A Extensão Rural e os Limites à Prática dos extensionistas do Serviço Público

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FRANCISCO ROBERTO CAPORAL

A EXTENSO RURAL E OS LIMITES PRTICA DOS EXTENSIONISTAS DO SERVIO PBLICO

DISSERTAO DE MESTRADO

Prmio SOBER 1991Meno Honrosa da rea de Sociologia Rural Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural

SANTA MARIA, RS, BRASIL 1991

A EXTENSO RURAL E OS LIMITES PRTICA DOS EXTENSIONISTAS DO SERVIO PBLICO

POR FRANCISCO ROBERTO CAPORAL

Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Extenso Rural da Universidade Federal de Santa Maria (RS), como requisito parcial para a obteno do grau de MESTRE EM EXTENSO RURAL.

SANTA MARIA, RS, BRASIL

1991

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CURSO DE PS-GRADUAO EM EXTENSO RURAL

A COMISSO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA A DISSERTAO

A EXTENSO RURAL E OS LIMITES PRTICA DOS EXTENSIONISTAS DO SERVIO PBLICO

ELABORADA POR FRANCISCO ROBERTO CAPORAL

COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENO DO GRAU DE MESTRE EM EXTENSO RURAL

COMISSO EXAMINADORA: _____________________________________________ Prof. Jos Renato Duarte Fialho Orientador _____________________________________________ Eng Agr Joo Carlos Canuto M. Sc. _____________________________________________ Eng Agr Jos Antnio Costabeber M. Sc.

Santa Maria, 11 de Janeiro de 1991

RESUMO A EXTENSO RURAL E OS LIMITES PRTICA DOS EXTENSIONISTAS DO SERVIO PBLICO Autor: Francisco Roberto Caporal Orientador: Jos Renato Duarte Fialho Vrios autores tm se dedicado ao estudo histrico-crtico da extenso rural, do seu discurso e do carter de sua prtica. No raro, eles concluem que a extenso rural uma atividade orientada para o desenvolvimento capitalista no campo, sendo sua prtica determinada, ideologicamente, para ser um processo educativo domesticador/excludente. Resultaram destas concluses e destes estudos inmeras sujestes de mudanas na prtica da extenso rural, sem, no entanto, serem efetivamente incorporadas instituio. Mais recentemente, verificou-se que surgiu um movimento instituinte, respaldado por condies histrico-conjunturais especficas, levando o aparelho de extenso a realizar o chamado repensar, que culminou com mudanas sensveis em seu instrumento terico, em suas bases filosficas, objetivos e diretrizes, abrindo possibilidades para transformaes na prtica dos extensionistas de campo. Todavia, passamos vrios anos, o que se observa que a prtica extensionista no mudou, sendo, em geral, a mesma prtica dominadora e reprodutora do status quo historicamente criticada por setores da intelectualidade brasileira. Diante desse cenrio, o presente trabalho procura identificar relaes que impedem mudanas na prtica dos extensionistas de campo e o obstculos que estabelecem limites dentro dos quais deve se enquadrar essa prtica. O estudo do problema mostrou que, ao assumirem funes de aparelho de Estado, as organizaes extensionistas passam a sofrer, imediatamente, as influncias do poder relacional do Estado classista, fortemente determinado pelos interesses das classes dominantes-dirigentes. Por sua parte, as prprias organizaes, motivadas para o cumprimento de suas funes e visando assegurar sua auto-justificao e manuteno, desenvolvem mecanismos internos, capazes de garantir, pela coero ou pelo consenso, a reproduo da prtica nos moldes historicamente institudos. Assinalou-se, ainda, obstculos mudana da prtica que so impostos pelos prprios extencionistas, em especial, devido a sua ideologia e posio ambgua de classe.

Conclui-se, ento, que sob o comando do Estado capitalista as organizaes extencionistas tendero a desempenhar, sempre, o mesmo papel, atuando atravs de seus agentes-intelectuais subalternos, no sentido do desenvolvimento excludente do capitalismo no campo, agindo mediante um processo educativo disseminador da ideologia burguesa, capaz de abrir caminho para a reproduo das relaes capitalistas de produo. Finalmente, do conjunto das anlises realizadas, parece ser possvel afirmar que a superao dos obstculos mudana da prtica da extenso rural depender no s dos espaos conquistados no interior do Estado e seus aparelhos, como principalmente, daquelas mudanas que possam vir a ocorrer com relao ideologia e posio de classe que movem os extensionistas em seu que-fazer e do direo aos interesses que defendem em seu trabalho dirio. , pois, necessrio que mudem os homens e as mulheres que fazem extenso rural, para que possa mudar sua prtica.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CURSO DE PS-GRADUAO EM EXTENSO RURAL Autor: Francisco Roberto Caporal Orientador: Jos Renato Duarte Fialho Ttulo: A Exteno Rural e os limites pratica dos extensionistas do servio pblico. Dissertao de Mestrado em Extenso Rural Santa Maria, 11 de janeiro de 1991

ABSTRACT RURAL EXTENSION AND LIMITS OF EXTENSIONISTS' WORK IN PUBLIC SERVICE Author: Francisco Roberto Caporal Adviser: Jos Renato Duarte Fialho Several authors have devoted themselves to the historical-critical study of rural extension, of its discourse and the feature of its practice. Many times they conclude that rural extension is an activity guided to the capitalist development of the countryside, and its practice is determined ideologicaly, to be an educational-domesticador/excludable process. These conclusions and learnings resulted in a lot of suggestions to change the practice of rural extension, without, however, being, really assimilated by the public service (or institution) as rules and norms, socially ratified. More recently, one verified that an action from the institution has come out supported by specific historical-conjuctural conditions leading rural extension to adopt a new thought what culminated with perceptible changes in its theoretical instruments, in this philosophical bases, objective and directions, showing great possibilities for transformations of rural extensionists' practice. But, some years already passed and the extensionists' practice didn't change and it continued being, generally, the same dominant and producing of status quo practice, that is criticized by part of the Brazilian intellectualy, historically. Having this scene before the eyes, the present work tries to identify relations that impede changes in the extensionists' practice in their work and the obstacles that establish limits, in wich, we must put this practice. The study of the problem showed us, that, working as a service of the state, the extensionist organization receives, immediately, the influence of the class-dividing State power, that is strongly determined by the interest of the dominant-leading classes. On the other hand, the organizations themselves, motivated to fulfill their functions and aiming to guarantee their self justification and maintenance, develop intern mechanisms able to guarantee, by coercion or by consensus the reproduct of old fashioned practice, historically, instituted. Also, one analyzed obstacles to the change of the practice imposed by the

extensionists themselves, especially, due to ideology and ambiguous class position. One concludes that under the ruling of the capitalist state, extensionist organizations will tend to play, always, the same role, acting through their subordinate intellectual agents in the same role, acting through their subordinate intellectual agents in the sense of excluding developmente of capitalism in the countryside, acting by means of an educational process, disseminator of burgeois ideology, that is able to spread capitalist relations of production. Finally, from the set of fulfilled analyses, it seems to be possible to state that the overcoming of obstacles to the change of the rural extension practice will depend on the conquered spaces inside the State and its mechanism and principally on that overcoming that may ocurr related to ideology and class position that move the extensionists in their what-todo and guide to the interests wich they defend in their daily work. Therefore, it needs changing men and women who do rural extension so that it's possible to change its practice.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA POS-GRADUATE COURSE IN RURAL EXTENSION Author: Francisco Roberto Caporal Adviser: Jos Renato Duarte Fialho Title: Rural Extension and limits of extensionists' work in public service. Master Dissertation in Rural Extension Santa Maria, january, 11th, 1991.

LISTA DE SIGLAS, ABREVIAES E SMBOLOS

ABCAR Associao Brasileira de Crdito e Assistncia Rural. ABEAS Associao Brasileira de Educao Agrcola Superior. ACAR Associao de Crdito e Assistncia Rural. ACARESC Associao de Crdito e Assistncia Rural de Santa Catarina. ACAR MG Associao de Crdito e Assistncia Rural de Minas Gerais. ACARPA Associao de Crdito e Assistncia Rural do Paran. AIA American International Association for econimic and social development. ARER Assistente Regional de Extenso Rural. ARS Assistente Regional de Superviso. ASAE Associao dos Servidores da ASCAR/EMATER RS. ASCAR Associao Sulina de Crdito e Assistncia Rural. ATE Assistente Tcnico Estadual. ATER Assistncia Tcnica e Extenso Rural. ATR Assistente Tcnico Regional. BNCC Banco Nacional de Crdito Cooperativo. CETREISUL Centro de Treinamento da Regio Sul. EMATER Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural. EMATER PR Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Estado do Paran. EMATER RS Associao Riograndense de Empreendimentos de Assistncia Tcnica e Extenso Rural. EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria. EMBRATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural. ETA Escritrio Tcnico de Agricultura Brasil Estados Unidos. FASER Federao das Associaes dos Servidores do Sistema EMBRATER. IBC Instituto Brasileiro do Caf. MA Ministrio da Agricultura. MEC Ministrio da Educao e Cultura. SSR Servio Social Rural.

SUMRIORESUMO ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------ABSTRACT-------------------------------------------------------------------------------------------------------------LISTA DE SIGLAS E SMBOLOS --------------------------------------------------------------------------------CAPTULO 1 CONSTRUINDO O OBJETO DE ESTUDO ------------------------------------------------1.1 INTRODUO ----------------------------------------------------------------------------------1.2 O PROBLEMA ESTUDADO -----------------------------------------------------------------CAPTULO 2 - PROCEDIMENTOS METODOLGICOS E OBJETIVOS ------------------------------2.1 ASPECTOS GERAIS DA METODOLOGIA ----------------------------------------------2.2 SOBRE O USO DE ALGUNS CONCEITOS ---------------------------------------------2.3 OS DADOS IMPRICOS E A AMOSTRA -------------------------------------------------2.4 OBJETIVOS -------------------------------------------------------------------------------------2.4.1 OBJETIVO GERAL --------------------------------------------------------------------------2.4.2 OBJETIVOS ESPECFICOS --------------------------------------------------------------CAPTULO 3 - A PRESENA DA EXTENSO RURAL NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO SUL -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------3.1 ANTECEDENTES HISTRICOS DO EXTENSIONISMO RURAL ----------------3.2 A INTERNALIZAO INSTITUCIONALIZADA DA EXTENSO RURAL NO BRASIL -------------------------------------------------------------------------------------------------3.3 A EXTENSO RURAL NO RIO GRANDE DO SUL E SUA ADEQUAO AO SISTEMA EMBRATER ------------------------------------------------------------------------------3.4 A CONTRAVRSIA HISTRICA SOBRE O PROCESSO EDUCATIVO DA EXTENSO RURAL ---------------------------------------------------------------------------------3.5 O REPENSAR E AS NOVAS PROPOSIES DA EXTENSO RURAL NA EMATER/RS -------------------------------------------------------------------------------------------CAPTULO 4 - OS VNCULOS DA ORGANIZAO EXTENSIONISTA COM O ESTADO E SUA FUNO ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------4.1 O ESTADO CAPITALISTA E A EXTENSO RURAL COMO INSTRUMENTO DE POLTICA ------------------------------------------------------------------------------------------4.2 A FUNO DO APARELHO EXTENSIONISTA ----------------------------------------CAPTULO 5 - O ESTADO, O APARELHO E A PRTICA DO EXTENSIONISTA LOCAL -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------5.1 O DUPLO PAPEL DAS NORMAS E REGRAS INSTITUDAS -----------------------5.2 A CONTRAVERTIDA AO DA HIERARQUIA, NA MOLDAGEM DA PRTICA DOS AGENTES LOCAIS ---------------------------------------------------------------------------5.3 RELAES DE PODER E DIREO POLTICA NA PRTICA DOS EXTENSIONISTAS -----------------------------------------------------------------------------------CAPTULO 6 - O EXTENSIONISTA DE CAMPO E A CONSTRUO DE SUA PRPRIA PRTICA ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------6.1 O EXTENSIONISTA LOCAL, ENQUANTO INTELECTUAL -------------------------6.2 POSIO DE CLASSE E IDEOLOGIA NA DELIMITAO DA PRTICA EXTENSIONISTA ------------------------------------------------------------------------------------6.3 OUTROS ASPECTOS DA ANLISE SOBRE O EXTENSIONSTA RURAL -------------------------------------------------------------------------------------------------------------CAPTULO 7 - CONSIDERAES FINAIS --------------------------------------------------------------------REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ------------------------------------------------------------------------------i iv vii 1 1 2 12 12 16 21 27 27 28 28 28 36 47 55 71 82 82 90 101 102 119 131 144 144 152 173 181 201

CAPTULO 1 CONSTRUINDO O OBJETIVO DE ESTUDO

1.1 INTRODUO

Os limites prtica dos extensionistas rurais, inclusive dos funcionrios da EMATER RS, podem ser identifcados como resultantes de um processo histrico/dialtico, permanentemente em construo/adaptao. Estes limites, que enfim determinam o modo pelo qual a ao desenvolvida e o objetivo que move e direciona esta ao, so resultantes de um movimento instituinte que acaba dando forma a um pensar e agir caractersticos da instituio extenso rural. Organizada como entidade jurdica da chamada esfera pblica, a extenso rural passa a atuar na sociedade civil, respondendo ao papel de Aparelho Ideolgico de Estado. Quer se chame EMBRATER, EMATER ou INSTITUTO, a extenso rural organizada pelo Estado tem sua ao no mbito das relaes sociais. Interfere no desenvolvimento no modo de produo capitalista no campo e como poltica agrcola e executora de polticas para a agricultura ou de programas de desenvolvimento rural serve de suporte para a reproduo das relaes de produo capitalistas. Desta forma, qualquer mudana que possa ser sugerida na prtica dos extensionistas, para ter coerncia, precisa conhecer, antes, os mecanismos que interferem na elaborao desta prtica, no s por parte daqueles que estudam e propugnam por mudanas, desde fora dos aparelhos, como, sobretudo, por aqueles que so os agentes da prtica e que, por vezes, se defrontam com os limites a ela impostos, sem saber donde surgem e como poderiam ser superados. O presente trabalho, embora no seja definitivo, mesmo porque o tratamento dos conceitos implicados no permite resolver todas as questes que se apresentam em uma s dissertao de mestrado, espera constituir-se numa contribuio a mais para o estudo da extenso rural. E mais, deseja-se que, antes de ser contrudo nas malhas da erudio,

possa representar um esforo de linguagem e de seqncia didtica que permita o fcil manuseio, leitura e anlise no seio das organizaes que fazem da extenso rural o instrumento de sua prtica. 1.2 O PROBLEMA ESTUDADO O Programa Estadual de Assistncia Tcnica e Extenso Rural da EMATER RS, PROATER, que estabele a linha mestra de atuaao da organizao para 1990, rompendo com as mudanas introduzidas a partir de 1987, volta a centrar o objetivo da prtica extensionista na busca do aumento da produo e produtividade agropecuria. O objetivo estabelecido em 1987 foi sutilmente modificado, de forma que o objetivo perseguido em 1990 (EMATER RS; 1989,9) retoma a linearidade do objetivo tradicional das entidades que atuam em extenso rural e assistncia tcnica no mbito do Estado. Embora no tenha realizado um outro repensar, aquele que, em 1987, havia sido institudo como objetivo a ser perseguido, pelo menos at 1991, j est desprezado. Pode-se inferir da, que a prganizao, enquanto aparelho do Estado, reorientou-se sem adotar o mesmo processo antes estabelecido para referendar mudanas. Este no um caso isolado na histria da extenso rural. Merece destaque porque foi a prpria organizao que adotou o movimento instituinte de 1986/87 e que, agora, nega o que fora institudo, ou pelo menos minimiza sua importncia oficial. Para quem no se detm num estudo mais profundo sobre a extenso rural, pode passar despercebido que o aparelho pblico responsvel pelo extensionismo no Brasil, acusou uma srie de alteraes em seu discurso nos anos 80. Estas alteraes, que passaram pelo Planejamento Participativo ou pela retomada do trabalho com base na propriedade como um todo, prticas que estavam nas origens da extenso ou na instituio do Farm and Home Administration, ocorrida nos Estados Unidos aps a II Grande Guerra, incluiam uma nova perspectiva para a ao extensionista. No Paran, por exemplo, o chamado Modelo 80 tentou resgatar o humanismo como centro da orientao da atividade da extenso rural. A filosofia do trabalho passava a ser baseada em trs princpios: educao, participao e realidade, sendo a educao considerada como uma busca consciente do conhecimento, da percepo da realidade, feita pelos agentes (produtor, extensionista e pesquisador) ligados pelo dilogo. (EMATER PR: 1986,3) A EMBRATER, empresa-me do aparelho pblico de extenso rural1, criada com o objetivo de garantir a tranferncia de tecnologia altamente competitiva, orientava, j no

incio da dcada de 80, que o planejamento local (municipal) dos escritrios de extenso deveria ser modificado e dizia que A maneira participativa de planejar a mais afetiva para realizar o trabalho educacional de Extenso. E definia o novo mtodo proposto da seguinte forma: Entende-se que o planejamento participativo constitui um processo poltico, um contnuo propsito coletivo, uma deliberada e amplamente discutida construo do futuro da comunidade, na qual participe o maior nmero possvel de membros de todas as categorias que a constituem. (EMBRATER: 1981,8) Embora persistam alguns senes como a definio de comunidade e categoria, tornando ambgua a proposta, verifica-se que a EMBRATER comeava a se enquadrar no esprito de abertura lenta e gradual que se iniciara a nvel de governo federal no mandato do General Geisel e continuara no governo do General Figueiredo. Havia, por certo, razes objetivas para que o aparelho de extenso rural tambm adotasse nova prtica ou novo discurso. Por um lado, os movimentos sociais reorganizados a partir do final da dcada de 70, a tenso gerada pelos conflitos pela terra, a grande diferenciao social ocorrida no campo em razo do processo de modernizao, o xodo rural de enorme contingente de pessoas e o empobrecimento da grande maioria da populao rural, exigiam uma nova postura dos aparelhos de Estado diante da populao. Por outro lado, as prprias contradies internas dos aparelhos, aliadas necessidade do Estado atuar no sentido de amortecer as tenses crescentes e as demandas criadas a partir da abertura poltica, justificavam que a EMBRATER se propusesse a mudar seu discurso, influindo de maneira direta nas suas filiadas EMATER's, nos estados da federao. A mudana no discurso, todavia, no estava presente na mudana da prtica, como analisa Canuto (1984). As crticas que Paulo Freire2 fizera nos anos 60, ainda eram pertinentes. O extensionista continuava a ser um repassador de informaes, um trabalhador da educao bancria. Os conceitos de adoo e difuso de inovaes, proposto por Everett __________________________________________________________________________ 1Durante o perodo em que estava sendo escrita esta dissertao a EMBRATER foi extinta pelo Governo Federal. Pelo Decreto n. 99.916, de 19 de outubro de 1990, da Presidncia da Repblica, so tansferidos o acervo tcnico-patrimonial e as atribuies da EMBRATER para os rgos a seguir relacionados: I a coordenao das atividades de Assistncia Tcnica e Extenso Rural em reas de Reforma Agrria, para a Secretaria Nacional de Reforma Agrria, do Ministrio da Agricultura e Reforma Agrria; II a coordenao do Sistema Brasileiro de Assistncia Tcnica e Extenso Rural passa para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria EMBRAPA tambm do MARA. 2 - Freire, Paulo. Extenso ou Comunicao? Trad. Rosisca D. Oliveira. 7.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. 93p.

Rogers3 continuavam a servir de base para a ao do agente local de extenso, que utilizava a chamada metodologia de extenso rural para, enfim, educar, no sentido de persuadir o seu pblico a utilizar o novo por ele proposto. Embora j se houvesse iniciado um debate profcuo sobre a questo da neutralidade da tecnologia e sobre os reflexos sociais eambientais da modernizao, no interior do SIBRATER, bem verdade que a maioria dos extensionistas continuava atuando de forma acrtica, centrando seu esforo na transferncia de tecnologia, utilizando-se, inclusive, de estratgia de comunicao, entendida como o arranjo cronolgico dos mtodos, ferramentas e mensagens (inclusive os seus tratamentos) a serem usados pelos extensionistas e seus cooperadores num certo perodo... permitindo alcanar um objetivo pr-estabelecido que conduza para o desenvolvimento rural. (Pulshen apud Schimitt, sd.p.1) Com a chegada da Nova Repblica, constitui-se o primeiro governo civil aps o golpe de 1964. Inmeros compromissos no sentido da redemocratizao do pas, assumidos nos palanques durante a campanha das Diretas J e, posteriormente, por Tancredo Neves, acabaram por determinar novas alteraes na extenso rural. Romeu Padilha de Figueiredo, um dos crtcos do extensionismo brasileiro, transforma-se em presidente da EMBRATER. Em seu discurso de posse, em 15/05/85, lana para a extenso uma srie de desafios, inclusive acrescentando que dos extensionistas locais e regionais, tem sido dito serem a cara do governo no campo. Nonos furtamos de s-lo. Queremos, entretanto, ter vergonha na cara. EMBRATER (1986:9) A partir de ento, a EMBRATER e suas filiadas eram chamadas resgatar aqueles que ficaram margem do processo de modernizao, a trabalhar junto aos mais pobresdo campo e a colaborar na definio de uma tecnologia tanto agropecuria, quanto sanitriaalimentar nacional e popular. Nacional na medida em que, partindo das demandas dos grupos e classes sociais de nosso pas, funde suas bases tanto no real conhecimento e no uso, conservao e defesa de nossos recursos naturais, quanto no trabalho, na cutura e na criatividade de nosso povo. Popular, enquanto procure incorporar o saber e a experincia dos contingentes majoritrios de nossa populao e tenha como essencial o princpio de servir s classes e fraes de classes , que nos campos e nas cidades, ainda no tm atendidas suas necessidades bsicas. (EMBRATER: 1986,12) __________________________________________________________________________ 3 - Rogers, Everett M. Ver vrios textos citados na bibliografia.

Como se pode observar o discurso encaminha para uma linha poltico-ideologica clara, avessa quela at ento seguida pela extenso rural. O aparelho de extenso abriase, ento, para um profundo repensar de seu papel, indo inclusive, mais tarde, estudar processos educativos desenvolvidos junto s populaes rurais com a colaborao de Organizaes4

No

Governamentais

e

Organizaes

Governamentais

de

fora

do

SIBRATER , com o objetivo de esclarecer parmetros para sua auto-crtica e trocar experincias . Estava em curso um movimento instituinte no seio dos aparelhos de Estado de extenso rural. Neste processo de repensar da extenso rural acentua-se a crtica ao modelo difusionista-inovador. Alis, cabe notar que h uma repetio da crtica que j havia se iniciado a bem mais tempo. Na verdade, o termo repensar em referncia extenso rural, j se encontrava em um texto de Bordenave, elaborado como contribuio para os debates ocorridos na Reunio Tcnica de Professores da Extenso Rural5, onde o autor aborda criticamente desde o conceito de comunidade rural utilizado pela extenso, os conceitos de difuso e adoo de inovaes, a transferncia de tecnologia, os processos de comunicao, at o ensino de Extenso Rural nas universidades. A retomada da crtica no interior do SIBRATER, leva a EMBRATER e as EMATER's a buscarem novos caminhos para sua atuao, dando mostra evidente de que o aparelho de Estado, embora suborinado a objetivos definidos pelas classes dominantes no monoltico, apresenta contradies internas e relaes de fora que vo determinar a orientao principal de sua atuao, ou de seu discurso, em um determinado momento histrico. No Rio Grande do Sul, a EMATER, movida pelas mesmas condicionantes surgidas a nvel nacional tabm realiza o seu repensar. Conforme relato contifo no tem 3.5 deste trabalho, o seu repensar da extenso rural gacha culmina com a realizao de um __________________________________________________________________________ 4 - EMBRATER. Experincias de Processos Educativos no Meio Rural Brasileiro. Braslia. EMBRATER. 1988. 135p. Neste documento so feitos relatos de estudos de casos realizados por uma equipe designada pela empresa, no perodo de agosto de 86 a fevereiro de 87, apresentados na Reunio Tcnica sobre Processos Educativos realizada em julho de 87. 5 - BORDENAVE, Juan E. Diaz. O Ensino da Disciplina Extenso Rural nos currculos de Cincias Agrrias. Rio de Janeiro. 1977. 16p. Mimeo O texto foi aprsentado na Reunio Tcnica de Professores de Extenso Rural, em Belo Horizonte MG de 11 a 14/04/77. O autor usa o termo re-pensar no sentido de teorizar sobre a teoria da Extenso. Eu chamaria isto de 'repensar' a Extenso, em termos de uma melhor maneira de transformar a realidade agrcola e rural em que vivemos nos pases subdesenvolvidos.

seminrio, cujas propostas aprovadas so consolidadas no documento intitulado Seminrio: Extenso Rural Enfoque Participativo (EMATER RS, 1987), em cuja apresentao o ento presidente da empresa afirma que O conjunto de diretrizes e estratgias aprovadas pelos representantes das diversas unidades operativas so consideradas por esta diretoria como orientao bsica a ser seguida pela EMATER RS no perodo de 1987/91 e devero estar consubstanciadas no Plano Diretor da Organizao para este perodo... importante que, desde j, cada funcionrio procure analisar e internalizar as diretrizes aqui apresentadas, bem como consider-las no seu processo de trabalho e na operacionalizao das suas aes de Ater... Algumas das mudanas preconizadas revelavam-se importantes, na medida em que rompiam com as posturas histricas da extenso rural. O processo educativo, at ento, utilizado para induzir mudanas, passava a ser substitudo pelo processo educativo dialgico. A populao rural, antes vista como depositria do conhecimento dos tcnicos, passa a ser considerada como agente ativo e responsvel pelo prprio progresso. A atuao, antes baseada na trasferncia de tecnologia, de fora para dentro das comunidades, deveria passar a considerar a realidade e as necessidades da sociedade em geral . Para que isto fosse possvel, o objetivo da atuao da EMATER RS, que antes preconizava a transferncia de tecnologia como caminho para o aumento da produo, produtividade e renda das famlias rurais, passa a determinar aos extensionistas que participem do processo de desenvolvimento rural atravs de uma metodologia de educao no formal participativa. (EMATER RS, 1987:9) As diretrizes preconizavam a valorizao do homem, o apoio a suas organizaes, a busca de respostas aos problemas reais e a atuao, inclusive, nas transformaes estruturais, numa clara mudana em relao ao que, at ento a extenso rural priorizava em suas aes. Estas mudanas contavam com o aval da Diretoria, como demonstra o discurso do presidente da EMATER RS ao afirmar, no encerramento do Seminrio, que A partir de hoje passamos realmente do discurso para a prtica. Ser institucinalizada a nova proposta de atuao da Extenso Rural. (...) uma ampliao do enfoque de trabalho, que no mais somente transferncia de tecnologia, mas uma atuao mais abrangente, preocupada com a conscientizao poltica, social e cultural do meio em que atua.(EMATER - RS; 1987:39) Abria-se, desde ento, um leque de possibilidades para a atuao dos extensionistas

da EMATER RS, que atuam no campo, junto s populaes rurais. Estavam consolidadas, no Rio Grande do Sul, as mudanas preconizadas a nvel nacional. Os extensionistas eram oficialmente conclamados a assumir uma nova postura em seu trabalho, pois a educao dialgica, participativa, bem como a conscientizao poltica, deveriam servir de base s suas atividades, rompendo, desta forma, com as barreiras at ento estabelecidas a partir do modelo difusionista-inovador, que, por sua concepo, definia o processo de mudanas como necessariamente induzido desde fora das comunidades, capaz, este sim, de levar ao desenvolvimento, que, por sua vez, seria fruto da modernizao do setor agrcola. A leitura do PROATER 90 (EMATER RS; 1989), ao mesmo tempo que indica um retrocesso, serve para alertar que, neste perodo, no ocorreram as mudanas esperadas na prtica dos agentes locais de extenso. Aquilo que foi objeto de anos de anlise e de estudos que culminaram na proposio de mudanas, no se realizou na prtica, mesmo quando, aparentemente, se ofereceram condies objetivas para tanto. Esta constatao leva a inmeras indagaes. Foram os extensionistas que no quiseram ou no souberam agir diferente? A empresa, a par de propor mudanas, no estaria reforando mecanismos internos impeditivos a tais mudanas? Estaria a empresa subordinada de tal forma ao Estado que sua relao com o pblico beneficirio devesse ser mantida em funo dos interesses dominantes? Ou ainda, partindo destas perguntas-hipteses, quais os elementos que so determinantes da prtica dos extensionistas locais? , pois, no sentido de buscar respostas para estas perguntas, que se desenvolveu o presente trabalho, acreditando que ao encontr-las estar sendo dado ao nvel da prtica diria junto s classes e fraes de classe que se constituem em pblico prioritrio das entidades de extenso rural, como o caso da EMATER RS. CAPTULO 2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS E OBJETIVOS 2.1 ASPECTOS GERAIS DA METODOLOGIA O presente estudo se prope a identificar e esclarecer os papis e as relaes dialticas que se estabelecem entre o Estado, Organizao e Extensionistas e que implicam no estabelecimento de limites prtica destes ltimos, inviabilizando ou dificultando mudanas nesta prtica, mesmo quando estas mudanas so oriundas de propostas elaboradas e sustentadas pelas prprias organizaes. O objeto construdo, portanto, no nem o Estado, nem a Organizao, nem o Extensionista, embora a partir deles se tenha

caminhado na busca do verdadeiro objeto de pesquisa, ou seja, funes determinadas e relaes que se estabelecem a partir destas funes. Partiu-se do pressuposto, estabelecido com base na experincia do pesquisador, que atua a 14 anos na extenso rural, de que os entraves s mudanas da prtica da extenso encontram-se principalmente, dentro e no fora do contexto Estado/Organizao/Agente. Assim, embora o pblico, em determinadas condies, possa influir na elaborao da prtica do extensionista, o que seria objeto para outra pesquisa, fixou-se o trabalho na busca e anlise de elementos que digam respeito ao extensionista, Organizao e ao Estado. Segundo Queda (1987; p.2,3) as avaliaes internas dos servios de extenso podem ser feitas mediante o estudo dos mtodos que dizem respeito relao com o pblico, dos critrios de mediao de eficcia e ainda mediante a avaliao de obstculos que impedem um servio de extenso de atingir um desempenho satisfatrio. O presente trabalho tenta se enquadrar neste ltimo aspecto, embora seu campo de pesquisa situe-se fora daqueles apontados pelo autor acima citado. Dado este primeiro passo, considerou-se necessrio seguir a pesquisa com o apoio nas tcnicas da metodologia qualitativa aplicadas s cincias sociais. Ao mesmo tempo, foi desenvolvido um esforo para permanecer numa perspectiva crtico/dialtica. Entretanto, o fato de se trabalhar com e no interior de uma organizao, determinou a necessidade de buscar apoio na Anlise Institucional, muitas vezes de corte estrutural-funcionalista, o que no se caracterizou como prejuzo, posto que propiciou enriquecimento no conjunto da anlise. Trata-se de um trabalho que no aborda a extenso rural em geral. O estudo detmse no mbito da chamada extenso rural pblica, ou seja, dos servidores de assistncia tcnica e extenso rural oferecidos, organizados juridicamente e financiados pelo Estado. Logo, est se tratando do trabalho da EMATER e suas filiadas EMATER, constitudas na forma de empresas pblicas e caracterizadas como instrumentos de poltica do Estado, logo, sofrendo influncia direta dos governos que administram e falam em nome do Estado. No se nega que este trabalho, suas generalizaes e concluses possam ser teis fora do mbito dito pblico, pois, como lembra Poulantzas (1978:325) a distino entre privado e pblico uma distino puramente jurdica, e mesmo porque, todas as instituies extensionistas se constituem na sociedade civil e atuam no campo das relaes de produo, mediando as relaes determinadas no nvel da estrutura econmica do modo de produo capitalista e atuando ao nvel da superestrutura atravs da ideologia. O mbito da pesquisa exigiu, ento, que se fizesse um levantamento bibliogrfico, no

s relativo a estudos mais recentes sobre a interveno do Estado no campo, ou de clssicos como Poulantzas e Gramsci, mas tambm se utilizando de textos e documentos oficiais das empresas pblicas, de circulao aberta ou restrita, tais como boletins, manuais, relatrios, programas e planos diretores, que orientam a prtica e estabelecem objetivos e diretrizes para a atuao. Certamente o trabalho poderia ser desenvolvida simplesmente a partir de teorias e contedos dos documentos oficiais. Entretanto, isto implicaria, mais uma vez, em permanecer apenas no nvel terico, razo pela qual optou-se por completar as informaes a partir da coleta das percepes de uma amostra de extensionistas, sobre aspectos gerais e especficos da prtica em si e das relaes com o Estado e com a organizao. Esta deciso se deu tambm por outra motivao, que pode ser aqui postulada como o objetivo poltica da escolha do tema de pesquisa, pois seria ingnuo pensar em neutralidade da cincia, quando se faz um estudo desta ordem. Assim, um grupo de extensionistas previamente participantes, gerando informaes, constitui-se, de imediato, num grupo de referncia para o debate posterior, ao mesmo tempo que passa a dar embasamento s anlises, que no tratam mais de idias gerais, de qualquer extensionista, mas sim do conjunto de funcionrios de extenso, historicamente localizados no servio pblico, como agentes de mudana. Isto far com que os debates posteriores, sobre o tema, levem os extensionistas a olharem o trabalho como o reflexo de sua realidade, cuja perfeio ou deformao exigiro dele uma reao e, portanto, uma atitude de estudo, de problematizao sobre o real apreendido, uma reflexo sobre a prpria prtica. Todavia, preciso reter, desde j, que a coleta de informaes junto aos extensionistas no pretende se constituir no aspecto mais importante deste trabalho. A enquete foi realizada como um instrumento de apoio para as anlises e para a identificao de elementos que limitam a prtica dos extensionistas rurais. 2.2 SOBRE O USO DE ALGUNS CONCEITOS Para que a leitura e a interpretao deste trabalho possam se dar sob uma mesma base de entendimento, torna-se necessrio explicitar alguns conceitos nele contidos. No momento, indispensvel tratar-se do ponto central sobre o qual gira a anlise, ou seja, a extenso rural. Os discursos gerais e a bibliografia tratam extenso rural de forma diferenciada. Basta

uma verificao das frases seguintes, muito comuns em diferentes momentos, para se ter uma idia desta dificuldade: Extenso rural uma atividade educativa; extenso rural um instrumento de poltica agrcola, a EMATER uma instituio; eu sou extensionista porque minha tarefa fazer extenso rural. Freitas (1990:101) buscando uma conceituao de extenso rural, atravs do uso do mtodo de Delfos, verificou que h um grau de 97% de concordncia entre aqueles que consideram a Extenso Rural como sendo a arte de interagir tecnicamente junto aos produtores rurais, a partir do conhecimento da realidade em todos os nveis, na incessante busca de combinar saber cientfico com o saber popular, visando o aumento da produo, produtividade e da melhoria de vida da famlia rural, sem agresso ao meio ambiente, enquanto que com 94% de consenso ficou o conceito que define Extenso Rural como sendo um servio pblico de carter tcnico prestado s famlias de pequenos e mdios produtores rurais, por profissionais devidamente qualificados, visando ajud-los a melhorar os nveis de vida... Verifica-se, da anlise dos conceitos, que se trata de uma prtica socialmente sancionada, executada por uma organizao, mediante a atuao de profissionais. Os conceitos indicam ser uma atividade capaz de ajudar as famlias rurais a resolverem seus problemas e melhorarem seus nveis de vida, a partir da interveno nas relaes de produo, mediante um processo educativo. Permanece, entretanto, uma questo no resolvida. a extenso rural uma organizao, uma atividade ou uma atividade de organizao? Para resolver esta questo, muito comum na bibliografia e que, historicamente, tem implicado nas dificuldades de anlise, optou-se por estudar a extenso rural enquanto instituio, conforme ensinamento da Anlise Institucional. Ou seja, extenso rural constituise de um conjunto de normas, regras e valores, sancionadas pela sociedade1 em um determinado momento histrico, como necessrios ou funcionalmente adequados. Ou ainda, como ensinam Rodrigues & Souza (1987:32), segundo os quais uma instituio um conjunto de formas de relaes sociais, tomadas como gerais, que se instrumentam nas organizaes e nas tcnicas, sendo nelas produzidas e reproduzidas, transformadas e/ou __________________________________________________________________________ 1. Poulantzas (1986 p.111 nota 22) diz que uma instituio um sistema de normas ou de regras socialmente sancionado. subvertidas.

A instituio, portanto, no algo dado e imutvel. Ela se forja a partir das exigncias e necessidades de um determinado modo de produo e da relao de foras presente na historicidade de uma formao social. Neste sentido, pode-se dizer que a instituio extenso rural o resultado do movimento dialtico instituinte/institudo, que, historicamente, elabora e reelabora as normas, regras e valores que devem orientar a prtica dos extensionistas. Esta verificao permite inferir que desta relao dialtica que nascem as alteraes no discurso, nos objetivos explcitos e os retornos que levam a extenso rural, por vezes, de volta s suas origens. Embora socialmente sancionada e instrumentalizada numa organizao, no est imunizada contra os movimetos existentes no seio da sociedade, principalmente em uma sociedade de classes, onde interesses e necessidades so diferentes e at antagnicos. Assim, quando tomamos extenso rural como uma instituio, somos levados a v-la explicitamente utilizada por certas organizaes, quer sejam da esfera pblica, quer da esfera privada, ou como est atualmente em uso Organizaes Governamentais (OG) ou Organizaes No Governamentais (ONG's), que apesar de sua natureza jurdica diferenciada podem ser enquadradas como Aparelhos de Estado. Estes, por sua vez, embora tenham um papel especfico no Estado capitalista, quer seja atravs da ideologia, apresentam-se, portanto, como instrumentos que no podem fugir s lutas travadas na sociedade. Da que a dialtica instituinte/institudo, que se reflete no interior dos Aparelhos de extenso rural observvel a partir de anlises da prtica e do discurso da extenso em seus diferentes momentos histricos. Por outro lado, necessrio ter em conta que os prprios agentes que manejam a instituio extenso rural, no interior das organizaes, no podem ser considerados como um bloco monoltico. Embora, enquanto agente de Estado, o extensionista organiza as decises dos poderosos, transmite as informaes e controla os resultados, recebendo, como recompensa, a distribuio de uma parte da expropriao da mais-valia, (Barbier; 1985:139) ele, por outro lado, pode participar da reelaborao da sua prtica e, portanto, de um movimento contra-instituio ou contra-hegemnico, na tentativa de romper com a hegemonia dominante2 para cuja manuteno existem os Aparelhos Ideolgicos de Estado. O conceito, pois, de Aparelho Ideolgico de Estado AIE, foge dos limites indicados por Althusser (1985), uma vez que admite a influncia da luta de classes no interior do Aparelho, pois como diz Poulantzas (1978; 329) Eles (AIE) constituem, de fato, os aparelhos mais suscetveis de concentrar, de modo eficaz, o poder das classes e fraes

no hegemnicas: so assim, co mesmo tempo, o refgio privilegiado destas classes e fraes, e a sua presa por excelncia. Os AIE detm uma autonomia relativa em relao ao poder do Estado, donde surge a possibilidade de emergncia da dialtica instituinte/institudo na elaborao/reelaborao da instituio extenso rural. Logo, a extenso rural, enquanto instituio, apreendida pelos AIE e por eles manejada passvel de transformaes, pois as instituies so de fato estruturas objetivas que se impem ao nosso esprito, mas seu futuro sempre incerto porque elas so ao mesmo tempo reproduzidas e produzidas pela ao humana (Barbier: 1985; 167), da porque importante analisar-se em conjunto a tendncia da prtica e das concepes dos extensionistas em atividade nos AIE. Por ltimo, cabe referenciar que o termo organizao utilizado no sentido comumente empregado, donde pode-se dizer que, na esfera pblica, a extenso rural uma instituio manejada e delegada ao conjunto das EMATER (ou entidades assemelhadas, como veremos) que ao se constiturem, no seio do Estado capitalista, passama desencadear aes que lhes so atribudas pelo Estado, utilizando o instrumental de extenso rural, institudo num dado momento histrico, atravs do qual est apta a desempenhar seu papel de AIE, no sentido de produzir as relaes de produo, embora sujeita a movimentos instituintes capazes de gerar um institudo novo. 1.3 OS DADOS EMPRICOS E A AMOSTRA Como vimos, o estudo pretende fixar-se no mbita da esfera pblica do servio de extenso rural, o qual desde 1974/75 passou a ser exclusivamente do chamado SIBRATER Sistema Brasileiro de Assistncia Tcnica e Extenso Rural. Como ensina a EMBRATER (1990:21) Operacionalmente descentralizado, o sistema EMBRATER composto por uma empresa pblica vinculada ao Ministrio da Agricultura, a EMBRATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural, que o coordena, por 26 empresas pblicas __________________________________________________________________________ 2 - O conceito de hegemonia, aplicado dominao com direo hegemnica de classe das formaes capitalistas, conota aqui as caractersticas especficas mencionadas da ideologia capitalista dominante, por meio da qual uma classe ou frao consegue apresentar-se como encarnando o interesse geral do povo-nao, e condicionar, por si mesmo, uma aceitao poltica especfica da sua dominao por parte das classes dominadas (Poulantzas: 1986; 215)

estaduais vinculadas as secretarias de agricultura dos estados da federao e do Distrito Federal (as EMATER, a Empresa de Pesquisa, a Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Mato Grosso do Sul EMPAER, a Coordenadoria de Assistncia Tcnica Integral CATI, da Secretaria de Agricultura do Estado de So Paulo, e a Fundao de Assistncia Tcnica e Densenvolvimento Rural de Roraima FADER RR), e pelo Instituto Rural do Tocantins Ruraltins, da Prefeitura Municipal de Combinado, Tocantins. A legislao pertinente, que d origem ao SIBRATER, est principalmente consubstanciada em cinco documentos: Mensagem n.280 de 06/06/1974, do Poder Executivo, que encaminha ao Congresso Nacional a Exposio de Motivos n.08/74 dos ministros da Agricultura e Planejamento e o Projeto de Lei que autoriza o Poder Executivo a instituir a EMBRATER; a Lei n. 6.126, de 06/11/1974, que autoriza a criao da empresa; o decreto n.75373, de 14/02/1975, que cria a EMBRATER, regularmenta a Lei 6126 e d outras providncias; e os Estatutos da EMBRATER3. A partir desta Legislao, pode-se afirmar que passa haver no Pas, uma certa uniformidade no s na estrutura organizacional do servio a nvel dos estados, mas, sobretudo, na formao de ao, sob a coordenao e orientao da EMBRATER, como deixa claro o artigo 5. da lei 6126, que exige, das empresas sob controle dos estados, para que recebam apoio financeiro, que se sujeitem, comulativamente, a adotar diretrizes organizacionais e critrios de escolha de dirigentes semelhantes ao da empresa-me, operar em consnncia com os sistemas de programao e de controle, ajustar a metodologia de trabalho e de avaliao s normas preconizadas e constiuir-se no principal instrumento de assistncia tcnica e extenso rural do estado. Desta forma, em ateno legislao, passamos a contar com uma EMPRESA de nvel nacional, atuando atravs de seus satlites de nvel estadual, majoritamente, constitudas como EMATER's. (EMBRATER: 1975) Assim, diante da relativa uniformidade gestada e ajustada desde ento, um estudo que tome base qualquer das EMATER, certamente no pecar por generalizaes, quanto prtica dos extensionistas, razo pela qual o presente trabalho centra-se na prtica desenvolvida pelos extensionistas da EMATER RS, considerando esta empresa como __________________________________________________________________________ 3 Ver: EMBRATER Atos Constitutivos Documentos, 1. Braslia/EMBRATER, 1975. 27p.

representativa do universo das empresas pblicas executoras da atividade de assistncia tcnica e extenso rural, antes referidas como componentes do SIBRATER. Por outro lado, a escolha da EMATER RS, com apoio central para anlise, tambm se d devido ao compromisso do pesquisador com sua empresa empregadora, alm do fato de ser assim facilitado o trabalho de pesquisa em razo da proximidade das fontes de informao e do conhecimento que o pesquisador acumulou durante o seu trabalho em diversos escales da empresa. A deciso de buscar informaes junto aos extensionistas, levou tambm adoo de medidas que impusessem, no s a garantia da representatividade da amostra, como da regio de coleta destas informaes. Neste sentido o conhecimento do pesquisador foi de fundamental importncia, surgindo da a escolha, num primeiro passo da rea geogrfica compreendida pela regio de Santa Maria4. Esta regio de trabalho da extenso rural, no Rio Grande do Sul, apresentam caractersticas que garantem ser representativas de diferentes reas de trabalho da extenso rural. Nela se encontra desde o minifndio at o latifndio caracterstico da regio da Campanha do RS. Esta estrutura fundiria se d sob diferenas de solo e relevo bastante acentuadas, que podem ser encontradas em outras regies do estado, ao passo que as exploraes agropecurias so amplamente diversificadas, indo desde o cultivo de hortigranjeiros, fumo, feijo e milho, passando por atividades empresariais como arroz e soja, incluindo a pecuria bovina e ovina tecnificada e tradicional. Na regio, ao lado de grandes e mdias propriedades prevalecem numericamente os estabelecimentos pequenos, com rea inferior a 50ha. Existem ainda, oito assentamentos de reforma agrria resultantes das aes dos agricultories sem-terra, a partir do incio dos anos 80, o que tornaainda mais diversificado o pblico da exteso. Podem tambm ser encontrados inmeros ncleos de trabalhadores assalariados, do tipo bia-fria, diaristas, que vivem ao redor de pequenas cidades e vilas rurais, constituindo uma reserva de mo-de-obra para as __________________________________________________________________________ 4 A regio compreendida pela Coordenadoria Regional da Depresso Central, com sede em Santa Maria formada por 34 municpios. Na poca da pesquisa de campo 34 escritrios municipais contavam com extensionistas, lotados nos seguinte municpios: Santa Maria, So Pedro do Sul, So Vicente do Sul, Mata, Cacequi, So Francisco de Assis, Jaguar, Santiago, Ivor, Agudo, Nova Palma, Faxinal do Saturno, Dona Francisca, Formigueiro, Restinga Seca, So Sep, Cachoeirinha do Sul, Cerro Branco, Candelria, Sobradinho, Segredo, Arroio do Tigre, Prejuara, Salto do Jacu, Ibirub, Fortaleza dos Valos, Santa Brbara do Sul, Cruz Alta, Tupanciret, Julio de Castilhos, So Borja e Itaqui.

atividades agropecurias, o que tambm auxilia para ampliar a representatividade da regio. Por ltimo, mas no menos importante do que a amplitude de situaes de trabalho onde se d a prtica do extensionista na regio, esta tem a peculiar caracterstica de receber inmeros extensionistas que j atuaram em outras regies do estado, portanto, com experincias diversificadas, facilitando assim a tiragem de uma amostra que pudesse ser considerada como representativa do conjunto dos extensionistas locais da EMATER RS. Desta forma, para se ter um conjunto de informaes diversificado e representativo, optou-se por compor uma amostra com a participao de um extensionista rural de cada escritrio municipal da regio. A partir da, de posse da listagem oferecida pela Coordenadoria Regional da EMATER, com sede em Santa Maria, onde constavam os nomes dos extensionistas locais, por escritrio, adotou-se o procedimento da amostragem probabilstica aleatria simples, numerando em ordem crescente os extensionistas, seguindo a ordem da listagem e realizando um sorteio dos nmeros para cada escritrio. A amostra ficou composta por 32 extensionistas, estabelecendo-se como exigncia nica um mnimo de 4 anos de trabalho na empresa de extenso rural, posto que a prtica da extenso universal e igualmente desenvolvida pelos diferentes profissionais, enquanto dirigida por filosofias, objetivas, diretrizes, normas e valores identicamente orientados. Para coletar as informaes junto aos 32 extensionistas utilizou-se um questionrio. O questionrio foi previamente elaborado, com um total de 96 questes. Depois de testado, com o auxlio de extensionistas locais no participantes da amostra, o questionrio foi ajustado, reorganizado, de forma a minimizar as deficincias inerentes ao instrumento, resultando num questionrio com 43 questes. As perguntas, mesmo aquelas cujas respostas poderiam ser de sim ou no, ou de mltipla escolha, solicitava que o respondente justificasse a sua resposta, caracterizando assim a abertura do questionrio para as respostas dos extensionistas, que no ficaram tolhidos pelos direcionamentos que pudesse haver nas perguntas como respostas fechadas. A distribuio dos questionrios foi feita mediante contato direto do pesquisador com cada um dos extensionistas componentes da amostra, ocasio em que se explicitou os objetivos da pesquisa, a importncia da sinceridade das respostas e a garantia do sigilo das observaes individuais, entregando para cada um deles um documento com esclarecimentos sobre possveis dificuldades. A coleta dos questionrios preenchidos foi feita atravs do correio, sem que tivesse havido nenhuma resistncia para responder ao questionrio. Deve-se registrar, ainda, dois aspectos. Primeiro, houve casos de escritrio onde havia um nico extensionista lotado que atendesse exigncia mnima estabelecida, logo, o

sorteio tornava-se desnecessrio. Em segundo lugar, merece ser registrado que o sorteio no foi feito pelo pesquisador, que tendo trabalhado na rea, conhecia a maioria dos extensionistas locais, evitando, desta forma, qualquer tipo de interferncia de carter pessoal na composio da amostra. No seu conjunto, o trabalho traz elementos de um estudo de caso, embora possa ser tambm situado como uma pesquisa exploratria, o que no parece relevante discutir, j que no acrescentaria nada em seu resultado. Procurou-se, isto sim, manter uma linguagem acessvel e uma seqncia didtica na abordagem dos temas, de forma a permitir que o trabalho possa, efetivamente, se constituir num documento til para os extensionistas e para a sociedade. 2.4 OBJETIVOS: 2.4.1 OBJETIVO GERAL Realizar um estudo sobre as relaes que envolvam a prtica dos extensionistas o sevrios pblico, buscando desvendar os limites impostos a esta prtica e os obstculos que difucultam mudanas na prtica da etenso rural, adotando como referencial emprico o extensionismo desenvlvido pela EMATER-RS. 2.4.2 OBJETIVOS ESPECFICOS A Identificar as formas de adeso da organizao extensionista ao Estado; B Identificar funes da Organizao enquanto Aparelho Ideolgico do Estado; C Verificar como as funes do Estado e seu Aparelho so traduzidas em diretrizes e normas que interferem na prtica extensionista; D Identificar normas e diretrizes institucionais que assumam importncia como instrumento de presso e coero no sentido de orientar a prtica extensionista; E Identificar aspectos ideolgicos, inerentes ao modo de pensar dos extensionistas, que interferem em sua prtica. CAPTULO 3 A PRESENA DA EXTENSO RURAL NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO SUL

3.1 ANTECEDENTES HISTRICOS DO EXTENSIONISMO RURAL O estudo histrico da extenso rural, enquanto prtica educativa, instituda para a transferncia de informaes tcnicas na agropecuria, assumiu caractersticas diversas na histria da humanidade, com papis determinados e especificidades inerentes ao modo de produo e ao desenvolvimento das foras produtivas em cada momento1. Desde esta perspectiva, pode-se inferir que o trabalho de extenso, mesmo sem o privilgio de ter este nome, certamente j foi desempenhado pelo homem do perodo Neoltico, embora no fosse uma atividade sistematizada sob o rigor cientfico que marca seu desenvolvimento no mundo capitalista. Como lembra Ohlweiler (1987:98), o aspecto revolucionrio do Neoltico foi a introduo da prtica da agricultura o cultivo da terra e a criao de animais e a correlata sedentarizao das comunidades humanas em aldeias. Como se sabe, esta revoluo agrcola neoltica expandiu-se geograficamente e, com ela, as tcnicas de cultivo e preparo de utenslios necessrios para o trabalho da terra, inventados pelo homem. Estes, mesmo sem serem chamados de extensionistas rurais, em suas migraes para formao de novos aldeamentos, nos contatos exigidos pelo incipiente mercado de trocas ou ainda em razo da coexistncia de grupos sedentrios com grupos nmades, trocaram informaes sobre o desenvolvimento de suas relaes com a natureza e o uso dos materiais de trabalho, passando de uns para os outros os aperfeioamentos alcanados, o que levou Ohlweiler (1987:106) a afirmar que O mais importante desses intercmbios entre os povos deve ter sido a troca de experincias. A caracterstica central, que, necessariamente, precisa ser observada que, no modo de produo primitivo, as comunidades viviam e se reproduziam a partir da produo de __________________________________________________________________________ 1 As categorias Modo de Produo e Foras Produtivas so aqui usadas, conforme so conceituadas por Harnecker: Modo de Produo: Chamamos Modo de Produo ao conceito tericos que permite pensar na totalidade social como uma estrutura, dominante, na qual o nvel econmico determinante em ltima instncia. (p.139) Chamaremos de Foras Produtivas propriamente ditas as foras que resultam da combunao dos elementos do processo de trabalho sob relaes de produo determinadas. Seu resultado uma determinada produtividade do trabalho. (p.69) Harnecker, Marta. Os conceitos elementais do materialismo histrico. 1973. Chile s/ed. 317p. Ver ainda Santos, Theotnio. Foras Produtivas & Relaes de Produo. Petrpolis, Vozes, 1986. 86p.

subsistncia. Desta forma, a troca de informaes tcnicas revertia em benefcio da comunidade. As comunidades eram organizadas sobre o regime de propriedade comum do solo... O homem trabalhava para obter da natureza os bens necessrios satisfao de suas necessidades. A apropriao dos bens se fazia numa diviso igualitria... Todos eram donos da terra, todos eram donos da produo. No se encontrava, nestas sociedades, nenhum indcio da existncia do Estado, nem a formao de classes. (Mendona, 1988:66) Da inexistncia do Estado e vivendo em comunidades sem classes anatgnicas, a histria da humanidade caminha para suas fases subseqentes engendrando formas distintas de relaes tcnicas e sociais de produo2. Se nos primrdios da revoluo agrcola, o trabalho humano e a explorao da natureza se dava mediada pelo atendimento das necessidades de subsistncia, to logo se ampliam as foras produtivas colocadas disposio do homem, comeam a se modificar suas relaes. Assim, j na Idade do Bronze, com a incorporao de animais de trao, com o aperfeioamento de tcnicas de armazenagem de alimentos, dos utenslios agrcolas e domsticos, ou mesmo com o desenvolvimento de processos de irrigao e drenagem, comeam a se esboar transformaes profundas na histria da humanidade. No se trata aqui de fazer uma reconstituio histrica. Trata-se de tentar apreender as origens do extensionismo, detrminado que foi por emergentes necessidades dos homens de cada poca e pelas exigncias das relaes sociais e econmicas do modo de produo dominante. Neste sentido, no se pode creditar como obra do acaso ou , ao divina, o fato de que a videira, originria do Anatlia, tenha se espalhado pelo Oriente prximo. Pode-se, sim, dizer que, na medida em que os homens se organizavam em comunidades e modificavam seus instrumentos e formas de trabalho, os seus conhecimentos eram dissiminados atravs das trocas de informaes, cujos contedos eram apropriados em benefcios das comunidades3, porque at ento, as mudanas nas bases tcnicas se davam sob o domnio do homem, que humanizava a natureza, ao mesmo tempo em que dela extraa os produtos necessrios, primeiro para a subsistncia e, logo depois, para a troca. __________________________________________________________________________ 2 Os conceitos so utilizados conforme ensina Santos (1986). O autor mostra a dialtica entre as relaes tcnicas e sociais que do origem a determinadas relaes de produo, e alerta para trs elementos que compem estas relaes: relaes de trabalho, relaes de propriedade, relaes de troca (p.56 a 67) 3 Ohlweiler (1987:132) diz que Em todas as partes em que a agricultura prosperou, os homens tratavam de importas as novas espcies vegetais: oliveira, videira, figueira, macieira, pereira, etc...

Assim, em diferentes modos de produo, os homens transferem informaes tcnicas, cujo resultado final determinado pelas relaes dominantes em cada um deles. , portanto, a partir das novas relaes desenvolvidas pela evoluo do capitalismo que a extenso passa a ter novos contornos. Segundo Dobb, (1987:27) no exame da histria, este capitalismo, que determina novas relaes, tem seu incio situado na segunda metade do sc. XVI e incio do sc. XVII, quando, o capital comeou a penetrar na produo em escala considervel, seja na forma de uma relao bem amadurecida entre capitalistas e assalariados, seja na forma menos desenvolvida da subordinao dos artesos domsticos, que trabalhavam em seus prprios lares, a um capitalista, prpria do assim chamado sistemas de encomenda caseiro. Havia que adaptar-se um extensionismo para a exigncias desta nova realidade. Esta instituio, extenso rural, no ocorre por passe de mgica. Surge de um movimento instituinte que acompanha a evoluo histrica da humanidade, da mesma forma que o surgimento do capitalismo no se deu como um corte na histria, pois com se sabe, em suas origens o capitalismo coexistiu com outros modos de produo. Sobretudo no campo o feudalismo4 continuava predominando, marcada pelas relaes servis que mantinham os camponeses sob dominao dos senhores, membros da aristocracia ou da Igreja. A emergncia das relaes da produo capitalista diz Ohlweiler (1987, p.12) um processo que ocorreu, classicamente, no seio da prpria sociedade feudal. A partir destas verificaes de carter histrico, possvel interferir que o processo de transferncia de informaes tcnicas para o campo assume feies novas com o surgimento do capitalismo. No se nega que mudanas tcnicas, mesmo sob o feudalismo, permitiram maior apropriao de renda por parte dos senhores feudais, quer atravs da substituio da mo-de-obra escassa em alguns perodos (Peste Negra), quer pelo aumento da produtividade da mo-de-obra existente, todavia, provvel que a introduo de servios especializados de extenso agrcola tenha sido uma resposta s exigncias do processo de acumulao primitiva. A tcnica, introduzida no campo, desde ento, uma exigncia do desenvolvimento capitalista, o que est, historicamente comprovado. Jones (1989:01), diz que possivelmente, o primeiro e moderno servio de educao e extenso agrcola foi estabelecido na Irlanda, durante a grande fome da batata, em meados __________________________________________________________________________ 4 - O sculo XVI, no entanto, foi o perodo em que a servido de camponeses entes livres e semi-livres estava aumentando bastante e as obrigaes feudais (no uso econmico comum da expresso) do campesinato estavam sendo acrescidas em grande escala. (Dobb, 1987. p.43,4)

do sculo XIX. Temos que considerar que j vivia a humanidade um novo perodo, agora marcado pela existncia do Estado e pela diviso de classes, bem como, pela propriedade privada dos meios de produo. A terra, que na Europa, havia sido acumulada mediante o processo de cercamento dos campos marcada pela expropriao e expulso de camponeses, concentrava-se nas mos de poucos donos. Apesar da Carta de Claredon, citada pelo autor, acima referido, enviada pelo Conde de Claredon ao Duque de Leinster, Presidente da Real Sociedade de Agricultura da Irlanda, apresentar uma ntida conotao de preocupao com os mais pobres, no se pode descartar os interesses capitalistas embutidos na proposta de 1847. Do mesmo modo, a predominncia da empresa privada no ensino e na pesquisa agrcola da Inglaterra at o fina do sc. XVIII, como relata Rae (1989:12), ou mesmo as iniciativas pioneiras da Sociedade Filadlfia, organizada em 1785, nos Estados Unidos5 podem indicar o carter dominante do modo de produo capitalista, em desenvolvimento no campo, e o jogo de interesses dos detentores do capital. O trabalho humano e as trocas de informaes que, nas sociedades primitivas, respondiam aos anseios e necessidades dentro de um processo de cooperao, de diviso social da produo, sofre profundas mudanas. Inclusive, admitindo que o resultado do primitivo, necessrio admitir que, com o desenvolvimento das foras produtivas, comea a separao entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Sob o capitalismo, como ensina trabalho humano respondesse a propsitos previamente estabelecidos na cabea do homem Santos (1986:46) A funo de planejar, a tarefa de definir o objetivo do trabalho, escapar do trabalhador direto e incorporar-se- ao proprietrio dos meios de produo. Esta separao, que comea to logo a sociedade primitiva comea a deteriorar-se, torna-se ntida e fundamental medida em que evolui o capitalismo, assumindo sua feio industrial e sua etapa monopolista/imperialista. O Estado, como veremos mais adiante, assume, ento, o papel de mediador, como querem alguns autores, que na verdade no passa de um instrumento capaz de garantir a reproduo do modo de produo capitalista. O desenvolvimento da cincia e da tecnologia __________________________________________________________________________ 5 Kelsey & Hearn (1966:20) dizem que as primeiras organizae formais de agricultores norte-americanos foram as Sociedades Filadlfia e Massachusetts. Segundo os autores Registros da Sociedade Massachusetts para a Promoo da Agricultura, em 1792, mostram que eram realizados reunies para incentivar melhoramentos na agricultura. Em uma ocasio foram expedidas 1000 cartas circulares.

aliado ao acesso limitado dos conhecimentos cientficos a pequenos segmentos da populao acentuam a separao entre o trabalho manual e intelectual de tal forma que oportuniza o fortalecimento de categorias intermedirias de indivduos, no diretamente ligadas ao processo produtivo, que assumiro o papel formal de transmissores de informaes tcnicas. Estavam, ento estabelecidas as bases para a profisso de extensionista rural, cuja instituio seria elaborada e socialmente sancionada em momentos seguintes da histria. Pelo menos duas outras questes relacionadas ao mesmo processo devem ser traduzidas ao estudo histrico da extenso rural. A primeira diz respeito educao, enquanto mecanismo de dominao capitalista e reproduo do status quo. A segunda, relativa a alguns aspectos tericos que deram sustentao ao modelo de desenvolvimento da sociedade industrial em sua componente rural. Estas questes, de suma importncia, sero abordadas ao longo dos prximos itens. 3.2 A INTERNALIZAO INSTITUCIONALIZADA DA EXTENSO RURAL NO BRASIL Embora a maioria dos autores citem momentos especficos como marcantes da institucionalizao da Extenso Rural no Brasil, e, inclusive, na atualidade, alguns setores falem em lutar pela institucionalizao da extenso rural, bem verdade que o extensionismo, no Brasil, j nasceu como instituio, que se utilize este conceito sob a tica de um conjunto de normas estabelecidas pela sociedade, quer se utilize instituio como sinnimo de organizao patrocinadas ou no pelo Estado. O carter institucional da extenso rural no Brasil, est nitidamente relacionado ao processo de interferncia imperialista nos pases perifricos. No caso, se evidencia um dos aspectos da dialtica dependncia/dominao exercida pelos Estados Unidos sobre o Brasil (e Amrica Latina) no perodo Ps-Guerra, como j acorrera em momentos histricos anteriores, com a dominao do colonialismo ou no-colonialismo. Quanto instituio extenso rural, no momento se deve ressaltar apenas o fato de que ela j nasceu no Brasil sob o comando do capital e mais, sob forte influncia do capitalismo monopolista norte-americano. , pois, com razo, que a maioria dos autores que fazem uma anlise histrico-crtica do extensionismo no Brasil, demonstram que a introduo da extenso rural, como prtica organizada e organizativa da produo no ampo, est intimamente relacionada s polticas e ideologia norte-americana estabelecida no perodo da chamada guerra-fria.

Como assevera Queda (1987:70) No caso do Brasil, o seu alinhamento poltica da guerra fria teve como conseqncia a sua amarrao s tentativas de desenvolvimento capitalista sob a hegemonia dos Estados Unidos da Amrica. O debate sobre as condies do seu atraso, bem como das alternativas de superao se processa dentro deste quadro. tambm dentro desse quadro que surge um projeto de extenso rural, com um dos instrumentos de uma estratgia de superao do atraso na agricultura. Embora os anos 40 fossem marcados por um grande debate sobre o modelo de desenvolvimento que devamos seguir, estavam em predominncia, no Brasil, as teses de CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina, cujo pensamento econmico, embora propusesse mudanas estruturais na questo agrria propugnavam pelo fim dos latifndios -, optava pelo chamado nacional-desenvolvimentismo. Para Mantega (1987:34,9) A preocupao bsica da CEPAL era a de explicar o atraso da Amrica Latina em relao aos chamados centros desenvolvidos e encontrar as formas de super-lo... A sada para essa situao reside, segundo a CEPAL, na implementao de uma poltica deliberada de desenvolvimento industrial, que promova uma reforma agrria, melhore a alocao dos recursos produtivos e impea a evaso da produtividade. Esta teoria nacional-desenvolvimentista, que tentava reorientar o desenvolvimento para dentro, com base em um processo de produo industrial para o mercado interno, ao invs de romper com os mecanismos de dominao estabelecidos pela expanso dos monoplios internacionais, acaba servindo como base para a acumulao capitalista dos pases desenvolvidos, posto que o modelo ficava aberto para o capital estrangeiro que estivesse disposto a investir para o desenvolvimento nacional, mostrando-se, por outro lado, insuficiente para explicar todos os mecanismos econmicos que determinavam o subdesenvolvimento no Brasil. Inclusive estas teses encobriam o fato de ser o subdesenvolvimento exatamente uma produo do desenvolvimento e da acumulao capitalista. E, encobrindo este aspecto fundamental, abre-se o caminho para a introduo de um servio de Estado, cujo papel central ser educar o povo rural para que passe a intoduzir processos e produtos capazes de modernizar sua atividades agrcolas e do lar, passando de uma fase de atraso para um estgio moderno1. bem verdade que a agricultura, nessa poca, passava a ter uma funo qualitativamente nova. Como diz Oliveira (1987:20) De um lado, por seu sub-setor dos produtos de exportao, ela deve suprir as necessidades de bens de capital e intermedirios de produo externa... De outro lado, por seu sub-setor de produtos destinados ao consumo

interno, agricultura deve suprir as necessidades das massas urbanas, de forma a no elevar o custo de alimentao e secundariamente, o custo das matrias-primas, e no obstaculizar, portanto, o processo de acumulao urbano-industrial. Ao Estado caberia, ento, o papel de intervir no s no sentido de construir as infraestruturas necessrias estradas, por exemplo como no sentido de garantir instrumentos de interiorizao do progresso tcnico, a fim de dar meios para que a agricultura cumprisse suas funes. Deve-se ter em conta que no s Estado nacional que investe neste sentido, seno que h um significativo aporte de recursos materiais, tcnicos e humanos dos Estados Unidos da Amrica do Norte por seus tentculos pblicos e privados, como mostram diversos autores2. Alis, bom deixar bem claro que o capitalismo monopolista norteamericano necessitava de novos mercados, porto que a continuidade do processo de acumulao dependia da expanso alm-fronteiras para dar vazo ao desenvolvimento das foras produtivas cujo potencial havia crescido no perodo anterior. , neste contexto, que a figura de Nelson Rockefeller se destaca, como um dos aliados dos brasileiros, para a introduo da extenso rural. Seus interesses no Brasil se difundiam por vrios campos, onde contava com agentes internos. Como lembra Karavaev (1987:126), em 1947 (ano da implantao do projeto extensionista de Santa Rita do Passa Quatro SP, sob o patrocnio da AIA) foi criada pelo governo uma comisso para normatizar a questo do petrleo A comisso era composta de partidrios evidentes do capital estrangeiro, em particular, a sua direo foi confiada a O. Braga, presidente da companhia Gs-Esso, filial brasileira da Companhia Standard Oil de Rockefeller. Fonseca (1985) destaca a trajetria de Nelson Rockefeller como empresrio, filntropo e representante dos Estados Unidos, na articulao com o Estado brasileiro, __________________________________________________________________________ 1 Francisco de Oliveira em sua obra Crtica Razo Dualista analisa as teorias que deram sustentao ao modelo brasileiro implantado a partir dos anos 30 e afirma que No plano terico, o conceito de subdesenvolvimento como uma formao histrico-econmica singular, constituda polarmente em torno da oposio formal em um setor atrasado e um setor moderno, no se sustenta como singularidade: este tipo de dualidade encontrvel no apenas em quase todos os sistemas, como em quase todos os perodos. Por outro lado, a oposio na maioria dos casos to somente formal: de fato, o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrrios, em que o chamado moderno cresce e se alimenta da existncia do atrasado, se se quer manter a terminologia. Oliveira (1987, p.12) 2 Ver, por exemplo: Fonseca (1985), Queda (1987), Oliveira (1987) e Canuto (1984)

atravs de governantes de diversos nveis, para a implantao do servio de extenso rural. Seus encontros, mais tarde, com o presidente Jucelino Kubitschek, em cujo programa de metas de governo estava explcito o apoio industrializao e abertura ao capital estrangeiro, demonstram ter havido grande interesse dos grupos do capital internacional, aqui instalados, na superao do atraso da agricultura, de forma a fazer com que o setor desse respostas necessrias sustentao da poltica de industrializao3. Estavam, ento, criadas as condies para a realizao da experincia de Santa Rita do Passa Quatro e para posterior criao da ACAR Minas Gerais, em 1948, plos centrais de irradiao, no s do modelo, mas, sobretudo, da doutrina do extensionismo norteamericano no Brasil. Arajo et alil (1981:13) diz que Os entendimentos com o governo mineiro e com os lderes de mentalidade progressista conduziram assinatura de um convnio, em 06/12/1948, entre o governo do Estado (MG) e a AIA (Associao Internacional Americana brao filantrpico do grupo Rockefeller), pelo qual se fundou a Associao de Crdito e Assistncia Rural (ACAR), com a finalidade de estabelecer um programa de assistncia tcnica e financeira que possibilitasse a intensificao da produo agropecuria e a melhoria das condies econmicas e sociais da vida rural. Para Padilha (s.d.), no entanto, os grandes patrocinadores do crescimento da Extenso Rural no Brasil e na Amrica Latina, podem ser divididos em trs grupos: O governo norte-americano, atravs de suas instituies (IIAA Institutos Interamericano para Assuntos da Amrica e o ETA Escritrio Tcnico Brasil Estados Unidos, so exemplos clssicos); as associaes ou entidades filantrpicas (como as Fundaes Ford e Rockefeller, inclusive o AIA) e por ltimo as organizaes internacionais (OEB, BID, IICA, FAO, BIRD). A partir deste momento, a ACAR MG, segundo AMMANN (1987:31) passa a reproduzir no Brasil o modelo americano de extenso agrcola levado ao cabo desde o incio do sculo e testado pelos Estados Unidos em alguns pases, como foi o caso da ndia, __________________________________________________________________________ 3 Brum (1988:46) afirma que Quanto ao Brasil, ainda em 1943 Nelson Rockefeller, ento um dos chefes do poderoso grupo econmico, visitou o nosso pas, ocasio em que fundou trs empresas vinculadas ao grupo> a Cargill; ligada principalmente comercializao internacional de cereais e fabricao de raes; a AGROCERES, destina s pesquisas genticas com o milho e produo de sementes de milho hbrido; e a EMA (Empreendimentos Agrcolas), voltada para a fabricao de equipamentos para a lavoura.

atravs do projeto ETAWAH. Em sntese, foram colocados em prtica as linhas do Servio Cooperativo de Extenso Rural, do modelo gerado pelos Land Grand Colleges e dos instrumentos criados pelo governo norte-americano, chamados Farm and Security Administration e Farm and Home Administration, estes criados para dar suporte ao grande nmero de agricultores atingidos pelas conseqncias da crise capitalista, marcada pela quebra da Bolsa da Nova Iorque, em 19294. No obstante as alteraes ocorridas ao longo dos anos em sua estrutura e organizao, a extenso rural no Brasil j nasceu com o firme propsito de educar para a assistncia tcnica, ou seja, promover um processo de interiorizao dos progressos tcnicos desenvolvidos pelo capitalismo industrial, de maneira a fazer da agricultura, um lugar propcio para a acumulao capitalista do setor dinmico da economia. Suas fases centradas no desenvolvimento de comunidades ou na idia da propriedade como um todo no passam de estratgias capazes de garantir a aderncia e a posterior subordinao da agricultura ao modelo de desenvolvimento urbano-industrial. A instituio extenso rural no foi jamais alterada em seus eixos centrais, embora tenham existido propostas de mudana. As polticas agrcolas encetadas a partir de meados da dcada de 50, bem como as mudanas ocorridas nos anos 60 e 70 foram acompanhadas pari-passu pela extenso rural, atrelada que estava ao papel desempenhado pelo Estado, no sentido de suprir os setores mais fracos e mais atrasados com instrumentos capazes de faz-los mais dinmicos e, portanto, mais adequados aos fluxos do capital. O historicismo, ou como querem alguns autores, a historicidade da extenso rural no Brasil, j foi por demais abordado5, razo pela qual optou-se por no retornar ao tema, seno que adendar aspectos que pudessem trazer mais luz anlise do papel da extenso rural, enquanto instrumento do Estado capitalista. Papel este que assume suas caractersticas mais clara e menos ambgua, a partir de 1974, com a criao da EMBRATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural, que passa a ser o brao forte do Estado junto ao povo rural, empenhada que se mostrou em garantir o modelo __________________________________________________________________________ 4 Sobre os modelos de extenso rural nos Estados Unidos, ver, entre outros: Bechara (1954), Kelsey e Hearn (1966), Ramsay et alii (1975) e Arajo et alii (1981) 5 Sobre a histria da extenso rural no Brasil, inmeros trabalhos publicados mostram, em seu conjunto, e com diferentes enfoques uma bem elaborada informao. Ver, entre outros: Queda (1987), Oliveira (1987), Canuto (1984), Fonseca (1985), Silva (1986), Figueiredo (s.d.), Luppi (s.d.) e Arajo et alii (1981), citados na bibliografia.

modernizante/excludente que se desenvolvia no meio rural. Deve-se observar que a criao da EMBRATER, no um fato isolado. Ela ocorre aps a criao da EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria e seguida por uma srie de atos executivos (Governo Geisel) que estabelecem, inclusive, a criao do COMPATER Comisso Nacional de Pesquisa Agropecuria e de Assistncia Tcnica e Extenso Rural, encarregada de assegurar articulao orgnica entre as atividades de pesquisa e de assistncia tcnica. Podem se tornar mais claras as motivaes do Estado, quando se l, na exposio de Motivos n. 08/74, dos Ministros da Agricultura e Chefe da Secretaria do Planejamento, enviada pelo presidente Ernesto Geisel ao Congresso Nacional em 06/06/1974, que: A concretizao de um plano de desenvolvimento agrcola depende, basicamente, da conjugao de esforos para aumentar os nveis de produo e produtividade da nossa agricultura que, como se sabe, so ainda muito baixos. A conjugao ordenada da pesquisa, do crdito e da assistncia tcnica torna-se essencial aos esforos do governo para acelerar o processo de desenvolvimento do setor agropecurio, atravs da incorporao macia de tecnologia e da melhoria da produtividade da mo-de-obra no campo. (EMBRATER; 1975, a:p.9). , pois, atravs de um organismo forte e gil, flexvel e poderoso, capaz de atender s necessidades de informaes tecnolgicas que tem o produtor, que o Estado passar a contar, desde ento, com um instrumento rpido e eficiente para a execuo de programas integrados visando o aumento da produo e produtividade assim como promoo do homem do campo. (EMBRATER, op. cit.) Deste momento at a sua extino, a EMBRATER coordenou, no Pas, a ao do Estado para o meio rural. Isto, de certa forma, corresponsabiliza a EMPRESA e o SIBRATER Sistema Brasileiro de Assistncia Tcnica e Extenso Rural, pelos resultados da aplicao do modelo de desenvolvimento urbano-insdustrial, que fizeram do campo um palco de grandes transformaes sociais, de grande excluso de trabalhadores e suas famlias e, sobretudo, de intensa e contnua subordinao ao capital industrial, comercial e financeiro. a prpria EMBRATER (1990:11), em um de seus ltimos documentos, que se informa que O processo de modernizao adotado e a rpida expanso das fronteiras agrcolas acarretaram, como conseqncia, os seguintes fatores:

l A ocupao desordenada do espao rural, com ntidos e indesejveis prejuzos ecolgicos; l Uma alterao profunda da base tecnolgica da produo agrcola, da composio das culturas e dos processos de produo, de forma concentrada, marginalizando a maioria dos agricultores; l Uma concentrao da propriedade da terra, afetando sensivelmente as relaes de trabalho no campo; l Um forte xodo rural, o crescente assalariamento da fora de trabalho agrcola e a alta sazonalizao do emprego rural; l Alteraes quantitativas e qualitativas no processo de urbanizao; l O aumento da dependncia da produo agrcola a interesses extra-agricultura e ao mercado internacional Ora, estas so as conseqncias bvias do modelo de desenvolvimento capitalista, algumas delas j denunciadas no sculo passado. Portanto, pode-se concluir que a extenso rural no Brasil, desde seus primrdios at o momento atual, esteve institucinalizada como prtica de suporte do Estado ao desenvolvimento do capitalismo no campo. Resta saber a quem serve o Estado e qual o papel de seus aparelhos, para verificar que no poderiam ser outros os resultados das polticas instriorizadas pelo processo educativo da extenso rural. 3.3 A EXTENSO RURAL NO RIO GRANDE DO SUL E SUA ADEQUAO AO SISTEMA EMBRATER Criada a ACAR Minas Gerais, em 1948, logo comea a expandir-se a idia da organizao de servios semelhantes, no restante do Pas, puxadas por uma conjuntura favorvel. Os anos 50 chegam com redobrado impulso modernizante. Como lembra Caio Prado Junior (1987:305) Em 1947, o valor das importaes ultrapassa o da exportao. Havia necessidade de buscar o equilbrio do balano comercial que, embora melhorasse em 48 e 49, continuava a ser uma ameaa ao desenvolvimento do Pas. O ano de 1950 trar pra o Brasil um saldo comercial vultuoso, cerca de U$ 300 milhes, reequilibrando-se em conseqncia as contas externas do Pas. Esta situao coincide com o incio do novo governo do Presidente Getlio Vargas, que se aproveitar dela para lanar um programa de fomento da atividade industrial. (op.cit.) Por sua vez, a agricultura precisava dar respostas,

sendo para isso mobilizando o setor rural. No Rio Grande do Sul, experincias extensionistas se desenvolviam, j no final do sculo passado1. Nos anos 50 outras experincias foram desenvolvidas, pelo Servio de Informao Agrcola do Ministrio da Agricultura, atravs das Misses Rurais. Diz Ammann (1987:53) que nascidas num momento histrico brasileiro de otimismo pedaggico, as Misses Rurais partiam da convico de que na educao de base encontrava-se a soluo para o problema da marginalidade social e para o atraso cultural de nossas populaes campesinas. Essas populaes eram consideradas o setor disfuncional do sistema e necessitavam ser a ele integradas para salvaguardar a harmonia e o equilbrio da sociedade. Existiam, pois, condies prvias que indicavam a possibilidade e a necessidade de ser criada uma ACAR, no Rio Grande do Sul, dadas por um lado, pelo discurso educativo salvador e, por outro, pelas exigncias do nvel econmico, determinadas pelo rumo do Possivelmente estas tenham sido as principais motivaes que levaram reunio de um grupo de cidados decididos a criar a ACAR RS. Segundo relato histrico (EMATER:1983) Os movimentos iniciais, que levariam concretizao de tal idia, foram liderados pelo Sr. Kurt Weissheimer, que com sua penetrao e influncia nos meios econmicos locais, conseguiu sensibiliz-los para a iniciativa, levando-os a apoi-la e a interessar-se pela sua concretizao. A primeira reunio, com o objetivo de criar a ACAR RS, se realizou em setembro de 1951. Dela participaram as maiores autoridades civis e eclesisticas do estado, inclusive o governador, e, no por coincidncia, estavam tambm presentes os senhores Robert W. Huggens e Henry Wight Bragley, Diretores da American International Association (AIA) do Grupo, Rockefeller, o Sr.Vice-Cnsul dos Estados Unidos da Amrica e ainda Mr.Walter L. Crowford, Assistente Tcnico da ACAR, ela no foi implementada, o que viria a ocorrer em 1955, com a criao da ASCAR - Associao Sulina de Crdito a Assistncia Rural. A leitura dos documentos histricos da ASCAR, admitem inferir que os mesmos interesses do capital internacional e dos setores do capitalismo industrial, financeiro e __________________________________________________________________________ 1 Kliemann (1986) relata atividades dos Jesutas, da Sociedade Unio Popular, da Liga de Unio Colonial, que tinham, em parte, um carter extensionista, na medida em que publicavam almanaques, anurios e jornais com a finalidade de educao agrcola e defesa dos interessas dos colonos. (p.119) desenvolvimento capitalista.

comercial do pas que haviam adotado outras iniciativas, no sentido de desenvolver o meio rural estavam presentes tambm, nesta ocasio. Basta lembrar que foram instituies fundadoras da ASCAR, a Federao das Associaes Comerciais, a Federao das Associaes Rurais, a Federao das Indstrias, o Centro Cvico e Social da Produo, o Sisndicato dos Bancos e o Banco Agrcola Mercantil2. Deve-se ressaltar que a ASCAR s comeou a ter atuao efetiva a aprtir da firmatura de um convnio entre o Ministrio da Agricultura, Secretaria de Agricultura (RS), o Escritrio Tcnico de Agricultura Brasil Estados Unidos e a ASCAR so garantidos os recursos tcnicos e financeiros, mediante a responsabilidade da nova entidade de ser a executadora da extenso rural no Rio Grande do Sul. Isto posto, pode-se traduzir para o extensionismo gacho as anlises referidas por diversos autores para a extenso rural no Brasil. Inclusive, cabe ressaltar que a ASCAR passa a atuar em 1956, ano de fundao da ABCAR, que ir congregar todas as ACAR do Brasil, segundo um modelo vertical de orientao. Falando sobre a ABCAR, Rodrigues apud FONSECA (1985:114) diz que, O perodo profundamente marcado pela influncia americana: AIA e ETA so membros fundadores e mantenedores, junto com o Banco do Brasil, a Confederao Rural Brasileira e as filiadas (posteriormente ingressaro a MA, MEC, SSR, IBC e o BNCC). Tcnicos americanos integram a Assessoria da ABCAR e tcnicos brasileiros obtm oportunidades de treinamento nos EUA. Todos os aspectos antes relacionados ganham maior dimenso na medida em que a ASCAR, ao filiar-se ABCAR, passa a ser mais uma das organizaes a seguir as orientaes centralizadas no Sistema, posto que era exigido das filiadas que, embora autnomas, deveriam subordinar-se aos princpios gerais adotados pela ABCAR. As exigncias gerais da ABCAR para com as suas filiadas levam Fonseca (1985:120) a dizer A descrio de todos estes aspectos demonstram como o documento era exaustivo quanto ao que se devia entender por um rgo central extensionista, pelo tipo de vida a ser levado por suas filiadas, pela postura no comportamento a ser exigido de seu pessoal, seja no mbito do trabalho de campo... revela os esforos para consolidar um organismo de forte contedo ideolgico a ser veiculado no seu interior e no interior de seus ramais, a fim de garantir a __________________________________________________________________________ 2 O Sr.Kurt Weissheimer, idealizador e percursor da idia da criao da ACAR em 1951 e que, posteriormente, foi o primeiro presidente da ASCAR, esteve presente na fundao da ASCAR como representante do Banco Agrcola Mercantil.

lealdade de seus membros crena de um trabalho harmnico e unificado. necessrio resgatar o fato de que a ideologia extensionista no tem sua expanso s no interior do Brasil, com a criao das ASCAR. marcante, nesta mesma poca, a disseminao de servios de extenso rural por toda a Amrica Latina. Inclusive atravs da leitura de alguns documentos, verifica-se uma certa uniformidade, no s no projeto e suas bases ideolgico-polticas, que caracterizam a instituio, como tambm nos modelos organizativos propostos3. Fica evidenciado que, idia central de que a extenso um processo educativo, cada autor acrescenta outras idias sobre os propsitos, objetivos e mtodos da extenso, sem, no entanto, fugir da viso produtivista, segundo a qual o atingimento de melhores nveis de bem estar para o povo rural deveria passar pela introduo (ensino) de tcnicas capazes de garantir aumentos de produo e produtividade. Alm disso, cabe registrar que as entidades extensionistas, inclusive a ASCAR, passam a se inscrever no mbito do setor pblico agrcola, reportando-se s polticas do Estado, como se refere o tem I do art.4. dos Estatutos da ASCAR (EMATER:1983): integrao poltica estabelecida pelos Governos Federal, Estadual e Municipais para o desenvolvimento do meio rural. Esta caracterstica passa a ter um significado poltico cada vez mais importante, tanto que, aps ser criada a EMBRATER, a liberao de recursos para a extenso rural nos estados da federao ficar condicionada existncia das EMATER, conforme fica claro no Art.6. dos Estatutos da EMBRATER (EMBRATER, 1975:21). Este artigo estatutrios e reportava ao art.5. da Lei 6.126 de 06/11/74, segundo o qual, Podero a EMBRAPA e a EMBRATER dar apoio financeiro a empresas sob contrle estadual constitudas para os fins previstos no inciso III do art.1., desde que se sujeitem estas seguintes condies cumulativas. (EMBRATER:1975:13). Seguem-se as condies, que vo desde a adoo das diretrizes organizacionais e critrios para a escolha de diretores, dos ajustes dos sistemas de programao e d metodologia, at a necessria incorporao das ACAR, ficando assim garantida a reproduo da instituio extenso rural mesmo em nova organizao. Logo, surgem as EMATER, como fruto de uma exigncia legal do governo federal, no deixando escolha s unidades da federao que desejassem receber apoio financeiro e __________________________________________________________________________ 3 Neste sentido ver, por exemplo: IICA, Fundamentos de Extensin Agrcola. IICA, Montevideo, Uruguai, 1954. 102p. Law, Howard E. Extensin Agrcola. Princpios Bsicos Y Metodos de Enseanza. Consejo de Bienestar Rural. Caracas, Venezuela, 1955. 92p.

tcnico da nova Empresa-me, que em seu documento-Marco Geral de Referncia (EMBRATER: 1975) ir detalhar a forma de relacionamento, bem como as diretrizes e estratgias de trabalho. No Rio Grande do Sul ocorreram uma srie de desdobramentos polticos que impediram a criao de uma Empresa Pblica, apesar do governo do Estado ter encaminhado Projeto de Lei Assemblia Legislativa (n. 116/75). O projeto do Poder Executivo no foi aprovado e, em seu lugar, a Assemblia votou por um substitutivo que criava uma autarquia, o Instituto de Assistncia Tcnica e Extenso R