A eutanásia.

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1 DIREITOS FUNDAMENTAIS Professora Doutora Andreia Sofia Pinto Oliveira Professora Doutora Benedita MacCrorie (DIREITOS FUNAMENTAIS CONSAGRADOS NA CEDH; DIREITO À VIDA (ART. 2º) DIREITOS E LIBERDADESINDERROGÁVEIS OBRIGAÇÕES POSITIVAS TRATAMENTOS DESUMANOS E DEGRADANTES (ART. 3º) RESPEITO PELA VIDA PRIVADA (ART. 8º) INGERÊNCIA PROTECÇÃO DOS DIREITOS E LIBERDADES DE OUTREM NECESSIDADE NUMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA) Trabalho elaborado por Paulo Soares Martins A59771 Universidade do Minho 2013.

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Trabalho Elaborado pelo Paulo Martins (Aluno estrangeiro de língua portuguesa não materna), no curso de Direito.

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DIREITOS FUNDAMENTAIS

Professora Doutora Andreia Sofia Pinto Oliveira

Professora Doutora Benedita MacCrorie

(DIREITOS FUNAMENTAIS CONSAGRADOS NA CEDH; DIREITO À VIDA

(ART. 2º) – DIREITOS E LIBERDADESINDERROGÁVEIS – OBRIGAÇÕES

POSITIVAS – TRATAMENTOS DESUMANOS E DEGRADANTES (ART. 3º) –

RESPEITO PELA VIDA PRIVADA (ART. 8º) – INGERÊNCIA – PROTECÇÃO DOS

DIREITOS E LIBERDADES DE OUTREM – NECESSIDADE NUMA SOCIEDADE

DEMOCRÁTICA)

Trabalho elaborado por

Paulo Soares Martins

A59771

Universidade do Minho – 2013.

Page 2: A eutanásia.

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Índice Índice .............................................................................................................2

I. Enquadramento conceitual............................................................................ 3

II. Relevância da matéria para unidade curricular de Direitos Fundamentais....5

III. Matéria de facto ............................................................................................5

IV. Alegações da requerente (falecida) no Tribunal Europeu dos Direitos do

homem............................................................................................................6

V. A eutanásia na perspetiva da micro-comparação de

Direito............................................................................................................10

VI. Conclusão .....................................................................................................11

Referencia Referência bibliográfica e sites da internet.................................12

As Abreviaturas ............................................................................................12

Page 3: A eutanásia.

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I. Enquadramento conceitual

Quando falamos sobre o caso de Diane Pretty contra Reino Unido, falamos

desde logo sobre o conflito entre alguns direitos fundamentais aí questionados, uma vez

que a essência do problema consiste no caso de permitir ou não, legalizar ou não, o

suicídio assistido ou, mais concretamente, a eutanásia, uma vez que estava aqui em

causa, no fundo, o direito à vida. Em relação ao começo do direito a vida, há duas

posições; há quem defende que o início da vida é a partir da sua conceção, isto é, com o

começo da atividade cerebral que começa entre 6 a 24 semanas da sua conceção, pois,

defende que se a morte cerebral é a definição para a morte, logo, não pode existir vida

sem neurônios, a partir daí há direito à vida. Em contrapartida, quem sustenta que o

direito à vida só pode começar com o nascimento completo e com a vida. O fundamento

desta segunda posição consiste no modo de aquisição da personalidade jurídica e que

confere à pessoa a suscetibilidade de ser titular de direitos e obrigações (art.66.º do

CCP). Para Catarina Santos Botelho, defende que o direito a vida é o mais basilar dos

direitos do homem e condição da exercício de todos os demais direitos1, ou seja, direito

a vida como base fundamental para o exercício de outros direitos independentemente da

sua natureza. Esta vida só cessa com a morte que se verifica na cessação completa e

irreversível das funções do tronco cerebral – DL nº 141/99, de 28 de Agosto.

Posto isso, quanto à eutanásia, é uma palavra derivada da língua grega; eu

(bom) e thanatos (morte) que, vulgarmente, significa a boa morte, a morte calma, a

morte doce e fácil. Neste caso, consiste na ajuda que outra(s) pessoa(s) presta(m) às

pessoas portadoras de doenças gravíssimas incuráveis e/ou em estágios terminais, no

intuito de pôr fim aos sofrimentos, possibilitando-as uma boa morte que condiz, em

alguma análise, com a conceção da dignidade da pessoa humana. Por outras palavras, é

um meio pelo qual uma pessoa possa resolver ou fugir do seu sofrimento2.

A eutanásia, em princípio, coloca os direitos fundamentais em jogo, ou seja, em

conflito, pois, por um lado, entre o direito à vida que consta no art.2.º no 1 da CEDH e

no art.24.º no1 da CRP que é um bem socialmente importantíssimo e por isso

juridicamente protegido pelo qualquer ordem jurídica, e o direito a morrer com

dignidade. Por outro lado, coloca em conflito os outros direitos fundamentais como por

exemplo, direito à vida privada, direito e liberdades inderrogáveis, que constam no

art.3.º da DUDH, na CEDH e o direito a autodeterminação nos termos do art.8.º da

CEDH, com a imposição do interesse público a proteger pelo Estado.

Pela sua existência, a eutanásia em sentido lato, tem sido associada a um

conjunto muito diversificado da realidades que, na análise do Jorge Miranda e Rui

1 Catarina Santos Botelho, «A Tutela Direta dos Direitos Fundamentais», Almedina, Coimbra, 2010, p.

352.

2 Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2342/Eutanasia-Direito-a-boa-morte-e-

despenalizacao-da-piedade-medico-homicida-consentida, Acesso no dia 15 de Abril de 2013.

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Medeiros, sendo que algumas delas não se qualificam como eutanásia em stricto sensu,

isto é, não pode ser concebida com a ideia de proporcionar uma boa morte, uma morte

digna ou uma morte suave a quem se encontra numa fase terminal da sua vida, por

causa de uma doença incurável e numa situação de profundo sofrimento. Aquelas que,

segundo eles, não se podem qualificar como eutanásia stricto sensu, como por exemplo,

entre outras, a eutanásia eugénica que consiste em suprimir vidas humanas

independentemente da vontade da própria pessoa por causa de mal formações

congénitas, deficiências físicas ou psíquicas, doenças graves, etc. A eutanásia

económica ou social, isto é a eutanásia que consiste na supressão da vida das pessoas

que, segundo a perspetiva utilitarista, só vivem como parasitas sem qualquer

contrapartida. A eutanásia criminal, ou seja, a execução da pena de morte por um

terceiro. Salientam também que não constitui a eutanásia, o suicídio autonomamente

executado por um paciente em grande sofrimento, nem tão-pouco o desligar da máquina

naquelas situações em que a morte da pessoa em causa já foi diagnosticada e declarada

segundo o procedimento adequado3.

A eutanásia em stricto sensu pode ter várias modalidades, sobretudo, a eutanásia

ativa e passiva; direta e indireta; voluntária e involuntária. A eutanásia ativa (matar) será

por exemplo ministrar uma dose letal de medicamento. Diz-se passiva quando consiste

numa omissão de tratamento terapêutico ou deixar alguém morrer, por exemplo. Além

disso, a eutanásia ativa pode ser direta, quando as pessoas intervenientes utilizam meios

eficazes para encurtar a vida de uma outra pessoa portadora de um doente terminal e em

grande sofrimento, e diz-se ativa indireta quando a conduta dos intervenientes traduzida

na utilização de meios adequados com vista a aliviar a dor e sofrimento do paciente e

que estes meios utilizados podem encurtar de forma sensível a vida do paciente. Quanto

à eutanásia voluntária e involuntária, os dois diferenciam-se pela manifestação expressa

da vontade do paciente. Assim, diz-se voluntária quando um determinado paciente

solicita, no momento em que se encontra consciente, com plena capacidade de

discernimento, com uma vontade livre e expressamente que, outra pessoa, o médico por

exemplo, que realize ou o ajude a realizar a eutanásia, caso contrário estamos perante

uma eutanásia involuntária.

Sendo assim, a eutanásia, por um lado, pressupõe sempre a intervenção de

terceiro independentemente do papel mais ou menos ativo e a existência da vida por

outro. Quanto à intervenção de terceiros pode ser por médico ou, dubitativamente, pode

ser por um familiar.

3 Jorge Miranda - Rui Medeiros, «Constituição Portuguesa Anotada», Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra,

2005, pp.530-135.

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II. Relevância da matéria para unidade curricular de Direitos

Fundamentais.

O caso de Diane Pretty contra Reino Unido, é um dos casos mais debatidos na

atualidade, pois, assim como já referi no parágrafo anterior, este caso, na sua essência,

foca sobre os conflitos entre vários direitos fundamentais, desde logo, entre o Direito à

vida e o Direito à morte que consta no art.2.º da CEDH e a sua interpretação. O direito a

não ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes

que decorre de doenças naturais – art.3º da CEDH. E o direito à autodeterminação para

fazer renúncia particular a vida como um bem consideravelmente privado e a vida como

um bem jurídico socialmente relevante e juridicamente protegido pela qualquer lei.

Posto isso, esses direitos aqui mencionados são direitos fundamentais uma vez que são

direitos protegidos por norma de caráter vinculativo, principalmente a nível europeu.

Além disso, este caso é mais relevante, por um lado, para saber como é que uma pessoa

poderia ter direito a recorrer aos meios de defesa jurisdicionais internacionais para a

defesa dos seus direitos fundamentais que estejam violados, e por outro lado para saber

como funciona o mecanismo de proteção dos direitos fundamentais ao nível europeu,

neste caso, na instituição internacional vocacionada para a proteção dos diretos

fundamentais que é Tribunal Europeu dos Direitos do Homem - TEDH.

III. Matéria de facto

A DIANE PRETTY, uma mulher britânica (43 anos) sofria uma doença

neuromotora (“NMD”) ou neuro-degenerativa progressiva do sistema nervoso central e

incurável, que provoca progressivamente enfraquecimento muscular, afetando o

domínio muscular do corpo. A doença era fatal na medida em que conduzia à falência

da atividade respiratória, portanto, o estado de saúde desta senhora diminuiu

rapidamente desde que foi diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica em

novembro de 1999. Com esta situação, a esperança de viver estava muito limitada e só

restava algumas semanas ou alguns meses. A fase final da doença era extremamente

dolorosa porque para além da doença que sofria, a mulher (falecida) achava que o

sofrimento dela faria com que perdesse a dignidade. Apesar de gravemente doente, as

funções intelectuais da requerente e a capacidade para tomar decisões não se

encontravam diminuídas. Perante esta situação dolorosa, a britânica quer tão fortemente

decidir quando e como morrer e assim possa fugir do sofrimento e da indignidade.

A requerente pretendia morrer com a ajuda do marido, ou seja, pretendia

cometer a eutanásia (stricto sensu) na modalidade da eutanásia ativa direta e voluntária,

pois, era sua vontade própria. Para tal recorreu ao Diretor da Ação Penal (Director of

Public Prosecutions – DPP) que não perseguisse criminalmente o marido se este a

auxiliasse no suicídio uma vez que a lei penal do Reino Unido, embora despenalize o

suicídio, prevê no seu art.2.º no.1 da Lei de 1961 que a assistência ao suicídio é

considerada como crime e punível até 14 anos de prisão. Mas infelizmente o pedido da

requerente foi indeferido pelo DPP, que neste caso, numa carta de 8 de agosto de

2001,o DPP responde que :

Em versão inglesa : “The DPP - and the successive tax-always have explained that not granted,

by very exceptional are the circumstances, immunity to court-martial, required or it claims to

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authorize or permit the future Commission of a criminal offence4.” Trad.: Os DPP e os Fiscais -

sucessivos sempre explicaram que não dão por muito excecionais que sejam as

circunstancias, uma imunidade que absolvam requer a afirmação, autorizar ou permitir a

comissão futuro de um delito penal. Portanto, considerava que o marido tinha

imunidade legal para não pode ser não condenar se este realizasse o pedido da esposa.

Em 17 de Outubro de 2001 a requerente recorreu para o Division Court e este

recusou o pedido da requerente com fundamento de que o responsável do ministério

público não tinha competência para garantir que o marido não seria processado

criminalmente. A autora não parou com esta decisão, recorreu para a Câmara dos

Lordes e esta veio confirmar a decisão proferida pelo Division Court, com

fundamentação na função do tribunal de recurso que não é um órgão legislativo e nem

atua como um árbitro moral ou ético mas, para além de avaliar e refletir ou anunciar as

suas convicções, funciona também para averiguar e aplicar o direito nacional. O

Division Court e a Câmara de Lordes confirmaram a decisão e o recurso foi julgada

improcedente.

Insatisfeito com as decisões proferidas pelos tribunais britânicos, a britânica

pretendeu recorrer ao TEDH. Assim como já estudamos, para lá chegar, têm de estar

preenchidos os requisitos da admissibilidade nos termos do art.34.º e 35.º da CEDH.

Pois, estava em causa, segundo as alegações da requerente (ver parte IV) os direitos

fundamentais reconhecidos na convenção assim como já mencionei anteriormente.

Estavam preenchidas as condições de admissibilidade que, quer positiva quer negativa,

consagradas no art.35.º daquela diploma. Isto é, depois de esgotadas todas as vias de

recursos internas, é o caso. O prazo para apresentação da queixa é seis meses a contar da

data da decisão interna definitiva. Além disso, a queixa é sempre admitida desde que a

petição não seja anonima, ainda não tenha sido submetida a outra instância internacional

vocacionada para proteção dos direitos fundamentais, desde que esteja bem fundada e

compatível com o disposto na convenção ou nos seus protocolos.

IV. Alegações da requerente (falecida) no Tribunal Europeu dos

Direitos do Homem.

Na sequência das decisões proferidas pelos tribunais britânicos, a britânica

mergulhou novamente na batalha judicial e esperava que o direito dela fosse

reconhecido no âmbito da proteção do direitos humanos nível europeu. Para tal, a

requerente alegou que as decisões dos tribunais britânicos não eram compatíveis com os

direitos fundamentais consagrados na CEDH e por isso violavam os seus direitos

fundamentais que estão consagrados nessa convenção, nomeadamente:

1. O direito a vida – art.2.º da CEDH 1. O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser

intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital

pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei.

2. Não haverá violação do presente artigo quando a morte resulte de recurso à força,

tornado absolutamente necessário:

a) Para assegurar a defesa de qualquer pessoa contra uma violência ilegal;

b) Para efectuar uma detenção legal ou para impedir a evasão de uma pessoa detida

legalmente;

c) Para reprimir, em conformidade com a lei, uma revolta ou uma insurreição.

4.http://portal.uclm.es/descargas/idp_docs/jurisprudencia/1.%20pretty%20c.%20reino%20unido.pdf ,

acesso no dia 28 de Abril de 2013.

Page 7: A eutanásia.

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Alegou que o direito a vida consagrada neste art.2 da CEDH serve não apenas

para proteger a vida em si mesma, mas protege também o direito subjetivo à

autodeterminação em relação a escolha para viver ou para morrer com dignidade. Assim

sendo, salientou que o direito a morrer não é antítese do Direito à vida, mas o corolário

do Direito à vida, logo, o estado tem obrigação de proteger estes dois direitos. Portanto

aqui, à luz do princípio da equiparação, quem tem direito à vida, tem direito à morrer.

Ao contrário desse argumento, o governo do RU (UK) respondeu que, tendo em conta

as obrigações positivas do Estado para proteger o Direito à vida em quaisquer situações,

o Direito à morte não pode nunca ser considerado como um corolário do direito à vida,

mas sim uma antítese do Direito à vida5

2. Quanto ao art.3.º Proibição da tortura Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou

degradantes.

A requerente alegou que a decisão dos tribunais britânicos violam os direitos e

liberdades inderrogáveis que consta no art.3º, ou seja, o direito a não ser submetido a

torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes. Uma vez que entendeu

que este artigo é um daqueles que os estados contratantes têm proibido derrogar, mesmo

em caso de guerra ou de outro perigo público que ameaça a vida da nação (Ver artigo 15

da CEDH). Para sua conveniência, utiliza a expressão "tratos proscritos" para designar

"tratamento desumano ou degradante" no sentido da Convenção. Portanto, entendeu que

o sofrimento que ela tinha é uma forma de tratamento desumano ou degradante, no

sentido da convenção. Portanto, o Estado tem obrigação de proteger esta cidadã perante

este tratamento. Sendo assim, a obrigação que ela pretendia que o Estado cumprisse em

respeito a esta questão era a eutanásia voluntária que ia ser auxiliada pelo marido, pois,

o sujeito da violação deste direito encontra-se na doença que sofria, ou seja, um sujeito

incorpóreo que existe dentro da pessoa em causa e para acabar com este sujeito

(violador) tem de ser, não há outra via, por morte da mesma pessoa.

3. Direito ao respeito pela vida privada e familiar qua consta no art.8.º todos da

CEDH. A disposição do art.8 da CEDH é o seguinte;

Direito ao respeito pela vida privada e familiar

1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu

domicílio e da sua correspondência.

2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão

quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa

sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança

pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das

infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das

liberdades de terceiros.

A requerente alegou que esta disposição confere-lhe um direito a

autodeterminação que engloba o direito a escolher quando e como morrer para evitar o

sofrimento e a indignidade que estava no ombro dela. Quanto a este direito, o Estado

tem, por um lado, uma obrigação positiva para proteger os direitos do seus cidadãos

conforme entende na disposição do art.8º da CEDH e, por outro lado, uma obrigação

5 Catarina Santos Botelho, «A Tutela Direta dos Direitos Fundamentais», cit., p.363 2&3 §§).

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negativa de não interferir no direito a vida privada e familiar, salvo nos casos previstos

na segunda parte do no.2 do art.8.º da CEDH. Na sequência desta alegação, a requerente

pretendia que o Estado permitisse, em respeito do direito consagrado na disposição

questionada, o que a requerente achava melhor para a sua vida, pois, entende também

que a escolha para passar a vida no último momento da vida ainda faz parte de um ato

de viver e direito privado. Sustentou ainda que a lei inglesa de 1961 no seu art.2.º no.1

prevê o direito à autodeterminação. Assim sendo, o pedido da Senhora Pretty satisfaz o

critério da legalidade6.

Perante estas invocações dos direitos fundamentais que constam nos artigos

mencionados, surgem as seguintes questões: i) Será que o direito à vida que consta no

art.2.º da CEDH pode ser interpretado de forma contrário para facilitar a morte ou para

facilitar a renúncia particular ao direito à vida com auxílio da família? ii) Será que o

sofrimento que decorre de doenças naturais também poderia ser abrangido pela

interpretação do art.3º da CEDH e que poderia exigir uma obrigação positiva pela parte

do Estado-parte da convenção? Será que direito ao respeito da sua vida privada e

familiar como previsto no art.8.º da CEDH pode, por uma lado, conferir a uma pessoa o

direito de autodeterminação para escolher quando e como morrer, e por outro lado,

exigir uma obrigação pelo Estado na medida em que este possa permitir e/ou facilitar

que uma pessoa, dentro da família, ponha termo à sua vida?

Em resposta às questões acima mencionadas, o TEDH veio dizer que as decisão

proferidas nos tribunais britânicos não violam os direitos fundamentais consagrados na

convenção, ou seja, não houve violação de nenhuns direitos invocados pela requerente

que estão consagrados nos artigos 2.º, 3º e 8º da CEDH, uma vez que o tribunal

argumentou que:

Na verdade, a CEDH no art.2.º 1ª parte impõe aos Estados um dever para

reprimir a privação intencional e ilegal da vida, como também para proteger a

vida perante quaisquer ameaças ou um ato criminal de outrem que põem em

risco a vida que esteja sob a sua jurisdição. Posto isso, a CEDH neste artigo não

confere ao Estado uma obrigação para proteger ou facilitar o Direito à morte. No

entanto, a CEDH no art.2. apenas consagra o direito a vida e não um direito à

morte. Esta disposição não deve ser interpretada de uma forma contrária com o

direito à vida, ou seja, na linguagem do TEDH, o artigo 2.º da CEDH ” ... [N]ão

pode ser ... interpretada com o sentido de conferir o direito diametralmente

oposto, o Direito a morrer, nem pode criar um direito à autodeterminação no

sentido de conferir a um indivíduo o a habilitação para escolher a morte em vez

da vida7”. Isto significa que, no sentido da convenção, o Direito à Vida é um

dos direitos fundamentais no sistema da convenção que exige as obrigações

positivas do Estado como protetor do direitos fundamentais para tomar os meios

necessários e adequados com vista proteger este direito. Este direito é um direito

de caráter “relativo” na medida em que, em caso algum, pode haver restrição à

6 Acórdão do TRIBUNAL EUROPEO DE DERECHOS HUMANOS Demanda núm. 2346/2000. Sentencia de

29 de abril de 2002 Ponto 17 disponível em http://portal.uclm.es/descargas/idp_docs/jurisprudencia/1.%20pretty%20c.%20reino%20unido.pdf, acesso no dia 28 de Abril de 2013. 7Resumo do acórdão disponível em

http://www.pgr.pt/Portugues/grupo_bases/jurisprudencia/2002/Pretty_RUnido2.pdf , acesso no dia 28

de Abril de 2013.

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vida, a não ser que esta restrição seja suficientemente justificada (ver No.2 do

art.2 e no 2.º do art.15.º da CEDH). Portanto, em situações normais, este Direito

não tem corolário do Direito à morte, mas o Direito à morte, no argumento do

governo britânico, é antítese do Direito à vida. Sendo assim, o Estado-parte da

convenção não é obrigado a proteger este antítese de acordo com a lei nacional

para a proteção do Direito à vida. Posto isso, não existe violação do artigo 2.º da

CEDH.

Quanto ao artigo 3.º da CEDH, o TEDH veio dizer que este artigo deve ser

conjugado com a disposição que consta no art.2 da CEDH uma vez que esta é

considerada uma das disposições que salvaguarda os valores essenciais numa

sociedade democrática, no fundo – a vida. Segundo o entendimento deste

tribunal, esta disposição normalmente é invocada nas situações em que o risco

de tratamento desumano ou degradante de uma pessoa vem diretamente de um

determinado ato intencional praticado por órgão ou agente público. Quanto ao

tratamento desumano ou degradante na sequência de um sofrimento de doenças

naturais, segundo TEDH, só abrangeria quando exista o risco de ser tratado

exageradamente e que este tratamento provoque maior dor ou sofrimento

desumanos ou degradantes, portanto, em última análise, não abrange as dores

causadas por uma doença em si mesma. Posto isso, o TEDH salientou que este

artigo deve ser interpretado em harmonia com o artigo 2º da CEDH para garantir

os objetivos fundamentais da convenção enquanto sistema de proteção dos

direitos humanos. Sendo assim, não deriva do artigo 3.º da CEDH nenhuma

obrigação positiva, quer para não criminalizar o marido da requerente, quer para

legalizar de outra forma o suicídio assistido que é punido pela lei britânica, por

parte do Estado para facilitar o exercício do direito exigido pela falecida. Ou

seja, com a palavra do TEDH “Não deriva, assim, do art.3.º qualquer

obrigação positiva para o estado de conceder uma imunidade e não perseguisse

criminalmente o marido da requerente se este auxiliasse no suicídio, ou de

providenciar as condições para a legalização de qualquer outra forma de

suicídio assistido8”. Portanto, a decisão dos tribunais britânicos, veio, assim, a

ser confirmada e reforçada pelo TEDH, ou seja, não existe violação do art.3º da

CEDH.

Quanto ao artigo 8.º da CEDH. O conceito da vida privada consagrado neste

artigo tem limites amplos e não é suscetível de uma definição exaustiva, isto

porque abrange a parte intrínseca e a extrínseca da pessoa humana, sobretudo, a

integridade física e psíquica de cada pessoa, o direito ao desenvolvimento

pessoal e o direito de estabelecer e desenvolver relações com outras pessoas e

também o direito de estabelecer e desenvolver o seu horizonte que se traduz

numa relação com o mundo exterior. Quanto à autonomia pessoal, o TEDH

entende que esta é uma noção que constitui um principio importante subjacente

à interpretação das garantias previstas no referido artigo. O TEDH entendeu que

o direito a autodeterminação não esteja enquanto tal incluído no art.8.º. Portanto,

admite que a escolha de uma pessoa quanto ao modo de passar o último tempo

da sua vida faz parte do ato de viver, que esta escolha merece ser respeitada.

Contudo, a proibição legal do suicídio assistido que se encontra prevista na lei

do Reino Unido não constitui nenhuma ingerência no respeito à vida privada,

8 Ibidem no ponto VIII.

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10

mas é uma proibição que visa o fim legitimo da proteção da vida em geral. Posto

isso, o TEDH veio dizer que “... [o] estado tem direito de estabelecer

consequências penais para os atos que afetem a vida de uma pessoa e quanto

maior for ofensa mais rigorosa terá de ser a ponderação entre as imposições do

interesse público e o principio da autonomia pessoal”9. Pois entendeu que a lei

britânica em causa está destinada a proteger o direito à vida de todos os cidadãos

britânicos especialmente todos aqueles que não estão em condições de tomar

decisões em relação à renuncia particular do direito à vida ou que se destinam a

auxiliar alguém a pôr termo à vida. E finalmente, o TEDH concluiu que a

proibição total do auxilio ao suicídio nos termos previstos na lei britânica não é

desproporcionada mas é justificada, uma vez que esta proibição é necessária

numa sociedade democrática para a proteção dos direitos de outrem, portanto, as

decisões preferidas nos tribunais britânicos não violam a disposição do art.8.º da

convenção.

Perdida na batalha judicial para obter um direito a uma morte digna, finalmente, a

senhora Pretty faleceu no dia 11 de Maio de 2012. Pois, o Estado tem direito e dever de

proteger a vida dos seus cidadãos em todas as situações, por isso, pune qualquer ato que

leva a morte ou a perda de uma vida, salvo nos casos excecionais.

V. A eutanásia na perspetiva da micro-comparação de Direito.

Na perspetiva do Direito comparado (micro-comparação), há dois grandes

grupos das legislações que têm posições controvertidas quanto a esta matéria na medida

em que em alguns países, como por exemplo Holanda, Suíça estão a favor, ou seja, não

penalizam a eutanásia voluntária. A despenalização da eutanásia baseia-se no direito de

auto-determinação de cada pessoa. Neste caso consiste na vontade expressa e clara pela

requerente ou paciente. Desde que haja uma vontade manifestada, clara pela pessoa

requerente e desde que a pessoa requerente encontre numa situação de doença terminal

como no caso da senhora D. Pretty, aí pode haver eutanásia. Pois defendem que a

escolha para quando e como morrer é parte do ato de viver e que cada um tem direito de

exigir que a sua escolha seja respeitada. O risco aqui é cada pessoa, independentemente

da sua situação, poderá recorrer a esta via como meio adequado para fugir do

sofrimento. Aí o Estado, já não é um ente público que protege a vida humana mas

permite a sua violação. Exclui-se aqui o caso de terrorismo ou da pena da morte.

Há outro grupo de países da zona euro que penaliza criminalmente a eutanásia

voluntaria, como por exemplo, Espanha, Itália e Portugal que penalizam a eutanásia

voluntaria, a fundamentação é sempre análoga com a fundamentação do TEDH uma vez

que o direto à vida é um direito fundamental e é o mais basilar dos direitos do homem e

o Estado, através das imposições legais, protege o direito à vida de outrem. Além disso,

é considerado como condição prima para o exercício de todos direitos que a pessoa é

titular10

.

Em Portugal, o direito a vida está consagrado no art.24.º da CRP. Perante este caso,

os constitucionalistas portugueses como JJ Canotilho e Vital Morreira defendem que

jurídico-constitucionalmente não existe o direito a eutanásia. A Constituição não

reconhece qualquer vida sem valor da vida, nem garante decisão sobre a renuncia à

própria vida, ou seja, mesmo que uma pessoa esteja perante uma doença incurável e

numa fase terminal, a lei portuguesa não confere a qualquer pessoa seja quem for,

9 Ibidem no ponto XII.

10Catarina Santos Botelho, op. Cit., p.352.

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qualquer direito de abstenção de cuidados a esta pessoa, neste caso, o paciente ou

portadora da doença incurável e numa situação terminal, uma vez que os doentes têm

direito a serem tratados e curados segundo os meios proporcionais e adequados para o

bem dos pacientes11

. Portanto, o direito à vida exige por um lado os deveres positivos

por parte do estado para adotar os meios que sejam adequados e proporcionados para

proteger o direito à vida e, por outro lado, exige ao outros um dever de socorro ou de

auxilio a quem se encontrar em perigo da vida, ou seja, não exige apenas a outra pessoa

o dever de respeitar a vida de outrem como um direito subjetivo de carater absoluto,

mas exige também o dever de dar socorro a determinada pessoa que se encontre em

risco da vida.

A lei portuguesa, no código penal português, pune o suicídio assistido entre um a

cinco anos, nos termos do artigo 133.º sobre o homicídio privilegiado; art.134 sobre

homicídio a pedido da vitima; e 135.º sobre incitamento ou ajuda ao suicídio. Posto

isso, a eutanásia a pedido da vítima e quem auxiliasse a vítima a fazer eutanásia seria

punido nos termos previstos no código penal português.

VI. Conclusão:

Quando falamos da vida, na conceção jurídica , falamos desde logo de um

direito fundamental. Este direito é condição de todos os direitos fundamentais. Por isso,

segundo J.J Gomes Canotilho e Vital Morreira, o direito à vida num sentido normativo

significa, acima de tudo, direito de não ser morto, de não ser privado da vida12

. E este

direito está ligado a outros direitos como a dignidade da pessoa humana,

desenvolvimento da personalidade, integridade física e psíquica e igualdade no sentido

da dignidade constitucional de todas as vidas. Isto quer dizer que o direito à vida qua

consta no art.2.º da CEDH não pode ser interpretado, assim como argumentou o TEDH,

numa forma negativa, ou seja, ao contrário, de maneira que confira ao particular o

direito de escolher como e quando morrer. Pois assim como diz o governo britânico que

a disposição que consta no art.2.º não tem nenhum corolário de direito a morrer, mas o

direito à morte é uma antítese do direito à vida, por isso, o Estado como entidade que,

em princípio, tem poder para proteger a vida, não pode conceder a ninguém o direito à

morte. Este direito merece ser protegido em todas as situações e o Estado carrega no seu

ombro uma obrigação essencial ou até que podemos dizer que é uma obrigação sagrada

para proteger o direito a vida e outros direitos fundamentais. Como ele funciona como

um protetor dos direitos fundamentais, logo, não poderá violar e infringir estes direitos,

salvo no caso de violação por negligencia e nem pode permitir a ninguém o direito ou

dever para acabar com a vida de outrem (Conf. Al. b & h do artigo 9º e art.18 da CRP).

Se o direito a vida significa o direito de não ser morto, logo, não pode existir legalmente

o direito à morte. Perante o caso concreto, o estado só poderia recorrer ao meio

adequado para cuidar esta senhora até o último suspiro dela.

11 J.J. Gomes Canotilho,– Vital Morreira, «Constituição da República Portuguesa anotada», Vol.1, 4

edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p.450 3º §.

12 Ibidem, p.447-449.

Page 12: A eutanásia.

12

Referência bibliográfica e sites da internet:

1. Botelho, Catarina Santos, A Tutela Direta dos Direitos Fundamentais, Almedina,

Coimbra, 2010.

2. Canotilho, JJ Gomes – Morreira, Vital, Constituição da República Portuguesa

anotada, Vol.1, 4 edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2006.

3. Miranda, Jorge - Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I,

Coimbra Editora, Coimbra, 2005.

4. http://boards4.melodysoft.com/vetuycorresponsales/a-eutanasia-na-viso-das-

grandes-religies-2.html, acesso no dia 20 de Abril de 2013.

5. http://portal.uclm.es/descargas/idp_docs/jurisprudencia/1.%20pretty%20c.%20r

eino%20unido.pdf , acesso no dia 28 de Abril de 2013.

6. http://www.pgr.pt/Portugues/grupo_bases/jurisprudencia/2002/Pretty_RUnido2.

pdf , acesso no dia 28 de Abril de 2013.

7. http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2342/Eutanasia-Direito-a-boa-

morte-e-despenalizacao-da-piedade-medico-homicida-consentida, Acesso no dia

15 de Abril de 2013.

As Abreviaturas :

CRP : Constituição da República Portuguesa

CCP : Código Civil Português

CPP : Código Penal Português

CEDH : Convenção Europeia dos Direitos do Homem

TEDH: Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

DUDH : Declaração Universal dos Direitos Humanos.