A família bigâmea - Revista Jus Navigandi - Doutrina e Peças
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http://jus.com.br/revista/texto/21517Publicado em 04/2012
Alexandre Assuno e Silva (http://jus.com.br/revista/autor/alexandre-assuncao-e-silva) | Magaly de Castro Macedo Assuno(http://jus.com.br/revista/autor/magaly-de-castro-macedo-assuncao)
A famlia bigmea tem caractersticas prprias, sendo a principal delas o consentimento. Seus efeitos
jurdicos precisam ser disciplinados para proporcionar segurana e dignidade a todos os envolvidos.
Resumo: este trabalho analisa um tipo especfico de entidade familiar, a famlia bigmea. Aps breves comentrios sobre
monogamia e bigamia, a famlia bigmea definida como aquela na qual um cnjuge admite que seu consorte mantenha um relacionamento
afetivo estvel com um terceiro. So descritos seus requisitos, o direito de incluso familiar, e a possibilidade de sua proteo como tipo de
entidade familiar no expressamente mencionada pela Constituio. Ao final analisa-se seu efeitos jurdicos, numa perspectiva progressista
e liberal.
Palavras-chave: famlia bigamia concubinato consentimento efeitos jurdicos.
Sumrio: 1. Introduo. 2. A monogamia. 3. A bigamia. 4. Monogamia e democracia. 5. A pluralidade dos tipos familiares. 6. Famlia
e afeto. 7. A famlia bigmea. 7.1.Definio e requisitos. 7.2 Desnecessidade de ostensividade. 7.3 Consentimento tcito. 7.4 O dever de
fidelidade. 8. O direito de incluso familiar. 9. A discriminao do concubinato. 10. Efeitos jurdicos. 10.1 As proibies. 10.2 Legitimidade
das doaes. 10.3 Penso por morte. 10.4 Alimentos. 11. Reflexos penais. 12. Concluso
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descobertos (escrnio pblico, divrcios, etc).
3. A bigamia
a prpria natureza que impele os seres humanos a terem mais de um parceiro sexual, seja para assegurar um maior nmero de
descendentes, no caso dos homens, seja para selecionar aquele mais forte e capacitado a sobreviver, no caso das mulheres.
Por outro lado, h evidncias esmagadoras de que muitas pessoas so capazes no s de 'fazer amor', mas tambm de amar mais
de uma pessoa ao mesmo tempo.[5] Um indivduo pode possuir diferentes impulsos sexuais e afetivos, sendo perfeitamente possvel que
ame mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Alm disso, tem-se observado uma certa preferncia, por parte das fmeas animais, por
indivduos j comprometidos: digno de nota que as fmeas animais s raras vezes tm casos com solteiros (que, afinal, podem ser
rejeitados). Em vez disso, elas preferem o parceiro de outra, provavelmente porque ele oferece genes melhores, alm de [...], talvez, outros
recursos.[6]
Os bissexuais tambm podem se relacionar ao mesmo tempo com algum do mesmo sexo e do sexo oposto. Homens e mulheres
podem adotar um comportamento bissexual permanente, ocasionando a formao de duas relaes afetivas estveis. O bissexualismo
feminino, mais aceito socialmente, pode ocasionar a formao de uma relao afetiva estvel de uma mulher casada com outra mulher, como consentimento do seu marido.[7]
O relacionamento mongamo nem sempre feliz. O impedimento de satisfao do desejo sexual com outros parceiros pode causar
descontentamentos e conflitos. No mais das vezes, trai-se de maneira oculta, sem querer que o outro traia. Mas h muitos argumentos
contrrios bigamia. Comentaremos rapidamente alguns.
O primeiro deles que ela seria um privilgio daqueles que tm posses. Caso a bigamia fosse admitida pela lei, os ricos passariam
a monopolizar cnjuges.
Ocorre que a manuteno de mais de um relacionamento afetivo estvel no depende, necessariamente, da condio econmica da
pessoa, mas sim da sua personalidade, temperamento, necessidades sexuais e sentimentais. Ao longo da histria, homens e mulheres
charmosos, bonitos, ou influentes, ainda que pobres, tiveram mais de um parceiro concomitantemente. [8]
Alega-se ainda que a bigamia levaria a um aumento da violncia entre os homens, que passariam a disputar as poucas mulheres
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4. Monogamia e democracia
Costuma-se dizer que a monogamia seria uma caracterstica de sociedades livres e democrticas, uma forma de respeitar a
igualdade entre os sexos.
Ocorre que a monogamia no um elemento necessrio para a existncia de um regime democrtico. As necessidades sentimentais
e sexuais do ser humano independem do tipo de governo em que ele vive. Algumas prticas e comportamentos sexuais so reprimidas
geralmente em ditaduras e outros regimes totalitrios.
Monogamia no quer dizer igualdade entre os sexos. A igualdade que existe hoje entre homens e mulheres foi conquistada
primordialmente no sculo XX, enquanto a monogamia a regra no mundo ocidental desde a Roma antiga. Desde essa poca, no casamento
monogmico tradicional a mulher estava submetida vontade do marido. No nosso Cdigo Civil de 1916 a direo da famlia era tarefa do
homem, sendo a mulher casada pessoa relativamente incapaz at 1977, quando entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada.
O fato da poligamia ser permitida em pases cuja populao de maioria muulmana, nos quais as mulheres no possuem os
mesmos direitos que os homens, no significa que monogamia signifique igualdade. Isso depende da cultura de respeito aos direitos
fundamentais.
A bigamia muito mais comum que a poligamia. Dificilmente algum consegue ter mais de dois relacionamentos duradouros e
concomitantes ao longo da vida, em razo de dificuldades prticas e econmicas.
Sabe-se que a Turquia aboliu a poligamia, numa tentativa de ocidentalizar-se e ingressar na Unio Europeia. Contudo, o que dever
acontecer que parte da populao continuar a viver em bigamia, ou poligamia, ocasionando as mesmas desigualdades sociais que h nos
pases ocidentais entre as esposas e as concubinas. Ademais, no islamismo a poligamia permitida pois os muulmanos consideram mais
honesto que um homem seja casado com vrias esposas do que ter amantes.
Um pas pode permitir a bigamia e manter-se fiel aos princpios democrticos da liberdade e da igualdade. Basta que o direito de ter
mais de um cnjuge seja concedido a ambos os sexos e que todos tenham os mesmos direitos e deveres no casamento. A situao de
desigualdade social e jurdica que existe entre cnjuge e amante estimula que este queira prevalecer sobre aquele e tomar-lhe o lugar. A
bigamia tampouco significa desrespeito:
O respeito tem de ser observado a partir do tratamento recproco, evitando que um deles venha a subjugar o outro atravs de uma
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sociedade, tem especial proteo estatal, consagrou no apenas modelos expressos, mas, tambm, arranjos familiares que no se
apresentam, de antemo, predefinidos conceitualmente na regra positivada.[18]
A bigamia uma realidade social, uma situao de fato que, embora no prevista legalmente, passvel de reconhecimento e
proteo jurdica, pois todo e qualquer ncleo familiar, tenha sido constitudo de que modo for, merecer a proteo estatal, no podendosofrer discriminaes.[19]
6. Famlia e afeto
Ao tempo do Cdigo Civil de 1916 a famlia era compreendia como unidade de produo e transmisso do patrimnio aos herdeiros,
pouco importando laos afetivos. J a famlia moderna est fundada no afeto, na tica, na solidariedade recproca entre os seus membros e
na preservao da dignidade deles.[20]
A famlia tem hoje uma funo instrumental, com o desiderato de colaborar para a realizao das pessoas humanas que compem
um determinado ncleo.[21] A entidade familiar no tem finalidade prpria, servindo para alcanar a felicidade de seus membros.
Em razo disso, a afetividade essencial para a constituio de uma famlia, sendo seu principal requisito. A affectio despontacomo elemento nuclear e definidor da unio familiar, aproximando a instituio jurdica da instituio social. A afetividade o triunfo da
intimidade com valor, inclusive jurdico, da modernidade.[22]
A famlia moderna mutvel e dissolvel, bastante diferente daquela instituio natural e de direito divino, portanto imutvel e
indissolvel, na qual o afeto era secundrio.[23] O afeto passou a ser o nico elo que mantm pessoas unidas nas relaes familiares,[24]embora o Cdigo Civil de 2002 no o exija expressamente.
Somente a convivncia afetiva voluntria traz felicidade aos indivduos que compem uma entidade familiar. A afeio mais
importante que os laos de parentesco. As relaes de consanguinidade, na prtica social, so menos importantes que as oriundas de
laos de afetividade e da convivncia familiar.[25].
No h nenhuma padro a ser obedecido para que uma famlia seja constituda, sendo necessrio apenas que haja afeto e
voluntariedade. No h um tipo ideal de famlia, pois cada pessoa dotada de sentimentos e necessidades prprias, que podem serbastante diferentes do comum. O Estado deve reconhecer e proteger todo e qualquer modelo de convivncia afetiva estvel.[26]
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7. A famlia bigmea
7.1. Definio e requisitos
A famlia bigmea aquela na qual um dos cnjuges ou companheiros, ou ambos, possui uma relao afetiva estvel com terceira
pessoa, com o consentimento expresso ou tcito do seu consorte.
O terceiro integrar o ncleo familiar em razo do vnculo afetivo formado com um ou ambos os cnjuges. [27] O seu ingresso,
contudo, depender da concordncia, expressa ou tcita, do outro cnjuge, assim como ocorre na adoo, para a qual necessria a
anuncia expressa do outro cnjuge ou companheiro (art. 165, I, da lei 8.069/90).
Todos faro parte de um nico ncleo familiar, ao qual aderiram de modo voluntrio e do qual podem sair, a qualquer tempo. No h
dois ncleos familiares. A presena de qualquer fator que possa influenciar na livre manifestao da vontade de integrar o ncleo familiar
(coao, fraude, ignorncia) desqualifica-o como famlia.
Os requisitos necessrios para sua formao so: 1) manter relao afetiva com duas pessoas, sendo casado ou no; 2)
estabilidade, que significa relacionamento cotidiano, ainda que no seja dirio, por um longo perodo de tempo; 3) consentimento expresso ou
tcito de todos os envolvidos.
Assim, aqueles que praticam sexo de forma casual, tendo vrios amantes eventuais ao longo da vida, no constituiro com cada um
deles uma nova entidade familiar. Ser preciso haver afeto e uma relao estvel, permitida pelo cnjuge ou companheiro mais antigo.
7.2 Desnecessidade de ostensividade
Para os adeptos da teoria das famlias simultneas, no se configura entidade familiar se esta no se apresenta publicamente como
tal.[28] Desse modo, a relao, ainda que estvel, mas mantida s ocultas, sem amplo conhecimento pblico, no pode ser caracterizada
como entidade familiar.[29]
Todavia, para a constituio da famlia bigmea basta o consentimento expresso ou tcito do outro cnjuge para que o terceiro
ingresse no ncleo familiar e goze da sua proteo. A publicidade pode constituir prova de consentimento tcito, mas no um requisito para
a existncia de bigamia.
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Em resumo: uma pessoa solteira pode fazer parte do ncleo familiar de um indivduo casado, ao manter com ele um longo
relacionamento afetivo, com status semelhante ao de cnjuge; todavia, uma pessoa casada, mesmo que mantenha um relacionamento
afetivo estvel com algum, no integrar o ncleo familiar deste na condio de cnjuge, porque j cnjuge de outra pessoa (no h
necessidade dessa incluso).
9. A discriminao do concubinato
No sistema do Cdigo Civil de 2002, o relacionamento afetivo estvel com pessoa casada, chamado de concubinato [42], no
constitui unio estvel, em razo da impossibilidade de sua converso em casamento.
O tratamento dado ao concubino atualmente semelhante ao do filho adulterino antes da Constituio de 1988. O concubinoconstitui uma pessoa desprivilegiada, com quase nenhum direito, tal como acontecia em relao aos filhos adulterinos, sendo vtima de
grande preconceito social:
Diferentemente de muitas situaes em que a populao, a mdia, a igreja, entre outros, reclamam ordem constitucional proteo
efetiva, a ideia de se conceber qualquer tipo de chancela jurdica a determinada relao concomitante a um casamento formal ainda no
recebe nenhuma aprovao do senso comum.[43]
O desejo da Constituio de 1988 promover o bem de todos, proibindo-se qualquer forma de discriminao (art. 3, IV, e art. XLI, da
Constituio). Mas a monogamia imposta por lei impede a concretizao desse objetivo, penalizando a parte mais fraca. O Cdigo Civil
protege as mulheres de maior status social, formalmente casadas, ainda que no possuam nenhum afeto por seus maridos. Viola a dignidade
humana das concubinas, que no possuem direito algum, considerando-as verdadeiros seres inferiores. Se ao mesmo fato deve-se aplicar o
mesmo direito (ubi eadem ratio, idem jus):
no cabe aos operadores do Direito rotular determinada situao ou atitude como certa ou errada, moral ou imoral, mas buscar a
melhor soluo para o caso concreto, at porque, sabidamente, os casos existem, geram efeitos sociais e, por isso, no podem ser
ignorados pela ordem jurdica.[44]
Se algum consegue, durante longos anos, manter dois relacionamentos afetivos estveis, mostra com isso que so compatveis. O
concubino considerado o principal responsvel pelo trmino de casamentos, quando, na verdade, os culpados so os prprios cnjuges,que perderam o afeto um pelo outro.
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do concubinato.
11. Reflexos penais
A monogamia um tabu desde a Roma antiga, decorrente da necessidade de garantir a certeza da ascendncia da prole e a
transmisso do patrimnio familiar somente aos membros da famlia legtima. Embora no tenha sido o cristianismo quem introduziu a
monogamia como regra obrigatria, ele a imps como comportamento a ser seguido por todos os cristos, considerando um delito sua
transgresso.
No Brasil, ao tempo da colonizao portuguesa, os principais delitos contra a f catlica, registrados em cerca da metade dos casos
at agora contabilizados, eram a prtica do judasmo, as proposies herticas e a bigamia.[62]
De crime contra a f a bigamia passou a crime contra a famlia (instituio), mantido no atual Cdigo Penal brasileiro, em vigor desde
1940. Seu artigo 235 diz:
Art. 235 - Contrair algum, sendo casado, novo casamento:
Pena - recluso, de dois a seis anos.
1 - Aquele que, no sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstncia, punido com recluso
ou deteno, de um a trs anos.
2 - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que no a bigamia, considera-se inexistente o crime
Todavia, tal delito pouco protege a instituio da monogamia. Considere-se a seguinte hiptese: um homem casado contrai um novo
casamento, e, pouco tempo depois, abandona a nova esposa, voltando a conviver com a primeira. O referido indivduo teria cometido o
crime de bigamia. J um outro, casado, convive ao mesmo tempo com sua esposa e uma concubina por toda a vida. Este ltimo no teria
cometido crime algum, pois no fez um novo casamento formal, apesar de viver em bigamia, e no h mais o crime de adultrio na legislao
brasileira.
Esses exemplos demonstram que o delito de bigamia criminaliza um ato formal, deixando impunes aqueles que vivem em bigamia sem
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serem casados. Ademais, para preservar a f pblica bastaria a previso do crime de falsidade ideolgica.
A progressiva informatizao dos servios de registro pblico tornar muito difcil a prtica desse delito, quando o estado civil de
algum constar de bancos de dados informatizados. Isso impedir a prtica do delito (se no for revogado, logo tornar-se- um crime
impossvel).
Por fim, da mesma forma que possvel o perdo judicial no caso do delito de registrar como seu filho de outrem (art. 242 do CP),
quando o autor do fato estiver imbudo de reconhecida nobreza, tambm cabvel a excluso da culpabilidade na bigamia, como causa supra
legal, decorrente da inteno em garantir direitos por vnculos afetivos.
12. Concluso
A famlia bigmea, em relao s demais entidades familiares, uma exceo. O tringulo amoroso uma situao, para muitos,
considerada impossvel de ser tolerada. Com o tempo, diz-se, acaba-se privilegiando um dos parceiros e abandonando o outro.
Apesar de tudo, a bigamia, como situao de fato, existe. Ainda que no seja o tipo de entidade familiar qual pertence a maioria
dos brasileiros (muitos preferem viver numa monogamia de fachada, mantendo famlias simultneas) uma realidade que pode estar
presente em qualquer canto do pas, independentemente da classe social dos envolvidos.
A famlia bigmea tem caractersticas prprias, sendo a principal delas o consentimento. Seus efeitos jurdicos precisam ser
disciplinados para proporcionar segurana e dignidade a todos os envolvidos. O que foi dito aqui vale como um esboo introdutrio de
estudos mais profundos a serem realizados a respeito do tema.
REFERNCIAS
BARASH, David P., LIPTON, Judith Eve. O mito da monogamia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2007.
ENGELS, Friedrich. A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. So Paulo: Expresso
Popular, 2010.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
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FERRARINI, Letcia. Famlia simultnea e seus efeitos jurdicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
FEITLER, Bruno. Inquisio no Brasil. Revista Histria Viva. Ano VII, n. 77, 2007, p. 66-71.
FOUCAULT, Michel. tica, sexualidade, poltica. Trad. Elisa Monteiro, Ins Autran Dourado Barbosa. 2. ed. Rio de Janeiro: ForenseUniversitria, 2010.
FREUD, Sigmund. O futuro de uma iluso, o mal estar na civilizao e outros trabalhos. Trad. Jayme Salomo. Rio de Janeiro:
Imago, 1996.(Edio Standard brasileira das obras psicolgicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI).
GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 9. ed. So Paulo: Saraiva, 2011. vol. 1.
LBO, Paulo. Famlias. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2011.
PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol. 1.
RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famlias simultneas: da unidade codificada pluralidade constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
notas
[1] ENGELS, Friedrich. A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. So Paulo:
Expresso Popular, 2010, p. 87.
[2] Idem, p. 83.
[3] Idem, p. 86-87.
[4] Idem, p. 49-50.
[5] BARASH, David P., LIPTON, Judith Eve. O mito da monogamia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 283.
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[14] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 42.
[15] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famlias simultneas: da unidade codificada pluralidade constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 30.
[16] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famlias simultneas: da unidade codificada pluralidade constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 18.
[17] LBO, Paulo. Famlias. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 84.
[18] Idem, p. 36.
[19] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 136.
[20] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 5.
[21] Idem, p. 9.
[22] LBO, Paulo. Famlias. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 20.
[23] Idem, p. 73.
[24] Idem, ibidem.
[25]
Idem, p. 27.[26] afirmado o afeto como base fundamente do Direito das Famlias contemporneo, vislumbra-se que, composta a famlia por
seres humanos, decorre, por conseguinte, uma mutabilidade inexorvel, apresentando-se sob tantas e diversas formas, quantas sejas as
possibilidades de se relacionar, ou melhor, expressar o amor. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 34)
[27] H trs sortes de vnculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vnculos de sangue, vnculos de direito evnculos de afetividade. (LBO, Paulo. Famlias. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 18).
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[28] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famlias simultneas: da unidade codificada pluralidade constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 9.
[29] FERRARINI, Letcia. Famlia simultnea e seus efeitos jurdicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 114.
[30] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 469.
[31] Ocultar relacionamentos concomitantes ao casamento tambm uma forma de evitar a rejeio e o escrnio social (ser
chamado de infiel, corno).
[32] GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 9. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 351.
[33] Um caso clebre de concubinato no consentido, embora pblico, foi o relacionamento extraconjugal de D. Pedro I com a
Marquesa de Santos (Domitila de Castro). Durou de 1822 a 1829, quando D. Pedro casou-se pela segunda vez. D. Pedro I alou Domitila de
Castro condio de sua segunda esposa. Concedeu-lhe ttulos de nobreza, propriedades e outros bens. Fez dela a primeira-dama da
imperatriz Leopoldina e assumiu publicamente a paternidade da sua primeira filha. Os registros histricos, todavia, indicam que a imperatriz
Leopoldina nunca consentiu com o romance, tendo este, ao contrrio, causado a ela grande humilhao e sofrimento, que teria favorecido
seu falecimento prematuro, durante a gravidez, em 1826. Ela tolerou tal situao porque assim a obrigava sua condio social e oscostumes da poca.
[34] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 248.
[35] LBO, Paulo. Famlias. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 142.
[36] ENGELS, Friedrich. A origem da famlia, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. So Paulo: ExpressoPopular, 2010, p. 92.
[37] FREUD, Sigmund. O futuro de uma iluso, o mal estar na civilizao e outros trabalhos. Trad. Jayme Salomo. Rio de
Janeiro: Imago, 1996, p. 110.
[38]
O Cdigo Civil de 2002, apesar da apregoada mudana de paradigma, do individualismo para a solidariedade social, manteveforte presena dos interesses patrimoniais sobre os pessoais, em variados institutos do Livro IV, dedicado ao direito de famlia,
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sim, indubitavelmente, a no aplicao de tais regras contraia o ditame constitucional (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 385).
[48] E que a competncia para analisar as aes respectivas ser da Vara de Famlia: A competncia atribuda s Varas
especializadas de famlia decorre seguramente da peculiaridade da matria em conflito, relativa ao ncleo familiar, sendo para tantoirrelevante o seu modo de constituio. Em outras palavras, a matria a fixar a competncia, no j a forma pela qual a entidade familiar se
constitui. (Idem, p. 387).
[49] LBO, Paulo. Famlias. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 188.
[50] Idem, p. 86.
[51] Disponvel em: . Acesso em 10/02/2012.
[52] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.
456-457.
[53] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 471.
[54] Seguro de vida em favor da concubina Homem casado Situao peculiar de coexistncia duradoura do de cujus com
duas famlias e prole concomitante advinda de ambas as relaes Indicadora da concubina como beneficiria do benefcio
Fracionamento. Inobstante a regra protetora da famlia, impedindo a concubina de ser instituda como beneficiria de seguro de vida, porque
casado o de cujus, as particular situao dos autos, que demonstra "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado famlia e concubina,
tendo prole concomitante com ambas, demanda soluo isonmica, atendendo-se melhor aplicao do direito. Recurso conhecido e
provido em parte para determinar, o fracionamento por igual, da indenizao secundria. (STJ, REsp 100.888/BA, rel. Min.Aldir Passarinho
Junior, j. 12/03/2000).
[55] Penso previdenciria Partilha por penso entre a viva e a concubina Coexistncia de vnculo conjugal e a no
separao de fato da esposa Concubinato impuro de longa durao "Circunstncias especiais reconhecidas em juzo" Possibilidade de
gerao de direitos e obrigaes, maxime no plano da assistncia social Recurso especial no conhecido. (STJ, 4 T., Resp 742685/RJ,rel. Min. Jos Arnaldo da Fonseca, j. 04/08/2005).
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[56] LBO, Paulo. Famlias. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 333.
[57] A ocorrncia de alienao, onerao de direito real ou doao ao concubino de imveis de frequncia diminuta, pois so
atos que dependem de escritura pblica, cujo notrio obrigado a cumprir a exigncia legal de outorga do outro cnjuge. Uma hiptese a
da alienao de imvel com valor inferior a trinta salrios mnimos, para o que no se exige a escritura pblica (art. 108 do Cdigo Civil).Outra hiptese a de fraude lei, por declarao falsa do estado civil: por exemplo, quando o cnjuge omite sua condio de casado,
afirmando permanecer solteiro, que era seu estado civil no momento em que adquiriu o imvel. A doao ao concubino de bens mveis, ou a
qualquer pessoa, s possvel mediante escritura pblica ou instrumento particular, contra os quais pode agir o outro cnjuge, para ser
declarada sua invalidade.(Idem, p. 330-331)
[58] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famlias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 104.
[59] H normas que, pertinentes relao familiar, incidem sobre os cnjuges mas so informadas pela solidariedade prpria
da convivncia familiar. Assim, por exemplo, pode ser considerada a legislao relativa previdncia social e legislao infortunstica,
marcada pelo dever do Estado em se sub-rogar como artfice do conforto familiar. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 387).
[60] TRF 5 Regio, AC 459894, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, Primeira Turma, DJE - Data::02/06/2011 Pg. 270.
[61] LBO, Paulo. Famlias. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 381.
[62] FEITLER, Bruno. Inquisio no Brasil. Revista Histria Viva. Ano VII, n. 77, 2007, p. 66-71.
Abstract: This paper analyze a specific type of family unit, family bigmea. After brief comments about monogamy and bigamy,
family bigmea is defined as one in which a spouse admits that her consort maintain a stable romantic relationship with a third person. Its
requirements are described, including the right to family, and the possibility of its protection as a kind of family unit not expressly mentioned in
the Constitution. At the end we analyze its legal effects, progressive and liberal perspective.
Keywords: family - Bigamy - Concubinage - consent - legal effects.
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Informaes sobre o texto
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
SILVA, Alexandre Assuno e; ASSUNO, Magaly de Castro Macedo. A famlia bigmea. Jus Navigandi, Teresina, ano 17 (/revista/edicoes/2012), n. 3210
(/revista/edicoes/2012/4/15), 15 (/revista/edicoes/2012/4/15) abr. (/revista/edicoes/2012/4) 2012 (/revista/edicoes/2012) . Disponvel em: . Acesso em: 17 abr. 2012.
Alexandre Assuno e Silva (http://jus.com.br/revista/autor/alexandre-assuncao-e-silva)
Procurador da Repblica. Mestre em Polticas Pblicas.
Magaly de Castro Macedo Assuno (http://jus.com.br/revista/autor/magaly-de-castro-macedo-assuncao)Advogada especialista em Cincias Criminais.
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