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409 A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM MOVIMENTO: O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO RURAL E APOIO À REFORMA AGRÁRIA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS La extensión universitaria en movimiento: el Programa de Desarrollo rural y Apoyo a la Reforma Agraria en la Universidad Federal de Minas Gerais. Deyvison Lopes de Sirqueira 1 Raquel Vieira da Costa 2 Giliarde de Souza Brito 3 Helder dos Anjos Augusto 4 1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Instituto de Ciências Agrárias (ICA) E-mail: [email protected] 2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Instituto de Ciências Agrárias (ICA) E-mail: [email protected] 3 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Instituto de Ciências Agrárias (ICA) E-mail: [email protected] 4 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Instituto de Ciências Agrárias (ICA) E-mail: [email protected] Resumo Este artigo é um estudo de caso sobre o Programa de Desenvolvimento Rural e Apoio à Re- forma Agrária, com o objetivo de analisar a existência de alguma contradição entre a Extensão Universitária da UFMG e as ações do programa, pela ótica dos atores que compõem o programa na condição de Equipe de Trabalho, verificando se o programa de Extensão no desenvolvimento de suas ações garante o cumprimento da política de Extensão da UFMG e, em contrapartida, se a política de Extensão da UFMG contribui para o alcance dos objetivos do programa. Optou- se pela pesquisa documental, a aplicação de questionários e de entrevistas semiestruturadas. A concepção de extensão presente no conceito assumido pela UFMG indica que deve estar orientada na transformação da sociedade, mas não determina qual proposta de sociedade adotar nesse processo de transformação. Verifica-se que o programa atende em parte às premissas do conceito de extensão adotado pela UFMG. Palavras-chave: Movimento. Comunidade. Ensino superior

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A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM MOVIMENTO: O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO RURAL E APOIO À REFORMA AGRÁRIA

NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

La extensión universitaria en movimiento: el Programa de Desarrollo rural y Apoyo a la Reforma Agraria en la Universidad Federal de Minas Gerais.

Deyvison Lopes de Sirqueira1

Raquel Vieira da Costa2

Giliarde de Souza Brito 3

Helder dos Anjos Augusto4

1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Instituto de Ciências Agrárias (ICA)

E-mail: [email protected]

2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Instituto de Ciências Agrárias (ICA)E-mail: [email protected]

3 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Instituto de Ciências Agrárias (ICA)

E-mail: [email protected]

4 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Instituto de Ciências Agrárias (ICA)

E-mail: [email protected]

ResumoEste artigo é um estudo de caso sobre o Programa de Desenvolvimento Rural e Apoio à Re-forma Agrária, com o objetivo de analisar a existência de alguma contradição entre a Extensão Universitária da UFMG e as ações do programa, pela ótica dos atores que compõem o programa na condição de Equipe de Trabalho, verifi cando se o programa de Extensão no desenvolvimento de suas ações garante o cumprimento da política de Extensão da UFMG e, em contrapartida, se a política de Extensão da UFMG contribui para o alcance dos objetivos do programa. Optou-se pela pesquisa documental, a aplicação de questionários e de entrevistas semiestruturadas. A concepção de extensão presente no conceito assumido pela UFMG indica que deve estar orientada na transformação da sociedade, mas não determina qual proposta de sociedade adotar nesse processo de transformação. Verifi ca-se que o programa atende em parte às premissas do conceito de extensão adotado pela UFMG.

Palavras-chave: Movimento. Comunidade. Ensino superior

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INTRODUÇÃO

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realiza extensão universitária orienta-da pelo conceito: “A extensão universitária, sob o princípio constitucional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisciplinar educativo, cultural, científi co e político que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da socie-dade”. Este conceito foi defi nido pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX), no seu I Encontro, em 1987. Esse conceito foi incluído no Plano Nacional de Extensão Universitária, de autoria do FORPROEX e do Ministério da Educação e Cultura (MEC) e adotado pela pró-reitoria de Ex-tensão, órgão responsável pela coordenação das ações de Extensão da UFMG. As ações de ex-tensão universitária da UFMG são classifi cadas em programa, projeto, curso, evento, prestação de serviços, produtos e publicação. Uma das ações que compõem a extensão universitária rea-lizada pela UFMG é o Programa de Desenvolvimento Rural e Apoio à Reforma Agrária (PRO-DERA), este deve orientar-se pelo conceito, regulamentos e diretrizes norteadores da política de extensão da pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais – PROEX/UFMG. O PRODERA foi criado em 2010 a partir de uma construção conjunta entre agricultores assentados/acampados, estudantes e servidores do Instituto de Ciências Agrárias – ICA/UFMG, com o objetivo de articular um conjunto de ações relacionadas ao desenvolvimento rural e à reforma agrária desenvolvidas desde 2006 por estudantes que participavam do movimento estudantil, organizados na Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB e no Nú-cleo de Agricultura Sustentável do Cerrado (NASCer). Esses estudantes tinham uma relação de diálogo e parceria com os movimentos sociais do campo. É dessa relação que surge a iniciativa de criação do programa. Por isso, na construção do programa foi marcante o protagonismo dos movimentos sociais, principalmente o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, no processo de defi nição dos objetivos, dos princípios metodológicos e da estrutura organiza-cional do programa. Contrastando o conceito de extensão universitária assumido pela UFMG e as concep-ções e ações de extensão universitária desenvolvidas pelo PRODERA, esta pesquisa buscou analisar se existe alguma contradição entre a extensão universitária da UFMG e as ações do PRODERA, pela ótica dos atores que compõe o programa na condição de equipe de trabalho, verifi cando se o PRODERA no desenvolvimento de suas ações garante o cumprimento da po-lítica de extensão da UFMG e em contrapartida se a política de extensão da UFMG contribui para o alcance dos objetivos do programa. Essa análise pretende contribuir com o debate sobre a extensão universitária desenvolvida PRODERA dando mais elementos para que a Equipe de Trabalho possa melhor orientar as ações em desenvolvimento, bem como, contribuir com a elaboração e planejamento de futuras ações. No primeiro momento buscou-se compreender as divergências em torno da extensão universitária na opinião dos autores que tratam do tema e situar a posição da UFMG com rela-ção a extensão universitária. Em um segundo momento procurou-se verifi car se o PRODERA atende as premissas do conceito de extensão universitária assumido pela PROEX/UFMG, com

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base na opinião da equipe de trabalho. E, por último, identifi car a existência de contradição entre a extensão desenvolvida pelo PRODERA e o conceito de extensão assumido pela UFMG Para verifi car se o PRODERA atende as premissas do conceito de extensão assumido pela UFMG, analisou-se as ações do programa, identifi cando a relevância das interações e transfor-mações realizadas em cada contexto onde essas são desenvolvidas, identifi cando a contribuição do programa na formação educativa, cultural, científi ca e política dos parceiros do programa e dos estudantes e servidores do Instituto de Ciências Agrárias/UFMG e, por último, verifi cando nas concepções e metodologias do PRODERA se esse colabora para a estruturação da indisso-ciabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. De acordo com Fagundes (1985, f.10), analisando o percurso desta instituição “[…] percebe-se que a universidade tende, estruturalmente, a servir os interesses das classes domi-nantes e dos grupos dirigentes”. Em função desse aspecto, as tentativas de construção de uma universidade que sirva aos interesses de toda a sociedade, nas ocasiões em que ocorreram, se fi zeram “[...] mediante as pressões e reivindicação daqueles setores preocupados ou compro-missados com a democratização da Sociedade e com a socialização dos bens produzidos na Universidade” (FAGUNDES, 1985, f. 10). Fagundes (1985) afi rma ainda que, ao desempenhar determinado papel, a universidade brasileira foi incorporando as funções que hoje a compõem: o ensino, a pesquisa e a extensão. A primeira função incorporada foi o ensino, cumprindo com a formação profi ssional e cultural, após é introduzido a função de pesquisa, com a fi nalidade de produção de conheci-mento e por último a extensão, que recebeu diferentes sentidos no decorrer dessa construção, indo desde a prestação de serviços à comunidade a um elemento que pode contribuir com a transformação das estruturas sociais. A instituição universitária é uma criação da civilização ocidental nascida nos países europeus e adotada nos países que, pelo processo de colonização, sofrerão infl uência europeia. Ainda que no período colonial a universidade já existisse em Portugal esta instituição não foi implantada no Brasil, visto que havia a necessidade de manter a dependência da colônia em relação ao reino e para tanto era importante que a formação das elites brasileiras fi casse centra-lizada na Universidade de Coimbra (MENDONÇA, 2000). A universidade francesa tinha duas características principais: a especialização, como uma faculdade para cada profi ssão, e a exclusividade do ensino. Sob essa infl uência os cursos formados no Brasil tinham o objetivo de atender as necessidades do Estado surgente através da formação de seus burocratas, de especialistas na produção de bens de consumo e de profi ssio-nais liberais. Para Fagundes (1985) a proclamação da independência não representou nenhuma mudança de ordem estrutural e também não confi gurou nenhuma mudança na questão do ensi-no superior desenvolvido no país. Passado o império, na primeira república dá-se um fortale-cimento do Estado e por meio de um decreto são criadas às primeiras universidades brasileiras ofi ciais, que nascem da aglutinação dos cursos superiores já implantados. Segundo Mazzilli (1996) outra intervenção do estado na construção da universidade brasileira foi a criação do Estatuto das Universidades Brasileiras, conforme essa autora o esta-tuto defi niu como funções da universidade o ensino e a pesquisa, e estabeleceu que a extensão seria realizada em forma de cursos para atender a fração da população sem acesso do ensino

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superior. Fávero (2006) afi rma que a aprovação desse estatuto buscou conciliar as concepções divergentes, gestadas na Sociedade civil, sobre a questão universitária. Com relação à pesquisa Mendonça (2000) diz que alguns teóricos defendiam a centrali-dade da pesquisa com relação a qualquer outra função, mas enquanto para alguns esta deveria se desenvolver como ciência pura e desinteressada para outros esta deveria buscar o estudo dos grandes problemas nacionais. Para Souza (1996), no momento de criação das primeiras univer-sidades o país passava por um processo de renovação e de modernização, o que impulsionou a movimentação de diversos setores da sociedade na modernização das estruturas sociais e polí-ticas. Essas movimentações tiveram repercussão no debate e nas experiências de construção da universidade. Mas, com o Estado Novo, em função do caráter centralizador do Estado nesse período, a participação social na construção da universidade sofre limitações. Segundo Cunha (2007 b), vencido o período do Estado Novo, a república populista questionava o ensino supe-rior vigente e propunha uma modernização nas estruturas de ensino para acompanhar o ideal desenvolvimentista hegemônico naquele período. Esse fator propiciou a expansão do ensino superior no país, em que o número de univer-sidades aumentou de 5, em 1945, para 37 em 1964 e o número de instituições isoladas cresceu de 294 para 564, no mesmo período. Segundo Paula (2013), as primeiras manifestações da extensão universitária surgem na Inglaterra, na segunda metade do século XIX, em um contexto em que as contradições do modo de produção capitalista movimentaram diversos setores da Sociedade na denúncia aos efeitos do capitalismo e na reivindicação por uma nova forma de organização social. Para dar respostas às reivindicações desses movimentos, diversas instituições são criadas, para atender às deman-das sociais dos trabalhadores, sem contrapor os interesses do capital. É nesse sentido, de con-tribuir com o trabalho do Estado e de outras instituições em atender às demandas sociais, que a universidade inicia o processo da extensão universitária. No princípio, a extensão universitária assume duas vertentes: a primeira originada na Inglaterra, e que envolveu diversas instituições (o Estado, a Igreja, Partidos) e se preocupou em oferecer contrapontos às consequências nefas-tas do capitalismo, e a segunda vertente foi protagonizada pelos Estados Unidos e que aproxi-mou o setor empresarial no sentido de dar soluções às contradições a partir da transferência de tecnologias (PAULA, 2013). Diferente dos países centrais, na América Latina, a extensão universitária se formou a partir de outras motivações: as revoluções sociais ocorridas nessa região no século XX colo-caram em marcha diversas reivindicações e lutas sociais que infl uenciaram o ambiente univer-sitário. Cabe destacar o Movimento de Córdoba, protagonizado pelos estudantes, com ideias que se alastraram por todo o continente e culminaram no Congresso Internacional de Estudan-tes – México, 1921. O movimento de Córdoba propunha uma aproximação das universidades aos grandes problemas econômicos, sociais, culturais e políticos das nações latino-americanas (PAULA, 2013). Ao revisitar a construção da extensão universitária no Brasil Sousa (1995) destaca a presença de três agentes e interlocutores: os Estudantes, o Estado e as Instituições de Ensino Su-perior (IES). Quanto aos estudantes, a forma de participação desse grupo desde o Brasil Colônia

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até o Estado Novo foi por meio do envolvimento com os movimentos sócio-políticos da época, porém, nesse momento, não há uma organização dos estudantes. Essa organização, no entanto, é formada no período posterior, com a criação na União Nacional dos Estudantes (UNE), entre o Estado Novo e o Golpe de 1964. Esse é o período de maior atuação e formulação desse grupo sobre a Extensão. Com o Golpe, a UNE entra na clandestinidade e o governo militar impõe diretrizes que passam a nortear as ações e a organização estudantil, o que difi culta a continui-dade dos trabalhos desenvolvidos no período anterior, porém mesmo após a abertura política e a volta da UNE, a participação dos estudantes na construção da extensão é pouco expressiva (SOUSA, 1995). Outro agente, o Estado, por meio de leis, decretos e ações ofi ciais imprime os rumos da extensão universitária no Brasil. As ações desse grupo se iniciam tardiamente, deixan-do um vazio regulatório até 1930, com a aprovação do Estatuto das Universidades Brasileiras que cita pela primeira vez a extensão em documentos ofi ciais. Segundo o Estatuto das Univer-sidades Brasileiras (citado por SOUSA 1995) a extensão seria desenvolvida por meio de cursos e conferências destinados “[...] à difusão de conhecimentos úteis, ajuda individual ou coletiva, à solução de problemas sociais ou a propagação de ideias e princípios que salvaguardem os altos interesses nacionais” (SOUSA, 1995, p. 94). Na Ditadura Militar a extensão universitária é pensada como um aparelho ideológico do Estado, que coordena todas as ações de extensão e, por meio do Ministério de Educação associa-se às IES para a execução das atividades de extensão universitária. Nesse período, a universidade é convidada pelo governo a participar das ações extensionistas, vinculando a extensão universitária aos ideais desenvolvimentistas governamentais. O Projeto Rondon, em sua primeira versão, ilustra isso (SOUSA, 1995). Com relação ao protagonismo desempenhado pelas IES na construção da extensão Sousa (1995) afi rma que a atuação deste grupo se inicia após o Golpe de 64 pela associação com o Estado na execução das políticas estatais criadas pe-los governos militares, a partir da década de 1980 vêem as IES preocupadas em conceber, por meio da práxis, a sua concepção de extensão universitária. O principal ganho deste período é a criação do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX). Conforme Fagundes (1985), tomada pela necessidade de demonstrar sua função social e pela perspectiva de prestação de serviços assistenciais à comunidade, o papel da Universidade diversas vezes se confunde com o papel do Estado. Essa confusão não é acidental, visto que, em alguns momentos, foi impor-tante para o Estado que essa assistência fosse atribuída às Universidades, isentando o Estado da responsabilidade de resolução de alguns confl itos. Nesse processo, a Universidade age na tentativa de apaziguar os confl itos, sem que haja uma compreensão das causas desses confl itos e menos ainda uma perspectiva de superação, veiculando a ideia de harmonia social. Esse autor propõe a substituição da ideia de harmonia social pelo conceito de luta de classes, que evidencia a existência de confl itos. O Fórum foi criado nos anos 80 por iniciativa de alguns pró-reitores de Extensão, ao longo da sua caminhada a constituição do fórum tem sido bastante heterogênea, contando com a participação de outros atores além dos pró-reitores de Extensão, e variável, considerando a frequência no acompanhamento do fórum parte das IES. É nessa composição que o fórum, juntamente ao MEC, constrói as diretrizes da Extensão Universitária. As principais linhas de

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discussão que orientam o debate do fórum são: conceituação, institucionalização e fi nancia-mento (TORRES, 2013). Esse autor admite que o Fórum considerava a concepção de extensão universitária do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) imprecisa, já que a mesma se centrava na idéia de tripé entre ensino, pesquisa e extensão. Vários autores consideram a concepção de extensão universitária, criada pelo FORPRO-EX, durante o I encontro, em 1987, e apresentado no Plano Nacional de Extensão Universitária, um avanço conceitual (JEZINE, 2001). Contudo alguns autores admitem a imprecisão nesse conceito do Fórum: Botomé (1996) sustenta, ainda, que se o ensino e a pesquisa atendessem às necessidades dos segmentos sociais, não haveria a necessidade da extensão universitária. Conforme a Política Nacional de Extensão Universitária (2010), as atividades de ex-tensão estão distribuídas em 9 áreas temáticas, sendo estas: Comunicação, Cultura, Direitos Humanos e Justiça, Educação, Meio Ambiente, Saúde, Tecnologia de Produção, Trabalho e Institucionalização da Extensão Quanto às diretrizes que norteiam as atividades de extensão, a Política Nacional de Extensão Universitária (2010), defi ni que são estas: indissociabilidade en-tre ensino, pesquisa e extensão; interdisciplinaridade; impacto e transformação; impacto sobre a formação discente e interação dialógica. Analisando o desenvolvimento da extensão universitária no Brasil, percebe-se que as diversas concepções adotadas, bem como na construção dos modelos de universidade, foram infl uenciadas por concepções gestadas em movimentos internacionais, seja nas universidades europeias, nas universidades norte-americanas e nas experiências da América Latina (FAGUN-DES, 1985). Segundo Gurgel (1986), duas vertentes infl uenciaram todas as concepções e expe-riências de extensão universitária desenvolvida no Brasil. Foram estas as universidades popu-lares e o modelo de extensão norte-americano. Sobre essas vertentes este autor destaca que: As Universidades Populares surgiram na Europa, no século XIX, como o objetivo de dissemina-ção de conhecimentos técnicos ao povo. […] As experiências extensionistas norte-americanas aparecem a partir da década de 1860, em função de duas propostas diferenciadas: a Extensão cooperativa ou rural e a Extensão Universitária ou geral (GURGEL, 1986, p. 31-32). Para esse autor, a crítica elaborada por Paulo Freire com relação à Extensão Rural tem repercussão no debate sobre extensão universitária, forjando novas concepções. Com isso a comunicação, que segundo Paulo Freire (1975), é antagônica à extensão, dada a postura como os agentes extensio-nistas se relacionavam com as comunidades para as quais o conhecimento desses agentes eram difundido, passa a compor a concepção de Extensão. Porém essa agregação da idéia de comu-nicação ao conceito de extensão não representou grandes mudanças na prática extensionista e o processo difusionista continuou sendo reproduzido. Com relação ao conceito de extensão universitária, Sousa (1995, p.194) afi rma que, “as difi culdades em identifi car uma concepção teórica clara sobre o que isso signifi ca tem produzi-do as mais diversas práticas e direcionamentos variados.” Por isso, as primeiras experiências de atividades extensionistas, protagonizadas pelos estudantes, estavam motivadas pela concepção de que a universidade tinha o papel de difundir o conhecimento erudito para as massas. Em um segundo momento, já nas ações protagonizadas pelo Estado, a extensão é concebida como uma assistência às comunidades carentes, por meio da prestação de serviços. Quando as IES iniciam as formulações sobre Extensão, as concepções assumidas ten-

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deram a reforçar o posicionamento do Estado (SOUSA, 1995). Para Gurgel (1986), a extensão assumiu, ao longo da sua construção, dimensões conceituais e práticas contraditórias e que a negação ou afi rmação de determinado tipo extensão está relacionado com o interesse de quem realiza essa ação, pois, para esse autor, “[…] na medida em que se conta com formas diversas de percepção em relação ao conceito da instituição de Ensino superior, existem diferentes ma-neiras de encarar o relacionamento Universidade/Sociedade e, logicamente, a Extensão Univer-sitária” ( GURGEL, 1986, p. 170). Sobre a relação universidade/sociedade, Fagundes (1985), afi rma que é preciso conside-rar que a universidade é fruto do trabalho coletivo da sociedade, pois, em última instância, é a sociedade que produz as condições materiais que permite a realização do trabalho acadêmico. E, sendo assim, a universidade deve, não a partir do discurso de assistência à sociedade, já que é a instituição universitária que depende dessa para se manter, mas da construção conjunta da extensão universitária, de modo que a universidade possa contribuir com o processo de análise e superação dos confl itos postos na sociedade onde ela se insere. Sobre a extensão e pesquisa desenvolvidas no contexto agrário, Carvalho (2014) argumenta que estas são desenvolvidas no sentido de reforçar o modelo de produção capitalista, o autor afi rma que este modelo está estru-turado na “[...] exploração do trabalho, na oligopolização da oferta de insumos e produtos e no monopólio da produção capitalista dominante” (CARVALHO, 2014, p. 31-32). Para esse autor, o modelo de produção capitalista no campo “[...] não apenas subordina o campesinato aos seus interesses de classe como determina os rumos estratégicos das insti-tuições de Pesquisa e experimentação agrícola, sejam públicas ou privadas” (CARVALHO, 2014, p. 31-32). Sobre esse aspecto, Carvalho (2014) diz que a lógica de produção do capital no campo é antagônica a lógica dos camponeses, sendo assim a ciência e tecnologia desenvolvida para atender os interesses capitalistas traz duras consequências a existência e reprodução do campesinato MATERIAL E MÉTODOS

Esta pesquisa teve como delimitação o estudo de caso sobre o Programa de Desenvol-vimento Rural e Apoio à Reforma Agrária, no contexto em que este se insere, sua origem e composição e, por último, a situação atual em que esse se encontra. Segundo Ludwig (2009, p. 58). “[…] o estudo de caso diz respeito a uma investigação de fenômenos específi cos e bem delimitados, sem a preocupação de comparar ou generalizar.”

O presente estudo nasce de refl exões ao processo de inserção e vivência, de 3 anos, no âmbito do programa analisado. Vivência ocorrida na participação, no envolvimento, na elabo-ração e na construção das ações do programa. A Pesquisa bibliográfi ca foi um elemento fun-damental para realização deste trabalho, pois permitiu uma maior compreensão das variáveis estudadas. Além da Pesquisa bibliográfi ca, foram coletados dados por meio de pesquisa docu-mental, questionários e entrevistas semiestruturadas. Os documentos analisados foram coletados nos sites da pró-reitoria de Extensão da UFMG e da Rede Nacional de Extensão. O primeiro site de busca foi o da pró-reitoria de Ex-tensão, onde foi encontrado um documento que sistematiza as informações sobre Sistema de

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Informação da Extensão - SIEX, o manual do SIEX. Neste manual, encontram-se as principais defi nições conceituais referentes à política de extensão, às diretrizes, às ações e sua organização em áreas e linhas de extensão. O manual faz referência ao Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX) como sujeito da defi nição de Extensão Universitária adotada pela UFMG. A partir desse fato, procurou-se compreender essa entidade. O Fórum se comunica com o público por meio do site da Rede Nacional de Extensão. Nesse site, é possível localizar diversos documentos sobre extensão Universitária e sobre o trabalho do Fórum.

Dentre os documentos encontrados, foram analisados apenas o Plano Nacional de Ex-tensão Universitária e a Política Nacional de Extensão Universitária, por entender que esses do-cumentos reúnem informações sufi cientes para o objetivo deste estudo. Esses documentos per-mitiram compreender a perspectiva de extensão universitária das instituições de ensino superior brasileiras. Outra ferramenta importante na pesquisa documental foi o Sistema de Informação da Extensão (SIEX), onde foram encontrados os registros das ações de extensão, efetuadas e em desenvolvimento, realizadas pela Equipe de Trabalho do PRODERA.

Sobre o SIEX, Terto (2011) afi rma que, esse foi desenvolvido pela UFMG em 1997 e apresentado ao FORPROEX e disponibilizado às outras Universidades públicas interessadas em utilizá-lo. Tem a fi nalidade de auxiliar os centros de extensão universitária (CENEX) e as pró-reitorias no controlar e gestão das atividades de extensão universitária.

Tanto a inserção quanto atualização de uma ação de extensão no SIEX é de responsabi-lidade do coordenador da ação registrada nesse sistema. Informações não registradas difi cultam a avaliação das ações com base no SIEX

Os questionários foram enviados a todos os membros da Equipe de Trabalho, composta por docentes, técnico-administrativos, estudantes de graduação, estudantes de pós-graduação e pessoas externas à comunidade acadêmica. Fazem parte da Equipe de Trabalho as pessoas vinculadas ao programa no SIEX. Os questionários foram enviados por meio de formulário ele-trônico, com questões abertas e fechadas. Para o envio do formulário, foi utilizado o endereço de e-mail cadastrado no SIEX. Foram enviados 57 formulários, dos quais 51% foram respondi-dos.

Conforme as informações coletadas no questionário, 28% dos entrevistados são mu-lheres e 72% homens; 69%, estudantes, 13%, docentes, 0%, técnico-administrativos e 17%, de pessoas externas; 14% participavam em 2009, 21% em 2010, 34 % em 2011, 24% em 2012, 52% em 2013, 48 % em 2014, e 69% em 2015. Desses, 31% participaram durante um ano en-quanto 69% participaram por mais de um ano. O questionário foi estruturado de modo a captar envolvimento dos entrevistados com PRODERA, a concepção de extensão e da associação des-sas com o ensino e a pesquisa e, por último, a percepção dos entrevistados sobre as interações e transformações realizadas nas ações do programa.

A aplicação das entrevistas teve o objetivo de conhecer a opinião dos coordenadores de ensino, pesquisa e extensão sobre a extensão universitária desenvolvida pelo ICA/UFMG, tendo em vista que esses são agentes extensionistas na construção da política de extensão da UFMG. O critério de escolha dos entrevistados foi o período de vigência da coordenação, onde foram entrevistados somente os coordenadores cuja gestão ocorreu nos últimos 5 anos (2010-

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2015), data correspondente ao tempo de institucionalização e vigência do programa, bem como, a vinculação dos coordenadores ao ICA/UFMG, foram entrevistados somente os coordenadores que se mantém lotados na unidade, em função da acessibilidade para execução das entrevis-tas. Foram solicitadas 6 entrevistas aos coordenadores de ensino, pesquisa e extensão do ICA/UFMG, das quais 4 entrevistas foram concedidas. Quanto ao roteiro da entrevista, abarcou os seguintes temas: trajetória acadêmica do entrevistado, a extensão no ICA/UFMG, a relação Ensino, Pesquisa e Extensão, o papel da Sociedade na construção da Extensão e a opinião do entrevistado sobre o PRODERA. Para registrar a entrevista, foi utilizado um gravador de voz.

RESULTADOS E ANÁLISE

A partir dos resultados, pretende-se analisar a extensão universitária desenvolvida pelo PRODERA, a partir das avaliações e concepções da Equipe de Trabalho, situando a atuação dessa equipe nos limites da política de extensão universitária da UFMG. Para tanto, este item, de resultados e discussão, foi dividido da seguinte maneira: no primeiro tópico, 4.1, faz-se uma apresentação da concepção de extensão da UFMG, na perspectiva dos documentos que tratam do assunto e na opinião dos coordenadores de ensino, pesquisa e extensão da unidade acadêmi-ca à qual o programa está vinculado.

Considerando as informações e documentos disponibilizados no site da pró-reitoria de extensão da UFMG, percebe-se que a política de extensão universitária segue os conceitos e defi nições assumidas no Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Bra-sileiras – FORPROEX. Sobre este Fórum, conforme os documentos disponibilizados no site da Rede Nacional de Extensão (RENEX) têm-se que a sua criação se fez no I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras realizado em 1987; que está em 2015 na sua trigésima sétima edição. A articulação dos pró-reitores de extensão por meio do Fórum permitiu a criação de um Plano Nacional de Extensão Universitária (1999) e, com base nesse plano, a formulação da Política Nacional de Extensão Universitária (2012).

A análise desses documentos mostra que a conceituação de extensão assumida no Plano Nacional de Extensão Universitária dá origem ao conceito e às diretrizes adotadas na Política Nacional de Extensão Universitária, o que indica que a concepção de extensão assumida pelo fórum não sofre alteração de signifi cado de um documento para outro. Com relação ao Plano Nacional de Extensão Universitária, verifi ca-se, ao longo do texto, um agrupamento de con-cepções de extensão, apesar de nem todas as concepções colocadas no documento comporem o conceito de extensão assumido nesse plano, e ao mesmo tempo uma imprecisão na determina-ção dos rumos da construção da extensão universitária.

Vê-se que as posições assumidas pelo Fórum não direcionam a Extensão para uma pers-pectiva de comprometimento com a análise e a resolução dos confl itos presentes na sociedade brasileira, concepção defendida por alguns autores e evidenciada neste trabalho de pesquisa, pois apesar dos documentos analisados considerarem a extensão como transformadora da so-ciedade, o fazem considerando que a sociedade é complexa, porém harmônica.

Em entrevistas aos coordenadores de ensino, pesquisa e extensão, de gestões cujo perí-odo está compreendido entre os últimos cinco anos, do Campus da UFMG em Montes Claros,

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pôde-se verifi car as concepções de extensão assumidas por esses. Nas opiniões dos entrevista-dos percebe-se a contribuição da concepção de extensão difusionista no conceito de extensão adotado por 3 (dois) dos 4 (quatro) entrevistados. Este fato pode ser verifi cado no argumento:

[…] eu acho que a Extensão é você levar aquilo que está dentro da Universidade, aque-la produção de conhecimento que é produzido através de Pesquisa de novas técnicas de alguma coisa que é inovação, levar isso para a Sociedade. De diversas formas, as vezes como um conhecimento raso como uma capacitação, as vezes como um produto ou as vezes o retorno social para aqueles que realmente pagam o investimento em educação superior gratuito dentro de uma Universidade (ENTREVISTADO Nº 1).

Mas há também a contribuição a contribuição do conceito de interação dialógica, pre-sente na opinião de 1 (um) entrevistados. O argumento a seguir demonstra este fato:

[…] e a extensão em termos de trabalhar ou de contribuir com a nossa formação e conhecimento, e para o estudante também de ali no campo confrontar a suas teorias, confrontar o conhecimento aprendido e dialogar com outras formas de saberes, de conhecimento e adquirir nisso aí mais conhecimento, quase que um exercício de sua futura profi ssão, assumindo responsabilidades também é um ganho muito grande, eu vejo como uma importância muito grande. E para a sociedade são diversas possibili-dades, mais via de regra, bons projetos que atendam as demandas daquela população e que as demandas sejam legitimas em termos de inclusão, que sejam de possibilitar a união das pessoas, de melhorar questões relacionadas a saúde, cultura, da própria produção de elementos relacionadas a sustentabilidade, agroecologia, a consciência crítica. Mostrar, e quase que convidar nas ações de extensão pessoas daqueles grupos que historicamente não frequentaram a Universidade ou foram excluídos do processo de educação superior Brasil como um todo. Isso em si já é um ganho muito grande, já é uma vantagem, uma possibilidade muito importante da universidade pública atuar junto ao público, junto a sociedade (ENTREVISTADO Nº 2).

Os entrevistados afi rmam que a UFMG, campus Montes Claros, por ser uma unidade em formação e em pleno crescimento, apresenta para a extensão alguns desafi os e potencialida-des. Dentre os desafi os colocados, estão a necessidade da extensão ser mais debatida dentro do campus, de um maior envolvimento dos servidores e estudantes na construção da extensão, da unidade ainda não ser uma referência na região onde atua, da necessidade de promover espaço onde a sociedade possa reconhecer a unidade e apresentar as demandas, da criação de mecanis-mo para que os docentes possam realizar as atividades de extensão e pesquisa sem a sobrecarga didática do Ensino, de maiores investimentos fi nanceiros para permitir uma melhor infraestru-tura para as ações de Extensão. Quanto às potencialidades, os entrevistados destacam as carac-terísticas da região norte de Minas Gerais, que apresentam diversas demandas que podem ser trabalhados pelo campus. Apenas 1(um) dos entrevistados explicita que característica da região considera potenciais para o trabalho da extensão. O trecho abaixo apresenta esse argumento:

[…] aqui que é uma região em que a agricultura encontra os seus dilemas principal-mente por conta da questão climática e pela questão de falta de entendimento mesmo do que seria o manejo correto para conduzir um sistema de produção. Eu acho que a extensão acada sendo de certa forma mais efetiva, porque você consegue de fato edu-

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car, levar conhecimento e botar em prática (ENTREVISTA Nº 3).

Sobre o tipo de extensão que pode ser adotado no campus uma das posições presentes nas entrevistas coloca para a unidade o desafi o na defi nição do tipo de extensão a ser realizada, e defende como possibilidade uma concepção de extensão mais próxima da concepção defendi-da por FAGUNDES (1985), GURGEL (1986) MAZZILLI (1996), TORRES (2003) e BOTO-MÉ (1996). Como pode ser verifi cado no trecho a seguir:

“[…] para o bem no sentido dessa interação e para o mal se vier aquela visão de extensão que veio dos Estados Unidos, algumas Universidades têm isso forte onde caracteriza mais como uma assistência técnica, da própria Universidade ir resolver os problemas ou a grosso modo levar informação e não proporcionar uma relação de ensino-aprendizagem, de troca de saberes e de depois gerar ou ao menos incenti-var uma autonomia para que as pessoas possam diagnosticar e resolver seus próprios problemas”(ENTREVISTA Nº 2).

Com relação à associação do ensino, pesquisa e extensão, três dos quatro entrevistados admitem as difi culdades dessa associação em processos históricos de construção dessas funções e no modelo em que a universidade está estruturada, como pode ser constatado na fala: “[…] eu acho que é o modelo da universidade que já prega, embora fale de indissociabilidade na prática ainda é tudo muito separado” (ENTREVISTA Nº 3) Há também um argumento que posiciona essa difi culdade como sendo em função da formação dos docentes, diz que “muitas vezes o direcionamento é muito para pesquisa, em função da formação dos professores, os professores às vezes eles saem da graduação direto por mestrado e direto para o doutorado. Então, o foco dele é pesquisa” (ENTREVISTA Nº 4). Todos os entrevistados, porém, concordam com a necessidade de maiores incentivos a essa associação, seja através de debates ou da defi nição de uma política que permitisse a construção da indissociabilidade. Quanto ao distanciamento do ensino e da pesquisa com relação à reali-dade social em que a universidade está inserida, em oposição a opinião defendida por Mazzilli (1996) e Batomé (1996), em que a pesquisa, para ter relevância perante a sociedade, deve estar localizada e inserida em um contexto, e o ensino deve ser organizado tomando como base as exigências da realidade, um dos entrevistados considera que é possível fazer ensino e pesquisa de qualidade fora do contexto social. O trecho abaixo ilustra isso:

“[...] fazer ensino e pesquisa de altíssima qualidade mais não passar esse novo co-nhecimento, essa forma de pensar para sociedade é um erro. Da mesma forma você passar alguma coisa para sociedade mais sem ter ensino de qualidade e pesquisa, ou seja, você fundamentar o seu conhecimento de forma forte, realmente consolidado seria você passar para sociedade uma coisa que as vezes você mesmo não tem certeza e isso pra mim é muito preocupante” (ENTREVISTA Nº 1)

Em conformidade com Mazzilli (1996), que aponta que parte das pesquisas realizadas na universidade não chegam ao domínio da sociedade, um dos entrevistados, citando uma infor-mação extraída de um evento que o entrevistado participou, com relação às pesquisas realizadas área de formação do entrevistado, diz que:

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[...] apenas 2% do que a gente faz de pesquisa chega para o produtor, que é para que realmente interessa. Para onde vão os outros 98 %? Para artigo científi co, que só fi ca dentro, a própria comunidade científi ca lendo, se lendo, se copiando e inventado no-vos métodos. E que de fato tá precisando lá no fi nal da cadeia, que é o produtor, que é o agricultor, não está recebendo (ENTREVISTA Nº 3)

Com relação ao papel da Sociedade na construção da extensão, todos os entrevistados disseram que o papel da sociedade é demandar ações, seja de pesquisa, seja de Extensão. Um dos entrevistados defende, ainda, que a sociedade deve cobrar mais da universidade, exigindo que a universidade se coloque a disposição dos problemas colocados na sociedade. Com base nas informações do SIEX e em documentos do programa, constata-se que o Programa de Desenvolvimento Rural e Apoio a Reforma Agrária (PRODERA) tem o objetivo de articular um conjunto de ações relacionadas ao desenvolvimento rural e à reforma agrária. Essas ações são desenvolvidas no âmbito do ensino, pesquisa e extensão, e nasceram da co-laboração entre agricultores assentados/acampados, estudantes e professores do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais. Quanto ao seu papel, o programa visa a contribuir com a formação de um profi ssional capaz de atuar nas diferentes realidades do campo brasileiro, os quais possam ter condições de contribuir na análise, na formulação e na execução de políticas públicas voltadas à pequena produção familiar, bem como na elaboração de estratégias produtivas adequadas a cada realidade. Essa formação se dirige à comunidade universitária e os atores sociais envolvidos nas ações do programa

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concepção de extensão universitária, presente no conceito de extensão assumido pela UFMG, indica que a extensão deve estar orientada na transformação da sociedade, mas não de-termina qual proposta de sociedade adotar nesse processo de transformação. Ou seja, o conceito não se posiciona com relação aos grupos que disputam a hegemonia na sociedade e que ques-tionam para quê e para quem a universidade deve orientar-se. No entanto, a abrangência desse conceito permite concepções e práticas divergentes na realização da extensão universitária, por parte dos agentes extensionistas. E permite, inclusive, que os agentes que compreendem a extensão como mecanismo de construção de determinado projeto de sociedade possa desenvolver experiências nesse sentido. O que exigirá, por parte desses agentes, demasiada clareza de seus objetivos e fi rmeza na cons-trução das ações de extensão. Quanto aos desdobramentos da política de extensão na unidade acadêmica onde o estudo foi realizado, percebe-se há divergência entre as concepções assumi-das pelos gestores das funções de ensino, pesquisa e extensão, sendo a extensão, ora defi nida como difusão de técnicas e tecnologias e ora como diálogo. Sobre a infl uência da política de extensão da UFMG sobre o PRODERA verifi ca-se que o programa atende em parte às premissas do conceito de extensão adotado pela UFMG, a não totalidade do atendimento pode estar relacionado com as distorções que ocorrem entre a teoria e a prática quando a teoria não está clara ou quando não há mecanismos de controle e avaliação sobre a prática. Com relação a interação entre universidade e sociedade nas ações do programa,

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constata-se que o MST é ao mesmo tempo público e sujeito das ações do PRODERA. E, nesse movimento de se fazer público-sujeito, forja a universidade a assumir o papel de sujeito-público da extensão universitária desenvolvida pelo programa. Essa postura assumi-da pelo MST é justifi cada pela concepção desse ator social sobre a universidade, que a conside-ra como um espaço de disputa na construção de outro modelo de sociedade.

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