A Fabricação de Teresinas - UFPI · delícia, obsessão, dormindo em pequenos hotéis esquecidos...

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Fotografia: Demetrios Galvão A Fabricação de Teresinas subjetividades e imagens fotográficas na experiência teresinense do Salão Municipal de Fotografias (1995-2005) Demetrios Gomes Galvão

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Fotografia: Demetrios Galvão

A Fabricação de Teresinas

subjetividades e imagens fotográficas

na experiência teresinense do

Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)

Demetrios Gomes Galvão

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UFPI – UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CCHL – CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTORIA DO BRASIL

DEMETRIOS GOMES GALVAO

A Fabricação de Teresinas: subjetividades e imagens fotográficas na experiência teresinense do Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)

Teresina – PI 2008

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Demetrios Gomes Galvão

A Fabricação de Teresinas: subjetividades e imagens fotográficas na experiência teresinense do Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em História do Brasil, ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Piauí. Orientador: Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco.

Teresina – PI 2008

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Galvão, Demetrios Gomes.

B813

A Fabricação de Teresinas: subjetividades e imagens fotográficas na experiência teresinense do Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)./ Demetrios Gomes Galvão. – Teresina, 2008.

129 f. Dissertação (Mestrado em Historia do Brasil) -

Universidade Federal do Piauí, 2008. Orientadora: Prof.Dr. Edwar de Alencar Castelo

Branco

l. História do Brasil. 2. Cultura Brasileira. 3.

Fotografia. 4. Teresina. I. Título.

CDD 981.03

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Demetrios Gomes Galvão

A Fabricação de Teresinas: subjetividades e imagens fotográficas na experiência teresinense do Salão Municipal de Fotografias (1995-2005)

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em História do Brasil, ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Piauí.

Aprovada em:_____/ _____/_______

Banca Examinadora

_____________________________________________________ Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco – UFPI

Orientador

_____________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Paulo Rezende - UFPE

_____________________________________________________ Profa. Dra. Shara Jane Holanda Costa Adad - UESPI

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Prazer intenso de caminhar pela cidade: fluir da manhã à noite, a pé, de ônibus metrô automóvel, não importa o meio, mas conhecer ao acaso os caminhos, construí-los de prazer, delícia, obsessão, dormindo em pequenos hotéis esquecidos em ruas perdidas no emaranhado, recomeçando no dia seguinte no centro da nebulosa amnésia, e reinventar o sol e a lua a queimarem no céu, nos vidros, nas fachadas, nos delírios urbanos, mapas abertos de cores e chuvas e ventos labirínticos nunca decifrados, amar a cidade no brilho e no óleo, intoxicar-se de vertigem.

Afonso Henriques Neto

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À Emanuelle Mota, parceira de caminhada que durante esses últimos anos seguiu ao meu lado nessa aventura fotográfica por Teresina, e com quem tenho compartilhado das artes e das manhas do cotidiano.

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Agradecimentos

Nenhuma caminhada se faz sozinho, mesmo para caminhar pela cidade

estamos acompanhados por alguém, seja fisicamente ou virtualmente - em forma de

indicações de percursos ou de leituras. Uma série de parcerias foram feitas no

decorrer dos percursos desta pesquisa, alguns acordos tácitos e outros burocráticos,

alguns encontros em bando e também solitários, por vezes, alguns desses parceiros

não falavam, só dormiam ao lado. Assim, gostaria de agradecer a alguns destes

parceir@s.

Ao Prof. Dr. Edwar de A. Castelo Branco, por ter me acolhido em seu

bando de mal feitores, a fim de orientar os passos desta pesquisa com a gloriosa

experiência de uma puta velha.

Aos Professores do programa de Mestrado em História da UFPI.

Aos servidores do programa de Mestrado em História da UFPI.

Ao CAPES por ter financiado mais que uma pesquisa, mas também alguns

de meus desejos e sonhos de vida.

À Prof. Dra. Shara Jane Adad, amiga-guia em experiências pelo mundo

das subjetividades dissidentes.

À Prof. Maria Cicília Nunes, que com seus olhos de águia, tal como os de

Bavcar, pôde me dar as primeiras lições que encaminharam esta pesquisa.

Aos meus amig@s do grupo de estudo: Maria do Rosário, Marylu Oliveira,

Emília Nery, Luciana Pereira, Warrington Veras, Mairton Celestino e Elson Rabelo,

na qual algumas destas pessoas já caminhavam ao meu lado desde a graduação,

formando uma longa parceria.

Às pessoas que através de suas falas me cederam gentilmente suas

experiências pessoais e parte de suas memórias: Aureliano Müller, Dogno Içaiano e

Kleyton Marinho.

Aos funcionários da Casa da Cultura que sempre foram solícitos quando

precisei deles, em especial à coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia: Lia

Barradas, Edilene Santos, Francisvaldo Sousa, Ronaldo Lima e Aléx Fontinele.

A toda família, pai, mãe, irmãos, sogra, sogro, cunhados, ti@s, prim@s.

À Mãe Margarida, pelos sábios conselhos de uma filha de Iemanjá.

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Aos amig@s-irm@os que formam uma gangue de vadios, vagabundos

iluminados, que juntos conspiramos, bebemos, falamos poesias, cantamos e

caminhamos com garrafas nas mãos por esta e por outras cidades, varando dias e

madrugadas, alimentando a loucura que carregamos na mochila.

À Emanuelle Mota, pelos conselhos, cafés, beijos, discussões e por sua

paciência sem fim, que me ajudou a ter confiança e a acreditar no que estava

fazendo, além de também integrar a gangue de vadios com seus afagos e doses de

mangueira.

À Frida, Pagu, Basquiat e Pretinha, pela companhia de todas as

madrugadas e por seus ronronados.

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Resumo

O principal foco deste trabalho é a cidade de Teresina. A pesquisa mergulha na

cidade a partir de uma reflexão histórica sobre a fabricação de imagens provenientes

do consumo do visível, consumo este mediado pelas fotografias do Salão Municipal

de Fotografia. A fotografia é o instrumento através do qual se procurou perceber

como as pessoas vivem, fabricam e consomem o visível da cidade, materializando

suas impressões sobre a mesma em superfície fotossensível. A discussão em torno

do Salão perpassa uma rede de conexões que envolvem práticas humanas

remissivas às experimentações da linguagem e a práticas de existência.

Relacionando cidade, fotografia e subjetividade, foi possível observar Teresina como

um emaranhado de signos, o que permitiu perceber que uma cidade não é apenas a

resultante de um plano urbanístico, como sugere os mapas e os códigos de postura.

Antes de tudo, a cidade é movimento, pulsações e desejos, possíveis de serem

conhecidos através de um olhar lançado sobre os usos e consumos do visível.

Palavras–Chave: História. Teresina. Fotografia. Subjetividade.

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Résumé

Le sujet de ce travail est la ville de Teresina. La recheche se concentre dans la ville

depuis d’une réflexion historique sur la fabrication des images provenantes du

consummation du visible, ce consummation par les photografies du Salaon Municipal

de Photografie. Les photos sont l’instrument a travers duquel on a cherché

comprendre comment les gens vivent, comment ils fabriquent et comment il

consument le visible de la ville, en matérilisant ses impressions sur la surface

« sensible à photo ». La discussion autour du salon passe auprès un réseau de

connexion qui enveloppe les practiques humaines d’existence. En faisant des

relations sur la ville, la photografie et la subjectivité sont allé possible observer

Teresina comme un embroullement de « signos », ce que nous avons conclus que

une ville n’est pas seulement la résultant d’un plan d’urbanité, comme les cartes

géografiques et les codes de posture. Elle est, avant du tout, un mouvement, des

pulsations et des désirs qui peuvent se faire des connaisances a travers d’un regard

en direction sur les usages et les consummation du visible.

Mots-clés : Histoire. Teresina. Photographie. Subjectivité.

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Sumário

Anotações de Percurso, à guisa de introdução ..................................................... 11 Bifurcação I Baú de Miudezas: pequeno inventário sobre cidades ............................................ 20 1.1- Alguns elementos da Cidade–Baú .................................................................... 20 1.2- Entre cidades: um campo de flutuação semântica ............................................ 35 Bifurcação II Uma excursão pela Fotografia: anotações sobre as experiências fotográficas no Brasil e em Teresina ................................................................................................. 43 2.1- A experiência fotográfica no Brasil ................................................................... 43 2.2- A experiência fotográfica em Teresina e o Salão Municipal de Fotografia ....... 51 Bifurcação III O Salão Municipal de Fotografia em Foco: subjetividades e o consumo do visível na fabricação de Teresinas ...................................................................................... 83 3.1- Virada visual, subjetividades e apropriações .................................................... 83 3.2- Um olhar que passeia: Teresinas em circulação .............................................. 89 3.2.1- A cidade-cartão-postal ou a cidade dos não-usos ......................................... 90 3.2.3- A cidade-binária ou a cidade-síntese ..............................................................98 3.2.3- A cidade-híbrida ou contra-usos da cidade ................................................. 106 Desenhando uma Travessia, algumas considerações ........................................ 116 Referências e Fontes ........................................................................................... 121

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Anotações de Percurso, à guisa de introdução

Uma câmera fotográfica na mão, algumas idéias na cabeça e a caminhada

começa. O percurso é aleatório, seguindo as ruas, procurando na porção visível da

cidade alguma coisa que chame a atenção. Não um ponto fixo, ou uma idéia fixa,

mas os fluxos e a pretensão de capturar, registrar algo que não seja usual. A

caminhada segue por uma rua que tangencia na outra, que corta uma praça, que

desemboca em uma avenida, num ponto de ônibus. Embarca-se no ônibus e o

percurso continua, transitando pelos bairros, pelas favelas, atravessando as pontes,

disputando espaço com carros, ciclistas, pedestres e carroças. No cenário frenético

do trânsito, a cidade se revela em tonalidades dissonantes, por vezes, borradas.

A narrativa desta caminhada coincide com a minha experiência de

caminhante-fotógrafo, ocorrida entre os anos de 2003 e 2004 e mediada pela ligação

com a poesia e pelo interesse em aprender a fotografar. Assim, em agosto de 2003,

tive a idéia de fazer um ensaio fotográfico sobre o centro da cidade de Teresina e, a

partir daí, construir pequenos poemas que dialogassem com as fotografias. Com a

seqüência desse percurso fui fazendo leituras que perpassaram Félix Guattari

(1998), Michel de Certeau (1994) e Ítalo Calvino (2003). Desse ponto, já não me

interessava apenas um simples ensaio de fotografias, mas procurar capturar, nessa

relação de mão dupla poesia/fotografia, as subjetividades do centro da cidade. Algo

assim como “uma tentativa de restauração de uma ‘cidade subjetiva’ que engaja

tanto os níveis mais singulares da pessoa quanto os níveis mais coletivos”

(GUATTARI, 1998: 170).

Com essas intenções convidei um amigo, fotógrafo, chamado Dida Matos,

e começamos a pôr em prática o que pensávamos naquele momento. A caminhada

começava geralmente do Foto Hollywood ou do Clube da Fotografia, casas

comerciais que vendem material fotográfico, onde colocávamos o filme na máquina

e daí em diante saíamos a fotografar. Quando fotografávamos, construíamos nossos

retalhos imagéticos, ao mesmo tempo em que eu ia me constituindo como fotógrafo,

pois esse trabalho precedia o aprendizado das técnicas de fotografia.

Essa experiência, ocorrida, como dito, entre 2003 e 2004, teve como

resultado a participação, com um misto de texto e imagens, através do artigo

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“Cidades Rabiscadas: a Construção de uma Cartografia Anárquica de Teresina” no

livro Coisas de Cidade (VASCONCELOS & ADAD, 2005), além de ter inspirado a

presente pesquisa. Dessa forma, uma experiência que permeou elementos da

estética e da minha vida pessoal – uma articulação entre linguagem e vida – se

desdobrou em uma pesquisa de mestrado. Se em outro momento eu ocupava o

lugar de um caminhante-fotógrafo que participou do Salão Municipal de Fotografias

de 2004, hoje tal caminhante-fotógrafo em questão é um sujeito que caminhou pela

cidade com uma câmera inventando imageticamente Teresina.

E quem é o caminhante-fotógrafo? Ele é o sujeito que além de habitar a

cidade, também produz sentidos através da fabricação de imagens fotográficas da

cidade, no caso, de Teresina. Este é um misto do caminhante de Michel de Certeau

e de minhas apropriações do mesmo para compor minha experiência pessoal, como

já citado anteriormente. Assim, ele é um caminhante que fotografa a cidade de

Teresina.

Desse modo, seguindo os passos do caminhante-fotógrafo, é possível

imaginar diferentes agenciamentos dos espaços da cidade. O que faz lembrar a

discussão de Gilles Deleuze (1992) sobre o devir, o movimento e as produções de

subjetividade no cotidiano. O qual nos convida à aventura de cartografar

intensidades. Isto porque em uma cartografia o que se faz é acompanhar as linhas

que se traçam, marcar os pontos de ruptura e de enrijecimento, analisar o

cruzamento dessas linhas diversas que funcionam ao construir territórios existenciais

e realidades. A prática de cartografar diz respeito à micropolítica, as estratégias de

subjetivação empreendidas pelo poder e a criação de sentidos. Assim, a cartografia

se faz ao mesmo tempo que o território (ROLNIK, 2006).

Uma cidade, portanto, é mais que um plano urbanístico, um conjunto de

prédios, casas, avenidas, um conceito de morar e escrituras de lei. Ela é, antes de

tudo, movimento, pulsações e desejos. Os usos e consumos da cidade por seus

habitantes, os quais têm como característica suas astúcias, seu esfarelamento em

conformidade com as ocasiões, suas “piratarias”, sua clandestinidade (CERTEAU,

1994), demonstram que as cidades existem de várias maneiras. Exemplos disso são

cidades subjetivas tais como a Veneza de Ítalo Calvino (2003), o Rio de Janeiro de

João do Rio (1987), a Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade (2003) e a

Teresina de Torquato Neto (2004). Estas são cidades virtuais, particulares, que

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testemunham a existência de cidades também no plano da invisibilidade,

tangenciando a conformidade do olhar usual.

As anotações de percurso, feitas aqui, apontam que esta pesquisa propõe

uma apropriação da fotografia como recurso de prospecção de dados históricos. A

cidade de Teresina, principal foco do trabalho, é observada através do Salão

Municipal de Fotografia, evento anual do calendário de atividades da Secretaria de

Cultura do município – Fundação Monsenhor Chaves. O Salão1, enquanto evento

cultural promove o encontro da população de Teresina com a produção fotográfica

local, feita por fotógrafos profissionais e amadores, que expõem simultaneamente

suas experiências materializadas em imagens. Constituídas a partir da exploração

de percursos ordinários, de trajetos sentimentais e da geografia informacional da

cidade.

O período que o Salão é explorado corresponde ao tempo que vai de 1995

até 2005, referindo-se aos últimos anos do século XX e início do XXI. O Salão está

sendo apropriado como o mediador de um tempo, apresentando-se como um

espelho produzido por seus participantes, indivíduos anônimos em sua maioria,

caminhantes das ruas, pessoas ordinárias do cotidiano das cidades que, como as

demais, operam construções materiais, simbólicas, visuais e virtuais.

Estes sujeitos fotografam e participam do Salão, registram à sua maneira

o cotidiano da cidade, as formas de ocupação e uso do espaço e, sobretudo, os

modos pelos quais ela é consumida por seus habitantes. Portanto, o conjunto

dessas fotografias corresponde a uma fabricação, uma invenção de Teresinas. A

escolha do termo invenção é um esforço consciente de afastar-se de qualquer tipo

de naturalização dos objetos e sujeitos que participam da história, compreendendo

que a história acontece no meio, nas articulações e arranjos cotidianos

(ALBURQUERQUE Jr., 2007).

Logo, quando me refiro a cidades e não à cidade, no singular, busco a

multiplicidade. Adentro Teresina por suas vias de muitos acessos, por seus palcos

abertos às experiências da vida cotidiana. Isso me instiga a refletir sobre: que

cidades os olhos podem alcançar num passeio por ruas, avenidas, ruelas, seja em

dias de movimento, finais de semana, ou feriados, nos quais tudo parece estar

1 Pretendo esclarecer, que para melhor fluição da construção da narrativa, usarei na maior parte do texto apenas a palavra Salão, com letra maiúscula, quando estiver me remetendo ao Salão Municipal de Fotografia.

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tranqüilo, onde o jogo de dados aparenta ter menos possibilidades em seu

arremesso? Que jogos se armam neste tabuleiro dinâmico ou quantos caminhos

podem ser inventados no decorrer das caminhadas? É difícil definir que cidades

cada indivíduo fabrica em suas andanças. Em cada troca de passos, escolhas, entre

uma rua e outra, uma calçada e outra, caminhos se efetivam e são desativados.

Também, múltiplas são as linguagens que constituem essa geografia de ações e

informações: polifonia ardente do arquipélago parabólico das cidades invisíveis –

micro-cidades montadas por meio de colagens e samples.

Desse modo, a discussão em torno do Salão perpassa uma rede de

conexões que envolvem experiências que constituem a cultura fotográfica de

Teresina, e que precisa ser pontuadas. Como explica Ivo Canabarro (2005), a

cultura fotográfica abrange a tecnologia e o aparato técnico utilizado na produção de

imagens, as questões de ordem plástica e estética, a produção fotográfica de um

período, o grupo de fotógrafos produtores das imagens e sua bagagem de

experiências, as práticas fotográficas, as publicações e exposições, os veículos de

divulgação e circulação, o próprio consumo e consumidores das imagens, a relação

entre as imagens e a sociedade.

No cenário complexo dos estudos sobre cidade, o uso de diversas

linguagens pelos historiadores tem feito com que as cidades possam ser captadas

através das sensibilidades artísticas que constituem uma época. Assim, o painel

cenário constituído pelas produções historiográficas em torno da imagem fotográfica

no Brasil apresenta autores com trabalhos bastante consolidados, como são os

casos de Ana Maria Mauad Essus (1990), que trabalha com as representações

construídas pelas famílias economicamente dominante do Rio de Janeiro, na

primeira metade do século XX, utilizando fotos de famílias e revistas ilustradas;

Miriam Moreira Leite (1993), que explora as potencialidades históricas dos álbuns de

família, procurando perceber as práticas sociais ligadas ao universo familiar; Boris

Kossoy (2002), que problematiza a fotografia através de suas realidades,

compreendendo que as fotografias contêm aspectos de realidade e de ficção.

Dentre algumas abordagens que tomam a fotografia como recurso

analítico, percebe-se que existem maneiras diferentes de explorar suas

potencialidades. Em um desses casos, a fotografia é abordada recorrendo ao

conhecimento sobre a imagem e seus signos; em outro, ela é tomada em si mesma,

do ponto de vista de sua construção interna e estrutural; e ainda de outro modo,

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partindo do fato de que a imagem, à parte a construção interna que a caracteriza,

produz alguma coisa a seu próprio respeito, e, portanto não se pode saber. Quando

não, ela tem caráter puramente ilustrativo, não havendo um empreendimento de

análise (DUBOIS, 2004).

Em direção distinta, nesta pesquisa, a fotografia é o canal para perceber

como as pessoas que vivem, consomem e fotografam o visível2 da cidade,

materializam suas impressões sobre ela, em superfície fotossensível. Assim,

explorando o caráter relacional das imagens e o seu agrupamento em séries,

acredito que as fotografias não detêm uma realidade fechada, uma verdade única e

uma essência naturalizada. Nesse sentido, as fotografias são compreendidas como

forma de conhecimento, atentando para seu caráter polissêmico e ciente de que

nenhum texto esgota as suas possibilidades e nem que elas encerram em si todos

os seus significados (BARTHES, 1990).

Mas como penetrar nas fotografias, esse reino sem palavras? Era o que

eu indagava quando imaginava o Salão Municipal de Fotografias como uma coleção

de retalhos, de peças de arquiteturas móveis e estáticas, como fragmentos

imagéticos de Teresina, que mostravam Teresinas. Essas fotografias dizem sobre

práticas humanas: experimentações da linguagem e práticas de existência.

Enquanto seres da linguagem, os homens materializam suas experiências

históricas através de inscrições rupestres, relatos orais, de textos escritos, da

fabricação de fotografias ou da produção de filmes. A história, portanto, não poderia

existir em outra instância. Assim, em uma pesquisa histórica é preciso compreender

que “o visível e o invisível fazem parte da história, são inseparáveis, se o historiador

quiser tentar compreender o significado dos labirintos, construídos pelos homens,

não deve fechar os olhos, nem tão pouco o coração” (REZENDE, 1997: 13). Além do

mais,

a história não é como um castelo, com sua torre central, de onde um sujeito soberano a pode visualizar em seu devir e pode tomar as decisões que vão mudar o seu rumo. A história é como um labirinto de corredores e portas contíguas, aparentemente todas semelhantes, mas que dependendo da porta que o sujeito pretende

2 O visível (com, naturalmente, sua contrapartida, o invisível) representa o domínio do poder e do controle, o ver/ser visto, dar-se/ não se dar a ver, os objetos de observação obrigatória assim como os tabus e segredos, as prescrições culturais e sociais e os critérios normativos de ostentação, ostentação ou discrição – em suma, de visibilidade e invisibilidade. (MENESES, 2005: 36).

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abrir, pode estar provocando um desvio, deslizamento para um outro porvir (ALBUQUERQUE JR., 2007: 73).

Acompanhando o que dizem estas citações, na tentativa de encontrar

saídas deste labirinto, a tessitura do trabalho foi composta por diferentes discursos

imagéticos sobre a cidade de Teresina, tomando como principais fontes as

fotografias do Salão Municipal de Fotografia de Teresina, e como fontes de apoio,

que foram observadas e consultadas a fim se ter uma visão ampla sobre a

experiência fotográfica em Teresina, encontram-se: cartões-postais, obras

publicadas – livros e revistas – com ensaios fotográficos, os regulamentos, matérias

de jornais sobre o evento, bem como entrevistas temáticas com os organizadores e

participantes do Salão, no intuito de enxergar nesse material aquilo que o mesmo

apresenta em termos de acontecimento. Este, entendido como algo intempestivo,

surpreendente e inesperado (FOUCAULT, 1979).

O itinerário desta pesquisa não se fez apenas com leituras e análise de

dados e fontes, essas coisas instituídas da academia. Ele também é composto por

trilhas sonoras e sessões de filmes. A escrita deste trabalho foi feita acompanhada

pelos sons de Miles Davis, John Coltrane, Wilco, Nouvelle Vague, Gotan Project,

dentre tantos, e por alguns filmes que ajudaram a pensar a fotografia enquanto uma

experiência do olhar, uma prática social que produz e multiplica sentidos. Como por

exemplo: Janela da Alma (2001), Depois Daquele Beijo (1966) e A Eternidade e um

Dia (1998), que aborda o tempo de forma a fazer pensar a sua existência em

experiências descontínuas pelo intermédio da memória, como se existissem

temporalidades sobrepostas e paralelas.

Refletindo sobre os sentimentos e sensações que me atravessaram no

decorrer da pesquisa, acho importante pontuar alguns momentos da caminhada. Em

entrevista concedida a Marieta de Moraes Ferreira e Mônica Almeida Kornis em

2004, Fhilippe Dudois faz um alerta aos historiadores que pretendem trabalhar com

imagens:

Um historiador que estuda as imagens, dizendo: “é isso que eu estava procurando, por que essa imagem se inscreve em tal contexto, pertence a tal situação”, naturalmente vai encontrar o que procura, mas não vai encontrar o que não estava procurando. Por isso, é preciso não procurar nada numa imagem, para ser capaz de descobrir aquilo em que não estávamos pensando, que não era imaginável a priori (2004: 17).

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Esta passagem de Fhilippe Dudois me fez refletir sobre o modo como estava

abordando as fotografias no início da pesquisa, de quando estabeleci contato com o

acervo do Salão e como fui surpreendido. Naquele momento tive a sensação das

coisas terem fugido do controle, olhava as imagens e não via o que queria ver. O

meu corpo de pesquisador se encontrava desterritorializado e alguns contornos do

meu território se desfaziam, se desarrumavam. Estava sendo afetado por uma outra

forma de perceber a pesquisa, via uma outra perspectiva de trabalho. Mas por um

instante me senti tranqüilo, quando encontrei duas fotografias minhas do ano que

participei do Salão (2004). Muitas idéias começaram a fluir e logo comecei a anotar

em um papel as imagens que mais me chamaram a atenção e os temas mais

recorrentes nas fotografias.

De todo modo, para esta pesquisa, Teresina foi uma desculpa para

discutir cidade e o Salão um pretexto pra enxergar Teresinas. Assim, ao cartografar

a cidade, através de suas imagens, percebi que a pesquisa também envolveu uma

cartografia sentimental do pesquisador, na qual as sensações e as experiências que

compõe os encontros no decorrer do caminho, constituem as linhas dessa

cartografia pessoal e da própria tessitura da pesquisa – que se fez ao caminhar, às

vezes sem saber ao certo para onde estava apontando.

A construção de cada capítulo é o momento de decidir sobre um percurso

narrativo, da história a ser contada, que ao final constituirá uma obra, como um

jardim ou um labirinto, ou os dois ao mesmo tempo, no caso do conto de Jorge Luis

Borges (2001), “o jardim de veredas que se bifurcam3”. Penso que cada capítulo é

marcado por uma bifurcação, no que tange à idéia de escolha. Assim, inspirado em

Jorge Luis Borges estou usando a palavra bifurcação ao invés de capítulo, por achar

que está mais próximo de uma linguagem de caminhada, pelas escolhas que são

feitas, como por exemplo: de seguir uma rua ao invés de outra, ou uma calçada,

uma praça, tomar um ônibus ou seguir a pé, etc. Dessa forma, o corpo desta

3 A apropriação do conto de Jorge Luis Borges, advém da condição que “O jardim de veredas que se bifurcam é uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal como concebia Ts’ui Pen. Diferentemente de Newton e de Schopenhauer, seu antepassado não acreditava num tempo uniforme, absoluto. Acreditava em infinita séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou se secularmente se ignoram abrange todas as possibilidades” (BORGES, 2001: 113).

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dissertação foi desenhado pela composição de três bifurcações, nas quais acredito

ser uma maneira de contemplar as questões a que o trabalho se propõe a discutir.

Na primeira bifurcação, “Baú de Miudezas: pequeno inventário sobre o

cidades”, procurei apresentar um conjunto de olhares sobre a cidade, com intuito de

mostrar como a cidade de Teresina tem sido apropriada nos estudos de seus

historiadores, e também em uma esfera maior, como a cidade tem sido pensada no

âmbito dos estudos culturais, isto é, como os historiadores e outros operadores do

pensamento social enxergam a cidade no momento de tomá-la como objeto de

estudo. Bem como, me aproprio de todos esses olhares para compor o meu, através

da construção de um conceito chamado de “campo de flutuação semântica” e de

melhor desenhar os contorno do caminhante-fotógrafo.

Na segunda bifurcação, “Uma excursão pela Fotografia: anotações sobre

as experiências fotográficas no Brasil e em Teresina”, monto um cenário da

experiência fotográfica no Brasil, ressaltando as características que a fotografia

assumiu em diversos momentos da história do país e ela em si mesma, como

fabricação de uma nova sensibilidade na sociedade para posteriormente

acompanhar os caminhos traçados pela fotografia em espaços teresinenses, as

suas singularidades e seus sujeitos. Seguindo-se até a emergência do Salão

Municipal de Fotografia como o evento mais relevante do cenário fotográfico local.

Na terceira bifurcação, “O Salão Municipal de Fotografia em Foco:

subjetividades e o consumo do visível na fabricação de Teresinas”, busquei discutir

as fotografias dividindo-as em três séries: a primeira delas apresenta um caráter

panorâmico e cenográfico, ou seja, tem a composição de cartão-postal, expressando

um tipo de subjetividade que apreende a cidade em sua condição de homogênia e

harmônica, atravessada em grande medida pelas sensibilidades da belle époque; a

segunda série apresenta uma postura binária e dual, indicando apenas duas

possibilidades que se contrapõem, ao mesmo tempo que tem um caráter de

denúncia social, um tipo de subjetividade alinhada com a da luta de classes, típica

atitude do mundo moderno e do século XX; por último, uma série que é pura mistura,

polifonia e movimento, essa demonstra uma subjetividade mais contemporânea,

correlata da pós-modernidade e do século XXI.

Dentre os muitos trabalhos que têm a cidade como pretexto para mergulhar

nas entranhas do urbano, esta pesquisa relaciona a linguagem fotográfica e as

práticas de existência na cidade de Teresina. Observando que são as práticas

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humanas que dão sentido ao universo que lhe rodeia, construindo significados que se

ressignificam constantemente. Desse modo, o percurso traçado não pretende ser

uma história da fotografia em Teresina, mas se utilizar das fotografias do Salão para

discutir a cidade. Tendo como objetivo perceber a maneira como os fotógrafos

fabricam Teresina e quais subjetividades se processam nos registros fotográficos.

Assim, esta dissertação se propõe a descobrir algumas senhas para adentrar nos

labirintos metamórficos e movediços, que são: a história, a cidade e a coleção de

fotografias do Salão.

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BIFURCAÇÃO I Baú de Miudezas: pequeno inventário sobre cidades

Fotografia: Maria Nívea da F. Rocha

Perceber a cidade na multiplicação das dobras: rede rizomática tal rede virtual do ciberespaço, tomografia cerebral a cores, cada filamento dobrado em reflexões infinitas. (são tantas que até a nossa imagem já escapou dos reflexos, cintilações do vazio.) Perceber a cidade nos relâmpagos entrecruzados dos espelhos, máquinas-complexas em redemoinho, razão-em-abismo, o pensamento.

Afonso Henriques Neto

23

1.1 Alguns elementos da Cidade–Baú

Muitos são os olhares, imagens e discursos construídos sobre a cidade.

De acordo com o ângulo escolhido para observá-la, ela pode ser capturada pela

ótica da racionalização, do planejamento urbanístico; pelo consumo ordinário dos

espaços, feito por seus praticantes; pelos costumes e comportamentos dos seus

habitantes ou pela polifonia e comunicação urbana. Hoje, as discussões em torno da

cidade enquanto tema de pesquisas, correspondem a um vasto campo de

abordagens, sendo ela percebida não apenas sob o prisma da economia ou da

política, mas também por seus aspectos materiais e simbólicos, por sua tradição e

modernidade, pelos seus gestos e relatos, por seus aspectos visíveis e invisíveis.

Desse modo, utilizo esta bifurcação para construir um pequeno inventário

de olhares sobre a cidade. No intuito de mostrar como a cidade de Teresina tem sido

apropriada nos estudos de seus historiadores, e também em um âmbito maior, como

a cidade tem sido pensada no âmbito dos estudos culturais, isto é, como os

historiadores e outros operadores do pensamento social enxergam a cidade no

momento de tomá-la como objeto de estudo.

Para construção da narrativa e discussão do conteúdo, me aproprio do

Baú de Miudezas, como metáfora para discutir a cidade com suas inúmeras

produções de sentidos, invenções, surpresas e composições híbridas. Mas o que

seria um Baú de Miudezas? Depósito de muitos eventos ínfimos, lugar de coisas

perdidas, imperceptíveis, onde se acumulam miudezas da lembrança e souvenires

de caminhadas. Em um baú, guarda-se até aquilo que não queria que acontecesse.

Mas também serve para guardar o cheiro e dar cheiro ao passado. E então, qual

seria o cheiro do passado? Qual o gosto de um retrato? Ou a fotografia de um antes

de ontem? Em um baú se guarda de tudo: sentimentos, memórias, cartas,

percursos. A cidade é tal qual um baú de uma avó do século passado, um grande

depósito de subjetividades – lugar fantástico e surpreendente. No entanto, neste Baú

de Miudezas não se acha nada, se inventa, nada está pronto, se fabrica percursos,

se produz sentidos.

É importante ressaltar que nessas construções e invenções em torno da

cidade, bem como nas relações entre os discursos e as práticas que a efetivam, a

imaginação é um elemento primordial. Ao passo que ela é necessária tanto para

24

planejar a cidade instituída, física, como para fugir de suas capturas através de

“fugas quebradas” e inventar cidades invisíveis. Pretendo, logo de início, ressaltar

que a imaginação é um elemento fundamental para a criação e para pensar a cidade

enquanto espaço de apropriação para estudos.

Iniciando o percurso proposto, a abordagem de Monsenhor Chaves

(1952)à cidade de Teresina, é de uma percepção do todo, o seu esforço é no

sentido de dar conta da totalidade dos elementos que constituíram a formação da

cidade nas suas primeiras décadas, tais como configurações políticas, eventos

religiosos, atividades do cotidiano, a formação das primeiras escolas, espetáculos

teatrais, etc. Em “Teresina – Subsídios para a história do Piauí”, Monsenhor Chaves

observa a pequena província teresinense sendo erguida enquanto capital, com a

montagem da estrutura dos prédios públicos e do aparato burocrático; o crescimento

populacional e as suas limitações enquanto suportes básicos para a vida em uma

cidade, como abastecimento de água, coleta de lixo e iluminação pública.

Em seu Baú de Miudezas, não continha só informações sobre as questões

físicas que envolviam a cidade naquele momento, mas também as movimentações

em torno dos assuntos das classes dirigentes; comércio e política, bem como, dos

acontecimentos populares, das festas das paróquias e das de subúrbio, com os seus

forrós, sambas e danças de São Gonçalo.

Com o passar do tempo e as transformações empreendidas no corpo

urbano da cidade, algumas construções foram se realizando, o desenho da cidade

começava a ganhar contornos mais definidos enquanto cidade. Mas uma outra

instância desse tecido urbano foi se resignificando, no que diz respeito à nomeação

das suas ruas. Segundo Monsenhor Chaves, em alguns momentos, muito bem

definidos da história do Brasil e do Piauí, ocorreram mudanças nos nomes das ruas

da capital piauiense, segundo ele, alguns desses momentos foram a Guerra do

Paraguai e a Proclamação da República.

É importante perceber a construção da cidade a partir dos nomes próprios

que batizaram suas ruas, dando a elas uma significância de grandes sujeitos e feitos

históricos. Portanto, as ruas: Bela, Flores, Gloria, Grande, Boa Vista, foram

rebatizadas, às vezes mais de uma vez, com nomes de políticos, militares e letrados,

assim como com as datas de grandes acontecimentos. Desse modo, as ruas

passaram a ocupar o papel de escrituras com uma semântica associada ao poder

dominante, ao mesmo tempo em que localizava a cidade no conjunto dos

25

acontecimentos da história do Brasil. Sobre o assunto é interessante observar o que

Monsenhor Chaves diz a respeito:

Neste 1° centenário da cidade é de se notar a persistência com que os teresinenses conservam alguns nomes tradicionais de ruas antigas de sua terra. No decorrer dos anos estas ruas foram rebatizadas várias vezes. Nem podia ser de outro modo. A vida prossegue, as gerações se sucedem e os homens precisam de nomear, de qualquer forma, os seus heróis de um dia, precisam perpetuar datas históricas. E o recurso fácil é ir gravando estes nomes e datas nas ruas e praças de sua cidade. Tais nomes conseguem sobreviver, às vezes, dez, vinte, trinta, raramente porém mais de cinqüenta anos (CHAVES, 1998: 41).

A fala de Monsenhor Chaves demonstra que a sua atenção está voltada

para as várias instâncias da formação desta cidade, permeando os âmbitos do

material e do simbólico. Ele tece anotações sobre a vida cotidiana e sobre o desejo

por transformações daqueles que viveram as primeiras décadas de existência da

capital. Sobre alguns acontecimentos importantes pontuados por ele, encontram-se

a chegada do primeiro vapor (1959), a inauguração do telégrafo (1884), a

inauguração da Fábrica de Fiação e Tecidos Piauienses (1893) e a abolição da

escravidão (1888). Esses momentos foram envolvidos em sentimentos de euforia e

de progresso. Sobre a chegada do vapor, ele descreve:

Não há como descrever o frenesi que se apoderou de toda a cidade. Os sinos do amparo batiam a rebate, foguetes estouravam por todos os lados e uma imensa mole humana corria pressurosa para o rio, descendo por todas as ruas. Até os aleijados e doentes, carregados em redes por escravos, demandavam o rio, apressados, para verem de perto aquilo que mais lhes parecia um sonho. De fato, para muitos dos espectadores aquele gigante de ferro, daquele tamanho, boiando nágua, constituía um enigma insolúvel. Era preciso ver para crer (CHAVES, 1998: 69).

A narrativa de Monsenhor Chaves mostra que também houve outros

acontecimentos que alteraram de forma significativa a configuração da sociedade

teresinense, como a chegada em massa de migrantes cearenses em 1877, fugindo

da seca que assolava o Estado do Ceará; a abolição da escravidão e a proclamação

da República (1889), que de certa forma alterou os contornos a política do Estado.

Sobre esta questão Monsenhor Chaves explica que:

26

Nenhum movimento de preparação republicana precedeu, em Teresina, à proclamação da República. Davi Moreira Caldas, o profeta, pregou no deserto. Não fez adeptos: se os teve, guardaram tão ciosamente a idéia que só se manifestaram de público quando viram a tropa na rua, embalada, para garantir a consumação do fato (CHAVES, 1998: 88).

Como ele menciona, a política local estava muito bem alicerçada em

moldes monárquicos e um pouco distante do debate republicano. O primeiro

interventor republicano do Estado do Piauí, o Dr. Gregório Taumaturgo de Azevedo,

chega em 25 de dezembro de 1889 e, segundo Monsenhor Chaves encontra as

finanças do Estado em péssimas condições e os serviços públicos em estado de

caos.

Desse modo, o livro do Monsenhor Chaves constitui um inventário da

construção e formação de Teresina, contemplando os níveis que vão da

transferência da capital; da primeira concessão para o abastecimento de água; das

primeiras posturas municipais; da vida cultural até os fatos pitorescos. Logo, este

trabalho constitui em si, um Baú de Miudezas composto por uma narrativa factual,

que dá conta das primeiras décadas da vida em Teresina.

Numa outra abordagem, trabalhada por Teresinha Queiroz (1994) no

primeiro capítulo do livro “Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e

as tiranias do tempo”, é construída uma discussão sobre a cidade de Teresina

intitulada de “Teresina Civiliza-se”. Seguindo alguns caminhos de abordagem, a

autora escolheu diferentemente de Monsenhor Chaves “focalizar o lazer em

Teresina enquanto lugar de mudança social e como veículo de transformação

cultural” (QUEIROZ, 1994: 28). No qual, o critério de escolha de tais manifestações

como o teatro, o cinema, a música, o circo e o carnaval “passou pelo atributo de

moderno de que elas foram revestidas, em contraposição às diversões populares e

tradicionais, do tipo prendas, bailes e festividades religiosas” (QUEIROZ, 1994: 28).

A autora procura perceber a contribuição destas novas sociabilidades para a

modernização dos costumes nesta cidade entre os últimos anos do século XIX e

início do século XX.

Segundo Teresinha Queiroz, o teatro, o cinema e a música, dentre outros,

contribuíram fortemente para a alteração de alguns valores, costumes e práticas

sociais em uma cidade de tradição rural, que em sua forma física era bastante

provinciana e acanhada para os padrões de outras capitais. Com todas as

27

novidades trazidas por estas artes do divertimento, a sociedade encontrava-se

dividida entre sustos e suspiros. Estas novidades não estrearam de modo que todas

as vozes se fizessem uníssonas, houve quem discordasse e esbravejasse em

defesa da moral e dos bons costumes tradicionalistas e em muitos momentos

deixando claro em suas falas a impossibilidade da mistura entre as classes sociais

que compunham aquela cidade. Dessa maneira,

as representações teatrais e os espetáculos afins eram comuns e movimentavam a cidade. Se o alto preço das representações e as exigências de vestuário mais refinados afastavam os mais pobres dos eventos, mesmo para os freqüentadores, os preços eram diferenciados e sugeriam diferenças sociais, demarcando-as. Por outro lado, o povo não se subordinava a essas diferenças e desrespeitavam tanto quanto possível a rigidez da hierarquia social. Essa hierarquia era abalada de várias formas, e nesse mister os papéis se confundiam tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima (QUEIROZ, 1994: 31).

Teresinha Queiroz percebeu nestas novas sociabilidades, mediadas pelo

lazer e o divertimento, a oportunidade de Teresina e de seus habitantes se

“civilizarem”. Para isso ela toma como locutores deste tempo alguns cronistas e

literatos, como por exemplo, Jônatas Batista, Higino Cunha e Clodoaldo Freitas,

para levar adiante este debate. Essas novas sociabilidades emergiram como o

conjunto de uma novíssima maquinaria, composta pelo modernismo cultural das

artes, pelo comportamento e pela moda. Este se apresenta como o momento em

que Teresina se sintoniza com as tendências nacionais e mundiais. A autora e

alguns de seus interlocutores, ressalta que,

mesmo considerando o longo período de 1880 a 1930, os redatores e os cronistas da cidade mantêm uma observação em comum: Teresina seria uma cidade sem diversões, uma cidade entediada, em que, no dizer de Jônatas Batista, faltava assunto para crônica, embora não faltasse assunto para a matracagem da vida alheia. Essa categoria de crítica era uma verdadeira praga que se alastrava cada vez mais, inibindo qualquer inovação social ou qualquer empreendimento, notadamente no setor das artes (QUEIROZ, 1994: 30).

O que Teresinha Queiroz apresenta em seu texto é um debate sobre as

transformações nos modos de viver na cidade de Teresina, na virada do século XIX

para o século XX: diferentes modos de existência, novas sensibilidades, novíssimos

28

desejos e subjetividades. Demonstrando que os anseios por mudanças, desta

população, atravessavam as estruturas físicas da cidade e o imaginário social, na

formação de novas representações, no anseio de viver tanto a modernidade4 da

belle epoque quanto à do cinema. Afigurava-se a vontade de deixar de ser arcaica e

de se tornar moderna. Assim,

no campo das atitudes, o cinema, além de ditador de modas e toaletes, teria imposto novos modos de sentar (por exemplo, com as pernas cruzadas), de olhar, de fumar (seguido pelos cavalheiros) e até de flertar, pois o cinema (e sobretudo o hall do cinema) era tido como o local mais apropriado para o flerte – diversão moderna e de efeito momentâneo e fugidio como o das projeções cinematográficas (QUEIROZ, 1994: 37-38).

No entanto, como aponta Teresinha Queiroz, a elegância do teatro, o furor

do cinema e a genialidade intelectual da música, contrastavam com os valores e

hábitos provincianos de uma população mais acostumada aos falatórios da vida

alheia. Além disso, o que se deve tomar como importância maior é o esforço desta

população de se vestir dos hábitos que estavam conquistando o mundo e de

compartilhar com as populações das outras capitais desse novo tempo.

Acompanhando o percurso, Francisco Alcides Nascimento (2002),

historiador que na sua escolha por observar a cidade de Teresina, prefere olhá-la

através dos processos de modernização que definiram o seu aspecto formal e a

constituição do seu espaço físico, diferencia-se da perspectiva de Teresinha

Queiroz. Assim, a cidade do autor é a da utopia urbanística, a cidade-conceito –

cartesiana, funcionalista, reta e lisa. A cidade instaurada pelo discurso utópico

urbanístico é definida pela possibilidade da produção de um espaço próprio, de um

não-tempo e da criação de um sujeito universal (CERTEAU, 1994). Esse modelo de

cidade tem suas bases na emergência de saberes historicamente localizado no

século XIX. Saberes estes, sanitaristas e urbanistas, que tem uma relação direta

com o conjunto tecnológico da disciplina enquanto poder.

Em dois de seus trabalhos, o livro “A cidade Sob o Fogo: modernização e

violência policial em Teresina (1937-1945)”, de 2002, e o artigo “Cajuína e Cristalina:

as transformações espaciais vistas pelos cronistas que atuaram nos jornais de 4 Segundo Antonio Paulo Rezende, “no discurso dos sujeitos históricos a idéia de modernidade esteve associada à capacidade crescente do homem de emancipar-se do obscurantismo, do preconceito e construir o reino da liberdade. A efetivação de uma sociedade mais justa, envolvida pela fantasia promissora do progresso” (1997: 18).

29

Teresina entre 1950 e 1970”, de 2007, Francisco Alcides Nascimento centra-se no

argumento de que a cidade de Teresina teve a construção de seu espaço urbano

mediante uma postura autoritária e violenta por parte de seus administradores, que

inclusive encontrou nos incêndios das casa de palha do centro da cidade, na década

de 1940, um método singular de ação. O que de certa forma, marcou o processo de

modernização desta cidade e a sua história.

A essa organização, pressupõe uma ação de poderes, que produzem

escrituras de leis, tais como planos gestores e códigos municipais de postura, que

normatizam espaços e corpos, demarcando constrangimentos, repressões e

resistências. O processo de modernização da cidade de Teresina, como a de muitas

outras, assumiu um caráter autoritário e violento, em pontos de tensão que

delinearam a cidade a partir do embate entre forças. De um lado os projetos de

modelagem e embelezamento da cidade, e de outro, a resistência da população

através das moradias de casas de pau-a-pique cobertas de palha de coco babaçu, o

que se estabeleciam como um entrave no projeto dos administradores municipais

(NASCIMENTO, 2002). Francisco Alcides do Nascimento, referindo-se ao código de

posturas de 1939 aponta que

o código de postura deixa transparecer um certo elitismo. Separa ricos e pobres quando indica onde se pode ou não construir-se casas populares. A legislação tem a pretensão de afastar os pobres para longe da zona central da cidade (2002: 225)

Em 1959, vinte anos depois da instituição do código de posturas, devido a

uma nota publicada pela prefeitura municipal de Teresina no jornal Estado do Piauí,

Alcides do Nascimento ressalta:

É, pois, facilmente perceptível que a elite intelectual e política, por meio de seus representantes e com base em saberes divulgados por médicos sanitaristas e urbanistas, responsabilizam os pobres pelas mazelas da capital do Piauí, acusando-os de agirem de forma incivilizada. O foco daqueles saberes está direcionado aos “setores perigosos” , uma vez que suas práticas cotidianas não se coadunam com as práticas burguesas (2007: 199).

Nicolau Sevcenko (2002) em “Pindorama Revisitada: cultura e sociedade

em tempos de virada” destaca que para cada momento político da história do Brasil

há um projeto urbanístico para as cidades. Francisco Alcides do Nascimento

30

trabalha com dois períodos distintos da política nacional, sendo o primeiro referente

ao período de Getúlio Vargas e o Estado Novo, e o segundo, ao período em que os

militares estiveram no controle do país. No entanto, o que se observa nos dois

trabalhos citados, é algo diferente do que aconteceu na cidade de São Paulo,

exemplo dado por Nicolau Sevcenko.

O que se percebe aqui é um continuísmo no modo de trabalhar os projetos

sobre a cidade de Teresina, a partir de 1937, apontando sempre em um mesmo

sentido e com uma mesma abordagem, ou seja, o investimento na consolidação de

um corpo urbano moderno, a fim de afastar-se de uma imagem de cidade

provinciana. No entanto, a única mudança clara de projeto é com relação às

reformas e ampliações empreendidas pelo engenheiro Luís Pires Chaves na década

de 1930 – vésperas dos 100 anos da capital – que correspondia a um

empreendimento do Estado Novo varguista. Segundo Francisco Alcides Nascimento:

Pires Chaves, com a proposta de intervenção, opõe um projeto desejado, moderno, à cidade construída a partir de 1850. Coloca claramente a oposição “novo/velho”, forma encontrada pelos ideólogos do Estado Novo para demonstrar o fortalecimento do novo projeto político (2002; 137).

Desse modo, Francisco Alcides do Nascimento afirma que o processo de

modernização de Teresina, composto por todo o século XX, teve um caráter

autoritário. Referindo-se a construção da Avenida Miguel Rosa, ocorrida no início da

década de 1970, e a desapropriação das casas que estavam edificadas na região

que seria ocupada pela avenida, ele expõe:

Com a intervenção do tecido urbano, o poder público resolvia dois problemas: embelezava a cidade e afastava as prostitutas da sua área mais visível. O discurso médico-sanitarista orientava a limpar a cidade daqueles lugares perigosos à saúde pública, enquanto setores mais conservadores da igreja católica festejavam o fim dos “lugares de perdição”.(NASCIMENTO, 2007: 211).

As discussões iniciadas por Luís Pires Chaves na década de 1930, a

respeito das transformações do espaço urbano de Teresina, são continuadas no

decorrer dos tempos. O continuísmo é notado nos discursos de desenvolvimento e

progresso, se na primeira metade do século XX o esforço era de dar novos

contornos a matriz construída por Conselheiro Saraiva, e sanar as necessidades

31

básicas da população. Na segunda metade do século, o desejo era de expandir os

domínios urbanos, de embelezar a cidade, de instalar e criar empresas para

movimentar a economia local e de uma forma geral, dá a Teresina ares de

metrópole.

Um elemento que atravessa todo esse período é a necessidade de limpar

a cidade, das práticas “incivilizadas” e das construções que enfeiam a cidade, e para

isso, um elemento importante entra em cena, o fogo. Tendo em vista, que o fogo,

destrói, desmancha, incinera e deixa em aberto a possibilidade para um novo, para

novas construções. De todo modo, o fogo e o novo, seguem-se juntos como

metáforas da modernização de Teresina. A indagação que fica é: qual o preço do

novo?

A contribuição das discussões realizadas por Alcides Nascimento,

Monsenhor Chaves e Teresinha Queiroz constituem um conjunto de informações

que contemplam a formação da cidade de Teresina e seu desenvolvimento, tais

como, a construção da sua geografia urbana, as práticas sociais dos seus habitantes

e os arranjos de poder que desenharam sua história. Embora esses três autores

alicercem suas pesquisas por caminhos distintos e mirem seus olhares em

elementos diferenciados, a perspectiva da modernidade atravessa seus trabalhos.

De um modo geral, as pesquisas que se apropriam da cidade de Teresina, como

foco de discussão, geralmente investem na sua construção enquanto cidade

moderna. O que não é o caso desta pesquisa.

Neste momento, enquanto campo temático, o roteiro construído para

observar as apropriações feitas sobre a cidade se afasta de Teresina para observar

outras cidades, a fim de apresentar um repertório de olhares. Seguindo-se o

percurso, existem várias portas, janelas e senhas para se acessar a cidade. Desse

modo, a antropóloga Janice Caiafa (2002), em seu livro ”Jornadas Urbanas:

exclusão, trabalho e subjetividade nas viagens de ônibus na cidade do Rio de

Janeiro” preferiu a janela, mas não qualquer janela, mais precisamente uma que

estivesse em movimento.

Para discutir a cidade do Rio de Janeiro e suas subjetividades, a autora

observa a cidade através de uma de suas melhores formas, pela janela do ônibus

coletivo. Isto, tanto pelo fato de estar em movimento e permitir um olhar circular, que

passeia e está de passagem por vários lugares, como por estar na janela, já que a

“janela” configura o lugar onde geralmente se encontra uma testemunha ocular que

32

a tudo observa, muitas vezes, sem ser vista. É precisamente do lugar de quem

pesquisa circulando pela cidade, que ela explica:

O transporte coletivo realiza o que talvez seja a força mais marcante da cidade: a dispersão. As cidades surgem produzindo um espaço de circulação. Pra além das casas familiares, a rua abriga desde o início nas cidades os encontros com estranhos, o contágio de idéias e doenças, a mistura que vem com o acesso aos lugares e a ocupação do espaço público (CAIAFA, 2002: 18).

Janice Caiafa ao discuti a cidade através do transporte coletivo, pensa as

relações sociais se construindo em viagens de ônibus, na relação de estranhos que

por intermédio da situação são impelidos a se comunicar, se esfregar uns nos

outros, sentir o cheiro do desconhecido, interagir. Ao passo que o ônibus circula pela

cidade, e as pessoas que estão dentro observam a cidade pela janela – um olhar

que circula. O fato do transporte se locomover e ser um meio usado pela maior parte

da população para se deslocar, a autora o toma como um dispositivo de dispersão,

que efetiva, segundo ela, uma das principais funções da cidade: a fuga. No entanto,

essas revoluções e ousadias da cidade (...) se apóiam na possibilidade de fuga que seu espaço oferece. Questão portanto, em princípio, de espaço disponível e acessibilização de lugares. Essa fuga envolve o deslocamento físico, mas não só ele, porque sempre se pode ir de um ponto a outro levando a sua bíblia. Implica ir para não reconhecer; é a viagem da diferença que realiza a aventura própria das cidades, ou seja, sua especificidade e sua capacidade de resistir à disciplina do Estado e do capitalismo (CAIAFA, 2002: 20).

A cidade para Janice Caiafa, não só conjura o capital em seu galope,

como também o embate destas forças e seus deslocamentos entre os planos

verticais e horizontais, mobilizam diversas interpelações nos indivíduos, participando

da construção de suas subjetividades. Nesse sentido, O transporte coletivo é o meio

para pensar a cidade e os agenciamentos coletivos empreendidos, os processos de

captura e exclusão na cidade. Onde, “não poder mover-se ou fazê-lo com dificuldade

é estar desprovido em uma cidade, é ser destituído da principal senha para a vida

urbana” (CAIAFA, 2002: 21).

Os agenciamentos ocorridos nas viagens de ônibus fazem parte da

composição das subjetividades dos habitantes da cidade que utilizam os ônibus

coletivos para se moverem, seja ao trabalho, a escola, a casa de amigos, a praia,

33

etc. Desse modo, “a materialidade do ônibus e o meio de interação que nele se cria

vêm marcado de diversas formas e em diferentes graus a vida dos passageiros”

(CAIAFA, 2002: 27). Sobre o conjunto material e imaterial que estão presentes em

uma viagem de ônibus e que permeiam os processos de subjetivação mobilizados

pelo transporte coletivo, a autora esclarece:

Habitamos, de uma forma provisória, também o espaço do ônibus. São os degraus para alcançar o veículo, os assentos, as estruturas de apoio quando caminhamos ou vamos de pé, as janelas, as portas. Numa arquitetura em movimento – ou arquitetura itinerante, como denominamos aqui – é também a ventilação, o ruído, a estabilidade do veículo. A hospitalidade do ônibus é parte de nossa experiência de viagem e um dos fatores que vão determinar as condições de circulação numa cidade (CAIAFA, 2002: 107).

O movimento, a dispersão, a fuga, leva a um afastar-se da casa, do

recanto confortável e do reconhecimento cômodo da família. Para Janice Caiafa, a

produção de heterogeneidade na cidade é uma característica importante da

experiência urbana, tendo em vista que movimento é mistura. Assim, “a mistura

caracteristicamente urbana não repercute só quando consegue subverter os códigos

sociais, mas também nesse nível mais molecular e imperceptível, mas não menos

real de uma relação consigo” (CAIAFA, 2002: 177). Desse modo, o movimentar-se

ganha a condição de resistência à captura e disciplina do capital, deslocando-se na

horizontal, espalhando-se para os lados, seguindo o curso da cidade em seu corpo

flácido, cheio de dobras e esconderijos.

Após observar a cidade pelo viés do ônibus coletivo e os possíveis

agenciamentos em uma viagem, uma outra maneira de se capturar a cidade é pela

comunicação urbana. Massimo Cavenecci (1993) é um antropólogo que adentra na

cidade pelo canal da polifonia, na qualidade de que ela é o múltiplo em condição de

atrito, de fusão, de cruzamentos é a profusão de elementos híbridos; nada de

sínteses ou essência, mas muitos fragmentos em órbita, articulando-se entre si e

produzindo informações sem origem definida – rede rizomática em ação. A polifonia

de uma cidade diz respeito às suas linguagens, às suas vozes,

significa que a cidade em geral e a comunicação urbana em particular comparam-se a um coro que canta com uma multiplicidade de vozes autônomas que se cruzam, relacionam-se,

34

sobrepõem-se umas às outras, isolam-se ou se contrastam (...) (CANEVACCI, 1993: 17)

Para o autor, a polifonia está no objeto e no método, o seu olhar volta-se

para cidade procurando as texturas da comunicação urbana. Ele trabalha em uma

perspectiva dialógica, explicando que há uma comunicação entre um determinado

prédio e os cidadãos que passam em sua porta, uma relação de intersubjetividade.

Sobre essa questão ele diz:

Difícil considerar as formas urbanas de São Paulo unicamente como textos que devem ser interpretados e sobre os quais o olhar do observador deve ser dirigido, como se fossem unicamente páginas inerentes da história da comunicação urbana. Pelo contrário, frequentemente eu mesmo me sinto observado, como se tivesse sido arrastado e imobilizado pelos “olhares” que às várias subjetividades de alguns edifícios lançam sobre mim (CANEVACCI, 1993: 23-24).

Massimo Canevacci mergulha nas entrelinhas da cidade de São Paulo

tirando vantagens da sua condição de estrangeiro e da possibilidade de perder-se

pelas bifurcações do seu labirinto. Assim, ele constrói sua discussão a partir da

análise de algumas imagens fotográficas, nas quais, seu foco é o da comunicação

urbana. Ele analisa os Shoppings Centers, a simbologia dos prédios da Avenida

Paulista, as griffes arquiteturais de alguns prédios, os viadutos, os outdoors de

cuecas masculinas, o arquipélago de letreiros da Avenida Augusta. Ele busca no

tecido visível da cidade os signos que constituem a diversidade da comunicação

urbana de uma metrópole como São Paulo. A perspectiva polifônica trabalhada pelo

autor, pode muito bem ser relacionada com a discussão em torno de Babel5,

construída por Jorge Larrosa (2001). Essas duas perspectivas podem facilmente se

fundirem.

Pensando nisso, a cidade é um lugar que inventa linguagens onde, por

sua vez, as linguagens reinventam a cidade. Cidade e linguagem é o perfeito

encontro para fusões e, desse ponto de vista, tanto a linguagem como a cidade está

sob o signo de Babel. Pois, a linguagem singulariza as cidades, produzindo uma

5 Jorge Larrosa explica que em torno de Babel situam-se as questões de unidade e da pluralidade, da dispersão e

da mesclagem, da ruína e da destruição, das fronteiras e da ausência de fronteiras e das transposições de

fronteiras, da territorialização e da desterritorialização, do nômade e do sedentário, do exílio e do

desenraizamento ((2001: 9). Babel diz respeito as discussões em torno da linguagem na perspectiva plural, bem

como de alguns temas políticos e culturais.

35

diversidade, cada cidade única em sua experiência histórica e em seus

agenciamentos coletivos, proporcionando em seu conjunto “um colar de pequenas

cidades ilustradas” (HENRIQUES NETO, 2005: 248), prontas para serem

colecionadas enquanto experiências de caminhadas e exercício do olhar. Tais como,

os olhares que estão sendo capturados neste Baú de Miudezas.

A aventura de Massimo Canevacci por São Paulo é uma experiência do

olhar, é um deleite na geografia informacional da grande metrópole, é uma viagem

que hora estaciona na praça da Sé, no circulo de “marginais” que a utilizam como

palco de suas performances, seja os protestantes bradando aos quatro cantos, seja

o caipira que ocupa o chão da praça para vender ervas medicinais. Nesse caso, há

o encontro de dois curandeiros, de duas medicinas distintas. Ambas milagrosas,

tanto a espiritual como a do conhecimento popular. Enquanto, em outra, são os

grandes outdoors de cuecas Mash, os super-super-signos do erótico e do capital, a

intimidade da casa invadindo a rua em tamanho gigante, ocupando toda a lateral de

um prédio, colocando nas vistas de todos os transeuntes a sensualidade masculina

e o espírito capitalista. Como ele mesmo expõe,

os grandes cartazes de publicitários das ruas – os outdoors – são uma fonte tão inexaurível quanto renovável de comunicação urbana. Neles é possível ler-se não só a mensagem explícita, a que se destina a venda, mas também o sistema de valores de uma determinada época, num específico contexto sócio-cultural (CANEVACCI, 1993: 163).

Massimo Canevacci explora a hipercomunicação no pós-moderno,

constrói um apanhado visual do que uma cidade como São Paulo comunica. Em

instantes, o alvo é uma propaganda muito bem elaborada, com todos os atrativos

para instigar o desejo do consumidor; em outros, é a pura poluição visual da Avenida

Augusta, que em seu conjunto de letreiros constrói um grande texto composto por

colagens; e ainda, em outros, é um ponto do McDonald’s, no qual, ele consegue ver

na arquitetura do estabelecimento semelhanças com um templo protestante.

Imediatamente ele relaciona os signos do capital e da religião, seria então um

hamburgers-Deus o que as pessoas consomem naquele estabelecimento. Ou

mesmo, uma seringueira, que ele diz ser um grande monumento urbano à borracha,

além do que, o encontro com uma dessas árvores em São Paulo é quase um

36

encontro com um fantasma, tendo em vista o fascismo dos paulistanos contra as

árvores.

Assim, a comunicação, a pós-modernidade, a publicidade, a arquitetura, a

experiência urbana do olhar constituem a aventura de Massimo Canevacci, é a

perspectiva do plural e da polifonia da cidade. A diversidade de que ele busca e

demonstra em seu livro “A Cidade Polifônica: ensaio sobre a antropologia da

comunicação urbana” é a cidade se articulando através da linguagem e se

multiplicando por ela, a partir de muitas vozes.

Desse modo, tangenciando aos olhares anteriores, me aproprio das

bifurcações de Jorge Luis Borges, para essa discussão, como pontos nevrálgicos,

momentos de escolha ou fuga, desdobramentos em tempo e espaço, históricos ou

de percurso. A possibilidade em aberto, dizendo de outra forma, escolher um

caminho sabendo da existência de outros, tão opacos quanto o escolhido, sob pena

de mais adiante retornar ao ponto de partida. Portanto, são os itinerários construídos

na e pela cidade; possibilidades de bifurcações e atalhos. A esse percurso Ítalo

Calvino acrescenta que,

as cidades também acreditam ser obra da mente ou do acaso, mas nem um nem outro bastam para sustentar as suas muralhas. De uma cidade, não aproveitamos suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas (CALVINO, 2003:46).

Diferentemente dos autores mencionados, Ítalo Calvino prefere exercitar a

sua imaginação e inventar cidades – fabricar cidades invisíveis. Recorrendo a

exemplos na literatura, Ítalo Calvino é um autor que elege personagens para

construir as narrativas de suas cidades fantásticas. Um deles é Marco Pólo (2003),

um sujeito de nome próprio, aventureiro dos sete mares e dos cinco continentes,

homem do mundo, contador de grandes histórias e inventor das invisíveis cidades

venezianas. Esse personagem contrasta com outro que também tem olhos para

cidades invisíveis, Marcovaldo (1994), caminhante anônimo, inocente e melancólico,

que viaja pela cidade a procura do inusitado, percorrendo suas estações anuais,

caminhando por seus andares, procurando enxergar outros habitantes, também

anônimos: as formigas, os escaravelhos, as minhocas, os fungos, etc. O seu olhar

procura o campo na cidade, os detalhes minúsculos, negligenciando o asfalto, os

arranha-céus e os semáforos.

37

Marco Polo inventa cidades a partir de aventuras, cidades fantásticas que

se sobressaem às “originais”, no caso Veneza. As suas cidades são como as

cidades em que a cada viagem ele aporta seu navio. Uma série de cidades que

constituem relatos de viagem, que são anotadas em seu diário de bordo. Cidades

que estão no enredo de uma epopéia. Mas Marcovaldo, diferente de Marco Pólo, é

ingênuo e está sempre a procura de coisas simples. Ele se aventura pela cidade à

procura de sensações, de gostos e direciona seu consumo para as coisas miúdas

como, por exemplo: nos cogumelos que nascem na parada de ônibus, no

comportamento dos gatos, nos pombos da praça, na brisa da noite. Ele procura e

encontra uma cidade provinciana em plena metrópole.

Esses personagens de Ítalo Calvino, demonstram que existem diversas

cidades em uma mesma, e que estas triunfam sobre os mapas, sobre os cálculos

matemáticos e sobre as escrituras da lei. Onde se demarca um território com

proibições, inventa-se uma travessia, utilizando-se dos passos, dos relatos e dos

olhares. As manifestações de cidades invisíveis apresentadas por Ítalo Calvino,

através de Marco Pólo e Marcovaldo, demonstram que para observar a cidade na

perspectiva de suas subjetividades, torna-se necessário imaginá-la

como um universo dissonante e pluralista, mundo do perspectivo nietzschiano onde já não se trata de múltiplos pontos de vista sobre a mesma coexistência de cidadãos, mas múltiplas cidades em cada ponto de vista, unidos por uma distância e ressoando por suas divergências (PELBART, 2000: 48).

Ressalto que diante de uma grande quantidade de observadores e

interlocutores, existem tantas cidades quanto os sentidos produzidos na e sobre ela.

Colocando questões: qual seria a verdadeira cidade? A cidade do trabalho? A

cidade comandada pelo capital imobiliário? A cidade dos administradores

municipais? A cidade dos caminhantes ordinários? A cidade boêmia dos literatos e

do prazer noturno? Ou a cidade da memória? É impossível afirmar qual cidade

prevalece, tendo em vista que todas coexistem em um mesmo espaço e, em alguns

casos, em tempos diferentes. Assim, é preciso pensar a cidade também em sua

porção de invisibilidade, que casualmente realiza-se em conversas de bares,

registra-se em diários sigilosos, ou mesmo em poemas publicados em fanzines

fotocopiados

38

demonstrando que as cidades, fora do discurso técnico e urbanista, só existem em sua forma invisível, carregadas e constantemente recompostas aqui, nesta região escondida e funda, maquinaria desejante a que chamamos subjetividade (CASTELO BRANCO, 2005: 184).

Na impossibilidade de afirmar qual seria a cidade eleita como principal, o

que pode ser dito é que são as diversas linhas e fluxos que ao se atravessarem

constroem o tecido urbano. Muitos são os elementos que compõem este Baú de

Miudezas. Ao imaginar a cidade a partir dos olhares apresentados, vêem-se alguns

detalhes: percursos que perpassam invenções da cultura ordinária e da ciência;

itinerários feitos por coletivos urbanos e por transformações nos costumes; a

comunicação através de vozes dissonantes e relatos fantásticos. Ressaltando, que

um relato de viajem é também um percurso: “histórias de caminhadas e gestos são

marcadas pela ‘citação’ dos lugares que daí resultam ou que as autoriza”

(CERTEAU, 1994: 205).

1.2 – Entre6 cidades: um campo de flutuação semântica

Após a exposição de algumas abordagens sobre a cidade de Teresina e

algumas formas de apropriação e exploração da cidade como um campo temático

para estudo, esta pesquisa captura a cidade e algumas produções de sentidos no

cotidiano. Consciente de que é pela colagem de fragmentos que encontram-se

dispersos no rastro do devir, que se pode aproximar de uma história que está em

movimento. Como bem lembra Massimo Canevacci, “compreender uma cidade

significa colher fragmentos. E lançar entre eles estranhas pontes, por intermédio das

quais seja possível encontrar uma pluralidade de significados. Ou de encruzilhadas

herméticas” (CANEVACCI, 1993: 35).

6 Nessa discussão a idéia de entre diz mais que um entre dois, aqui ela está sendo apropriada a partir da discussão de Gilles Deleuze, ao discutir a questão da multiplicidade, que segundo ele “não são nem os elementos, nem os conjuntos que definem a multiplicidade. O que a define é o E, como alguma coisa que ocorre entre os elementos ou entre os conjuntos. (...) Por isso é sempre possível desfazer os dualismos de dentro, traçando a linha de fuga que passa entre os dois termos ou os dois conjuntos, o estreito riacho que não pertence nem a um nem a outro, mas os leva, a ambos, em uma evolução não paralela, em um devir heterocromo. Ao menos não é síntese” (1998 :45).

39

Neste Baú de Miudezas, que é a cidade, a fotografia configura-se como

um instrumento por meio do qual, pesquisadores deste campo temático têm

escolhido vê-la. Desse modo, o olhar que está nesse momento por trás da câmera e

preparando-se para disparar o flash, tem na sua constituição a perspectiva de que a

cidade é um empório de estilos e a consciência de que, o que quer que venha a

capturar, constituirá mais um elemento para o inventário deste Baú.

Diante desta perspectiva, me aproprio do caminhante ordinário de Michel

de Certeau (1994) para inventar o meu caminhante-fotógrafo, sujeito que caminha

pela cidade consumindo o seu espaço visível, guiando-se pela mediação de todos

os seus sentidos e fabricando, ao seu modo, uma coleção de fragmentos da cidade

em forma de fotografias, utilizando-se de seu repertório sensível, sentimental e

cultural. Esse caminhante-fotógrafo é o vasculhador do Baú de Miudezas e ao

mesmo tempo o inventor de alguns elementos do Baú. Este caminhante-fotógrafo, a

exemplo do homem ordinário, “traça ali a ultrapassagem da especialidade pela

banalidade, e a recondução do saber a seu pressuposto geral: nada sei de sério.

Sou como todo mundo” (CERTEAU, 1994: 63). O caminhante-fotógrafo é uma

metáfora para pensar os fotógrafos, profissionais e amadores, que participam do

Salão Municipal de Fotografia da cidade de Teresina.

Desse modo, escolhi acessar a cidade a partir da produção fotográfica

feita por este caminhante-fotógrafo, produção esta que se encontra reunida no

acervo do Salão Municipal de Fotografia da Cidade de Teresina e na Casa da

Cultura – instituição sob administração da prefeitura municipal – abordando o

período que de estende de 1995 a 2005. O Salão é um evento anual do calendário

de atividades da Secretaria de Cultura do município, Fundação Cultural Monsenhor

Chaves, que existe desde 1995. Além da exposição de fotografias de fotógrafos

profissionais e amadores, o evento ainda promove atividades e discussões em torno

das práticas fotográficas.

Neste momento, o meu olhar está voltado para os registros e as relações

que podem ser feitas entre a cidade, o seu consumo e a sua invenção imagética,

com a preocupação de perceber a complexidade dessa rede formada por uma

variação de linhas e fluxos, “pois elas são os elementos constitutivos das coisas e

dos acontecimentos. Pois, cada coisa tem sua geografia, sua cartografia, seu

diagrama” (DELEUZE, 1992: 47). Dessa maneira,

40

se, em um primeiro momento, a fotografia como tecnologia imagética significou a irrupção de novos modelos de percepção e novas formas de subjetividade, posteriormente, a sucessão de estilos e práticas teve o efeito de dar lugar a relações espaciais e temporais de tal modo diferenciadas que induzem a pensar não mais na fotografia e sua essência, mas em fotografias, em uma pluralidade de agenciamentos espaciais, temporais e maquínicos, em vários estratos ou camadas sobrepostas que apresentam níveis diferenciados de complexidade (FATORELLI, 2003:17).

A pesquisa mergulha na cidade de Teresina pela fabricação de imagens

provenientes do consumo do visível, mediado pelas fotografias do Salão.

Entendendo que o consumo do visível é o consumo da plasticidade do cotidiano. Um

consumo do capital informacional que constitui a geografia urbana. Ou seja, tudo o

que o olho pode alcançar e decodificar pelo repertório pessoal de cada um7.

Este caminhante-fotógrafo que não pertence à história dos nomes próprios

é um mediador desta discussão. Ele é um consumidor sinestésico, uma vez que é

através dos cinco sentidos que se conhece uma cidade e que se constroem as

cidades particulares com gostos, sons, cores, formas e superfícies específicas. Uma

cidade é sentida e conhecida com o corpo inteiro, ao ponto dela habitar os corpos de

seus habitantes, e o fazer de modo diferenciado em cada um, pois os percursos

pessoais na cidade também são diferenciados. Para exemplificar, o piauiense José

Medeiros – experiente fotógrafo da Revista “O Cruzeiro” – ao falar sobre o seu

trabalho e como observa seu ofício, pontua que “uma reportagem fotográfica é uma

operação conjunta de olhos, coração e inteligência. Fotografamos o que vemos e o

que vemos depende de quem somos” (FUNARTE, 1986: 51). Nessa passagem

percebe-se que o ato de fotografar não é uma ação que depende apenas do aporte

do olho, mas do corpo todo8. Além de demonstrar que o olhar é cultura, e o que o

constitui são nossos repertórios sentimentais e culturais (MENESES, 2005). Logo,

dito de outra forma, escolhi captar a cidade de Teresina pela construção cultural e

da forma pela qual os habitantes desta cidade subjetivam-na e a fabricam

imageticamente.

7 O entendimento do que seja o consumo do visível advém da leitura de autores como Ulpiano T. Bezerra de Meneses (2005); Antonio Fatorelli (2003) e Paulo Knauss (2006). 8 A perspectiva de observar o ato de fotografar, como sendo, um ato que mobiliza o corpo inteiro, encontra-se no documentário “Janela da Alma” (2001), que dentre algumas abordagens, explora o trabalho do fotógrafo Esloveno, naturalizado francês Evgen Bavcar, que é deficiente visual. Demonstrando que a falta do recurso biológico da visão, não o impede de produzir belíssimas fotografias.

41

Relacionando cidade, fotografia e subjetividade, a cidade é pensada como

um emaranhado de signos, onde se somam informações de temporalidades

diferentes coexistindo simultaneamente no mesmo espaço. Não existindo uma

separação entre passado e presente, apenas o agora, uma geografia imagética,

uma topografia de sensibilidades costurada por significações históricas – um tecido

visual que apreende a linguagem verbal e não-verbal (FERRARA, 1988).

O caminhante-fotógrafo é o experimentador da Cidade-Baú-de-Miudezas,

atento ao que lhe atravessa e lhe punge, sensível ao que lhe rodeia e aos elementos

que estão sendo produzidos. Ele processa uma avalanche de informações

fragmentadas enquanto modela sua subjetividade e desenvolve seus modos de

existir. Nesse sentido,

a subjetividade não se situa no campo individual, seu campo é o de todos os processos de produção social e material. O que se poderia dizer, usando a linguagem da informática, é que, evidentemente, um indivíduo sempre existe, mas apenas enquanto terminal; esse terminal individual se encontra na posição de consumidor de subjetividade. Ele consome sistemas de representação, de sensibilidades, etc. – sistemas que não têm nada a ver com categorias naturais universais (GUATTARI & ROLNIK, 1996: 32).

A perspectiva de Félix Guattari me faz pensar que a cidade é um espaço

de experimentação subjetiva, palco de muitos processos sociais, no qual, os sujeitos

anônimos lançam mão de táticas, ou seja, “da engenhosidade do fraco para tirar

proveito do forte” (CERTEAU, 1994: 45), no momento de efetivar travessias e

desenvolver dinâmicas que escapam da organização racionalista e progressista de

uma utopia urbana. Em contrapartida, esta utopia urbana articula-se a partir de

estratégias e “circunscreve um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes

invisíveis do Outro. Gesto da modernidade científica, política ou militar” (CERTEAU,

1994: 99).

Esta abordagem de captura e escape, que enfatiza a cidade pelas linhas

que se movimentam ao mesmo tempo em que deformam a faceta geométrica da

cidade, encontra ressonância em David Harvey, que ao se apropriar de Jonathan

Raban para discutir a condição das cidades na pós-modernidade esclarece:

Ao suposto domínio do planejamento racional, Raban opôs a imagem da cidade como uma “enciclopédia” ou “empório de estilos”, em que todo o sentido de hierarquia e até de homogeneidade de

42

valores estava em vias de dissolução. O morador da cidade não era, dizia ele, alguém necessariamente dedicado a racionalidade matemática (ao contrário do que presumia muitos sociólogos); a cidade parecia mais um teatro, uma série de palcos em que os indivíduos podiam operar sua própria magia distintiva enquanto representava uma multiplicidade de papéis (1994:15).

Assim, a apresentação desta série de possibilidades de captura da cidade,

tais como: processos autoritários de modernização; cinema e costumes; polifonia e

comunicação urbana; movimento e circulação de transportes urbanos; imaginação e

fantasia, e mesmo fotografias e caminhadas – nesta pesquisa – são perspectivas se

processam na construção do que irei chamar de campo de flutuação semântica. Mas

antes de definir o terno pergunto: Mas afinal o que é a cidade?

Sabemos ser a cidade, em última instância, um sistema de ‘pensamento’, um modo de organização do espaço pelo poder político-econômico-cultural (podemos até pensar cidade na forma de museu ao ar livre, cuja ‘reserva técnica’ se emboscasse em certo mercado futuro do capital transnacional). Contudo, que dizer das incontáveis intervenções particulares de seus habitantes provocando, sem cessar, modificações em toda a estrutura? É do choque dessas duas vertentes que se faz possível entrever uma percepção global da cidade, esse organismo a construir-se/destruir-se/reconstruir-se/ indefinidamente (...) (HENRIQUES NETO, 2005:143).

Como explica Afonso Henriques Neto, as ações que ocorrem na cidade

promovem intersecções que vão do macro ao microespaço, do poder panóptico aos

micropoderes, envolvendo dois níveis da cidade, o institucional e as práticas

cotidianas, ou seja, a ordem molar que corresponde às estratificações que delimitam

objetos, sujeitos, representações e seus sistemas de referência; e a ordem

molecular, que ao contrário, é a dos fluxos, dos devires, das transições de fases, das

intensidades (GUATTARI & ROLNIK, 1996).

Dessa maneira, a cidade existe em um campo de correlação de forças que

estão constantemente a se atritar. A construção do espaço urbano acontece pela

fricção entre várias forças. O que faz com que os processos na cidade encontrem-se

emaranhados em uma teia complexa, e estes acontecem por meio de misturas, nas

relações entre a cidade e seus habitantes; entre os discursos e os usos dos

espaços; entre os administradores municipais e os caminhantes anônimos; entre

táticas e estratégias e entre linhas molares e linhas moleculares. Essa teia promove

43

constantemente encontros e produções híbridas, processos heterogêneos. O que de

modo algum se faz pensar uma produção de sentidos estável, ou uma passividade

no momento desses encontros.

O campo de flutuação semântica nada tem a ver com essência. Mas,

corresponde com as mais diversas produções de sentidos que acontece nos entres,

nas brechas, nos becos, bem como, nos gabinetes administrativos e dentro de

escritórios que estão no 110° andar de algum prédio no centro da cidade.

Privilegiando as mais diversas combinações e possibilidades, este campo é uma

composição de fluxos e de processos heterogêneos. Este é um campo flutuante

porque em nenhum momento ele é estável, ele se comporta como um câmbio de

finanças, como uma bolsa de valores.

Com isso, se pretende mostrar que sobre a cidade existem diversas

práticas, discursos e produções de sentidos que constroem um campo semântico.

Ao comparar os discursos gestores e tecnocráticos às práticas de caminhada, a fim

de perceber as produções de sentido no cotidiano, observa-se que os primeiros têm

seus processos de subjetivação alicerçados na homogeneização, um investimento

na produção de subjetividade seriada, negando a diferença. Já no outro caso, as

práticas, o que se tem é a utilização de táticas para articular movimentações e

escolhas, elementos que possibilitam processos de subjetivação heterogêneos e

diferenciados. Sobre isso Gilles Deleuze esclarece que

um processo de subjetivação, isto é, uma produção de modos de existência, não pode se confundir com um sujeito, a menos que se destitua este de toda interioridade e mesmo de toda identidade. A subjetividade sequer tem a ver com a “pessoa”: é uma individuação, particular ou coletiva, que caracteriza um acontecimento (uma hora do dia, um rio, um vento, uma vida...). É um modo intensivo e não um sujeito pessoal. É uma dimensão específica sem a qual não se poderia ultrapassar o saber nem resistir ao poder (1992: 123).

Tomando essa discussão como provocação, foi fabricada uma imagem, na

qual pudesse se exemplificar uma possibilidade dentre muitas de se observar linhas

molares e linhas moleculares misturando-se na construção do que estou chamando

de campo de flutuação semântica.

44

Figura 1: sobre o mapa: percursos (linhas aleatórias traçadas sobre parte do mapa da cidade de Teresina, retirado do catálogo telefônico).

A imagem apresentada demonstra que, quando duas linhas são

friccionadas produzem uma outra, que não é mais a primeira (ao fundo), nem a

segunda (a que se sobrepõe) ou a síntese das duas, mas algo que escorrega entre

elas e forma uma outra perspectiva, ou seja, uma imagem híbrida, tal como os

processos na cidade. Do mesmo modo que a fusão de elementos com texturas

temporais diferentes em um mesmo espaço; as subversões minúsculas que

interferem em uma lei municipal; a invasão de calçadas por barracas; o

desaparecimento de casas e prédios antigos, do centro da cidade e dos mapas

sentimentais dos seus habitantes; a invasão do espaço visível da cidade por

outdoors de propaganda; bricolagem de informações produzidas pelo

inflacionamento de letreiros, placas e cartazes colados nos muros. Todas estas

intervenções e interferências são exemplos de que uma cidade é fabricada nos seus

usos e por processos heterogêneos de antropofagia. Há sempre movimentos de

fuga, de captura, de territorialização, de desterritorialização e de reterritorialização.

De atualização dos mapas físicos, subjetivos e das intensidades que os constituem.

A partir desta imagem é possível repensar e ressignificar as linhas retas e

planejadas da cidade, o formato retilíneo e organizado geometricamente no mapa.

Esse é o correlato das linhas molares – corresponde ao trabalho das pessoas que

planejam e organizam o espaço urbano, esse é o papel dos administradores

45

municipais e dos urbanistas. Mas sobre o mapa, existe uma série de traços

aleatórios que não respeitam suas delimitações espaciais. Esses são os percursos

feitos pelos caminhantes, e em especial, pelo caminhante-fotógrafo, os que se

locomove sem um manual, e segue os seus desejos, deformando esses espaços

organizados e que coincidem com as linhas molares, inflexíveis e imóveis.

É preciso ressaltar que os administradores municipais consomem e fazem

usos da cidade, e também se utilizam da imaginação para organizá-la. No entanto

agenciam o seu consumo e a sua imaginação de um modo diferente dos sujeitos

anônimos que estão embrenhados na cidade e delinqüindo códigos de lei em suas

caminhadas. Entre linhas molares e moleculares, muitas coisas acontecem, muitas

possibilidades são processadas, e pensar esses acontecimentos de forma dualista

seria reduzir a multiplicidade a apenas duas escolhas. Nesse momento pontuo as

relações entre administradores municipais e práticas cotidianas, apenas para

exemplificar, no entanto afirmo que da combinação dessas forças se produzem

muitas outras.

A exposição feita nesta bifurcação procurou localizar a pesquisa e definir a

proposta de trabalho, proposta da qual será seguida compartilhando com outros

pesquisadores a experiência de explorar a cidade enquanto campo temático. A

utilização do termo “campo de flutuação semântica” é uma forma de apresentar o

meu olhar e o modo como estou pensando a cidade, bem como a forma de

confirmar a perspectiva que irei trabalhar nas bifurcações seguintes.

46

BIFURCAÇÃO II Uma excursão pela Fotografia: anotações sobre as experiências fotográficas no Brasil e em Teresina

Foto: Aureliano Müller

Que diafragma devo usar, qual a velocidade que você usou nessa fotografia? Tenho sido perguntado muitas vezes, como se a essência da fotografia estivesse nessa coisa prosaica do diafragma ou da exposição. Antes se perguntasse ”com que disposição de espírito você tirou aquela fotografia?” Seria mais coerente.

José Medeiros

Na medida em que a fotografia é (ou deveria ser) sobre o mundo, o fotógrafo conta pouco, mas na medida em que é o instrumento de uma subjetividade questionadora e intrépida, o fotógrafo é tudo.

Susan Sontag

47

2.1 A experiência fotográfica no Brasil

Com a câmera em plano aberto a visão que se tem é ampla e geral. Vê-se

o horizonte alargado e em profundidade, percebendo os vários detalhes que

compõem a paisagem. Neste momento, o que pretendo fazer é produzir uma

cartografia, seguindo os percursos da fotografia em Teresina, capital do Estado do

Piauí. Para isso, utilizo diferentes linguagens tais como fontes escritas, relatos orais

e imagens, a fim de construir uma narrativa que dê conta de práticas culturais

construídas em um tempo e em um espaço histórico.

Diante da segunda bifurcação, segue-se uma abordagem sobre a

experiência fotográfica no Brasil, ressaltando as características que a fotografia

assumiu em diversos momentos da história do país e, também, ela em si mesma,

como fabricação de uma nova sensibilidade na sociedade. Em seguida, acompanho

os caminhos traçados pela fotografia em espaços teresinenses, as suas

singularidades e seus sujeitos. Seguindo até a emergência do Salão Municipal de

Fotografia como o evento mais relevante do cenário fotográfico local.

Neste instante, o foco da câmera aponta para o início do século XX no

Brasil, no intuito de captar a fotografia como uma prática social e constitutiva de uma

nova sensibilidade que emergia na sociedade. Esta tecnologia possibilitava congelar

o instante, reter o fluxo do tempo – como se a fotografia pudesse conservar um

fragmento da eternidade9, ou um de seus dias, ou, mesmo um instante que se

pudesse acessar por intermédio da lembrança.

À fotografia, durante muito tempo, foi concedido o status de referência

incontestável de verdade, o que contribuiu para criar a ilusão de que ela era capaz

de dar conta dos acontecimentos tal como aconteceram. Isto fez com que, durante

muito tempo, ela tenha sido utilizada como prova irrefutável na investigação de

crimes e mesmo como ferramenta indispensável a médicos e biólogos. Além de ter

alimentado a euforia de muitos homens e mulheres tomados pelas idéias da

modernidade e do progresso tecnológico. Segundo André Rouillé,

9 Aqui, a eternidade é entendida como uma série de atividades descontínuas que compõem um tempo impalpável. Uma metáfora para se aproximar do poder que imagem fotográfica tem de atravessar temporalidades, carregando em sua bagagem um conjunto informacional que diz sobre um acontecimento. Para pensar essa relação entre fotografia e eternidade, foi tomado de inspiração o filme “A Eternidade e um Dia” de Theo Androupolus, Grécia, 1998.

48

a fotografia, que reduzira consideravelmente o tempo de produção das imagens, que aumentara a sua velocidade de circulação, que moldara essas imagens às condições e os valores da indústria e do mercado, e que como impressão beneficia-se de um grande poder de atração, é uma imagem eminentemente moderna (1998: 303).

Assim, desde sua descoberta no ano de 1839, na França por Louis Jackes

Mande Daguerre, a fotografia vem sendo praticada e compreendida de diferentes

maneiras. A exploração de suas potencialidades provocou a descoberta de

perspectivas que lhe atribuíam características e funções, agregando sentidos a essa

tecnologia que inaugurava no século XIX uma nova sensibilidade; uma nova

possibilidade de narrativa; uma outra forma das pessoas se perceberem e de se

relacionarem com o tempo e o espaço.

A história da fotografia vem se construindo mediante movimentos que a

problematizaram, explorando suas condições técnicas e plásticas. Como bem

explica Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004), a fotografia teve alguns

momentos marcantes ao longo de sua história, tais como: a fotografia documental do

século XIX, que ao passo que registrava as transformações ocorridas por conta da

modernidade, criticava os rumos que ela tomava; o fotopictorialismo, que

representou uma reação às próprias inovações técnicas da fotografia, ou seja, a sua

reprodutibilidade, desenvolvendo técnicas de intervenções na cópia fotográfica, na

tentativa de dar a ela um estatuto de arte – o que provocou um debate caloroso

entre artistas da época; a experiência moderna, que supera a perspectiva da

fotografia oitosentista e investe na plasticidade, questionando e problematizando as

potencialidades e limitações da fotografia enquanto linguagem; e o fotojornalismo e

a fotopublicidade, que, aproveitando-se dos avanços proporcionados pela

experiência moderna dos fotoclubes e pela influência de fotógrafos estrangeiros que

vieram para o país, tornaram-se as mais significativas expressões da fotografia no

Brasil até os dias de hoje.

Ao seguir os caminhos e tendências da fotografia no Brasil, bem como, os

temas e preocupações focados pelas lentes dos fotógrafos, é perceptível uma forte

relação entre esses sujeitos com o espaço em que vivem, mais precisamente com a

cidade, justamente pelas várias possibilidades e abordagens que ela possibilita.

Essa relação entre fotografia e cidade, suscita uma outra, a estabelecida entre a

fotografia e a memória. Tendo em vista que a fotografia, dentre algumas de suas

49

possibilidades, funciona como um dispositivo para se acessar momentos e

acontecimentos através das informações contidas em seu tecido fotossensível. Isso

devido à qualidade da memória de “conservar certas informações, remetendo-se em

primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode

atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como

passadas” (LE GOFF, 2003: 419).

Contudo, na Europa do século XIX uma série de reformas urbanas inseriu

no espaço das cidades um ideal de modernidade, guiado pelos novos saberes

técnicos e científicos que emergiam e ganhavam credibilidade nesse cenário

histórico. Foram as reformas empreendida por Haussmann na França o principal

marco propagador desse ideal, as quais provocaram mudanças não só no campo da

arquitetura, mas também alteraram as formas de viver e de morar na cidade.

Empreendia-se forçosamente uma transformação nas relações entre as pessoas e a

cidade, e vice-versa, e essas populações passaram a testemunhar mudanças

radicais na paisagem urbana e a emergência de um novo modelo de cidade.

Assim, o paradigma urbanístico que se consolidava era o da belle epoque,

com suas alamedas e boulevards, o modelo de cidade planejada, limpa e

higienizada, dentro dos padrões dos saberes sanitaristas e urbanísticos, que

circunscreviam o pensamento moderno sobre o espaço urbano. Tal como foi

apresentado no primeiro capítulo por intermédio de Francisco Alcides do

Nascimento.

O espaço urbano encontrava-se como objeto central de reflexão, discutido

através de práticas de intervenção, na tentativa de ordenar o espaço e disciplinar o

cotidiano. Logo, documentar as mudanças vertiginosas que aconteciam sob os

olhares assustados da maior parte da população das cidades, tornou-se

fundamental. Em 1903, no governo de Pereira Passos, Algusto Malta foi contratado

como fotógrafo oficial da prefeitura do Rio de Janeiro, com a função de registrar as

transformações que estavam sendo engendradas, documentando a cidade que

desaparecia mediante o surgimento de uma nova. Atividade que desempenhou até

1936. Assim,

ao longo do mandato de Pereira Passos, Malta produziu milhares de imagens. São fotografias das ruas alargadas, das novas avenidas abertas, das praças e jardins reurbanizados, das inaugurações, festividades e recepções a visitantes ilustres e, como não poderia

50

deixar de ser, imagens, também, do cotidiano da cidade (OLIVEIRA JR, 2005: 76).

Outros fotógrafos também desenvolveram o mesmo tipo de trabalho que

Algusto Malta, são exemplo Marc Ferraz, também no Rio de Janeiro e Militão

Augusto e Azevedo de Guilherme Gaensly, em São Paulo. Essa prática de fotografar

as mudanças urbanas propiciou o surgimento de um estilo fotográfico, conhecido

como estética documental, que embora tenha surgido no século XIX, teve maior

representatividade no Brasil no início do século seguinte. No entanto, é importante

ressaltar que a produção de Algusto Malta e de outros fotógrafos que trabalharam

para Estados e Municípios não era inocente e estava intrinsecamente ligada aos

interesses de certos grupos que, naquele momento, empreendiam as mudanças na

ordem social. Estes fotógrafos construíram coleções e álbuns fotográficos de vistas

urbanas, que segundo Zita Rosane Possamai,

o álbum de vistas urbanas, ao reunir esses fragmentos segundo uma ordenação lógica concebida por seu autor, funciona, assim como coleção desses restos da cidade, elaborada para permanecer como memória de um tempo preciso que lançou sua marca no espaço ali presente em imagem (2007: 70)

Contudo, os acervos fotográficos que se construíam, nesse momento, não

davam conta apenas das imagens enquanto cores e formas, mas também de um

conjunto de subjetividades que se tornavam inviáveis, mediante os processos de

subjetivação que emergiam nos novos espaços racionais, funcionais e arquitetados

através de cálculos matemáticos. Esses cálculos fazem parte da disciplina enquanto

tecnologia do poder, que organiza os espaços classificando os indivíduos, ao passo

que controla o tempo e exerce um controle de vigilância permanente (FOUCAULT,

1979). Desse modo, estes registros fotográficos constituem um dossiê imagético

riquíssimo, conferindo a fotografia como um recurso fundamental para a

compreensão da história das cidades do Brasil no início do século XX.

Ainda nas primeiras décadas desse século, começou a surgir um outro

momento da fotografia no Brasil, representado pelo aparecimento dos fotoclubes,

associações de fotógrafos amadores compostas por pessoas da classe média e da

burguesia as quais se reuniam para discutir e experimentar as possibilidades

técnicas e artísticas da fotografia. Os primeiros fotoclubes surgiram na década de

51

1920 na cidade do Rio de Janeiro, tendo sido a sua associação mais importante o

Photo Club Brasileiro, cujo encerramento das atividades, em 1953, originou a

formação de outras associações foto amadoras, tais como a Associação Carioca de

Fotografia, o Rio Foto Grupo e a Associação Brasileira de Arte Fotográfica.

Embora o período de maior intensidade desses grupos cariocas tenha

compreendido as décadas de 1920 e 1930, a sua produção se estendeu até a

década de 1950. Alguns nomes foram bastante significativos no cenário fotoclubista

carioca, como Nogueira Barbosa, Jaime Moreira Luna, Chakib Jabour, Francis

Aszmann e José Oiticica Filho, que em suas atividades, explorou de forma

sistemática em laboratório a estética abstracionista na fotografia, apesar, da maior

parte da produção carioca ter sido norteada pelo fotopictorialismo (COSTA & SILVA,

2004).

O auge do movimento fotoclubista no Brasil ocorre na década de 1940,

com o Foto Cine Clube Bandeirante de São Paulo, fundado em 1939, que apesar de

ter nascido com o nome de Foto Clube Bandeirante, em 1945 o nome foi alterado

para Foto Cine Clube Bandeirante, pela incorporação do cinema em suas atividades.

Esse grupo veio a ficar conhecido como a Escola Paulista, pelo mérito de ter

revolucionado a fotografia brasileira, até então acadêmica, realizando uma

experiência de ponta no âmbito geral do fotoamadorismo.

A Escola Paulista ditou as práticas fotográficas pelo período

aproximadamente de 3 décadas e consolidou-se como uma tendência fotográfica em

âmbito nacional e teve como principais associados os fotógrafos: Eduardo Salvatore,

Marcel Giro, Roberto Yoshida, Gaspar Gasparian, dentre outros (COSTA & SILVA,

2004). Esse movimento foi importante tanto do ponto de vista técnico e estético,

como pelo conjunto de suas atividades, ao fomentar e colaborar de forma decisiva

para a construção da cultura fotográfica brasileira. Em 1942, o clube promoveu o I

Salão de Arte Fotográfica de São Paulo e, em 1946, foi criada a revista Boletim Foto

Cine, além de diversas exposições individuais e coletivas. Contudo, sua maior

contribuição foi ter desenvolvido e consolidado a fotografia moderna no Brasil.

Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva, explicam que

o modernismo na fotografia, em termos gerais, traduziu-se pela pesquisa de autonomia formal e, consequentemente, pela negação da importância decisiva do referente. (...) A atuação modernista estetizou o ambiente social na medida que alterou a percepção do mundo, propondo o redimensionamento do cotidiano por meio da

52

arte. (...) sobre o fotógrafo recaem os encargos da conformação de uma nova sensibilidade (2004: 30).

Para os fotoclubistas, a cidade era alvo de suas lentes, não só

problematizando intencionalmente a sua historicidade, a exemplo de Algusto Malta e

da perspectiva documental dos fotógrafos do século XIX. Os associados do Foto

Cine Clube Bandeirantes interessavam-se pela plasticidade do cotidiano da cidade,

como por exemplo, pela geometria das construções, o jogo entre luz e sombra, as

pessoas nas ruas, as atividades culturais, etc. As fotografias dessa época mostram

as mudanças na cidade de São Paulo que decorreram de um novo momento do

Brasil, um período de desenvolvimento econômico, pela ascensão de uma burguesia

composta por industriais, comerciantes e profissionais liberais, que transformava as

relações sociais e inseriam outras formas de subjetivação. O que ajudou a

consolidar a modernidade não só na cidade de São Paulo, mas nas demais capitais

do país. Visto que, em cada momento da historia há diferentes modos de

subjetivação e de existência, e que cada regime político instaura seus próprios

processos de subjetivação, cabe ressaltar que

a fotografia moderna brasileira foi produto justamente da atividade dessa classe social, que já havia conquistado o seu lugar no cenário econômico do país. (...) A sua produção é indicativa de como essa camada social, que atuou no surto desenvolvimentista do país, via a si mesma e a sociedade. Nesse sentido é significativo assinalar como o impacto da expansão de São Paulo marcou profundamente a fotografia moderna brasileira. A sua temática foi predominantemente urbana. Estações de trem, peças de máquinas, automóveis, placas de trânsito, postes, bueiros, calçadas, muros descascados e transeuntes apressados (COSTA & SILVA , 2004: 95).

Os fotoclubes passaram a existir em várias partes do país, como Porto

Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Recife10, Salvador e Belém, ultrapassando o eixo

Rio de Janeiro e São Paulo. O declínio deste movimento só ocorreu na década de

1960 com o fotojornalismo e a fotopublicidade, que no momento redefinia as práticas

fotográficas. O declínio do movimento fotoclubista deveu-se, principalmente, à

mudança do papel social do fotógrafo (COSTA & SILVA, 2004).

10 Sobre a fotografia moderna na Cidade do Recife e o movimento fotoclubista, existe a pesquisa de Fabiana de F. Bruce Silva: Caminhando numa cidade de luz e sombra: a fotografia moderna no Recife na década de 1950. (Tese de Doutorado) Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.

53

No percurso transcorrido pela fotografia no Brasil, os anos 50 ficaram

marcados por uma produção intensa, tanto pelo trabalho dos fotoclubes, como pela

nova roupagem que ganhava o fotojornalismo com as revistas ilustradas. Como bem

afirma Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva,

no campo da fotografia brasileira, de um modo geral, os anos 50 foram realmente marcantes. (...) A renovação do fotojornalismo entre nós não se deu a partir do modernismo da Escola Paulista, que ficou restrito ao circuito fechado do movimento clubista. Ela se deu a partir da atuação de fotógrafos estrangeiros que implantaram aqui o modelo das grandes revistas ilustradas européias e americanas nas décadas de 40 e 50. a pratica do fotógrafo modernista e a do fotojornalismo eram totalmente conflitantes: de um lado a gratuidade da concepção da “arte pela arte” e de outro a proposta de instrumentalização da fotografias e de profissionalização do fotógrafo. Hoje, analisando esses dois movimentos, em seu contexto histórico, vemos que ambos vieram renovar estruturalmente a linguagem fotográfica, trabalharam pela afirmação de sua autonomia e estavam totalmente inseridos no processo geral de modernização da sociedade brasileira (2004: 106-107).

Como modalidade que passou a dominar as práticas e o universo

fotográfico, o fotojornalismo teve uma grande expressividade a partir da revista O

Cruzeiro, através de importantes fotógrafos que compuseram a sua equipe, dentre

eles, Luís Carlos Barreto, Flávio Damm, Indalécio Wanderley, Salomão Scliar e o

piauiense José Medeiros, figura expressiva do cenário do fotojornalismo, que tinha

como uma de suas principais características o modo singular como utilizava a luz na

composição de suas fotos. José Medeiros ficou na O Cruzeiro de 1946 até 1962, e

em 1965 começou a fazer cinema, mas sem deixar de lado a câmera fotográfica.

No âmbito do fotojornalismo a fotografia brasileira teve uma grande

contribuição de fotógrafos estrangeiros que se estabeleceram no país no final dos

anos 50 e início dos 60. Colaborando para renovação do fotojornalismo no Brasil e

para a constituição das características de uma linguagem fotográfica própria. Ainda

nos anos 40 chegam ao Brasil os fotógrafos franceses, Pierre Verger, Marcel

Gautherot e Jean Manzon, que redimensionou a figura do fotógrafo e o uso da

fotografia dentro da O Cruzeiro. Nas décadas seguintes são: Maureen Biliat, Cláudia

Andujar, Lew Parrala, George Love e David Zingg, reforçam o conjunto de fotógrafos

estrangeiros que tiveram uma contribuição decisiva na formação e divulgação da

fotografia como linguagem e expressão em território nacional (RUBENS JR., 2003).

54

Até os dias de hoje o fotojornalismo continua sendo o meio mais expressivo da

fotografia no Brasil.

Discutindo sobre as características que a fotografia adquiriu ao longo dos

anos no Brasil, Fernando Rubens Júnior (2003) afirma que, nas décadas de 1940 e

1950, o destaque foi dado à imagem de um Brasil moderno; nas décadas de 1960 e

1970, a preocupação foi com a construção da identidade nacional a partir das

manifestações populares; nas décadas seguintes o fotojornalismo – que desde a

década de 60 já configurava como a principal expressão – dominou o cenário, com

problemáticas próprias do universo jornalístico, com ênfase na ressignificação da

imagem do país e no olhar documental.

A produção imagética destes períodos corresponde ao registro singular

das mudanças no cenário urbano e social do Brasil no século XX, demonstrando que

as cidades brasileiras estão constantemente se redesenhando, tais como, os olhares

lançados sobre elas. Desse modo, os fotógrafos têm se afirmado como sujeitos que

fabricam imageticamente o Brasil, a partir das problemáticas que pertencem a cada

época, entendendo que “o momento da invenção, como irrupção de qualquer evento

histórico, é um momento de dispersão, que só ganha contornos definidos no

trabalho de racionalização e ordenamento feito pelo historiador” (ALBUQUERQUE

JR, 2007: 35).

2.2 – A experiência fotográfica em Teresina e o Salão Municipal de Fotografia

Ao aproximar o foco da lente por meio do zoom, o objetivo é captar o

micro, um fragmento da paisagem, um recorte específico: a movimentação

fotográfica na cidade de Teresina, para depois, aprofundar o olhar no Salão

Municipal de Fotografia. A fotografia chega a terras piauienses na segunda metade

do século XIX, duas décadas depois da fotografia ter sido patenteada por Louis

Jackes Mande Daguerre.

A primeira informação sobre a fotografia em terras piauienses, é de um

anúncio colocado pelo dentista Firmino Beviláqua em O Propagador, em 26 de junho

de 1859, falando da venda de uma máquina fotográfica. No ano seguinte, o fotógrafo

Justino Rocha Pereira anunciou no mesmo jornal, os seus serviços como

55

profissional. Ainda no século XIX, foi registrada a passagem de fotógrafos

estrangeiros pelo Piauí, o dimanarquês John D. Sörensen (1872) e o francês E.

Boubier (1883) (BASTOS, 1994). Já no âmbito da imprensa, a primeira fotografia a

ser publicada foi o “clichê de Gregório Thaumaturgo Azevedo, impresso no jornal O

Cri-Cri, em 30 de outubro de 1883, a segunda fotografia apareceu após cinco anos,

em 28 de dezembro de 1888, uma foto de Simplício Coelho de Rezende” (LEITE,

2003:63).

Os fotógrafos só passam a se fixar e a montar estúdios nas cidades de

Teresina e Parnaíba no começo do século XX, com alguns fotógrafos vindo de

outros estados do norte e nordeste. O primeiro foi Moura Quineau, que abriu em

Teresina uma filial de seu estúdio da cidade de Fortaleza-CE. Em novembro de 1893

é o registro de chegada de José Inácio Fontenele, outro fotógrafo cearense que vem

prestar seus serviços à sociedade piauiense, posteriormente, representando o Piauí

na Exposição Nacional de 1908. Essa foi a primeira ocasião em que se mostrou o

trabalho fotográfico feito no Piauí, fora do estado (BASTOS, 1994).

A prática da fotografia na virada do século XIX para o século XX, na

cidade de Teresina, encontra-se situada em uma sociedade que tinha sua economia

centrada no comércio e no extrativismo vegetal para a produção da cera de

carnaúba e da borracha da maniçoba. As pessoas envolvidas nessas atividades

econômicas formavam a elite econômica e a burguesia da região (QUEIROZ, 1998).

Essa pequena parcela da população que detinha um maior poderio econômico eram

as pessoas que podiam se iniciar na tecnologia e cultura modernista das câmeras

fotográficas, tendo em vista o alto custo das máquinas e as dificuldades técnicas de

revelação, já que nesse momento ainda não existiam as máquinas compactas de

linha comercial, que só viriam a ser desenvolvidas na Alemanha na década de 1920,

chegando ao Brasil tempos depois. Desse modo, ficava a cargo desse grupo social

privilegiado, registrar a sua maneira, por suas lentes e filtros sociais a sociedade

teresinense e as ações sociais em seus espaços. Sobre a construção imagética

desse período Maria Mafalda B. de Araújo, observa que

a difusão da prática cultural da fotografia se fez presente entre os segmentos da classe média urbana e da pequena burguesia desse espaço. Por sua vez, esses grupos sociais desejosos de um “status de modernidade” gostavam de reconhecer-se e de serem reconhecidos nas fotos publicadas em jornais, nos álbuns de família

56

ou até em cartões-postais, expressando comunicação de sentimentos com seus pares (2002: 257).

O que foi mencionado não difere dos valores e do cenário de outras

cidades, esses sentimentos atravessavam esse período: a euforia da modernidade,

a ostentação da riqueza, o status social e a auto-retratação de uma camada social

que detinha o poderio econômico. Essa era uma subjetividade de auto-afirmação e

de início da articulação entre a natureza – o corpo, o olho –, a tecnologia e a técnica.

Como explica Antonio Fatorelli, é um momento de subjetivação fisiológica, “um modo

de utilização do equipamento como extensão direta dos órgãos da visão, que supõe

uma relação de exterioridade entre olho e máquina, a máquina como uma extensão

do olho” (2003: 59). O início de uma construção imagética, do registro particular de

um olhar como um pensamento, como cultura e não mais natureza.

Assim, se captura o mundo por filtros pessoais e íntimos. O que implica

dizer que a visão é uma “construção histórica, que não há universalidade e

estabilidade na experiência de ver e que uma história da visão depende de muito

mais do que de alterações nas práticas representacionais” (MENESES, 2003: 4). É

por esse motivo, que se deve esclarecer que o olho, como um dos órgãos dos

sentidos humano faz parte da natureza, enquanto o olhar, o perceber e o enxergar,

pertencem ao universo da cultura, do pensamento, das matérias de expressão que

modelam nossas identidades e nossas subjetividades. Que nos constituem como

seres da cultura.

É importante observar que na capital fundada por Conselheiro Saraiva, o

processo de modernização não ocorre no mesmo período que o de outras capitais

brasileiras, como por exemplo, às do sudeste e sul. As configurações do espaço

urbano de Teresina na primeira década do século XX demonstravam ares de

província: um centro comercial pequeno, pouquíssimas ruas calçadas e quatro

unidades escolares. No entanto, datam da década de 1910 a implantação de

serviços que iriam dar a Teresina os seus primeiros sinais de modernização urbana,

e são eles: o fornecimento de água encanada (1906), telefone (1907), energia

elétrica (1914) e um bonde com motor de explosão (1927) (NASCIMENTO, 2002).

Por mais que a tão desejada modernização do espaço urbano de Teresina

tenha demorado um certo tempo para acontecer, no seu decorrer o aparecimento da

fotografia como uma tecnologia moderna já se fazia presente na vida de alguns de

57

seus moradores desde o início da segunda metade do século XIX. Em 1910 foi

publicado o Álbum Artístico Comercial do Estado do Piauí, provavelmente o primeiro

álbum de vistas urbanas de Teresina, que também tinha fotografias de outras

cidades como Parnaíba, Floriano e Caxias-MA. Nesse álbum, as fotografias têm

características de cartão-postal, apresentando os ares de uma cidade, que embora

provinciana, se aspirava à modernidade vivida na capital de outros estados do país.

O conjunto dessas fotografias mostra os passos da cidade pela apresentação de

seus prédios públicos e particulares, anúncios e propagandas de lojas comerciais,

além de imagens de seus proprietários, que apareciam como as figuras de destaque

dessa sociedade.

Pensando sobre os espaços de Teresina e as imagens feitas pelos

fotógrafos da época, Maria Mafalda B. de Araújo ressalta que

as imagens que a fotografia transmite são de um espaço sem conflito, portanto homogêneo. Teresina é vista como uma cidade deserta. A presença de homens comuns provocaria uma visão decrépita da cidade? Pois são raras as fotografias em que aparecem populares, figuras de mulheres, homens e crianças; ou se aparecem é como anexo e não como sentido central da foto (2002: 270).

As informações sobre esse período demonstram que não era prioridade

fotografar uma pessoa desconhecida, ou uma imagem qualquer do cotidiano, até

porque a fotografia era uma tecnologia cara e o próprio equipamento não permitia

fazer fotografias em movimento ou expostas a pouca luz, por isso as fotografias

posadas. Além do que, estes temas não faziam parte do universo da elite da

sociedade e nem do repertório dos fotógrafos oficiais, contratados por Prefeituras e

pelo Estado.

O que se percebe nas fotografias trabalhadas por Maria Mafalda B. de

Araújo – que em sua maioria são do Álbum Artístico Comercial do Estado do Piauí

(1910) – é o mesmo que pode ser encontrado em fotografias trabalhadas por Zita

Rosane Possamai (2007), ao discutir a cidade de Porto Alegre nas décadas de

1920-1930, através de fotografias do Porto Alegre Álbum, editado em 1931; e em

parte da produção fotográfica de Algusto Malta sobre a cidade do Rio de Janeiro e

de Militão Augusto de Azevedo sobre São Paulo, desse mesmo período.

Uma possível resposta para o porquê das pessoas não serem o centro

das fotografias observadas e as cidades estarem desertas, é que, do final do século

58

XIX a primeira metade do século XX, o foco das objetivas miravam na arquitetura, os

fotógrafos privilegiavam o espaço físico. Uma ação que não era vã, muito menos

inocente, esse momento da história é ocupado por mudanças nas cidades de todo o

mundo e no Brasil não foi diferente, era o momento de modernização das cidades.

Desse modo, alguns álbuns, coleções e arquivos fotográficos foram formados por

fotógrafos contratados por governos municipais e estaduais. Estes são, portanto,

arquivos oficiais, a construção imagética das cidades em sua porção instituída. O

que se observa é que a perspectiva apontada por Maria Mafalda B. de Araújo sobre

Teresina é freqüente na maior parte dos trabalhos históricos que abordam esse

recorte, final do século XIX e início do XX, relacionando cidade e fotografia.

No entanto, a presença de pessoas como motivo principal das fotografias

é encontrada nas revistas ilustradas, na ocasião de eventos sociais, como se

observa em trabalhos da historiadora Ana Maria Mauad (2005), que analisa

fotografias das revistas ilustradas, Carete e O Cruzeiro, publicadas na cidade do Rio

de Janeiro entre os anos de 1900 a 1960.

Além do que, estas são questões que também atravessam a ordem dos

valores vigentes, da tecnologia da época e da própria questão do olhar. Do ponto de

vista estético, esse é um momento marcado na fotografia pela foto posada,

retratando família e cartões-postais. A imprensa teresinense nesse mesmo período,

pouco usava imagens fotográficas em seus jornais. Como expõe Margareth Leite,

do retrato passou-se à imagem, não com muita freqüência, mas às vezes, podia-se ver nos jornais locais fotografias de praças e prédios públicos. Pelas dificuldades inerentes à técnica fotográfica até a década de 1920, as fotografias eram estáticas, posadas, pois a baixa luminosidade das objetivas e dos filmes fotográficos obrigava o fotógrafo a usar longas exposições, o que dificultava registrar algo em movimento. Outro fator negativo era o peso e o tamanho dos equipamentos fotográficos. A câmera 35mm (formato universal) como conhecemos hoje, leve, pequena, só surgiu nos anos 20 na Alemanha e chegou a Teresina décadas mais tarde (2003: 63-64).

Na tentativa de seguir os percursos da história da fotografia pela cidade de

Teresina, me aproprio da fala de sujeitos que compõem esta história. Primeiramente,

porque é uma forma de trazer à cena a fala de sujeitos que participam dos

processos históricos, nos quais eles podem organizar suas lembranças para falar de

suas experiências, colocando o seu ponto de vista sobre os acontecimentos dos

quais participaram (FREITAS, 2002). Depois, porque a entrevista é um momento em

59

que o entrevistador faz com que o entrevistado produza sentido a partir de sua fala,

organizando esses sentidos por meio de uma prática discursiva. Demonstrando que

“os sentidos não estão na linguagem como materialidade, mas no discurso que faz

da linguagem a ferramenta para a construção da realidade” (PINHEIRO, 1999: 193).

Desse modo, quando na ocasião de uma entrevista concedida ao

pesquisador Francisco Alcides Nascimento, no ano de 2005, o fotógrafo Antônio

Barbosa de Miranda, conhecido como Totó Barbosa – o mais antigo fotógrafo da

cidade ainda vivo – (re)constrói alguns caminhos da fotografia em Teresina:

reportando-se a alguns fotógrafos da época, as práticas fotográficas e a seu próprio

percurso por esse universo. O fotografo é proprietário da casa de fotografia mais

antiga da cidade, o Foto Tóto, hoje localizado na Rua Barroso próximo a Praça

Saraiva. As Casas de Fotografia, ou “Os Fotos” são estabelecimentos comerciais

voltados para a fotografia, onde se vende material fotográfico, se tira foto ¾, se

revela filmes e também se contrata fotógrafos. No caso, o fotógrafo dono do Foto.

Totó Barbosa conta que começou a trabalhar com fotografia em 1929,

entre 9 e 10 anos de idade, no Foto Brasil, sendo levado pelo fotógrafo João Ferraz

que trabalhava com João de Deus Mesquita, também fotografo, tendo como função

lavar retrato preto e branco. Depois saiu e foi ser alfaiate. Quando o Foto Osael

chegou a Teresina, Totó Barbosa foi trabalhar com o fotografo Osael, que havia

chegado de Pernambuco. Então, já com 13 anos, passou a imprimir retratos. Aos 16

anos saiu do Foto Osael, adquiriu a sua primeira máquina e começou a trabalhar

fotografando em casa. Ele explica que nesse período existiam poucos fotógrafos: o

Amorim, que era de São Luís do Maranhão; o Belga, do Foto Belga e tinha ainda o

Claudionor, fotógrafo itinerante que estava sempre circulando pelas cidades

(MIRANDA, 2005).

Na fala de Totó Barbosa é possível perceber que a maioria dos fotógrafos

que se estabeleceram em Teresina nesse período era proveniente de outros estados

e vieram para montar Casas de Foto, tirando retrato, revelando e vendendo material

fotográfico. Os fotógrafos na sua maioria trabalhavam como fotógrafos sociais,

registrando eventos sociais e fazendo retratos das famílias, quando contratados.

Muitas vezes, contribuindo com a imprensa local. Ao se referir as práticas

fotográficas em Teresina na década de 1930, observa que

60

as máquinas da época (riso), era chassis com chapa de vidro, não tinha película, tinha película numa maquinazinha ou outra, eu tive também, mas não para fotógrafo amador, que hoje tudo não tem mais chapa de vidro, mas naquela época se revelava e se tirava retrato em chapa de vidro, retocava, quando precisava retocar alguma coisa, depois de revelado, vidro, se caísse quebrava, perdia tudo, então era vidro. Naquela época revelação, fotografia, tanto que a gente tinha pouca chance de tirar vários retratos, quando um casamento pensava em levar vários chassis, porque só tinha um chassi com duas chapas, hoje se tira 50 chapas, né? Tudo pequenininho, hoje tudo é computador, tudo muito diferente, naquela época chapa de vidro, (...) muito difícil, tudo manual (MIRANDA, 2005).

Essa fala ajuda a pensar sobre o ofício do fotográfico, as técnicas de

registro, revelação e das limitações da tecnologia da época. Através de seu relato

pode-se iluminar parte da história da fotografia na cidade, citando alguns nomes e

estabelecimentos, que embora ainda muito jovem, pôde acompanhar quase um

século de fotografia no Estado. Assim, sua trajetória como sujeito se confunde com a

história da fotografia na Teresina do século XX.

Outro fotógrafo muito importante para esse contexto é Guilherme Müller,

proprietário do Foto Müller, que em entrevista cedida a Geraldo Borges e Paulo

Gutemberg em 1986, fala um pouco de sua trajetória como fotógrafo no Estado do

Piauí. Segundo ele, chegou a Teresina em 18 de fevereiro de 1939, vindo de Belém

para trabalhar na área de clicheria da Imprensa Oficial no governo de Leônidas

Melo. Somente em 1943 veio a montar um estúdio particular, exercendo a atividade

de fotógrafo por 44 anos, de 1939 a 1983. Guilherme Muller foi um dos fotógrafos

que contribuíram para a construção de uma história imagética de Teresina, é autor

da famosa fotografia do Zeppelim sobre a Igreja São Benedito, tirada

aproximadamente em 1945. Ele ainda viajou e fotografou todo o interior do Piauí,

forneceu muitas fotos a jornais, produziu as primeiras fotografias aéreas da cidade, e

embora tenha uma longa produção nunca apresentou seu trabalho em nenhum

salão de fotografia.

61

Fotógrafo Guilherme Müller

Fotografia do acervo particular de Aureliano Müller.

Guilherme Müller foi o primeiro fotografo piauiense a fazer fotografias

aéreas da cidade de Teresina. Se, quando do aparecimento da fotografia, provocou

um estranhamento no olhar, a modalidade da fotografia aérea acrescentou mais um

modo de se observar à cidade, saltando do olhar corriqueiro e horizontal, de quem

está ao nível das ruas e por isso não se pode ter a noção da totalidade. Esta

modalidade fotográfica inseriu uma perspectiva para a apreensão da cidade em sua

porção macroscópica. Sobre as vistas aéreas urbanas, Zita Rosane Possamai,

explica que

são imagens síntese da modernidade por representarem o dinamismo e o movimento, frutos das alterações urbanas, e por possibilitarem incorporar diferentes pontos de vista sobre a cidade de um porto de observação também móvel (2007: 70).

Assim a realização destas fotografias foi possível por conta do avião –

símbolo da modernidade que inseriu uma nova condição para o tempo na superação

do espaço. De tal modo que, quando perguntado sobre a melhor fotografia que já fez

Guilherme Müller responde: “Ah! É difícil responder por que fotografia é... a melhor

fotografia tem vários aspectos, por uma razão, por outra, num é? Fotografias raras...

por exemplo, essa do Zeppelim foi rara”. No esforço de defender a originalidade da

fotografia, ele explica como ela foi feita: “Eu entrei em contato através da estação

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telegráfica do campo de aviação que solicitamos que ele passasse por Teresina.

Eles... como era natural todos os aviões... conseguimos que ele passasse”

(MÜLLER, 1986).

Fotografia de Guillerme Müller

Fotografia do acervo digital da Casa da Cultura

Contudo, algumas perguntas poderiam ser feitas sobre a fotografia de

Guilherme Müller: por que o fotógrafo dá à condição de rara a fotografia do

Zeppelim? Porque existe uma polêmica sobre essa foto, com relação a sua

originalidade?

As primeiras fotografias aéreas e o aparecimento de um Zeppelim em

Teresina são como se fosse um batismo da cidade nessa nova etapa da

modernidade. Principalmente, com relação à fotografia de Guilherme Muller, quando

na fotografia a aeronave está sobre a Igreja São Benedito, fundindo em uma só

imagem os símbolos do moderno e do tradicional. O que faz pensar que os

questionamentos sobre a origem desta imagem, tanto podem dizer respeito a uma

reação contrária a modernidade, simbolizada pelo Zeppelim. Ou mesmo pelo

surpreendente que, por vezes, provoca um não acreditar que aquela aeronave

exótica, diferente de um avião convencional, está a sobrevoar Teresina. Ambos

demonstram um comportamento tipicamente provinciano. De todo modo, se a

63

fotografia é montagem ou não, o importante é que existe um esforço em colocar

Teresina na órbita dos novos acontecimentos da nova ordem mundial.

Em meados da década de 40, período de grande produção no campo da

fotografia em todo o Brasil, surge no cenário do fotojornalismo, o fotógrafo piauiense

José Medeiros, radicado no Rio de Janeiro, que viria a ser um dos principais nomes

da fotografia brasileira. Embora sua produção fotográfica tenha se constituída fora

de seu Estado de origem. Como fotógrafo de revista ilustrada, José Medeiros

integrou os períodos áureos da O Cruzeiro, onde traçou um novo perfil para a forma

de passar o acontecimento para o veículo impresso. E este comportamento vingou

na imprensa brasileira a partir dos anos cinqüenta. José Medeiros fotografava como

via a vida, se possível usando a luz existente ou usando o flash de maneira que

suas fotos pareciam feitas sob luz ambiente (FUNARTE, 1986). Ao comentar sobre

sua postura dentro do O Cruzeiro e da sua relação com o seu ofício e a política, ele

dizia:

O meu interesse foi sempre pelos setores mais oprimidos da sociedade. Fui, por toda a minha vida, muito contestador quanto às coisas que acho injustas. Se nunca me engajei em partido político é por que acho que artista não tem nada a ver com esse negócio de “vote em fulano, vote em beltrano”. Mas penso que meu trabalho, que a fotografia, tem, aliás, como tudo, uma função política. A fotografia não conta necessariamente o real, pelo contrário, ela pode mentir pra burro. A pessoa por trás da câmera pode mostrar o que quiser, como quiser (FUNARTE, 1986: 17).

Fotógrafo José Medeiros.

Fotografia do acervo da Casa da Cultura.

64

Parte de seu trabalho, como fotógrafo jornalístico, foi dedicado a grupos

sociais de pouca atenção na imprensa, como os índios, o candomblé e internos de

hospitais psiquiátricos. Esses temas foram registrados com uma preocupação e

sensibilidade que deram a essas imagens um cunho antropológico e etnográfico.

José Medeiros fez parte de muitas expedições lideradas pelos irmãos Villas-Boas,

chegou à tribo dos Xavantes antes de qualquer outro fotógrafo, em 1949, na

expedição do Brigadeiro Aboim. Em 1957 fotografou e publicou o primeiro livro sobre

o candomblé. Além de repórter fotográfico, José Medeiros também fez cinema, como

diretor de fotografia em A Falecida (1965), Roberto Carlos em Ritmo de Aventura

(1968), Viajem ao Fim do Mundo (1968), O Caçador de Fantasmas (1975), Xica da

Silva (1976), dentre outros, e dirigiu o longa Parceiros da Aventura (1979)

(FUNARTE, 1986).

Compondo o cenário, outro importante fotógrafo é Euclides de Melo

Marinho Neto, conhecido como o “Louro”, que chega a Teresina em 1965 vindo da

cidade de São Luís–MA. O mesmo trabalhou como fotógrafo nos jornais: Do Piauí, A

Hora, O Estado, O Dia. E ainda, como cinegrafista e fotógrafo do Governo do Estado

do Piauí e da TV Clube. Também trabalhou com cinema, fez o primeiro filme

retratando a cidade de Oeiras e foi produtor, cinegrafista e ator do filme O Guru de

Sete Cidades no ano de 1974.

Fotógrafo Euclides de M. Marinho N., o “Louro”, em trajes de pára-quedismo. Fotografia do acervo particular de Kleiton Marinho.

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Como fotógrafo, Euclides de M. Marinho N. deu uma grande contribuição

para a fotografia no Piauí no que diz respeito à produção de fotos aéreas. Adepto da

prática do pára-quedismo ele foi um dos pioneiros nesse estilo de fotografia.

Também foi o primeiro a trabalhar com ampliações fotográficas em grandes

tamanhos, fora dos padrões usados na época que eram o da foto 3/4 e da 15/10,

chegando a revelar fotos de até 10m/15 e 20m. Ele fez a sua primeira ampliação no

ano de 1967, uma foto aérea de Teresina – de propriedade da Prefeitura Municipal

de Teresina – mesmo ano que inaugurou o Foto Estúdio Marinho. O “Louro”, como

era conhecido, morre precocemente em junho de 1976 em um acidente de pára-

quedismo quando se preparava para exibição nas festividades de aniversário da

Polícia Militar do Piauí.

Em entrevista cedida a mim, o fotógrafo e ex-organizador do Salão

Kleyton Marinho, falar sobre a produção fotográfica de Euclides de M. Marinho N.,

esclarecendo um pouco sobre a história de seu pai e sobre sua contribuição para a

fotografia em Teresina. Ressaltando que ele

era muito conhecido por que fazia fotografia diferente das fotografias mais comuns, fotografia comum era fazer fotos ¾, foto 5/7, fotografia de casamento e ele fazia fotografia área, fotografia de vaqueiro, fotografava a cidade e raramente se fotografava a cidade (...) (MARINHO, 2005).

Diferentemente das outras Casas de Foto, que se localizavam próximo

das praças do centro da cidade, o Foto Marinho se encontrava no Mercado Central.

Nesse período, além das Casas de Foto já citadas, havia o Foto Kit, muito conhecido

na época, além do Foto do Dinavan, que veio pra cá para trabalhar com o Euclides

de M. Marinho N. e o Foto do Carioca, cujo proprietário, o Carioca, era fotógrafo da

Prefeitura Municipal. Desse modo, a cultura fotográfica na cidade de Teresina até

meados da década de 60 e 70, esteve sempre ligada às Casas de Foto e aos seus

donos – os fotógrafos de maior visibilidade na cidade. Ao ser perguntado sobre o

assunto Kleyton Marinho, afirma que

é mais ou menos isso com raras exceções dos fotógrafos oficiais, que eram ligados a governos ou estadual, ou município, ou ligado à imprensa, fora esses eram fotógrafos sociais, ligados a laboratórios, a Casa de Foto, mesmo. Só bem depois vem surgir o fotógrafo publicitário, que veio surgir o fotógrafo... porque a fotografia na

66

época não existia era praticamente impossível ter uma fotografia amadora. porque? porque o custo era muito alto (MARINHO, 2005).

Ainda que o Piauí já tivesse adentrado ao universo da fotografia no final

do século XIX, não participou de alguns movimentos que aconteceram no Brasil

como, por exemplo, o fotoclubismo. Esse movimento teve grande expressão em

domínios brasileiros na primeira metade do século passado e foi de grande

importância para a consolidação da fotografia moderna no Brasil. A formação de

grupos de aficionados por fotografia, aconteceu em muitos estados brasileiros,

porém o Piauí ficou fora desse debate, e não há registros escritos, imagéticos ou

orais, que afirmem a existência de tal movimento em terras piauienses. Percebi na

fala de alguns fotógrafos entrevistados que até o advento do Salão Municipal de

Fotografia, normalmente não havia uma preocupação com o caráter artístico da

mesma, o que deu um direcionamento comercial a cultura fotográfica do Estado.

É importante que se diga que dentre as modernas tecnologias do século

XX, a fotografia parece ser a menos sedutora aos pesquisadores desta cidade.

Coloco essa questão, devido à escassez de trabalhos sobre fotografia no estado do

Piauí, no qual se encontram basicamente três artigos publicados11, número bastante

reduzido, se observarmos as pesquisas acadêmicas e de mestrado abordando o

rádio e o cinema12. Além da pouca, ou quase nada, referência à fotografia em livros

e artigos que discutem a história do Piauí. Diante disso, seria correto pensar que a

fotografia não foi relevante para a formação histórica de Teresina? Ou, que a

fotografia foi à tecnologia moderna que menos interferiu na construção da

modernidade como estilo de vida dos teresinenses?

Inicialmente a fotografia era artigo de luxo e acessível apenas a famílias

das classes médias e a poucos profissionais. Foi com o advento das máquinas 11 Sobre a discussão de fotografia os artigos existentes são: SOUZA, Paulo Gutemberg de Carvalho. A fotografia como fonte de pesquisa. In: Carta Cepro, vol. 13, n.1, Teresina, janeiro/junho de 1988.; ARAÚJO, Maria Mafalda Baldoíno de. Teresina: cultura e linguagem fotográfica. In: Scientia Et Spes, vol. 1, n. 2, Teresina, ICF, 2002.; LEITE. Margareth. A fotografia em Teresina: análise e história. In: SANTANA. R. N. Monteiro de. Apontamentos para a história cultural do Piauí. Fundação de Apóio Cultural do Piauí – FUNDAPI: Teresina - PI, 2003. 12 Trabalhos sobre o rádio: NASCIMENTO, Alcides do; SANTIAGO JR, F. C. Fernandes. Encruzilhadas da história: rádio e memória. Recife: Bagaço, 2006.; LIMA, Nilsângela Cardoso. Invisíveis assas das ondas ZYK – 3: sociabilidade, cultura e cotidiano em Teresina (1948-1962). (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2007.; Trabalhos sobre o Cinema: CASTELO BRANCO, Edwar de A. Fotogramas mal-ditos, discursos in-fames: superoito e contestação juvenil no NE do Brasil. (Projeto de Pesquisa, com financiamento do CNPQ). Universidade Federal do Piauí. Teresina, 2007.; LIMA, Frederico Ozanan Amorim. Curto-circuito na sociedade disciplinar: super-8 e contestação juvenil em Teresina (1972-1985). (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2006.

67

portáteis e uma oferta mais expressiva dessa tecnologia para comercialização que a

prática de registrar momentos e de “congelar o passado” se tornou uma cultura

imagética mais abrangente, vindo a tornar-se mais tarde acessível aos demais

segmentos da sociedade. Na seqüência, a fala de Kleyton Marinho ajuda a

compreender um pouco sobre a tecnologia da época:

Da década de 70 pra cá é que os filmes vieram aparecer em uma caixinha de ferro, antes a maioria dos filmes era enrolado em papel, a pessoa tinham que ter técnica pra colocar na máquina que era filmes de 6 por 6, de 6 por 9. É da década de 70 pra cá que vem surgir o filme de 35 dentro de uma caixinha de ferro, que ali qualquer amador podia colocar na máquina, inclusive veio surgir máquina compacta... num esquema comercial, as primeiras que surgiram aqui no Piauí eram da Kodak, Stamak uma máquinazinha compacta, ela vinha numa caixinha de papel, você comprava e ela vinha com um fleche de quatro lados, duas pilhas e o filme, ali você ganhava, dava de presente, as vezes um filme de 24 poses, de 12 poses, botava ali na máquina e tá tá tá e aí que veio surgir o amador, ficou mais barato, na época as casa de fotografia raramente recebiam filmes de fotógrafos para revelar, porque não existia amador, eles revelavam seus filmes, que eles faziam na rua, ou faziam em estúdio, raramente eles recebiam filmes, porque praticamente não existia venda (MARINHO, 2007).

Mesmo não tendo ocorrido em Teresina nenhum movimento nos moldes

de um fotoclube, aconteceram outros e de outra natureza, como por exemplo, o

cinema. Em Teresina, do final da década de 1960 para o início de 1970, houve uma

movimentação intensa entorno da figura de Torquato Neto, por conta de suas

produções poéticas e cinematográficas de Super-8. Nesse cenário, ele era um

agitador cultural e agregava a sua volta um grupo de jovens envolvidos com as

atividades culturais da cidade. Dessa efervescência cultural, começou a surgir

fotógrafos amadores que se envolviam no campo cultural, trabalhando como

fotógrafos dos filmes de Super-8 produzidos por Torquato Neto e seu grupo, além de

registrarem a vida cultural e a própria cidade. Que segundo Kleyton Marinho

quase todo mundo conhecia o Torquato, era praticamente uma turma só, todo mundo se conhecia. A cidade sempre girou em torno da Praça Pedro II, onde se fomentava cultura, se fazia cultura 24 horas, tinha o famoso BBC, o Art Bar, tinha a Galeria, o Bar do Cuspe, lá se fazia teatro, música, greve, todo mundo ia lá. A cultura acontecia em torno da Praça Pedro II, inclusive todos os laboratórios de fotografia ficavam lá, salvo exceção, os que revelavam as fotografias em casa, como o José da Providência, o Nonatinho, o

68

Açaí. A Universidade Federal também foi um dos grandes fomentadores, o José da Providência lecionou lá durante anos (MARINHO, 2007).

Além de Torquato Neto, uma outra referência para essa geração era o

fotógrafo José Medeiros, que pela qualidade de sua produção inspirava os iniciantes

na arte da fotografia. Desse período podem ser citados como fotógrafos Arnaldo

Albuquerque, Antônio de Noronha, Açaí Campelo e Nonatinho que no início da

década de 1970 fez uma exposição na galeria do Teatro 4 de Setembro com mais

de 4.000 fotografias de diversos temas e tamanhos, o que na época eram muito raro

de acontecer. Esse é o primeiro momento em que a fotografia em Teresina começa

a ser produzida fora dos estúdios das Casas de Totos, das redações de jornais e

dos gabinetes municipais e estaduais. A respeito das pessoas envolvidas nessa

produção fotográfica que vai do final da década 1960 a década de1970, Kleyton

Marinho atenta que

eram pessoas que viviam dentro de um movimento de arte, de uma liberdade muito grande nessa época, liberdade assim, sei lá, nossa visão era uma visão “torquatiana”, uma visão bem diferente, tinha nosso trabalho, mas nossos registros eram outra coisa, se guardava, se fazia. Eu tenho muita fotografia de teatro e de shows de música da época. Assim, como o Açaí tinha e ainda hoje tem. Nonatinho também tem muita coisa. As pessoas fotografavam por prazer. (...) As fotografias que produzimos eram pessoais. (...) Às vezes se fazia fotografias para um grupo específico de teatro, para fazer um trabalho bonito e coisa e tal (MARINHO, 2007).

Seguindo-se, um conjunto de vozes que dão conta de um bom período da

história da fotografia em Teresina e as suas movimentações, é formado pelos

fotógrafos Dogno Içaiano G. Sousa e Aureliano José Nogueira Neto, mas conhecido

por Aureliano Müller, por conta de seu pai, Guilherme Müller. As falas dos dois se

somam à de Kleyton Marinho, tendo em vista que os três são da mesma geração e

iniciaram suas atividades pelo mesmo período, a década de 1970.

Em entrevistas cedidas a mim, ambos falam da fotografia em Teresina.

Assim, seguindo o que Kleyto Marinho vem afirmando, Aureliano Muller (2008)

aponta que “a produção amadora era intensa e qualquer pessoa que tivesse uma

condição razoável tinha uma máquina, por conta do valor acessível das máquinas

populares produzidas pela Kodak”. Complementando, Dogno Içaiano G Sousa

(2007) explica que “várias pessoas se envolveram com a fotografia, mas foi uma

69

produção dispersa, as fotografias foram feitas e foram guardadas”, tal como aponta

Kleyton Marinho.

Dando continuidade a essa discussão Margareth Leite acrescenta que é

nesse mesmo período que as pessoas passam a preencher o espaço imagético dos

jornais teresinenses, com

fotos de esporte, cultura, transeuntes ocupando ruas antes desertas, flagelados da seca, enchentes dos rios Parnaíba e Poti, mulheres lavando roupa na beira do Parnaíba. No final dessa década, os repórteres fotográficos foram para as ruas e registraram os conflitos sociais, foi também nesse período que os jornais abandonaram o sistema de clicheria e adotaram o offset para a impressão de suas fotos, e o crédito obrigatório apareceu nas fotografias publicadas, mas muito esporadicamente (2003: 65).

Com o fim da ditadura militar, o retorno da liberdade de imprensa e o

desenvolvimento tecnológico dos equipamentos, possibilitaram uma ampliação das

atividades desse setor, melhorando a qualidade gráfica da fotografia nos jornais

impressos, período que é publicada a primeira foto colorida em jornais em 1987, no

então Jornal da Manhã. Assim, nas décadas de 80 e 90 o fotojornalismo passa a

dominar o cenário fotográfico da cidade e a imprensa se torna o maior campo de

trabalho para esses profissionais (LEITE, 2003).

Ainda sobre esse momento, Aureliano Muller comenta que foi na década

de 1980 que a publicidade ganhou corpo em Teresina, o que fez com que a

fotografia fosse mais valorizada. Ele explica que “a fotografia publicitária é uma

fotografia comercial de alto valor, e atualmente meu trabalho é voltado para esse

segmento” (NOGUEIRA NETO, 2008). Dogno Içaiano G. Sousa (2007) complementa

dizendo que “foi em 1980 que os fotógrafos passaram a ter mais espaço e que

começou pra valer a venda de fotografias, por conta da instância dos jornais e

também da publicidade”.

Fora das redações dos jornais e das casas de foto, a produção fotográfica

da cidade de Teresina também acontece em outro circuito. A partir das duas últimas

décadas do século passado, a Fundação Cultural Monsenhor Chaves, passou a

ocupar um papel preponderante na construção imagética da cidade de Teresina. As

atividades em torno de publicações que abordam a cidade através das lentes de

seus fotógrafos vêm propiciando um conjunto de obras fotográficas onde a quase

totalidade desses trabalhos é de iniciativa da Fundação. Essas publicações ocorrem

70

tanto por iniciativa direta da instituição, como pela concorrência do edital da Lei

Municipal A. Tito Filho – lei de incentivo a cultura, que financia projetos de livros,

CDs, espetáculos cênicos, etc.

No entanto, esse conjunto de publicações representa ainda um número

bastante pequeno. Tal verificação poderia indicar que a produção fotográfica

teresinense ainda seria muito tímida no conjunto das demais manifestações

culturais, levando em conta que a fotografia se faz presente na cidade a mais de um

século.

Dessa forma, são publicações da Fundação: a 2ª edição do Álbum

Artístico Comercial do Estado do Piauí (1987), organizado por Manoel Rodrigues

Folgueira; Teresina Ontem e Hoje (1992) de José Airton Gonçalves Gomes e

Therezina-Teresina (1994) de Edson Gayoso Castelo Branco Barbosa. Pela Lei A.

Tito Filho, são os livros Flores de Teresina (2001) de Kleyton Marinho e Teresina

(2001) de Paulo Gutemberg de Carvalho Souza. Pela iniciativa privada, foi publicado

o livro Teresina (2002), edição comemorativa dos 150 anos de Teresina e pela Lei

Rouaner, Teresina Vista do Céu (2005) de Robert Silva de Meneses.

Além dos livros, existem ensaios fotográficos publicados na revista

Cadernos de Teresina e o Salão Municipal de Fotografias, o principal evento de

fotografia no Estado. Com relação a exposições, com exceção do Salão Municipal

de Fotografia, são poucas as exposições individuais e coletivas de fotografia,

podendo ser citadas a Photoshop, da iniciativa privada, promovida anualmente pelo

Teresina Shopping e outras, como Teresina Verso e Reverso (2006) de iniciativa do

Ministério Público, ExpoTeresina 150 anos (2002) e a Transporte e Fotografia: o que

amo na cidade onde trabalho (2006), essa última, é resultado de um concurso

promovido pela Federação dos Transportes. No entanto, as exposições ainda são

muito tímidas, ocorrendo em pouco número e com pouca freqüência.

Ao longo desse século a tecnologia fotográfica tem mudado bastante. Hoje

em dia, com as máquinas digitais, mais compactas, de fácil manipulação e

proporcionando um melhor arquivamento das imagens, tem impulsionado o uso da

fotografia no âmbito amador. O reflexo disso pode ser percebido nas inscrições do

Salão Municipal de Fotografia que nos últimos anos têm mostrado que a categoria

amadora tem superado em número de inscritos a de profissional. As facilidades

proporcionadas pela tecnologia e o maior acesso a esses equipamentos, apontam,

71

que em uma sociedade extremamente imagética a produção de imagens já não é

domínio exclusivo de profissionais e nem das classes médias.

Em entrevista, Dogno Içaiano G. Sousa atenta para as possibilidades da

tecnologia digital e para o espaço virtual, como canal de divulgação das imagens e

da possibilidade de se fazer fotografias de forma livre, sem o crivo de um chefe de

redação, editor, ou coisa do tipo. Logo, o que se percebe é a existência de uma

descentralização dos meios de produção e circulação das imagens, tanto pelo

advento da tecnologia digital e do barateamento da mesma, como também pelos

meios virtuais de circulação como sites, blogs, fotologs e etc. Desse modo, o que

Dogno Içaiano G. Sousa chama a atenção é para o fato de que se inicia uma

produção que se posiciona fora do circuito comercial e das redações de jornais.

Se no passado, apenas uma parcela da população dominava a fabricação

imagética, representando o seu universo, ou o universo a partir do seu olhar, agora a

situação se modifica. Os meios para se fabricar imagens estão pulverizados nas

mãos de parte da população, onde qualquer um que tenha uma máquina na mão

pode fazer as imagens que desejar, seja da sua comunidade, seja da cidade, ou

mesmo de encontro entre pessoas. De todo modo, o que está acontecendo é uma

descentralização da produção imagética. Atualmente, boa parte das camadas

sociais produz suas representações imagéticas, e isso é um dos elementos que

constituem a cultura visual das sociedades complexas, possibilitando processos

híbridos no olhar e a partir dele.

Diante do percurso traçado sobre a fotografia no Piauí, objetiva-se, de

agora em diante, explorar o Salão Municipal de Fotografia, evento anual do

calendário de atividades da Secretaria de Cultura do município - Fundação

Monsenhor Chaves, que existe desde 1995, tendo sido instituído na última

administração municipal de Wall Ferraz. Desse modo, o Salão é um evento que

valoriza a experiência imagética de pessoas comuns, que na condição de

caminhantes-fotógrafos se utilizam de uma máquina fotográfica e de muitas idéias

para percorrem a cidade e vasculhar em seu tecido visível algo a ser capturado pelo

obturador de uma câmera. Para posteriormente ser revelado em uma superfície

fotossensível e exposto à visitação pública. São pessoas que fotografam de forma

amadora ou profissional e que se inscrevem para participar do Salão.

Os caminhos de produção das imagens fotográficas que participam do

Salão são múltiplos, afigurando-se desde o fotógrafo que ao andar pela rua

72

despretensiosamente registra com sua máquina fotográfica um acontecimento

inusitado, ou uma imagem diferente. Ou mesmo, a que é feita a partir de um

conceito prévio, com toda uma composição que vai do tema escolhido, do

enquadramento e das cores. O que perpassa toda uma constituição técnica,

pensando o próprio suporte da fotografia para, em seguida, serem expostas e na

relação com seus observadores criar um circuito de produção de sentidos em torno

da cidade, a partir das interlocuções criadas com as fotografias.

Assim, pelo período de um mês na galeria Lucídio Albuquerque, na Casa

da Cultura, a exposição das fotografias proporcionam ao público o encontro com a

produção fotográfica local. Além da exposição, o Salão ainda oferece atividades e

discussões em torno da fotografia e de suas práticas, como oficinas e cursos de

fotografia. Este é um evento que mobiliza um grande número de pessoas

interessadas pela prática da fotografia, pois seu regulamento possibilita a

participação de fotógrafos profissionais e amadores com premiações distintas em

dinheiro, para cada uma dessas categorias, sendo elas divididas em modalidades,

como: melhor foto colorida, melhor foto publicada, melhor foto preto e branco,

valendo para as duas categorias, e o prêmio José Medeiros, para a melhor foto do

Salão. Essas são as premiações, com algumas mudanças no regulamento no

decorrer dos anos.

As fotografias do Salão vêm quase sempre acompanhadas de um título,

que na maioria das vezes ou tentam decifrar a imagem – na tentativa de dar conta

do assunto ou intenção da imagem – ou tem a intenção de agregar novas

informações. Desse modo, as fotografias estão sendo observadas juntamente com o

universo que as rodeiam, como o título, a categoria do participante, o ano em que a

foto participou do Salão, material de divulgação, etc.

logo, na seqüência deste texto, as imagens e informações referentes ao

material produzidos em torno do Salão, como os cartazes de divulgação,

regulamento e convites, estão sendo explorados como uma forma de construir o

campo de visibilidade que ver o Salão como evento cultural e como acontecimento

social. O Salão se apresenta e se constitui visualmente explorando os signos do

universo da fotografia, na maioria das vezes utilizando-se de imagens de máquinas

fotográficas e de fotos vencedoras de algumas edições.

73

Capa do regulamento do II Salão – 1996

No transcorrer de sua existência o Salão tem ocupado um papel

importante no cenário fotográfico local, tendo como objetivo “incentivar a arte

fotográfica, descobrir novos valores e ampliar o acervo fotográfico do município de

Teresina”, como expresso no artigo 1° do regulamento do X Salão Municipal de

Fotografia de 2004. Porém, há outros eventos que privilegiam a fotografia, assim

como, outras formas de circulação e agenciamentos da produção fotográfica na

cidade. Mas o Salão é o único que acontece anualmente desde sua fundação, sem

interrupções, além de haver, por parte de seus organizadores, a preocupação com a

construção de uma memória fotográfica, como se observa no seu regulamento do X

Salão nos artigos 16 e 17:

Art. 16 – As fotografias premiadas passarão a ser propriedade da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, que poderá utilizá-la para os fins que desejar. A Fundação Monsenhor Chaves reserva para si o direito de reproduzir essas fotos em seu material institucional, preservando sempre o crédito do fotógrafo. Art. 17 – A Fundação Cultural Monsenhor Chaves não devolverá as fotografias não premiadas neste Salão; elas serão utilizadas em exposições de divulgação do Salão e passarão a fazer parte do acervo fotográfico desta Fundação Cultural (Fundação Cultural Monsenhor Chaves, março, 2004).

A fim de perceber como o Salão foi dado a ver através da imprensa

escrita, a respeito do I Salão Municipal de Fotografia de 1995, o Jornal Meio Norte

trouxe uma matéria com o título “Teresina, sua gente, sua cultura”, apresentando no

corpo de seu texto, informações sobre o evento, sobre os homenageados, o total de

participantes e trabalhos expostos. Sobre as fotografias vencedoras, o artigo diz:

74

A fotografia “Igreja de Nossa Senhora das Dores”, de Lis Andrade, retrata a igreja e o cruzeiro em ângulo peculiar, equilibrando sombras e imagens e revelando uma paisagem inusitada no cotidiano da praça Saraiva. A outra vencedora, “Lamento”, mostra uma mulher pobre, numa tapera, sentada numa rede, mãos postas, chorando a vida. “Foi no caminho de José de Freitas. Eu estava fotografando animais e entrei numa casa para beber água. Vi a mulher e fiz a foto”, conta a fotógrafa Jaqueline (Meio Norte, 20/04/1995).

Fotografia 1 I Salão de 1995, Fotografia 2 I Salão de 1995, Fotógrafo:Lis Andrade, Fotógrafa: Jaqueline Lustosa, Título: lamento, título: Igreja de Nossa Senhora das Dores, Categoria; profissional Categoria; profissional

Um fato curioso foi o do I Salão ter como vencedoras nas duas categorias

– amador e profissional – duas mulheres. Tendo em vista que ao percorrer as

práticas fotográficas em Teresina, observou-se que este é um universo dominado

por homens. Pelo tema do Salão e título da matéria do jornal, a perspectiva de

“nossa gente, nossa cultura”, indica uma construção imagética sobre o Piauí e

Teresina, bastante recorrente: na primeira fotografia, a de que o povo é sofrido por

conta das questões naturais e das mazelas sociais; a segunda remete-se a

religiosidade dos teresinenses e provavelmente da fotógrafa, cuja capital tem como

sua primeira construção a Igreja Nossa Senhora do Amparo. Essa é uma

75

perspectiva que limita e muito os vários aspectos da “gente” e da cultura de

Teresina.

No período de acontecimento do Salão são promovidas atividades ligadas

ao ofício e universo fotográfico, como pode ser conferido na programação do III SMF

de 1997: curso básico de fotografia, oficinas de fotografia infanto-juvenil e a 1ª

maratona fotográfica que além das fotografias concorrentes, a Casa da Cultura

recebeu a exposições “América”, do fotografo alemão Jürgen Heinemann, que na

ocasião doou um total de 88 fotos desta exposição. Estas atividades marcam o

Salão, tornando cada edição singular.

Capa do regulamento do III Salão e do projeto Olho D’Arte Fotografia, ambos de 1997.

As maratonas fotográficas movimentaram algumas das edições, como as

do III, V e IX Salão, voltadas para os alunos dos cursos de fotografia, das oficinas e

demais interessados, cujo tema foi sempre o centro da cidade. Esta atividade foi

vista pelos jornais da seguinte forma:

Pois na véspera do Dia das Mães, no sábado, a partir das sete e trinta da manhã começaram os clics. Tinha gente graúda, gente miúda. Umas máquinas extremamente sofisticadas ao lado de umas bem simples, mas todo mundo com aquela vontade de seqüestrar um pouquinho do centro em um pedaço de papel. E tome ângulos... e tome clic (DOURADO, O Dia, 16/05/1997).

76

O crescimento do Salão pode ser percebido através do número de

inscritos. A primeira edição do Salão teve um total de 12 fotógrafos inscritos e 35

trabalhos, já no terceiro foram 26 participantes e 76 fotografias, no nono somavam-

se 79 fotógrafos e um total de 215 obras. Um fato curioso, é que na edição de

número dez houve uma diminuição no número de participantes, apresentando

apenas 60 fotógrafos e 180 trabalhos, o que gerou certa polêmica, como expressa

no Jornal O Dia:

Kleyton Marinho, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, realizadora do Festival, conta que a participação em 2004 será menor. Ele acredita que houve um desentendimento por parte dos interessados com relação ao regulamento. “Este ano colocamos Amador e Profissional para concorrer separadamente em Foto Publicada e Preto e Branco. O prêmio que era de 800 reais passou para dois de 500 reais e um de 600 reais. Alguns fotógrafos não quiseram participar esse ano porque disseram que o prêmio diminuiu. Só que eles não entenderam que diminuiu o valor e aumentou as oportunidades” (Meio Norte, 02/04/2004).

Essa polêmica se deu pelo fato de que nos anos anteriores os amadores e

profissionais concorriam juntos pela mesma premiação. Se a mudança no

regulamento desagradou os fotógrafos profissionais, os amadores agradeceram,

havendo inclusive um aumento nas inscrições dos mesmos neste ano.

São por estas movimentações que o Salão Municipal de Fotografia se

afigura como o mais importante evento de fotografia do Estado. Esse

reconhecimento é expresso por seus organizadores em um dos materiais de

divulgação do IX Salão Municipal de Fotografia:

A fotografia era usada quase que exclusivamente como retrato em publicações e como fonte de recordações familiares. O desafio da Fundação Cultural Monsenhor Chaves era introduzir em Teresina um modo totalmente diferente de pensar o que é a fotografia, transformar o retrato em obra de arte, utilizando a composição, a força visual e o sentimento do fotógrafo. (...) Ao longo dos anos, o Salão Municipal de Fotografia tornou-se o maior e o mais importante revelador de nova tendências e de novos nomes para a fotografia da cidade. (Fundação Cultural Monsenhor Chaves, março, 2003)

Ainda sobre a importância do Salão, a fala de Kleyton Marinho é bastante

significativa:

77

Foi no Salão que começaram a surgir às primeiras fotografias artísticas que começaram a mudar a visão de fazer fotografia, o olhar do fotografo também mudou, bem como a percepção da própria realidade. Eu acho que essa mudança teve um crescimento tão grande, por que, por exemplo, pessoas que trabalhavam em outro ramo como o Edivaldo Vasconcelos, o João Rufino, passaram a fazer fotografias e hoje trabalham com fotografias, ou seja, entraram no Salão como amadores e com o tempo passaram a ser profissionais, bons profissionais (MARINHO, 2007).

No mesmo sentido, Dogno Içaiano G. de Sousa (2007) afirma que, “a

partir do advento do Salão, não só mais pessoas passaram a fotografar como,

principalmente, se fez com que elas passassem a pensar sobre a fotografia”.

Aureliano Muller, ao se referir a importância do Salão, garante que ele é de uma

importância crucial, pelo incentivo aos novos fotógrafos e pela premiação que funciona como atrativo. O Salão surge como o lugar que deu visibilidade aos fotógrafos e a produção local. Haja visto que antes não havia um espaço específico para os fotógrafos mostrarem suas produções e o seu talento (NOGUEIRA NETO, 2008).

No entanto, ambos afirmam que, com o advento do Salão, os fotógrafos

aprimoraram suas técnicas, o que os levou a ter uma atenção maior com a estética e

com a intenção da fotografia, com a sua mensagem, numa condição diferente da

fotografia jornalística e da foto publicidade. Ao Salão, fica em aberto a possibilidade

da aparição do novo.

Convite do VI Salão – 2000

78

Outro ponto a ser mencionado são as homenagens feitas como forma de

reconhecimento pelo trabalho dos fotógrafos pioneiros, bem como dos mais

expressivos. Ato esse de valorização do trabalho desses profissionais que tem uma

grande importância para a cultura fotográfica do Piauí. Alguns nomes têm sido

lembrados ano a ano, como por exemplo: Euclides de Mello Marinho, o “Louro”,

Guilherme Müller, Ademar Danilo, o “Carioca”, José Medeiros, Antônio Quaresma,

dentre outros. A enumeração desses nomes (re)constroe parte do cenário

fotográfico, nomeando figuras que fazem parte da história da fotografia no Estado.

Diante dessa reflexão, o período que o Salão está sendo explorado

corresponde ao tempo que vai de 1995 até 2005. Referindo-se aos últimos anos do

século XX e início do XXI. O Salão é abordado como o mediador de um tempo,

apresentando-se como um espelho produzido por seus participantes, caminhantes-

fotógrafos da cidade, que fotografam e participam do Salão, que registram a sua

maneira o cotidiano da cidade; as formas de ocupação e uso do espaço e sobretudo,

os modos pelos quais ela é consumida. Proporcionando uma invenção de Teresinas

na sua faceta imagética, a partir de ações datadas e localizadas, que inauguram um

momento singular, único. Uma perspectiva que escapa às estruturas, ao progresso e

a idéia de evolução, mas que privilegia o descontínuo, e ressalta que as produções

de sentidos são localizadas e atravessadas por um tempo particular

(ALBUQUERQUE JR., 2007).

Capa do regulamento do X Salão - 2004

79

O acervo de fotografias do Salão Municipal de Fotografia chama a atenção

não por se constituir na experiência de um sujeito universal de identidade fechada,

mas por ser uma produção de sentidos coletiva de sujeitos multiidentitários, o que

implica em uma questão sobre o olhar e o enxergar, já que essas categorias não são

naturais e dizem respeito a construções sociais: o ato de observar e registrar para si,

através da máquina fotográfica, aquilo que lhe punge, fragmentos do visível que os

fotógrafos imprimem as marcas de seus olhares, de suas relações intimas com as

cidades que habitam seus corpos.

Capa do regulamento do XI Salão – 2005

Nesse contexto, existem dois momentos de consumo nesse percurso

entre as caminhadas do caminhante-fotógrafo pela cidade, a produção das imagens,

a exposição das mesmas e os visitantes do Salão. O primeiro, é o próprio ato da

caminhada solitária ao percorre os espaços da cidade, consumindo o seu visível e

que a partir da máquina fotográfica produz recortes, fragmentos desse visível,

transformando-os em imagens, desnaturalizando a paisagem e produzindo sentido

sobre ela. Esse é o momento da materialização da experiência do caminhante-

fotógrafo e de suas fabricações pessoais da cidade. Este momento da produção de

sentido diz respeito a

uma construção social, um empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica

80

das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e fenômenos a sua volta (BENEDITO & SPINK, 1999: 41).

O segundo momento é aquele em que as fotografias são expostas no

Salão e as experiências pessoais socializadas para o público, permitindo que seus

visitantes, a partir de seus repertórios pessoais, possam observar e apropriar-se da

experiência do olhar do outro – o outro como o sujeito fabricante de imagens - uma

forma de apreender o mundo e de produzir discursos. O que proporciona aos

visitantes da exposição não só diferentes ângulos da cidade de Teresina, mas a

possibilidade de perceber as diferentes Teresinas. Mostrando que a cidade existe na

diferença e ressoa pela diferença. Desse modo

o recurso da máquina fotográfica estabelece um estranhamento entre o espaço ambiental e seu uso habitual, permitindo, então explicar, não só a imagem da cidade, mas a seleção dos seus ângulos claramente relacionados com o cotidiano. Esta seleção surpreende o próprio usuário quando dela ele se apropria através da imagem fotográfica revelada, e isto constitui estímulo para a verbalização do uso como significado da cidade (FERRARA, 1988: 77) .

XII Salão de 2007.

Fotografia produzida para a pesquisa.

Pensando um percurso, as fotografias participam de um processo que vai

desde a sua produção (captura e revelação), circulação (exposição) e consumo

(visitação do público). Pode-se, a partir daí, pensar em uma economia da imagem

81

que explora a fotografia a partir de suas possibilidades, seja por uma abordagem da

fotografia como um artefato cultural, um canal de expressão e de produção de

sentidos. Desse modo, a fotografia esta sendo explorada como um lugar de

acontecimento da história; ela também pode ser compreendida como um registro

“testemunhal” imagético, um dado de memória de algo que foi “congelado” do

passado, uma espécie de depoimento; ou como um objeto de arte que suscita

discussões entorno da técnica, da estética e da sensibilidade – da relação entre a

natureza do olho e da cultura do olhar.

A oportunidade de observar as imagens de uma cidade produzidas por

seus habitantes é um rico canal que possibilita um diálogo constituído entre a

cidade, os seus habitantes e como eles a inventam a partir de imagens fotográficas.

Através desse acervo fotográfico percebe-se o quanto é fluido, disperso e múltiplo os

elementos constitutivos da cidade enquanto espaço de uso coletivo. Estes

elementos citadinos interpelam, atravessam e se imprimem nos corpos dos sujeitos

que a habitam, participando dos mais diversos processos. Nesse sentido, Para Marly

Ribeiro Meira (2003: 52) “as imagens mostram a exterioridade de fenômenos

intersubjetivos que se concretizam em gestos, formas, agenciamentos culturais,

através dos quais a sociedade exerce sua criatividade”. Dessa forma, “a linguagem

não é um veículo de passagem-e-salvação. Ela é, em si mesma, criação de mundos.

Veículo que promove a transição para novos mundos; novas formas de história”

(ROLNIK, 2006: 66).

XII Salão de 2007.

Fotografia produzida para a pesquisa.

82

Desse modo, as fotografias do Salão possibilitam um panorama da

produção amadora e profissional local, que expressa boa parte das características

fotográficas discutidas na primeira parte desta bifurcação, que tem como alguns

nomes representativos, como Paulo Barros, Mauricio Sipaúba, Paulo Gutemberg,

Luciano Klaus, Dogno Içaiano, Aureliano Muller e Antonio Quaresma. Na

amostragem das fotografias premiadas é possível observar que no transcorrer das

edições do evento, a recorrência de imagens que retratam a cidade visível, correlata

dos cartões-postais, é superior em número a cidade praticada, que tem como

característica a figura de pessoas comuns usando e explorando as possibilidades da

cidade. No entanto, o transcorrer dos anos vem mostrando uma mudança dessa

postura, e uma inversão dessa ordem. E a respeito da abordagem da cidade de

Teresina nas fotografias do Salão e uma possível relação desta produção com os

temas propostos a cada ano, Kleiton Marinho ressalta que

muitas vezes os temas eram abertos, por exemplo, “Teresina, sua gente, sua cor”. Mas mesmo com uma temática aberta a maioria das fotos inscritas foram de prédios. Mas a gente botava, “os sons de Teresina”, aí só vinha fotografias de prédios. Depois que se acabou com a temática, começamos a receber fotografias que não tinham um caráter de cartão-postal. Eu acho que as pessoas associavam o nome Teresina a prédios (MARINHO, 2007).

Os dirigentes da Fundação Cultural Monsenhor Chaves têm uma

preocupação com a construção de uma coleção de imagens sobre Teresina, o que

fez com que em várias edições o Salão tivesse temas definidos, tais como: Teresina,

sua gente, sua cultura; A Cidade-céu e inferno (as facetas opostas e destruidoras da

cidade); Piauí – terra de luz e amor; Teresina – 150 anos de prosperidade; Teresina

– cartão-postal e Ponto de vista – cidade de Teresina. Uma tentativa de fazer com

que os fotógrafos capturassem a cidade com um determinado direcionamento,

atendendo a expectativa da coordenação da Fundação. Esse é um esforço de se

construir imagens da cidade que sejam úteis aos propósitos do município, seguindo

suas intenções na invenção da cidade em sua condição imagética. Isso de tal modo,

que no IV Salão, de 1998, cujo tema foi “Teresina – Cartão Postal”, as fotografias

vencedoras foram transformadas em cartões-postais. Cartões estes, que ainda hoje

são encontrados para a venda em bancas de revista e em lojas do Centro de

Artesanato de Teresina.

83

Neste caso, as fotografias do Salão funcionaram para o propósito

desejado pela direção da Fundação por intermédio da Coordenação de Cinema,

Vídeo e Fotografia. Observa-se que os fotógrafos, sem se dar conta estão

trabalhando para a construção imagética de uma cidade instituída. Tais como se

observa no folder abaixo:

Convite do IV Salão - 2002

No conjunto das fotografias do Salão percebe-se que existem alguns

temas recorrentes, como por exemplo, as mudanças nos espaços da cidade (a

verticalização da cidade, as ocupações de terra, o desaparecimento das casas

antigas do centro para dar lugar a estacionamentos); os lugares de identificação

(prédios públicos, igrejas); temática associadas aos rios (barcos, pescadores e

pontes); questões sociais (mendigos do centro da cidade, casebres, pessoas com

semblante de sofrimento) e a natureza (flores, plantas em geral e animais); esses

são basicamente os motivos ou temas, da maior parte dos fotógrafos. O que pela

regularidade das ocorrências, termina criando uma gramática visual da cidade, ou

seja, padrões que se repetem nos registros, perpassando o conjunto, dando-lhe um

84

caráter afirmativo de certos conceitos, como o motivo temático e os signos

representados nessas fotografias.

Capa do Regulamento do XII Salão - 2006

As fotografias do Salão demonstram que existem muitas imagens de uma

mesma cidade, fragmentos microscópicos que, às vezes, não são permitidos aos

olhos no momento que se pratica a cidade. Esses retalhos do visível só são

possíveis de serem observados depois de capturados e expostos pelo seu criador:

“o fotógrafo que busca imagens percorre seu campo de trabalho como quem revira

um monte de sucata em busca de uma peça que sirva a um novo fim proposto”

(ENTLER, 2005: 280).

O Salão Municipal de Fotografia de Teresina constitui um lugar de

encontro de pessoas, de cruzamento de linhas, de convergência de fluxos, um lugar

que concentra olhares na produção de sentidos sobre a cidade. Oportunizando

compreender como a cidade de Teresina está sendo percebida, consumida e

fabricada, através da imagem fotográfica. Logo, as fotografias funcionam como

detonadoras de idéias, suscitando diálogos e conexões com as práticas sociais. Elas

deixam vazar sensibilidades através de seus signos, o que desperta a atenção para

a composição de ambientes, de cenários, de cidades. Elas avançam sobre o limite

85

do olho e inventam uma imagem pós-olho, instaurando em seu tecido fotossensível

realidades que nem é a que foi, nem a que é, mas o registro materializado de uma

experiência.

No entanto alerto que há uma incongruência com a preocupação expressa

nos regulamentos de divulgação do evento, já que eles mencionam uma

preocupação com a memória fotográfica da cidade, e o que se encontra são

fotografias “arquivadas” em envelopes pardos sem uma organização adequada para

um acervo de imagens. Em alguns casos, faltando informações a respeito dos

fotógrafos; quanto à categoria dos participantes – se profissionais ou amadores – e

também quanto ao ano do registro fotográfico. Elas ficam juntas umas das outras,

sem um mínimo de cuidado com a preservação do material.

É perceptível que não houve e nem há, um tratamento profissional de

catalogação das imagens e das informações que as cercam, tais como: ficha de

inscrição dos participantes e título das fotografias. O que atesta uma falta de

profissionalismo e a displicência do órgão que gerencia a cultura no município de

Teresina, bem como da Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia. No entanto,

isso traz uma reflexão, a da falta de pessoas especializadas e de investimentos

financeiros para dar um tratamento adequado às produções e acervos culturais

deste tipo. Desse modo, questiono: qual o real interesse da Fundação Cultural

Monsenhor Chaves na preservação deste acervo?

Desse modo, os caminhos desenhados nesta bifurcação, somados aos da

bifurcação anterior circulam entre passos e olhares, entre o consumo do visível, a

produção de sentidos no cotidiano e os modos de subjetivação da cidade de

Teresina. Uma reflexão que captura a cidade de Teresina pelo prisma das imagens

fotográficas, possibilita não só a percepção de sua subjetividade, mas também a das

sensibilidades que atravessam sua história. É desse ponto que se fazem

necessários estudos que compreendam a cidade de Teresina dentro das suas

multiplicidades. Acreditando que a cidade é não só o lugar do calculo dos espaços,

mas também, e principalmente, o lugar da imaginação, das pontes invisíveis que se

alçam sobre a ordem gestora criando travessias-táticas. Bem como, o consumo

plástico desse empório de muitos estilos, possibilita a invenção de um caleidoscópio

de imagens. Produções de sentidos realizadas por sujeitos no cotidiano ordinário.

86

BIFURCAÇÃO III O Salão Municipal de Fotografia em Foco: subjetividades e o consumo do visível na fabricação de Teresinas

Foto: Irineu Santiago

sujas lâmpadas da cidade. / no limite entre ordem e desordem ainda não ser equilíbrio. / entre caos e o padrão / como viver a cidade?

ainda imaginar o chão / de sementes pacificadas? construir em cada prisão um rumor de liberdade afinal / como saber a cidade?

no sonho talvez de todos / - mas por onde começar / realidade? tecer reter a voz / todas as vozes / verdade?

nem um nem mil nem bem nem mal / nem somos nós toureiros matemáticos de algébrica solução sideral. / rimamos só o possível / não o fim ao seminal.

(tecemos só o plausível não o sangue ao ideal).

Afonso Henriques Neto

87

3.1 Virada visual, subjetividades e apropriações.

No Baú de Miudezas que é a cidade, a fotografia configura-se como um

instrumento através do qual operadores do pensamento social têm escolhido vê-la.

O olhar que está nesse momento por trás da câmera e preparando-se para disparar

o flash, parte da perspectiva de que a cidade é um empório de estilos, de modo que,

o que quer que venha a capturar, constituirá mais um elemento para o inventário

deste Baú.

Após ter discutido como alguns historiadores desta cidade a abordam e

apresentado algumas perspectivas horizontais para se pensar a cidade como campo

de exploração para estudos, fez-se necessário apresentar algumas linhas que

desenham o bordado das experiências fotográficas no Brasil e a história da

fotografia em Teresina, até o advento do Salão Municipal de Fotografia. Após este

passeio por cidades e por experiências fotográficas, segue-se um outro, o de

observar como a cidade de Teresina está sendo fabricada imageticamente por seus

caminhantes-fotógrafos.

Partindo do pressuposto formulado por Susan Sontag (2004: 136), que

segundo o qual “o realismo fotográfico pode ser definido não como o que ‘realmente

existe’, mas como aquilo que eu ‘realmente” percebo’, o meu olhar sobre as

fotografias não pretende alcançá-las em sua porção de veracidade13, de essências,

de realidades interna e externa, e nem nas suas informações ocultas. Minha

intenção é identificar as subjetividades que permeiam os fotógrafos no momento de

inventar imageticamente a cidade de Teresina. Nesse sentido, esta bifurcação

trabalha com as fotografias a partir de agrupamentos temáticos, num esforço de

abarcar os temas mais recorrentes, procurando perceber as construções imagéticas

em caráter relacional, atentando para as continuidades e deslizamentos que

atravessam o conjunto de imagens do acervo do Salão, na relação com as

experiências da construção visual do social.

Nos últimos anos a fotografia tem ocupado um espaço considerável no

campo das produções acadêmicas por todo o Brasil, chamando a atenção por ser

13

O que uma fotografia pode revelar ou esconder, isso depende das questões colocadas a ela e de como é explorando o leque de potencialidades que lhe pertencem, como pode ser observado no filme “Depois Daquele Beijo” (1966), que explora a fotografia na tênue fronteira estabelecida entre o real e o ficcional. Assim, a fotografia não se resume a uma ou a outra relação, mas a muitas delas e, inclusive, ao mesmo tempo, não se restringindo apenas a uma relação de verdadeiro ou falso.

88

uma linguagem diferente, e até então pouco explorada. Dessa forma, muitos

historiadores têm-se voltado para a fotografia com intensidade, utilizando-a como

recurso investigativo para se explorar o passado e também o presente. Abordando-a

de forma plural, utilizando-se de cartões-postais, de álbuns de família, de acervos de

Foto Clubes, de revistas ilustradas, de fotos jornalísticas, etc.

Os debates em torno de uma cultura visual e da utilização de imagens em

pesquisas no campo da comunicação e das ciências humanas tem se desenvolvido

bastante. Diante disso, alguns estudiosos vêm sinalizando para uma nova “virada”

no cenário das ciências sociais. Depois do caminho aberto pelas discussões da

virada lingüística nos anos 70 e dos estudos culturais, com a virada cultural nos

anos 80, estas movimentações apontam para o campo dos estudos sobre imagem.

O autor W. J. T. Mitchell “propôs nos anos 90 que o que estaria acontecendo seria

uma pictorial turn para tratar a discussão teórica que se desenvolveu sobre a

imagem” (W. J. T. MITCHELL apud KNAUS, Paulo, 2006: 106), algum tempo depois

foi a vez de Martin Jay sugerir “a substituição da categoria de pictorial turn pela de

visual turn ou virada visual. Abandonando a ênfase no pictórico, ou figurado, para

atenuar o visual e a visualização” (MARTIN JAY apud KNAUSS, 2006: 107).

No contexto que é desenhado pela pós-modernidade como condição

histórica das sociedades complexas e da presença do hibrido, como elemento que

atravessa os processos da contemporaneidade, a cultura visual ressoa como

inerente ao cenário que acabou de ser mencionado. Como discussão do universo

acadêmico, os estudos visuais apresentam-se como um desdobramento dos

estudos culturais e do diálogo multidisciplinar que envolve a história da arte; as

teorias da comunicação; as discussões em torno do alargamento do conceito de

cultura, proporcionadas pela antropologia; as questões sobre a espetacularização da

sociedade através das imagens, levantadas pelas ciências sociais e as

problematizações feitas pela história, ao abordar as imagens como canal para se

conhecer o passado. Desse modo, Paulo Knauss esclarece que

os estudos visuais, seguindo a inspiração dos estudos culturais, defendem que os sentidos não estejam investidos em objetos. Ao contrário, o conceito de cultura visual sustenta o pressuposto de que os significados estão investidos nas relações humanas. É nesse sentido que a cultura é definida como produção social e, por isso, o olhar pode ser definido como construção cultural. Nesse sentido, as definições materiais e tipológicas dever ser concebidas como

89

elementos do processo de significação. O objeto individual é integrado numa ampla rede de associações e de valores que integram as competências visuais (KNAUS, 2006: 114).

Desse modo, a intensificação do olhar como instrumento guia da viagem

pelas paisagens pós-modernas, em que as imagens têm ocupado um lugar

privilegiado nos debates sobre linguagem, na qual, os estudiosos recentes das

imagens têm reivindicando que se desenvolvam mecanismos de leitura e de análise

que não sejam tomados de empréstimo da lingüística14. Segundo W. J. T. Mitchell

a cultura visual pode ser definida não apenas como o estudo da construção social do visível em que se operam imagens visuais e se realizam a experiência visual. Pode ser também entendida como o estudo da construção visual do social, o que permite tomar o universo visual como terreno para examinar as desigualdades sociais (MITCHELL apud KNAUS, 2006: 108).

As questões que circundam os estudos visuais pertencem às duas últimas

décadas do século XX. O que aponta para uma nova postura das ciências humanas

para com as imagens, isso porque, na contemporaneidade, elas passaram a ocupar

um espaço preponderante nos processos de subjetivação, inclusive passando a ter

um papel transformador. “A cultura visual serve para pensar diferentes experiências

visuais ao longo da história em diversos tempos e sociedades” (KNAUS, 2006: 110).

Em consonância com o que se propõe sobre a cultura visual, Antonio Fatorelli

explica que em diferentes momentos da história, os processos de subjetivação

mantiveram relação direta com os dispositivos fabricadores de imagens. Deste

modo, ao se apropriar de Jonathan Crary, ele mostra que esses dispositivos tiveram

papéis diferenciados no Renascimento com sua perspectiva pictórica; na época

Clássica com a câmera escura e no período Moderno com a câmara clara15.

Indicando que as diferentes experiências imagéticas no transcorrer do tempo

proporcionaram diferentes modos de existir, assim como diferentes processos de

subjetivação. De tal modo, que

o surgimento da fotografia significou uma mudança radical do papel da visão, uma mudança que dependeu da maturação de concepções particulares sobre entidades tão abstratas como o tempo e o espaço e de um reposicionamento do observador. (...)

14 Ver essa discussão de forma mais aprofundada em Meneses, 2005; Knauss, 2006. 15 Ver essa discussão mais ampliada em Fatorelli, 2003.

90

Tratava-se da emergência de novos processos de subjetivação, socialmente compartilhados, que inscreveram de maneira oblíqua os saberes técnicos e os dispositivos óticos que mobilizaram, deslocando-os, reposicionando-os. Tal mudança significou, sobretudo a substituição do termo referencial pelo relacional, em que o corpo faz a diferença (FATORELLI, 2003: 37).

Tal como Antonio Fatorelli, Susan Sontag (2004, 115), aponta que a

“necessidade dessa visão fotográfica ter de estar sempre se atualizando, por pena

de se tornar obsoleto ou de se quebrar como um cristal, ou as duas coisas”. Essas

modificações no olhar fotográfico é o que proporcionou ao longo do tempo diferentes

abordagens com relação ao ato fotográfico e a relação humano/máquina. Assim,

Antonio Fatorelli identifica três possíveis momentos que singularizam a prática

fotográfica ao longo de sua existência:

estes três momentos são marcados pela presença de três tipos de sujeitos, ou três processos de subjetivação que, pelas distâncias que apresentam entre si, merecem ser singularizados: um sujeito psicofisiológico, um sujeito da consciência e do inconsciente, e um sujeito maquínico ou simulado – predominância sucessiva do olho, do aparelho psíquico e das redes neurais ou ainda, considerando-se a natureza da matéria: do carvão, do carbono e do silício (FATORELLI, 2003:58)

Este primeiro sujeito de que fala Antonio Fatorelli está localizado na

segunda metade do século XIX e a sua experiência com a tecnologia fotográfica é

de exterioridade, a máquina é uma extensão da visão e, portanto, não há uma

integração com o corpo. O segundo sujeito está localizado na década de 1920 e

este, está envolto com os movimentos de vanguarda do modernismo, no qual a

produção imagética está fortemente mergulhada na interioridade do fotógrafo e

voltada para uma produção abstrata, existindo uma relação com o conceito

freudiano de inconsciência.

Um terceiro sujeito, mais contemporâneo, que pelas experiências

acumuladas ao longo do tempo já absorveu a máquina como parte de seu corpo e

elemento constitutivo para se pensar a criação. Ele também não é mais um sujeito

identitário psicológico ou sociológico, portanto encontra-se completamente

fragmentado e multidentitário16. Ao passo que o seu universo é cada vez mais virtual

e a todo instante é bombardeado por imagens e informações descartáveis. Desse

16 A discussão sobre identidade, como abordada aqui, pode ser encontrada em Hall, 1998.

91

modo, a produção deste sujeito está imbricada nos recursos técnicos da máquina,

situando-se no eixo do artifício e na simulação.

Após algumas observações sobre a virada visual e algumas experiências

subjetivas a partir da fotografia, faz-se necessário relacionar esta dissertação em um

contexto de outros trabalhos acadêmicos. Logo, na tese de Zita Rosane Possamai,

“Cidade fotografada: memória e esquecimento nos álbuns fotográficos de Porto

Alegre – décadas 1920 e 1930”, de 2005, a fotografia é um meio para se enxergar a

cidade e para isso ela se utiliza de álbuns fotográficos de vistas urbanas. Assim,

observando a constituição dos álbuns percebe-se que há uma arranjo nas

fotografias, na qual, elas são montadas a partir da sensibilidade do seu fabricador,

tendo como fio condutor uma intenção de comunicar mediante a disposição das

imagens ao longo das páginas do álbum. Nesse caso, as fotografias encontram-se

organizadas e ordenadas em um compêndio. O conjunto das imagens estão

amarradas umas nas outras pelo interesse do seu construtor. O álbum traz em si a

ilusão de uma unidade, de uma uniformidade, de um percurso acabado.

Já na tese de Fabiana de F. Bruce Silva, “Caminhando numa cidade de

luz e sombra: a fotografia moderna no Recife na década de 1950”, também de 2005,

a fotografia é o tema e esta sendo apropriada em sua relação com a arte fotográfica

e a sensibilidade estética da fotografia moderna. Aqui o alvo é o Foto Cine Clube do

Recife e seus fotógrafos amadores associados, levando em conta as suas

produções em torno da estética, das questões técnicas do aparelho e da experiência

fotográfica enquanto moderna.

Fabiana F. Bruce Silva elege um sujeito chave para sua pesquisa,

Alexandre Berzin, este a levará a percorrer a arte fotográfica no Recife e seu

exercício de, ao mesmo tempo se integrar a uma movimentação que ocorria em

âmbito nacional e de se singularizar nos fluxos do movimento fotoclubista. As

fotografias trabalhadas são as da Coleção Alexandre Berzin/Foto Cine Clube do

Recife. Desse modo, as fotografias analisadas são de um grupo de fotógrafos que

estavam envoltos de uma perspectiva comum, a da fotografia moderna. Assim o

Foto Cine Clube do Recife era um laboratório uma “escola do ver” como usa Fabiana

F. Bruce Silva.

Esta dissertação se assemelha ao trabalho de Zita Rosane Possamai

enquanto aquilo que se quer ver: a cidade. No entanto, segue um caminho de

trabalho distinto dos dois já citados. No mais, os três acervos em questão tem

92

características bem diferentes: se no primeiro caso, as fotografias estão organizadas

entorno de uma intenção que as integra e as une, na segunda elas se articulam pela

perspectiva do trabalho dos fotógrafos em grupo, no caso do acervo do Salão

Municipal de Fotografia, as imagens encontram-se dispersas e ressoando na

diferença, na qual, a única unidade que se observa são as de séries que se agrupam

entorno de alguns temas recorrentes, o que dá ao acervo uma abertura temática.

O que quero dizer com isso é que o acervo abordado por esta pesquisa, o

do Salão Municipal de Fotografia, possibilita a experiência dos habitantes e da

subjetividade do olhar exercida por eles. Pois em um álbum se coleciona fotografias,

em um Foto Cine Clube as fotografias são produzidas por um grupo que está unido

por uma discussão estética e em um Salão de Fotografias promovido por um

município, o que une as fotografias é o desejo de seus participantes em expor o seu

trabalho.

Desse modo, eu, enquanto pesquisador, tive que criar minhas formas para

ordenar e agrupar as imagens, para criar um efeito de ilusão de unidade. Além do

que, as três pesquisas em questão são bem recentes e contemplam três diferentes

espaços desse país – Porto Alegre-RS, Recife-PE, Teresina-PI – bem como três

diferentes momentos, apresentando uma diversidade de abordagens e de acervos

pesquisados.

3.2 Um olhar que passeia: Teresinas em circulação

Na condição de última bifurcação, seguem-se algumas séries de

fotografias montadas a partir de temas recorrentes no acervo fotográfico do Salão.

Estas séries foram escolhidas por sua repetição e pertinência quanto às discussões

em torno da história de Teresina. Desse modo, selecionei três séries que apontam

para diferentes aspectos da cidade, formando um mosaico de imagens em uma

narrativa que se desenha na relação entre imagens e texto.

O caminhante-fotógrafo que é o sujeito dessa dissertação permeia a

narrativa com seus passos, seus olhares, seus recortes na geografia urbana e pela

fabricação de suas imagens. A sua experiência é o exemplo de que existem diversas

maneira de consumir e fabricar a cidade imageticamente, agregando novos sentidos

93

a ela. Ao passo que atravessa experiências distintas que se realizaram no decorrer

da história, tais como as apontadas na segunda bifurcação.

Para desenvolver a discussão, construí três séries que atendem a três

diferentes maneiras de subjetivação da cidade de Teresina e que encontram

ressonância em diferentes períodos da história. A primeira delas tem um caráter

panorâmico e cenográfico, ou seja, tem a composição de cartão-postal, expressando

um tipo de subjetividade que apreende a cidade em sua condição de homogênia e

harmônica, atravessada em grande medida pelas sensibilidades da belle époque; a

segunda série mostra uma postura binária e dual, apresentando duas possibilidades,

ao mesmo tempo que tem um caráter de denúncia social, um tipo de subjetividade

alinhada com a da luta de classes, típica atitude do mundo moderno e do século XX;

por último, uma série que é pura mistura, polifonia e movimento, essa demonstra

uma subjetividade mais contemporânea, correlata da pós-modernidade e do século

XXI.

Assim, de agora em diante acompanho os mapas de intensidades

demarcados pelo caminhante-fotógrafo, sigo seus itinerários, observo suas

fabricações fotográficas e suas subjetividades.

3.2.1 - A cidade-cartão-postal ou a cidade dos não-usos.

cartões-postais com sotaque estrangeiro:

esboço de um desejo invisível congelado na superfície do papel.

(GALVÃO, 2005: 149)

As fotografias escolhidas para compor essa série são exemplares de

fotografias do IV Salão Municipal de Fotografias, as quais, embora sejam todas do

mesmo ano, 1998, expressam perspectivas e temáticas que se repetem

substancialmenteao longo de todas as edições. Essas fotografias tornaram-se

cartões-postais, tendo sido publicadas, distribuídas e comercializadas, marcando um

ponto de permanência na memória dos habitantes diante da cidade de Teresina.

94

Essa série dedica-se a discutir a cidade de Teresina a partir do consumo

que a fabrica como uma cidade-cartão-postal, uma subjetivação permeada pela

condição disciplinar do não-uso, possibilitada apenas pela observação passiva. Uma

invenção que a toma por sua porção de imutabilidade, silenciosa e harmônica.

Assim, a perspectiva de uma cidade-cartão-postal ou cidade-panorâmica apresenta-

se como “um simulacro ‘teórico’ (ou seja, visual), em suma um quadro que tem como

condição de possibilidade um esquecimento e um desconhecimento das práticas

que o constituiram” (CERTEAU, 1994: 171). Ao passo que funciona como um cartão

de visitas, onde se mostra as belezas naturais, a organização da cidade, alguns de

seus marcos históricos e os monumentos.

Dessa forma, o caminhante-fotógrafo ao caminhar pela cidade ocupa o

lugar de alguém que observa à distância, demonstrando um consumo de uma

pessoa que não está imerso na geografia urbana que fotografa, capturando o que

deve ser visto como os elementos principais da cidade, do ponto de vista do que é

instituído. Essa série apresenta um itinerário construído pelo caminhante-fotógrafo,

que inicia pela manhã de um dado ponto da cidade e segue durante todo o dia até o

anoitecer no mesmo ponto de sua partida. Assim, as fotografias estão dispostas em

uma seqüência intencional para dar a idéia de um percurso.

Fotografia 1- IV Salão de 1998, Fotógrafo: José Meireles P Neto,

Título: sítio arqueológico e o Rio Poti, Categoria: amador.

95

A primeira fotografia, início da caminhada, aborda o Rio Poti com os

prédios de apartamentos do lado esquerdo e com a Ponte da Avenida Frei Serafim

ao fundo, é uma fotografia tirada do Sítio Arqueológico da Floresta Fóssil, nos dois

sentidos que essa expressão pode ter para um espaço urbano. São elementos

naturais e urbanos que se fundem nessa fotografia, no entanto não há a presença

de canoas ou pescadores, elementos típicos dessas águas.

A cidade-cartão-postal é limpa e insípida, perpassa uma subjetividade

capturada, próxima da de um gestor da cidade. Essa é a cidade em sua porção de

conceito urbano, da utopia urbanística, demonstrando uma sensibilidade típica da

belle époque – um projeto de cidade que tem seu momento de emergência no

século XIX. Portanto uma cidade instituída, que

à maneira de um nome próprio, oferece assim a capacidade de conceber e construir o espaço a partir de um número finito de propriedades estáveis, isoláveis e articuladas uma sobre a outra. Nesse lugar organizado por operações “especulativas” e classificatórias, combina-se gestão e eliminação. (...) Enfim, a organização funcionalista, privilegiando o progresso (o tempo), faz esquecer a sua condição de possibilidade, o próprio espaço, que passa a ser o não-pensado de uma tecnologia científica e política (CERTEAU, 1994: 173-174).

Fotografia 2 - IV Salão de 1998, Fotógrafo: Paulo Pinheiro Junqueira,

Título: Igreja do Amparo, Categoria: profissional.

96

Seguindo o percurso, a segunda imagem fabricada pelo caminhante-

fotógrafo é da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, situada no centro da cidade. No

conjunto das imagens que pontuam os principais marcos da cidade, essa fotografia

insinua sobre a importância da Igreja Católica na fundação e construção da história

de Teresina. Percebe-se que no momento específico dessa fotografia o caminhante-

fotógrafo está no chão e constrói sua imagem com a intenção de apresentar a igreja

enquanto poderosa, com uma cruz imensa e as grandes dimensões de sua

construção física, insinuando que os fies que passam a sua porta sentem-se

pequenos diante de seu poder e do poder de Deus. No entanto não há fieis na

fotografia, onde eles estão?

A Igreja de Nossa Senhora do Amparo, como marco fundador da cidade

ocupa importante destaque nos capítulos das histórias de Teresina, sendo uma

delas o trabalho de Maria Cecília S. de Almeida Nunes (2005), na qual constrói uma

discussão a partir de sua invenção pela perspectiva lendária, explorando a lenda de

Nossa Senhora do Amparo na relação com a população da Vila do Poti, com a

mudança da capital de Oeiras para Teresina, assim como, também, com a

transferência dos ritos religiosos para o centro urbano que se constituía. Retirando

da Vila do Poti o lugar dos acontecimentos religiosos, a autora expõe que

a lenda de Nossa Senhora do Amparo foi uma estratégia, uma forma fabulosa de dizer aquilo que era difícil de dizer. Um constrangimento entre o desejo do povo da Vila do Poti, com o desejo do poder instituído que a lenda transportou até nós, um movimento que nos foi dado a conhecer – dever dizer o mais comum dos segredos: o não do povo da Vila do Poti à nova Vila, capital do Piauí, Teresina (NUNES, 2005: 237)

Desse modo, a invenção de Teresina enquanto capital do Estado é

montada sobre bases planejadas que convergiram na sua construção, a

centralização não só dos poderes políticos, econômicos e administrativos, mas

também dos religiosos.

97

Fotografia 3 - IV Salão de 1998, Fotógrafo: Aureliano Muller,

Título: namorados e anjos, Categoria: profissional.

Dando continuidade ao caminho fotográfico traçado, o dia vai se findando

no por do sol por trás da cidade maranhense de Timom, do outro lado do Rio

Parnaíba. Assim através da necessidade e do desejo dos moradores das duas

cidades, Teresina e Timom, de ligar as suas atividades e de melhor estabelecer

seus trânsitos, a não conclusão de uma das pontes que hoje ligam essas cidades, a

Ponte da Amizade, tornou-se pretexto para que um artista plástico colocasse nas

bases da ponte inconclusa, esculturas que demonstrassem pessoas em provável ato

amoroso, ladeados pela presença da figura de um anjo. No caso da fotografia feita

pelo caminhante fotógrafo, essas figuras de metal que se enchem de vida ao

contemplar o pôr-do-sol, tornando-se quase humanas. Essas esculturas são o que

mais se aproximou da presença de pessoas nessa cidade. Assim, para uma cidade-

cenográfica, habitantes também cenográficos.

98

Fotografia 4 - IV Salão de 1998, Fotógrafo: José Meireles P Neto,

Título: ponte metálica, Categoria: amador.

O caminhante-fotógrafo ainda registrou o pôr do sol de Teresina sob o Rio

Parnaíba de um outro lugar, agora tendo a Ponte Metálica João Luís Ferreira como

mediadora. Assim, ao longo de algumas fotografias é forte a presença das pontes

enquanto construções que ligam lugares, que atravessam os rios, que proporcionam

a circulação e o movimento. No entanto, elas aparecem apenas como elementos de

arquitetura em uma maquete.

Dessa forma, as subjetividades de uma cidade e de seus habitantes se

constroem no atravessar das linhas molares e moleculares que constituem uma

cidade, nas relações que demarcam lugares e efetivam práticas, sejam elas

instituídas ou não. Nesse campo de flutuação semântica, que é a cidade, os

habitantes constroem suas subjetividades a partir dos agenciamentos que articulam

todas as matérias que se fazem presentes, materiais ou imateriais. Desse modo,

A subjetividade está em circulação nos conjuntos sociais de diferentes tamanhos: ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares. O modo pelo qual os indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois extremos: a relação de opressão, na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal como recebe, ou uma relação de expressão e de criação, na qual o indivíduo se reapropria dos componentes da subjetividade, produzindo um processo que eu chamaria de singularização (GUATTARI, 1996, p.33).

99

Logo, uma perspectiva cenográfica, simulada, arranjada por conceitos que

imobilizam a circulação do movimento e do tempo, estabelece pontos fixos e

engendram processos de subjetivação autoritários, tal como mencionado por Félix

Guattari. As imagens de uma cidade-cartão-postal operam na construção de um

marco na memória, na consolidação da estratificação da cidade como um cenário a

ser apenas observado, e não, usado. Como sugere a fotografia a seguir:

Fotografia 5 - IV Salão de 1998, Fotógrafo: Antonio Vieira da S Filho,

Título: beira rio luz, Categoria: amador.

Mas a noite chegou. É a hora estranha e ambígua em que se fecham as cortinas do céu e se iluminam as cidades. Os revérberos se sobressaem sobre a púrpura do poente. Honestos e desonestos, sensatos e insensatos, os homens dizem comigo: “Enfim, acabou o dia!” Os plácidos e os de má índole pensam no prazer e todos acorrem ao lugar de sua preferência para beber a taça do esquecimento (BAUDELAIRE, 1996: 23).

Nessa cidade vazia e sem lacunas para se inserir, sem corredores, becos

ou mesmo ruas, onde estão esses homens anunciados por Baudeleire, para onde

vão nessa cidade-cartão-postal? Sendo assim, ao final do dia o caminhante-

fotógrafo retorna ao seu ponto de partida, com o seu percurso de passos e

fotografias fabricadas. Ele percorreu alguns dos principais marcos identitários da

100

cidade que suturam os seus habitantes a ela e que constroem as suas identidades,

nesse caso, também como as imagens dessa cidade, fixas e cristalizadas.

Os elementos das fotografias-cartões-postais articulam a construção de

uma identidade cristalizada e naturalizada, que se afirma pelo caráter

unidimensional das experiências sociais, processando-se distante de outros arranjos

em torno da identidade, que articulam-se a partir de agenciamentos intersubjetivos e

pela encenação de diversos papeis sociais, provisórios e móveis (HALL, 1998).

O itinerário fotográfico fabricado pelo caminhante-fotógrafo aponta para

uma cidade-panorama ou cidade-cenário, que apresenta imagens estáticas e frias,

sem tensão, supostamente uma ilusão permeada por uma utopia urbanística. No

entanto, as fotografias insinuam que essa cidade oscila entre a metrópole e a

província religiosa e naturalista de belos pôr-do-sois. Uma cidade dividida entre o

futuro vertical e o correr horizontal das águas, que carregam os dejetos do presente,

suscitando futuras problemáticas entorno da preservação do Rio Poti. Inclusive

como condição de existência e permanência da imagem retratada no cartão-postal.

Desse modo, ao percorrer essa cidade, lembrei que alguns fotógrafos

também fabricaram suas cidades em uma perspectiva de vazio, o que pode ser

percebido na obra do fotógrafo francês Eugène Atget (1995). Mas estas contêm

lacunas para que o observador se sinta convidado a ocupar esse espaço em aberto

com sua imaginação, suas interpretações, especulações e rememorações. No

entanto, as fotografias dessa série não deixam espaço para que sejam penetradas,

nem por seus habitantes nem por qualquer pessoa que a observe, elas são

fechadas como um casulo. Entre rios, pontes, pôr-do-sois, igrejas e prédios de

apartamentos, existe uma cidade sem vida, sem multidão, sem habitantes, e se eles

existem estão muito bem escondidos.

Desse modo, o passeio apresentado pelo caminhante-fotógrafo, que

percorreu o dia até a chegada da noite, aponta para um consumo da cidade próximo

ao dos álbuns de vistas urbanas do final do século XIX e início do XX, como, por

exemplo, o Álbum Artístico Comercial do Estado do Piauí de 1910, uma perspectiva

cenográfica e panorâmica onde também não há pessoas, ações ou movimento,

predominando o estático e o imutável.

Como discutido na segunda bifurcação, esses álbuns eram atravessados

por uma perspectiva segundo a qual a cidade era o centro das atenções, das

interferências e dos discursos urbanísticos que davam corpo a novíssimas

101

estratégias de poder que transformaram a cidade em um projeto de disciplinarização

e dominação. Assim, referindo-se às fotografias do início do século XX, Maria

Mafalda Baldoíno de Araújo (2002) já se perguntava sobre onde estariam as

pessoas dessa cidade-cartão-postal, fruto das sensibilidades e interesses que

inauguraram o século passado.

Um outro dado pertinente sobre as fotografias do Salão e que entra em

consonância com a perspectiva de cidade apresentada nessa série, é quanto ao

consumo e fabricação da cidade de Teresina que dividem temporariamente as

edições. Percebi que nas edições em que o tema tinha alguma relação com a cidade

de Teresina, havia um predomínio de fotografias de cidade que apontavam para

uma cidade de aspecto físico correlato das identidades cristalizadas e desabitada.

No entanto, quando os organizadores do Salão, a Coordenação de Cinema, Vídeo e

Fotografia, deixaram de adotar temas para o evento, as fotografias em sua maior

parte passaram a incidir sobre uma cidade plural, habitada e apresentando seus

habitantes consumindo a cidade pelos mais variados modos. A essa questão bem

como a da série exposta, poder-se-ia perguntar sobre que concepção, ou idéia de

cidade atravessam os habitantes de Teresina? E mesmo, quais processos de

subjetivação permeiam o cotidiano dessas pessoas, fazendo com que elas

subjetivem Teresina desse modo?

3.2.2 – A cidade-binária ou a cidade-síntese

falos erguidos com janelas obliquas no ventre do labirinto de Dédalo:

a antena, é a espinha do peixe

que transmite a decadência pelas vísceras condutoras de energia. (GALVÃO, 2005: 147)

Novamente a seqüência das fotografias foi ordenada de tal modo a

orientar um percurso. O caminhante-fotógrafo marcou suas caminhadas em um lugar

específico da cidade, ou seja, do lugar de onde parou na série anterior. Uma área de

grande especulação imobiliária ocupada por prédios de apartamentos, construções

102

verticais que seguem as margens do Rio Poti, mais especificamente o bairro Ilhotas,

nos quais, seus moradores pertencem à classe média da cidade. Assim, os registros

fotográficos dessa série apontam para uma tensão de classes e para um conflito que

vem se repetindo na história de Teresina, entre as modernas moradias, belas e

planejadas, e os casebres que “teimam” em enfeiar a cidade. Contrariando os que

desejam eliminar a outra face do processo de modernização urbana.

Nessa série, as fotografias apontam que o caminhante-fotógrafo encontra-

se a altura do chão, fabricando suas imagens em profundidade, insinuando que o

que vem ao fundo, no caso, os prédios, suplantará o elemento que está em primeiro

plano, os barracos. As fotografias parecem indicar para duas possíveis situações:

uma de que existem dois universos distintos e compostos por práticas também

distintas, configurando um atrito dessas duas realidades na construção do espaço

urbano teresinense. Como conseqüência, a segunda é a face da desigualdade e

exclusão social provocada por uma possível luta de classes, que ao longo da história

de Teresina vem sofrendo os impactos dos processos de modernização da cidade.

A cidade anunciada é conflituosa, incidindo sobre ela os discursos da

modernidade, do progresso e da exclusão social. Desse modo, retomando a

discussão da primeira bifurcação, sobre a cidade enquanto campo de flutuação

semântica, as fotografias que seguem, exemplificam o atrito entre as linhas molares

e moleculares que constituem a cidade no seu entrelaçar. Como na fotografia a

seguir:

103

Fotografia 1 - II Salão de 1996, Fotógrafo: Antônio Pires Soares

Título: uma ponte dois mundos, Categoria: amador.

A fabricação desta fotografia captura duas formas distintas de moradia,

tendo entre elas uma ponte, que pela sua posição na imagem não está em condição

de ligação, uma de suas principais funções. Mas numa perspectiva de divisão,

apartando dois mundos. A posição em que a ponte se encontra mais parece um

grande muro. Como expresso em seu título “uma ponte, dois mundos”, o

caminhante-fotógrafo insinua que a ponte está separando o feio do bonito, o atraso

do progresso, provocando uma relação de ambivalência. Dividindo mais que

universos físicos, mas também práticas sociais e valores.

Essa fotografia faz lembrar a cidade de Bersabéia sobre a qual o Marco

Pólo de Ítalo Calvino conta a seguinte história:

em Bersabéia, transmite-se a seguinte crença: que suspensa no céu existe uma outra Bersabéia, onde gravitam as virtudes e os sentimentos mais elevados da cidade (...). Fieis a essa crença, os habitantes de Bersabéia cultuam tudo o que lhes evoca a cidade celeste: acumulam metais nobres e pedras raras, renunciam ao efêmero, elaboram formas de composta compostura. Também crêem, esses habitantes, que existe uma outra Bersabéia no subterrâneo, receptáculo de tudo o que lhes ocorre de

104

desprezível e indigno, e eles zelam constantemente para eliminar da Bersabéia emersa qualquer ligação ou semelhança com a gêmea do subsolo (2003: 107).

A relação que a fotografia suscita, corrobora com a descrição de Ítalo

Calvino. Os prédios ao fundo expressam, imageticamente, a pretensão de alcançar

o céu, enquanto, no primeiro plano, uma moradia triste e antivoluptuosa parece ter

sido construída com os restos daquele outro mundo. Dois mundos que se

completam pela exclusão de um no outro e pela luta de não se reconhecerem.

Seguindo os passos e os olhares do caminhante-fotógrafo, uma outra

imagem é apresentada:

Fotografia 2 - II Salão de 1996, Fotógrafo: Paulo Ricardo Rocha,

Título: estropício, Categoria: profissional.

Se na primeira fotografia há uma separação de mundos e cada uma das

habitações encontram-se em lados opostos do Rio Poti, nessa os prédios e o

casebre estão do mesmo lado. A fotografia dá a impressão de que o prédio, ao

fundo, com sua envergadura, está empurrando o casebre. uma imagem do

abandono, expressiva da luta existente nessa região da cidade. uma batalha que se

pratica com uma grande disparidade entre as duas forças. Uma luta que permeia

105

articulações institucionais e capitalistas, e a resistência na dimensão política do

cotidiano. Assim as linhas molares e moleculares estão entremeadas em seus

movimentos, não há nada dividindo esses mundos de habitações distintas. Essa

fotografia indica que as construções modernas ao fundo, estão a suplantar a

construção modesta, a sua frente, e seus moradores, expulsando da região uma

determinada população. Logo, relacionando o conteúdo da fotografia à história do

desenho urbano de Teresina e os discursos e práticas que o organizaram, Alcides

Nascimento acrescenta que “o ordenamento da cidade, realizado de forma

autoritária, é excludente e está relacionado com o afastamento dos pobres da zona

urbana” (2002: 218).

Tal situação, é semelhante à de outros tempos, como os momentos

trabalhados por Alcides do Nascimento ao longo do século XX sobre os processos

autoritários e excludentes de modernização da cidade – como exposto na primeira

bifurcação. É como se existisse uma continuidade a discussão das casas de palha e

o embelezamento e planejamento da cidade, bem como aos embates entre poderes

instituídos e habitantes ordinários. O exemplo desta série demonstra uma questão

que permanece na história dessa cidade e que é constantemente reatualizada

através de novas práticas de organização do espaço urbano e de exclusão social.

A discussão construída por Francisco Alcides Nascimento (2002), por

exemplo, sobre os casos de incêndio na cidade de Teresina na década de 1940,

demonstra uma limpeza social na cidade, tal como, a expulsão das populações

carentes de determinadas áreas do perímetro urbano, a fim de que esses espaços

se tornem propícios para a ocupação de moradias salubres e formatadas segundo

leis e saberes modernos. Por esse viés a perspectiva do fogo parece retornar a

história dessa cidade. Se no passado o fogo foi o instrumento de expulsão, hoje

essas práticas são mais sofisticadas e vorazes, tendo ressonância na especulação

imobiliária. No entanto, os discursos do belo, do progresso da “Teresina Cidade

Futuro”, que a tanto tempo permeia os sujeitos que habitam essa cidade estão

intrinsecamente ligados as práticas de exclusão que reatualizam seus mecanismos,

investidos por um outra roupagem.

O tema da fotografia aliada ao seu título, “estrupício”, mostra que nesse

caso, o caminhante-fotógrafo agrega sentido à fotografia apresentando como

negativa a presença do casebre. Assim, ele está a insinuar, que ali não é o lugar

para aquela casa, não é o lugar para uma habitação feia, insinua também que

106

aquela não pertence ao universo do bem morar e do bem estar. O estrupício é o

símbolo do atraso, algo feio, mal feito e fora dos conceitos de habitação salubre.

Alcides do Nascimento ao se portar aos processos de modelização do espaço

urbano empreendidos ao longo da história de Teresina esclarece que

a cidade, ao ter o espaço urbano modernizado e com maior visibilidade, expulsa os mais pobres para áreas periféricas, sem criar meios para atender às suas demandas, o que não significa necessariamente que os pobres não resistam, até mesmo usando os espaços modernizados (NASCIMENTO, 2007: 211).

Logo, o olhar do caminhante-fotógrafo sobre esta situação, apresenta-se

com uma perspectiva dúbia, oscilando entre uma subjetividade que se processa no

âmbito dos discursos de progresso e modernização da cidade, uma subjetividade

capturada, ou como uma linha de fuga, que escapa ao mesmo tempo que resiste.

Essa discussão é permeada pelos elementos de que fala Michel de Certeau (1994)

ao se referir a Cidade-conceito, como de um espaço organizado racionalmente, de

um tempo controlado e estável, muito bem alinhado e determinado por um sujeito

não diferenciado, e portanto, serializado, anônimo na multidão. Assim,

nessa cidade-conceito, a morfologia – o traçado, as edificações, a infra-estrutura – é a categoria que permite elevar um dos aspectos do fato urbano à condição de totalidade. A conseqüência mais imediata desta operação é o achatamento da pluralidade de práticas sociais que interagem no espaço urbano através dos dispositivos coercitivos e disciplinadores dos planos e planejamentos urbanos. Os códigos de postura são os instrumentos dessa ação disciplinadora e que acaba por criar uma massa de excluídos dessa cidade modelada (CARVALHO; LIMA, 1998: 119).

Novamente a câmera do caminhante-fotógrafo produziu um outro registro

que dá corpo a essa discussão:

107

Fotografia 3 - IX Salão de 2003, Fotógrafo: José Viana de Moura, Título: sem título, Categoria: amador.

Nessa fotografia, a diferença encontra-se apenas no recorte da paisagem

pelo enquadramento do caminhante-fotógrafo. O que chama a atenção é a lacuna

existente. O espaço vazio convida o observador a preenchê-lo com a sua

imaginação. Ao passo que suscita a possibilidade de ser ocupado por um prédio, tal

como o que se encontra ao fundo na fotografia, indicando que aquela moradia

possivelmente desaparecerá, para dar lugar a uma construção vertical. Ao anunciar

imageticamente que essa construção não deveria estar aí, pois não há espaço para

barracos na atual configuração da cidade, como também não existia para as casa de

palha na década de 1940 no centro da cidade.

A essa relação existente entre as linhas molares e moleculares, ou entre a

cidade planejada e os usos e consumos feitos por seus habitantes, Gilberto Velho

(2002) atenta para os projetos de cidade que são colocados em prática pelos

discursos tecnocráticos e empresariais, que articulam saberes científicos e

interesses imobiliários. Projetos estes, que têm suas bases calcadas no modelo de

modernização empreendido nas cidades européias no século XIX, que em sua maior

parte, promoveu políticas de exclusão social e de destruição das “sujeiras” que o

108

passado acumula, produzindo as rugosidades, as nuances, a memória, ou seja, os

sentidos produzidos a partir dos fazeres cotidianos das populações. Desse modo,

o planejamento urbano, apoiado em uma engenharia social que ignora ou menospreza a dimensão simbólico-cultural, a experiência e identidades particulares, acaba gerando monstruosidades autoritárias, ainda por cima, ou por isso mesmo, ineficientes. Por outro lado, o culto e a reificação do mercado também atropelam, por sua vez, os interesses e valores de setores e segmentos sociais de menor poder político e econômico (VELHO, 2002: 41).

No entanto, é enganoso pensar que a vida de uma cidade está somente

sob a claridade proporcionada pela luz da ciência e dos postes de iluminação

pública; pelo planejamento geométrico dos quarteirões, da linearidade das ruas e

avenidas, que de tão retas e longas não se vê o seu fim. Há um esforço para se

construir uma cidade do bem estar, para que os indivíduos não se estranhem com

os seus espaços e que de tempos em tempos ela é novamente atualizada por uma

nova utopia urbanística, relegando a escombros e a aterros sanitários, toda uma

história microscópica, toda uma produção de sentido e espaços que são referências

identitárias para muitas populações. Dessa forma, o consumo da cidade feito pelo

caminhante-fotógrafo e o seu fabricar imagético, indica que

hoje, seja quais forem os avatares desse conceito, temos de constatar que se, no discurso, a cidade serve de baliza ou marco totalizador e quase mítico para as estratégias sócio-econômicas e políticas, a vida deixa sempre mais remotar àquilo que o projeto urbanístico dela exclui. A linguagem do poder “se urbaniza”, mas a cidade se vê entregue a movimentos contraditórios que se compensam e se combinam fora do poder panóptico (CERTEAU, 1994: 174).

Os discursos tecnocráticos procuram impor um único modo de subjetivação,

excluindo o que acredita ser destoante de seus projetos urbanísticos, dos seus

modelos de habitação e da ocupação do espaço urbano. Por outro lado, “o que torna

a cidade habitável não é tanto sua transparência utilitária e tecnocrática, mas antes

a opaca ambivalência de suas estranhezas” (CERTEAU, 1996: 191). Mais

precisamente, são as diversas apropriações subjetivas dos espaços que fazem

fervilhar suas possibilidades. Nesse sentido, Félix Guattari explica que

a cidade produz o destino da uma humanidade: suas promoções, assim como suas segregações, a formação de suas elites, o futuro

109

da inovação social, da criação em todos os domínios. Constata-se muito frequëntemente um desconhecimento desse aspecto global das problemáticas urbanas como meio de produção de subjetividade (1992:173).

Seguindo a aventura do caminhante-fotógrafo e as suas fotografias, é

possível perceber a construção do espaço urbano, tecida pela existência de vetores

que constituem as linhas de força da cidade. Sendo alguns destes, o poder

institucional (gestores da cidade), os representantes do capitalismo (promotores

imobiliários e empresários), os saberes científicos (urbanístico e sanitarista) e os

seres ordinários com suas práticas cotidianas (usos e consumos do espaço). Essas

linhas de força se cruzam, se agrupam, se fundem e também produzem bifurcações,

tangenciam, desalinham. Essa movimentação de interesses e desejos fabrica e

deforma espaços, instaura cenários: fabrica uma geografia urbana.

Assim, observa-se que há um continuísmo referente à organização e às

práticas que movimentam as linhas de força no desenhar do espaço urbano de

Teresina no decorrer de sua história. Como na série anterior, a cidade-cartão-postal,

percebe-se que até esse instante sua subjetividade está alinhada ao dos saberes

que instituem a cidade como um espaço dos cálculos matemáticos e dos discursos

disciplinares, que organizam os espaços físicos e os corpos dos seus habitantes.

Seja na cidade homogênia do não uso, ou na cidade da especulação imobiliária e

das práticas de exclusão, o caminhante-fotografo demonstra através dessas

fotografias a existência de subjetividades que permanecem e coexistem, seja a do

discurso utópico urbanístico, seja pela dualidade que permeia todo os movimentos

sociais do século XX entorno das lutas de classe, entre pobres e ricos, patrões e

operários, direita e esquerda.

O consumo adotado pelo caminhante-fotógrafo nessa série demonstra

uma perspectiva comparativa, entre o atraso e o progresso, sobre antigas práticas

de moradia e novíssimos modelos verticais. Uma sensibilidade dualizada que não

aponta outras alternativas, não diferindo das subjetividades presentes nos álbuns

comparativos, publicados sobre Teresina, tais como: Teresina Ontem e Hoje (1992)

e Therezina-Teresina (1994). Ambos apresentam percepções binárias que capturam

a oposição precário e moderno, passado e presente, de tal modo que fazem o

passado tornar-se presente, decorrente da abordagem desse olhar que registra um

embate social entre pobres e ricos.

110

Os dois livros são álbuns comparativos de vista urbana, compêndios de

imagens da cidade de Teresina, ordenados de tal modo que constroem uma

narrativa homogênea levando a um passeio, percorrendo as suas primeiras

construções e prédios públicos até uma arquitetura e organização do espaço

moderno. Existe uma forte relação com a preservação de uma cidade que tende a

desaparecer e com ele os resquícios de um passado. No entanto, essa discussão é

construída pela perspectiva dual, uma relação que também é oposição, entre

passado e presente, o ontem e o hoje, preservação versus destruição. Assim, a

relação entre a série fotográfica apresentada e as duas publicações apanhadas

como exemplos, demonstram que a perspectiva dual é uma das formas de consumir

a cidade compartilhada por parte de seus habitante, ao mesmo tempo em que

compõe sua percepção e sua sensibilidade.

3.2.3 - A cidade-híbrida ou contra-usos da cidade

bifurcações temporárias no predicado das cidades:

bricolagem de arquiteturas móveis nos ecos polifônicos irradiados pela multidão.

(GALVÃO, 2005: 147)

Ao acompanhar o caminhante-fotógrafo na sua aventura por Teresina, nesse

momento, ele está embrenhado na cidade, se misturando aos acontecimentos e

ações que o rodeiam. Ele está consumindo e fabricando uma cidade que é ocupada

por pessoas, diferentemente das ocasiões anteriores. Essas pessoas estão na

posição de agentes que interferem e participam na construção do espaço físico e

visível da cidade. Essas pessoas comuns e anônimas estão praticando o espaço

urbano, ocupando-os com barracas de camelôs, bancas de verduras e com panos

que expõem artesanatos – é a captura de uma cidade que vibra.

A essas movimentações e possibilidades, Félix Guattari comenta que “as

cidades são imensas máquinas – megamáquinas, para retomar uma experiência de

Lewis Mumford – produtoras de subjetividade individual e coletiva” (1992:172).

Assim, diferentemente das séries anteriores, que ora apresenta uma cidade fria e

111

estática, e em outro instante, uma cidade dual e limitada em suas alternativas. Essa

é uma cidade híbrida, polifônica e que aponta para contra-usos, nos quais,

diria que as “táticas”, quando associadas à dimensão espacial do lugar, que as torna vernaculares, se constituem em um contra-uso capaz não apenas de subverter os usos esperados de um espaço regulado como de possibilitar que o espaço que resulta das “estratégias” se cinda, para dar origem a diferentes lugares, a partir da demarcação socioespacial da diferença e das ressignificações que esses contra-usos realizam (LEITE, 2004: 215).

O que se vê a seguir são táticas subversivas que delinqüem as

orientações dos códigos de posturas e os planejamentos urbanísticos, traçados em

gabinetes e escritórios do prédio da prefeitura que dá a ver a Praça Marechal

Deodoro da Fonseca. Desse modo, as lentes do caminhante-fotógrafo capturam os

sujeitos que participam do universo microscópico das práticas cotidianas, insinuando

que os corpos dessas pessoas, enquanto arquiteturas móveis contrastam com

aquelas das séries anteriores móveis e estáticas. A montagem desta série obedeceu

além do tema, o ângulo e enquadramento das fotografias, de tal modo que

proporcionasse a sensação de que a cada novo instante o caminhante-fotógrafo

estivesse aproximando, por meio do zoom, a realidade capturada. Até que se

percebesse as marcas do corpo de um desses sujeitos.

Fotografia 1 - II Salão de 1996 – Fotógrafo: Darci Junior,

Título: sem título, Categoria: profissional.

112

Na primeira fotografia da série, o alvo do caminhante-fotógrafo são as

barracas de camelôs, o seu colorido e sua disposição linear. A sua posição é de

quem está do alto, mas não muito distante, e consegue produzir uma visão

macroscópica em que o ângulo da imagem proporciona a idéia de profundidade e

seqüência das barracas ao longo do Calçadão da Rua Simplício Mendes e de

pessoas que transitam e consomem produtos sem nota fiscal. Uma ação

duplamente subversiva, tendo em vista que estes camelôs ocupam com barracas

um lugar de passagem de pedestres, configurando uma deformação do espaço.

Essa rua, como muitas outras do centro da cidade, que no passado se configuravam

como vias de trânsito de automóveis, hoje estão ocupadas por barracas de camelôs,

contrariando o projeto funcionalista que deu origem a Teresina. O que me fez

lembrar de um poema do Pablo Neruda:

Contarei que na cidade vivi/ em certa rua com nome de capitão,/ e essa rua tinha multidão/ sapateiros, venda de licores,/ armazém repletos de rubis./ Não se podia ir ou ouvir,/ havia tanta gente/ comento ou cuspindo ou respirando,/ comprando e vendendo trajes./ Tudo me pareceu brilhante,/ tudo estava acesso/ e tudo era sonoro/ como para cegar ou ensurdecer (1997: 26).

Assim como no poema as práticas neste espaço, efetivadas pelos camelôs

e transeuntes, o transformaram em um lugar, com produções de sentidos e

referências que identificam e territorializam esta rua do centro da cidade, tornando-

se um marco de reconhecimento para a população de Teresina. Um cartão-postal às

avessas, marcada não pelo uso “devido” da cidade, mas por diferentes e variados

contra-usos.

Na mesma fotografia, comporta o letreiro e as vitrines das lojas do

comércio “legal” da cidade, e as dinâmicas das barracas do comércio “ilegal”, que

vendem produtos contrabandeados sem nota fiscal. Essa é uma oportunidade de

observar as linhas e fluxos que compõe a cidade e que a efetivam como tal. Tendo

em vista que uma de suas condições primordiais é a diversidade de usos, de

práticas e de ocupações do espaço. Contrastando com as séries anteriores, nessa

cidade-híbrida ou dos contra-usos, o conflito existente permeia os movimentos de

territorialização e de desterritorialização, de captura e escape. Não se funda na

dualidade de dois opostos, ao passo que aponta para misturas e para polifonia. Para

a condição de um Baú de Miudezas, cheio de situações e movimentos que se

113

combinam, se repelem, que passam ao lado, tecendo uma trama sofisticada de

micro-poderes que desenha a geografia informacional e o visível da cidade, como na

próxima fotografia.

Fotografia 2 – IX Salão de 2003, Fotógrafo: Francisco das Chagas Viana Veloso,

Título: verdureira na calçada, Categoria: Amador

Observando a cidade de Teresina para além da perspectiva geométrica

de um tabuleiro de xadrez17, é possível perceber que ela se apresenta como um

labirinto, com passagens secretas, atalhos e vários andares recheados de

significados e ambigüidades. Nesse momento, a cidade está sendo percebida a

partir de Michel de Certeau, ao pontuar que ela se inventa nas práticas de seus

caminhantes, para além da disciplina do olhar panóptico do poder, realizando-se nas

curvas da ordem disciplinar,

mais “embaixo” (down), a partir dos limiares onde cessa a visibilidade, vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma elementar dessa experiência, eles são caminhantes, pedestres, cujo corpo obedece aos cheiros e vazios de um “texto” urbano que escrevem sem poder lê-lo. Esses praticantes jogam com espaços que não se vêem (CERTEAU, 1988: 171).

17 A discussão entorno do traçado das cidades conhecido como tabuleiro de xadez diz respeito a uma proposta de planejamento urbano retilíneo e objetivista, que emergiu na história das cidades, no período da administração de Haussmam na França no século XIX. Essa imagem da cidade de Teresina pode ser percebida em mapas que datam da década de 1920 (NASCIMENTO, 2002).

114

Desse modo, na segunda fotografia, o caminhante-fotógrafo está ao nível

do chão, olhando diretamente às mulheres que ocupam uma calçada com verduras

e frutas. O olhar do fotógrafo se detêm em um ângulo curto e com pouca

profundidade, diferentemente da anterior. O colorido das frutas e verduras saltam

aos olhos. No uso deste espaço as pessoas não estão fincadas no chão, podem

hoje estar em um lugar, o da fotografia, e amanhã em outro, migram para onde

acreditam ser os melhores lugares para a venda de seus produtos. Efetivam-se

como uma arquitetura móvel, ao mesmo tempo que precária e provisória. Essas

pessoas realizam práticas espaciais que driblam os mecanismos da Cidade-

conceito, reinventam a cidade-cenográfica que se constrói em um entre que escapa

das ciladas da cidade-binária.

Fotografia 3 - IX Salão de 2003, Fotógrafo: Marcelo C. Braz,

Título: arte na praça, Categoria: amador.

A terceira fotografia é um recorte bastante específico, neste caso o foco

da máquina captura especificamente um sujeito que está trabalhando na Praça Rio

Branco, fazendo suas bijuterias e expondo-as em um mostruário para quem passa,

já que esse é um lugar de passagem e onde as pessoas param para sentar nos

115

bancos e descansar. Curioso que atrás do hippie que trabalha de modo

independente e alternativo, não paga impostos e nem tem nenhum direito trabalhista

e vínculo empregatício, existe o letreiro de uma das maiores lojas do comércio de

Teresina. Na mesma fotografia coexistem os elementos do universo do trabalho

“legal” e do que tangencia, fugindo a norma.

Essa fotografia é um amálgama de elementos contraditórios, ambivalentes e

distintos, que se agrupam fugazmente, apenas por alguns instantes e através do

olhar e das lentes do caminhante-fotógrafo. É uma colagem de elementos da

geografia urbana – o letreiro da loja, ao fundo, que representa o capital e o hippie,

figura símbolo dos movimentos alternativos de contestação nas décadas de 1960 e

1970 – na construção de uma imagem híbrida.

A opção de colocar as três imagens nesta seqüência é para dar a idéia de

mergulho, descer do alto e se misturar com o que está em baixo, ao ponto de

perceber o artesanato do hippie e suas tatuagens gravadas em seu corpo, que

dizem sobre sua existência singular.

Desse modo, os camelôs, as verdureiras e os hippies, demonstram

práticas dos habitantes desta cidade e formas de ocupação que deformam seus

espaços, dando a eles vida ao invés de um aspecto cenográfico. Assim, onde seria

um passeio público, se tornou um tumultuado corredor de barracas coloridas; onde

seria uma calçada para o trânsito de pedestres, tomou a forma de um mercado a

céu aberto; e onde seria uma praça, lugar usado para o lazer e a contemplação, se

transformou em espaço de trabalho de algumas pessoas.

Segundo Michel de Certeau, essas práticas constituem uma retórica.

Assim, “a arte de “moldar” frases tem como equivalente uma arte de moldar

percursos. Tal como a linguagem ordinária, esta arte implica e combina estilos e

usos” (CERTEAU, 1994: 179). Da mesma forma, também ocorre com as fotografias.

Uma seqüência ou séries fotográficas indicam percursos e modos de consumos dos

espaços registrados, bem como o lugar ocupado pelo caminhante-fotógrafo no ato

de fotografar, se do chão, do alto ou se de outra circunstância. Assim como, o de

sua subjetividade.

A seqüência dessas fotografias leva a um mergulho nas práticas

cotidianas de pessoas que usam a cidade como suporte para suas práticas de

caminhadas, para se expressar, para consumir, para viver e sobrevivência. logo, as

fotografias dessa série apresentam uma Teresina em que os usos dos seus

116

espaços, ou contra-usos, produzem um amalgama de vozes, formas e práticas

cotidianas. Demonstram também um conflito entre a organização cartesiana e a

apropriação que seus habitantes realizam, tornando-a potente em sua condição

polifônica, através dos sons e do burdurinho das vozes que através dos relatos a

(re)inventam, que a capturam como campo de interlocução e de experiências

sensíveis e sensitivas. Ou seja, em seu caráter babélico, de misturas e de

diversidade, que fissura a rigidez da cidade dos prédios e dos mapas.

E talvez não seja exagerado dizer que Babel expressa também a ruína de todos os arrogantes projetos modernos e ilustrados, com os quais o homem ocidental quis construir um mundo ordenado à sua imagem e semelhança, à medida de seu saber, de seu poder e de sua vontade, por meio de sua expansão racionalizadora, civilizadora e colonizadora (LARROSA & SKLIAR, 2001: 8-9).

Essas práticas babélicas inventam passagens e caminhos, constroem

percursos de usos, configuram um conjunto de vozes e sons, tais como os do

musico Hermeto Pascoal. Um experimentalismo que se processa por intermédio do

fazer diário, em que os sujeitos são interpelados pelas subjetividades que permeiam

as maquinarias da cidade. E é necessariamente dessas práticas, que o caminhante-

fotógrafo e os demais habitantes da cidade, constroem seus modos de existência,

mediados pela condição da pluralidade, que “deriva do fato de que o que há são

muitos homens, muitas histórias, muitos modos de racionalidade, muitas línguas e,

seguramente, muitos mundos e muitas realidades” (LARROSA & SKLIAR, 2001: 17).

Bem como, cidades.

As fotografias dessa série demonstram que das três cidades apresentadas

esta é a única que mostra Teresina em sua porção de movimento e mistura,

processos híbridos e apropriações, no fervilhar e pulsar da vida. Desses usos,

consumos e ocupações espaciais, a cidade em sua condição polifônica fissura

qualquer cidade do tipo panorâmica ou dual, sobre a qual se pode domesticar e

calcular os passos a serem seguidos ou às práticas a serem realizadas. Em uma

cidade-híbrida a sua realização é criadora, os seus caminhos inventados e as

apropriações dos seus habitantes dão vida ao teatro dos fragmentos.

Desse modo, a cidade-híbrida não é um texto inerte. Ela não é um

panorama totalizante a ser lido unilateralmente, mas antes, e também, ser praticada,

vivida, usada, como demonstra as fotografias – um texto móvel, com a potência de

117

suas futuras inscrições. Assim, “a nova grande cidade, com seus incessantes fluxos

comunicativos, modela e reproduz a fragmentação e a justaposição dos cenários

contemporâneos pós-modernos” (CANEVACCI, 1993: 81)

A cidade em seus fragmentos-protozoários, micrologias que só são

percebidas da posição de quem se coloca no chão, apresenta um espetáculo em

que muitos pápeis são representados. Nessa cidade pós-moderna, a verticalização

visual e material dos prédios, contrasta com a dissolução das práticas sociais

urbanas que se estendem como um rizoma: uma aparente desordem a reinventar a

decrépita ordem hierarquizada e modelada em escritórios. Lugar de onde não se

enxerga os mapas de intensidade, os passos desconcertantes, os becos, assim

como, a vida e as produções de sentidos que vibram nesses entremeios. Desse

modo, a cidade

só existe em função de uma circulação e de circuitos; ela é um ponto assinalável sobre os circuitos que à criam ou que ela cria. Ela se define por entradas e saídas. É preciso que alguma coisa aí entre e daí saia. Ela impõe uma freqüência. Ela opera uma polarização de matéria, inerte, vivente ou humana; ela faz com que o phylum, os fluxos passem aqui ou ali, sobre as linhas horizontais (DELEUZE & GUATTARI, 1997: 122).

Essa cidade caótica do cotidiano, da desordem das calçadas, da

ocupação das praças por hippies, artesões e desempregados apresenta-se distinta

daquelas outras, das paisagens acépticas ou da existência binária. Diferencia-se dos

mapas que indicam lugares fixos, nomes próprios e dimensões geométricas exatas.

A cidade-híbrida ou dos contra-usos, aponta para uma possibilidade de existência

em que a cidade é consumida antropofagicamente, na qual, seus habitantes-

caminhantes deformam sua exatidão, sua higiene, invadindo os espaços intocados,

mudando o curso das calçadas e interrompendo ruas.

Assim, a cidade apresentada como um campo de flutuação semântica se

fabrica nas práticas de seus habitantes, ao produzirem um variado repertório de

sentidos, que não são outra coisa “senão o inesgotável do significado, o disperso,

confuso e infinito do significado, ou dito de outra forma, o movimento vertiginoso do

intercâmbio, do transporte e da pluralidade do significado” (LARROSA & SKLIAR,

2001: 8). São essas produções de sentido no cotidiano que caracterizam a cidade-

híbrida como palco de estilos de vida, de modos de existência e de que as

118

subjetividades existentes nessa cidade diferem das que permeiam as cidades

apresentadas nas séries anteriores.

Relacionando essa série a outras experiências do universo fotográfico

teresinense, o livro Teresina de Paulo Gutemberg de Carvalho Sousa (2004) é um

inventário imagético de Teresina, que mescla fragmentos de sua arquitetura e das

pessoas que ocupam os seus espaços. O autor brinca com as imagens que são

possíveis de serem fabricadas pela cidade, através de recortes que exploram o

amalgama de informações e as misturas proporcionadas pela diversidade da

linguagem urbana. Existe aqui, uma subjetividade que escapa a dos livros Teresina

Ontem e Hoje e Therezina/ Teresina e que é semelhante a da série discutida.

Desse modo, a perspectiva do autor-fotógrafo do livro Teresina, é da

multiplicidade que a cidade oferece aos olhos de seus caminhantes, tais como,

recortes obtusos da paisagem cotidiana. Um consumo diversificado que aponta para

a cidade enquanto potência de informação e de riquezas ao olhar que circula e

passeia por suas nuances, seus reflexos e suas formas.

Logo, as séries apresentadas são itinerários fotográficos capturados por

olhares que passearam e circularam consumindo o tecido visível de Teresina. São

elementos do Baú de Miudezas que dão corpo ao campo de flutuação semântica de

que pertencem às produções de sentidos dos seus habitantes, realizadas nos entres

do cotidiano. O movimento como condição primordial das cidades provoca misturas,

processos heterogêneos através da montagem e colagem das línguas envolvidas no

universo urbano – fabricam elementos híbridos e engendra processos de

subjetivação, pondo em circulação Teresinas.

Após percorrer esse percurso de imagens e palavras é possível observar

que o conhecimento sobre o presente, ou seja, suas práticas e subjetividades, não

se da apenas através de experiências diretas e pessoais. As Teresinas discutidas

aqui foram construídas através de informações advindas de caminhadas, fotografias,

leituras e relatos orais de um universo que sutura um universo contemporâneo com

o passado, não constituindo-se o resultado em nenhuma das duas margens do rio,

mas sim na terceira margem como diriam Durval Muniz de Albuquerque Jr (2007)

através de Guimarães Rosa, ou seja, o meio de uma experiência, de uma prática

como explica Michel Foucault ao se referir a história.

O acervo do Salão Municipal de Fotografias e as demais fotografias

consultadas, tais como: publicações de álbuns de vistas urbanas, álbuns

119

comparativos e cartões-postais, apontam para um universo citadino que misturam

experiências da ordem empírica das caminhadas, da visitação de exposições e da

consultas de livros. Instâncias que fabricam as experiências coletivas diante de uma

cidade, que fazem conhecer as possibilidades do vim a ser de suas histórias.

120

Desenhando uma travessia, algumas considerações

Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei.

Manoel de Barros.

As palavras de Manoel de Barros apontam para dois momentos distintos

dessa travessia. Uma deles, a da dificuldade de se escrever sobre uma temática

incomum e inusual entre os historiadores; e a outra, a do silencioso momento da

leitura e da escrita, por vezes atravessado por músicas. Inspirando-se nessa

passagem de Manoel de Barros e nos poemas de outros tantos poetas escolhi a

aventura de percorrer os becos escuros, os territórios promíscuos, as vielas sujas e

às vezes sem saída, às avenidas iluminadas e por onde muitos haviam passado,

reiterando as mesmas posturas, formulas metodológicas e discursos. Ao invés do

sabor corriqueiro oferecido, preferi experimentar um gosto novo, a fim de inventar

mais uma possibilidade. Diferentemente de um método escolhi uma atitude, a de

inventar o meu próprio caminho, seguindo rua após rua ouvindo nos headphones

uma música do Raul Seixas em que ele diz: “não sei onde estou indo mas sei que

estou no meu caminho, enquanto me criticam estou no meu caminho”.

Este é o instante de falar sobre um percurso que foi desenhado, de uma

cidade construída com palavras e fotografias. No entanto, a caminhada continua

pela cidade e rumo a outras. Estas palavras não configuram propriamente um fim,

mas o momento de uma travessia que foi provisoriamente concluída, existindo ainda

tantas outras.

O que fiz ao longo de dois anos foram escolhas que obedeceram ao meu

gosto, ao meu desejo. Portanto, fabriquei, novos elementos para o Baú de

Miudezas, que vêm a se juntarem com os demais, na composição do um campo de

flutuação semântica. Assim, este trabalho é uma possibilidade dentre tantas, é uma

voz que vem a encorpar o corro da polifonia citadina e uma contribuição para os

estudos que abordam a cidade pela perspectiva da subjetividade.

Acredito que o conjunto deste trabalho funcione de tal modo a dar conta

das questões levantadas, de modo que, o formato de cada bifurcação consegue

responder por si a questões distintas: a 1°, a questões da cidade e de suas

121

abordagens; a 2° a experiência fotográfica no Brasil e em Teresina e a 3° a

fabricação imagética de Teresinas. As 3 bifurcações constituem um labirinto,

composições de caminhos: linhas e fluxos que desenham experiências e

subjetividades heterogêneas.

A fotografia é a retenção de um acontecimento, por vezes sem

importância, e que em algumas situações, só tem a duração da insignificância de um

instante. Mas o que seria algo imperceptível torna-se visível e apreensível, por conta

da percepção do olho e do registro feito através da máquina fotográfica, convertendo

o insignificante em conhecimento através dos fragmentos que passam ao lado, sem

serem notados. Assim, o caminhante-fotógrafo é um vasculhador da Cidade-Baú-de-

Miudezas e que agrega a ela mais elementos, muitas vezes, fantásticos. Esse

caminhante-fotógrafo é um inventor, ele fabrica imagens a partir da luz e do seu

oposto, a sombra, não fazendo de sua prática um ato de coletar.

Sendo assim, plasticamente a cidade é um impacto informacional e o lugar

do olhar, por onde ele viaja e circula. É por esse passeio do olhar, mediado pelos

demais sentidos, que o olho se apresenta como um importante instrumento para se

apreender as informações do espaço urbano, decodificando-os pelo contato visual

das formas, as texturas e as cores da cidade. A utilização de fotografias para

explorar o cotidiano de uma cidade é a seqüência dessa viajem do olho, só que, pela

experiência do outro, na medida que este, faz o registro pela câmera fotográfica. É

como explica Lucréssia de d’Aléssio Ferrara, ao afirmar que a utilização da máquina

fotográfica “estabelece um estranhamento entre o espaço ambiental e seu uso

habitual, permitindo, então explicar, não só a imagem da cidade, mas a seleção dos

seus ângulos claramente relacionados com o cotidiano” (1998:77).

Pensando nisso, ler fotografias tem algo a ver com a aventura de percorrer

labirintos de signos, guiado pelo desejo, não de encontrar a verdade da imagem ou

de decifrar um enigma, mas de descobrir que ela guarda vários possíveis.

Apropriando-se do que Jorge Larrossa explica sobre o que seria um processo de

leitura como tradução, faz-se necessário lembrar que, essa perspectiva pode ser

aplicada a qualquer modalidade de linguagem, inclusive a fotografia. Tendo em

vista que a leitura é uma operação que se dá “entre as línguas, e entre línguas, além

do mais, que levam em si, todas e cada uma delas, as marcas babélicas da

pluralidade, da contaminação, da instabilidade e da confusão” (LARROSA, 2004:

69).

122

Assim, com a utilização da fotografia, o que está em jogo são percepções

plurais proporcionadas por ela. Em muitos casos a fotografia é a possibilidade de se

perceber o que o olhar cotidiano não alcança. Nesse caso, a visualidade da

fotografia só existe enquanto recorte arbitrário revelado em uma superfície

fotossensível, pois aos olhos dos caminhantes da cidade em seus percursos diários,

essas imagens não existem prontas e dadas no tecido visível da cidade. Até porque,

os objetos que compõem os espaços estão sempre em movimento e se

transformando.

Ao observar as fotografias do Salão, pude perceber aquilo com que os

fotógrafos mais se identificam com a cidade, e o que permeia o seu cotidiano, ou

seja, alguns elementos que estão presentes na construção das identidades dos

teresinenses e alguns modos de subjetivar a cidade.

Ao longo das discussões busquei escapar das dualidades e lançar o olhar

para um repertório de perspectivas que expressassem a multiplicidade que perpassa

a composição de uma cidade. Assim, as bifurcações que delineiam este trabalho

compõem um labirinto, tal como a cidade, um labirinto com todos os Minotauros;

uma engrenagem com uma coreografia sincrônica, porém, se apresentando como

um texto metafórico e metamórfico no contexto do devir; com passagens secretas,

atalhos e vários andares, ou seja, com os significados de sua ambigüidade

(GALVÃO, 2005).

Vasculhando o Baú de Miudezas e observando as fotografias do Salão

procurei perceber o que a cidade de Teresina dispunha de possibilidades,

escapando às armadilhas binárias da linguagem e de alguns vícios do olhar. As

Teresinas apresentadas através das três séries é a demonstração de que para além

de uma cidade com suas faculdades físicas, existem outras, que se efetivam através

de misturas, de um variado repertório de produções de sentidos e também dos usos

e práticas exercidas nos seus espaços. As séries construídas, são fabricações que

apontam para pelo menos três tipos de processos de subjetivação: uma do tipo

cartão-postal, semelhante a uma paisagem fria e próxima da Cidade-conceito; outra

do tipo dinária, permeada por questões do universo da luta de classes e da exclusão

social; por último, a que apresenta como híbrida, a cidade que se realiza pelas

apropriações, misturas e usos indiscriminados.

A utilização da cartografia como instrumento de pesquisa foi de grande

importância para a construção dessa pesquisa. Uma vez que, a cartografia permitiu

123

o uso de diversas matrizes de pensamento, para a construção de algo híbrido. Uma

prática antropofágica, na qual, elementos como o cinema, a literatura, e a fotografia,

puderam ser utilizados de forma direta ou indiretamente, na confecção desta

pesquisa e na tessitura da narrativa. (ROLNIK, 2006)

No decorrer do trabalho em nenhum momento as fotografias foram

submetidas a interrogatórios. Elas foram observadas pelo que as tornam potentes e

que poderia suscitar de combinações. O consumo das fotografias ocorreu mediado

pela busca de boas idéias e como lugar fecundo para enxergar a cidade através das

experiências de seus habitantes. Assim, as fotografias foram desde o início tratadas

como artefatos culturais, como produções de sentido e como produtos de uma

prática social.

Dessa forma, as inquietações que me estimularam a empreender esta

pesquisa começaram em 2003, com caminhadas, fotografias e poesias, e fazem

uma pausa em 2008, após caminhadas, fotografias e uma dissertação. O trabalho

iniciado em 2003 resultou na participação do Salão de 2004, e as implicações da

dissertação na participação do Salão de 2008.

Poderia então dizer que o Salão está dentro e fora da dissertação, uma

dupla relação e também, uma dupla produção de sentidos. Tendo em vista, que ele

está presente nas experiências particulares do pesquisador enquanto habitante da

cidade e historiador. Desse modo, a relação investigador e objeto de pesquisa, de

forma apartada, não perpassa este trabalho. Assim, o que se construiu aqui, foi uma

dupla implicação e muitos atravessamentos que desenham ao mesmo tempo o

pesquisador e o evento em discussão.

Logo, este trabalho é a escrita de uma história, de produções de sentidos,

de acontecimentos, de práticas sociais, de caminhadas, de relatos e é também a

narrativa de uma travessia. Gostaria de ressaltar que a pesquisa das fotografias do

acervo do Salão foi possível devido à contribuição dos funcionários da Casa da

Cultura e que esse trabalho é apenas a minha versão sobre o emaranhado de linhas

que ao passo que fui acompanhando também fui traçando, enlaçando, dando nós.

Colando fragmentos estranhos e distintos, alçando pontes e por vezes fugindo por

becos obtusos. Este trabalho é uma arquitetura subjetiva, que diz respeitos sobre a

experiência de inventar imageticamente Teresinas. Uma experiência da diversidade,

que se deu nos entremeios das linguagens, tudo em letra minúscula, tangenciando a

124

história dos próprios – mergulho profundo em passos e olhares que percorrem e

consomem a cidade, que a deformam e a inventam.

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