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A EVOLUO DA FORMA URBANA DE GUIMARES E A CRIAO DO SEU PATRIMNIO EDIFICADO _______________________________________________________ Prof. Arq. Bernardo Ferro com Dr. Jos Ferro Afonso

1 - A BIPOLARIZAO DA CIDADE ( Scs. X e XII )

Se a estrutura viria romana do nosso territrio, orientada em geral no sentido norte/sul e articulada, fundamentalmente, entre grandes centros administrativos, colocar a futura rea urbana vimaranense muito prxima de S. Joo da Ponte, um importante n de estradas estratgicas do Imprio, a posterior estrutura viria medieval, muitas vezes independente da das vias romanas e de traado alternativo nascente/poente, ao articular povoaes, vilas, e cidades prximas, assegurar a essa rea, sobretudo j na Baixa Idade Mdia e graas a uma notvel convergncia viria com as principais povoaes do litoral e do interior, uma importncia poltica, econmica e artesanal muito significativa. De destacar, neste contexto, o

atravessamento da rea urbana em formao pela mais importante estrada medieval contempornea, que ligava Mono, Braga, Guimares, Lamego, Viseu e Coimbra, de direco norte/sul e que j existia, por certo antes do acto fundacional de Mumadona, visto cruzar o Ave na Ponte Petrina, pelo menos desde 957. No actual estado de atraso da investigao da histria urbana vimaranense, como na de outras contemporneas cidades portuguesas, no parece ser muito produtivo analisar hipotticas fundaes pr-urbanas dos scs. VII e VIII. Assim, e face a estas limitaes, prefervel v-la mais como um fenmeno que se insere no quadro da Reconquista. Integrada em territrio cristo desde a Alta Idade-Mdia, a sua existncia urbana era uma realidade irreversivel no incio do sculo XI, depois de, pela ltima vez e com Almanor, os muulmanos terem atacado a norte do Douro. Os passos iniciais da urbanizao de Guimares articulam-se, no contexto supracitado, com a presena na regio das contemporneas famlias condais portucalenses. Ser neste quadro que, entre 950 e 959, a Condessa Mumadona Dias, viva do Conde Hermenegildo Mendes dar o passo inaugural da futura formao urbana ao mandar edificar um mosteiro dplice "in loco predicto villa vocitata Vimaranes". O mosteiro, instalado na sua Quinta de Vimaranes, junto via Braga/Lamego/Coimbra que ela prpria considerar local "convinhvel", vizinho do Pao que a possua e com localizao que hoje corresponde do complexo da Igreja de

N.S da Oliveira, ser largamente dotado com a totalidade das suas propriedades que se estendiam da Galiza a Coimbra, e com as doaes de Ramiro II, Rei de Leo, e de Gonalo Mendes, seu filho, cedo se tendo convertido num dos nicos senhorios monsticos portucalenses anteriores ao sculo XI, e por isso, num importante centro religioso, scio-poltico e econmico. Acompanhando o processo de consolidao e crescimento deste importante conjunto monstico "duplex", indispensvel ter sido a fixao na sua envolvente prxima, de um ncleo polulacional para seu servio, tanto mais que o cenbio tinha obrigao de hospedar os caminhantes, consolidando-se a progressiva urbanizao do burgo "cannico" nascente na medida do subsequente desenvolvimento daquele conjunto. Entretanto, e um pouco por toda a Europa contempornea, convulses internas e ameaas de invaso iam fazendo pontuar a paisagem com castelos e muralhas urbanas para defesa de tais perigos. No noroeste portucalense essas ameaas eram protagonizadas pelas invases mulumanas e pelas razias normandas e, prximo e a norte do recente mosteiro, o "Monte Latito" correspondia pelas suas caractersticas topogrficas s necessidades defensivas que uma fortificao contempornea pressupunha. Neste contexto doar a Condessa Mumadona ao mosteiro, em 968, o castelo que entre 950 e 957 mandara edificar no Monte Largo, para sua proteco e do burgo nascente que entretanto o ia envolvendo. Tratar-se-ia, nessa poca de um castelo "roqueiro" bastante fruste, constitudo por uma estrutura, possvelmente de pedra solta e madeira, que preenchia as falhas da coroa rochosa que pontuava aquela eminncia. O castelo monstico inicial, transformar-se- posteriormente, face as alteraes sociopolticas entretanto ocorridas, em fortificao condal e depois real, assumindo, progressivamente, uma relevncia interregional. No contexto das perturbaes do "ano mil", onde a luta contra os sarracenos constituia preocupao e terror dominantes, o novo cenrio urbano vimaranense, agora definido pelo mosteiro, burgo envolvente e castelo roqueiro apresentaro um quadro caracterstico do urbanismo contemporneo da cristandade ocidental: na plancie um ncleo eclesial e na colina uma fortificao. Parece lcito admitir, e embora as notcias mais antigas remontam a 950, que em torno do mosteiro de Mumadona se tenham, progressivamente, acolhido populaes vizinhas, pois consideradas ainda as naturais dificuldades decorrentes das invases

mulumanas, parece no ter existido "ermamento" na rea vimararenense. Todavia a nascente e prometedora urbanizao iniciada na 2 metade do sc. X poder ter tido alguma desacelarao quando, em meados da centria seguinte, os condes portucalenses e o mosteiro vimaranense entraram em fase de declnio. De resto, isso mesmo se constata no foral de 1096 do Conde D. Henrique, onde patente, dentre outras preocupaes, um esforo para atrair povoadores a Guimares, sede do recm fundado condado portucalense, e confirmada a instalao palaciana, parece ser a partir da administrao do conde que se assiste ao desenvolvimento consolidado do burgo baixo e monstico. Entretanto, na poca condal, as caracteristicas ainda roqueiras do castelo e o facto da residncia senhorial se situar provvelmente no burgo baixo, indiciam no estarem ainda criadas condies para a urbanizao envolvente da fortificao, que s se verificar mais tarde, pelo que de pressupor que, poca, aquele se encontrasse, ainda, em arrogante isolamento. com D. Henrique e D. Teresa que o primitivo castelo roqueiro ter sido reordenado ou reformulado, atravs da criao de um pano amuralhado envolvente, com implantao prxima da actualmente existente. Ser ento e aps D.Sancho demarcar o termo da Vila Alta, circuitando-a a cavalo, como se depreende das Inquiries de 1258, que parece ter-se executado a caracterstica cerca baixa envolvente do castelo romnico, no quadro de procedimento genrico similar ocorrido contemporaneamente em inmeras vilas sem tradio de sede episcopal, como Ponte de Lima, no Norte, ou Santarm, no Sul, face ao clima de razias e guerra permanentes. Com a reformulao do primitivo castelo roqueiro, e a construo da cerca baixa envolvente, que poderia enquadrar j alguma urbanizao pr-existente, criar-se-, na transio do sc. XII para o sc. XIII, um segundo e significativo plo de fixao humana, visto que a existncia daquele e desta no s presupunham, agora, a permanncia de guarnies militares compatveis com uma relevncia interregional, como tambm, e por serem residncia de senhores, no dispensavam a presena de mo de obra "corvevel", assumida pelo povo, poca a nica classe com o dever e o direito ao trabalho, como ainda, por uma e outra razes servirem de lugar de reunio e permuta populares. Inicialmente urbanizada em torno do mosteiro e posteriormente em torno deste e no interior da cerca envolvente do castelo, a urbe vimaranense assumir ento um perfil urbano comum s cidades europeias e portuguesas contemporneas, poca

definidas pela existncia de dois plos urbanos iniciais, a "Vila Alta" e a "Vila Baixa", um cenrio que, como refere Lavedan, tender a transformar-se posteriormente pois, "...les villes hautes ont toujours tendence descendre en plaine...". Ocorre por outro lado, e em termos de imagem da cidade, que a bipolarizao ubana inaugural atrs referida, definir um vector de expanso urbana que ser assumida, sistematicamente, no seu posterior desenvolvimento. A vila em crescimento viver, entretanto, intensamente, o perodo de formao da nacionalidade, confirmando D.Afonso Henriques em 1128, no ano da batalha de S. Mamede, a carta de foral de seu pai, dirigindo-se aos "..bonos homines de Vimaranes..." para lhes garantir e ampliar as franquias concedidas em 1096. O velho mosteiro de Mumadona ser transformado, entre 1107 e 1110, em Colegiada Real, assumindo na hierarquia das instituies congneres um lugar cimeiro, quer graas aos privilgios que os primeiros reis lhe concedero, quer por usufruir duma imagem da Virgem Maria, poca considerada milagrosa, que cedo contribuir para a transformao da sua igreja em importante centro de romagem, premissas sciorelgiosas que incentivaro a consolidao e expanso do burgo baixo envolvente. Desempenhando importante papel na defesa de um conjunto de prerrogativas, frente s constantes intromisses da S bracarense, o velho mosteiro ter sido reestruturado um pouco mais tarde, na primeira metade do sc. XIII, mantendo embora dimenses relativamente reduzidas, como o testemunham hoje ainda a Sala do Captulo, com os seus arcos seguindo um gosto revivalista da arte pr-romnica de que exemplo a torre morabe do convento prximo de Sta. Maria da Costa.. Tambm a presena da corte condal, posteriomente real, e pese embora o seu caracter nmada, contribuir, em paralelo com o papel da igreja, para o desenvolvimento urbano da vila, imagem alis do que entretanto acontecia, ou viria a acontecer, em inmeras cidades portuguesas por onde aquela igualmente itinerava. Da que, e por outro lado, para alm do Pao Real, se fossem construindo na povoao em formao, alguns outros paos, pertena de altos dignatrios rgios, eles tambm fomentadoras de urbanizao envolvente, como foi o caso dos de um mordomo, de um capelo e dum alferes de D. Afonso Henriques, cuja localizao ou vestgios, infelizmente parecem ignorar-se. Excepo o palatium referido na sentena de D. Afonso III, datada de 15 de Agosto de 1272, que confirma os foros e regalias dos moradores da Vila do Castelo, cuja localizao precisa indicada no traar dos limites

da vila alta: ... deinde ad petram de Menendo Mao, deinde per sub locum ubi inforcant homines, deinde ad palatium de Menendo Mao.... Os dois plos urbanos em formao logo sero integrados no quadro paroquial ento em gestao no norte do pas, importante fenmeno cvico-religioso que deixa transparecer a sua progressiva reurbanizao, tanto mais que as parquias constituiam ento a clula principal da vida quotidiana. O quadro paroquial vimaranense parece ser inicialmente constituido, apenas e durante os sculos X a XIII pela Colegiada de Sta. Maria da Oliveira, a nica parquia citada como tal nas Inquiries de 1220. Testemunho de um ento j significativo alargamento do burgo cannico ser a construo da Igreja de S. Paio, tambm ali localizada, mas em sector diferenciado, que alguns nos dizem existir j em 1216 e outros datam, mais tardiamente do primeiro quartel do sculo XIII. Entretanto, e confirmando o desenvolvimento de mais uma rea do burgo baixo, parece ter existido, j em 1114, a Igreja de S. Tiago, primitiva capela dos Francos que acompanharam a vinda para a Pennsula do Conde D. Henrique e constituiam a guarda da Infanta D. Teresa, como se depreende das Inquiries de 1258, mas que nunca se ter assumido como paroquial. Relativamente ao burgo cannico e a algum desfasamento temporal da urbanizao do interior da cerca baixa envolvente do castelo, de referir o facto de s nas Inquiries de 1258 surgir a Capela de S. Miguel do Castelo como paroquial, mas ainda sufragnea da de Sta. Maria da Oliveira, tendo sido sagrada, ao que parece, em 1233, o que exclui a hiptese de ali ter sido baptizado D. Afonso Henriques. No perodo temporal que vimos tratando, scs. IX/XIII, a bipolarizao urbana que, quer do ponto de vista do desenvolvimento urbano, quer do da estruturao paroquial, constatamos existir, tambm se verifica de uma perspectiva administrativa, face existncia de dois concelhos autnomos com autonomia jurisdicional plena, correspondentes aos burgos baixo e alto. Essa situao s se alterar com D. Joo I, que os incorporar num s municipio, doravante Guimares, atribuindo a supremacia jurisdicional ao burgo cannico. A demonstrar igualmente o contemporneo dinamismo do duplo aglomerado estar a criao de mercados e feiras ento estabelecidos com consentimento rgio. Na Vila Baixa, esse dinamismo logo transparece na

regulamentao do mercado local, preocupao j patente no foral de D. Henrique, com vrias disposies reveladoras do activo comrcio ento j ali efectuado. No burgo alto, a implementao urbana mais tardia, realizada a partir de finais do sculo XII,

confirmada quer pela concesso por D. Afonso III, em 1258, da primeira carta de feira a Guimares, quer como vimos j, pela criao contempornea da parquia de S. Miguel, quer ainda pela confirmao, em 1272, efectuada pelo mesmo rei, do termo e imunidades anteriormente adquiridas pelos moradores do ncleo acastelado. No burgo baixo s mais tarde ser instituida uma feira franca, em 1355 e sob D.Afonso IV, facto que dentre outros, indiciar, como veremos, o declneo do burgo alto, ocorrido a partir de finais do sc. XIV. Segundo as Inquiries de 1258, o aglomerado bipolar vimaranense possuiria j uma populao de cerca de 2.250 habitantes vivendo em aproximadamente 500 casas, populao essa que duplicar no final da centria seguinte, incluindo-se neste aprecivel quantitativo populacional as ento localmente significativas colnias franca, moura e judaica. Ser por certo, e dentre outras razes, esta significativa populao, aliada ao desenvolvimento urbano contemporneo que atrairo vila, imagem do sucedido tambm noutras cidades portuguesas ento em formao, as ordens mendicantes de S. Domingos e S. Francisco. Plos dinamizadores de urbanizao futura, o Convento dos Dominicanos, comeado em 1271, localizar-se- inicialmente no extremo poente da malha urbana ento existente na Vila Baixa, enquanto o dos Franciscanos, iniciado em 1290, se situar, tambm provisoriamente, no extremo sul dessa mesma malha. Dum ponto de vista do ordenamento urbano e arquitectnico, e face ao conjunto de factos histricos que vimos referindo, a cidade estruturara-se em finais do sculo XIII, e na sequncia da sua evoluo a partir do sc. IX, em dois significativos plos: a sul, em zona de suaves declives, situava-se uma malha urbana j com alguma dimenso mas ainda no amuralhada na poca em referncia; a norte, em eminncia vizinha, localizava-se uma malha urbana de menor dimenso e j contida por fortificao. A circulao entre estes dois ncleos seria ento garantida, talvez de forma exclusiva, por uma importante via urbana estruturante, a rua de Sta. Maria, ainda hoje assim designada, j documentalmente referida em 1173 mas por certo com existncia muito anterior. No que confere urbanizao da Vila Baixa, ento ainda aberta, a sua estruturao urbana parece decorrer essencialmente da vizinhana, ou mesmo do atravessamento, aps a passagem do Rio Selho na ponte de dois arcos de Caneiros, da Villa de Vimaranes pela importante estrada, atrs referida, que ligava Mono a Coimbra. A, a

Condessa Mumadona, ao erigir o mosteiro dplice junto do seu pao, promoveu um ponto inaugural de fixao a que se suceder, pelas razes j expostas, um ncleo urbano envolvente. A partir deste primeiro conjunto urbanizado organizado em torno de rossio fronteiro ao convento e pao, o actual largo de Nossa Sr. da Oliveira, de que h notcia desde 1176 mas, provavelmente, de formao anterior e que, poca, mais no seria do que um alargamento da referida estrada, estabelecer-se-o,

contemporaneamente, novas e indispensveis ligaes virias entre o burgo nascente e outros significativos aglomerados urbanos ento tambm em formao no noroeste portugus. Neste contexto, e a partir do rossio inaugural, estabelecer-se- uma conexo com Vila do Conde, atravs dum percurso que dali arrancava, na direco poente, sucessivamente definido pelas posteriormente designadas rua dos Mercadores, s documentada em 1340 mas por certo muito anterior, pela rua da Sapateira, referida em 1167, e pelo seu prolongamento natural, a rua dos Gatos, tambm referida no sc. XII, ento ainda certamente uma vereda rural, consolidada no sculo XIII com a edificao da capela e gafaria de S. Lzaro, em local prximo do actual, antes da rua cruzar o rio Selho na ponte da Sr da Luz. Na mesma poca, uma outra gafaria, esta para mulheres, designada de Santa Luzia, foi instituda na sada para Braga. A deslocao das gafarias, anteriormante situadas na zona a norte do castelo, para esta nova implantao, pode corresponder a um aumento do trfego nessas duas vias. Com origem no mesmo rossio inaugural e bifurcando no trminus da rua dos Mercadores establecer-se- tambm uma conexo com o Porto, atravs de Sto. Tirso, com base num percurso que dali arrancava na direco poente/sul, sucessivamente definido pelas posteriormente designadas rua da Ferraria (referida em 1206) que, no seu trminus, bifurcava por sua vez tambm em dois prolongamentos naturais, as ruas das Molianas e da Caldeiroa (j citada em 1194), ento ainda certamente tambm veredas que, para sul, se unificavam em caminho nico. Entre a primeira das duas e a rua de Gatos, a norte, estabeleceu-se no sculo XIII o hospital ou albergaria para peregrinos de S. Roque, que originar a criao da posteriormante designada rua Travessa. Pelo lado NO da Vila Baixa, estabelecia-se a ligao importante fortaleza pr-romnica de Lanhoso e, finalmente, a conexo com S.Torcato, Terras de Basto e Chaves seria ento assegurada atravs da j referida rua de St. Maria e pelo seu prolongamento setentrional, a rua do Castelo, sita j no interior da cerca romnica, aps o que o

percurso se dirigia, depois de passar por Meso Frio (referido em 1161), Ponte de Cavez, construda no sc. XIII. De referir no quadro da estrutura viria descrita, que a largura dos arruamentos que a constituiam, como em geral a de todas as ruas das cidades nacionais e estrangeiras contemporneas, poder aos nossos olhos ser considerado como

incompreensivelmente estreita. Todavia, este reduzido perfil transverssal resultava, naturalmente, do que a concepo espacial e as exigncias funcionais coevas consideravam como necessrio e suficiente em termos de uso urbano. Ser o aumento de trfego, resultante do posterior crescimento da cidade, nos scs. XIV e XV que, aliado construo de balces, passadios alpendres e sacadas nesses arruamentos, progressivamente os desadequaro das suas funes de circulao urbana. Naturalmente que o desenvolvimento econmico social do burgo monstico propiciou a progressiva urbanizao marginal da estrutura viria inaugural atrs descrita. Este factor justificou, por sua vez, o simultneo aparecimento de diversas igrejas e capelas para seu servio, definindo essa urbanizao marginal e estes edifcios religiosos os ncleos iniciais do ordenamento urbano da Vila Baixa. Assim, a progressiva edificao lateral aos troos iniciais dos caminhos que arrancavam do rossio fronteiro ao mosteiro de Sta. Maria da Oliveira e conduziam a Braga, s Terras de Basto e Chaves e a Viseu e Coimbra, daro origem ao primeiro ncelo urbano da vila baixa, datvel dos scs. X/XI. Por sua vez, a lenta urbanizao das margens das ruas que constituiam ento a sada para o Porto, justificando j a edificao ali, no primeiro quartel do sc. XIII, da Igreja de S. Paio e do Albergue de Nossa Senhora do Servio, originar a criao de um posterior eixo urbano datvel dos scs. XII/XIII. Simultaneamente, a construo ocorrida nas frentes das ruas que constituem a saida para Vila do Conde, propiciando a localizao no seu extremo oriental do Convento de S. Domingos, logo em 1271, e a edificao da Capela de S. Crispim, em 1315, a meio daquela estrutura viria, originaro a criao de um eixo urbano alternativo datvel tambm dos scs. XII/XIII. Finalmente a construo, em 1114, da Capela de S. Tiago, na vizinhana do percurso de sada para Braga, justificvel no quadro duma contempornea urbanizao envolvente, que poder ter sido a da primeira praa homnima, reformulada no sc. XVII, constituindo-se assim um quarto ncleo urbano, datvel tambm dos scs. XII/XIII.

Para alm da estrutura urbana atrs referida, raras parecem ser as notcias contemporneas acerca da existncia de arruamentos transverssais de interligao entre os seus diversos sectores, arruamentos esses que parecem ter surgido sobertudo j na Baixa Idade Mdia, face necessidade de criao de frentes urbanas alternativas que respondessem ao significativo aumento da populao da cidade ento ocorrido. Duas excepes convir todavia referir: a da rua de Alcobaa, que saindo da Rua da Ferraria na direco sul, garantia a acessibilidade do primitivo Convento de S. Francisco ao centro da cidade, prolongando-se depois na Rua da Mosqueira, j citada em 1294, que conduzia ao ento j provavelmente existente arrabalde dos Pelames, prosseguindo depois para S. Martinho do Campo e Negrelos, e a Rua Nova, documentada desde 1215, que interligava este percurso com os extremos urbanos dos eixos de saida para o Porto e para Lamego/Viseu e cujo traado, de forma convexa, poder ter definido a futura implantao local da muralha dionisina. De acrescentar que, na poca em apreo, por certo existiriam j, na rea envolvente da Vila Baixa, alguns arrabaldes minimamente urbanizados para alm do dos Pelames, sitos nomeadamente ao longo das veredas que garantiam as sadas para Vila do Conde (Rua dos Gatos), para o Porto (ruas da Caldeiroa e das Molianas), para Amarante e Lamego (Campo da Feira). Talvez este seja o mais antigo dentre eles, j povoado, segundo informa Maria de Ftima Falco Ferreira, em 1170. Por sua vez, e no que respeita urbanizao da Vila Alta, o seu ordenamento parece decorrer dos diversos equipamentos nela integrados: a cerca, o castelo e a Igreja de S. Miguel. A primeira tinha apenas duas portas, uma a sul, que estabelecia, atravs da rua de Sta. Maria, o contacto entre a Vila Alta e a Vila Baixa, e uma a norte, a nascente do castelo, que dava, como j atrs se referiu, sada para S. Torcato, Terras de Basto e Chaves. No interior do permetro amuralhado, as duas portas interligavam-se atravs da rua do Castelo, via estruturadora do ordenamento intramuros. A porta sul do castelo e o adro envolvente da Igreja de S. Miguel constituiriam, juntamente com ela, os elementos polarizadores da restante urbanizao, por certo efectuada a partir de ruelas que interligariam aquelas portas e adro com o arruamento. Este ordenamento, fruste e de dimenses inferiores ao contemporaneamente existente no burgo baixo, no ter, ao que parece, ocupado significativamente o diedro sul-poente da cerca, mais tarde terraplanado e preenchido com o Pao Ducal.

Mantendo notria importncia, pelas razes j aduzidas, at finais do sc.XIV, o burgo alto fortificado passar a partir de ento, e aps a edificao das muralhas dionisinas, a despovoar-se progressivamente, comeando entretanto a ser designado como "Cerca Velha ou "Vila Velha". Caso semelhante ocorreu no Porto, onde a segunda cerca de muralhas, englobando no seu circuito o primitivo burgo episcopal, conduziu a uma perda de importncia deste, embora no to acentuada como a ocorrida em Guimares, visto se concentrar a, ao contrrio do que acontecia nesta, toda a estrutura episcopal. Definida a evoluo do ordenamento urbanstico e arquitectnico vimaranense no perido em referncia, importar tambm tentar caracterizar, na medida do possvel, e para alm das construes mais significantes que se inseriram na malha urbana dos burgos nascentes - o mosteiro e pao real, as igrejas e capelas, a muralha e o castelo que, face ao seu protagonismo, se assumiram como elementos de excepo e referncia, as tipologias da habitao corrente contempornea, responsveis afinal, como em todas as pocas e cidades, pela definio e caracterizao maioritria do tecido urbano em formao. Trata-se, todavia, de uma tarefa ingrata e difcil, pois pouco ou nada parece perdurar dessa poca na urbanizao contempornea, se exceptuarmos, talvez, certas sobrevivncias de carcter estrutural, nomeadamente ao nvel do primitivo

parcelamento, ainda perceptveis em alguns sectores da rea urbana actual, correspondente aos burgos ento em formao. Para tal dificuldade contribuiram, no s as alteraes funcionais ocorridas no tecido habitacional ao longo de to dilatado lapso de tempo, como tambm a reduzida durabilidade deste tipo de construes, e ainda a ausncia de estudos arquitectnicos sobre a tipologia habitacional corrente poca, que permitam a compreenso de vestgios porventura existentes e a procura e entendimento de novos. De acrescentar, a este propsito, que a pouca informao disponvel at hoje sobre a habitao corrente, se baseia em documentao escrita, o que logo revela as suas limitaes, sendo ainda mais reduzido, neste contexto, o nosso conhecimento sobre outras edificaes urbanas contemporneas, as "tendas", as oficinas e os restantes espaos ligados produo, que tambm contribuiam para a definio e caracterizao da malha urbana em formao. Na poca em apreo, e do ponto de vista do parcelamento e edificao sucessivamente efectuados ao longo dos percursos que estruturaram os ncleos

urbanos em formao, parece poder assistir-se progressiva acentuao de construo habitacional estruturada de forma cerrada, pese embora ainda a permanncia de edificao ou edificaes isoladas em lotes autnomos e com uma irregular ordenao das frentes, na sequncia da primitiva tradio urbanstica medieval com provvel origem no parcelamento rural, que o andar dos tempos vir a fazer desaparecer. A economia de terreno urbano proporcionada por esse tipo de edificao, aliada s dificuldades construtivas contempornes e ao seu custo, explicar talvez, nesta fase de urbanizao nascente, a dispensabilidade do crescimento vertical das tipologias habitacionais contemporneas que, por isso, seriam dominantemente "terreiras", ou de um sobrado, sendo poca raras as casas com mais de dois pisos. De acrescentar, neste contexto, que as parcelas de terreno subjacentes edificao corrente parecem caracterizar-se j ento por uma acentuada desproporo entre as suas frentes e funduras, ultrapassando a profundidade das habitaes nelas implantadas mais do dobro ou at o triplo da sua largura. Do ponto de vista construtivo, as residncias de maior prestgio, como o pao anexo ao mosteiro e os outros paos, habitaes dos funcionrios reais, que vimos teriam existido no tecido urbano em formao, seriam numa primeira fase j executadas em cantaria de granito e cobertas com telha assente em estrutura de madeira, semelhana do que contemporaneamente sucedia com as referidas construes de representao urbana, possuindo j ento, talvez, frentes mais extensas do que as da habitao corrente. Mais tarde, a partir dos finais do sculo XII, acompanhando o que ento sucedia em Portugal e na Europa, pode ter surgido no espao urbano de Guimares a nova tipologia da casa-torre. No que respeita ao sistema construtivo da habitao corrente, e face inexistncia de informao local sobre o assunto, de supor que, similarmente a outras regies do Portugal medieval, os materiais perecveis, sobretudo a madeira, acompanhada pelo adobe, palha e barro, fossem os mais

utilizados. A sua cobertura seria executada em colmo, bastando, para garantir esta afirmao, lembrar que nos finais da Idade-Mdia se mantinham ainda nas ruas secundrias da vila inmeras construes colmaas, e que o uso da cobertura em telha s se tornou obrigatrio no incio do sc. XVII. Duas questes tero ainda e face falta de informao, que ficar em aberto: como seria a compartimentao interior e qual o desenho da fachada da tipologia habitacional corrente. A considerao da estreiteza dos lotes e o facto de as habitaes terem

apenas duas frentes e serem trreas poder conduzir-nos, no primeiro caso, pressuposio duma organizao interna rudimentar e pouco diferenciada e, no segundo, e como consequncia dessa compartimentao, a um alado elementar constitudo, em funo da frente do lote, por uma porta e um ou dois janelos ou frestas que assseguravam o acesso e iluminao do interior da habitao.

2 - A UNIFICAO GTICA DA CIDADE (Scs. XIV e XV)

Com a construo, no reinado de D. Dinis, da segunda cintura de muralhas englobando as Vilas Alta e Baixa, mais tarde completada por D. Joo I que a guarneceu com torres e ameias, a autonomia jurisdicional da primeira, bem como a cerca que a defendia deixaram de fazer sentido. Assim, nos finais do sculo XIV, D. Joo I ordenou a destruio da cerca alta, e a construo de uns primeiros Paos Municipais na Vila Baixa, doravante cabea nica do concelho de Guimares. Desconhece-se qual o seu aspecto, mas provavelmente seriam uma torre ameada, nos vrios sobrados da qual funcionavam as diferentes dependncias do Concelho. Facto similar ocorreu no Porto, onde o arrebalde de S. Pedro de Miragaia gozava de certa autonomia jurisdicional simbolizada pela existncia de um pelourinho, vindo a perd-la para a edilidade portuense, enquanto que, com a construo da muralha dita fernandina no sc. XIV a primitiva cerca romnica do sculo XII, que defendia a cidade episcopal do morro da Pena Ventosa perdeu relevncia. Por essa poca tambm, no burgo portuense, surgem as primeiras notcias de uns Paos do Concelho, junto S, smbolo da afirmao do poder concelhio laicizante face ao domnio senhorial da igreja. A edificao da nova cerca em Guimares respeita no seu traado as principais vias que para a vila confluiam e que permaneceram do perodo anterior, dando-lhes passagem atravs das diversas portas guarnecidas com fortes estruturas defensivas. Excepes so a Porta da Garrida a noroeste e da Freiria a nordeste, nos pontos de encontro da muralha dionisina com a cerca velha, que existiam concerteza para serventia das populaes da zona alta da povoao, para alm de permitirem contornar a Vila do Castelo, pelo exterior, em direco ao norte. A primeira dava acesso ao Campo de S. Salvador, onde se erguia a capela do mesmo nome, arrabalde da vila, e

a ela conduzia a rua da Infesta, troo superior da de Santa Maria. A segunda, onde chegava a rua do Sabugal que partia da rua da Infesta, para alm de permitir o vai-vm dirio das populaes que trabalhavam nas zonas agrcolas do exterior e interior da muralha, tambm facilitava a ligao zona dos Canos a norte do Castelo. A estrada de Braga, antiga via romana, atravessa a povoao no sentido NO - SE, dando origem no primeiro caso Porta de Santa Luzia ou de S. Bento, no segundo Porta do Postigo, a partir do sculo XV denominada Senhora da Guia, incio da estrada para Amarante, onde, segundo a lenda, S. Gonalo teria construdo a ponte do mesmo nome por volta de 1250. A possibilidade dessa travessia foi factor determinante para a expanso da povoao amarantina que j referida nas Inquiries de 1220. A via saa de Guimares pelo Campo da Feira e, antes de alcanar o Tmega, passava o Vizela em Riba Fria, na ponte de origem romana de Pombeiro. de notar que os dois mais conhecidos construtores de pontes medievais portugueses, S. Gonalo e S. Loureno Telmo, ambos dominicanos, esto ligados a Guimares, acentuando a sua condio de importante n virio entre o interior e a costa. O corpo de S. Loureno foi mesmo sepultado no Convento de S. Domingos, e a fora da sua pregao levou os vimarenenses a contribuir para a edificao da ponte de Cavez, lanada sobre o Tmega entre 1224 e 1264. Equipamento fundamental para o comrcio da vila, facilitava a sua circulao na estrada que, partindo da porta NO da Vila do Castelo, seguia at regio de Basto e Chaves, percorrendo o antigo concelho de Montelongo. Esta porta substituiu a primitiva, situada a oriente do castelo e que, quando dos trabalhos de remodelao a realizados por D. Dinis no incio do sculo XIV, foi encerrada. Outra via de grande importncia era defendida pela Porta da Piedade ou de S. Domingos. Esta era a porta nobre da vila, por onde os reis e outras dignidades faziam as suas entradas solenes em Guimares. A via, na continuidade do eixo formado intramuros pelas ruas Sapateira e dos Mercadores, foi consolidada no seu exterior e na rua de Gatos pelo incio da construo em 1323 do convento gtico de S. Domingos, na sua nvel implantao, depois de deslocado para oriente por ordem de D. Dinis, com a justificao de se encontrar muito prximo da cerca. Fazia a ligao a Vila do Conde, passando por Vila Nova, fundada em 1205 por D. Sancho I e a partir do sculo XIV conhecida pela sua designao actual de Vila Nova de Famalico. Vila Nova, na antiga Terra de Vermoim, como Guimares importante eixo virio, mas na estrada de Porto

a Braga, vai ter a sua sorte intimamente ligada ao trfego rodovirio entre Guimares e Vila do Conde. O porto do margem direita do Ave, que como os seus mulos na margem oposta Pindela e Azurara, teve acelarado desenvolvimento na Baixa Idade Mdia, era de vital importncia para o comrcio martimo de Guimares, sobretudo depois que, no reinado de D. Afonso II, Joo Peres da Maia realizou obras de desobstruo na sua barra e que, em 1318, foi fundado o convento feminino de Santa Clara. Contgua Porta da Piedade e a sul dela, a Porta de S. Paio ou Nova, que no interior da muralha tinha contguo o largo do mesmo nome, permitia a passagem da estrada que, atravs de Santo Tirso, onde se erguia o importante cenbio beneditino do mesmo nome, Burges e Negrelos, seguia at ao Porto. O grande desenvolvimento do comrcio de longa distncia verificado no burgo duriense a partir do sculo XIII e o consequente aumento de circulao rodoviria entre as duas povoaes, tornou, j em finais da Idade Mdia, indispensvel a edificao da ponte de S. Tom de Negrelos. O Castelo de Lanhoso, de origem pr-romnica, foi de grande importncia nos primrdios da nacionalidade, e uma das principais fortalezas no apoio das operaes militares da reconquista. Terminada esta, contudo, o castelo vai perder relevncia, desenvolvendo-se no seu sop a povoao que teve foral com D. Dinis em 1292 e se vai designar Pvoa de Lanhoso. A ela conduzia a via que partindo de Guimares, a NO da muralha, para a prosseguia depois de ultrapassar o Ave na ponte de Donim. Tambm construda nos finais da Idade Mdia, a sua edificao confirma a permanncia de um traado muito antigo. Para alm destas vias medievais, cuja importncia ultrapassava o simples mbito regional, outras existiam, de mais curto alcance, mas tambm importantes na organizao da muralha e da urbanizao da sua zona circundante. Sobretudo trs vale a pena mencionar: a que a partir das Portas da Garrida e da Freiria a ocidente e a oriente e de Santa Brbara a norte seguia pelos Canos at S. Torcato, importante centro de peregrinao, cujo templo conserva ainda vestgios que denotam a sua origem morabe; a que, saindo da Porta da Senhora da Guia, conduzia at Costa e ao convento do mesmo nome que, depois da sua fundao no sculo X, sofreu importantes obras de remodelao no sculo XII; finalmente, mais a sul, o trajecto que, saindo pela Porta da Torre Velha, passava junto a S. Francisco e aos Pelames, continuando at S. Martimho do Campo, onde ainda hoje existe uma ponte romana, e

Negrelos. Esta ltima reunia-se, depois, atrs mencionada que ligava ao Porto por Santo Tirso. Verifica-se assim, que em relao situao do perodo anterior, permanece e consolidada a rede viria que cruza Guimares. Essa permanncia, conjuntamente com a edificao da muralha que a respeitou, vai trazer desenvolvimentos no que respeita estruturao do tecido urbano, tanto no exterior como no interior da cerca. Esse processo desenrola-se, nos seus traos gerais, em continuidade com o da fase precedente, e nele se podem distinguir dois nveis. Um primeiro origina na zona intramuros o preenchimento pela malha urbana de grande parte do espao disponvel, consequncia da unificao das duas entidades distintas que constituiam as Vilas Alta e Baixa. Um outro nvel no respeita a barreira da muralha, avanando para o seu exterior ao longo das principais vias que ultrapassam as portas. Importante , porm, referir que nos dois casos, o antigo traado virio formou a base em torno da qual se estruturou toda a envolvente urbana. No interior da muralha e Vila Baixa, trs grandes zonas de desenvolvimento urbano so distinguveis. Uma primeira delimitada a norte pelo eixo rua Sapateira rua dos Mercadores, a sul pela rua Nova do Muro, antiga rua Nova, a oriente pela Praa da Oliveira e Senhora da Guia e a ocidente pelo pano de muro entre as portas de S. Domingos e de S. Paio. A segunda forma um tringulo com a sua base na rua Sapateira e delimitado a oeste pelo trecho da muralha e eixo rua das Flores - rua de Val de Donas, a leste pelo eixo rua Escura - rua dos Fornos. A terceira e ltima tambm forma um tringulo, com base na margem norte da praa de Santiago e lados desenhados, a oeste pelo j referido eixo rua Escura - Rua dos Fornos e sua continuao pela rua do Gado, a leste pelo eixo rua de Santa Maria - rua da Infesta. De fora ficam toda a zona dentro de muralhas que no era preenchida por malha habitacional, constituda por zona agrcola, a NO e E desta ltima diviso, e o espao central das praas de Santa Maria da Oliveira e S. Tiago com o conjunto da Colegiada, ncleo do burgo cannico que gerou toda a urbanizao envolvente, e onde se situava o grupo de edificaes que, atravs da Idade Mdia, preservaram a matriz da cidade clssica: o templo, que em 1387 viu o incio da transformao gtica, a stoa, representada no claustro, o mercado, a praa, o palcio, o monumento comemorativo. Em toda esta zona no se verificaram alteraes de vulto em relao situao anterior, e a excepo foi j referida: a criao, na zona de influncia do templo da

Colegiada, entre a praa de Santa Maria e a de S. Tiago, de uns Paos do Concelho, esquema que um pouco por toda a Europa, e em Porugal tambm, caso do vizinho Porto, se repetiu na Baixa Idade Mdia. Corresponde primeira zona acima referida, aquela que, posteriormente ao ncleo gerador, foi imediatamente urbanizada, da o conjunto labrntico de ruas estreitas, ruelas, vielas sem sada, atravancadas na poca com alpendres, tabuleiros e balces, indefinindo os limites entre espao pblico e privado. A muralha respeitou a sua organizao, delimitando-a a sul paralelamente rua Nova, a oeste da mesma maneira, correndo ao longo da rua de Arrochela, ambas anteriores sua construo. Entre aquela, depois da realizao da cerca apelidada de rua Nova do Muro, e o eixo referido a norte constituido pelas ruas dos Mercadores e da Sapateira, o ddalo apertou-se, libertando algumas vias mais definidoras entre os limites sul e norte: a Alcobaa e Ferrarias, a rua Nonais ou Donaes, o largo da Tulha, que se assume como praa de passagem, a rua do Trespo. A oeste, o largo de S. Paio organiza-se em torno da paroquial do mesmo nome, existente j em 1216, a que a igreja e a proximidade da porta asseguravam a importncia. Praas ou rossios idnticos desenvolveram-se na poca em outras povoaes e do mesmo modo, dispondo-se intra-muros junto a entradas importantes, caso por exemplo da praa do Olival no Porto. No deixa de ser curioso que todo este conjunto vire de certa maneira as costas ao largo de Santa Maria, onde se erguia a Colegiada, marcando uma distanciao entre a cidade mercantil e dos mesteres e o poderio clerical simbolizado por Santa Maria da Oliveira. Correspondendo ao segundo nvel atrs enunciado, encontra-se no exterior do trecho de muralha que cerca esta rea, e na continuidade de alguns dos seus eixos principais, a maior parte dos aglomerados urbanos fora de muros genericamente apelidados de arrabaldes. Nalguns casos so oriundos j do perodo anterior, pr-existentes portanto cerca, cujo traado vai ter como consequncia, na zona contgua ao seu exterior, o novo evento urbanstico da formao de campos e terreiros. O Convento de S. Francisco foi deslocado, em 1325 e pelas mesmas razes que o de S. Domingos, para a posio que actualmente ocupa. Embora o novo cenbio s se tenha iniciado em 1400, originou a existncia de um amplo espao entre a sua fachada lateral norte e a cerca. Dadas as difceis condies topogrficas desse terreno, com grande desnvel, essa sua implantao no ter dado origem formao de um terreiro na zona que se vir a chamar das Carvalhas de S. Francisco, sendo de supor que

apenas num reduzido espao frente ao templo se tenha aberto um rossio. Duas vias, contudo, vo delimitar desde logo a sua rea futura. Uma delas, a rua de Trs-o-Muro, tinha origem junto Porta da Senhora da Guia, correndo num primeiro momento paralelamente muralha e do seu lado exterior, da talvez a sua designao, descendo depois at ao largo frente a S. Francisco. Segundo Joo de Meira, ela datar dos fins do sculo XIV, incios do XV, posterior portanto existncia da cerca e mudana de localizao do convento. Trata-se, sem dvida, de uma artria que fazia a ligao entre este e o centro da vila, sendo de supor que, no fim do sculo XV, j estivesse, pelo menos em parte, urbanizada. Frente mesma porta de que lateralmente partia, um largo ou rossio se formou, originado pelo cruzamento de vias que para a confluiam. Para alm da referida rua de Trs-do-Muro, a estrada que seguia para Amarante alargou-se a, dando assim expresso ao chamado Campo da Feira, onde desde cedo se formou um arrabalde, j povoado em 1170. Tambm da mesma porta partia o caminho que, passando pela Hortas, conduzia ao Mosteiro de S. Martinho da Costa, via de assinalvel importncia no futuro desenvolvimento urbano da zona. A outra rua, pr-existente muralha, a Mosqueira, referida por Joo de Meira e Eduardo de Almeida, que passando pelo local onde vai existir mais tarde a Porta da Torre Velha, deu origem estrada j referida que seguia, ultrapassado o rio de Couros, para Negrelos. No seu extremo Sul desenvolveu-se, junto ao rio, o ncleo industrial dos Pelames, o mais importante da vila medieval. possvel que j existisse no perodo anterior, mas cresceu a partir do sculo XIV, quando o traado inferior da rua se passou a designar de Couros, ncleo estruturante do arrabalde do mesmo nome, onde os sapateiros, surradores e curtidores que trabalhavam nos pelames edificaram as suas habitaes. Na criao deste arrabalde, dois aspectos importantes so de reter: a aproximao da povoao do rio (no Porto, em Braga, sucedeu o mesmo e pela mesma poca), e o tipo de urbanizao a levado a cabo, semelhante ao existente na zona baixa intra-muros, labirntico e no planeado. Trata-se de uma maneira de pensar o tecido urbano que caracterstica de um determinado perodo histrico, mais do que resultado de uma qualquer condicionante fsica, neste caso uma pretensa falta de espao que teria provocado esse desordenado acumular urbano intra-muros. Essa falta de espao, na verdade, no existia, e as duas outras zonas-tipo de desenvolvimento urbano no interior da cerca so disso prova, a coexistindo manchas urbanas com amplas reas agrcolas e logradouros da malha habitacional.

Para oriente, a outra direco de expanso da zona da Vila Baixa de que estamos a tratar, e devido a condies topogrficas mais favorveis, de doce declive junto ao exterior da muralha estabilizou-se, entre as portas de S. Domingos e S. Paio, o campo que no sculo XVI se vai designar do Toural, delimitado nas suas extremidades norte pela estrada que partia para Vila do Conde, atravs da rua de Gatos e a sul pela que conduzia ao Porto, pela antiga rua da Caldeiroa e das Molianas. A habitao disps-se em frentes urbanas ao longo destas artrias, enquanto que a edificao do Convento de S. Domingos e da sua cerca, no primeiro quartel do sculo XIV, estabilizaram, como referido, a margem norte da rua de Gatos. D. Joo I, quando em 1387 cumpriu a promessa feita a Santa Maria da Oliveira pela vitria em Aljubarrota, partiu descalo de S. Lzaro, seguindo, pela rua de Gatos, at ao centro da cidade. O episdio elucida-nos sobre a importncia da via no acesso a Guimares, e ainda sobre o que provavelmente era considerado, poca, o seu limite urbano. A segunda zona delimitada corresponde a uma fase mais tardia de afirmao urbana, j posterior edificao da cerca, podendo considerar-se de transio. Embora as primeiras referncias rua da Forja, antiga das Flores, sejam anteriores (1202) tal facto explica-se por se tratar do desenvolvimento natural para norte do eixo iniciado pela antiga rua da Arrochela, depois de ultrapassada a rua dos Mercadores. Contudo, a sua continuidade efectua-se atravs da rua de Val de Donas, paralela muralha, na sua origem provavelmente um corredor de circulao para homens e material blico, que s aparece referida em 1359. Juntamente com esta artria, trs outras estruturam toda a zona e condicionam a sua malha urbana. Na sua base, o pr-existente conjunto Mercadores-Sapateira, sobre o qual toda malha j tendencialmente ortogonal se vai apoiar. Paralela a este, para norte, a rua da Judiaria, que depois da expulso dos judeus por D. Manuel I, em 1496, num proceeso de branqueamento similar ao ocorrido um pouco por todo o pas, se passou a chamar rua do Espirto Santo. A Judiaria tinha sido fundada em 1370, quando os judeus foram confinados a um gueto com sinagoga e forno privativo. Aqui, como em outras localidades pela mesma poca, as ruas das Judiarias possuem caractersticas rectilneas e organizadoras de todo o espao involvente; caso paradigmtico o da Judiaria do Olival no Porto, criada em 1386. O terceiro grande vector da zona, e que a limita, a leste, perpendicularmente rua da Judiaria, tem a sua origem fora da muralha, na estrada de Negrelos e rua de Couros, antiga Mosqueira, prosseguindo depois no seu interior com o eixo Alcobaa-

Ferreiros. A partir da, e depois de ultrapassada a rua Sapateira, prolonga-se para norte atravs da continuidade rua Escura - rua dos Fornos - rua do Gado. A rua Escura data j do sculo XV, enquanto que da rua do Gado abaixo do termo do castelo existem notcias anteriores, desde 1344. Partindo da informao fornecida por Maria de Ftima Falco Ferreira de que na Rua Escura moravam muitos habitantes ligados ao Duque de Bragana, pode-se colocar a hiptese de que ele tenha estado na origem da sua abertura, articulando-a com a da Judiaria. O tringulo assim formado preenchido por trs grandes quarteires, o mais elevado dos quais, e de menores dimenses, obstrui a zona interior da porta de santa Luzia, o que levou a que vrios pequenos rossios se espraiassem pelos seus flancos. No exterior da porta formou-se um terreiro que, provavelmente, se prolongou para sul, junto muralha, at alcanar a Porta de S. Domingos, para norte partindo da a estrada que conduzia a Lanhoso. Ao longo da estrada de Braga, e at alcanar a Capela de Santa Luzia, a populao foi-se fixando, sendo de crer que, no final do sculo XIV, a habitao se organizasse j a em duas frentes contnuas, correspondentes s duas margens da estrada. O eixo rua de Couros-rua do Gado, completado no sculo XV com a rua Escura, constituia nesse troo a charneira entre a zona anterior e uma terceira, limitada a leste pela rua de Santa Maria. Apartada de qualquer via de atravessamento importante, foi concerteza a derradeira das trs a ser urbanizada, exceptuando as sua margens sul e leste, respectivamente Santiago e Santa Maria. Apenas dois grandes quarteires a constituem, separados pela horizontal da viela dos Laranjais e, no seu interior, permaneceram grandes logradouros habitacionais, os de maior rea da vila intra-muros. A leste e oeste, grandes reas agrcolas separam-nos da cerca, sobretudo, a oriente, nas designadas Hortas de Maoulas. No vrtice deste ltimo tringulo uniam-se as ruas da Infesta, que se autonomiza a partir do incio do sculo XV, e do Gado, formando a do Castelo que, atravessando a Vila Alta, saa depois pela Porta de Santa Brbara, esquerda da fortaleza. A rua do Castelo tarnsformou-se na mais importante da cerca velha, e uma outra existiu antes dela, com uma orientao ligeiramente diferente, pois conduzia ao primitivo local da porta, a oriente do Castelo. Como foi referido, as transformaes gticas a operadas levaram ao seu encerramento e, com a deslocao para oriente da porta e da rua, toda a zona a ocidente da Igreja de S. Miguel perdeu importncia urbana. Este facto, aliado ao despovoamento que, a partir dos finais do sculo XIV, se verificou na Vila Alta, pode

explicar a possibilidade de implantao a, no inicio do sculo XV, do enorme volumetria do Pao dos Duques. Sinal da enorme vontade de afirmao de um

bastardo poderoso, o primeiro Duque de Bragana D. Afonso, o pao no teve, porm, qualquer consequncia em termos de criao urbana. O despovoamento da zona prosseguiu, e o palcio, com D. Joo II e o regresso de uma forte poltica de centralismo real por um momento interrompida no reinado de D. Afonso V, transformouse a partir do sculo XVI numa bela runa para admirao dos vindouros. Em finais do sculo XVI, quando da construo da Igreja da Misericrdia, os confrades pediram para utilizar na sua edificao a pedra de uma parede existente junto ao rossio da Porta da Garrida : ...dentro dos muros da dita villa no recio que est da banda de dentro da porta da Garrida.... A populao j tinha derrubado parte dessa parede, ...de que se fes hum pedao de callada e pera tornarem a servir serventias que antes que ella fose feita se servio.... A pedra com que fora feito o muro pertencendo a ... huma torre que se desfez antigamente.... Este conjunto de informaes coincide com a indicao de Francisco Xavier da Serra Craesbeck, que nos diz ter o Duque D. Fernado II, executado em 1482 por D. Joo II, mandado derrubar uma das torres que estava para a porta da Garrida e, com a pedra dela, edificado uma cerca desde os paos at torre junto da mesma porta. A cerca assim construda vedava quase por completo o acesso antiga Vila do Castelo e s deve ter sido possvel por, j nos finais do sculo XV, essa zona estar bastante deprimida, no contribuindo tambm para a sua revitalizao, pois as populaes provenientes da Vila Baixa, para alcanar a zona do castelo e as estradas que para norte seguiam, tinham que contorn-la pelo exterior das muralhas. Entre o Pao dos Duques e a Igreja de Santa Maria da Oliveira, existiu o projecto de abertura de uma rua, atravs das Hortas de Maoulas e do lugar de Maaricas, que nunca chegou a ser executado. Foi seu autor, em 1481,o mesmo Duque D. Fernando II, e o seu carcter premonitrio no pode deixar de ser realado. Na verdade, em datas posteriores, D. Diogo de Sousa em Braga e o bispo D. Pedro da Costa no Porto, este j nos finais do primeiro quartel do sculo XVI, vo executar projectos semelhantes de abertura de arruamentos nas respectivas cidades, dentro de uma prepectiva j renascentista de renovao do velho tecido urbano medieval. Sobretudo a abertura da rua das Flores no Porto, apresenta pontos de contacto evidentes, pois foi rasgada atravs de uma rea intra-muros que conservava intactas as suas caractersticas

agrcolas, entre a muralha e o convento de S. Domingos, designada tambm por Hortas. A importncia dessa projectada artria para o desenvolvimento urbano na direco oriental da Vila era enorme, pois seria um primeiro passo para o rompimento da barreira formada pelas hortas de Maoulas que a ele eram um obstculo. No se tendo realizado, s no sculo XX essa zona vai ser urbanizada. Segundo informa Maria de Ftima Falco Ferreira, a edificao de habitaes no novo arruamento seria regulamentada a eitoajuntando casa com outra e a outra com a outra sem nenhum intervalo. A informao pode-nos ajudar a compreender o culminar de um processo que rompe com a tradio medieval da tipologia da casa que no sendo disposta a eito cria uma frente urbana descontnua e irregular, de salincias, intervalos e reentrncia vrias que escapam a qualquer lgica planeadora e originam o labirinto observvel na vila baixa entre as ruas dos Mercadores-Sapateira e Nova do Muro. As habitaes criam o seu prprio espao, no esto subordinadas a ele, o que implicava tambm grandes diferenciaes nas reas e formas dos lotes urbanos, muitas vezes resultado de um pr-existente parcelamento rural. Tambm aqui se verifica uma permanncia das tipologias do perodo anterior, no se podendo falar de um corte brusco, antes de um gradual processo evolutivo que, no caso de Guimares ter decorrido desde finais do sculo XIV, com incio nos arruamentos acima referidos da Judiaria e rua Escura. Deste conjunto habitacional sobressaiam algumas tipologias isoladas, como as casas-torre, que surgem em Portugal, semelhana do que sucedeu no resto da Europa, em finais do sculo XII. Na sua origem eram residncias rurais das linhagens secundrias da nobreza, e em Guimares existiam vrios exemplares, restando apenas um, muito alterado, na antiga rua Sapateira. Utilizando materiais ptreos,

diferenciavam-se do restante casario por essa caracterstica, ainda pelo emprego de ameias e pela sua altura, j que aquele, a um nvel mais baixo, terreiro ou sobradado (de um ou dois pisos) utilizava predominantemente na sua feitura outros materiais mais baratos e acessveis como a madeira ou tavoado e, a partir dos sculos XIV/XV a taypa. A disposio das casas-torre de que temos notcia, no tecido urbano da vila tambm elucidativa: encontram-se sobretudo concentradas na rea de urbanizao mais antiga, ao longo do eixo Sapateira-Mercadores-Santa Maria, o mais importante do burgo, e nas suas proximidades. A tipologia das torres vai permanecer ao longo dos

sculos XVI e mesmo XVII, mas j associadas a um conjunto habitacional. A Casa dos Laranjais com a sua torre seiscentista so, em Guimares, um excelente exemplo dessa permanncia. A partir do sculo XV verificou-se em Portugal uma intensificao da edificao de Paos, sobretudo urbanos, para habitao da nobreza. Em Guimares existe o mais sumptuoso do norte do pas, o Pao dos Duques, e nas proximidades, em Barcelos, outro exemplar notvel chegou at ns, o dos Condes de Barcelos. Assim, e provavelmente influenciado pela presena imponente do palcio do Duque de Bagana de quem era fidalgo, Ferno de Sousa mandou construir em finais do sculo XV na rua de Santa Maria os seus paos, usando como material a pedra, smbolo da nobreza do seu possuidor. De um s sobrado, ocupavam as duas margens da rua e, sobre esta, lanou-se o arco ou balco que ligava as duas alas da residncia, estrutura essa com tradio em Guimares e noutras povoaes medievais portuguesas. Essas construes, contudo, nem sempre eram apropriaes do espao pblico como geralmente se afirma, pois tinham que pagar foro pelo ar que ocupavam. Esse ar era calculado a partir da mesma superfcie do cho na vertical do qual se encontrava a estrutura, recebendo o proprietrio do cho o foro. Neste caso, tratando-se de uma rua pblica, pagaria provavelmente renda ao Concelho. Neste perodo mantm-se a importncia de Guimares como eixo virio, existindo contudo uma tendncia para a consolidao de ligaes de curto alcance entre povoaes vizinhas, em detrimento do tipo de vias que ainda em grande parte da fase antecedente a uniam a centros mais afastados. Este facto fica-se tambm a dever ao crescente protagonismo de povoaes antigas como Vila do Conde, mais recentes como Amarante, ou fundao de novas, caso de Vila Nova de Famalico. A rede viria continua a ser de fundamental importncia no formao do tecido urbano da vila dentro e fora da muralha que vai unificar os seus dois plos, a Vila Alta ou do Castelo e a Vila Baixa. A, junto ao ncleo inicial da urbe cannica em torno da Colegiada, organiza-se uma prspera povoao de mercadores e mesteirais, que ter completado o seu ciclo de desenvolvimento urbano por volta do incio do sculo XIV. Acima desta, ainda dentro do permetro amuralhado, desenvolve-se, a partir de finais de Trezentos e em direco Vila do Castelo que entretanto perdeu relevncia, uma malha urbana de carcter mais ortogonal, em que so marcos importantes as ruas da Judiaria e Escura. Todo este movimento acompanhado por uma laicizao do espao

urbano, de que a construo do Pao Municipal em finais do sculo XIV uma importante baliza, outras edificaes gticas, como o Pao dos Duques no apresentando as memas solues de continuidade em termos de criao urbana. Tambm dentro das tipologias habitacionais se verifica uma permanncia de modelos anteriores, embora a criao de novas ruas traga consigo uma tendncia para uma normalizao dos lotes e das moradas de casas. De referir que para isso tambm devem ter contribudo os aglomerados urbanos fora de muros, ou arrabaldes. A, e quando disposta ao longo de vias importantes a habitao foi-se estruturando em frentes urbanas mais ou menores regulares, ressalvando o caso excepcional da zona de Couros. Algumas novas tipologias urbanas, para alm da muralha e do caso excepcional do Pao dos Duques, fazem contudo a sua apario neste perodo: a casa nobre, de que exemplo a Casa do Arco, os Paos do Concelho, e os terreiros ou campos no exterior das muralhas e com origem nas suas portas. Algumas casas-torre podem ser de origem anterior a esta fase, mas o seu desaparecimento e a ausncia de testemunhos documentais no o permite afirmar com absoluta certeza.

3 - A QUALIFICAO RENASCENTISTA, MANEIRISTA E BARROCA DA CIDADE ( Sc. XVI a meados do Sc. XVIII )

No incio do sculo XVI, D. Diogo Pinheiro, Prior da Colegiada desde 1503, efectuou grandes obras no templo gtico de Santa Maria da Oliveira, edificando a torre sineira manuelina e alterando profundamente a estrutura do claustro medieval. Na segunda metade do sculo XVIII, em 1769, o bracarense Andr Soares apresentou uma nova traa rocc para a Igreja do Senhor dos Passos, cuja fbrica se arrastava desde o incio da centria, e que por sua vez substituira uma capela edificada no mesmo local em finais do sculo XVI. Poucos anos antes, em 1754, o Reverendo Rodrigo de Sousa Lobo contratara a construo de uma nova fachada, tambm rocaille, para a sua casa da rua Sapateira. Estes dois eventos correspondem afirmao de um novo gosto, fechando assim o ciclo iniciado dois sculos e meio antes e que designamos por Qualificao renascentista, maneirista e barroca da cidade. Em ambos os momentos se actuou sobre edifcios pr-existentes, priveligiando a continuidade rutura. A evoluo processou-se atravs de um repensar das matrizes e,

certamente no por coincidncia, esses importantes marcos situam-se ao longo dos eixos fundadores e geradores de toda a envolvente urbana. Assim, as principais linhas de desenvolvimento conserva-se inalteradas, centradas na rede viria, mas produzindo novos acontecimentos urbansticos ao longo do seu percurso, numa primeira fase que se pode designar de renascentista e maneirista dentro de muros ou na sua imediata proximidade, numa segunda, j barroca, em que se deu a expanso para alm dos limites urbanos. O Padro de S. Lzaro, junto capela do mesmo nome, o monumento renascentista mais significativo da vila. A sua implantao junto de uma das mais importantes vias comerciais que servem Guimares, a estrada de Vila do Conde,

continuou a marcar o limite urbano nessa zona. O porto do Ave atravessava ento o seu perodo ureo, e o padro, na renascentista pureza arquitectnica da sua cpula com grandes afinidades ao farol de S. Miguel o Anjo, construdo em 1528 por Francisco de Cremona na Foz do Douro, pode ser visto, para alm do seu valor comemorativo, como um marco simblico da importncia das ligaes costa, incrementadas pelo desenvolvimento do trfego martimo em poca de Descobrimentos. Vias priveligiadas para a difuso das novas ideias, riquezas, e estilos, a implantao do monumento junto a uma delas um sinal afirmativo da importncia de Guimares como entreposto comercial entre os dois portos que a servem e o interior. Um pouco mais antiga, datvel do primeiro quartel do sculo XVI, a nova torre sineira manuelina da Colegiada a obra de um poderoso senhor eclesistico. Imediatamente a seguir ao incio da sua construo em 1515, os edis viamarenenses queixam-se ao rei de que o Pao do Concelho era o pior do reino e muito desbaratado. Existia desde a poca de D. Joo I, em posio lateral entre as duas mais notveis praas da cidade, a de Santa Maria e a de S. Tiago e, semelhana do que acontecia em outras povoaes vizinhas como o Porto e Amarante seria uma simples torre. Os trabalhos do novo pao iniciaram-se rapidamente, mas s decorrido mais de um sculo sero concludos. O resultado ainda hoje nos surpreende pela sua notvel relao com o espao envolvente. Os paos alpendrados, permitindo a circulao entre as duas praas so um facto novo e de grande significado em termos urbanos, pois articulam entre si os dois polos cvicos e econmicos de Guimares. A construo de edifcios municipais porticados teve grande desenvolvimento na poca e em povoaes prximas, casos de Braga com D. Diogo de Sousa e Viana do Castelo,

mas ocupando posies laterais a praas, e sem o acentuado carcter regulador dos Paos do Concelho vimarenenses. Depois da sua concluso, nos incio do sculo XVII, impunha-se a normalizao da praa que a norte lhe ficava adjacente, a de S. Tiago, sendo a realizadas obras de renovao e demolio de alguns edifcios adossados primitiva capela romnica, de que pouco sabemos, a no ser que tinha uma ...torre que estava sobre a porta principal.... O templo, dado o seu estado de runa eminente, acabou por ser substitudo por um novo, alpendrado, que perdurou at ao sculo XIX. A praa deveria ser boa e larga para se vender o peixe e fazerem boticas para as peixeiras, obra muito importante e necessria para o bem desta vila por a praa que agora h ser pequena e estar o po e a fruta misturados com o peixe.... Na sequncia dos trabalhos, os aougues que a se encontravam foram deslocados para uma nova situao, no extremo da rua Nova do Muro, que a partir da e nesse trecho se passa a designar dos Aougues. Uma aliana oligrquica entre a burguesia enriquecida pelo comrcio e por vezes nobilitada, e uma aristocracia que, embora ciosa dos seus pergaminhos, no desdenhava os proventos mercantis, regia os destinos da edilidade, e ambas edificaram para sua morada tipologias habitacionais especficas, a segunda adaptando em alguns casos modelos oriundos do perodo anterior, como as casas-torre, dandolhes nova expresso ainda no sculo XVI. dada maior ateno s condies de conforto dos moradores, que construiram junto dessas torres, que so mantidas como smbolo de nobreza, estruturas habitacionais. A instituio de vrias capelas na Colegiada, no dealbar do sculo XVI, e a remodelao de outras j existentes, um inequvoco sinal de desafogo econmico. Entre os instituidores esto membros da emergente classe de mecadores nobilitados, caso de Joo Lopes Ramada e da capela de Santa Catarina Mrtir. Juntamente com as capelas e por vezes a elas associadas, surgiram uma srie de casas nobres, com antecedentes prximos na Casa do Arco, edificada em finais do sculo anterior por Ferno de Sousa na rua de Santa Maria. Para alm da casa nobre com torre, na rea urbana de Guimares exemplificada, embora tardiamente, pela j seiscentista casa dos Laranjais, ou pela desaparecida casa-torre dos Almadas, no largo da Tulha, de que s chegou at hoje o conjunto habitacional, outras existiram. Com as frontarias cuidadosamente aparelhadas em cantaria de granito, pelas suas dimenses relativamente pequenas obedecem a uma

regularizao do loteamento urbano com o consequente nivelamento da linha das frentes e alturas (piso trreo e um ou dois sobrados). O fachadismo um fenmeno renascentista, e as frontarias so, portanto, especialmente cuidadas, quer pela oposio de pedras de armas, omni-presentes a partir do sculo XVI, quer pela ateno posta na decorao das aberturas e na j referida cantaria cuidadosamente aparelhada. A casa burguesa, do mercador rico e do oficial, que muitas vezes, caso do mestre pedreiro Joo Lopes de Amorim, tambm nobilitado, pertence a um estrato social que agora dispe tambm dos meios para utilizar o granito nas suas habitaes. No restante conjunto habitacional, que contiua a constituir a grande maioria do tecido urbano, a madeira e a taipa, assentando sobre o piso trreo em pedra, permaneceram durante todo o sculo XVI os materiais mais utilizados e, durante esse perodo, as tpicas casas de ressalto devem ter-se multiplicado. Ao nvel das coberturas, o colmo continuou a ser o material usado em muitas habitaes, pois data de 1605 uma j referida resoluo da Cmara determinando que as casas colmadas da vila e arredores passassem a ser cobertas de telha. As Misericrdias do Porto e Braga construiram as suas Casas de Despacho e respectivas templos a partir de meados do sculo XVI, e ambas estiveram provisoriamente instaladas, antes disso, nos claustros das Ss respectivas; o mesmo sucedeu com a de Guimares, fundada na Colegiada, na Capela de S. Brs. Nos finais do sculo, contudo, dado o carcter laico da confraria, o seu desenvolvimento, e a pequenez das instalaes na crasta de Santa Maria da Oliveira, impunha-se a sua mudana. Edificada numa antiga e principal rua de Guimares, a dos Mercadores, junto Porta de S. Domingos, a sede da Misericrdia, iniciada em 1588 com a construo do templo de nave nica e fachada retbulo de influncia flamenga, deu origem ao rasgar de uma praa nobre, a partir do segundo quartel do sculo XVII. A praa ou terreiro obrigou a trabalhos prolongados de demolio do miolo construdo entre as ruas medievais das Flores, a ocidente, do Serralho, a oriente, dos Mercadores, a sul e da Judiaria, a norte, ficando assim limitada na sua totalidade por traados de origem medieval e, rapidamente, foi adoptada pela elite vimarenense para construo das suas habitaes. Existiam precedentes, a j referida de S. Tiago, uma regularizao de um espao de grande tradio e carga simblica, e o terreiro aberto na rua de Santa Maria, na sequncia da fundao do Convento de Santa Clara pelo Cnego Baltazar de

Andrade em 1553, mas esse terreiro ou rossio, simples alargar de uma rua prexistente, no teve, at ao sculo XVIII, quando da transformao barroca do cenbio, a expresso de uma praa nobre. Para alm disso, a construo do convento, na zona das Hortas de Maoulas, prolongou e acentuou uma situao originria do perodo anterior, e a barreira a formada pelo largo espao agrcola entre a rua de Santa Maria e a muralha continuou a obstar ao desenvolvimento urbano para oriente. Para ocidente do terreiro da Misericrdia, ultrapassada a Porta Nobre, outra praa se encontra j plenamente estruturada no sculo XVII. Desde o sculo anterior realizavamse a espectculos teatrais e corridas de touros e o seu espao foi nobilitado com a construo de um chafariz em 1583 no seu extremo sul. Juntamente com o cruzeiro seiscentista existente a norte delimitava a praa e a sua implantao isenta, no adossada a qualquer estrutura, um facto urbano novo. Encontrava-se num ponto de convergncia entre a Porta de S. Paio a oriente, do largo do Toural a norte, da rua das Molianas a ocidente e do terreiro de S. Sebastio, que a edificao desta paroquial em 1570 ajudara a consolidar, a sul. De qualquer desses locais era visvel a certa distncia e essa possibilidade faz dele o primeiro elemento urbano vimarenense a utilizar as regras de perspectiva preconizados pelo renascimento italiano. Diferencia-se assim profundamente do monumento medieval, exemplificado pelo padro da Oliveira, s perceptvel a curta distncia, depois do observador ter desembocado na praa. A existncia dessa organizao presptica, pressupunha a existncia a sul e sudoeste, de um prolongamento do Toural, ao longo da muralha, avanando para a zona das Carvalhas de S. Francisco. Esse novo terreiro, ou campo foi consolidado pela edificao a, frente actual Torre da Alfndega, da Igreja Paroquial de S. Sebastio em 1570. A sua necessidade deveu-se ao aumento populacional da zona e continuio do desenvolvimento urbano para sul. O problema colocado pelas dificuldades topogrficas do espao, dado o grande desnvel existente entre a muralha e S. Francisco, foi em parte resolvido com a construo de um muro de conteno frente embocadura da rua de Couros, sobre o qual foi em 1588, segundo nos informa Craesbeck, colocado o pelourinho. O terreiro ficou assim delimitado, mas teve como consequncia posterior o interromper da relao entre a cidade e o arrabalde de Couros, designado pelo Padre Torcato Peixoto de Azevedo em 1693 de burgo: ...para baixo do Pelourinho est um burgo a que chamam rua de Couros pela fbrica deles que nele est e tem trs ruas - uma de S. Francisco, outra de Couros e outra rio

de Couros. Para oriente, junto antiga rua de Trs-o-Muro edificou-se, j no sculo XVII, o hospital e igreja de S. Dmaso que, talvez por razes relacionadas com divises de propriedade, voltaram as costas ao terreiro, mas em contrapartida normalizando, para quem vinha da Porta da Senhora da Guia pela rua designada de S. Dmaso, o acesso ao Convento de S. Francisco Nos finais de Seiscentos, e culminando um processo iniciado na centria anterior, todo o espao entre as Portas de S. Domingos e da Senhora da Guia estava unificado num vasto campo, com prolongamentos de menor expresso para NO, alcanando a Porta de Santa Luzia, corredor esse em que provavelmente se comeava ento a definir uma frente urbana paralela cerca, e SE, at atingir a Capela de Santa Cruz, edificada frente Porta da Freiria em 1639. A existia, no dizer do Padre Torcato Peixoto de Azevedo um outro burgo designado de Santa Cruz, o qual tomou o nome da capela desta dedicao... Abaixo dessa zona, o medieval Campo da Feira foi estabilizado, em finais de Quinhentos, pela fundao no seu extremo sul da igreja de Nossa Senhora da Conceio. Facilitando o acesso ao templo, uma ponte de pedra foi construda em 1652 sobre a ribeira de Couros, e no mesmo ano, no extremo oposto da cidade, levantou-se a de Santa Luzia sobre o Selho. A construo destes dois equipamentos indicia o cuidado posto pelas vereaes no melhoramento da rede viria das proximidades da Vila. A preocupao com o calamento das ruas, desgastadas pelo contnuo aumento do trfego entre a povoao e os arrabaldes ao longo de todo o sculo XVII, reveladora das reas de maior desenvolvimento urbano. Algumas delas foram mesmo construdas de novo, como a que em 1636 ligou ao Mosteiro da Costa, a que em 1664 uniu o Campo da Feira a S. Roque. Reveladora da importncia da ligao zona da Costa, em que durante o sculo XVI e durante um curto perodo tinha funcionado uma Universidade, em 1665 foi executada uma nova calada, partindo da zona do Fato, a nascente da Vila. Recorrendo de novo s Memrias do Padre Torcato obtemos a indicao de que a existia um terceiro burgo: e entre esta rua (do Fato) e a vila est a rua da Carrapatosa que d serventia ao mesmo mosteiro (da Costa) e a pegado est o burgo da Rapa... Para alm dos casos mais bvios de calamento de ruas e praas na zona baixa da povoao dentro de muros, casos da praa do Olival, rua Sapateira, S. Paio, rua Nova do Muro e S. Tiago, outras foram beneficiadas no seu exterior, correspondendo s

artrias de maior movimento: Rua de Gatos e zona de S. Lzaro no incio da estrada para Famalico e Vila do Conde, rua das Molianas na estrada para o Porto, Santa Luzia na direco de Braga, mais acima os Canos de Baixo e de Cima na direco de S. Torcato e Basto. Apesar desta renovao, nos finais do sculo as estradas da entrada daquela vila estavam to arruinadas que por elas se no podia conduzir.... O evento urbanstico de criao de campos em espaos contguos muralha e no seu exterior tem na sua origem a proibio da construo nessas zonas por razes militares relacionadas com a defesa. Devido diminuio da importncia blica das cercas medievais, essas reas foram, a partir do sculo XV urbanizadas, respeitando na sua organizao o primitivo traado da zona de segurana, junto ou entre portas importantes onde, desde cedo, existira fixao urbana. O incio do sculo XVII viu a sua proliferao e regularizao, casos do Campo do Olival no Porto em que, por ordem de Filipe II, foi criada uma alameda arborizada em 1611, e do Campo da Vinha em Braga que, durante o pontificado de D. Frei Agostinho de Jesus foi, nos finais de Quinhentos, regularizado pela fundao dos conventos do Ppulo e do Salvador. Este prelado desenvolveu na sua capital uma importante aco de

desenvolvimento urbano, sobretudo no que se refere preocupao com a criao de equipamentos de utilidade pblica, hospitais, fontes e chafarizes, aougues, uma alfndega. Sobretudo esta ltima interessa a Guimares, pois uma estrutura similar foi a construda em 1611. O equipamento, local onde todas as pessoas que viessem de fora para vender nesta casa as tinham que expor em pblico era fechado, com uma entrada nica que dava acesso a um espao interior, o rossio da Alfndega: ...tem este Rocio dentro de si uma rua de casas terreyras...e outra servem de recolher as fazendas que veem de fora a vender neste lugar.... A sua primitiva localizao foi na praa da Oliveira, e destrudo por um incndio, deslocou-se para o exterior da muralha, adossado a esta, frente Igreja de S. Sebastio, no lugar para onde confluiam as mais importantes estradas de acesso Vila. Demolido no sculo XIX, a sua memria perdurou na designao da torre que o limitava a oriente e, faceando o terreiro, ao longo da sua frente sul, possua uma alpendrada. Segundo nos informa A. Vieira Braga, as alpendradas tiveram grande aceitao em Guimares a partir do sculo XVI, mas a sua tradio em povoaes portuguesas mais antiga, de origem medieval. , porm, possvel que a construo dos Paos do Concelho porticados tenha contribuido para a sua proliferao. Tambm indiferentes

sua existncia no foram decerto os lucros que a edilidade obtinha com a sua construo. Tratando-se da ocupao do espao pblico, os alpendres pagavam foro ao Concelho que assim os deve ter incentivado. Ainda segundo A. Vieira Braga, situavamse principalmente ...viradas aos terreiros de maior movimento de feiras, pois serviam sobretudo para o negcio abrigado: Toural, Oliveira, S. Sebastio e S. Francisco. As do largo da Oliveira chegaram na sua margem poente at ns, as restantes desapareceram, podendo ainda hoje ver-se vestgios de colunas embebidas na pedra do piso trreo de uma casa na esquina entre as ruas da Senhora da Guia e de Egas Moniz. Na zona alta de Guimares, designada por Vila do Castelo, e durante o perodo de que estamos a tratar, no existem notcias da construo de equipamentos, do calamento de ruas, de qualquer actividade de criao urbana. Apartada do centro cvico, comercial e industrial da povoao, o seu processo de despovoamento, j patente no perodo anterior prosseguiu durante a fase de que estamos a tratar. A

segunda cerca de muralhas, ironicamente, deve ter contribuido para isso, pois originou vias alternativas paralelas ao seu circuito exterior, contornando a Vila Velha. Tambm o muro ou parede mandado construir pelo Duque D. Fernando II em finais do sculo XV e j referido quando tratamos do perodo anterior, deve ter contribudo para esse isolamento e abandono, tendo sido necessrio s populaes o seu derrube para mais facilmente acederem Vila do Castelo. No incio do sculo XVIII, o Padre Carvalho da Costa, na sua Corografia, afirmou ... de todas as ruas desta Vila Velha s permanece a do Castelo...todo o mais districto est hoje repartido em quintais de particulares em cuja cultura se acham muitos alicerces, vestgios de que fora bem ocupada de casas.... Mais frente, aponta: h tradio antiga que a causa maior que esta Vila Velha teve para se despovoar e seus moradores irem habitar a nova, fora o no ter fontes, nem lugar vizinho donde pudessen tirar gua.... O que no era totalmente verdade pois, acima do Castelo, existia uma antiga fonte, na rua do Cano de Baixo. O problema no residia na falta de gua, mas sim na de habitantes para a beberem. O episdio do emprego da pedra do muro construdo por D. Fernando II na edificao da Misericrdia revela tambm uma faceta importante em termos de criao urbana: o da reutilizao de materiais, sobretudo pedra, na construo de novos edifcios. A zona da Vila Alta, com a abundncia de runas a existente era especialmente apetecvel.

Para alm da pedra cedida para a Misericrdia, os dominicanos conseguiram-na tambm no incio do sculo XVII para a reconstruo do dormitrio de seu convento, e em 1664, os capuchinhos utilizaram na edificao do seu cenbio, frente Porta da Garrida, pedra proveniente do castelo. Tambm utilizando a pedra como material construtivo, a tipologia da casa nobre urbana sofre algumas alteraes no sculo XVII. Residncia da nobreza da vila como as sua antecessoras casas nobres quinhentistas, dispuseram-se, dentro de muros, sobretudo na rea a norte do eixo formado pela rua da Sapateira-Mercadores, e no tringulo que, tendo-o por base e lados nas ruas das Flores (agora largo da Misericrdia) e Val de Donas a oeste, e Rua Escura-rua dos Fornos a leste, delimitamos para o perodo anterior. Grande parte das casas nobres seiscentistas da vila intra-muros se concentraram a, e talvez o facto de ser uma zona de desenvolvimento urbano poca relativamente recente, portanto com relativo desafogo em termos de espao, permitiu as suas grandes dimenses e o carcter um tanto errtico das suas plantas. Nalguns casos, como no da casa Mota Prego, resultaram de um desenvolvimento orgnico de estruturas anteriores que, no final da centria de Seiscentos (ou incio do seguinte) se regularizaram com a criao de uma fachada de aparato faceando o largo da Misericrdia. A Casa Valadares de Vasconcelos, na rua dos Fornos, participa ainda, pelas relativamente pequenas dimenses do lote e a cantaria cuidadosamente aparelhada da sua fachada, que no pela sua elevao, do esprito das suas congneres quinhentistas. Nessa zona, as casas nobres agrupam-se em frentes urbanas formando margens de praa, assim se definindo afirmativamente como horizontes das suas iguais. Aconteceu na Misericrdia, cujo terreiro, no incio do sculo XVIII, h todo cercado de casas nobres, um pouco mais frustemente no largo do Mestre Escola, ainda mais a norte contribuindo para a regularizao do dos Laranjais, atravs da casa do mesmo nome e aquela que, tambm armoriada, lhe fica em frente. Fora de muros, a sua implantao pode considerar-se de transio para a poca barroca que se seguiu, a casa nobre dos Borges Pais do Amaral na antiga rua

Caldeiroa no apresentando dissemelhanas de maior em relao s atrs enunciadas, a no ser pelas maiores dimenses do jardim na sua rea posterior, possibilitado pela menor densidade de construo dessas zonas.

Ao longo do mesmo sculo XVII, e a partir do seu incio, as tipologias da habitao comum diversificam-se, segundo os seus materiais construtivos, a disposio dos vos, a variedade dos elementos decorativos. Existe porm uma tendncia para a estabilizao das alturas, piso trreo e dois sobrados, e da frente do lote urbano que, contudo mantm profundidade varivel. Desde o incio do sculo XVI que se caminha para esse lote padronizado, caso por exemplo da rua das Flores no Porto (1521), cujos lotes tinham todos uma frente igualitria de trs braa craveiras, cerca de seis metros e sessenta. de ressalvar contudo, que se trata apenas de uma tendncia, existindo em Guimares casas seiscentistas de trs ou apenas um piso e que a largura da frente das parcelas tambm varivel, e de um modo geral, mais estreita que no Porto. Sobretudo em certas ruas mais antigas, onde apenas existiu substituio de habitaes medievais por outras do sculo XVII e XVIII, as dimenses da parcela ou cho mantiveram-se as mesmas da Idade Mdia, mais profunda e estreita do que a sua descendente moderna. Tambm muitas vezes as dimenses do lote normalizado se subdiviram em fraces, ou no plo oposto, se multiplicam, ocupando dois ou mais chos. Entre as habitaes mais tpicas dete perodo (sc. XVII) esto as casas

denominadas filipinas, que surgem um pouco por todo o casco antigo, mas cujo conjunto mais notvel se encontra na rua de Cames. De trs pisos, loja e dois sobrados, apresentam, no trreo, molduras em cantaria de sobriedade clssica enquanto que, nos sobrados, edificados em taipa, as madeiras substituem a pedra em desenhos semelhantes, com pilastras, msulas e entablamentos maneira de

frontes, enquanto que, nas varandas corridas, tambm em madeira, o ritmo dos balastres torneados cortado por pequenos pilares. Nas madeiras abundam os entalhamentos de sabor popular, ou mais eruditos, em grotescos. Noutras habitaes seiscentistas, provavelmente mais antigas, como a da rua Egas Moniz que foi recentemente restaurada pelo arquitecto Fernando Tvora, a taipa e a madeira so tambm os materiais mais utilizados, e o nmero de pisos, aqui de ressalto, o mesmo das casas da rua de Cames. Na fachada, porm, as varandas corridas foram substitudas, nos dois sobrados, por janelas de sacadas centrais ladeada por duas de peitoril, mas o trabalho da madeira manteve-se, mais espectacular nos balastres e tbuas de ngulo da sacada do primeiro piso, com enrolamentos de folhagem gravados, ainda nas msulas que ladeiam a sacada central.

Em 1664 foi fundado o Convento dos Capuchos, frente Porta da Garrida. O edifcio sofreu grandes alteraes, j para alm do perodo que estamos a tratar, e o seu estilo construtivo no seria ainda concerteza plenamente barroco. Contudo, a sua implantao frente a uma porta da muralha, no seu exterior, e em posio frontal ao eixo formado pelo troo superior da rua da Infesta que a atravessava so j plenamente barrocos. Expanso e axialidade, dois dos principais vectores do urbanismo barroco surgem a, e pela primeira vez, em Guimares. Mais dois conventos femininos se lhe vo seguir, em 1680, na rua Travessa, a oeste, o das Dominicas ou de Santa Rosa de Lima, a sul do Campo da Feira o das Capuchinhas, fundado em 1683 junto da estrada para Amarante, com menor impacto, sobretudo o primeiro, em termos de estruturao de um espao barroco, mas os dois em zonas de expanso urbana que vo ajudar a consolidar e fomentar. Um terceiro convento feminino, o do Carmo, foi institudo intramuros em 1685 no troo superior da rua de Santa Maria, designado da Infesta, implantao essa a que no deve ter sido estranha a pouca densidade populacional do local e a grande quantidade de pedra disponvel nas cercanias. Como consequncia urbana imediata originou o habitual terreiro frente ao seu frontispcio, rasgando o miolo entre a rua da Infesta e do Poo, e que tinha vrias casas nobres na sua margem ocidental. Com o incio da construo, em 1721, da Casa do Toural, a destruio, tambm por essa poca, das antigas alpendradas e o lanamento, em 1735, da Igreja de S. Pedro, o largo do Toural assumiu-se como praa barroca, axialmente hierarquizada pelo templo que era ladeado por vrias casas-nobres. Incompleta, a praa s seria resolvida posteriormente, em finais do sculo, com a construo da designada frente pombalina do Toural. A grande poca do barroco vimarenense, ser, porm, mais tardia, e a ela no foi estranha a permanncia na Vila, ainda que por um curto perodo, do Arcebispo D. Jos de Bragana que, juntamente com o fidalgo Lus Tadeu de Albuquerque, foi a sua personagem mais paradigmtica. A festa barroca teve por cenrio principal a casa deste na praa da Misericrdia, plateia e palco onde se montaram as estruturas de madeira, cola e carto das arquitecturas efmeras,

ensaios para mais permanentes realizaes em frontispcios de casas e conventos, no interior dourado pelos retbulos de igrejas e capelas, ou no seu equivalalente em movimento, os coches e carruagens que percorriam as artrias e praas principais da Vila, num circuito ostentatrio de exposio e riqueza.

Os mecanismos da viso, to importantes na esttica barroca, a inter-aco entre o ver e o ser visto so tambm foram determinantes na edificao, pelo acadmico Lus Tadeu, em medos do sculo XVIII, do Palcio de Vila Flor, numa exposta encosta dominando toda a vila e coroando um conjunto cnico de ajardinados socalcos que, no gnero, so os mais importantes do norte do pas. O palcio inacabado marca, cronolgica e fisicamente, o ponto mximo da expanso barroca e pea importante de um conjunto que, entre casas e conventos, jardins e cercas, pontuou, nos meados do sculo XVIII, todo o limite exterior da vila, expandindo-o para alm dos seus apertados arrabaldes de origem medieval e marcando-lhe futuras linhas de evoluo. Em Guimares no frequente a existncia de tipologias diferenciadas de habitao para a primeira metade do sculo XVIII, mantendo-se, no geral, as suas antecedentes seiscentistas. Dada a inexistncia de estudos especficos sobre a habitao urbana comum para esse perodo, em Guimares como para o resto do pas, torna-se difcil a sua individualizao e caracterizao, as grandes alteraes pertencendo j segunda metade do sculo. Com alguma certeza, contudo, pode-se afirmar que o uso da pedra nas fachadas se comea a tornar mais frequente, substituindo gradualmente a taipa nos pisos superiores. A tendncia para a regularizao em altura procedente do sculo XVII estabiliza-se na loja e dois pisos da esmagadora maioria dos prdios urbanos. A ausncia em muitos casos de cornijas caracterstica, assentando as coberturas directamente sobre o remate das paredes das fachadas e avanando sobre a rua em largos beirais suportadas por armaes de madeira. Este processo construtivo, contudo, j observvel em construes do sculo XVII e possvelmente originrio de pocas anteriores, verificando-se aqui tambm uma linha de continuidade. Em meados do sculo XVIII, o processo de evoluo e expanso urbana de Guimares encontra-se consolidado, marcando os limites da Vila que iro, com poucas alteraes, permanecer at ao sculo XX. Nesse desenvolvimento, foi de fundamental importncia a edificao de casa nobres igrejas e conventos fora e dentro de muros. Definiram ruas, originaram praas, incrementaram o desenvolvimento de corredores de circulao entre a vila e o espao que lhe era contguo, preenchido posteriormente pela malha urbana. A criao dos campos junto das muralhas, corresponde sua perda de importncia como estrutura defensiva. A cerca torna-se transparente, deixando de ser um obstculo divisrio entre o dentro e fora de muros, antes constituindo um factor de aproximao das duas zonas, fomentada pelo desenvolvimento da construo

adossada ao seu interior. Tal facto, no prosseguimento de uma tendncia anterior, verifica-se sobretudo na zona sul da povoao, correspondente a um espao de maior desenvolvimento e actividade construtiva, en detrimento da Vila Alta ou do Castelo, cujo despovoamento se acentuou, embora datem deste perodo os primeiros sinais de revitalizao consequente, com a edificao dos Conventos dos Capuchos e do Carmo, da fundao do Hospcio das Trinas na rua do Poo. A zona de Maoulas, na qual foi em meados do sculo XVI erigido o Convento do Carmo, continuou a bloquear, durante este perodo, o desenvolvimento urbano para Oriente. A habitao corrente tendeu para a normalizao em altura e regularizao dos lotes, acompanhada no sculo XVII pela exploso de diversas tipologias construtivas. O seu equivalente aristocrtico, a casa nobre, afirmou-se tambm a partir do sculo XVII, consequncia do desenvolvimento econmico provocado por vrios factores, como a introduo de novas culturas, sobretudo o milho, a riqueza obtida em comisses ultramarinas, o aparecimento do ouro brasileiro no incio do sculo XVIII, e tambm, a partir dessa altura, pela apropriao indevida de terras, baldias ou no, por parte dos poderosos, alargando assim a rea das suas propriedades rurais Os principais eixos virios que servem Guimares conservam a sua importncia neste perodo, no se verificando alteraes de maior na sua estrutura. Existe contudo uma implementao da abertura de novos caminhos e melhoramento de antigos nos arredores da povoao. Na sua maior parte conservam caractersticas rurais, ligando a casas nobres e conventos e articulando-se com as estradas pr-existentes. Ao longo deles, e sobretudo nos seus pontos de contacto com as vias principais, vo-se pausadamente fixar novos ncleos populacionais. Outro fenmeno interessante que ocorre nesta fase prende-se com a pulverizao dos principais equipamentos de carcter pblico, at ao sculo XVI concentrados no ncleo central do burgo cannico. O mercado do peixe deslocou-se para norte e para a renovada praa de S. Tiago no incio do sculo XVII, os aougues para Sul e rua Nova do Muro, a Alfndega para fora da muralha junto nova Igreja de S. Sebastio, o Pelourinho teve uma nova implantao frente ao burgo de Couros. Os

monumentos da era moderna, como o chafariz do Toural e o padro de S. Lzaro tambm participam deste fenmeno de disperso, com novas implantaes e novos significados.

4 - A REFORMA ROCC, POMBALINA E NEOCLSSICA DA CIDADE ( Meados do Sc. XVIII a meados do Sc. XIX )

Uma srie de casas nobres urbanas, apresentando nas suas fachadas profusa decorao rocc, de que o melhor exemplar a Casa Lobo Machado na rua Sapateira, cujo frontispcio foi construdo em 1754 pelo mestre pedreiro Amaro Farto, segundo encomenda do Rev. Rodrigo de Sousa Lobo, ergueram-se em Guimares, na segunda metade do sculo XVIII, ao longo do L formado pelo cruzamento na praa da Oliveira dos eixos rua de Gatos - rua Sapateira - rua dos Mercadores e Rua de Santa Maria - rua da Infesta. So edifcios que, ao contrrio dos seus citadinos antecessores seiscentistas se procuram integrar na malha urbana. Situados em ruas de grande movimento no corao da Vila, respeitam as frentes em que se inserem, ressalvando, sobretudo no caso Lobo Machado na rua Sapateira e Branco Ribeiro de Carvalho na rua dos Gatos as maiores dimenses do lote e volumetria quando aferidos com os das suas vizinhas habitaes burguesas. Juntamente com a fachada da Igreja do Convento dos Capuchos, na qual, a partir de 1763, colaborou o entalhador Antnio da Cunha Correia do Vale, da teatral e movimentada igreja dos Santos Passos de Andr Soares iniciada em 1765, que no topo do Campo da Feira cria, com a sua acentuada axialidade e monumentalidade o mais perfeito exemplar de espacialidade barroca em Guimares, e das capelas das Ordens Terceiras de S. Domingos e S. Francisco que concorreram para regularizar, respectivamente, a rua dos Gatos e o terreiro de S. Francisco, constituem as mais importantes realizaes arquitectnica do rocc vimarenense. O decorativismo rocaille faz-se notar ainda em algumas pedras de armas e prticos precedidos de escadarias, com um belo exemplar na casa do Proposto, ou portes de acesso, como nas dos Ces de Pedra e do Canto. Porm, dadas as caractersticas aristocrticas do estilo, a sua importncia, em Guimares como noutras localidades, em termos de criao de um tipo especfico de habitao urbana corrente nula. Nesta fase que se prolonga at finais do sculo XVIII, a pedra torna-se o material mais utilizado na sua construo e, como veremos, variada legislao concorreu para a regulamenta