A Evolucao Do Controle de Constitucionalidade No Direito Comparado e Brasileiro e Sua Aplicacao Nos...

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO E CONTROLE FRANCISCO JURUENA Credenciamento MEC – Portaria nº 1965/06 CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA E CONTROLE EXTERNO A EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARADO E BRASILEIRO E SUA APLICAÇÃO NOS TRIBUNAIS DE CONTAS LUIZ FERNANDO ALMEIDA DE OLIVEIRA PORTO ALEGRE 2008

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Direito comparado

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  • ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

    ESCOLA SUPERIOR DE GESTO E CONTROLE FRANCISCO JURUENA Credenciamento MEC Portaria n 1965/06

    CURSO DE ESPECIALIZAO EM GESTO PBLICA E CONTROLE EXTERNO

    A EVOLUO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARADO E BRASILEIRO E SUA APLICAO NOS

    TRIBUNAIS DE CONTAS

    LUIZ FERNANDO ALMEIDA DE OLIVEIRA

    PORTO ALEGRE 2008

  • RESUMO

    Procurou-se abordar de uma maneira mais clere e compreensvel todo o histrico e em alguns pontos o pensar filosfico acerca da hierarquia das leis, a supremacia da constituio e, como conseqncia, o Controle de Constitucionalidade das Leis. No bojo do estudo e da pesquisa ficaram claras as origens dos diversos sistemas de controle, desde o mais simples em uma sociedade tribal bsica, passando pelo mundo antigo, medievo at atingir-se os modernos sistemas de Controle da Consti-tucionalidade do mundo contemporneo, com o exemplo do controle difuso atravs do gnio criativo americano, o controle concentrado atravs do Direito Austraco, a criao do Conselho e dos Tribunais Constitucionais nos sistemas de controle de constitucionalidade poltico da Frana e da Itlia, o Controle Jurisdicional da ustria, da Alemanha e, finalmente, do Brasil. A evoluo histrica e filosfica do Controle de Constitucionalidade no Brasil e seu sistema hbrido, com suas espcies, difuso, concentrado e incidental, at chegarmos aos Tribunais de Contas, suas peculiarida-des e casos concretos nos tambm controles difuso e incidental. A Smula 347 do Supremo Tribunal Federal em um contraditrio com o artigo 97 da Constituio da Repblica (a reserva de plenrio) e a Smula Vinculante n 10. Seus efeitos e efi-ccias frente atuao das Cortes de Contas e o controle difuso, sendo exercido mesmo que na hiptese de ser revogada a Smula 347. Conclui-se pela necessi-dade de ser positivado na Constituio da Repblica dispositivo ulterior que d a legitimidade de propor Ao Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tri-bunal Federal, como meio de sedimentar definitivamente o carter republicano dos Tribunais de Contas no Brasil. Palavras-chave: Histria. Supremacia. Constituio. Sistema. Controle de Constitu-cionalidade, Parlamento. Conselho Constitucional, Tribunal Constitucional. Controle Poltico. Controle concentrado. Controle difuso. Direito. Grcia. Inglaterra. Frana. Itlia. Alemanha. Brasil.Smula. Vinculante. Concentrado. Difuso.

  • ABSTRACT

    The full historical development of Law hierarchy and, to some extent, its philosophi-cal background, as well as the sovereignty of the Constitution and the resulting con-trol over law constitutionality are here addressed in a concise yet comprehensive way. The origins of several control systems, from the plain model of an elementary tribal society, to both the Ancient and Middle Ages ones, to the current modern sys-tem of constitutionality control, are made evident as the study is conducted. The re-search goes through the diffuse control, variant established by the North American creative nature, the centralized control set up by Austrian Law, the creation of Italys and Frances Constitutional Council and Courts within their political constitutionality control systems, Austrians jurisdictional Control, Germanys oppon and Brazils. The historical and philosophical evolution of constitutionality control in Brazil. Its hibrid system with diffuse, centralized and incidental versions. Courts of Audit. Their pecu-liarities and real cases under both diffuse and incidental controls. Summula n.347 from the Supreme Court of Judicature in a contradictory proposition based on article 97 of Brazils Magna Charta (Plenary assembly prerogative) and Linking Summula n. 10. Their effects and effectiveness before Courts of Audits and diffuse control, being put in practice even assuming that Summula n. 347 is revocated. The conclusion points to the need of a further rule in Brazilians Constitution that grants legitimacy to straight lawsuits of constitutionality before the Supreme Court, as a means to con-solidate definitely the republican character in Brazils Courts of Audit. Key words: History. Sovereignty. Constitution. System. Control Policy. Constitutional-ity Control. Parliament. Constitutional Council. Constitutional Court. Centralized Con-trol. Diffuse Control. Law. Greece. England. France. Italy. Germany. Brazil. Sum-mula. Linking. Centralized. Diffuse.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO.......................................................................................................13 2 O QUE CONTROLE?........................................................................................16 3 A SUPREMACIA E RIGIDEZ CONSTITUCIONAL...............................................18 4 O QUE A ORGANIZAO FUNDAMENTAL DE UM ESTADO........................20 5 UMA TEORIA DA ORGANIZAO FUNDAMENTAL DO ESTADO....................22 6 UMA ORIGEM HISTRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.....24 7 O DIREITO GREGO E A RESPONSABILIDADE DOS CIDADOS GREGOS PE-

    LA DEFESA DAS LEIS E DA CONSTITUIO...................................................25 8 O SISTEMA DE CONTROLE DA HIERARQUIA DE LEIS EM ROMA.................29 9 UMA VISO DO SISTEMA INGLS.....................................................................30 10 OS DOIS GRANDES SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDA-

    DE.......................................................................................................................33 11 A INCONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA DIFUSO AMERICANO...............34 11.1 JOHN MARSHALL (LEADING CASE) E OS ANTECEDENTES NORTE-

    AMERICANOS................................................................................................34 11.2 UM BREVE RELATO HISTRICO. ......................................................34 11. 3 CRTICA AO SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO................................37 12 CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE..........................38 12.1 A EVOLUO DO CONTROLE CONCENTRADO AUSTRACO.........40

    12.2 A ATUAL VIGNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA USTRIA..................................................................................................40

    12.3 CRTICA AO SISTEMA DE CONTROLE CONCENTRADO..................41 13 O CONTROLE POLTICO...................................................................................42

    13.1 UMA REFERNCIA AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NA FRANA..................................................................................42

    14 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARA-DO.......................................................................................................................44

    14.1 O SISTEMA FRANCS CONTROLE POLTICO...............................44 14.2 UMA BREVE VISO DO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITU-CIONALIDADE DA ITLIA: A CORTE CONSTITUCIONAL..........................45

  • 14.3 UMA BREVE VISO DO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITU-CIONALIDADE NA ALEMANHA: O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALE-MO BUNDESVERFASSUNGSGERICHT....................................................46

    14.4 O CONTROLE ABSTRATO E CONCRETO DE NORMAS DO BUN-DESVERFASSUGSGERICHT........................................................................47

    15 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO BRASI-LEIRO.................................................................................................................50

    15.1 UM BREVE HISTRICO.......................................................................50 15.2 O SISTEMA ATUAL DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL....................................................................................................52 15.3 O SISTEMA DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONA-LIDADE NO DIREITO BRASILEIRO..............................................................54 15.4 SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO...................................................................................57

    15.5 O NOSSO CONTROLE DIFUSO...........................................................57 15.6 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA PRPRIA.....58

    15.7 A QUESTO DO CONTROLE INCIDENTAL DA CONSTITUCIONALI-DADE..............................................................................................................60

    16 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO MBITO DAS CORTES DE CONTAS...........................................................................................................62

    17 OS TRIBUNAIS DE CONTAS E SUAS COMPETNCIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS.........................................................................................................63

    18 A NATUREZA JURDICA DAS CORTES DE CONTAS.....................................65 19 UMA TEORIA E UMA CONSTATAO, COMO FORA DETERMINANTE NO

    CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS TRIBUNAIS DE CON-TAS.....................................................................................................................67

    20 UMA QUESTO SUMULADA.............................................................................70 21 A QUESTO DA SMULA NO TRIBUNAL DE CONTAS DO RIO GRANDE DO

    SUL.....................................................................................................................76 22 RESOLVER-SE-IA O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALI-

    DADE DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS DO PODER PBLICO PELO TRI-BUNAL DE CONTAS?........................................................................................80

  • 23 PERDERIA A CORTE DE CONTAS A ATRIBUIO DE APRECIAR A CONS-TITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS, CASO A SMULA 347 FOSSE REVOGADA?........................................................................................81

    24 CONCLUSO.....................................................................................................84 25 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................................86

  • 13

    1 INTRODUO

    No momento em que o ser humano teve o seu primeiro contato com outro ser igual, o primeiro relacionamento no mundo ocorreu. As situaes fticas de de-sinteligncia e reservas mentais levaram-no para o embate, provocando o primeiro atrito, como muito bem foi retratado no filme 2001-Uma odissia no espao.

    Quando nascemos, chegamos a este mundo, ss. Porm, trazemos um software bsico, um sistema operacional, onde os impulsos de medo e raiva, sexo e prazer e necessidades fisiolgicas esto gravados.

    Com o passar dos tempos, vamos adquirindo maneiras de ser, de ver, de escutar, de olhar, simplesmente, de inter-relacionarmo-nos com o mundo. J no existe mais a me suprindo as nossas necessidades bsicas. No mais somos o centro das atenes do lar. Agora temos de enfrentar os contrrios, as adversidades e antagonismos da vida. Comeamos a criar uma segunda camada de experincias, os contraditrios que comeam a nos fazer refletir, sem, contudo, deixarmos de pro-teger aquele software bsico. Formamos a nossa maneira de ser. A persona, a ms-cara.

    Contudo, estamos enfrentando o mundo, e os contraditrios nos moldam a amorfa maneira de ver as coisas.

    Pelo avano das experincias dos contraditrios versus o nosso software bsico, comeamos a perceber e sentir a complexidade do mundo. Temos, agora, que avaliar cada circunstncia, efetivamente, e comeamos a ter a noo de manei-ra, imperativa e coercitiva, do bem e do mal, do certo e do errado, da verdade e da mentira, do justo e do injusto. Temos o nascimento da conscincia.

    Quando inserido nas plagas de Neanderthal ou Cro-Magnon, o homo sapi-ens, sendo pela fora ou pelo simples medo do desconhecido, obedecia aquilo que no compreendia. Entre comandar e obedecer, criava uma hierarquia ainda incipien-

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    te, mas que denotava um carter de supremacia dos comandos do superior e da sociedade artesanal, os quais o impediam de obedecer a regras submissas s pri-meiras.

    Por que se fala disso? Simples, pelo fato de que cada um detentor de uma verdade, de uma moral e de uma justia, todas singulares.

    Desta forma, somos todos individualmente nicos pelas experincias e ma-neiras de criao, precisamos de um divisor de guas para as nossas, ento, desin-teligncias advindas das nossas diferenas. No mais o ser, mas um dever ser!

    Desde os tempos imemoriais que o ser humano luta por uma sociedade mais justa e solidria, por um lugar ao sol e por uma busca constante do melhor.

    Desde os povos da Mesopotmia; desde os Chineses e Egpcios, os Gregos e Romanos, passando pela Alta e Baixa Idade Mdia e Revolues Americana e Francesa que grandes pensadores como Hermes Trimegisto, Scrates, Plato, Aris-tteles, passando por vrias correntes filosficas, doutrinrias e cientificas motivam o ser humano na busca do saber.

    Com os avanos filosfico, tecnolgico, ciberntico e social, o homem houve por bem criar sistemas de controle. Gosta de controlar tudo.

    No poderia ser diferente, porquanto em expedito exame, verifica-se que os Islandeses, com a primeira Constituio Oral1, a Carta Magna de Joo Sem-Terra, o pensamento de John Locke e Jean Jaques Rousseau e o Contrato Social, para no fazer inmeras citaes, at nossos dias, o homem busca as solues para os pro-blemas nas reas filosfica, social e, conseqentemente, nas Cincias Jurdicas, especificamente o controle.

    1 Constituio oral o conjunto de normas proclamadas solenemente pelos chefes mximos de um

    povo para reger a vida de todos, como ocorreu no sc. IX, na Islndia, quando os Vikings instituram o Primeiro Parlamento livre da Europa. CRETELA JR., Jos. Elementos de Direito Constitucional. 2 ed. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 1998. p.21.

  • 15

    Com este objetivo e apoiado sobre grandes ombros precedentes, que o nos-so intuito ser desenvolver esta pequena e singela monografia, apenas retratando um histrico, agregado a princpios, doutrina e jurisprudncia acerca do controle de constitucionalidade e a formao dos sistemas atravs das experincias, America-na, Austraca, Francesa, Italiana e Alem na formao do nosso controle de consti-tucionalidade das leis e atos normativos do Poder Pblico, vigente no Direito Brasi-leiro, seu histrico e aplicabilidade e a prxis no seio dos Tribunais de Contas do Brasil, estes no exerccio do Controle Externo dos Poderes, instando reflexo de todos sobre o tema, sem esgotar a matria, claro.

  • 16

    2 O QUE CONTROLE?

    Na razo humana h sempre um carter de controle. O ser humano tudo controla, desde as suas aes no mundo social, poltico, jurdico, econmico e filo-sfico, bem como no seu imo, controle sobre si mesmo e sobre o outro.

    Na cultura da humanidade, desde o pensar Grego, especificamente, em A-ristteles, vislumbra-se na ao do Estado a presena de vrias funes, as quais devem ser limitadas quanto ao seu alcance e contedo2.

    Quando Montesquieu demonstrou sua teoria no Esprito das Leis em 1748, verificou-se a necessidade de dividir as funes do Estado para de certa forma limi-tar a ao dos Poderes, um controlando o outro, num sistema chamado de checks and balances.

    Como afirma Jacoby (1998):

    A ao do controle deve evoluir, a partir da estruturao cientfica inicialmen-te concebida por Montesquieu, para uma viso mais prxima da realidade atual do Estado e da sociedade, aproveitando a experincia histrica acumu-lada, suas deficincias e acertos. 3

    Pode-se ver que o povo quem mantm o Estado em funcionamento por seus legtimos representantes e que cabe a estes, tambm, o efetivo controle da atividade estatal e legal, mediante os instrumentos postos disposio de todos, sejam privados ou pblicos. bem verdade que a atividade e a faculdade de vigi-lncia constante4 da real aplicao e validade das normas que devem acompanhar o texto Maior, d o fanal, de acordo com a vontade da democracia representativa,

    2 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de Contas Especial. 2 ed. Braslia, DF: Braslia

    Jurdica, 1998, p.23. 3 Ibid. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. p. 24.

    4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18 ed. So Paulo: Malheiros Editores

    Ltda, 1993, pg. 568.

  • 17

    para a sociedade que escolheu a sua Carta Maior, pois no de se esperar nos de-tentores do poder uma autolimitao voluntria5.

    Com efeito, sendo o controle a exceo e a constitucionalidade a regra, isto , a presuno de constitucionalidade, assim pode-se dizer que o controle se pro-cessa para manter a eqidade do sistema, bem como a tutela constitucional para uma manuteno da vontade do legislador constitucional e a integridade da Carta Maior, razo da legalidade e da segurana jurdica perante o bem comum. Enfim, o sentido do controle garantir a constituio natural.

    Dentro desta pequena definio especfica de controle, dirigi-se, agora, para o que de efetivo interessa nesta exposio que o verdadeiro controle da constitu-cionalidade sobre as leis e atos normativos do poder pblico, objetivamente, o con-trole sobre a presuno e legitimidade da norma frente constitucionalidade que, para o definir, se deve apreciar a questo da supremacia constitucional, a garantia dos instrumentos judiciais e da tutela individual de direitos de uma verdadeira defesa indireta na efetivao deste mesmo controle.6

    5 MEDAUAR, Odete. Controle da Administrao Pblica. So Paulo, SP: Ed. Revista dos Tribu-

    nais.1993. p.112. 6 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. So Paulo, SP: Ed. Saraiva. 1994.

    p.342.

  • 18

    3 A SUPREMACIA E RIGIDEZ CONSTITUCIONAL

    A questo da rigidez constitucional leva-nos a entender uma constituio mais difcil de ser modificada, que mantm a estabilidade das relaes jurdicas. Exige um processo mais detalhado e complexo para ser emendada, como garantia social frente s adversidades polticas comuns no seio dos poderes estatais, princi-palmente, os poderes que envolvem significativos contornos polticos tpicos, com suas idias volteis e nem sempre aliceradas em ideais do bem comum.

    Da soergue-se a rigidez como principal conseqncia do princpio da su-premacia constitucional; que todo o ordenamento esteja de acordo com a constitui-o, ou sejam submetidas determinadas leis, de duvidosa constitucionalidade, aos critrios do controle prvio, constitucionalmente possibilitado ou o repressivo nas vias de ao ou, ainda quando o sistema permite, pelo controle poltico, para hege-monia e harmonia do sistema infraconstitucional, mantendo-se como o pice, do sempre citado exemplo, a conhecida pirmide, sistema e organizao jurdica de um pas, a Constituio.

    Cita Silva (2008):

    , enfim, a lei suprema do Estado, pois nela que se encontra a prpria es-truturao deste e a organizao de seus rgos; nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e s nisso se notar sua superioridade em relao s demais normas jurdicas.7

    Ainda, no dizer de Poletti (1999):

    Assim sendo, o tema do controle de constitucionalidade das leis, baseado no princpio da supremacia da constituio, implica colocar a Carta Magna acima de todas as outras manifestaes do direito, as quais, ou so com ela compatveis ou nenhum efeito devem produzir. Se a lei ordinria, o estatuto privado, a sentena judicial, o contrato, o ato administrativo etc. no se con-formarem com a Constituio, devem ser fulminados por uma nulidade in-

    7 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. So Paulo: Malheiros

    Editores Ltda, 2008. p. 45.

  • 19

    comum, qual seja, aquela proveniente da Lei Maior, com base no princpio da supremacia da Constituio. 8

    Conforme as citaes supra-escritas, e frente supremacia constitucional, pode-se agora entrar nos fundamentos e porqus da existncia e sua funo como norma fundamental. A supremacia da Constituio leva-nos ao exerccio de um con-trole das leis que esto infra posicionadas no sistema, mostrando-nos que o controle da constitucionalidade constitui-se no exame da compatibilidade da norma com a lei fundamental do Estado, isto , a norma no pode ter um espectro de abrangncia maior do que a Constituio quis dar, ou melhor, o legislador constituinte quis pro-porcionar a determinada organizao social.

    8 POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Controle da constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Ja-

    neiro: Forense, 1998. p. 3.

  • 20

    4 O QUE A ORGANIZAO FUNDAMENTAL DE UM ESTADO.

    Para se fazer um estudo mais detalhado do que seja a organizao funda-mental de um Estado, buscou-se na Essncia da Constituio, despretensiosa con-ferncia de Ferdinand Lassalle em 1863, para intelectuais da antiga Prssia, em que demonstrou, de forma brilhante, onde estariam os reais fatores de poder e que se a Constituio no os contivesse ou os contrariasse, ela, Constituio, seria apenas uma simples folha de papel. Nela, diz inicialmente Lassalle (1998):

    Que uma constituio? Qual a verdadeira essncia de uma Constitui-o? Em todos os lugares e a qualquer hora, tarde, pela manh e noite, estamos ouvindo falar da Constituio e de problemas constitucionais. Na imprensa, nos clubes, nos cafs e nos restaurantes, este o assunto obri-gatrio de todas as conversas.9

    Vemos que, mesmo naquela poca, j estava na pauta diuturna as questes que envolviam a sociedade, as leis e os fatos em um contraditrio com as condutas individuais e coletivas, polticas, pblicas ou privadas. Adiante o mestre firma a sua posio:

    No basta a matria concreta de uma determinada Constituio, a da Prs-sia ou outra qualquer, para responder satisfatoriamente pergunta por mim formulada: onde podemos encontrar o conceito de uma Constituio, seja qual for? 10

    a partir deste momento que o gnio de Lassalle mostra-se mais evidente-mente em sua teoria, quando leva a platia a raciocinar em acompanhamento sua explanao.

    9 LASSALLE, Ferdinand. A Essncia da Constituio. 4 ed. Rio de Janeiro, RJ. Ed. Lumen Juris

    Ltda. 1998. p.21. 10

    Ibid. LASSALLE, Ferdinand. p.21.

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    Discorre sobre a possibilidade de haver incndios em vrios lugares, onde as normas estariam guardadas. Neste caso, o legislador, completamente livre, pode-ria fazer leis de capricho ou de acordo com o seu prprio modo de pensar?11

    Assim, Lassalle cita os reais fatores de poder um a um, comeando pela Monarquia, Aristocracia, a grande Burguesia, os Banqueiros, a pequena Burguesia e a classe operria. Todos envolvidos em um processo de interdependncia que re-almente comandava e ainda comanda atravs de uma Lei Fundamental, onde por final responde sua pergunta introdutria: Que uma constituio?

    Responde o Mestre:

    (...) em sntese, em essncia, a Constituio de um pas: a soma dos reais fatores do poder que regem uma nao. (...) Juntam-se esses fatores reais do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles adquirem expresso escrita. A partir desse momento, incorporados a um papel, no so simples fatores reais do poder, mas sim verdadeiro direito instituies jurdicas. Quem atentar contra eles, atenta contra a lei, e por conseguinte punido. 12

    Paralelamente brilhante conferncia de Lassalle, que repercutiu de manei-ra concreta no mbito do direito constitucional at nossos dias com a chamada constituio no aspecto sociolgico, onde em verdade o conferencista pretendia de-fender o voto direto, secreto e universal, temos e sempre tivemos, tambm, uma proposta de visualizar a organizao fundamental de um Estado, mas no partindo de um incndio no mundo das suposies, algo que Lassalle coloca e que pr-existente, j com os reais fatores do poder presentes e atuantes com fora de coe-so e de coero, mas do caos, onde em um modelo ideal no haveria o incio legis-lativo ou sociedade constituda de aspecto mais modal, apenas o grupo social e este tendo, acima de tudo, a necessidade preeminente de organizar a vida no seio da sociedade primitiva e a prima facies.

    11 Ibid. LASSALLE, Ferdinand. p. 27.

    12 Idid. LASSALLE, Ferdinand. p. 32.

  • 22

    5 UMA TEORIA DA ORGANIZAO FUNDAMENTAL DO ESTADO

    Imaginemos que no haja leis nesta sociedade primitiva e que esta precisa organizar-se. Qual seriam as primeiras providncias?

    Temos necessidades bsicas de sobrevivncia, como alimentao, segu-rana nas intempries e ameaas externas e as regras de convivncia, internas a esta sociedade primitiva.

    Contudo, para dar-se um incio em tudo necessrio algum que comande. Este deve ser algum que detenha alguns requisitos. Ser forte, corajoso, delicado no trato, mas firme no pulso. Escolher-se- um dos indivduos que tiverem estas qualidades e este estar investido de um cargo, o cargo de chefe, por escolha de-mocrtica ou por fora imperativa de controle, a sim, um fator de poder, conforme Lassalle.

    Todavia, algumas decises envolvem as questes sociais e estas devem ser decididas por todos. Assim, pode-se, dependendo das dimenses da aldeia, ter-se uma representao direta. Estamos, portanto, perante uma primeira regra: a de construir uma sociedade adaptada s necessidades bsicas deliberadas.

    Haver, ento, as regras de quem comanda (o controle), como e por quanto tempo; haver regras dos limites dos aldees e dos chefes; haver direitos individu-ais dos mesmos aldees; haver regras de convivncia entre todos, com limites im-postos pela sociedade; haver regras de conduta perante a moralidade e nesta sea-ra as penalidades pelos ilcitos que, de uma maneira geral, estaro descritos nos costumes e nas regras de convvio e moral comum, a culpabilidade social, fatores de conduta.

    O que queremos dizer com isto? Que estamos frente a um originrio conjun-to de regras que devem ser obedecidas por questes de sobrevivncia e, no feixe social, exigem mais proteo. Embatemo-nos perante as regras de ordem superior. Haver tambm regras menores que pela sua pouca importncia para o bojo social

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    devero, para o bem comum, submeter-se s demais regras de interesse social, ou seja, o primado de ordem pblica.

    Estas normas que esto supracitadas e que poderiam envolver um elenco ainda mais extenso podem ser chamadas de Organizao Fundamental de um Es-tado.

    Temos a priori uma maneira prtica de verificar a existncia destas normas fundamentais em qualquer constituio de qualquer tempo. Basta que faamos uma pequena leitura no texto constitucional e veremos que existem algumas normas constitucionais que, se forem retiradas do texto, o Estado no funciona. Quando a resposta pergunta no afetar a estrutura do Estado, estaremos frente a uma nor-ma formalmente constitucional, porquanto as que so fundamentais ao Estado so chamadas de materialmente constitucionais.

    Nesta seara, pode-se verificar que a idia de supremacia da constituio vai ficando mais clara e mais fundamentada na sua prpria gnese e legitimidade e que os princpios insertos nela ou os supraconstitucionais aliceram a sua existncia.

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    6 UMA ORIGEM HISTRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

    A origem Histrica do Controle de Constitucionalidade na viso de Ronaldo Poletti, est dividida em trs tempos13.

    1) O controle de constitucionalidade na Antigidade. 2) Inglaterra e controle pelo parlamento. 3) John Marshall e os antecedentes dos Estados Unidos.

    Para bem compreender, em uma primeira anlise da exposio que se pre-tende histrica, consegue-se verificar que o controle de constitucionalidade preen-che trs perodos a considerar: o primeiro como perodo do incio dos tempos onde, em uma busca mais incisiva, encontramos vrios cdigos de comando superior a-gregados a simples obedincia da regra, ou a obedincia religiosa, um deus coerci-tivo punitivo e vingativo, comum na poca do rudimentar ser atico e amoral. co-mo podemos ver nos costumes que hoje praticamos sem saber das causas, como ritos dos mais diversos e outras liturgias que se incorporaram no costume levando-nos repetio como forma hereditria ou, ainda, de ritos de passagem. 14

    Desta maneira, no mais remoto pulsar da humanidade, pode-se buscar al-guns fragmentos do instituto do controle, mais tarde, de constitucionalidade, tal co-mo ele se apresenta. Posteriormente, um menos distante, na Inglaterra medieval e moderna, com fundamento no Direito Natural e o mais recente na criao do gnio norte-americano, o paradigmtico, leading case, caso julgado pelo juiz John Mar-shall, Marbury versus Madison e seus antecedentes ptrios, e mais prximos a ns a posio de Hans Kelsen, no controle concentrado em apenas um rgo.

    13 Ibid. POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. 1998.

    14 COULANGES Fustel de. A Cidade Antiga. 3 edio, Edipro. Edies Profissionais Ltda. 2001 So

    Paulo SP.

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    7 O DIREITO GREGO E A RESPONSABILIDADE DOS CIDADOS GREGOS PE-LA DEFESA DAS LEIS E DA CONSTITUIO

    No podemos deixar de citar a Antigidade Grega, pois ela e sempre ser o bero de toda a cultura, ou seno, parte da mesma, porquanto todas as demais civilizaes que a sucederam basearam-se nos seus princpios filosficos, histricos e, em alguns casos, morais e religiosos. A histria da Grcia e de Roma constitui testemunho e um exemplo da estreita relao s idias da inteligncia humana e o estado social de um povo.

    Na seara da aplicao do Direito Grego frente ao fato social, marcou-se en-tre os procedimentos e processos vrias aes de que dispunham os cidados ate-nienses, mais de cinqenta aes populares denominadas graphs. Dentre elas ha-via uma em especial, intitulada graph paranmon, pela qual os cidados se torna-vam responsveis pela defesa das leis e da Constituio. A est o que se pode i-dentificar como antecedente remoto do controle de constitucionalidade.

    Tratava-se de uma ao pblica intentada contra algum que havia proposto um tipo de lei inferior (psphisma) a outro tipo de lei superior (nomos). O julgamento da referida ao cabia a um tribunal do povo, composto por 501 membros.15 Esta ao tinha lugar, quando podia ser identificada a invalidade de decreto (psphisma) frente e contrrio lei maior (nomos).

    Parece no ser despropositada, na busca desses sinais longnquos, a men-o da Graph Paranomn, defesa das leis e da Constituio. Teria sido pouco u-sada por Pricles e de uso exagerado no Sculo IV.16

    15 Ibid. POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. 1998. p.9.

    16 Ibid. POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. 1998. p.9.

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    A Graph Paranomn era um instituto que possibilitava denunciar, com e-feito retroativo (ex tunc), lei ou ato, como inconstitucional ou contrrio ao interesse pblico.

    interessante no olvidar que os gregos, muito mais do que qualquer outro povo da Antigidade, preocupavam-se com o ser, e nesta seara os filsofos gregos, mesmo os pr-socrticos, como os demais pensadores, tentaram explicar os fen-menos humanos.

    Contam os filsofos que Scrates, na Antiga Grcia, precisamente em Ate-nas, gostava de observar, na sua razo autnoma, a natureza.17 Numa destas ob-servaes da natureza, mas agora dos homens especificamente, viu que existiam vrias classes de atenienses. Tambm, observou que existiam homens que tinham um comportamento diferenciado quando enfrentavam as adversidades, ou seja, os momentos de dificuldades e que estes mesmos possuam uma maneira de ver as coisas diversamente da dos outros. Havia homens que, alm de obedecer as regras de costume, tinham um comportamento mais elevado, respeitando estes mesmos e as outras pessoas, valores cvicos e religiosos.

    Scrates chamou estes atenienses de virtus varo, forte18 pois eles ti-nham um comportamento diferente da maioria dos cidados. Scrates denominou virtuose, o que mais tarde deu origem palavra virtude. Ao lugar onde se praticava a virtude, Scrates chamou de ethos o lugar das virtudes, dando origem, possi-velmente, palavra tica.

    Com efeito, podemos ver que a tica , na topologia filosfica, o ponto das virtudes do ser. Mais, se o ser possui na sua psique lugar pratica as suas aes de modo positivo as quais o levam ao exerccio constante e exaustivo do bem, cri-ando o costume, torna-se obrigatoriamente um ser tico no viver.

    17 RABUSKE, Edvino. Antropologia Filosfica. Porto Alegre, RS: Escola Superior de Teologia So

    Loureno de Brindes,1981, p. 168. 18

    ARANHA, Maria Lcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando, Introduo Fi-losofia. So Paulo SP: Ed. Moderna. 1993, p.308.

  • 27

    Gize-se ainda que, considerando-se a tica como elemento normativo exter-no (que o que a religio no prescreve, porque as leis dos homens no estariam no Evangelho), em termos gerais, se contrape teologia moral, isto , as regras da f. Chega-se introspeco do que certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto no contraditrio entre o ser e o dever-ser. Constri-se a moral, mas junto com ela o que verdade e justia, valores subjetivos e etreos, tudo isto no contraditrio com a realidade ftica, chegando-se ao Direito.

    Desta forma, na Sociedade Grega, haveria leis mais expoentes que outras, as de carter pblico, as humanas e de movimentao, manuteno e existncia do prprio Estado Grego

    Voltando ao Direito Grego, considerando o supracitado, temos que a idia de que existiam leis superiores que serviam de fundamento ao poder poltico e prpria sociedade, comeou a surgir em Atenas um rascunho de hierarquia e de controle, como cita Mauro Cappelletti:

    Na realidade, os nomoi, ou seja, as leis, tinham um carter que, sob certos aspectos, poderia se aproximar das modernas leis constitucionais, e isto no somente porque diziam respeito organizao do Estado, mas ainda porque modificaes das leis (nomoi) vigentes no podiam ser feitas a no ser atra-vs de um procedimento especial, com caractersticas que, sem dvida, po-dem trazer mente do jurista contemporneo o procedimento de reviso constitucional. 19

    Ainda, verbis:

    Portanto, tinha sido excogitado, em Atenas, um procedimento de reviso das leis extremamente complexo; a mudana da lei era considerada, em suma, uma providncia de extraordinria gravidade, cercada das garantias mais prudentes e at mais estranhas, com responsabilidades gravssimas para quem propunha uma alterao que no fosse, no final, aprovada ou que, a-inda que aprovada, se mostrasse, depois, inoportuna. Deste modo, o poder de mudar as leis era retirado dos caprichos de maioria da Assemblia Popu-lar (Ecclesa). 20

    19 CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Compara-

    do. 2 edio. Porto Alegre. RS: Srgio Antnio Fabris Editor, 1999. p. 49. 20

    Ibid. CAPPELLETTI. Mauro. 1999, p. 49.

  • 28

    Na poca, a idia de respeito ao ser humano era autntico, pois havia os casos de condenao penal por responsabilidade daquele que havia proposto o de-creto (psphisma), ento, inconstitucional e julgada desta forma.

    Na verdade com a graph paranmon, aps a reforma de Efialtes, 462, que retirou os poderes do Arepago, passando-os para a Boul (Assemblia do Povo) e aos Tribunais, existindo, ento, um poder quase que supremo do povo sobre as leis e o governo, como anota Ronaldo Poletti, citando Gustave Glotz, que Pricles avali-ou o perigo e encontrou o meio de conjur-lo: o graph paranmon colocou a lei a-cima dos caprichos populares e das lutas civis, autorizando a qualquer cidado vir ao socorro da lei, como um acusador e estabeleceu sanes pesadas como garan-tia da soberania das leis fundamentais. Opunha-se aos arrebatamentos da Eclsia com os excessos dos demagogos. At depois da morte de Pricles, aquela institui-o manteve sua eficcia. Foi a graph o instrumento capaz de impedir que a sobe-rania popular se transformasse num poder arbitrrio ou numa tirania.21

    A origem do controle de constitucionalidade, em termos postos, remonta seu nascimento na Grcia Antiga em um instituto semelhante ao controle como conhe-cemos e considerado seu antecedente. Contudo, Atenas soube impedir a utilizao de um instrumento democrtico em demasia, pois a iniciativa de leis feita pelo povo, isto , democracia deveria tambm ter o seu limite.

    21 Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998. p.10.

  • 29

    8 O SISTEMA DE CONTROLE DA HIERARQUIA DE LEIS EM ROMA

    Em contornos ssseis, no poderamos deixar de falar em Roma, tanto na poca da Realeza, como na Repblica, em que o Senado detinha a competncia confirmatria das decises dos comcios. 22

    O Senado Romano tornou-se um verdadeiro centro de governo. Ele verifica-va se as leis elaboradas iam contra os costumes e, se fossem, qual seria a razo e se haveria fundamento para tal profunda modificao. Funcionava como um guardi-o das normas de status constitucional. Controle pelo parlamento.

    Ccero contribui para a utilizao do Direito Natural nos precedentes ingle-ses, pois as frmulas processuais para elaborao de leis funcionariam como base para a judicial Review.23

    22 Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998, p.16.

    23 Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998, p.17.

  • 30

    9 UMA VISO DO SISTEMA INGLS

    Chega-se ao segundo momento de anlise dos trs estgios da gnese his-trica do controle de constitucionalidade. O controle pelo Parlamento Ingls.

    Para se falar da histria dos tempos pode-se referir os pontos elencados a-cima na histria dos povos que precederam a primeira real carta maior com fora de poder e de organizao de um Estado, a Carta Magna de Joo Sem-terra, 1215, um acordo firmado entre o rei e os bares feudais.

    Ronaldo Poletti, em sua obra j citada nos traz que as categorias do Direito Natural foram aplicadas para anular leis contrrias ao Common Law. O Direito Natu-ral consistiu no fundamento que Tomas More24 usou para contestar o direito do Par-lamento transformar o Rei no Chefe Supremo da Igreja na Inglaterra.25

    (...) Alis, no estranha a idia de que o controle de constitucionalidade de leis tem seu fundamento histrico no direito de resistncia aos governos in-justos, de origem medieval. So conhecidas, por outro lado, as referncias Idade Mdia na formao de um direito natural superior ao direito positivo. J fruto do cristianismo e das idias esticas (....), tais idias esto presen-tes no jusnaturalismo do sculos XVII e XVIII (Grotius, Rousseau e Locke). (...) Toms de Aquino, no entanto, muito citado para apoio na concepo, segundo a qual a lei escrita, que viola a lei natural, sendo injusta no seria lei e no teria fora obrigatria 26

    Como aconteceu no Imprio Romano em que a ao era um pressuposto do direito subjetivo,27 na Inglaterra, o Common Law foi uma criao do direito proces-

    24 Thomas More e os humanistas passam a questionar o teocentrismo, at ento predominante. A-creditavam que o homem devia ser o centro das investigaes filosficas por ser ele o nico ser capaz de conhecer. Os humanistas achavam que no perodo que compreende a Idade Mdia, acontecera um retrocesso, porque a humanidade se separara do modelo antigo. Prope ento, a volta ao modelo clssico (grego e latino), uma antropocentrizao da arte e das cincias. Com os aparatos tecnolgi-cos que surgiram na poca de nossos autores, (tais como e bssola e a plvora) a antiga viso do mundo j no atendia mais s exigncias, a religio em decadncia precisava ser repensada. O mun-do acordava de seu sono. O homem clamava pelo domnio sobre a natureza. www.consciencia.org/maquiavel_more. 25

    Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998, p.18. 26 Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998, p. 8.

    27 GUASQUE, Luiz Fabio. O Controle de inconstitucionalidade das Leis. Rio de Janeiro: Ed. Frei-

    tas Bastos Ed. 2004, p.122.

  • 31

    sual. Os direitos foram nascendo pela experincia judiciria e cada ao era criada para proteger um direito.

    O Common Law foi consubstanciando-se pela aplicao das normas consu-etudinrias, mais do que pelas leis em abstrato. A sentena proferida num caso con-creto tinha fora vinculatria e precedente para casos anlogos, cujos efeitos eram a manuteno destes precedentes, ou seja, o Stare decisis.28

    Antes da Carta Magna, o rei era a justia, porque ele aplicava as regras, porque ele era a divindade na terra, o sumo pontfice, a ponte entre o cu e a terra. Com o tempo, passou a aplicao do direito no mais a ser feita pelo rei, mas pe-rante juzes e tribunais. Contudo, o rei ainda tinha um poder residual, nada impedin-do que os sditos apelassem para a justia do monarca, afinal de contas o rei pos-sua a proximidade com Deus.

    Conforme relata Guasque (2004):

    As decises do Tribunal de Westminster passaram a no ser definitivas, pois passveis de recurso ao Rei. Esse, porm, no exercia pessoalmente a sua jurisdio; ele a transferia a um Conselho Privado (Kings Council), no qual o Chanceler (Chancelor) e seus juzes, que eram clricos e no juristas, temperavam o summu jus pela eqidade individual, isto , pela considerao das circunstncias de cada caso (...) passou a julgar tambm os casos no regrados no Common Law. Fazia-o segundo a Equity, ou eqidade social que levava o juiz a aplicar a norma que ele prprio formulava. 29

    Historicamente, verificou-se que o tradicionalismo Ingls aliado ao Direito Natural dava ao rei e ao parlamento o poder de julgar, contudo Sir. Eduard Coke interps uma doutrina que colocava os juzes entre o rei e o povo.

    Ensina-nos Cappelletti (1999):

    A doutrina de Lord Coke, entendida como instrumento de luta, quer contra o absolutismo do Rei, quer contra o Parlamento, predominou na Inglaterra por

    28 Ibid. GUASQUE, Luiz Fabio. 2004, p.122.

    29 Ibid. GUASQUE, Luiz Fabio. 2004, p.123.

  • 32

    alguns decnios e, no s na Inglaterra, mas tambm nas colnias Inglesas da Amrica, onde foi, de fato, em muitas ocasies, acolhida pelos tribunais. Esta doutrina, porm, foi abandonada na Inglaterra com a revoluo de 1688, a partir da qual foi, ento, proclamada a doutrina contrria, ainda hoje vlida naquele Pas da supremacia do Parlamento. Mas da doutrina de Coke ficaram os frutos, pelo menos na Amrica, e pretendo, obviamente, aludir queles frutos que se chamam hoje judicial review e supremacia do poder judicirio, supremacy of the judiciary. 30

    Portanto, havia uma submisso dos juzes que se processou atravs do tempo, como fica bem claro na lio supra do festejado mestre Mauro Cappelletti.

    Ocorre que o sistema Ingls foi aplicado em suas colnias e na Amrica do Norte. Por mais paradoxal que possa parecer, as colnias foram constitudas como Companhias Comerciais e que a maioria destas colnias eram regidas por Cartas Estatutos de La Colnia.31 Podia-se dizer que estas Cartas eram na verdade cons-tituies, pois possuam estruturas judiciais prprias e vinculatrias. Podiam aprovar as suas prprias leis, desde que fosse razoveis e que no ofendessem as Leis do Reino da Inglaterra.

    Como as leis das colnias podiam ser aplicadas em seus territrios desde que no ofendessem as Leis do Reino da Inglaterra, esta deciso precipitou a apli-cao do judicial review. Com efeito, quando da independncia da Amrica, estas Cartas foram transformadas em constituies. Estava iminente o controle difuso de constitucionalidade, que os americanos do norte formariam atravs da sua jurispru-dncia e da sua constituio da federao.

    30 Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p. 60.

    31 Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p. 60.

  • 33

    10 OS DOIS GRANDES SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

    Com a formao do Estado Americano estava plantada a semente do con-trole de constitucionalidade, que mais tarde seria seguido por um sistema diverso, o sistema austraco de controle de constitucionalidade das leis, concentrado a um r-go especial, inspirado nos estudos de Hans Kelsen.

    Segundo a questo orgnica, podemos distinguir dois grandes sistemas de controle de constitucionalidade, a saber: o sistema difuso que d o poder a todos os rgos judicirios e o sistema concentrado, onde o controle est concentrado em um nico rgo.

    Partir-se- para a anlise deste dois grandes sistemas de controle de consti-tucionalidade das leis e atos normativos do poder pblico.

  • 34

    11 A INCONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA DIFUSO AMERICANO

    11.1 JOHN MARSHALL (LEADING CASE) E OS ANTECEDENTES NORTE-AMERICANOS

    Este tipo de sistema de controle de constitucionalidade tambm chamado de controle por via de exceo ou defesa, caracterizado pelo fato de que qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma determinada norma por consider-la in-constitucional. Esta idia nasceu do famoso leading case, Marbury vs. Madison, com os seus precedentes.

    11.2 UM BREVE RELATO HISTRICO

    O gnio americano desde tempos precedentes tem mostrado a sua compe-tncia e capacidade prtica de resolver os seus problemas, polticos, econmicos, sociais e jurdicos. A evoluo que esta nao implementou desde seu nascedouro, onde o pragmatismo sempre foi o seu fanal, no deixou de lado as questes jurdi-cas que envolviam, poca, os direitos e garantias de seus cidados no contradit-rio entre os poderes e o povo americano.

    Desta forma, a construo de uma teoria do controle de constitucionalidade no proveio de um texto prprio expresso e construdo atravs de uma Assemblia Nacional Constituinte, mas sim da jurisprudncia, da experincia e dos costumes frente situao ftico-social ento vigente.

    O corpo do Direito Constitucional americano obra da evoluo legislativa e dos arestos judiciais, sempre sintoma da existncia de uma Constituio no-

  • 35

    escrita, ao lado da Carta formalizada num texto.32 Assim, a exigncia principiolgica da compatibilidade da lei com o texto constitucional um legado da jurisprudncia americana.

    Cita um precedente, Poletti (1999):

    (...) que Alexander Hamilton sustentava a competncia judiciria para a in-terpretao das leis e que a Constituio devia ser vista pelos juzes como uma lei fundamental, com preferncias sobre a lei ordinria. A garantia dos juzes e as normas que garantem a sua permanncia no exerccio da judica-tura, constituem, em grande parte, a cidadela da justia e da segurana p-blica. No h necessidade de esclarecer o princpio de que nulo o ato e-xercido por uma autoridade delegada, porm contrrio ao teor do mandato outorgado pela autoridade delegante. Em conseqncia, nenhum ato legisla-tivo contrrio Constituio pode ser vlido.

    O controle da constitucionalidade das leis, pelo Judicirio, era vedado em alguns pases, contudo na Amrica ela estava em potncia de ato na Constituio para aparecer no histrico aresto de John Marshall, onde foram estabelecidos, con-cretamente, os princpios do controle da constitucionalidade das leis.

    Aqui a sntese do pensamento de Marshall:

    Enfaticamente, a provncia e o dever do Poder Judicirio dizer o que a lei. Aqueles que aplicam a regra aos casos particulares devem necessaria-mente expor e interpretar essa regra. Se duas leis colidem uma com outra, os tribunais devem julgar acerca da eficcia de cada uma delas. Assim, se uma lei est em oposio com a constituio; se, aplicadas elas ambas a um caso particular, o tribunal se veja na contingncia de decidir a questo em conformidade da lei, desrespeitando a lei, o Tribunal dever determinar qual destas regras em conflito reger o caso. Esta a verdadeira essncia do Poder Judicirio. Se, pois, os tribunais tm por misso atender constitu-io e observ-la e se a Constituio superior a qualquer resoluo ordin-ria da legislatura, a constituio, e nunca essa resoluo ordinria, governa-r o caso a que ambas se aplicam. 33

    Na verdade a brilhante deciso e o raciocnio lgico e prtico elaborado por Marshall no clebre caso Willian Marbury vs. James Madison, em 1803, mostra-nos

    32 Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998.

    33 Ibid. POLETTI, Ronaldo. 1998. p. 37.

  • 36

    a importncia do sistema americano na construo do Direito e como sendo o lea-ding case, a construo, ento, da gnese do controle de constitucionalidade pelo sistema difuso ou em concreto que hoje se conhece.

    A histria do controle da constitucionalidade das leis confunde-se com a da Suprema Corte Americana, mormente na sua feio aceita pelo sistema brasileiro.34

    Com a deciso de Marshall ficou patente que o juiz um rgo do Poder Judicirio vivo e no mero parecerista ou mecnico aplicador do direito precedente. A Carta tem aplicabilidade e adaptabilidade, flexibilidade e maleabilidade do Com-mon Law.

    Destarte, o conceito da separao dos poderes elstico, e as leis inferio-res no podem se embater com o regramento superior. A inconstitucionalidade declarada to-somente no caso de extrema necessidade (presuno de constitucio-nalidade da norma) e s com dvidas razoveis.

    Da chega-se concluso que a Constituio Americana incorporou a distin-o entre a Common Law e equity, consagrando que o Poder Judicirio se estende-ra a todos os casos de lei e de eqidade que se suscitem em torno da Constituio, das leis dos Estados Unidos. Competia, assim, ao Poder Judicirio exercer jurisdi-es paralelas de Common Law e eqidade, utilizando-se de procedimentos de am-bos os sistemas (exception ou injuction). O Cdigo Judicirio de 1788 considerava, porm, que a eqidade somente deveria ser aplicada na ausncia ou inadequao dos remdios previstos no Common Law. 35

    34 Ibid. POLETTI, Ronaldo. p. 42.

    35 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos

    de Direito Constitucional. 2 ed. Ed. Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucio-nal. 199. So Paulo SP, p. 71.

  • 37

    11. 3 CRTICA AO SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO

    O que se tem pela frente a insegurana jurdica provocado pelo sistema, quando este aplicado em pases onde no vige o stare decisis, isto , o preceden-te judicial.

    Mauro Cappelletti em obra j citada prescreve especificamente no seu e-xemplo o caso do Japo, onde determinado autor impugna lei que entende inconsti-tucional. O rgo do Poder Judicirio Japons declara a inconstitucionalidade. Con-tudo outra pessoa interessada na mesma aplicao e quer usufruir desta mesma declarao de inconstitucionalidade dever proceder exatamente como o primeiro, ou seja, o novo devido processo para obter os mesmo resultados.

    No gnio americano, quando tendo a constituio escrita, porm na constru-o atravs do due process of Law, o caso vai ser apreciado pela Supreme Court. A partir deste momento a deciso ser uniforme e vinculante para qualquer rgo do Poder Judicirio, estabilizando-se as relaes jurdicas e dando a fora necessria coisa julgada constitucional.

    Prescreve Cappelletti (1999):

    Em outras palavras, o princpio da Stare Decisis opera de modo tal que o julgamento de inconstitucionalidade da lei acaba, indiretamente, por assumir uma verdadeira eficcia erga omnes e no se limita ento a trazer consigo o puro e simples efeito da no aplicao da lei a um caso concreto com possi-bilidade, no entanto, de que em outros casos a lei seja, ao invs, de novo a-plicada. 36

    36 Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. p 80.

  • 38

    12 O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

    Aps a primeira guerra mundial, um grupo de pases europeus desenvolve e adota um terceiro caminho no controle de constitucionalidade das leis, no mais dando ao parlamento e nem ao judicirio esta tarefa. Este poder de declarar a in-constitucionalidade das leis conferido a um rgo especialmente criado para este fim, um rgo de natureza jurdico-poltico: as Cortes Constitucionais.

    Este tipo de controle nasceu no direito continental especificamente na us-tria, onde, em exposio histrica, Hans Kelsen props um controle legado a apenas um nico rgo, o Tribunal Constitucional, da o nome de sistema concentrado, dife-renciando-o do, ento existente, sistema em concreto, controle difuso, criado por John Marshall e seus antecedentes como Alexander Hamilton, o sistema americano de controle da constitucionalidade, onde qualquer rgo do Poder Judicirio pode declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estatais.

    Diametralmente oposto ao sistema americano est o sistema austraco de controle de constitucionalidade de 1920, em que concentrou de todas as formas a competncia para a questo constitucional.

    Criava-se na ustria um mecanismo que incorporava um pedido especial, de uma ao especial por parte de alguns rgos polticos, desvinculando os casos concretos do exame da constitucionalidade e retirando-os do espectro do Poder Ju-dicirio. Deviam ser analisadas as questes constitucionais atravs de ao prpria concentrada ao Tribunal Constitucional.

    Cappelletti (1999) leciona:

    (...) mas os juzes austracos, alm disso, tampouco tinham o poder de pedir Corte Constitucional austraca somente por aqueles rgos, no judici-rios, mas polticos, que estavam indicados na Constituio, isto , pelo Go-verno Federal (Bundesregierungen) tratando-se de pedir o controle de legi-timidade constitucional de leis dos Lnder (Landesgesetze), pelos Governos dos Lnder (Landesregierungen) tratando-se de controle de leis federais.

  • 39

    Nenhum limite de tempo era fixado para o exerccio, por parte destes rgos polticos, do direito de ao, para o qual eles eram nicos legitimados.37

    Inicialmente e verificando a doutrina percebe-se que este sistema foi origi-nalmente concebido para dirimir os conflitos existentes entre os estados membros, pois o acesso ao Tribunal Constitucional estava restrito ao governo federal, frente aos Lnder, os governos regionais, quanto s normas da federao.38

    Tavares (1998) prescreve:

    (...) no se perca de vista que, para se lidar com a existncia de um Tribunal Constitucional, e sua relao com a Carta Magna, h de partir-se do pressu-posto no s formal, qual seja, o de que este diploma normativo encontra-se no mais alto escalo da hierarquia jurdica, mas tambm de que concretiza um conjunto de valores supremos e, a princpio, inalterveis.39

    Tambm, Silva (1995) citado pelo autor precedente nos diz acerca das Cor-tes Constitucionais:

    (...) elas exercem hoje um papel de verdadeiro equilbrio entre os demais poderes, uma espcie de poder moderador, atualizado e sem predomnio.40

    37 Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p.105.

    38 TAVARES, Andr Ramos. Tribunal e Jurisdio Constitucional. Ed.Celso Bastos Editor. 1998,

    So Paulo SP, p. 15. 39

    Ibid. TAVARES, Andr Ramos. 1998, p. 16. 40

    SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed. So Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1995, p.16.

  • 40

    12.1 A EVOLUO DO CONTROLE CONCENTRADO AUSTRACO

    Ocorre que o sistema original Austraco de Controle da Constitucionalidade, face criao do Tribunal Constitucional em 1920, com o passar do tempo e as ex-perincias adquiridas, verificou que havia concentrado demais a competncia de argir a inconstitucionalidade das leis a um pedido especial por parte de alguns r-gos polticos, portanto desvinculado completamente dos casos concretos.

    Com o passar do tempo e a experincia adquirida, em 1929, com a Lei Aus-traca de Reviso da Constituio foi alterado, ainda que parcialmente, o sistema de controle de constitucionalidade que era exclusivamente por via de ao.

    Esta mudana fez acrescentar a legitimidade, alm do Governo Federal e dos Governos das provncias, os Lnder, na via de ao, agora na via to-somente incidental a dois rgos judicirios superiores: a Corte Suprema das causas civis e penais e a Corte Administrativa, preenchendo a lacuna existente e atenuando o gra-ve defeito do originrio sistema, excessiva limitao. Estes rgos judicirios superi-ores continuam a no poder declarar a inconstitucionalidade de leis, somente com requerimento Corte Constitucional Austraca, contudo o mais importante que podem requerer o exame.

    12.2 A ATUAL VIGNCIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA USTRIA

    Com efeito, tm-se duas formas de levar ao Tribunal Constitucional o exame da matria a ser impugnada: primeira por ao direta, cuja competncia dada a um seleto grupo ou a apenas uma pessoa; segundo atravs da via incidental, que surgiu atravs de uma discusso nos tribunais inferiores acerca da constitucionali-dade de leis ou atos normativos. Tem-se que, uma vez verificada a questo consti-tucional, o processo suspenso e remetido ao Tribunal Constitucional para a mani-

  • 41

    festao. Decidida, a questo remetida ao tribunal de origem para que seja dada continuidade ao julgamento.

    Com o tempo o sistema de controle de constitucionalidade austraco espa-lhou-se pela Europa e resto do mundo e hoje adotado por vrios pases como a Alemanha (1949), a Espanha (1931), a Itlia (1947), o Chile (1925), a Guatemala (1965) e outros que deixamos de apresentar pelo objetivo central desta monografia.

    12.3 CRTICA AO SISTEMA DE CONTROLE CONCENTRADO

    Pode-se dizer que o controle concentrado, pelo prprio nome, concentra em um rgo o poder de dizer da constitucionalidade das leis e atos normativos do po-der pblico, fustiga a independncia dos rgos do judicirio quando no d condi-es de o magistrado manifestar-se em sua plena convico, porquanto vincula de tal forma as decises que se perde a oportunidade de serem espargidas vrias cor-rentes de pensamento que podem nutrir um sistema, dando-lhe ampla possibilidade de criar a contar do direito postulado.

    Com a entrada do controle pela via incidental, houve a possibilidade de abrir um pouco mais o sistema, aproximando-se do caso concreto, mas tambm ainda distante de uma liberdade de dizer o direito, na espcie, opinar, se for o caso, sobre a constitucionalidade das leis.

    Concentrar em um nico rgo jurdico-poltico, como uma Corte Constitu-cional as decises, legar aos seus membros e rgo as influncias polticas, como bem defende Andr Ramos Tavares, e tentar explicar por meio das vantagens pes-soais o desvinculamento do julgador ao obter a vitaliciedade e independncia fun-cional da seara poltica,41 elementos sopesadores e to presentes hodiernamente nos tribunais hbridos.

    41 Ibid. TAVARES, Andr Ramos. 1998, p. 37.

  • 42

    13 O CONTROLE POLTICO

    13.1 UMA REFERNCIA AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NA FRANA

    Desde as obras de Rousseau, Voltaire e, principalmente, Montesquieu que precederam Revoluo Francesa, que a separao dos poderes foi a marca e hoje fundamento do Estado Francs, onde vigem as regras do controle poltico de constitucionalidade, uma confiana no parlamento e desconfiana nos juzes, fruto do absolutismo e a ligao dos magistrados ao rei.

    Prescreve Cappelletti (1999):

    Razes histricas da soluo tradicionalmente adotada na Frana acrescen-tam-se as razes ideolgicas, de resto, estreitamente ligadas s primeiras. Basta pensar em Montesquieu e na doutrina da separao dos poderes, doutrina que, na sua mais rgida formulao, foi, no erradamente, conside-rada absolutamente incompatvel com toda possibilidade de interferncia dos juzes na esfera do poder legislativo, visto, alm disto especialmente por fora dos desenvolvimentos rousseaunianos daquela doutrina como a direta manifestao da soberania popular.42

    Como cita a doutrina, sempre na Frana e desde antes da Revoluo Fran-cesa que no h confiabilidade nos juzes franceses, pois os mesmos estiveram a servio do absolutismo. Desta forma, surgindo a questo do controle sobre as leis perante a constituio, o Poder Legislativo, sendo quem elabora a lei e somente ele podendo expuls-la do sistema, deixa para o Poder Executivo as competncias es-pecificas e para as Justias comum e administrativa, os julgamentos. Pressuposto da inadmissibilidade de interveno de um poder em outro. Jamais o Judicirio in-tervem no poder legislativo e vice e versa.

    42 Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p.97.

  • 43

    Com a criao do Conselho Constitucional, este se tornou o paradigma do controle poltico e no judicial, com algumas atenuaes implementadas a partir de 1958.

  • 44

    14 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO COMPARADO

    14.1 O SISTEMA FRANCS CONTROLE POLTICO

    No est previsto, na Frana, o controle difuso ou o concreto judicial, mas sim o controle de constitucionalidade exercido por um conselho chamado de Conseil Constitutionnel.

    Este Conselho corporifica-se na sua integralidade com a composio dos Ex-Presidentes da Repblica e outros nove membros ativos dentre trs nomeados pelo Presidente da Repblica, trs nomeados pelo Presidente da Assemble Natio-nale e trs nomeados pelo Presidente do Senat.

    No somente se ocupa este Conselho das questes que envolvem a consti-tucionalidade, como tambm as questes das eleies do Presidente da Repblica e do Parlamento Francs.

    A ttulo de conhecimento expedito, tem-se o rito em que o texto legislativo ou o tratado internacional, j elaborado de forma definitiva pelo parlamento, contudo no promulgado, encaminhado ao Presidente da Repblica. Se o Presidente da Repblica, o Primeiro Ministro ou os Presidentes da Assemblia Nacional ou do Se-nado entenderem que h vcio na constitucionalidade, requerem, por competncia constitucional, seja o texto examinado pelo Conseil Constitutionell, para que ele diga sobre a conformidade com a Constituio.

    Ressalte-se que para as leis orgnicas francesas (no Brasil importam or-ganizao fundamental do Estado) compulsrio o exame da constitucionalidade pelo Conselho Constitucional.

    O prazo normal para a manifestao deste Conselho de at trinta dias e para regime de urgncia de oito dias, com deciso, em sesso secreta, por maio-

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    ria de votos. No existem partes, contraditrio, nem audincias, nem defesas orais, somente memoriais escritos.

    Como um controle a posteriori, mas antes da promulgao, sendo incons-titucional o texto, no entra em vigor.

    Este sistema tem sido bem aceito pela doutrina e principalmente na seara jurdica na Frana, pois envolve, na realidade, o processo legislativo e a histria pol-tica e social daquele pas.

    14.2 UMA BREVE VISO DO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONA-LIDADE DA ITLIA: A CORTE CONSTITUCIONAL

    Na Itlia ocorre um controle de constitucionalidade atravs de um Tribunal Constitucional, em que o Presidente da Repblica tem o dever de promulgar as leis aprovadas pelo Parlamento.

    Contudo, pode acontecer do Presidente da Repblica entender que exista algum vcio na lei que a torne inconstitucional. Assim, deve remeter o texto nova-mente ao Parlamento para apreciar, motivando os seus fundamentos de inconstitu-cionalidade e de interesse pblico.

    Caso o Parlamento devolva o texto ipsis litteris para o Presidente da Rep-blica, sendo, ento por fora constitucional obrigado a promulgar, pode enviar a lei ao Tribunal Constitucional, que, o apreciando, dir sobre a Constitucionalidade ou no daquele texto, dissipando o conflito atinente. Neste momento, o Tribunal Consti-tucional, ao cabo, exerce, em verdade, um carter jurisdicional elidindo o conflito.

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    14.3 UMA BREVE VISO DO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONA-LIDADE NA ALEMANHA: O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMO BUNDES-VERFASSUNGSGERICHT.

    A Lei Fundamental de Bonn concebe o Budesverfassugsgericht, como rgo jurisdicional composto por juzes federais e outros juristas eleitos em parte iguais pelo Parlamento Federal (Bundestag) e pelo Conselho Federal (Bundesrat), no po-dendo os seus membros ser escolhidos dentre os integrantes dos rgos legislati-vos federais e estaduais ou dos governos federal e estaduais. 43

    Este Tribunal organizado em duas Cmaras com suas competncias defi-nidas, entre elas a de editar seus regimentos com regras processuais prprias e su-plementares.

    A sua competncia versa sobre as controvrsias entre rgos federais supe-riores, direitos e deveres da unio e estados, mormente, no tocante execuo do direito federal, ao exerccio da fiscalizao federal, e outras controvrsias entre a Unio e os Estados, entre os Estados ou no interior destes Estados, mas sempre que no houver outra via de ao.

    Tambm lhe compete o controle das normas, onde aborda a constitucionali-dade ou legitimidade; os Recursos Constitucionais formulados por qualquer cidado sob o embate com qualquer direito fundamental; Denncias de abusos de direito, a Inconstitucionalidade dos partidos polticos, os quais ameacem a ordem democrtica e o controle sobre as eleies. Nas lacunas pode ocorrer aplicao analgica de outras regras processuais.

    43 MENDES Gilmar Ferreira. O Controle de Constitucionalidade. Aspectos Jurdicos e Polticos.

    So Paulo, SP: Ed. Saraiva. 1990. p. 139.

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    14.4 O CONTROLE ABSTRATO E CONCRETO DE NORMAS DO BUNDESVER-FASSUGSGERICHT

    A Lei Fundamental consagra a competncia do Bundesverfassungsgericht para apreciar a compatibilidade formal e material do direito federal e estadual com a constituio, ou a compatibilidade do direito estadual com o direito federal. 44

    No exame do controle de constitucionalidade, observa a doutrina que a dife-rena entre os dois controles reside, no concreto, na leso a direito do impetrante com pertinncia da questo constitucional, e no caso abstrato desvincula-se do sub-jetivismo para vincular-se defesa da ordem constitucional, contudo e s vezes com contedo marcadamente poltico.

    O controle abstrato de normas pode ser proposto pelo Governo Federal, pe-lo Governo Estadual, ou por um tero dos membros do parlamento, desde que se configure divergncia ou dvida sobre a compatibilidade da lei com a constituio.

    No caso concreto, qualquer juiz pode requerer que a Corte constitucional ve-rifique a compatibilidade da leso ao direito com a constituio, suspendendo o e-xame do processo original at o deslinde da questo constitucional.

    Observamos, alm de tudo, que em curta anlise, o defeito causado pelo sistema de controle de constitucionalidade Austraco, no se repetiu nos demais sistemas, na espcie, no sistema Italiano e no sistema Alemo, sem afastar a gran-de influncia que tiveram os estudos austracos to originais e engenhosos.

    Na lio de Cappelletti (1999), l-se:

    Em suma, os juzes comuns so, na Itlia e na Alemanha, assim como na ustria incompetentes para efetuar tal controle de constitucionalidade que reservado competncia exclusiva das Cortes Constitucionais dos dois pa-

    44 Ibid. MENDES, Gilmar Ferreira. 1990, p. 155.

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    ses. Contudo, na Itlia como na Alemanha, diferentemente da ustria, todos os juzes comuns, mesmo aqueles inferiores, encontrando-se diante de uma lei que eles considerem contrria Constituio, em vez de serem passiva-mente obrigados a aplic-la, tm, ao contrrio, o poder (e o dever) de sub-meter a questo da constitucionalidade Corte Constitucional, a fim de que seja decidida por esta, com eficcia vinculatria. 45

    Desta forma verifica-se que as constituies italiana e alem no possuem o grave defeito contemplado no sistema austraco, que era a omisso quanto ao con-trole judicial concreto.46

    Ainda frente ao gnio alemo, Cappelletti (1999) precreve:

    (...) tem-se que na Itlia e na Alemanha do ps-guerra as questes de cons-titucionalidade das leis podem chegar ao julgamento das Cortes Constitu-cionais quer incidentalmente, ou seja, por ocasio dos casos concretos discutidos em processos civis, penais ou administrativos e fala-se, a este propsito, de um konkrete ou tambm, em via principal, ou seja, em um processo autnomo, visando, exclusivamente, a promover o julgamento da Corte sobre a constitucionalidade de uma dada lei e promovido por iniciativa de alguns rgos no judicirios, ou mesmo por iniciativa de uma determi-nada minoria parlamentar ou de pessoas individualmente consideradas e fala-se, neste caso, de abstrakte Normenkontrolle (controle normativo abs-trato, abstract review), exatamente para indicar que o controle de legis legi-timitate aqui feito pela Corte Constitucional, sem nenhuma ligao com de-terminados casos concreto.47

    Ainda Cappelletti (1999) em nota de rodap giza:

    Manifesta-se, aqui, uma analogia dos mencionados sistemas europeus com o sistema mexicano. De fato, tambm no Mxico, o controle judicial de cons-titucionalidade no nem exclusivamente um controle que se d por via principal (como foi originalmente na ustria) nem exclusivamente um contro-le promovido por via incidental (como nos Estados Unidos da Amrica), mas, antes, um sistema misto ou composto de elementos hetereogneos, nos qual est aberta a possibilidade de uma accion de inconstitucionadidad de las leyes, seja tambm a possibilidade de um recurso de inconstitucionali-dad, este ltimo, segundo as palavras de um dos mais srios estudiosos do judicio de amparo, consiste exatamente em um control de constitucionali-dad de las leyes por via de excepcion.48

    45 Ibid. CAPPELLETTI, Mauro. 1999, p.109.

    46 Ibid. CAPPELLETTI, p.104.

    47 Ibid. CAPPELLETTI. p.111.

    48 Ibid. CAPPELLETTI. p.112/113.

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    Pode-se perceber a justeza, entre os outros sistemas citados, mas na esp-cie, o sistema de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos da Ale-manha na atuao democrtica e republicana, dando como recurso em ltima ins-tncia, o recurso constitucional ou Verfassungsbeschwerde, o judicio de amparo (Direito Espanhol e Mexicano).

    Assim, cita Mendes (1999):

    Convm observar que, no direito alemo, a Verfassungsbeschwerde (recur-so constitucional) est submetida ao dever de exaurimento das instncias ordinrias. Todavia, a Corte Constitucional pode decidir de imediato um re-curso constitucional, se se mostrar que a questo de interesse geral ou se demonstrar que o requerente poderia sofrer grave leso caso recorresse via ordinria (Lei Orgnica do Tribunal, 90, II). Como se v, a ressalva constante da parte final do 90, II, da Lei Orgnica da Corte Constitucional alem confere-lhe uma ampla discricionariedade, tanto para conhecer das questes fundadas no interesse geral (allgemeine Bedeutung), quanto da-quelas controvrsias baseadas no perigo iminente de grave leso (schwerer Nachteil).49

    Com este breve alicerce de controle de constitucionalidade no direito com-parado, passamos a examinar o controle difuso e o concentrado, sob a tica do Di-reito Brasileiro.

    No objetivo deste trabalho no se tem a pretenso de aprofundar o exame do Tribunal Constitucional Alemo, uma vez que os exemplos de Tribunais Constitu-cionais usados, como o Alemo, so de cunho pedaggico e orientadores deste, para no nos estendermos alm do proposto, neste momento.

    49 MENDES Gilmar Ferreira. Argio de descumprimento de preceito fundamental: Demonstra-

    o de inexistncia de outro meio eficaz. Braslia, DF: Revista Jurdica Virtual. v. 2, n. 13, jun./1999.

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    15 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO BRASI-LEIRO

    15.1 UM BREVE HISTRICO

    A Constituio de 1824 no regulou o Controle de Constitucionalidade pelo Poder Judicirio. No artigo 15, ns. 8 e 9, prescreviam que ao Poder Legisla-tivo competia fazer leis, interpret-las, suspend-las, revog-las e zelar pela guar-da da Constituio, sofrendo influncia dos sistemas Ingls e Francs.

    Em 1891, influenciada diretamente pelo direito norte-americano, aparece a primeira constituio com carter republicano, que estabeleceu o controle inci-dental ou difuso de constitucionalidade.

    Ressalte-se que a Lei 221, de novembro de 1894, disps no seu artigo 13, 10, sobre a organizao da Justia Federal e considerada relevante ao sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, ao revelar a supremacia do Judicirio, verbis:

    Os juzes e tribunais apreciaro a validade das leis e regulamentos e dei-xaro de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitu-cionais e os regulamentos manifestamente incompatveis com as leis e com a constituio.

    Em 1934 foi mantido o controle difuso ou incidental, mas trouxe inova-es importantes como o quorum da maioria absoluta dos membros dos tribunais para as decises de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Pblico (art. 179), a possibilidade de o Senado Federal suspender execuo de lei ou ato, de-liberao ou regulamento, declarados inconstitucionais pelo Judicirio, atribuindo-se o efeito erga omnes, bem como o Mandado de Segurana (art. 113, n. 33).

    A Polaca de 1937, outorgada no Estado Novo, foi marcada pelo autori-tarismo com concentrao de poder nas mos do chefe do Poder Executivo que

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    no tolerava um controle de constitucionalidade, dotado de liberdade e indepen-dncia.

    O seu artigo 96 disps que s por maioria absoluta de votos da totalidade dos juzes, poderiam os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da Repblica, conquanto, o pargrafo nico prescrevia:

    No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juzo do Presidente da Repblica, seja necessria ao bem-estar do povo, promoo ou defesa do interesse nacional de alta monta, poder o Pre-sidente da Repblica submet-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois teros de votos em cada uma das Cmaras, ficar sem efeito a deciso do Tribunal.

    Tnhamos um Poder Judicirio atenuado no controle de constitucionali-dade, j que, por iniciativa do Chefe do Executivo, o Parlamento poderia anular a deciso da Corte, afetando a eficincia do controle jurisdicional de constituciona-lidade e, porque no citar, a Segurana Jurdica.

    Eis que surge a Constituio de 1946, e d continuidade ao controle difu-so (incidenter tantum), mantendo-se assim os preceitos da Carta Magna de 1934.

    Contudo, a Emenda Constitucional 16/1965 formata um alargamento da competncia originria do Supremo Tribunal Federal, atravs da competncia dada ao mesmo que para processar e julgar a representao contra inconstitu-cionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da Repblica.

    Observando com mais cuidado, v-se que se tratava de uma ao de in-constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual que atentasse contra os prin-cpios sensveis. O Supremo Tribunal Federal no s examinava a lei federal in-terventiva, mas tambm declarava a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual para efeito de interveno, no restando dvida que a reforma constitu-cional introduziu no Brasil o controle concentrado ou abstrato de constitucionali-dade.

  • 52

    Na Constituio de 1967/69 ficou mantido o sistema misto de controle de constitucionalidade, prevendo a representao perante o Supremo Tribunal Fede-ral tendo como legitimado ativo e exclusivo o Procurador-Geral da Repblica.

    Por fim, chegamos Constituio de 1988, a qual alm de manter o sis-tema hbrido ou misto, isto , difuso de controle de constitucionalidade e o con-centrado, este ltimo, trazido ao nosso ordenamento jurdico pela EC n. 16/65, trouxe outras novidades que contriburam para um verdadeiro avano com vistas ao aperfeioamento e democratizao da fiscalizao constitucional.

    Ampliou a legitimidade para ingressar com Ao Direta de Inconstitucio-nalidade. No artigo 103, 2, introduziu a Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso, o mandado de injuno, e a argio de descumprimento de pre-ceito fundamental decorrente da Constituio. Ainda, previu a possibilidade de representao de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituio Estadual e, pela Emenda Constitucional n. 3/93, criou a Ao Declaratria de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

    15.2 O SISTEMA ATUAL DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

    Na concepo de Estado, a idia de segurana est topologicamente posta no pice da edificao social. A autoridade do Estado est no uso dos meios de pre-servar a proteo e a fiscalizao de si mesmo e das liberdades pblicas. Explica-se a escolha da segurana jurdica, caso a caso em concreto, a opor-se legalidade, pois a base de sua existncia est nesta mesma segurana50

    50 Ibid. GUASQUE, Luiz Fabio. 2004.

  • 53

    O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder pbli-co no direito brasileiro possui dois momentos de verificao da compatibilidade da norma com o sistema, a priori e a posteriori.

    O primeiro acima evita que a lei vigore com vcio formal ou material, o con-trole preventivo exercido pelo legislativo e pelo executivo, cada um oportunamente. O segundo feito pelo judicirio, repressivo, que expulsa a norma do sistema.

    Assim, o controle de constitucionalidade das leis no Brasil pode ser feito a-travs do controle preventivo, quando as Comisses de Constituio e Justia anali-sam os projetos de lei e verificam se estes so constitucionais ou no. Em ato cont-nuo, acontece o posterior exame em plenrio do projeto de lei, onde qualquer par-lamentar, se entender que h vcio de inconstitucionalidade e que tenha de ser elidi-do o projeto, durante a votao, o faz, embora isto no seja a praxe das Casas Le-gislativas, por vrios motivos, entre eles, os polticos, mas que so factveis para melhor amoldar a norma Constituio.

    Quando isto no ocorre, passa-se fase de anlise pelo Poder Executivo a quem cabe, por determinao constitucional, o exame do veto ou da sano a ser proferida pelo Chefe do Poder Executivo, que pode vetar a lei, se entender inconsti-tucional ou contra o interesse pblico, devidamente fundamentado, no prazo de quinze dias teis (1 do art. 66 da Constituio da Repblica).

    Nada ocorrendo no controle preventivo e sendo a norma flagrantemente in-constitucional, tem lugar o controle repressivo pelas vias, direta, de exceo, inci-dental, interventiva, declaratria ou de violao de preceito fundamental. Entra em cena o controle via judicirio, chamado repressivo, que o nosso sistema de contro-le, diferentemente do controle poltico exercido por um Tribunal Constitucional, aqui o Supremo Tribunal Federal.

    Na anlise que vai ser processada neste trabalho e por envolver as ques-tes atinentes, tambm, aos Tribunais de Contas, passaremos a fazer uma expedita anlise das vias difusa, concentrada e incidental, objeto de anlise, como meio de fazer frente atuao das Cortes de Contas dentro das suas peculiaridades.

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    cabal gizar, neste momento, que existe positivado na nossa Carta Magna e que a doutrina cita, a questo que envolve o controle repressivo a ser utilizado pelo Poder Legislativo, quando no art. 49, inciso V, permite que o Congresso Nacio-nal possa sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regu-lamentar ou nos limites de sua delegao.

    Mencione-se que dever, no caso, ser editado pelo Congresso Nacional de-creto legislativo sustando tal ato presidencial ou Lei Delegada por ser incompatvel com o texto constitucional, conforme prescreve a regra, verbis: (...) sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegao legislativa.

    15.3 SISTEMA DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

    Como expusemos supra, no vale nem cabe repetir que o sistema de con-trole de constitucionalidade por via direta surgiu na ustria em 1920-1929 com os trabalhos de Hans Kelsen, onde props o sistema concentrado, devido s falhas e perigos do sistema americano de controle difuso. Este tipo de controle est funda-mentado nas concepes do Tribunal Constitucional Austraco que, posteriormente, como j vimos, alastrou-se contaminando, beneficamente, respeitadas as devidas peculiaridades das searas jurdico-polticas, para o sistema de controle de constitu-cionalidade nos Tribunais Constitucionais Alemo, Espanhol, Italiano e Portugus.

    O controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos no Direito Brasileiro, somente foi positivado com a Emenda Constitucional n 16 de 06.12.1965, que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competncia para proces-sar e julgar originariamente a representao de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, apresentada pelo Procurador-geral da Repblica,

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    apesar da existncia da representao interventiva, desde a Constituio de 1934. 51

    Processa-se, a priori, pela Ao Direta de Inconstitucionalidade prpria, por Omisso, Interventiva, pela Ao Direta de Constitucionalidade ou pela de Descum-primento de Preceito Fundamental. Estes procedimentos esto insculpidos no texto constitucional, podendo levar a uma declarao de inconstitucionalidade, exceo da Direta de Constitucionalidade, segundo a respeitvel jurisprudncia e doutrina ptria, provocando o efeito vinculante52. Contudo, o artigo 24 da Lei n 9.868/1999, prescreve no seu artigo 24 que Proclamada a constitucionalidade, julgar-se- impro-cedente a ao direta ou procedente eventual ao declaratria; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se- procedente a ao direta ou improcedente eventu-al ao declaratria. Os efeitos das demais so de retroagir (ex-tunc) e ter eficcia contra todos (erga omnes).

    Gize-se que temos no controle concentrado, em abstrato, o ataque direto e fulminante, em tese, e que expulsa do mundo jurdico a norma viciada, formal ou materialmente, considerando-a nula, ex-radice, como se nunca tivesse existido, em-bora no direito comparado alemo seja acolhida a tese da inconstitucionalidade sem declarar a norma nula.53

    Parte-se da idia e comprovao de que existe uma ameaa ao sistema normativo-constitucional por uma determinada norma ou ato normativo eivado de vcios e que vai prejudicar todo o sistema, fundamentalmente, as liberdades pbli-cas.

    Constata-se que no artigo 103 da Constituio da Repblica esto dispostos os legitimados e autorizados a propor a Ao Direta de Inconstitucionalidade contra

    51 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. Ed. Atlas. So Paulo. 2006, p. 664

    52 Esta era a posio inicial da doutrina quando da aprovao da Emenda Constitucional n 3/2003, no

    contraditrio da Adin com a ADC, qual seria o resultado? Alguns doutrinadores diziam que o acrdo seria apenas pela constitucionalidade da ADC outros diziam o que a Lei 9868/1999 prescreve. 53 Ibid. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdio Constitucional. O Controle Abstrato de Normas. So

    Paulo: Ed. Saraiva. 1996.

  • 56

    lei ou ato normativo do Poder Pblico, viciada na sua forma ou matria, que so o Presidente da Repblica, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Cmara dos Depu-tados, a Mesa de Assemblia Legislativa ou Cmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-geral da Repblica, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido poltico com repre-sentao do Congresso Nacional, confederao sindical ou entidade de classe de mbito nacional, citando-se que no existe qualquer meno do Tribunal de Contas, seus membros, ou o Ministrio Publico de Contas, como legitimados ao ajuizamen-to, mesmo que a existncia dos Tribunais de Contas sejam caracterizados pela ple-na vigncia do esprito republicano, ento, na defesa dos interesses da sociedade, ainda que desconhecido, mas constitucional e legalmente regrado.

    A Ao Direta de Inconstitucionalidade, a qual de competncia do Supre-mo Tribunal Federal, est disposta, tambm, na Lei Federal n 9868/99, que d as diretrizes e contornos processuais ao, Cdigo de Processo Civil, artigo 480 e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, artigos 176 e seguintes.

    Dessarte, podemos citar o prescrito no artigo 102 da Constituio da Rep-blica, verbis:

    Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Consti-tuio, cabendo-lhe: I processar e julgar, originariamente: a) a ao direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ao declaratria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

    Nota-se que o Legislador constitucional, seguindo a tradio, optou em dar a interpretao e a guarda da constituio ao Poder Judicirio, embora o Supremo Tribunal Federal no trate exclusivamente das questes constitucionais de controle, exerce a tutela dos interesses, todos com denotaes constitucionais, mas nem to-dos inconstitucionais. Assim, o guardio da Carta Maior.

    Contudo, ainda em exame de constitucionalidade e derivando do controle abstrato para o concreto frente ao escopo deste trabalho, vamos ao controle difuso, j tradicional desde a Constituio de 1891.

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    15.4 SISTEMA DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE NO DI-REITO BRASILEIRO

    Como j explicitado supra, o sistema de controle difuso de constitucionali-dade tem gnese brasileira, baseada no sistema norte-americano, jurisprudencial, a partir do leading case, Marbury vs. Madison, em que o juiz Marshall deu a idia de superioridade e respeitabilidade de certas normas sobre outras, mostrando a hierar-quia constitucional.

    De origem mais remota, como j mencionado, Scrates examinou o compor-tamento dos atenienses, de sorte que o filsofo nos deu a primeira noo de cum-primento de certas normas mais do que outras; vale dizer, hierarquia, observando o fato social frente regra de status maior, dando a oportunidade de nos aproximar do raciocnio do juiz Marshall.

    15.5 O NOSSO CONTROLE DIFUSO

    Este controle conhecido tambm como via de exceo ou defesa. Tem a caracterstica de que qualquer juiz ou tribunal pode realizar no caso concreto a an-lise sobre a compatibilidade do ordenamento jurdico com a Constituio Federal.54

    Na anlise feita pelo judicirio no est em tela a questo central, mas a prvia que indispensvel ao julgamento da lide. A inteno do agente ver decla-rada a inconstitucionalidade da lei que obstaculiza o seu direito a ser exercido.

    O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitvel somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judicirio. As-sim, posto um litgio em juzo, o Poder Judicirio dever solucion-lo e para tanto, incidentalmente, dever analisar a constitucionalidade ou no da lei ou

    54 Ibid. MORAES Alexandre de. 2006, p.645.

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    ato normativo. A declarao de inconstitucionalidade necessria para o deslinde do caso concreto, no sendo pois objeto principal da ao. 55

    O controle difuso de constitucionalidade est positivado na Constituio da Repblica, em sede de Recurso Extraordinrio, alneas a, b e c do inciso III do art. 102, onde prescreve:

    III julgar, em recurso extraordinrio, as causas decididas em nica ou lti-ma instncia, quando a deciso recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituio; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar vlida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constitui-o.

    A via de exceo no controle difuso mostra-se aplicvel quando a norma pa-rece, ao demandado, fustigar o texto constitucional. Neste momento o juiz pode dei-xar de aplic-la por concordar com a argio da demanda e entender como incons-titucional, determinando-a, na sentena. A parte, aproveitando o duplo efeito, requer a devoluo ao rgo julgador superveniente para que julgue. Assim, em seu trmite regulamentar, vai instncia extraordinria para exame no Supremo Tribunal Fede-ral, onde a deciso positiva determina a declarao de inconstitucionalidade inter partes com efeito ex tunc, com a aplicao, se for o caso, do que prescreve o inciso X do art. 52 da Constituio da Repblica, a com efeito ex nunc e eficcia erga om-nes.

    15.6 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA PRPRIA

    Uma questo interessante que alguns doutrinadores, em especial Nelson Oscar de Souza, propem para discusso, tem lugar quando algum constata que existe, no sistema, uma norma que fere frontalmente a constituio. Neste contexto, ela deve ser expulsa do sistema infraconstitucional. a chamada via prpria.

    55 MORAES, Alexandre in Barbosa, Ruy. Os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executi-

    vo ante a Justia Federal. Rio de Janeiro: Ed.Cia. impressora 7, 1893. p. 96.

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    Como se processa? Construindo-se uma tese em que se demonstre o inte-resse econmico e jurdico, bem como a questo constitucional, ajuizando-se um remdio jurdico capaz de provocar a anlise da questo proposta incidentalmente, chegando-se ao exame difuso da constitucionalidade. No se trata de defesa in con-creto, mas da defesa da ordem constitucional e do sistema normativo em tese, feita por qualquer do povo, com capacidade postulatria e que tenha seu direito ou de outrem obstaculizado por esta norma impugnada.

    A parte prejudicada formula a sua pretenso perante o juiz e indica o fun-damento do seu direito e argi pedido prvio de reconhecimento da inconsti-tucionalidade da norma ou ato impeditivo. Pode, pois, faz-lo para ver reco-nhecido direito seu que esteja bloqueado ou obstado por lei ou ato que a parte inquine do vcio capital. Assim, para que o Judicirio lhe possa atribuir determinado direito, ou afastar determinado prejuzo, h de reconhecer pre-viamente que o obstculo oposto ao interessado parte de norma eivada de inconstitucionalidade. 56

    Estamos frente a mais um mt