXISTE] Análise crítica ao texto de Herman de Regt
UNIVERSIDADE DO MINHO JULHO DE 2009
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O texto de Herman de Regt, apreciado com algum distanciamento, pode ser
simplificado como resposta a uma pergunta que, de simples, tem apenas a aparência: o
que é a União Europeia?
De forma concisa e pragmática, De Regt nega a sua crença numa Europa
culturalmente única, conceito que compreende a noção uma identidade europeia comum
como elemento agregador dos habitantes da União. Essa identidade cultural é apontada
por diversos autores como o factor crucial para a consciencialização dos europeus de
que existe algo tangível que os liga aos seus “vizinhos” mais afastados, mesmo que, à
primeira vista, tal pareça pouco crível. Anthony D. Smith e Joseph Weiler abordam
precisamente a questão da adesão a uma cultura comum como a via mais eficaz para
que os europeus possam interiorizar o sentimento de pertença a uma Europa única e, até
certo ponto, sustentam uma argumentação bastante válida. Não é difícil compreender
que, quanto mais um indivíduo – ou um conjunto de indivíduos – se identificar com
uma instituição, mais condições terá esta última para se afirmar como uma entidade
coesa e estável, sem receio de um desmembramento inesperado. Com uma identidade
comum instalada, a força da União viria de dentro, não existindo como algo que foi
imposto, mas como algo a que os seus habitantes desejam pertencer porque se sentem
parte integrante da mesma.
No entanto, tanto Smith como Weiler – propositada ou inocentemente – passam
um pouco ao lado da questão do tempo no processo de construção da identidade. Não é
expectável que se possa mudar mentalidades em pouco tempo e a descoberta de
elementos comuns às diversas nações europeias, capaz de abarcá-las a todas sob o
„guarda-chuva‟ da UE, é tarefa para se arrastar ao longo de décadas, facto que não joga
a favor dos interesses da União. Estando num momento particularmente crucial da sua
afirmação, em que a abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu alcançou uns
altíssimos 60% e os partidos nacionalistas ganharam uma força inédita junto de
Bruxelas, tempo parece ser um bem que a UE não se pode dar ao luxo de esbanjar. É
nessa medida que as teorias mais fortes de Smith1 (identidade europeia como resultado
de um conjunto de memórias, crenças e símbolos comum) e de Weiler (identidade
europeia pela interiorização do multiculturalismo, com um elemento cultural a
1 Smith descreve também uma identidade comum formada pela acção de líderes e elites, que não só
mostram o caminho às restantes classes, como tornam a identidade em algo que é burocraticamente
desenhado e imposto; o prórpio autor, contudo, admite que o povo é difícil de motivar se não estiver
activamente disposto a ser motivado, pelo que este modelo se apresenta como menos consistente do que o
da identidade criada por factores comuns
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superiorizar-se aos demais) se tornam um pouco desajustadas às reais necessidades da
UE.
Nesta perspectiva, De Regt tem o mérito de „ler‟ a União com um pragmatismo
que elimina essa problemática de uma forma bastante realista: ela é precisamente o que
o nome indica, uma União de Estados que estão dispostos a pereguir objectivos comuns
para a obtenção de estabilidade económica e militar, evitando assim conflitos e
promovendo a prosperidade. Nas palavras do próprio, “é um clube”. E, como qualquer
clube, tem condições de admissão, as quais, para De Regt, nada têm a ver com a cultura
do potencial Estado-membro. O exemplo da Turquia vem à baila e ilustra de forma
perfeita o argumento: enquanto que muitos debatem se as afinidades culturais não
deverão ser o mais forte aglutinador da UE, o rumo que os seus líderes têm vindo a
escolher aponta precisamente no sentido do “não”. Sendo inegável que os padrões
culturais turcos são bastantes diferentes de qualquer típico país europeu – basta referir
que seriam o primeiro Estado de maioria muçulmana a integrar a „família‟ europeia –, a
verdade é que essa diferença ainda não constituiu um entrave oficial à sua adesão à UE;
estando a ser aplicados factores de convergência idênticos aos que foram sujeitos os
membros recém-admitidos. Um dos factores que mais peso estará a ter no proceso de
adesão da Turquia à União, ainda que não explicitamente, é aquele que se prende com o
efeito que a entrada de um Estado com o „peso‟ de 70 milhões de habitantes vai ter na
distribuição de poderes dentro do “clube”. Alemanha (83 milhões), França (64M),
Reino Unido (60M) e Itália (58M) formam, até aqui, o núcleo-duro da União no que
toca a influência e poderão perfeitamente incomodar-se com a ideia de se verem
obrigados a admitir mais um elemento neste grupo “de elite” – para mais, um que seria
imediatamente o segundo mais populoso.
Mas, regressando ao texto de De Regt, há ainda que salientar que o caminho
escolhido pelo autor para uma aproximação da União Europeia aos seus habitantes – e,
consequentemente, aos seus Estados-membros – é o da acção para a sensibilização,
evidenciando o que tem para oferecer enquanto instituição transnacional. De Regt
sublinha que esta via é tanto mais importante por ser o oposto à reflexão sobre uma
identidade comum, enfatizando ainda mais a questão do tempo, já aqui abordada. Ou
seja, é duplamente preferível abordar o problema da adesão ao projecto da Europa única
pela via dos benefícios que ele pode trazer à população: não só a mensagem é mais
rapidamente assimilada pelos destinatários (os cidadãos), como também, garantindo
essa preciosa vantagem temporal, se evite que a situação possa chegar ao extremo de
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um Estado-membro entender que a desvinculação à UE é o caminho a seguir. No fundo,
a ideia que De Regt quer fazer passar é a de que a União Europeia não deve cair no erro
da auto-importância, de se julgar uma entidade superior a que os países devem aderir
por via de uma identidade cultural comum, mas sim “arregaçar as mangas” e mostrar
que tem uma razão de ser e que pode ser útil aos europeus em questões tão cómodas
como a de viajar livremente dentro das suas fronteiras, mas também tão vitais como a
estabilidade económica e a ausência de conflitos militares. Qualquer um destes
argumentos é facilmente inteligível para os habitantes da UE, que pretendem ver o
clima de paz prolongar-se indefinidamente e as economias europeias em terrenos que
permitam, se não a melhoria, pelo menos a manutenção do nível de vida de cada um.
O problema é que, desde há um par de anos, a situação económica mundial tem
vindo a deteriorar-se e a europeia não poderia ser uma excepção à regra. Com
problemas como a inflação, perda de poder de compra e desemprego em trajectórias
ascendentes, a UE enfrenta o sério desafio de provar rapidamente que é capaz de dar a
volta à situação e que, ao contrário do que é várias vezes ventilado em discursos de
pendor mais nacionalista, as suas políticas de livre circulação e residência não foram a
causa directa da crise que actualmente vivemos.
De Regt pretendia que os políticos europeus aproveitassem o período de
campanha para as eleições de Junho passado para darem provas cabais de que a UE é
necessária e traz vantagens a todos os que nela estão englobados. Os números da
abstenção dizem que falharam redondamente. Acredito que as próximas eleições
europeias serão a verdadeira „prova dos nove‟ sobre a real aproximação – ou
afastamento – que os partidos europeus vão grangear entre a população para este
projecto europeu. Até lá, resta esperar para ver como irá a União Europeia sair do
impasse de estar a desenvolver-se para uma população que, aparentemente, não se
interessa muito por ela.
Para a realização deste trabalho, nenhuma bibliografia em particular foi consultada; ainda assim, e
porque incluí teorias de dois autores que não são citados no texto de Herman de Regt, ficam aqui as
devidas referências:
SMITH, A.D. (1995). Nações e Nacionalismo Numa Era Global. Oeiras: Celta Editora, 1999
WEILER, J. H. H. (1998). Os direitos fundamentais e os limites fundamentais: normas comuns e
valores antagónicos na protecção dos direitos do Homem. In KASTORYANO, R. (Org.) (1998).
Que Identidade para a Europa? (pp. 89-112). Lisboa: Ulisseia, 2004