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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 A família pós-moderna e a produção de sentidos nos discursos do cotidiano Célia Bassuma FERNANDES (UNICENTRO) Introdução A vida privada não é uma realidade natural determinada ao longo dos tempos, mas uma realidade histórica construída de modos diferentes por formações sociais também distintas. Também não se pode pensar em limites bem definidos entre a esfera pública e a esfera privada, pois uma só tem sentido em relação a outra e a história de uma implica a da outra. Contudo, conforme Ariès (2009), “a vida privada e a família coincidem com bastante exatidão”, mas também o público vida cidadã exerce profunda influência sobre essa instituição, na medida em que disciplinariza a sua constituição e os comportamentos tidos como da ordem do normal, legitimados pela formação social. O que se tem, então, na relação entre público/privado, são determinações ligadas às mudanças ocorridas ao longo do tempo, quando as relações familiares aconteciam e permaneciam no privado. Na pós-modernidade, o cerne da família continua nesse domínio, mas desliza para o público, o que justifica usar os referenciais casa/rua metáforas que ajudam a entender o comportamento, as relações e as contradições da sociedade brasileira propostos por Roberto DaMatta (1997), para dar conta da visibilidade que os grupos familiares têm alcançado, especialmente, na mídia, ao explorar situações que fogem da normalidade, rompendo com a ordem do estabilizado. Outra razão para o uso desses referenciais está no fato de que a família, conforme já assinalado, seria regida pelo privado, mas isso não acontece, tendo em vista a sua inscrição em uma formação social, mais especificamente em formações discursivas, que determinam o que cada estrutura familiar, representada nas materialidades analisadas, pode/deve fazer ou como deve/não deve ser, disciplinarizando, assim, seus comportamentos e sua atuação na sociedade. Cabe ressaltar que o funcionamento da família sofreu alterações bastante significativas ao longo dos tempos, que têm sido constantemente retratadas, e que abarcam não só os problemas enfrentados por ela, mas também a emergência das novas estruturas e

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Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

A família pós-moderna e a produção de sentidos nos discursos do cotidiano

Célia Bassuma FERNANDES (UNICENTRO)

Introdução

A vida privada não é uma realidade natural determinada ao longo dos tempos, mas

uma realidade histórica construída de modos diferentes por formações sociais também

distintas. Também não se pode pensar em limites bem definidos entre a esfera pública e a

esfera privada, pois uma só tem sentido em relação a outra e a história de uma implica a da

outra. Contudo, conforme Ariès (2009), “a vida privada e a família coincidem com bastante

exatidão”, mas também o público – vida cidadã – exerce profunda influência sobre essa

instituição, na medida em que disciplinariza a sua constituição e os comportamentos tidos

como da ordem do normal, legitimados pela formação social. O que se tem, então, na

relação entre público/privado, são determinações ligadas às mudanças ocorridas ao longo

do tempo, quando as relações familiares aconteciam e permaneciam no privado.

Na pós-modernidade, o cerne da família continua nesse domínio, mas desliza para o

público, o que justifica usar os referenciais casa/rua – metáforas que ajudam a entender o

comportamento, as relações e as contradições da sociedade brasileira – propostos por

Roberto DaMatta (1997), para dar conta da visibilidade que os grupos familiares têm

alcançado, especialmente, na mídia, ao explorar situações que fogem da normalidade,

rompendo com a ordem do estabilizado. Outra razão para o uso desses referenciais está no

fato de que a família, conforme já assinalado, seria regida pelo privado, mas isso não

acontece, tendo em vista a sua inscrição em uma formação social, mais especificamente em

formações discursivas, que determinam o que cada estrutura familiar, representada nas

materialidades analisadas, pode/deve fazer ou como deve/não deve ser, disciplinarizando,

assim, seus comportamentos e sua atuação na sociedade.

Cabe ressaltar que o funcionamento da família sofreu alterações bastante

significativas ao longo dos tempos, que têm sido constantemente retratadas, e que abarcam

não só os problemas enfrentados por ela, mas também a emergência das novas estruturas e

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dos sentidos e discursos que ressoam por elas/nelas. Ultimamente, carros passaram a

circular com adesivos da “família feliz”, formulados, inicialmente, para homenagear os

sujeitos que nela se inserem. Entretanto, com o passar do tempo, esses adesivos passaram a

retratar também as diferentes estruturas familiares, ou seja, famílias formadas por pai e

filho(a), mãe e filho(a), pai, mãe, filho(a), avó e avô, duas mães, dois pais, além de animais

de estimação, das preferências, como time de futebol e hábitos familiares. Do nosso ponto

de vista, entendemos que esses adesivos, constituem muito mais do que um simples adorno,

mas são uma forma de o sujeito representar-se a si próprio e aos outros, num processo de

constituição de novos sentidos sobre essa instituição secular.

Partindo dessas observações, este trabalho tem por objetivo analisar como a

família pós-moderna vem sendo representada nos discursos do cotidiano, mais

especificamente em adesivos da “família feliz”, que circulam nos carros, e que fogem da

estrutura familiar tida como “tradicional”, bem como observar como os sujeitos se

significam a si mesmos e aos outros nessas materialidades. Além disso, procuraremos

responder às questões: Como se dá a passagem do “visível ao nomeado” nas materialidades

analisadas, uma vez que ela possuem somente o componente não-verbal? “Como essas

imagens acessam a memória e como são acessadas por ela”?

1. Desenvolvimento

De acordo com Duby (1981, p. 145), o conceito de família começa a surgir somente

nos séculos XV/XVI, quando passa a constituir “[...] o primeiro refúgio em que o indivíduo

ameaçado se protege durante os períodos de enfraquecimento do Estado”. No século XVII,

esse conceito de se confunde com o de casa, pois a privacidade ainda era rara, e as

moradias eram grandes galpões onde se fazia de tudo. Como não havia locais específicos

para realizar transações comerciais e negócios, onde se dormia, também se dançava.

No século XIX, a família/casa perde o seu caráter de lugar público, e passa

a ser entendida como sinônimo de privacidade. Nota-se também uma mudança nos

preceitos morais e nos hábitos sociais, resultado do processo de industrialização, e

por consequência, de urbanização. Nessa época, o Estado desenvolve campanhas de

camadas de isolamento, reforçando o valor da estabilidade advinda do casamento,

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da importância de quartos separados, com camas individuais e, sobretudo, de

famílias em casas separadas (ARIÈS, 1981).

No início do século XX, tem início uma nova transição de valores,

resultado da emancipação sexual e econômica da mulher e do movimento estudantil.

Os conceitos de emancipação e de reclusão, embora contraditórios, se fazem

presentes, e se de um lado temos uma família não mais nuclear, já que o marido/pai

e a mulher/mãe estão fora de casa trabalhando e terceiros desempenham as

atividades domésticas, por outro, temos a família/casa, ainda mais fechada em

decorrência da violência urbana.

Mais modernamente, essa instituição tem sido alvo de vários estudos e

assim, ela vem sendo compreendida de diferentes modos, de acordo com o

pensamento de cada domínio do saber. No campo jurídico, por exemplo, “família” é um

conjunto de pessoas unidas por laços de sangue, resultantes da descendência, ou de

afinidade, que se dá com a entrada dos cônjuges e seus parentes que se agregam à entidade

familiar pelo casamento.

Do ponto de vista da psicologia, representa um grupo social primário, unido por

múltiplos laços, capazes de manter os membros moralmente e afetivamente durante a vida,

que assim como influencia, também sofre influências de outras pessoas e instituições. Pelo

viés da igreja católica, é compreendida como sendo a célula vital da sociedade, fundada

pelo matrimônio (um vínculo perpétuo entre um homem e uma mulher), a quem é atribuída

a tarefa de educar os filhos.

Pelo viés sociológico, é um grupo composto por pessoas que vivem na mesma

casa, sob a autoridade de um titular – historicamente o pai, o que explica a predominância

da figura masculina, característica da família ocidental, notadamente a brasileira. Para

Althusser (2001, p. 68), a família1, assim como outras instituições, como, por exemplo, a

igreja, a escola, a mídia, entre outras, constitui um Aparelho Ideológico de Estado (AIE) e

1 Althusser salienta também, que a família intervém na reprodução de força de trabalho, além

de desempenhar outras “funções”, como a de unidade de produção e/ou unidade de consumo.

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se distingue dos Aparelhos Repressivos de Estado (ARE), dentre os quais, cita a o governo,

a administração, o exército, a prisão, a polícia, entre outros.

De acordo com o autor, o que estabelece essa diferença é o fato de que enquanto

os primeiros funcionam “[...] principalmente através da ideologia, e secundariamente

através da repressão seja ela bastante atenuada, dissimulada, ou mesmo simbólica”, já que

não existe aparelho eminentemente ideológico, os segundos, funcionam “[...]

predominantemente através da repressão (inclusive física) e secundariamente pela

ideologia”, tendo em vista que não há um aparelho unicamente repressivo (ALTHUSSER,

2001, p. 70). Além, disso, enquanto os AREs pertencem ao domínio do público os AIEs

remetem para o domínio do privado. No entanto, lembra que essa distinção não é

fundamental, pois o que importa, na verdade, é o “funcionamento dessas instituições”.

Assim sendo, do nosso ponto da sociedade capitalista em que nos inserimos, e

seguindo a linha teórica à qual nos filiamos, a família constitui um aparelho reprodutor das

relações sociais vigentes, na medida em que funciona primeiramente pela ideologia e

secundariamente pela repressão.

A fim de compreender como a família é significada, nas materialidades

selecionadas, referendamos Aymard (2009, p. 439), para quem a história dessa instituição

se articula em torno de três temas principais: a) sua inserção nos círculos mais amplos do

parentesco e das alianças; b) suas relações tensas com outras famílias e com a comunidade

e, em especial, com outras instituições que se dedicam a regulamentá-la e controlá-la,

como, por exemplo, a Igreja e o Estado; c) imposição de direitos considerados novos, pelo

sujeito, com maior margem de autonomia.

Com relação à imagem, por uma perspectiva semiótica, Durand (2007, p.42)

assinala que uma característica que lhe é peculiar é a de, simultaneamente, representar e

produzir sentido, por meio do dispositivo icônico. Conforme o autor, a imagem pode ser

considerada o “motor de discursos, ocasião de reatualizar a memória para retomar o que

estava dito antes [...]”. Trata-se aqui, do nosso ponto de vista, de entender a imagem como

fruto de um consenso intersubjetivo, que faz com que certos grupos, ao se depararem com

determinadas imagens se identifiquem ou se desidentifiquem com elas. Também alicerçado

numa perspectiva semiótica, Davallon (2007) assinala que, para se interpretar a imagem,

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faz-se necessário considerar o lugar em que essa materialidade circula, bem como o suporte

em que se encontra, uma vez que esses elementos são importantes para a constituição do

sentido.

Por uma perspectiva discursiva, Pêcheux (2007, p. 51) também entende a imagem

como “[...] um operador de memória social, comportando no interior dela mesma um

programa de leitura, um percurso escrito discursivamente em outro lugar”. Pelo mesmo

viés, Orlandi (2002, p. 32) salienta ainda que, na maioria das vezes, os estudos linguísticos

se voltam para os gestos de interpretação do verbal em detrimento do não-verbal, fazendo

com que haja, segundo ela, um efeito de sobredeterminação do não-verbal pelo verbal, que

apagaria a especificidade do último, produzindo a ilusão de que o sentido é literal. No

entanto, alerta que o sentido “não significa de qualquer maneira” e que “[...] o signo verbal,

o traço, a sonoridade, a imagem, etc. e sua consistência significativa não são transparentes

em sua matéria, não são redutíveis ao verbal, embora sejam intercambiáveis, sob certas

condições” (ORLANDI, 1995, p. 39, grifo nosso).

Também Souza (2001) compreende que não se pode (de)limitar a compreensão do

não-verbal pelo verbal, uma vez que essas duas linguagens possuem, conforme já adianta

Orlandi (2002), cada qual sua “especificidade”. Desse modo, não se trata de “traduzir” uma

materialidade significativa por outra, ou seja, de estudar o não-verbal pelo mesmo viés do

verbal, pois isso acabaria por mascarar as diferenças próprias de cada sistema significante.

Não se trata também de compreender como uma imagem produz o visível, mas de

averiguar como ela se deixa ver por meio de gestos de interpretação e que efeitos de sentido

decorrem da relação que se institui entre a imagem e o olhar.

Analisar o não-verbal não consiste então, de acordo com a autora, na simples

descrição dos elementos visuais da imagem, na leitura da sua materialidade intrínseca, mas

na atribuição de sentidos, pois conforme ela, o estudo desse tipo de linguagem deve voltar-

se para como ela constitui-se em discurso, bem como vem sendo utilizada para sustentar

outros discursos (Souza, 2001, p. 70).

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Para dar conta dos objetivos propostos, optamos pela análise de materialidades

que apresentam estruturas familiares diferentes, aqui entendidas como uma forma de

organização, ou seja, como o conjunto de sujeitos que ocupam posições socialmente

reconhecidas dentro dessa instituição secular.

No caso da primeira materialidade analisada (Figura 1), o texto-imagem

significa, porque tudo o que já foi dito sobre família retorna, pelo trabalho da memória

discursiva, no fio do discurso, produzindo novos efeitos de sentido. No entanto, o “novo”

também produz seus efeitos.

Figura 1: Família ampliada ou extensa (consanguínea)

Assim sendo, a primeira imagem retrata uma família formada por um casal de

idosos ao centro, ladeado por um casal de adultos no lado direito, seguido de duas crianças,

provavelmente filhos do casal. No lado esquerdo, há um homem adulto de mãos dadas com

duas meninas. Nesse caso, temos representada a família dita ampliada ou extensa

(consanguínea), que engloba a família nuclear ou conjugal – um homem, uma mulher e

seus filhos, habitando um ambiente comum – e parentes diretos ou colaterais como netos e

marido/esposa dos filhos.

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No fio do discurso, à primeira vista, a imagem sinaliza para uma família da qual

derivam outras duas. No entanto, a família da esquerda é formada unicamente por sujeitos

que ocupam os lugares de pai e filhas, fazendo retornar, pelo interdiscurso, tudo o que já foi

dito sobre separação, divórcio, guarda dos filhos, entre outras, ou seja, o já-dito em outro

momento reverbera na materialidade analisada e irrompem sentidos relacionados às novas

formações familiares, embora a posição do casal mais velho faça ecoar, pela memória,

sentidos relacionados ao modelo de patriarcal. Os sujeitos “avô” e “avó” dão visibilidade à

memória coletiva sobre quem sejam esses sujeitos dentro da instituição familiar: ele careca,

com óculos e bengala e ela avental, óculos e coque, significam a autoridade, mas também a

idade, a passagem do tempo.

Ainda no eixo da formulação, os outros homens usam gravatas, o que faz ressoar

sentidos relacionados às responsabilidades da vida adulta, mais especificamente ao

trabalho. Além disso, um deles está acompanhado por um sujeito feminino e por duas

crianças, que ocupam a posição de filhos, produzindo o efeito de sentido de família

completa. Contudo, o outro sujeito masculino está acompanhado apenas das filhas, o que o

significa como sujeito-pai solteiro, e apaga a figura da mãe, remetendo também para a

existência de novas formações familiares.

A segunda materialidade, também coloca em evidência uma variação da família

nuclear, pois retrata uma família formada somente pela mãe e filhos, fazendo ressoar, no

eixo da formulação, sentidos relacionados ao divórcio, ao abandono do lar, à morte, ou

ainda, à adoção de crianças por uma só pessoa, independentemente do seu estado civil e

mais especificamente, pelos novos lugares ocupados pelo sujeito-feminino que, no caso da

materialidade em questão, sustenta sozinha os filhos.

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Figura 2: Família Monoparental

Por fim, a última materialidade analisada retrata uma família formada por duas

pessoas do mesmo sexo, em que não há filhos, mas ainda assim, prevalecem os laços

afetivos entre seus componentes, simbolizados pelo coração vermelho. Assim, ressoam,

nessa materialidade, sentidos relativos às uniões homoafetivas e às famílias advindas do

afeto entre duas pessoas do mesmo sexo, à liberdade de escolha da opção sexual, tão em

voga ultimamente, mas também às dificuldades, ao preconceito e à discriminação sofrida

por esses sujeitos.

Conforme Venturini (2009, p. 27), embora o Código Civil de 1916 tenha trazido

grandes avanços no que se referia às entidades familiares, as questões relacionadas à

homoafetividade não foram mencionadas. Ainda de acordo com a autora, a Constituição de

1988, também trouxe acréscimos para a regulamentação das relações homoafetivas, mas

também não conseguiu efetivamente regulamentar a união estável entre casais do mesmo

sexo. Assim sendo, os casais homoafetivos, na maioria dos estados brasileiros, ainda

encontram dificuldades para efetivar a conversão dessas uniões estáveis em casamento.

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Figura 3: Família Homoafetiva

Considerações finais

A família constitui o primeiro e mais importante grupo social a que o sujeito

pertence, bem como o seu quadro de referência. Entretanto, as constantes mudanças no

domínio do público, da qual decorrem, por exemplo, o fato de o sujeito-masculino perder

seu poder marital, de o sujeito-masculino ocupar outros lugares antes tidos como

masculinos, e também da possibilidade de as pessoas se casarem mais de uma vez,

influenciou também no âmbito do privado, em especial, na interior da família pós-moderna,

que atualmente passou a contar com novas configurações.

Nosso objetivo, neste trabalho, foi verificar como a família pós-moderna vem sendo

representada nos discursos do cotidiano, mais especificamente em adesivos da “família

feliz”, que circulam nos carros, nas cidades, e fogem da estrutura familiar tida como

“tradicional”, bem como observar como os sujeitos se significam a si mesmos e aos outros

nessas materialidades. Pretendemos ainda, verificar o funcionamento das imagens no

corpus selecionado, bem como que efeitos de sentido produzem.

As materialidades analisadas permitem afirmar que essa instituição secular tem se

transformado ao longo dos tempos e, atualmente, podemos falar em famílias formadas por

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pai, mãe e filhos, mas também só por mãe/pai e filhos, ou ainda, por filhos de pais

diferentes e por pessoas do mesmo sexo.

Do ponto de vista discursivo, podemos dizer que as imagens produzem efeitos de

sentido, porque resultam de “já-vistos” em outro lugar, independentemente, e de um longo

processo de repetição, que lhes assegura a estabilidade. Assim, entrecruzam-se nos textos-

imagem analisados uma memória e uma atualidade, na medida em que representam o

“novo”, mas também fazem ressoar sentidos acerca de tudo o que já foi dito em relação às

formações familiares, bem como sobre os lugares ocupados pelos sujeitos que a compõem.

Além disso, podemos dizer que a família, antes tida como espaço privado, nas

materialidades analisadas, é dada a ver no espaço do público, e constitui um modo de o

sujeito se representar e de representar aqueles com os quais convive.

Referências

ACHARD, Pierre. Memória e Produção Discursiva do Sentido. In: ACHARD, P. et al.

Papel da Memória. Campinas: Pontes Editores, 2007, p. 11-17.

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Trad. Dora Flaskman. 2ed. Rio

de Janeiro: LTC, 1981.

FERNANDES, Célia Bassuma. Processos de Constituição dos sujeitos no interior da

família moderna. In: Revista Eletrônica INTERFACES. Vol. 3, nº 2, 2012, p. 66 – 74

ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas/SP: Pontes,

1999.

PÊCHEUX, Michel. O papel da memória. In: ACHARD, P. et al. Papel da memória.

Campinas: Pontes, 2007, p. 49-57.

______. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da

Unicamp, 1997.

SOUZA, T. C. S. A análise do não-verbal e os usos da imagem nos meios de comunicação.

Rua 7 – Revista do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade, n.6, p. 65-94, mar. 2001.

VENTURINI, Ana Rosa. A Adoção por casais homoafetivos no Brasil: Uma análise sócio-

jurídica. (Trabalho de Conclusão de Curso). Escola de Direito da Faculdade Meridional –

IMED. Passo Fundo, 2009.

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