A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

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INGRITH GOMES ABRAHÃO A FAMÍLIA MONOPARENTAL FORMADA POR MÃES SOZINHAS POR OPÇÃO ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

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INGRITH GOMES ABRAHÃO

A FAMÍLIA MONOPARENTAL FORMADA POR MÃES

SOZINHAS POR OPÇÃO ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO

DE TÉCNICAS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

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BELO HORIZONTEBELO HORIZONTE

20032003

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INGRITH GOMES ABRAHÃO

A FAMÍLIA MONOPARENTAL FORMADA POR MÃES

SOZINHAS POR OPÇÃO ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO

DE TÉCNICAS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Graduação da Faculdade

Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito para a conclusão da disciplina Monografia

II.

OORIENTADORARIENTADORA: D: DRARA. M. MARIAARIA DEDE F FÁTIMAÁTIMA F FREIREREIRE DEDE S SÁÁ

Data da Aprovação da Monografia: ____/_____/_________/_____/_____

Assinatura do Profa. Orientadora:

AAVALIAÇÃOVALIAÇÃO F FINALINAL

DDAA APRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃO ORALORAL ::

MMÉDIAÉDIA F FINALINAL ::

CCONCEITOONCEITO::

3

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BELO HORIZONTEBELO HORIZONTE

20032003

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SUMÁRIO

Avaliação Final............................................................................................................3

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................3

2. DESENVOLVIMENTO....................................................................................................................................6

2.1 Evolução do conceito de Família: da família romana à família pluralcontemporânea.....................................................................................................6

2.2 Família Monoparental.........................................................................................282.2.1 Terminologia ...................................................................................................................................282.2.2 Causas da Monoparentalidade ...................................................................................................33

2.3 A família monoparental formada por mães sozinhas por opção utilizandotécnicas de inseminação artificial....................................................................39

3. CONCLUSÃO.................................................................................................................................................60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................................63

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1. INTRODUÇÃO

O Direito de Família constitui uma das áreas do Direito que mais

sofreu modificações ao longo da evolução das relações políticas, econômicas

e sociais ocorridas em todo o mundo ocidental, inclusive no Brasil. Isso

porque, apesar de constituir uma das instituições mais antigas da

humanidade, a família tem seu conceito reformulado de acordo com as

mudanças de costumes, valores e ideais da sociedade, de forma que seu

conceito atual é totalmente diverso do conceito de família a luz do Direito

Romano, por exemplo.

Em decorrência destas modificações ocorridas na realidade

sociológica, construiu-se um conceito plural de família que foi consagrado, no

Brasil, pela Constituição Federal de 1988.

A Lei Fundamental de 1988, em seu artigo 226, reconheceu

expressamente novos modelos de família, os quais foram denominados de

entidades familiares. Dentre essas, encontra-se a família constituída pela

comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, o que

recebeu, doutrinariamente, a nomenclatura de família monoparental.

Da mesma forma que reconheceu expressamente outros modelos

de família, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como princípio a reger

as relações do Estado com os indivíduos o princípio da liberdade do

planejamento familiar, o que significa a impossibilidade de qualquer

interferência do Poder Público na formação da família. Assegurou, em

contrapartida, a prioridade na proteção dos interesses da criança e do

adolescente, de tal sorte que há que se questionar acerca da possível

limitação àquela liberdade de planejamento e formação da família face às

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conseqüências negativas ou positivas em relação à formação e bem-estar da

criança elemento desta comunidade familiar.

Nesse contexto, é que nos vemos diante do questionamento que

será objeto desta monografia, que é a polêmica que gira em torno da

possibilidade ou não, no ordenamento jurídico brasileiro, de formação de

família monoparental por opção por mulheres sozinhas utilizando-se da

técnica de inseminação artificial.

A análise e definição acerca da possibilidade ou não de

inseminação artificial em mulheres sozinhas (mulheres solteiras, separadas,

divorciadas e viúvas que não vivam em união estável) tem se destacado diante

do desenvolvimento científico e da maior facilidade de acesso aos recursos de

reprodução humana medicamente assistida no Brasil e no mundo. Apesar

disso, constata-se que a legislação brasileira, até então, não disciplinou a

matéria, havendo, portanto, uma lacuna em relação a esse tema, o que faz com

que a polêmica se mantenha.

Para, porém, analisar a questão e poder se chegar a uma

conclusão é necessário que façamos, em um primeiro capítulo, uma evolução

do conceito de família, partindo do Direito Romano à família contemporânea,

em que se vê o reconhecimento jurídico das famílias monoparentais. Isso

porque é a luz dos princípios e valores vigentes na sociedade contemporânea

que se deve definir o questionamento, o que só é possível após uma evolução

histórica do conceito de família.

Feito isso, se destaca a importância de estudarmos, em um

segundo capítulo, a terminologia “família monoparental ”, seu significado e

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delimitações, bem como os fatores ou causas determinantes para sua

formação e aumento constatado nos últimos 30 anos.

Em um terceiro e último capítulo, serão expostas as polêmicas

existentes acerca da utilização da técnica de inseminação artificial em

mulheres sozinhas e a formação da monoparentalidade por opção através

desta prática. Serão analisadas, portanto, as correntes doutrinárias existentes

sobre o tema, disposições normativas que indiretamente regulamentam a

questão e o projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional que pretende

disciplinar a reprodução humana assistida no país.

Destaca-se, contudo, que não se pretende com essa monografia

esgotar o tema, nem pôr fim à polêmica que o envolve, definindo a melhor

solução para os conflitos existentes, mas sim apresentá-los juntamente com

as posições doutrinárias que tentam solucioná-los.

Diante do exposto, passamos agora ao estudo do tema.

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2. DESENVOLVIMENTO

2.1 E2.1 EVOLUÇÃOVOLUÇÃO DODO CONCEITOCONCEITO DEDE F FAMÍLIAAMÍLIA: : DADA FAMÍLIAFAMÍLIA ROMANAROMANA ÀÀ FAMÍLIAFAMÍLIA PLURALPLURAL CONTEMPORÂNEACONTEMPORÂNEA

A origem da família ou formação dos primeiros grupos familiais

primitivos é tema que não encontra consenso nas teorias sociológicas

desenvolvidas com esse objeto, podendo-se, em contrapartida, afirmar que a

ausência de sua determinação pouca importância tem para o jurista ao

analisar a evolução da família no Direito.

Por essa razão, a evolução do conceito de família a ser aqui

desenvolvida tem como ponto de partida o direito romano, que estruturou de

forma inconfundível a família, conferindo- lhe “unidade jurídica, econômica e

religiosa fundada na autoridade soberana de um chefe” (GOMES, 1999: 39), e

que vai exercer influências determinantes nas legislações dos países

ocidentais, dentre eles o Brasil.

... é mesmo nos romanos que está a referência de organização familiar, e é neleque o ordenamento jurídico brasileiro se pauta. Mesmo com todas asmodificações e evoluções no sistema jurídico brasileiro, o referencial básico é, eserá sempre, ao que tudo indica, o da família romana, ainda que neste momentoaponte para uma outra direção com questionamento do modelo patriarcal.(PEREIRA, 1997: 15).

Dito isso, temos que a civilização romana conceituava a família

independentemente da consangüinidade, considerando como tal o conjunto

de pessoas submetidas ao poder do pater famílias, englobando nesse grupo

não apenas descendentes e esposa, mas também escravos.

O estado de família, ou status familiae, servia de base para

promover uma divisão entre as pessoas, as quais eram classificadas em sui

juris e alieni juris , de tal modo que os seres que formavam a família jamais

eram considerados iguais, seja do ponto de vista formal ou material, como se

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demonstrará mais adiante. O pater familias pertencia à categoria de sui juris ,

sendo que as demais pessoas subjugadas ao poder daquele eram chamadas

de alieni juris .

A família romana tinha um chefe, que recebia o nome de pater familias e

detinha toda a autoridade em que estava centrado o grupo familiar. Ele reunia

em si a condição de sacerdote, administrador e juiz, ao mesmo tempo em que

era pai e esposo.

O pater reunia em si a condição de juiz porque a “justiça” era por ele

administrada dentro dos limites de sua família, detendo poderes de dispor

livremente de pessoas e bens, aplicar penas corporais, vender e até matar,

pois era ele quem “ julgava os membros de sua domus, como presidente do

tribunal doméstico, que se reunia perante o lar”. (FIUZA, 2000: 30).

Era também o sacerdote, porque era o responsável por comandar e

promover o culto aos deuses domésticos e, por fim, o administrador ou chefe

político, por ser ele quem administrava o patrimônio e os negócios, além de

comandar todos os integrantes da família no exercício de suas funções,

devendo esses lhe obedecer de forma incontestável.

Em relação aos filhos, temos que os mesmos sujeitavam-se aos poderes

ilimitados do pater, que detinha o jus vitae necisque, o que se traduz no direito

de vida e de morte sobre a prole. Além disso, o pater tinha a faculdade de

abandonar o descendente recém-nascido ou vendê-lo a outro da categoria dos

sui juris (outro pater familias ). Eram, portanto, considerados meros objetos

nas mãos do pater familias , não havendo qualquer tipo de limitação a esse

pater potestas, a esse poder sobre a prole, a que permaneciam submetidos

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por tempo indeterminado, pois não havia idade limite em que ocorria a sua

emancipação nos moldes que vai existir no direito moderno e contemporâneo.

A mulher, por sua vez, era totalmente subordinada ao poder marital do

pater, permanecendo sem qualquer tipo de autonomia ou modificação em sua

capacidade, pois da condição de filha passava à condição de esposa, não

tendo direitos próprios e podendo ser repudiada pelo marido unilateralmente.

... a civilização romana colocava a mulher em plano secundário. Não lhereconhecia equiparação de direitos ao homem (...). Como filha, era sempreincapaz, sem pecúlio próprio, sem independência, alieni iuris . Casada, saía soba potestas do pai, e ingressava in domo mariti ali se prolongando a suacondição subalterna, pois que entrava in loco filiae e desta sorte perpetuava-sea sua inferioridade, prolongando-se por toda a vida a capitis deminutio que amarcava, e de que não se podia livrar numa sociedade individualista ao extremo,(...). Naquela sociedade, não havia para a mulher outras virtudes que asreconhecia às suas matronae: ‘ser casta e fiar lã. (PEREIRA, 2002: 5)

Em decorrência disso, os bens só pertenciam ao pater e eram por ele

administrados, mesmo que fossem adquiridos por outros membros da família,

já que esses não detinham capacidade para administrá-los. Os escravos eram

considerados patrimônios do pater e também se submetiam a domenica

potestas . O monopólio do pater sobre o patrimônio, no entanto, com o tempo,

foi sendo enfraquecido seja pelo surgimento do casamento sem manus (fato a

que iremos nos referir adiante), seja pela possibilidade dos filhos adquirirem

determinadas modalidades de pecúlios.

O primeiro deles era o peculium profecticium , isto é, peculium a patreprofectum , consistente em uma pequena quantidade de bens (pursilla pecunia),concedida pelo pai ao filho para atender às suas necessidades ou para odesempenho de uma atividade comercial ou industrial. O segundo era opeculium castrense, constituído essencialmente dos bens adquiridos pelo filiusfamilias durante o serviço militar. O peculium quase castrense abrangia tudoque o filho tivesse podido adquirir não só durante a militia civilis , mas emfunção dela, até mesmo um emprego. Esses elementos se unificaram paraconfiguração do peculium adventicium(bona adventicia). (LIRA, 1999:83).

O parentesco se subdividia em modalidades em Roma. O parentesco

poderia ser por agnação (agnatio ), que seria como o parentesco civil e existia

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entre todos aqueles que se submetiam ao poder do pater familias . O

parentesco por cognação (cognatio ), diferentemente, exigia o laço da

consangüinidade. Espelhado no parentesco natural, o direito romano passou a

admitir também o parentesco por afinidade (affinitas ), que existia entre o

cônjuge e os parentes do outro1. A filiação era classificada em legítima e

ilegítima, sendo essa decorrente de relações extramatrimoniais. A filiação

ilegítima se subdividia em natural, quando resultante do adultério, e espúria,

quando o pai era desconhecido, conforme disposto por Gomes (1999: 40).

A família romana, ao evoluir, substituiu o parentesco por agnação pelo

parentesco por cognação, restringindo progressivamente os poderes do pater

familias.

Com o advento do Império, a autoridade do pater familias passa a ser

limitada pelo Estado. As pessoas alieni juris antes submetidas apenas à

justiça do pater familias , passam a ter direito de recorrer ao magistrado em

casos de abusos cometidos pelo pater. A mulher passa a ter direito a

substituí- lo e ficar com a guarda dos filhos, de acordo com disposições de

direito pretoriano, sendo que o pater familias tem limitado seu poder de

castigar os filhos, podendo aplicar- lhes apenas penas moderadas.

Além disso, o casamento que antes obrigatoriamente sujeitava a mulher

à autoridade do marido, passa a se subdividir em duas modalidades, quais

sejam, o casamento com manus , em que a mulher colocava-se sob o poder

marital, e o casamento sem manus , em que a mulher permanecia sob a

autoridade paterna. Isso, ao mesmo tempo em que restringe os poderes

1 O parentesco por agnação existia em relação aos descendentes masculinos do pater , amulher casada in manu , os filhos adotados. O parentesco por cognação seguia o parentescode sangue na linha descendente, ascenden te e colateral. O parentesco por afinidade existiaem relação ao genro, nora, sogro e sogra e na linha colateral se limitava ao segundo grau.

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absolutos do chefe da família, passa a conceder maior autonomia à mulher,

que aos poucos vai adquirindo, inclusive, participação na vida social e

política.

Sobre o casamento no direito romano, tem-se que a sua dissolução era

plenamente aceita e se realizava por ato de vontade das partes.

A idéia romana de casamento é diferente da dominante em nossos dias. Para osromanos a affectio era um elemento necessário para o casamento que não deviaexistir apenas no momento da celebração do casamento, mas enquanto esteperdurasse. O consentimento das partes devia ser inicial, mas continuado.Assim, a ausência de convivência e desaparecimento da afeição eram, por si só,causas necessárias para a dissolução do casamento. (WALD, 1999: 33).

Além da dissolução voluntária do casamento pelo divórcio, que se

realizava por acordo entre as partes e, portanto, podia ser entendido como um

ato privado, o casamento acabava também por ato unilateral do marido –

repudium , pela perda de liberdade de um dos cônjuges – capitis deminutio

máxima , pela perda de cidadania – capitis deminutio medi - e, é claro, pela

morte de um dos cônjuges. (GOMES, 1999: 40).

Com base nessas informações, conclui-se, portanto, que a concepção

de família no direito romano foi de uma organização fundada sobre base

patriarcal e aristocrática, em que o princípio da autoridade era o que regia

todas as relações familiares. (PEREIRA, 2002: 18 a 19)

Com a queda do Império Romano no Ocidente e com o advento do

catolicismo, a concepção romana de família se altera e passa a ser entendida a

luz dos ensinamentos da doutrina cristã. Nas palavras de Fiuza (2000: 34), “a

moral católica, aliada a outros fatores, afasta a Idade Média dos paradigmas

da Antiguidade”, introduzindo-se o modelo de casamento indissolúvel com a

consagração da família monogâmica2.2 Nesse ponto, interessante transcrevermos a análise feita por César Fiuza sobre a

consagração da indissolubilidade do casamento: “havia um grande obstáculo à

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Sob a influência do direito canônico, a família foi reduzida ao grupo

familiar de pais e filhos, deixando de ser ilimitada aos descendentes como era

na família romana, consagrando-se como essencialmente conjugal, uma vez

que só era reconhecida como tal a advinda do matrimônio. Por essa razão,

reconhece-se que a concepção de família assume, com o direito canônico,

cunho sacramental e se consolida como monogâmica, sendo que, na Idade

Média do Século X ao XV, apenas o casamento religioso tem validade.

Por ser um sacramento, a Igreja Católica se opõe à dissolução do

matrimônio, o que fora admitido no direito romano, uma vez que se entende

que o divórcio seria contrário à própria família, aí incluindo o interesse da

prole, bem como a incapacidade do homem interferir e alterar uma união que

“Deus realizou” 3.

Além de estabelecer a indissolubilidade do matrimônio, o direito

canônico foi responsável pela construção da doutrina dos impedimentos

matrimoniais e a distinção entre impedimentos dirimentes absolutos e

impedimentos dirimentes relativos. Criou, portanto, os princípios e noções

essenciais da teoria das nulidades do casamento, a qual foi adotada, com

alterações, pela legislação civil de países ocidentais ainda vigentes.

indissolubilidade do casamento e à própria monogamia, qual seja, a arraigada práticapoligâmica entre os germanos e contínuo concubinato entre os galo- romanos. A partir deClóvis, quase todos os reis da dinastia merovíngia tiveram várias mulheres.(...) Na verdade,a monogamia e a indissolubilidade do casamento só se tornaram prática geral no século X,primeiro entre o povo, depois no seio da nobreza, primeiro entre os galo- romanos, maispróximos do catolicismo, depois entre os francos”.(FIUZA, 2000: 34).

3 Nesse ponto, interessante saber que, conforme afirma Arnold Wald, no seio da própriaIgreja Católica, houve divergências quanto à aceitabilidade da indissolubilidade docasamento. Isso porque o Evangelho de São Mateus (19, 7- 9 e 5, 31- 32) contém passagemem que admite o divórcio na hipótese de ter a esposa praticado o adultério. Emcontrapar t ida, em São Marcos (10, 11- 12) e São Lucas (16- 18), a dissolução do vínculomatrimonial é considerado impossível de ser realizado pelo ser humano, seja por qualmotivo for. Em face da aparente contradição dos textos bíblicos, a doutrina canônicaunificou a interpre tação de que o texto de São Mateus estaria, na verdade, a admitir apenasa separação de corpos sem o direito de casar - se novamente, sendo que a indissolubilidadedo matrimônio só tornou - se plenamente aceita por todos integrantes da Igreja no séculoXI. .(WALD, 1999: 33 a 34).

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As normas de direito romano, porém, mantiveram sua influência sobre o

pátrio poder, concebido ainda como um poder do pai sobre os filhos, as

relações patrimoniais entre cônjuges e a manutenção do dote e da distinção

entre filiação legítima e ilegítima. No entanto, o direito canônico inovou ao

reconhecer como requisito de validade para o casamento o consenso dos

noivos e relações sexuais voluntárias, desprestigiando a exigência do

consentimento paterno, que ainda permanecia, no direito civil leigo, como

requisito essencial para realização e validade do casamento, uma forma, é

claro, de garantir o atendimento a interesses econômicos e políticos de

determinadas famílias.

E é nesse ponto que convém exaltar que a concepção católica de família

deve ser diferenciada da concepção medieval de família. Isso porque, durante

o sistema feudal, preponderou o elemento político e econômico em relação ao

matrimônio e à própria família, a qual era vista como um organismo em que se

agregavam pessoas, ainda na dependência da vontade do chefe de família,

que tinham despesas comuns e atendiam aos interesses diversos que

determinaram a união conjugal.

Constata-se, porém, que tanto a família sob a concepção medieval, como

a família do direito canônico, mantiveram uma característica da família

romana, qual seja, a estruturação desse organismo sob a autoridade de um

chefe, ou melhor, do marido-pai. É certo que a autoridade do chefe de família

nessas duas concepções não equivale a todo poderio que detinha o pater

familias romano, mas a importância e superioridade do chefe de família se

mantiveram para estruturação e organização do grupo familiar, permanecendo,

então, o modelo patriarcal.

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Como dito alhures, o direito canônico não aceitava o divórcio. Porém, foi

com sua evolução que se tendeu a regulamentar a separação de corpos e de

patrimônio, que promovia a extinção da sociedade conjugal sem a dissolução

do vínculo matrimonial.

Essa separação de corpos constituiu-se em um “ato judiciário da

autoridade religiosa” , em que era necessária autorização do bispo e só era

admitido em casos excepcionais como, por exemplo, a heresia e o adultério.

Essa característica da separação de corpos, admitida no direito canônico, a

diferencia do divórcio consagrado no direito romano, pois este tinha caráter

essencialmente privado, uma vez que as partes só recorriam à autoridade

caso se sentissem prejudicadas e não para realização do próprio ato em

condições de normalidade. (WALD, 1999: 35).

Sobre os efeitos dessa separação admitida pelo direito canônico, tem-se

que, com ela, ocorria a extinção do dever de coabitação, mantendo-se o dever

de fidelidade e de fornecimento de alimentos entre os separados.

Com a Reforma Protestante, o caráter sagrado do casamento e a

indissolubilidade do mesmo passam a ser questionados, sendo que se

começa a defender o casamento apenas como um contrato natural, um ato da

vida que deve decorrer e terminar de acordo com a vontade das partes, ou

melhor, dos cônjuges.

Em resposta a essa reação de protestantes, a Igreja Católica realiza o

Concílio de Trento que reafirma a competência da mesma instituição para

celebração e nulificação do casamento, consagrando mais uma vez o seu

cunho sacramental, estabelecendo-se, ainda, o caráter solene da sua

realização e a necessidade de ser o ato precedido de publicidade e

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presenciado por testemunhas, características essas que se mantiveram até os

dias atuais e foram incorporadas como exigência da legislação civil para

validade do casamento.

A partir desse ponto, dando um salto de anos e passando a enfocar o

direito brasileiro, começa-se a analisar o que foi denominado de família

moderna e que está retratada nos Códigos Civis e, no caso brasileiro, no

Código Civil Brasileiro de 1916

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e nas leis que o sucederam até a promulgação da Constituição Federal de

19884.

Sobre essa família brasileira dita moderna, tem-se que o Código Civil de

1916, apesar de não estabelecer o poder marital aos moldes do direito romano,

consagrou a chefia da família ao cônjuge varão.

A mulher permaneceu sem qualquer participação na condução do grupo

familiar, sem qualquer poder para decidir, inclusive, sobre questões

relacionadas à prole comum, tendo sido incluída no rol de pessoas

relativamente incapazes, dependendo, portanto, do marido, para agir e até

para poder exercer qualquer atividade profissional. Tal dependência da mulher

em relação à autorização do cônjuge varão se estendia, por exemplo, à sua

capacidade de aceitar ou repudiar herança ou legado; ajuizar uma ação

judicial, com algumas exceções; aceitar mandato; aceitar qualquer múnus

público e etc.

Além disso, não havia qualquer possibilidade da mulher optar por

colocar ou não o patronímico do marido quando da realização do casamento,

sendo obrigatória tal adoção. O próprio pátrio poder sobre os filhos poderia

ser perdido, caso a mulher ficasse viúva e contraísse novo matrimônio.

Por essa razão é que Pereira (2002), diz que:

Não obstante o espiritualismo que ao Direito Romano trouxe o Cristianismo, acondição jurídica da mulher permaneceu, por toda a Idade Média e boa parte daIdade Moderna, inteiramente estática. Estática, quer dizer, inferiorizada. (...)mesmo os Códigos modernos não tiveram a coragem de romper barreiras dos

4 O Código Civil Brasileiro datado de 1916 refletiu uma concepção de família ultrapassadapara a época, mas que equivale à concepção moderna de família contemplada pelo Códigode Napoleão. Tal fato é justificado por alguns autores, como Ricardo César Pereira Lira(1999) e Arnold Wald (1999), por ter sido elaborado em 1899 e por ser o país, à época,essencialmente rural, sem ter vivenciado o processo de industrialização que foi marcantepara o histórico da família no mundo e que será iniciado por volta das décadas de 40 e 50.Por essas razões, é que se afirma que tal código “manteve, num Estado leigo, uma técnicacanônica e, numa sociedade do século XX, o privatismo doméstico e o patriarcalismoconservador do direito das Ordenações”.(WALD, 1999: 41).

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preconceitos, e consagraram idéias que pouca diferença faziam dos pré-juízosquiritários. Se a mulher era[ começava a ser ] socialmente prestigiada,juridicamente lhe faltava a equiparação que a libertasse das malhas de umpatriarcalismo deslocado no tempo e no espaço. Mas que persistia e durava.(PEREIRA, 2002: 5).

A família moderna, então, se manteve patriarcal, monogâmica e

matrimonial, uma vez que só era reconhecida como família e, portanto, só

tinha a proteção e regulamentação do Estado, a advinda do casamento.

Marginalizados se mantinham todos os agrupamentos de pessoas que, apesar

de ligados por vínculos afetivos e objetivarem uma vida em comum, fugissem

a essa regra.

Quanto ao casamento, tem-se que o Código Civil de 1916 adotou os

processos referentes à habilitação preliminar, os impedimentos e sua

classificação, e, por conseqüência, as causa de nulidades e anulabilidades,

bem como o caráter da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Tudo que foi,

como visto alhures, elaborado e consagrado pelo direito canônico.

Sobre a filiação, o Código Civil de 1916 mantém a divisão advinda do

direito romano em legítima e ilegítima, protegendo e defendo interesses

apenas da primeira categoria, que é a advinda de relações sexuais

matrimoniais, não se permitindo, inclusive o reconhecimento dos filhos ditos

ilegítimos. Com isso, criaram-se categorias de filhos nascidos das relações

extramatrimoniais, aos quais os efeitos decorrentes da paternidade, tal como o

nome, os direitos a alimentos e direitos sucessórios, não eram resguardados5.

5 Os filhos ilegítimos eram classificados em filhos naturais, aqueles cujos pais, ao tempo desua concepção, não eram casados, mas também não tinham qualquer impedimento paraque contraíssem o matrimônio; os adulterinos, aqueles nascidos de pais que, na época daconcepção, eram impedidos de se casarem, por serem, um ou ambos, já casados; filhosincestuosos, aqueles cujos pais têm parentesco em grau que os torne impedidos de secasarem. Os filhos naturais, diferentemente dos demais da categoria de filhos ilegítimos,poderiam vir a ser legitimados, caso os pais viessem a contrair matrimônio, ainda quedepois de seu nascimento.

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Além disso, o mesmo Código consagra a presunção, advinda do direito

romano, de que a criança concebida na constância de um matrimônio seja

filho dos pais casados (pater is est quem iustae nuptiae demonstrant).

Embora, sabendo-se que muitos autores sempre proclamaram a relatividade

desta presunção, certo é que a dificuldade de fazer prova em contrário e a

limitação de situações para fazê-lo, consagrava a esta presunção praticamente

o caráter de absoluta.

Diante disso, constata-se que a família retratada no Código Civil de 1916,

além de matrimonializada, hierárquica e discriminatória, privilegiava o que é

chamado hodiernamente de paternidade jurídica6.

A concepção moderna de família vai se transformando de acordo com a

evolução da própria sociedade e, em decorrência disso, leis posteriores ao

Código Civil de 1916 vão alterando os direitos de família, o que tem início a

partir da década de 30.

A Constituição brasileira de 1934 se destaca por ser a primeira

Constituição que se refere à família, assegurando proteção estatal à

denominada família legítima, o que foi mantido nas Constituições brasileiras

posteriores. Além disso, a Carta de 1934 trouxe novidades em relação à

filiação, pois estabeleceu a isenção de quaisquer selos ou emolumentos no

caso do reconhecimento dos filhos naturais e sujeitou à mesma tributação que

se aplicava à herança recebida pelos filhos legítimos à herança recebida pelos

filhos naturais.

6 Paternidade jurídica porque significa aquela que o direito diz ser, ou melhor, “pai é aqueleque o sistema jurídico define como tal” (FACHIN, 1992:21) .

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Page 22: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

A Constituição de 1937, por sua vez, avançou também no tocante

à filiação, pois igualou filhos naturais e legítimos em relação a direitos e

deveres incumbidos aos pais.

É também a Constituição brasileira de 1937 que, pela primeira vez,

promove o reconhecimento de efeitos civis ao casamento religioso,

dispositivo que irá se repetir nas Constituições posteriores. A regulamentação

de tal dispositivo só vem em 1950, com a Lei nº 1110.

Apesar de terem surgido diversas leis após a década de 30 que

promoveram alterações no direito de família, talvez a lei que maior importância

tenha para o estudo da evolução da família moderna seja a Lei nº 4121/62,

também denominada de Estatuto Civil da Mulher Casada, que emancipou a

mulher casada, lhe concedendo direitos equivalentes aos do marido perante a

família e situação jurídica análoga. Foi esta Lei que deu início a um processo

de democratização da sociedade conjugal, afastando algumas das

discriminações que existiam contra a mulher no âmbito do casamento. Além

dessa matéria, o Estatuto Civil da Mulher Casada disciplinou assuntos como

guarda de filhos e regime de bens.

Através de Emenda Constitucional n. 9 de 1977, o ordenamento jurídico

pátrio passa a admitir a dissolução do vínculo matrimonial através do divórcio.

Em decorrência disso, é promulgada a Lei nº 6515/77, que também é

considerada muito importante para a evolução da família brasileira, uma vez

que regulou a dissolução da sociedade conjugal, abolindo o desquite judicial e

criando a separação judicial. Além de disciplinar sobre a dissolução da

sociedade conjugal, tratou de regime de bens e sobre a proteção dos filhos, os

quais, mesmo que advindos de casamentos nulos, passaram a ser

18

Page 23: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

considerados legítimos, tendo ficado consagrada a igualdade de direitos de

herança entre filhos legítimos e ilegítimos.

Analisada a questão da legislação, não se pode deixar de destacar que,

apesar do ordenamento jurídico reconhecer como família apenas a família

matrimonial, sempre existiram outras famílias ditas ilegítimas, marginais ao

direito, que eram consideradas apenas realidades fáticas. Nessa categoria,

está o que será mais tarde denominado de união estável e família

monoparental.

Como é próprio do Direito, a realidade fática, apesar de por meio de um

processo demorado, acaba por transformar a realidade jurídica, conquistando,

aos poucos, o reconhecimento de alguns direitos. Foi isso, então, que

começou a ocorrer com essas uniões entre homens e mulheres, não casados,

que tinham caráter duradouro e objetivo de constituição de uma família.

Com o passar do tempo, tais relações passam a ser entendidas como

sociedades de fato entre o homem e a mulher e, a luz desse instituto, terão

patrimônios adquiridos durante a convivência repartidos, em um primeiro

momento se exigindo a comprovação de que ambos contribuíram

materialmente para sua aquisição e, em um segundo momento, será

presumida a participação da mulher. Como não havia direito a alimentos, para

tentar de certa forma amenizar a difícil situação em que se encontravam as

mulheres após a dissolução dessas uniões, os Tribunais passaram a conceder

indenizações por serviços domésticos prestados durante a convivência em

comum.

19

Page 24: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

A prática jurisprudencial também amplia e facilita o reconhecimento de

filhos e a investigação de paternidade, sempre que não forem excluídos por

texto imperativo e explícito de lei. (WALD, 1999: 43).

Nesse contexto, relevante se faz a referência aos fatos históricos e

sociais que ocorreram e que promoveram a alteração da concepção de família

tradicional até a então vigente. Nos referimos aqui a fatos sociais que foram

extremamente marcantes para a modificação da sociedade como um todo.

Destaca-se, nesse ponto, a influência determinante da industrialização,

mais intensamente vivenciada no Brasil a partir dos anos 50, que gerou

fenômenos importantes, como a urbanização e o êxodo rural, que promoveram

a modificação das condições econômicas e sociais da época.

A importância disso para a evolução da família, no caso especialmente a

brasileira, se encontra diretamente relacionada à própria condição da mulher

nessa sociedade, uma vez que de dona-de-casa dependente do marido, passa-

se à condição de integrante da força de trabalho, de trabalhadora e

responsável pela ajuda no sustento da prole, ao lado do marido.

Os paradigmas familiares se vêm forçados a mudar. O espaço doméstico sereduz; o casal mediano é obrigado a compartilhar o mesmo leito, o mesmocubículo conjugal. (...) A mulher se vê na contingência de trabalhar para osustento do lar, assumindo essa nova postura com orgulho e obstinação.Começa a libertação feminina, fazendo ruir o patriarcalismo. .(FIUZA, 2000: 35).

Outro fato de implicações nessa evolução social consiste na revolução

sexual vivenciada, no país, nas décadas de 60 e 70, em que são postos em

questionamento os paradigmas clássicos da monogamia, do patriarcalismo,

do machismo e outros.

Em decorrência de tudo isso, as pressões sociais aumentam no sentido

de se reconhecer a igualdade dos sexos, a igualdade entre os filhos, a

20

Page 25: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

democratização da sociedade conjugal e da própria concepção de família, no

sentido de se reconhecer e proteger o que até então permanecia à margem do

direito e era objeto de discriminação.

Em resposta a esses e outros anseios sociais, é elaborada e promulgada

a Constituição Federal de 1988, que vai representar o marco legislativo da

família contemporânea.

Consagrando o regime democrático, a Constituição Federal de 1988 traz,

para o seio da família, a garantia da igualdade, da liberdade e da dignidade

humana.

Com isso, consagra a igualdade formal e material entre os sexos,

afastando qualquer tipo de discriminação que decorra da condição de ser

homem ou mulher, bem como de raças, religião, etc., reforçando, em

dispositivo específico, a igualdade entre os cônjuges, o que vai representar o

rompimento com o modelo patriarcal antes evidenciado pela chefia da família

atribuída exclusivamente ao cônjuge varão.

Da mesma forma, a Lei Fundamental acaba com qualquer tipo de

diferenciação entre os filhos, sejam eles advindos de relações sexuais

matrimoniais ou extramatrimoniais, dissociando, assim, o casamento da

legitimidade da filiação. A igualdade entre filhos é assegurada de forma plena,

tanto social, como juridicamente, de tal sorte que se proíbe qualquer forma de

discriminação, aí incluindo a adoção.

Em matéria de filiação na Carta Magna de 1988, tem-se a lição de

Tepedino (2001):

... exsurgem, no ápice do ordenamento, três traços característicos em matéria defiliação: 1. A funcionalização das entidades familiares à realização dapersonalidade de seus membros, em particular os filhos; 2. Adespatrimonialização das relações entre pais e filhos; 3. A desvinculação entre

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Page 26: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

proteção conferida aos filhos e a espécie de relação dos genitores. (TEPEDINO,2001: 395 a 396)

Nessa perspectiva de democratização, como bem disse Fachin

(1999:125), a Constituição Federal de 1988 “recolheu ao direito o mundo dos

fatos”, ao alargar o conceito de família e reconhecer, ao lado da família

matrimonial, a união estável e a família monoparental (comunidade formada

por quaisquer dos pais e seus descendentes) como entidades familiares.

A união estável, como dito, já vinha sendo, aos poucos, reconhecida

pelos Tribunais, apesar de não o ser com a nomenclatura utilizada na

Constituição de 1988 e sem ser reconhecida como família e gerar efeitos e

direitos vários para os companheiros, o que surgirá com a legislação

infraconstitucional.

Sobre as entidades familiares denominadas de famílias monoparentais,

temos a explicação de Viana (2000):

Pese embora o inconformismo, o fato incontestável ao qual se rendeu nossaConstituição, é que ao lado do casamento constituíram-se outras entidadesfamiliares, avultando das estatísticas o número de mulheres e homens sem par,criando isoladamente seus filhos.(...) A monoparentalidade é, em verdade,antítese real da família natural, mas que clamava respaldo jurídico justamentepara proteção dos filhos expostos a toda série de discriminações nas relaçõespúblicas e privadas, ditadas pelo moralismo cristão casamentário.(VIANA, 2000:31 a 32)

Esse reconhecimento de outras formas de família feito pela Lei

Fundamental representou a repersonalização da família e a consagração do

pluralismo dos modelos familiares.

E é esse pluralismo que marca a concepção contemporânea de família,

de cunho existencialista e que se baseia na realização afetiva de seus

integrantes.

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Page 27: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Essa família plural foi reconhecida constitucionalmente, no art. 226,

como instituição social imprescindível, de tal sorte que o próprio Estado

tornou-se obrigado a conferir- lhe proteção especial.

Com essa finalidade, o legislador constituinte fez constar, no texto

constitucional, o dever estatal de assegurar a assistência à família em relação

a cada um de seus membros, incluindo, nesse dever, a criação de

mecanismos que inibam a violência doméstica.

A importância da família para a sociedade e, por fim, para o próprio

Estado 7, decorre, dentre vários fatores, do fato de que é nela que se encontra o

meio mais apropriado de se efetivar o fundamento da República Federativa do

Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana. E é nessa perspectiva que:

Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades familiares,preservar e desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o afeto, asolidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum,permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, combase em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas. (GAMA,2000: 520)

Ao mesmo tempo em que é conferido ao Estado o dever de proteger a

família, a Constituição Federal afasta a intervenção estatal no que toca ao

planejamento familiar, concedendo ao homem e à mulher a liberdade para

decidir sobre o assunto. Essa liberdade do planejamento familiar, no entanto,

está, de certa forma, restrita, uma vez que condicionada aos princípios da

dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável8.

7 As finalidades básicas da família no mundo fático podem ser resumidas em: a. garantir aperpetuação da espécie; b. contribuir para manutenção e desenvolvimento do Estado,inserindo, em seu seio, pessoas preparadas para vida social. (VIANA, 1998:26)

8 Interessante fazermos referência, nesse momento, ao que é entendido por princípio dapaternidade responsável, transcrevendo - se a lição de Sérgio Ferraz de que tal princípiodeve levar em consideração que “a constituição da prole só é desejável quando os pais,naturais ou artificiais, têm condições de todo o gênero (inclusive econômicas) para garantir avida, a criação, a manutenção, a saúde e educação dos filhos”.(FERRAZ citado por GAMA,2000: 522)

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Page 28: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Sobre a proteção da criança, tem-se que a Constituição Federal

vigente consagra os princípios do melhor interesse da criança e do

adolescente (art. 226, § 7º), princípio da prioridade da proteção absoluta e

integral da criança e do adolescente (art.227, caput ), princípio e dever de

convivência familiar, (art. 227, caput ), incluindo a colocação em família

substituta em casos excepcionais, bem como o já citado princípio da isonomia

entre os filhos, (art. 227, § 6º). Além disso, prevê normas especiais para sua

proteção.

A dissolubilidade do casamento é prevista em dispositivo próprio,

consagrando-se o divórcio por conversão da separação judicial e o divórcio

direto, com estabelecimento da exigência de lapso temporal de dois anos da

separação de fato.

Como não podia deixar de ser, após 1988, surgiram várias normas

a fim de regulamentar e efetivar os princípios consagrados

constitucionalmente em matéria de direito de família, além de se destacar que,

com a nova Constituição, muitos artigos do Código Civil Brasileiro de 1916

não foram recepcionados, o que incentivou a produção legislativa nessa área.

Dentre as várias leis posteriores a 1988 que trataram de assuntos

relacionados à família, há algumas que se destacam como a Lei nº 8069/90,

denominado Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamentou os

direitos da criança e do adolescente em consonância com os princípios

constitucionais, disciplinado matérias como adoção, em que há o

estabelecimento da maternidade e paternidade socioafetiva; atuação das

instituições na defesa dos interesses da criança e do adolescente; processo

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Page 29: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

de apuração de atos infracionais e aplicação de medidas sócio-educativas e

etc.

De importância também a ser destacada foi a Lei nº 8009/90 que definiu a

proteção ao bem de família e a Lei nº 8560/92 que regulou a investigação de

paternidade dos filhos havidos fora do casamento e conferiu legitimidade ao

Ministério Público para promovê-la em situações definidas legalmente.

Outras duas leis que se destacam são as que regularam os

direitos dos companheiros, quais sejam, as leis nº 8971/94 e nº 9278/96, que

estabeleceram diferentes requisitos para sua configuração, destacando-se que

a primeira foi responsável por conferir direitos sucessórios e direitos a

alimentos aos companheiros e a segunda regulou a divisão do patrimônio

adquirido onerosamente durante a união, bem como conferiu o direito real de

habitação ao companheiro sobrevivente.

Mais recentemente foi promulgada a Lei nº 10406/02, que consiste no

novo Código Civil Brasileiro, que trouxe alterações em matéria de direito de

família e reuniu em si o tratamento de assuntos que antes eram objeto de leis

esparsas, como, por exemplo, a união estável, bem de família, separação

judicial e divórcio. É certo que o novo Código inovou em tratar de alguns

assuntos como a paternidade de filhos nascidos por inseminação artificial

realizada após a morte do marido, alterou alguns aspectos do direito a

alimentos, substituiu a expressão pátrio poder por poder familiar, a fim de

afastar qualquer distinção entre os cônjuges e consagrar que os filhos não

são mais meros objetos dos pais, dentre outros assuntos, tudo, porém, no

sentido de adaptar a legislação civil ao previsto no texto constitucional.

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Page 30: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

No entanto, deixou de tratar de uma das grandes inovações

constitucionais que foi o reconhecimento de uma terceira forma de família que

é a formada por quaisquer dos pais e seus descendentes. A família

monoparental, então, permaneceu sem qualquer regulamentação, talvez em

decorrência mesmo da própria história de marginalização desta entidade.

O que importa, porém, é destacar que a legislação posterior à

Constituição Federal de 1988 apenas veio regulamentar os dispositivos

constitucionais que delinearam o perfil do conceito atual de família, o qual é

marcado pelo pluralismo e reconhecido como meio de efetivar a dignidade

humana.

Essa concepção contemporânea de família, no entanto, ainda encontra-

se permeada de questões polêmicas que, como não poderia deixar de ser, vão

surgindo com o desenvolvimento econômico, tecnológico e as modificações

sociais e instigando a sociedade e, por fim, o Direito, a refletir e delinear novas

formas de se entender a família.

Exemplo disso é o que ocorre com a paternidade. Como dito alhures, por

muito tempo a paternidade jurídica advinda do casamento permaneceu quase

absoluta. Porém, com o advento da Magna Carta vigente, com a igualdade dos

filhos, o pluralismo dos modelos familiares, essa paternidade presumida perde

sua força, abrindo espaço para a busca da verdadeira paternidade.(BORGES,

2002:15).

Surge o exame de DNA e a possibilidade de identificar geneticamente pai

e filho, o que faz surgir a paternidade biológica como uma segunda

modalidade. Essa paternidade biológica, então, com o tempo, passa a imperar

na sociedade, que a consagra como verdadeira. No entanto, com o repensar

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Page 31: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

do direito e da família a luz da psicologia e do Direito comparado, a

paternidade passa a ser entendida muito mais como uma função, em que se

prepondera o afeto, do que algo biológico. Com isso, apresenta-se a

paternidade afetiva9.

A discussão, porém, sobre qual seria a verdadeira paternidade,

atualmente, é tema polêmico entre juristas, apesar de haver uma tendência a

se exaltar o critério socioafetivo como o verdadeiro.

E é nesse contexto de questões polêmicas envolvendo a família que

surge, no seio da sociedade, da Medicina e do Direito, os questionamentos

sobre a utilização de técnicas de inseminação artificial em mulheres sozinhas,

tema central desta monografia.

Diante da análise da evolução da família a luz do Direito, conclui-se, por

fim, que a sociedade acabou por construir uma concepção de família muito

mais ligada a questões afetivas e de companheirismo entre seus integrantes,

em que se reconhece o direito à diferença e à liberdade de seu planejamento,

consagrando-se diversos valores e princípios que coadunam com o paradigma

do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido:

A evolução do conhecimento científico - somado ao fenômeno da globalização,ao declínio do patriarcalismo e à redivisão sexual do trabalho – fez uma grandetransformação da família, especialmente a partir da segunda metade do séculopassado. Como será a família desse novo século(...)? Não é necessário maissexo para reprodução, e o casamento legítimo não é mais a única maneira de selegitimar as relações sexuais.(...) Afora a nostalgia de que a família na qual cadaum de nós foi criado é a melhor, sua travessia para o novo milênio se faz em umbarco que está transportando valores totalmente diferentes, como é natural dosfenômenos de virada de século. A travessia nos deixa atônitos, mas traz consigoum valor que é uma conquista, ou seja, a família não é mais essencialmente umnúcleo econômico e de reprodução em que sempre esteve instalada a supostasuperioridade masculina. Nessa travessia, carregamos a “boa nova” de que elapassou a ser muito mais o espaço para o desenvolvimento do companheirismo,do amor e, acima de tudo, embora sempre tenha sido assim, e será, o núcleoformador da pessoa e fundante do sujeito. (PEREIRA, 2003: 235 a 236)

9 A paternidade socioafetiva equivale ao entendimento de que “a paternidade, em si mesma,não é um fato natural, mas um fato cultural. (...)... ser pai ou mãe não está tanto no fato degerar quanto na circunstância de amar e servir”.(VILLELA, 1979: 406 a 409).

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Page 32: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

2.2 F2.2 FAMÍLIAAMÍLIA M MONOPARENTALONOPARENTAL

2.2.1 T2.2.1 TERMINOLOGIAERMINOLOGIA

Como se pode constatar no capítulo I, a denominada família

monoparental, ou melhor, a entidade familiar formada por qualquer dos pais e

seus descendentes, só veio a ser reconhecida como uma forma de família,

pelo Direito brasileiro, em 1988 com a promulgação da Constituição Federal.

Apesar de seu reconhecimento jurídico só ter ocorrido em 1988,

essa entidade familiar sempre existiu como realidade fática, e talvez sua

existência como tal seja muito mais longínqua do que se possa imaginar.

Foi, porém, nas três últimas décadas que a família monoparental firmou-

se como um fenômeno social, passando a ser, então, objeto de estudos e

preocupações por parte de sociólogos e juristas, que passaram a ser referir a

ela como uma categoria específica de família.

Sempre existiram viúvos e viúvas, mães solteiras e mulheres separadas ouabandonadas por seus maridos que assumem, por inteiro, o encargo de suaprogenitura. Mas o crescimento dos anos 60 nos países industrializadosproduziu um impacto sobre a configuração das famílias. Como a maioria doscasais desunidos tem filhos, os lares dirigidos por um só genitor sofreram umaumento considerável e uma intensa visibilidade. Os analistas sociais lhesatribuem, então, uma denominação inédita: famílias monoparentais. Oneologismo é amplo e procura designar, ao mesmo tempo, novas formas demonoparentalidade oriundas de rupturas voluntárias de uniões, bem comoformas antigas (e desaparecidas) decorrentes de falecimentos e deserções decônjuges, como também os nascimentos extramatrimoniais. (DANDURANDcitado por LEITE; 1997: 724 a 725)

Destacando-se como fenômeno social, a Inglaterra, por volta de 1960, é

o primeiro país a fazer levantamento estatístico em que se refere à família

monoparental, utilizando, entretanto, para designá-la, as expressões “one-

parents families” ou “lone-parents families”.

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Page 33: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

A terminologia “família monoparental” só surge na França, em um

estudo desenvolvido em 1981 pelo Instituto Nacional de Estatística e de

Estudos Econômicos (INSEE), que utilizou o termo a fim de distinguir a

comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos das uniões

constituídas por um casal, tendo sido tal termo consagrado e mantido por toda

Europa e outros países ocidentais. (LEITE, 1997: 21 a 22)

Antes, porém, de se consagrar a terminologia, muito se discutiu se a

melhor nomenclatura não seria “situações de ordem familiar de risco”,

“família unilinear” ou “lar monoparental”, chegando a se afirmar que seria

melhor “falar de lar monoparental, ao invés de ‘ família monoparental ’ ,

sobretudo quando o genitor que não mais mora ali se manifesta

freqüentemente e preenche seu papel de genitor ” (SULLEROT citado por

LEITE,1997: 24).

Superadas essas discussões, predominou o termo “família

monoparental” para designar lares compostos por genitor solteiro, viúvo,

separado ou divorciado e seus filhos.

Apesar de consagrada a terminologia, a monoparentalidade envolve uma

série de questões a serem definidas a fim de que se possa efetivamente

conceituar ou delimitar essas entidades familiares de forma unívoca, pois se

trata de uma expressão que acaba por englobar várias situações diferentes e

variáveis nas legislações de países ocidentais. São questões como idade

limite do filho, sua dependência ou não de seus pais, a abrangência ou não de

comunidades formadas por ascendentes e descendentes que não sejam pais e

filhos, etc.

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Page 34: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Nesse ponto, encontramos em direito comparado, diferentes soluções

legislativas. A primeira que se deve fazer referência diz respeito à idade limite

do filho que reside junto do pai ou da mãe, considerando a necessidade ou

não de ser o descendente criança, para que se configure a monoparentalidade,

bem como a caracterização de sua dependência em relação a seus

ascendentes.

Sobre isso, tem-se que, na França, por exemplo, a idade limite encontra-

se aos 25 anos, pois antes disso pode-se considerar o filho dependente. Na

Alemanha e Estados Unidos, o filho é considerado dependente até 18 anos,

enquanto que, na Inglaterra, a criança é dependente até os 16 anos ou, se

estuda em período integral, até os 19 anos de idade. Outros países, porém,

não delimitam pela idade a dependência do filho e nem condicionam a

configuração da monoparentalidade a tal fato, como é o caso da Bélgica.

(LEITE, 1997: 22 a 23).

Outra questão que se destaca é a referente ao fato da comunidade

formada por um dos pais e seus filhos viverem independentemente ou estarem

integrados em lares com outras pessoas, ou seja, o fato de residirem sozinhos

ou viverem com parentes, como, por exemplo, os avós.

Aqui, da mesma forma, verifica-se que as legislações sobre o assunto

variam10, mas predomina a compreensão de que famílias monoparentais são

aquelas que vivem isoladamente e também as que vivem em lares com outros

parentes.

10 A Suécia é um exemplo de país que exige que a comunidade formada por um dos pais eseus filhos tenha independência a fim de configurar a monoparentalidade, enquanto que,como dito, a maioria dos países considera família monoparental independente men te dofato de viverem ou não com outras pessoas (Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, Suíça,Bélgica, Irlanda, e outros).

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Page 35: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

No Brasil, como não existe legislação infraconstitucional que tenha por

objeto o tratamento da família monoparental, não há delimitação acerca da

configuração da monoparentalidade em relação a determinada idade do filho

ou do fato da comunidade formada por pai ou mãe e seus descendentes

viverem isolada e independentemente ou com outros parentes, uma vez que a

Constituição Federal, no § 4º de seu art. 226, apenas previu: “Entende-se,

também, por entidade familiar a comunidade formada por quaisquer dos pais e

seus descendentes”.

A Constituição Federal limita-se a dizer que reconhece como entidade familiar acomunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Não fazqualquer distinção, o que inibe o intérprete. Nesse conceito está inseridaqualquer situação em que um adulto seja responsável por um ou váriosmenores. Isso permite concluir que ela pode ser estabelecida desde sua origem,ou decorre do fim de uma família constituída pelo casamento. Nesse diapasão épossível que ela se estabeleça porque a mãe teve um filho, mas a paternidadenão foi apurada, ou porque houve adoção, ou pode resultar da separaçãojudicial ou do divórcio. Nessa linha temos a família monoparental formada pelopai e o filho, ou pela mãe e o filho, sendo que nos exemplos há o vínculobiológico, ou decorre de adoção por mulher ou homem solteiro. Nada impedeque o vínculo biológico que une os membros dessa família, não decorra decongresso sexual, mas resulte de procriação artificial. A mãe solteira submete-se à inseminação artificial, não sabendo quem seja o doador. (VIANA, 1998: 32).

Da mesma forma, não há que se falar, no direito pátrio, apenas em

crianças como membros dessa entidade familiar, o que limitaria, para fins de

reconhecimento e proteção do Estado Brasileiro, as famílias monoparentais às

comunidades formadas por mãe ou pai e filhos que possuíssem até 12 anos de

idade, pois a partir de então deixaria de existir a monoparentalidade, em razão

de que esse filho deixaria de ser criança e passaria a ser considerado

adolescente, conforme definido no Estatuto da Criança e do Adolescente11.

11 Art.2º da Lei nº 8069 / 90 assim dispõe: “considera- se criança, para os efeitos desta Lei, apessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12(doze) e 18(dezoito) anos de idade”.

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Page 36: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Sobre a necessidade de comprovação ou não de dependência dos filhos

em relação aos pais com os quais residem, também há que se exaltar que não

existe nenhuma norma no ordenamento jurídico brasileiro que restrinja a

configuração da família monoparental à comunidade formada por um dos pais

e seus filhos em que exista qualquer relação de dependência entre seus

membros. Há que se fazer referência à opinião de Leite (1997):

Enquanto na França determinou-se a idade-limite desta criança – menos de 25(vinte e cinco) anos-, no Brasil, a Constituição limitou-se a falar emdescendentes, tudo levando a crer que o vínculo pais x filhos dissolve-senaturalmente com a maioridade 21 (vinte e um) anos, conforme disposiçãoconstante art. 9º do CC brasileiro [de 1916, e com 18 anos, conforme art. 5º doCC brasileiro de 2003]. (LEITE, 1997: 22).

Diante disso, tem-se, então, esclarecido que apesar do termo ‘ família

monoparental ’ ser consagrado na maioria dos países para designar a

comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, não se pode

estabelecer com clareza os limites e requisitos para sua configuração de

forma única, principalmente em se tratando do direito pátrio que nada prevê

sobre essa entidade familiar, seja para defini- la melhor, seja para estabelecer

formas de proteção pelo Estado como foi determinado pela Lei Fundamental.

Por fim, há que se destacar que a necessidade de regulamentação desta

entidade familiar advém principalmente da necessidade de se efetivar o que foi

garantido na Constituição Federal, ou seja, a proteção especial do Estado, e se

efetivar a própria garantia de igualdade e não discriminação entre as diversas

formas de famílias,uma vez que, a ausência de políticas públicas

especificamente destinadas à proteção da família monoparental fazem com

que esta seja tratada como se fosse algo parecido ou próximo às uniões

estáveis e uniões matrimoniais, desrespeitando-se, assim, as suas

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Page 37: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

especificidades e diferenças em relação às outras formas de família. Nesse

sentido:

O que cria problema nas famílias monoparentais e constitui sua especificidadeestá vinculado à possibilidade de sua existência própria, um ambiente social,concebido e organizado em torno da família ‘b iparental ’ . Não é no interiordestas famílias que se deve procurar sua ‘homogeneidade ’ ou sua‘ identidade ’ mas na sua relação com o exterior – ao lado da organização social– que as obriga a conviver com um ambiente onde sua situação não foi prevista.(GUILLOT citado por LEITE; 1997:28)

2.2.2 C2.2.2 CAUSASAUSAS DADA M MONOPARENTALIDADEONOPARENTALIDADE

Como dito alhures, a família monoparental sempre existiu, mas teve um

considerável aumento nos últimos anos.

Tanto o surgimento, quanto o significativo aumento dessas famílias

verificado em levantamentos estatísticos, decorrem de fatores e causas que

estão além do Direito, que se encontram em questões sociais, econômicas e

políticas. Isso pode ser facilmente constatado através da evolução da própria

civilização, mais especificamente das modificações sociais que ocorreram

nessas últimas décadas e que foram responsáveis pelo quadro que se

apresenta hoje.

A análise da família monoparental, mesmo que sob o enfoque do jurista,

deve percorrer também a análise das causas que desencadeiam a

monoparentalidade, até porque é conhecendo as origens e necessidades

sociais que o Direito pode regulamentar e definir soluções para possíveis

problemas surgidos nesse âmbito.

Dito isso, tem-se que relevante se faz destacar que a definição dessa

causas sociais, políticas e econômicas não pode ser vista com rigidez, uma

vez que, como é natural de todo e qualquer fenômeno social, o tema é fluido e

transitório. Isso porque a manutenção da própria família monoparental

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Page 38: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

consiste em uma situação que se tem constatado ser transitória, ou melhor, as

famílias monoparentais, em sua maioria, são constituídas e mantidas

transitoriamente, caminhando para uma nova união desse pai ou dessa mãe

que vive com os filhos, apesar de vivenciarmos uma época em que o número

de adeptos da vida solitária tem aumentado.

Pode-se, porém, apontar alguns fatores que se destacam como

determinantes para o surgimento da família monoparental na sociedade, bem

como para sua propagação.

A primeira e mais antiga dessas causas da formação de famílias

monoparentais encontra-se na viuvez, seja do homem ou da mulher, em que

há descendentes que se mantêm sob os cuidados ou apenas residindo com o

cônjuge sobrevivente. Isso porque, como ficou constatado na evolução

histórica feita no capítulo I, o casamento sempre foi consagrado como

formador da família, não se podendo, em alguns momentos da história,

separar a idéia de matrimônio do conceito de família.

Apesar de ser a causa mais remota da monoparentalidade, a proporção

de famílias monoparentais decorrentes da viuvez tem sido menor em relação a

outros fatores a partir da década de 1980, seja porque a expectativa de vida

dos homens aumenta ou mesmo pelo aumento de separações e divórcios.

(LEITE, 1997: 60).

A mais vetusta monoparentalidade se esboçava nas figuras das viúvas e dasmães solteiras, vitimadas por uma concepção não querida, que engrossavam asfileiras da monoparentalidade, porém, modernamente, as famíliasmonoparentais se recrutam, mais e mais, entre as ex-famílias biparentaisregulares, tornadas monoparentais em decorrência de separação ou divórciodos cônjuges, ou ainda, pela opção de ter um filho mantendo-se sozinho, o queé referendado pela Lei 8.069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente – queno seu art. 42 estabelece permissivo para a adoção de menores por pessoassolteiras. (TALAVERA, 2000:176)

34

Page 39: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Independentemente disso, a viuvez é apontada como uma causa da

monoparentalidade.

Outro fator que determina a formação de famílias monoparentais é a

separação judicial e o divórcio, sendo considerado um dos principais fatores.

A tendência separatista, no Brasil, se consolidou notadamente a partir

da década de 70, apesar de não se poder afirmar que tal fenômeno coincida

com a promulgação da Lei nº 6515/77, pois, como se sabe, essa lei só veio

atender aos anseios sociais pela abolição do desquite e criação de uma forma

de permitir a dissolução do próprio vínculo conjugal, permitindo-se novas

uniões a partir de então.

Essa tendência que, nos dias atuais, se mostra cada dia mais reforçada,

tem como justificativa o entendimento da sociedade contemporânea de que a

dissolução do casamento é acontecimento completamente normal e até

previsível para alguns, assim como a idéia de que não é necessário o

casamento para que o homem ou a mulher se realize afetivamente e seja feliz.

Essa mudança de mentalidade desencadeia, então, o aumento de famílias

monoparentais consecutivas aos divórcios e separações judiciais.

As famílias monoparentais advindas do divórcio e separação judicial,

como quaisquer outras, podem ser formadas por homens ou mulheres

separados ou divorciados cuidando de seus filhos. Entretanto, apesar de

saber que alguns homens tendem a buscar efetivar sua função paterna, ainda

predomina, na sociedade, a idéia de que a criança ou o adolescente

permanece melhor com a mãe, o que significa dizer que a maioria das famílias

monoparentais consecutivas ao divórcio ou separação judicial são formadas

por “mulheres chefes de família” (LEITE, 1997: 40 a 41).

35

Page 40: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Embora aqui se destaque essa causa de formação da família

monoparental, é necessário lembrar o que foi dito alhures quanto à

transitoriedade que marca a monoparentalidade, o que significa que essas

famílias monoparentais formadas depois da separação e do divórcio podem

não se manter assim por muito tempo, uma vez que essa mãe ou esse pai

pode vir a contrair novo matrimônio ou mesmo constituir uma união estável.

Outro fator que desencadeia a monoparentalidade é a dissolução das

uniões estáveis, reconhecidas como entidades familiares.

As uniões estáveis também sempre existiram, apesar de não serem

tratadas com esse nome ou mesmo não merecerem o reconhecimento do

ordenamento jurídico pátrio até a Constituição Federal de 1988.

Em decorrência disso, famílias monoparentais consecutivas à ruptura de

uniões, que hoje seriam reconhecidas como uniões estáveis, também sempre

existiram, mesmo antes de 1988. É certo, porém, que a situação de

marginalidade dessas uniões causava sérios prejuízos e problemas

socioeconômicos para essas famílias, seja enquanto monoparentais, seja

enquanto resultado de uniões extramatrimoniais. Isso porque o Estado não

destinava qualquer tipo de proteção ou de auxílio para esses grupos,

enquanto a sociedade discriminava e nem mesmo os filhos escapavam da

discriminação e da posição de inferioridade perante os filhos matrimoniais de

seus pais.

Ultrapassada, porém, essa questão, tem-se que a ruptura de uniões

estáveis constitui um importante fator determinante da monoparentalidade,

principalmente nas classes de baixa renda, se destacando que a grande

36

Page 41: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

maioria das famílias monoparentais assim formadas encontra-se entre as

mulheres e seus filhos.

Um outro fator determinante para a monoparentalidade é a “mãe

solteira”, que só será reconhecida plenamente no fim do século XX, apesar de

sempre ter existido.

Essa categoria sempre se viu marginalizada à legislação familiar e foi

discriminada por muitos anos, principalmente com a diferenciação entre filhos

legítimos e ilegítimos abolida pela Constituição Federal de 1988.

Inicialmente, a idéia de “mãe solteira” estava estritamente ligada à idéia

de adolescentes ingênuas e imaturas que engravidavam e, assim, passavam a

ser vítimas de uma situação social desfavorável, ou à idéia de mulheres que,

contrariando costumes sociais da época, mantinham relações sexuais antes

do casamento e engravidavam involuntariamente e eram eternamente

discriminadas no meio social em que viviam.

No entanto, essas características de “mães solteiras”, apesar de não

terem deixado de existir, não são mais as únicas na atualidade. Isso porque,

aos poucos, com a revolução sexual e independência da mulher, foi surgindo,

na sociedade, mães sozinhas que se encontram nessa situação porque assim

desejaram, isto é, surgem as “mães solteiras” por opção ou voluntárias em

contraposição às mães solteiras involuntárias, para as quais a maternidade foi

“imposta”.

Nessa categoria de mães sozinhas voluntárias, Leite (1997: 54) faz uma

distinção entre aquelas que advêm de uma relação familiar tradicional como o

casamento ou mesmo a união estável, a qual colocaram fim, e que, mesmo

após isso, desejam e têm um filho para ser criado apenas por elas, admitindo

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Page 42: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

a idéia de assumirem novas relações de casal; e aquelas que, sem qualquer

pretensão de constituir uma relação de casal duradoura, decidem ter um filho,

conscientes de que o criarão sozinhas. Em ambas situações tem-se a

maternidade desejada e a opção por um modelo de vida independente de

qualquer companheiro ou marido e que será compartilhado apenas com o

filho.

Uma das possíveis justificativas, além das já expostas, para o aumento

de mães sozinhas voluntárias encontra-se no fato de que o modelo de vida

denominado “celibatário” 12 tem sido enfocado socialmente como o melhor a

ser adotado e se caracteriza por estar vinculado sempre à idéia de um adulto

só e bem sucedido.

“ O celibato é o modelo de vida escolhido pelas novas gerações. A

escolha por esse novo modelo de vida sentimental tem sido observado nas

camadas econômicas mais favorecidas tanto entre homens quanto entre

mulheres” .(PALMA, 2001: 71)

Por isso, não raro encontrarmos mulheres bem sucedidas nas

suas profissões que desejam realizar seu desejo de ser mãe, sem desejarem

se vincular ao pai desse almejado filho.

Em razão de se tratar de uma questão que é encarada sobre duas

perspectivas, por alguns apontadas como conflitantes, quais sejam, os

interesses da criança e os da mãe, a maternidade voluntária é objeto de

polêmica, principalmente após a diferenciação ocorrida nos últimos tempos

entre maternidade e sexualidade, o que está intrinsecamente relacionada com

a utilização de técnicas de reprodução medicamente assistida.

12 Essa expressão é utilizada por autores como Leite (1997), Talavera (2000) e Palma (2001).

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Page 43: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Assim, as “mães solteiras”, ou melhor, mães sozinhas,

constituem uma das causas da monoparentalidade que mais tem se destacado

na atualidade e que tem provocado uma revolução na idéia da

monoparentalidade como uma situação indesejável, imposta por

circunstâncias alheias à vontade dos adultos que as constitui, uma vez que

começam a surgir famílias monoparentais por opção.

Com base no exposto, se conclui que a monoparentalidade advém

de várias causas e essa diversidade permite, inclusive, estabelecer categorias

de famílias monoparentais, havendo necessidade, porém, de se destacar que,

além dos fatores aqui citados, há outros tantos de natureza socioeconômica

que interferiram significativamente para o aumento de famílias monoparentais.

2.3 A 2.3 A FAMÍLIAFAMÍLIA MONOPARENTALMONOPARENTAL FORMADAFORMADA PORPOR MÃESMÃES SOZINHASSOZINHAS PORPOR OPÇÃOOPÇÃO UTILIZANDOUTILIZANDO TÉCNICASTÉCNICAS DEDE

INSEMINAÇÃOINSEMINAÇÃO ARTIFICIALARTIFICIAL

O número de famílias monoparentais, nas últimas décadas,

aumentou significativamente por diversos fatores, os quais foram explicitados

no capítulo anterior. Dentre eles, há um fator determinante da

monoparentalidade ao qual a maioria das pesquisas envolvendo esta forma de

família tem focado suas atenções, qual seja, a maternidade celibatária

voluntária, ou melhor, as mães sozinhas por opção.

O destaque a esse fator ou categoria de famílias monoparentais tem

ocorrido não só porque representa uma das mais significativas causas de

propagação da monoparentalidade, mas, sobretudo, porque inova ao retirar o

estigma de que a família monoparental decorre de circunstâncias impostas na

vida de seus elementos, sendo considerado como uma situação que pretende

ser transitória, uma vez que indesejada. Isso porque, nessa categoria de mães

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Page 44: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

sozinhas voluntárias, encontramos a formação da família monoparental por

opção dessas mulheres, como algo desejado e que, a princípio, não é visto

como uma forma de família transitória, pois não se almeja a formação de uma

relação de casal posteriormente.

No seio desta categoria de famílias monoparentais, encontram-se mães

sozinhas voluntárias que realizam o desejo de ser mãe através da adoção, ou

de um relacionamento sexual descompromissado do qual resulta gravidez, ou

de um romance em que o parceiro não se dispôs a assumir e exercer a

paternidade, ou mesmo através da utilização de técnicas de inseminação

artificial.

A “mãe solteira”, ou melhor, sozinha (porque pode se tratar de uma

mulher solteira, separada, divorciada ou viúva que, após o término desta

relação de casal, deseja ter um filho independentemente do pai biológico

deste), que deseja utilizar-se da adoção para concretização de seu sonho,

encontra, na legislação brasileira, a possibilidade e os caminhos para fazê-lo.

Isso porque, a Lei nº 8069/90, denominada Estatuto da Criança e do

Adolescente, permite a adoção por pessoas maiores e capazes,

independentemente do estado civil, bem como do fato de manterem ou não

uma relação de casal. É nesse instituto consagrado na referida lei que vemos

o reconhecimento, pelo Direito brasileiro, da paternidade e maternidade

socioafetiva, a qual já nos referimos e em que se vê mais claramente que a

paternidade e a maternidade não são fatos biológicos ou jurídicos, mas fatos

culturais. É na adoção que se consagra que os vínculos biológicos nada

interferem para efeito do vínculo de filiação, o qual se estabelece através da

opção e do exercício das funções de pai e/ou mãe com o filho, o qual é

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Page 45: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

desligado, salvo para efeitos de impedimento matrimonial, dos laços com a

família natural.

A maternidade, portanto, pode ser constituída por meio da adoção,

enquadrando-se na denominada maternidade socioafetiva, podendo realizar-se

por mulheres solteiras, separadas, divorciadas ou viúvas, independentemente

de uma relação de casal, fato que em nenhum momento interferirá para o

reconhecimento desta comunidade formada por mãe e filho como uma família

digna de proteção.

As mães sozinhas por opção também podem realizar seu desejo de

maternidade sem se vincularem a um marido ou companheiro, através do

simples fato de manterem relacionamento sexual com um homem

determinado, que tem ou não um vínculo afetivo com as mesmas, mas que não

pretende exercer a paternidade.

Nessa categoria, Leite (1997), diz em “mulheres planejadoras”, que

optam por ter um filho e planejam tudo mesmo antes do nascimento deste,

podendo, inclusive, escolher o “parceiro ideal”; e as “mulheres idealistas”,

que têm a maternidade como uma opção, mas ela é algo que decorre de um

relacionamento amoroso vivenciado pela mulher com determinado homem,

sendo que este jamais será um pai para o filho e, mesmo assim, ela assume

esse filho como algo desejado, Leite (1997: 76)13. Nessas situações, a única

previsão do Direito brasileiro refere-se à preservação do direito do filho de

buscar a sua paternidade biológica por meio da Investigação de Paternidade,

e, posteriormente, os efeitos e direitos inerentes a esse reconhecimento.

13 Nas palavras do citado autor: “... há aquelas que se decidiram ser mães solteiras eplanejaram este desejo partindo à procura de um genitor para seu filho (são as ‘planejadoras’), e aquelas que não planejaram a maternidade solteira, mas encontrara mum genitor do qual elas querem um filho”.(LEITE, 1997: 75).

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Page 46: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Há, por fim, uma outra possibilidade de mulheres sozinhas formarem

famílias monoparentais por opção que consiste na utilização de técnica de

inseminação artificial, sendo essa questão polêmica quanto a sua

admissibilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

Como não podia deixar de ser, esse questionamento advém do

desenvolvimento da Medicina que, a cada dia, afasta qualquer impossibilidade

ou dificuldade física do ser humano em efetivar seus desejos de se reproduzir,

de ter prole. O desenvolvimento dessas técnicas de reprodução medicamente

assistidas promove, então, uma ebulição de questionamentos jurídicos, éticos

e religiosos envolvendo questões cada vez mais complexas, bem como

promovem uma revisão de conceitos e princípios até então consagrados

quanto à maternidade e paternidade, incentivando, ainda mais, a concretização

da idéia de que ambos decorrem de fatos sociais e culturais, atos precisos de

vontade e não apenas biológicos ou jurídicos.

E é nesse contexto que a realização da técnica de inseminação artificial

em mulheres sozinhas tem merecido destaque entre esses temas que instigam

as discussões e reflexões de médicos, psicólogos e, principalmente, juristas a

fim de se buscar solução moralmente aceita, útil e efetiva para a polêmica

envolvendo os interesses da mulher e da futura criança.

Cabe aqui fazermos referência ao fato de que a inseminação artificial

pode ser classificada em homóloga ou heteróloga: “diz-se homóloga a

inseminação quando o sêmem e o óvulo pertencem ao marido e à esposa; e

heteróloga será se um destes elementos é doado por estranho” (RIZZARDO,

1994: 246).

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Page 47: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Tem-se que, quanto à possibilidade de realização dessas modalidades

de inseminação artificial em mulheres casadas ou que vivem em união estável,

não há, no Brasil, maiores embaraços ou opositores, mesmo em se tratando

de inseminação heteróloga em que se preserva o anonimato do doador de

sêmen.

Tanto no Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional que

pretende tratar de reprodução assistida, como na Resolução nº 1.358/92 do

Conselho Federal de Medicina, não há oposição à inseminação artificial em

mulheres casadas ou que vivem em união estável.

A Lei nº 10.406/02, Código Civil Brasileiro vigente, por sua vez,

tratou superficialmente da inseminação artificial. O único dispositivo, no

capítulo do Direito de Família, que fez referência à utilização destas técnicas,

encontra-se no art.159714, que estabelece a presunção de paternidade do

marido em relação aos filhos concebidos por sua esposa que sejam advindos

de fecundação artificial, seja homóloga ou heteróloga, desde que autorizada

pelo marido, ainda que o mesmo já tenha falecido. Assim, com base na

autorização do marido, o Código Civil Brasileiro, mediante a previsão da

determinação da paternidade jurídica em hipóteses de utilização de

inseminação artificial em mulheres casadas e viúvas, demonstrou a tendência

no esvaziamento do conteúdo biológico da paternidade, valorizando muito

mais o critério do consenso, da manifestação de vontade do marido em ser pai

(MEIRELLES, 2002: 398).

14 Assim dispõe o Código Civil Brasileiro vigente, em seu artigo 1597: “Presumem - seconcebidos na constância do casamento os filhos: (...) III – havidos por fecundação artificialhomóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratarde embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V – havidos porinseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”.

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Page 48: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

No entanto, o Código Civil Brasileiro apenas permitiu a

inseminação artificial em relação a uma espécie de mulher sozinha, qual seja,

a viúva, não definindo, contudo, a situação das demais mulheres sós

(separadas, divorciadas, solteiras) que pretendam utilizar-se deste recurso

científico.

Para suprir a ausência de regulamentação, em 1999, foi apresentado ao

Congresso Nacional um Projeto de Lei, de autoria do Senador Lúcio Alcântara,

que pretende regular a reprodução medicamente assistida no país.

Esse Projeto de Lei, que será analisado posteriormente, permitiu, em

sua versão original, o acesso de mulheres sozinhas às técnicas de reprodução

assistida, sendo, porém, modificado durante a tramitação no Senado Federal

para estabelecer que somente as mulheres casadas ou em união estável

podem utilizar-se desses recursos científicos.

Constata-se, assim, que não há, ainda, consenso sobre a possibilidade

ou não da mulher sozinha ter acesso à inseminação artificial.

Doutrinariamente, a questão mostra-se igualmente divergente, havendo

divisão entre os que estudam a matéria, cujos argumentos, em resumo, aqui

serão expostos.

Primeiramente, deve-se fazer referência aos argumentos

contrários à possibilidade de se realizar técnicas de inseminação artificial em

mulheres sozinhas, sendo eles sustentados, entre outros, por Leite (1995) e

Soares (2000).

O primeiro dos argumentos utilizados por aqueles que defendem a sua

proibição encontra-se no fato de que, com a inseminação artificial em mulher

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Page 49: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

sozinha, estar-se-ia impondo a ausência da posição paterna à criança desde o

início de sua vida, o que não seria nada benéfico ao seu desenvolvimento.

A paternidade ignorada representaria um grande prejuízo psicológico,

ético e social para a criança fruto da inseminação artificial no que tange à sua

formação e desenvolvimento, afirmando-se que nenhuma mulher seria capaz

de suprir a ausência do pai para o filho, por mais bem intencionada que esteja

ao decidir ser mãe.

Para reforçar esse argumento, os seus defensores buscam demonstrar,

através de dados estatísticos, que a monoparentalidade representa um risco

para formação de uma criança, vinculando este fator aos índices de incidência

de criminalidade, uso de substâncias entorpecentes, ocorrência de gravidez

na adolescência e outros, aos filhos criados apenas por um dos pais.

(...) atualmente se tem irrefutável evidência empírica de que a estrutura ou formada família é de grande importância para a felicidade individual e para aestabilidade social.(...) A família baseada no casamento é singularmentebenéfica para o bem estar dos indivíduos e das sociedades.(...) a evidência éesmagadora de que essas ‘ formas familiares ’ alternativas são arautos degrande sofrimento para os indivíduos e causas de substancial desastre social eeconômico para as nações. (WARDLE, 2002: 26 a 27).

Ademais, sustenta-se que ao se admitir a possibilidade de

inseminação artificial em mulheres sozinhas se estaria conferindo poder

desenfreado à mulher, a qual poderia determinar a posição da criança como

uma posse materna e não como uma pessoa, pois a mãe estaria amputando a

ascendência de seu filho pela metade, privando-o do direito de investigar seu

pai, em face do anonimato que é garantido aos doadores de sêmen.

Toda criança tem, normalmente, um pai e uma mãe. Ou melhor, em toda criançaexiste um direito fundamental ao biparentesco, como vocação natural e legítimade ter um pai e uma mãe, e de ser educada por ambos. (...) está definitivamentecomprovado o prejuízo que representa para uma criança ser criada e educada sópor uma pessoa, sem a identificação paterna e materna. E, acrescenta Ribellin-Devichi, ao admitir-se a inseminação artificial de conveniência [a realizada pormulheres solteiras, por exemplo] estar-se-ia aceitando o surgimento de uma

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Page 50: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

criança órfã de pai, amputando sua ascendência pela metade, contrariamente aoque ocorre no divórcio, ou no caso de morte. (LEITE, 1995: 336 a 357)

Com base nisso, é que dizem que “deverá esta última prática

[inseminação artificial de mulher solteira] ser coibida por propiciar o

aparecimento de mais crianças com a paternidade ignorada” .(SOARES, 2000:

560 a 561).

Por essa razão, para os que defendem a proibição da inseminação

em “mulheres solteiras”, há o entendimento de que o princípio da dignidade

da pessoa humana em relação à futura criança estaria sendo ofendido, pois as

repercussões negativas sobre o seu equilíbrio, notadamente o psíquico, diante

do fato de não ter um pai reconhecido, devem ser analisados de forma a se dar

prioridade absoluta aos interesses do menor quando em confronto com os

interesses e anseios da mulher sozinha que almeja ser mãe pela inseminação

artificial.

Não haveria, então, que se cogitar do direito da mulher em efetivar

os seus “direitos reprodutivos” ou mesmo exercer a liberdade do

planejamento familiar assegurado constitucionalmente e regulamentado por

lei infraconstitucional, em face do prejuízo ao desenvolvimento psicológico da

criança.

E é nesse contexto que Leite (1995) posiciona-se contrariamente à tese

de que haveria um direito reprodutivo a todos constitucionalmente

assegurado, pois, para ele, nem haveria realmente um direito a ter filhos,

sendo este apenas uma faculdade, uma liberdade e que, por isso, tal

argumento levantado pelos defensores da possibilidade de inseminação

artificial em “mulheres solteiras” não teria nenhuma sustentabilidade.

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Page 51: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

O direito a ter filhos, tantas vezes invocado, existe realmente? Este ´direito´invocado é apenas uma faculdade, ou melhor, uma liberdade. (...)... procriar nãoé um direito. Até poderia ser se a liberdade em jugo constituísse um direitopessoal ou um direito real. Caso se tratasse de um direito pessoal, serianecessário um doador, sendo credor o reivindicante. O devedor poderia sercompelido a fornecer seus gametas (que, no caso em tela, é impossível). Se oconsiderássemos um direito real, assimilar-se-ia a criança a um produto,encomendado e programado. A criança passaria a ser objeto de propriedade,proposta igualmente refutável a partir da consideração que uma criança nãopode ser objeto de propriedade. (LEITE, 1995: 355-356)

Diante disso e do suposto prejuízo à identidade pessoal da criança,

sabendo-se que as únicas limitações à liberdade no planejamento familiar são

a dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável, sustenta-se que a

inseminação artificial em “mulheres solteiras” não poderia ser admitida no

Estado Brasileiro por contrariar uma dessas limitações, qual seja, a dignidade

da criança.

Outro argumento utilizado diz respeito ao fato de que a realização de

inseminação artificial em “mulher solteira” contraria a própria finalidade e

razão do desenvolvimento das técnicas de reprodução assistidas. Essas

teriam sido criadas não para satisfazer desejos individuais de homens ou de

mulheres sozinhos, mas sim para atender aos anseios de casais com a natural

intenção de ter filhos, mas que, diante de uma impossibilidade ou dificuldade

física, não conseguiriam conceber uma criança sem a utilização desses

recursos científicos. Alega-se que:

a inseminação artificial não foi desenvolvida para atender interesses egoísticosde particulares, muito menos de grupos ou segmentos de conduta excepcionalna sociedade; a legitimidade deste recurso repousa na natural intenção de terprole, própria de casais, como decorrência natural da relação matrimonial, ou,da entidade familiar.(...) A inseminação deve atender a um projeto parental enunca a um projeto impessoal. (LEITE, 1995: 336)

Além disso, Leite (1995) sustenta que o reconhecimento pela

Constituição Federal das famílias monoparentais, através do seu art. 226, § 4º,

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Page 52: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

não importa dizer que esse dispositivo permite a inseminação artificial em

“mulheres solteiras” em face da igualdade imposta às várias formas de

família. Entender dessa forma, diz o autor, seria entender que a Constituição

Federal reconheceu tal entidade com vistas à sua proliferação, o que não

condiz com a realidade.(LEITE, 1995: 354).

Ademais, afirma que “ as famílias monoparentais ali citadas [art. 226, §

4º da CF], transformaram-se em monoparentais por força das circunstâncias

(separação, divórcio, abandono, etc), mas eram, inicialmente, famílias

normais, constituídas de pai, mãe e filhos” e que, por isso, também não se

pode aceitar a inseminação em “mulheres solteiras”, pois “estar-se-ia

programando a existência de uma criança a uma família monoparental”

(LEITE, 1995: 354 a 356). Seria, então, a institucionalização deliberada da

monoparentalidade.

Por outro lado, há doutrinadores, como Gama (2000), Viana (2000) e Sá

(2003), que defendem a possibilidade da realização de inseminação artificial

em “mulheres solteiras”, utilizando-se de outros argumentos que pretendem

responder aos contrários à sua posição.

Defende-se a possibilidade de realização de inseminação artificial em

mulheres sós, fundamentando, primeiramente, que é a própria Constituição

Federal que o permite.

Isso porque, no art. 226, § 7º, da Magna Carta, foi estabelecido o

princípio do livre planejamento familiar, que consagra o direito de todo

indivíduo de vivenciar sua vida sexual e reprodutiva de forma livre e sem

intromissão do Estado nesta, podendo, inclusive, recorrer aos meios

científicos disponíveis para consecução de seus objetivos.

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Page 53: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Para regulamentar tal dispositivo, foi promulgada a Lei nº 9.263/96, que

estabelece regras sobre o planejamento familiar. Essa Lei, ao tratar de seu

objeto, não promove qualquer diferenciação entre mulheres casadas ou não,

mulheres que vivem uma relação de casal ou não, o que, segundo os

defensores da inseminação artificial em mulheres sozinhas (solteiras,

separadas, divorciadas ou viúvas), consistiria um forte indicativo de que, no

ordenamento jurídico brasileiro, não há óbice à tese por eles defendida.

Tais regras estão previstas no §7º, do artigo 226, do texto constitucional, sendoque em 1996 sobreveio a Lei nº 9.263, que passou a regular, a nívelinfraconstitucional, normas a respeito do planejamento familiar, não maisrestritas ao casal, mas também ao homem e à mulher, individualmente,considerados. De acordo com o tratamento normativo fornecido por esta Lei,pode-se depreender o reconhecimento da existência do direito de qualquerpessoa (homem ou mulher) ao planejamento familiar, incluindo a adoção detécnicas de fertilização para que haja a reprodução humana, o que conduz àconstatação de que a lei autoriza a monoparentalidade obtida por via procriaçãoassistida. (GAMA, 2000: 526)

Nessa seara, para os defensores, ao não se permitir o acesso às

técnicas de inseminação artificial às “mulheres solteiras”, e, em

contrapartida, não haver nenhuma oposição ao acesso a essas técnicas por

mulheres casadas, está se promovendo uma discriminação entre pessoas do

mesmo sexo apenas com base no seu estado civil, pelo que fica evidente a

ofensa à isonomia. Não se vê, portanto, qualquer justificativa plausível para

que se promova tal diferenciação, sem que esta tenha o cunho discriminatório,

principalmente quando se analisa a questão à luz do artigo 226, §7º da

Constituição Federal.

Ademais, a própria dignidade humana estaria ofendida em relação a

essa “mulher solteira” que almeja ter um filho, uma vez que o direito de ter

prole estaria intrinsecamente relacionado com o princípio basilar da República

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Page 54: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Federativa do Brasil, já que o desejo de reprodução é considerado instinto

natural do ser humano.

Sobre o potencial conflito entre os interesses da mulher em utilizar a

inseminação artificial para gerar um filho e os interesses e possíveis prejuízos

que isso geraria à futura criança, há autores15 que sustentam que o interesse

da criança, que deve ser preponderante, não estaria, a priori, sendo

desrespeitado pela monoparentalidade formada através da inseminação

artificial em “mulheres solteiras”.

O interesse da criança deve ser preponderante, mais isso não implica concluirque seu interesse se contrapõe, de forma reiterada, ao recurso às técnicas deprocriação artificial e que ela possa vir a integrar uma família monoparental,desde que o genitor isolado forneça todas as condições necessárias para que ofilho se desenvolva com dignidade e afeto. .(BRAUNER citado por MEIRELLES,2002: 395)

Se é indiscutível que a família tradicional constitui o campo fértil e sadio para agestação e desenvolvimento da personalidade do filho, não pode ser olvidado ofato de milhares de crianças e adolescentes criados em lar monoparental,devido ao decesso de um dos pais, separação do casal, nulidade do casamento,enfim, fatalidades da vida que lhe retiram o desejado amparo conjunto dos pais.Nem por isso, essa falta acarreta ao filho distúrbios psicológicos oudesadaptação social que não possam ser contornadas por adequadaassistência, esmerada educação e redobrado amor. Logo, a preocupação dosdoutrinadores, médicos e biologistas, com a inseminação artificial da mulhersem parceiro, não deve levar à emissão de regras simplesmente coibidoras daprática...(VIANA, 2000: 33).

Ademais, não há provas concretas, mas mera especulação, no fato de que umacriança que tenha como mãe mulher só, possa ser socialmente maisdesajustada que outra rejeitada pelo pai biológico. Aliás, procriação,paternalismo e paternidade são coisas diversas e exatamente por isto é que hojeestá tão claro para o Direito que pai e mãe se reconhece pelo ambiente de amor,pela circunstância de servir, não importando tanto mais os laços de sangue. Seé fato que, da técnica de reprodução assistida nascerá uma criança sem pai, éfato também que ela pode ter todo o amor daquela mãe que, conscientemente,escolheu trazê-la ao mundo.(SÁ, 2003: 6).

Reforça esse argumento o fato de que o ordenamento jurídico brasileiro,

como já fora explicitado alhures, permite a adoção de crianças e adolescentes

15 Entre eles podemos citar Rui Geraldo Camargo Viana, Maria Cláudia Crespo Brauner eMaria de Fátima Freire de Sá.

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Page 55: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

por mulheres ou homens solteiros, mesmo que não mantenham uma relação

de casal.

Tal previsão legal reforça a posição que defende a possibilidade de

inseminação artificial em “mulheres solteiras”, uma vez que demonstra que se

entende que não é prejudicial à criança ou adolescente ser criado e educado

por apenas um dos pais, ou melhor, em uma família monoparental. Isso

porque, se o argumento utilizado pelos contrários a essa tese fosse

verdadeiro, ou seja, se efetivamente a criança fosse seriamente prejudicada

com o fato de viver em uma família monoparental formada após a inseminação

artificial em uma mulher sozinha, jamais teria sido permitido a adoção por

pessoas solteiras, já que a finalidade desse instituto é assegurar o melhor

interesse da criança e a sua proteção integral.

“ ... diante da viabilidade da realização de adoção por apenas uma

pessoa, não há razoabilidade em se negar a adoção de técnica de reprodução

humana assistida, inexistindo elemento discriminador razoável a justificar tal

proibição.” (GAMA, 2000: 538).

É certo que os que se opõem a essa tese alegam que a adoção por

pessoas solteiras não poderia ser parâmetro para se permitir a inseminação

artificial em mulheres sozinhas, por tratar de crianças nascidas que se

encontram em situação de risco. Porém, tal argumento não é considerado

suficiente pelos defensores da tese para afastar a defesa da analogia nesse

caso à adoção por pessoas solteiras.

Outro argumento que se utiliza é que, apesar de não ser lei em

sentido formal, a Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, que

disciplina a utilização de técnicas de reprodução assistida, não estabelece a

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Page 56: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

obrigatoriedade da mulher ser casada para que se utilize a inseminação

artificial, exigindo-se apenas a sua capacidade. Isso é entendido como uma

prova de que é possível, no Brasil, a inseminação artificial em “mulheres

solteiras”, bem como um indicativo da legitimidade desta prática.

Quanto a uma suposta ofensa ao direito da criança em saber sua

origem biológica e à dificuldade quanto à definição de um pai para a criança,

tem-se que Gama (2000) apresenta uma solução para a questão, utilizando-se

das regras estabelecidas para a adoção, exaltando como verdadeira

paternidade a socioafetiva.

(...) Diversamente do modelo tradicional, o vínculo familiar moderno é formadopor laços socioafetivos, restando superado o dogma da unicidade dapaternidade e maternidade. (...) A natureza jurídica da paternidade, maternidadee filiação resultantes da adoção de técnicas de reprodução assistida, sob amodalidade heteróloga, ou mesmo sem vínculo genético entre os envolvidos,deve ter em conta sentimentos nobres, como o amor, o desejo de construir umarelação afetuosa, carinhosa, reunindo as pessoas num grupo decompanheirismo, lugar de afetividade. (...) O instituto da adoção, comoatualmente é concebido pela Lei nº 8.069/90, pode ter perfeita aplicação aoscasos envolvendo as técnicas de reprodução humana medicamente assistidasob a modalidade heteróloga ou mesmo em relação às pessoas desimpedidas...Há, na legislação brasileira, a previsão a respeito da possibilidade de umacriança ter dois pais, o biológico e o socioafetivo, o que vem a excepcionar oprincípio da unicidade do vínculo paterno e, conseqüentemente, do vínculomaterno. (...) Evidentemente, no caso de reprodução humana medicamenteassistida, há diversas peculiaridades, sem que, no entanto, haja prejuízo naaplicação dos princípios gerais e norteadores da adoção, tal como o instituto éconcebido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sob inspiração dospreceitos e normas da Constituição Federal de 1988. (GAMA, 2000:539)

Um questionamento mais recente que se faz aos que são contrários a

possibilidade de inseminação artificial em mulheres sós diz respeito à

inovação trazida pelo artigo 1597 do Código Civil Brasileiro vigente, que

permite a inseminação artificial homóloga ou heteróloga, atendidas algumas

condições, em viúvas, atribuindo a paternidade da criança ao falecido marido.

O problema levantado por Sá (2003), refere-se ao fato de que, se proibida

a prática de inseminação artificial em “mulheres solteiras” no país, estaria a

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Page 57: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

se verificar uma discriminação entre as mulheres sozinhas. Isso, além de

contrariar o princípio da isonomia, uma vez que se entende que a

diferenciação não teria justificativa plausível, vai contra os próprios

argumentos daqueles que se opõem ao acesso dessas mulheres às técnicas

de inseminação artificial, pois a criança fruto da inseminação em viúva

também será privada da convivência e da figura paterna desde o início de sua

vida, da mesma forma que ocorre nos casos de inseminação em mulheres

solteiras, separadas ou divorciadas, enfim, em mulheres sozinhas.

Será que a disposição do Código Civil, especificamente a de letra ‘a ’ , infringe adignidade da criança pelo fato de a mesma nascer sem a presença do pai? Ouesta mesma dignidade estaria garantida apenas em razão do reconhecimento dapaternidade no registro de nascimento? Ora, a viúva é mulher só. A diferença dasua situação em relação às mulheres sozinhas férteis e inférteis reside,unicamente, na presunção da paternidade, ainda que post mortem . Claro que oreconhecimento da paternidade no assento de nascimento da criança já seconfigura um ‘bom começo’, no sentido de fazer nascer algumas obrigaçõesjurídicas, como a pensão alimentícia e direitos sucessórios, mas não faz deninguém pai ou mãe. (SÁ, 2003: 10).

Há que se fazer referência, por fim, ao posicionamento de Meirelles

(2002) que, apesar de entender ser possível a utilização de técnicas de

inseminação artificial em mulheres solteiras, restringe o direito ao acesso à

reprodução assistida apenas às mulheres sós inférteis. Para a autora:

... o recurso à procriação medicamente assistida, consistindo em intervençãoonerosa, invasiva da intimidade do casal ou da mulher, a acarretar repercussõespsicológicas e familiares, deve representar a última alternativa para a pessoaque pretende procriar, e não simplesmente um modo alternativo de reproduzir.Por isso, há que se entendê-lo sob a finalidade terapêutica, que lhe é elementofundante. Excluída deve ser, por isso, sua utilização para fins diversos, comobuscar a geração de um filho por intermédio de outra pessoa única esimplesmente para não interromper, em razão da gestação, determinadasatividades profissionais. E justamente em razão de sua finalidade terapêutica, ouso de métodos de reprodução assistida deve ser incluído no conceito desaúde, previsto na Constituição da República, no artigo 196, como direito detodos e dever do Estado. Nesse sentido, não há como negar o acesso àstécnicas de reprodução assistida somente pelo fato de ela ser solteira.(MEIRELLES, 2002: 395).

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Page 58: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Entendendo, portanto, ser o acesso a técnicas de reprodução assistida

um direito à saúde da mulher solteira infértil, Meirelles (2002), sustenta que

cabe ao Estado assumir a responsabilidade pelos tratamentos necessários

para que a mulher, independentemente do seu estado civil, realize o desejo de

ser mãe, desde que, porém, haja a infertilidade.

Admite-se, desta forma, que os distúrbios da função reprodutora constituem umproblema de saúde, devendo o Estado assumir a responsabilidade quanto aoacesso das pessoas aos tratamentos para esterilidade e o recurso à reproduçãoassistida (R.A.). (MEIRELLES, 2002: 394)

Doutrinariamente, a polêmica está travada nesses termos.

Quanto ao tratamento da questão nos diversos ordenamentos jurídicos

no mundo, tem-se que a maioria dos países proíbe ou ao menos limita o

acesso de mulheres sozinhas às técnicas de inseminação artificial, podendo-

se citar França, Itália, Alemanha, Suécia e Portugal, sendo que se destaca

como país que permite essa prática a Espanha, conforme legislação datada de

1988.(SOARES, 2000: 572).

Como já ressaltado, a fim de garantir a prioridade aos interesses

da criança e sua proteção, foi apresentado no Congresso Nacional, em 09 de

março de 1999, pelo Senador Lúcio Alcântara, Projeto de Lei do Senado de nº

90, que pretende regulamentar a reprodução assistida no Brasil.

Referido Projeto de Lei encontra-se, atualmente, em trâmite na

Câmara de Deputados desde junho de 2003, após ter tramitado por quatro

anos no Senado Federal, quando foram feitas modificações, tendo sido,

inclusive, apresentado substitutivo que foi ao final aprovado por essa Casa

Legislativa.

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Page 59: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

A redação original desse Projeto de Lei, no que concerne à

questão da possibilidade de utilização de técnicas de inseminação artificial em

“mulheres solteiras”, apesar de estabelecer dispositivos concernentes à

realização dessas técnicas em mulheres casadas ou que vivem em união

estável, não vedava o acesso às referidas técnicas para mulheres sozinhas

inférteis.

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Page 60: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Isso fica claro ao se examinar o artigo 2º16 do Projeto de Lei em sua

redação original, que, ao dispor sobre os requisitos para a utilização de

Reprodução Assistida, exigia, quanto à mulher receptora da técnica, além da

comprovação da infertilidade e da necessidade da utilização das técnicas de

reprodução assistida, apenas a capacidade jurídica e a sua autorização livre e

consciente. Não se estabelecia, portanto, a necessidade da mulher receptora

ser casada ou viver em união estável, assim como ocorre na Lei Espanhola nº

35 de 1988.

No entanto, durante a tramitação legislativa no Senado Federal, foi

apresentado um substitutivo a esse Projeto de Lei, que modificou o citado

artigo.

Este substitutivo, cujo relator foi o Senador Roberto Requião, alterou a

orientação do referido Projeto de Lei sobre a possibilidade de utilização de

inseminação artificial por mulheres sozinhas, fazendo constar, no mesmo

artigo 2º, no parágrafo 1º, que “ somente os cônjuges ou o homem e a mulher

em união estável poderão ser beneficiários das técnicas de Procriação

Medicamente Assistida”.

16 A redação original do referido Projeto de Lei previa: “Art. 2º. A utilização da RA só serápermitida, na forma autorizada pelo Poder Público e conforme o disposto nesta Lei, paraauxiliar a resolução dos casos de infertilidade e para a prevenção e tratamento de doençasgenéticas ou hereditárias, e desde que: I – tenha sido devidamente constatada a existênciade infertilidade irreversível ou, caso de trate de infertilidade inexplicada, tenha sidoobedecido o prazo mínimo de espera, na forma estabelecida em regulamento; II – os demaistratamentos possíveis tenham sido ineficazes ou ineficientes para solucionar a situação deinfertilidade; III – a infertilidade não decorra da passagem da idade reprodutiva; IV – areceptora da técnica seja mulher capaz, nos termos da lei, que tenha solicitado ouautorizado o tratamento de maneira livre e consciente, em documento de consentimentoinformado a ser elaborado conforme o disposto no art.3º; V – exista probabilidade efetivade sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a mulher receptora ou a criança;VI – no caso de prevenção e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, hajaindicação precisa com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica”.

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Page 61: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

Deste modo, venceu, no Senado Federal, a corrente doutrinária que

defendia a proibição de realização de técnicas de inseminação artificial em

mulheres sozinhas. Como dito, o Projeto de Lei do Senado nº 90 de 1999 ainda

tramitará na Câmara de Deputados, o que significa que tal dispositivo (que

proíbe o acesso às técnicas de reprodução assistida às mulheres sozinhas)

poderá ser alterado.

Entretanto, não se pode olvidar que a proibição absoluta do acesso de

mulheres sozinhas às técnicas de inseminação artificial pode trazer problemas

futuros, não só porque não atende ao princípio da isonomia, visto que não se

compatibiliza com o previsto no Código Civil Brasileiro, que o permite

unicamente em relação às mulheres viúvas, mas também porque a eficácia de

tal norma, como se sabe, é, desde já, duvidosa, o que poderá gerar riscos à

saúde da mulher, da futura criança e até mesmo a saúde de todos pelo fato de

mulheres sozinhas submeterem-se a essas técnicas de forma clandestina,

sem qualquer controle do Poder Público. Nesse sentido:

Não temos a menor intenção de incentivar situações que poderiam ser taxadasde levianas, mas, proibir resolveria o impasse criado pela Medicina? Como fazervaler uma legislação que permita apenas o uso das técnicas por casais ou pelohomem e mulher em união estável? Sabemos que a Medicina Reprodutiva émuito mais desenvolvida por clínicas particulares do que por hospitais públicos.Aliás, o alto custo do tratamento impede pessoas de baixa renda de valerem-sedas técnicas. Assim, saber se os médicos cumprem ou não a legislação,mormente quando imaginamos que toda essa discussão tem como enfoqueseres microscópicos é o grande desafio do Direito. .(SÁ, 2003: 11).

Sobre a ineficácia de uma restrição absoluta neste assunto, ainda

podemos citar Jordan (1999), que, apesar de ser contrária à formação de

famílias monoparentais por mães sozinhas através da inseminação artificial,

não entende que normas proibidoras da prática sejam a melhor solução para a

polêmica.

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Page 62: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

No vamos a entrar en la debatida cuestión acerca Del derecho o la legitimidadde la mujer sola a engendrar voluntariamente un hijo com auxilio de la cienciamedica, entre otras cuestiones, porque compartimos la inoperatividad deestablecer normativas nacionales denegatorias, cuando cabe la possibilidad deutilizar la técnica necesaria permitida por la legislación de otro país, por elsencillo procedimiento de desplazarse a aquél. Además, la experiencia nosmuestra que, salvo situaciones excepcionales, cuando una persona desearealmente hacer algo lo hace.Y, en ese sentido, cuando una mujer decide tenerun hijo, si su fisiologia se lo permite, puede tenerlo independientemente de suestado civil, de que viva sola o en pareja y de que decida tenerlo mediante actohumano por intevención de varón, reproducción asistida, etc. (JÓRDAN, 1999)

Além disso, há que se destacar, nesse contexto em que se afirma ser

desaconselhável a proibição de formação de famílias monoparentais através

da inseminação artificial em mulheres sós, os ensinamentos de Villela (1982)

acerca da coerção e responsabilidade jurídica:

Todo direito não-patrimonial de família é prenhe de situações para as quais acoerção não oferece qualquer resposta satisfatória. (...)... necessário reconhecerque uma ordem jurídica baseada na coerção é indigna da transcendentalgrandeza do homem. Se se quer para o futuro expressões convivenciaisinspiradas no amor e na justiça, na dignidade e na confiança, tem-se querestituir ao homem a superior liberdade de responder, ele próprio, aos deveresque decorrem da vida em sociedade. (VILLELA, 1982: 17, 31 a 32)

É claro, porém, que o acesso irrestrito a essas técnicas às mulheres

sozinhas não pode ser considerado a melhor solução. No entanto, poderia se

pensar em uma forma de se conciliar as duas correntes, permitindo-se que a

possibilidade ou não de se realizar a inseminação artificial em mulher sozinha

e o seu potencial conflito com os interesses da criança seja decidida em cada

caso concreto, submetendo-se a mulher a um procedimento, como ocorre na

adoção, em que se verificarão as suas condições, bem como seus reais

propósitos e interesses, para se chegar à conclusão se é ou não

recomendável a formação de uma família monoparental através dos recursos

da reprodução medicamente assistida no caso em apreço17. Isso se justifica

17 Nesse ponto, tem- se que Maria de Fátima Freire de Sá apresenta solução semelhante para aquestão : “As sanções de que trata a seção VII do Projeto de Lei nº 90 /99 de nada valerãosem um trabalho de conscientização. Justificável, contudo, exame psicossocial na pessoa quepretende o uso da técnica, para que abusos não aconteçam, e para a preservação da

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Page 63: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

porque a idéia de uma única resposta correta vai exigir um senso de

adequabilidade, de forma que só é possível resolver o impasse diante do caso

concreto.

Por fim, deve-se ressaltar uma vez mais que a polêmica envolvendo a

questão permanece em aberto. Não se podendo, entretanto, esquecer que

qualquer tentativa de se solucioná-la deve partir necessariamente de uma

aplicação ampla e irrestrita tanto das regras, quanto dos princípios

constitucionais, pois só assim se garantirá a legitimidade da resolução da

controvérsia.

integridade da criança que irá nascer”.(SÁ, 2003: 14).

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Page 64: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

3. CONCLUSÃO

Conforme explicitado, o conceito de família sofreu várias

transformações ao longo da evolução das sociedades ocidentais, o que,

conseqüentemente, repercutiu no tratamento jurídico sobre o assunto.

A família, inicialmente reconhecida social e juridicamente apenas como

a comunidade formada por meio do casamento, com as modificações sociais,

políticas e econômicas, passou de um conceito único e restrito para um

conceito plural, em que se reconhece como tal também as uniões estáveis e

as comunidades formadas por qualquer dos pais seus descendentes.

E é nesse contexto que surge, pela primeira vez no Direito brasileiro, o

reconhecimento das comunidades formadas por um dos pais e seus filhos

como uma família digna de proteção, a qual recebe doutrinariamente a

nomenclatura de família monoparental.

Embora constitucionalmente reconhecida, a família monoparental

permaneceu, de 1988 até os dias atuais, sem qualquer regulamentação, de tal

sorte que não se pode definir, no Direito brasileiro, qualquer tipo de

delimitação acerca de sua configuração. Constatou-se, ademais, que tal

omissão representa, em verdade, o descumprimento da garantia de proteção e

tratamento igualitário destinado às várias formas de família reconhecidas no

ordenamento jurídico pátrio, o que talvez ainda seja um resquício da história

de exclusão e marginalidade desta entidade familiar.

Apesar de só ter sido reconhecida juridicamente em 1988, a família

monoparental sempre existiu no meio social, tendo sido constatado um

aumento significativo no número de entidades familiares desta espécie nas

últimas décadas. Por essa razão, o estudo desta forma de família foi se

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Page 65: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

tornando cada dia mais importante, buscando-se definir as causas

determinantes de sua formação, bem como as necessidades específicas desta

forma de família.

Dentre os diversos fatores determinantes da formação das famílias

monoparentais, destaca-se a categoria de “mães solteiras”, ou melhor, de

mães sozinhas por opção, seja porque promove uma modificação na idéia de

que as famílias monoparentais decorrem de circunstâncias que impõem a sua

formação a seus elementos, seja porque, diante do desenvolvimento de

técnicas de reprodução assistida, a possibilidade de mulher sozinha realizar

seu desejo de ser mãe através de inseminação artificial gera questionamentos

sociais, religiosos e jurídicos.

Como visto, no tocante ao questionamento envolvendo a possibilidade

de realização de inseminação artificial em mulheres sozinhas, não há

consenso na doutrina e muito menos legislação que disponha especificamente

sobre o problema.

A corrente doutrinária que se posiciona contrariamente à possibilidade

de inseminação artificial em mulheres sozinhas tem, em síntese, como

argumentos o prejuízo à futura criança, a ofensa ao princípio do melhor

interesse dessa e seu direito a ser criado em uma família biparental.

Por outro lado, a que entende ser possível a formação de família

monoparental por mulheres sozinhas através da utilização de técnica de

inseminação artificial defende que é a própria Constituição Federal que lhes

garante tal direito, por garantir tanto a liberdade do planejamento familiar,

quanto, através do direito à saúde e dignidade humana, os direitos

reprodutivos. Além disso, alegam que a garantia de isonomia veda a restrição

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Page 66: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

ao acesso às técnicas de reprodução assistida apenas com base no estado

civil. Outro argumento consiste no fato de ser possível a adoção por pessoa

solteira no Brasil, independentemente desta manter uma relação de casal

contínua e duradoura. Por fim, questiona-se que não seria de se admitir que,

enquanto o artigo 1597 do Código Civil Brasileiro permite a realização de

inseminação artificial em viúva, que é também um tipo de mulher sozinha, a

mesma faculdade fosse negada às demais mulheres sós (solteiras, separadas

e divorciadas).

Ressalte-se que tramita hoje no Congresso Nacional o Projeto de Lei do

Senado Federal nº 90/99, de autoria do Senador Lúcio Alcântara, que pretende

regulamentar essa matéria. A atual redação desse Projeto abriga a tese dos

que são contrários à formação de família monoparental por mulheres sozinhas

por inseminação artificial.

Não obstante a polêmica, por fim, cumpre destacar que adotar qualquer

um desses posicionamentos sem maiores reflexões poderia conduzir a

conclusões precipitadas. O questionamento, portanto, continua sem resposta,

mas a reflexão persiste. É importante que em todas as análises que envolvam

o presente tema não se perca de vista a Constituição Federal e os seus

princípios informadores, pois só assim estaremos caminhando com passos

seguros para encontrar a solução legítima para a questão, vez que

fundamentada no Texto Maior de nossa sociedade.

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Page 67: A Familia Parental Formada Por Maes Sozinhas

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