A FANTASIA JURÍDICA DA IGUALDADE: DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS NUMA PRAGMÁTICA DA SINGULARIDADE...

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    A FANTASIA JURDICA DA IGUALDADE:DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

    NUMA PRAGMTICA DA SINGULARIDADELuis Alberto Warat

    No recorrer desta sucesso de incidentes reflexivos tentarei armar umcaleidoscpio de argumentos semiolgicos e psicanalticos sobre a poltica, ademocracia e sua relao com o totalitarismo. O que tentarei expor pode serconsiderado como parte de uma srie de (pr)textos universitrios que fuiconfeccionando a partir de meus desejos de explicar, em alguma medida, meupensamento em torno da poltica, do poder e sua relaes com o aparato ps-quico e com as dimenses simblicas (vistas na direo de Lacan comuma tentativa de situar o mundo do lado da fico).

    Proponho-me, com este conjunto de consideraes preliminares, repen-sar as relaes entre a poltica e a democracia, a partir de uma perspectivasimultaneamente psicanaltica e semiolgica, para tentar, com isso, fazer uma

    apreciao geral do papel que pode cumprir o espao poltico, a democracia eos movimentos dos direitos humanos numa pragmtica da singularidade.

    Partirei do pressuposto de que o simblico uma dimenso do poltico eo poltico uma dimenso do simblico. Isto me permitir afirmar que a polticae a democracia, para uma pragmtica da singularidade, precisam ser conside-radas como uma ordem simblica interdependente. Estaramos, assim, falan-do de uma cena poltica para a singularidade: a dimenso simblica dos movi-

    mentos de afirmao da autonomia individual e coletiva.Sob esta perspectiva a poltica ficaria caracterizada como o lugar de

    interpretao e interrogao do modo pelo qual a sociedade se institui. A pol-tica aparece, assim, relacionada aos modos nos quais historicamente uma so-

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    ciedade se interroga sobre suas formas particulares de discriminao do ver-dadeiro e do falso, do normal e do patolgico, do justo e do injusto, do que paraela ser lcito ou proibido. Em outras palavras, falar de poltica neste contexto

    implica situar-nos interrogativamente num territrio que nos permita pensaros modos em que uma sociedade se articularo significativamente o poder, aproduo de bens materiais, a lei, o saber e a personalidade. Observando es-tas articulaes (considerando estes cinco elementos como dimenses simb-licas) e vendo de que maneira elas se realizam, podemos tentar diagnosticaras tendncias totalitrias ou democrticas de uma determinada forma de soci-edade.

    A democracia, como ordem simblica, precisa de uma particular formade articulao dos cinco nveis aludidos. Essas instncias necessitam ser rela-cionadas de forma tal que permitam o desenvolvimento irrestrito da singulari-dade.

    Para a formao de uma ordem simblica democrtica, o saber e apersonalidade no podem estar alienadamente vinculados aos outros elemen-tos. Eles devem relacionar-se com os desejos. Eles precisam estar determina-

    dos por relaes de afeto.Em vez de estar fortemente determinado pelo poder e leis do capital, a

    democracia demanda a produo de dimenses simblicas organizadas a par-tir de nossos impulsos de vida e nossas necessidades afetivas: a relao signi-ficao-desejo, produziria, privilegiadamente, a articulao simblica do po-der, lei, saber, bens materiais e personalidade. Estou referindo-me polticacomo organizao libidinal das significaes.

    Aponto para um sentido de poltica referido a um determinadotrabalho que os homens devem fazer sobre as instncias de signifi-cao. Essa atividade ir defi nindo e redefinindo, em cada contextohistrico, a prtica simblica da democracia e o futuro do espao

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    pblico como lugar de produo da singularidade.

    Este espao pblico, como lugar de produo da poltica (com ordemsimblica), precisa da produo de objetos de conhecimento abertos,

    inacabados, imprevisveis, em muitos aspectos previamente impensados, por-tanto incontrolveis pelas normas de produo das verdades cientficas. Estasno servem para interrogar as formas cotidianas da sociedade, as experinci-as provenientes da convivncia.

    Com o que foi dito tento sugerir um conceito de poltica diferente doproposto pela cincia poltica: esta est preocupada com a possibilidade depensar cientificamente o poder e o Estado; isto , de ver a poltica como

    metadiscurso epistmico das relaes de poder: um recorte objetivo das ins-tncias sociais de onde se manifesta o poder.

    Minha proposta faz referncia a todos os mecanismos simblicos quepossibilitam a prpria existncia da sociedade, a instncia na qual se geram osmecanismo de identificao das relaes dos homens entre si e sua localiza-o no mundo. Neste sentido, a poltica faria referncia genericamente a to-das as dimenses simblicas da instituio imaginria da sociedade. Este con-

    ceito estaria mais vinculado aos movimentos de apario e ocultao das sig-nificaes que vo produzindo a subjetividade. a poltica como instncia deuma sociedade autnoma.

    Posta desta forma, a noo de poltica resulta diretamente comprometi-da com a democracia como ordem simblica. o conceito de poltica de acor-do com um programa de democratizao da cultura. Este projeto no pode serrealizado sem a reinstalao do espao pblico na sociedade.

    Quero indicar, ainda, que o espao pblico, para subsistir, nunca podeperder um permanente sentido inaugural.

    Tambm preciso ter presente que as formas sociais to-

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    talitrias negam o poltico enquanto espao pblico de mediao de conflitos eelaborao histrico-coletiva do sentido de ordem na sociedade. A instituiodo espao pblico permite a constituio de uma forma social democrtica na

    medida em que coloca a lei, o poder, o conhecimento e a personalidade numestado de permanente indeterminao radical. Eles esto sempre postos prova. Este o destino do espao pblico.

    O espao pblico fortemente presente na democracia grega, onde apraa pblica era o lugar de encontro, de reunio, de discusso e de aespolticas -- j no existe como tal. Nesse lugar pblico os gregos elaboraramas decises concernentes ao conjunto da coletividade. As decises surgiram

    pela confrontao de opinies, e a liberdade pblica atravs do voto. Ali exis-tia uma comunidade poltica. O pblico na democracia grega se referia aoconjunto da comunidade e, por conseguinte, no era apropriado por especialis-tas ou burocratas da lei ou da poltica, que, situados acima dos cidados, searrogassem o ttulo de representantes do bem comum. Na democracia gre-ga existia um lugar reconhecido como o lugar do poltico. Esse lugar ganha,ento, a forma de um espao pblico vivido e atualizado pela visibilidade, pelapalavra e pela ao de cada cidado. O processo de identificao da comuni-dade consigo mesma se realiza pela presena dos cidado na praa pblica.As identificaes coletivas eram, naquela situao, o produto de uma ativida-de poltica conjunta. O conceito de poltica referia-se ao que era comum atodos e no ao processo de formao de um corpo independente de profissio-nais e administradores que tomassem o lugar do espao pblico, respaldadospor um conjunto de representaes idealizantes. Desta forma, a democraciapassou a ser uma dimenso simblica que legitima a ao profissional e admi-

    nistrativa de um conjunto de relaes de poder.Desde a revoluo francesa comea-se a falar de igualdade de todos

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    os cidados. Esta igualdade determina a submisso de todos frente lei. To-dos tm direito a que a lei no lhes seja aplicada arbitrariamente. Nada se dizda igualdade de participao efetiva na formao das leis. Nem do direito de

    todos a que sejam respeitadas suas diferenas. Tratar os homens ignorando adiferena de seus desejos ignor-los e submet-los a certos desejosinstitucionalmente triunfantes. Psicanaliticamente falando: ignorar que os ou-tros so diferentes aniquil-los como seres com existncia autnoma.

    Uma nova forma de hierarquia se estabelece, desta maneira, sob a for-ma de uma sociedade individualista e administrativa. Se todos se tornam juri-dicamente iguais, eles vm a ser igualmente dominado por uma instncia que

    lhes superior. A uniformidade, a igualizao e a homogeneizao dos indiv-duos facilita o exerccio do poder absoluto em vez de impedi-lo.

    Estamos no corao mesmo da concepo juridicista, que dilui todas asdimenses do exerccio institucional do poder na lei. O carter geral desta levantado como garantia, tanto da liberdade como da igualdade. Estamos di-ante de uma das crenas matrizes do imaginrio liberal, que consegue ver oEstado como mais alm de um poder institucional. Esse carter geral da lei ,

    por outro lado, erigido em seu prprio fundamento e, por conseguinte, comofundamento, tambm do Estado. Este sujeito exterior sociedade, que encarnao bem comum e funda sua existncia e sua ao racionalizadora no direito.

    Esquece-se, com isto, que a igualdade jurdica e formal deixa oindivduo totalmente indefeso frente fria lei do intercmbio econmi-co e frente proteo, sem controle nem participao, das insti tuiesgovernamentais. A tendncia que surge a de indivduos preocupadospor buscar seu bem-estar material em vez de estarem preocupados comos assuntos polticos da comunidade. A participao poltica tende aficar reduzida a uma busca de concesses dos que governam em vez

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    de se reivindicar uma efetiva reabertura do espao pblico. Os governos sesentem administradores privilegiados do social, ignorando e sufocando cadavez mais as possibilidades do espao pblico como lugar deliberativo e decisrio.

    E a democracia termina confundida com a satisfao das necessidades mate-riais da populao. No se adverte que tambm as formas sociais totalitriasou autoritrias podem satisfazer com uma extrema eficincia essas necessi-dades. A democracia , ento, entendida como a possibilidade de lutar paraque o aparato governamental nos outorgue coisas, nos d benefcios, pormno se luta para participar das formas de produo desses benefcios. Associedades de beneficncias --qualquer que seja a sua natureza so bas-tante pouco democrticas, tm a marca aristocrtica da indiferena. Todo atode beneficincia sempre foi seu triunfo eleitoral. A beneficincia sempre es-conde atitudes gato-pardistas: so concesses em conta-gotas, paliativos mo-mentneos que no servem para forjar uma ao transformadora e superadorada situao que a beneficincia, aparentemente, pretende reparar.

    Um tecido social desta natureza gera uma srie de valores e crenasque mantm a coeso social, a sociedade unida: um imaginrio constituinteque torna as relaes sociais progressivamente relaes entre indivduosilhados, submetidos tanto ao poder das leis de mercado, como ao poder dasinstituies governamentais e ao poder das significaes identificatrias.

    Existe uma igualdade imaginria que, apagando as diferenas entre oshomens, os fora a convencionais rituais de comportamentos, formas de ale-grar-se e sofrer totalmente estereotipadas. Desta maneira, a igualdade termi-na convertida em um antdoto contra a autonomia.

    Creio que a democracia necessita sobretudo de desfazer-se de sua ban-deira igualitria para iar, em substituio, a bandeira da diferena.

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    Em nome da igualdade elimina-se o direito diferena. As formas soci-ais democrticas necessitam do conhecimento de que todos os homens sodiferentes. Os homens no lutam pela igualdade. Agrupam-se para lutar pelo

    reconhecimento de alguma diferena. Usaria para a democracia o lema: auto-nomia, desigualdade e indeterminao. A partir destes trs elementos pode-mos pensar em outro tipo de representaes imaginrias comprometidas como termo democracia.

    Estamos pensando na democracia como uma matriz simblica das rela-es sociais. Ela atualmente dominada pelas concepes juridicistas quecriam um horizonte de representaes imaginrias totalmente desvinculadas

    do tecido social. Elas se apresentam como mecanismo de instituio da soci-edade, como sociedade heternoma. So representaes que nos do umaimagem do homem simultaneamente apresentado como coisa e como perso-nalidade bem integrada a seu grupo. Ou seja, a imagem de uma personalidadeapta para satisfazer os valores do rendimento e os valores que o ajustam soci-almente. O essencial para este tipo de imaginrio passa pela possibilidade dereduzir o homem a um sistema de regras formais que permitam calcular econtrolar seu futuro.

    Em contrapartida, podemos tambm vislumbrar outra matriz de signifi-caes que organizam nossas representaes em torno da democracia comoordem simblica, e nos permitam vislumbrar a criao de uma nova ordem desociedade.

    Inicialmente deveramos precisar que esta troca de crenas e matrizesimplica uma alterao radical de nossa relao com a significao. Vale dizer,temos de aceitar que na prpria sociedade que podemos encontrar a origemdas significaes por ela criadas. Estou referindo-me possibilidade de re-pensar a sociedade como auto-instituinte de suas significaes, intrinseca-mente histrica, capaz de questionar permanentemente suas pr-

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    prias condies de existncia e reconhecer-se como um lugar de criatividadeincontrolvel. Ou seja, uma nova sociedade que possa escapar s condiesque determinaram a sua alienao.

    Pensar em outras matrizes, que condensem uma nova dimenso simb-lica para a democracia, implica posicionarmo-nos para criar uma nova formade relao dos homens com a instituio e com os outros homens.

    Assim, a idia de autonomia aparece referida necessidade de que ohomem no aceite ser condicionado por regras que ele mesmo no possa de-terminar em funo dos fins que ele prprio se prope ou dos fins que instituiem uma comunicao no alienada com os outros.

    Falar, ento, de uma ordem simblico-democrtica pressupe a aceita-o de um espao pblico de discusso, de questionamento, de luta, de nego-ciao e de dilogo. Trata-se de relaes entre sujeitos autnomos que sereconhecem reciprocamente como diferentes, e que podem encontrar um cam-po de significaes identificatrias a partir de um mtuo respeito de suas dife-renas. Um imaginrio democrtico no pode excluir, castigar ou culpar anenhum homem porque senta ou se comporta de um modo diferente, porque

    atua de forma discordante com as pautas unificadas pela instituio social.Claro que, para existir autonomia e um recproco reconhecimento das

    diferenas, imprescindvel renunciar ao mito de uma sociedade perfeita, naqual as relaes sociais so pacficas e transparentes, os conflitos e desigual-dades sociais totalmente eliminados e os homens todos bons, fraternos e soli-drios. Para que exista autonomia e reconhecimento das diferenas, teremosque aceitar o carter inacabado e indeterminvel das relaes sociais, dado

    que elas, em cada instante, se refazem de um modo imprevisvel. Temos quenos aceitar como integrantes de uma sociedade produtora de discursos amb-guos, indeterminados, de uma sociedade que precisa assumir sua

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    radical criatividade e o carter indeterminado de sua histria. Temos que nosaceitar formando parte de uma sociedade que deve deixar de lado seus medosfrente s suas divises e seus conflitos constituintes.

    Nesta perspetiva, a democracia revela como uma matriz simblica dasrelaes sociais que permite considerar a sociedade como um espao pblicode debates ilimitados e indeterminados, como um espao aberto a um devirsem limites. Isto , como um espao de significaes que no precisa maisapelar a um discurso transcendente que garanta a unidade e a identidade or-gnica da sociedade, assim como tampouco seria preciso apelar a uma noode poder que o apresente como guardio de uma anelada identidade comum.

    Vinculando as dimenses simblicas da poltica s da democracia, apa-rece a possibilidade de determinar o poltico como um espao mediador entreas manifestaes e reivindicaes imprevisveis da sociedade frente ao poderestatal e jurdico. o estabelecimento do direito que permite a reivindicaode direitos at ento no determinados. o poltico como signo de emergnciado espao pblico, como instncia de intermediao entre a sociedade civil eo Estado.

    Dentro desta perspetiva, temos que pensar as relaes do direito com apoltica, as relaes (possveis) do direito com o espao pblico. Isto permitirpensar sobre a importncia do poltico no processo de produo de novosdireitos. Eles surgem a partir do exerccio poltico dos direitos j adquiridos.Porque reivindicamos novos direitos que se criam focos de poder (desenvol-vendo-se micro-revolues) e, com isso, consolida-se um espao deimprevisibilidade desvinculado do controle estatal, na conquista desse novosdireitos. Neste sentido, o espao da poltica fica caracterizado como um terri-trio onde os indivduos implementam suas exigncias de novos direitos, trans-gredindo os limites do que estavelmente institudo como jurdico.

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    Penso que a proposta purificadora de Kelsen deixa de lado este sentidoda poltica, ignora a dinmica transformadora que o espao pblico exercesobre o direito. Por isso, creio que a teoria pura esconde uma proposta totali-

    tria, na medida que encarna, no plano epistemolgico, a negao do espaopblico como instncia de mediao dos conflitos. O direito no pode ser umainstncia de ordem simblico-democrtica se seus significados funcionam ide-ologicamente sob o amparo de crenas organizadas sobre o signo da inexistnciado espao poltico.

    Desejo, poder e discurso

    O poder institucional se constitui e dissemina seus efeitos, aproveitan-do-se das virtudes mgicas acopladas culturalmente lngua legtima.

    O espao do poltico, na sociedade, se forma como um entrelaado derelaes alinhavadas discursivamente. O problema da sociedade ps-industri-al se manifesta principalmente no fato de que ela consegue estabelecer umaconstelao de esteretipos, crenas e fices que roubam o espao do pol-tico na sociedade. Organiza-se um aparato de submisso obtida pela conexo

    direta entre certos discursos de efeitos totmicos e os desejos. Da micropolticase passa, enfim, transpoltica. Com isto quero expressar que uma culturatotmico-policial mina, de modo extremamente perigoso, as bases do polticona sociedade. A est o comeo do fim. A morte do poltico a interrupo doprocesso de compreenso significativa. Desta forma emerge o totalitarismocultural, que se instala sempre no limite do poltico e marca sua derrota neu-tralizando toda reflexo.

    Uma forma social totalitria requer um uso disciplinador das significa-es . Desta forma, consegue-se encaminhar os desejos para o poder e pro-vocar o silncio social, como conseqncia de uma viso de mundo estereoti-pada.

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    Estamos diante do caso limite de segregao social. A sociabilidade setorna inexpressiva, com protagonistas adormecidos, ilhados uns dos outroscomo resultado dos efeitos castradores, dos tabus impostos pelos sistemas

    estereotipados de representao. O ilhamento social precisa ser encarado comoum velado dispositivo de excluso social. Aqui, em vez de falar de minoriassegregadas, precisamos mencionar as maiorias excludas.

    Repensar o poltico sob estas condies exige colocar-se diante dasformas de representao simblica que expressam as propostas de vida emcomum. Elas podem ser democrticas ou no. No primeiro caso, precisamosconceb-las enquanto ritual de constituio dos objetos de desejo e reconhe-

    cimento recproco de uma identidade solidria e coletivamente forjada. Nosegundo caso, nos deparamos com um ritual que organiza, estereotipada eformalmente, a cena poltica, distanciando os homens uns dos outros. Nestacircunstncia, os objetos de desejo se diluem nas proibies culturais, frus-trando as possibilidades com que as diferentes singularidades podem expres-sar-se. Facilmente pode-se, desta maneira, sustentar uma viso da interaosocial que legitima uma viso do poder que atua sobre as interaes sociais,como se estas fossem uma natureza inerte. Isto leva afirmao de umaverso reducionista da prtica poltica e jurdica, idealizadas como merastecnologias sociais.

    Aceito francamente a proposta de LECHENER, no sentido de que ne-cessitamos reconstituir o espao poltico na sociedade, considerando a consti-tuio de aes recprocas e a determinao mtua da subjetividade socialcomo ncleo central da prtica poltica. Estaria, assim, aberto o caminho paraa formao de mltiplas singularidades e antagnicos objetos de desejo.

    L a r g a t r a d i o c o n c e b e a s o c i e d a d e c o m o u m a o r d e mn a t u r a l . D e s t a f o r m a , a c o n v i v n c i a s o c i a l

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    apresentada como sendo regida por leis prpria, independentes da histria ede suas lutas. Por conseguinte, a sobrevivncia da sociedade dependeria deque seus membros conhecessem e acatassem sua legalidade. Esta verso

    mtica da sociedade tende, sobretudo, a neutralizar a luta dos socialmente ex-cludos, impondo um imagem de harmonia para abortar o surgimento de qual-quer figura de diviso ou diferenciao. Assim, o status quo posto sob agide de leis eternas, inevitveis e imutveis, que os homens necessitam obe-decer para evitar o caos. Tudo o que surge vinculado natureza, ao sentidocomum, ao so juzo, ao bem comum, termina sendo uma violncia naturezaideolgica, que intenta promover como normal algo que apenas uma posi-o regulada por interesses. Ao supor uma realidade objetiva como horizonteda ao humana, d-se de antemo por (de)terminada a finalidade do proces-so social e so apagadas retoricamente as diferenas: homens iguais pornatureza.

    Indubitavelmente, um trabalho de censura, que revela todo poder daspalavras.

    Por outro lado, esta concepo naturalista da sociedade tem fortes res-

    sonncias epistemolgicas, impondo princpios e crenas tericas que servemde suporte a uma triunfante epistemologia do esquecimento. Estamos diantede um efeito mtico (para supresso da distncia entre natureza e histria) eideolgico (por propor uma verso unificadora do mundo). Os destinatriosdestes discursos os consomem como se fossem representao autntica enatural da realidade social. Trata-se de discursos que estruturam a realidade,submetem, regulam, e reprimem as relaes sociais sob uma aparncia man-sa, natural, neutra e despolitizada. um discurso onde o indivduo pode reco-

    nhecer-se puro, carregado de deveres e sem contradies. Operando sobre abase da linguagem natural, vai-se construindo uma viso (ideolgica) unitriado mundo, fundamentada, sobretudo, na imposio de um pen-

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    samento externo s sociedades onde esse tipo de discurso simula estar locali-zado.

    A verdade das cincias do homem termina, desta forma, convertida em

    um lugar tpico, que permite a acumulao do poder gerando proibies carregadas de componentes neurticos destinados a satisfazer a submis-so e no o desejo. A histria destas verdades a histria da dominao: averdade como produto persuasivo dos vencedores, dolos que consumimos comonarcticos. As verdades convertidas em tabus do poltico, considerado comouma rede de micromomentos de produo e reproduo da sociedade.

    Os saberes sobre o homem, em tantos discursos vencedores, provocam

    efeitos alienantes de persuaso. Estes efeitos esto destinados a neutralizar eimobilizar: tabus que ritualizam a submisso em vez de serem uma afirmaoda vida coletiva. O mito e o ritual como dispositivos de despolitizao da soci-edade.

    Para rever esta situao, parece razovel refazer a histria das signifi-caes esquecidas. necessrio ir em busca de tudo o que seja estrangeiro eproblemtico na existncia, perguntar-se se por tudo aquilo que at agora foi

    exilado pela moral e pelas cincias da lei. preciso deixarmos de ser cren-tes para podermos comear nossas andanas pelo que institucionalmenteproibido. preciso pagarmos mal a nossos mestres para descobrirmos a his-tria escondida pelos homens da cincia, juristas e filsofos, para descobrir-mos que ideal do desejo constitui o simulacro de um objeto de desejo, teatralizadopela informao erudita.

    Dando uma explicao poltica, as proibies climatizadas pela cultura

    oficial, poderemos comear a andar e ser de outro modo: poderemos gerargestos, chaves para entender silncios, para descobrir campos inteiros de umaexperincia esquecida. Desta forma poderemos tentar a recuperao de um

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    espao social para o poltico. Entendo, para buscar esse objetivo, que o polti-co se constitui e se conserva em uma permanente luta simblica contra aproduo de uma subjetividade plasmada por rituais, crenas e mitos de sub-

    misso. A sociedade se repolitiza indo contra os efeitos totmicos de um feti-che chamado Estado.

    Para ganhar essa luta, precisamos contar com outro discurso, uma pr-tica de significao em permanente estado de estruturao, de ambivalncia,para no se submeter coero dos significados unvocos, desdobrando in-cessantemente o autorizado, o aceito e o proibido pela instituio social. Aformao da subjetividade sempre a histria de um vencido. Ou seja, signi-

    ficaes produzidas no mbito do imaginrio.Desta forma, teremos clara conscincia de que no poderemos repen-

    sar o poltico sem um sistema de representaes simblicas que legitimem aexistncia dos homens singulares: uma singularidade que seja produto de suainterao poltica e no dos homens idealmente concebidos como sujeitos pre-viamente constitudos (como resultado de uma concepo mtica do polticocomo ao fundamentalmente instrumental). O poltico prioritariamente ex-

    presso simblica. V-lo como simples ao instrumental ou como emergn-cia exclusiva do funcionamento econmico uma forma de abrir caminho sforas de sua negao.

    O sentido comum terico das cincia sociais, suas crenas estereotipa-das e os amos de suas verdades nos acostumaram a refletir acerca da inci-dncia das determinaes scio-econmicas sobre a poltica. Entretanto, nopermitiram, ou no facilitaram, que nos acostumssemos a pensar em tornodo papel que a produo social da subjetividade desempenha nesse terreno.Ou seja, no nos possibilitaram ver, por um lado, que papel desempenham os siste-mas de representao institucionalmente produzidos na formao das estruturas

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    psquicas, e por outro lado, como estas se operacionalizam para que determi-nados fatos histricos e sociais se desenvolvam e se consolidem.

    O poltico e a morte

    Nas formaes sociais totalitrias se produz a morte do poltico comoespao pblico (deliberativo, comunitrio e solidrio) e como memria coleti-va, sobretudo a morte da memria coletiva dos oprimidos e dos socialmenteexcludos. As cerimnias de interveno sobre a memria coletiva se do atra-vs de uma srie de estratgias simblicas, destinadas, principalmente, aoaniquilamento do diferente (por exemplo, celebram-se datas que simbolizam

    as vtimas frente ao homem distinto). Estas cerimnias ritualizam eesteriotipam convenientemente o passado, para que opere como referncia deseu projeto de dominao. Apagam o mnimo vestgio que permita traar ahistria dos diferentes. A memria coletiva apropriada pelas instituiesexecutoras da dominao. Controlando o passado, elas controlam o futuro.

    Num projeto totalitrio, a censura se instala na memria coletiva medi-ante comemoraes espontneas, registros acumulativos e seletivos dos acon-

    tecimentos vividos. Neste contexto, a memria dos oprimidos revela sua pas-sagem pela histria sem conhec-la como histria. A memria coletiva queimpe um projeto totalitrio responde a devastadores efeitos com um conglo-merado de fices, mitos, slogans, discursos anfibiolgicos, que permitem proporpermanentes releituras conspiratrias da histria, como condio necessriada legitimidade destes projetos.

    Entretanto, o simbolismo de uma memria coletiva democrtica

    exige um trabalho ativo, criativo e reflexivo sobre o que sucedeu histo-ricamente. As recordaes democrticas se formam no presente, de-terminadas por nossos impulsos de vida, nossos interrogantes, metas eidea is . So recordaes que se cons t i tuem po l i t i camente num

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    presente conflitivo, vivo. uma memria que interpela. Ao contrrio, a me-mria totalitria no interpela, glorifica um outro benfeitor (um Grande Ir-mo diria ORWELL), o Estado, e tambm a lei e os saberes, que com ele se

    compromete. Ao mesmo tempo surge um outro, apresentado como malfi-co, que pode ser o que sabe as coisas da histria que no se deve saber.

    O projeto de dominao totalitrio no s monopoliza a coero comouma forma de dominao, mas tambm precisa monopolizar as lendas da his-tria para ir modelando as sucessivas faces do outro malfico e situar-secomo sua contraface benfica. Quando se monopoliza a memria coletiva, osacontecimentos terminam sendo detalhes sem importncia. O importante a

    formao seletiva de um saber oficial e absoluto sobre a sociedade e suahistria. Por isso, concentra todas as foras da sociedade, tornando-se, assim,totemicamente um grande benfeitor. Os homens e os aparatos que integramesse totem benfico se apresentam como sabendo sempre o que melhorpara a sociedade e por isso devemos am-los.

    Falamos da morte do poltico porque numa memria coletiva unificadano se percebem os conflitos, as diferenas, as divises. O povo unificado

    por uma amnsia frente a uma histria sempre vista como a permanente pre-sena de um esprito conspirativo.

    A condio de projeto democrtico, que devolva a vida ao poltico, as-senta-se na necessidade de contar com uma memria coletiva que no permi-ta a existncia de temas escondidos, roubados ao debate e interveno dosatores sociais. Inclusive essa memria coletiva no pode tolerar que por meiode certos cerimoniais judiciais a coisa julgada torne-se esquecida, gigantescosoperativos genocidas que glorificaro o aniquilamento dos que pensavam demodo diferente. O procedimento judicial deve permitir, em seu caminho, aemergncia de um espao tico para reler os atos terrorista

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    do aparato estatal, como ato fundador de uma nova sntese, no presente, nopassado. Desta forma poderemos preservar-nos da morte do poltico.

    Encerro colocando outra relao dos projetos antidemocrticos com a

    morte. Refiro-me morte em seu sentido literal, que atua como um operadorestruturante da lgica do terror. Estamos diante da morte operando comolegitimador coercitivo dos projetos antidemocrticos. Ela se desenvolve, seexpande nos subsolos da sociedade; os efeitos perversos desta mitologia damorte so vistos atravs do silncio e do segredo sobre os que vo morrendo; o diferente transformado em desaparecido.

    Os cadveres sem nome, e todo o mistrio que envolve suas mortes,

    nos colocam frente a outro tipo de vinculao dos projetos totalitrios com amorte: a negao do que est se passando, a morte da realidade.

    Nos regimes de terror se produz coletivamente uma espcie de ce-gueira histrica; as pessoas negam-se a ver o horror da realidade a que es-to expostas. uma cegueira que lhes permite aceitar, delirantemente, a ilicitudedo regime do terror como legalidade. Terror e lei terminam sendo , histerica-mente, a mesma coisa.

    Os mortos, como nomes para o esquecimento, permitiram tambm quea maioria despolitizada negasse essa realidade, capitalizando como perigo difusoou como peste contagiosa o mistrio que envolve os desaparecidos. O genocdiosilencioso, sem teatralizaes, permite transformar os mortos em tabus peri-gosos. Tanto no Brasil como na Argentina, as maiorias foradas ao silnciodiziam reiteradamente: Si le pas, por algo ser. Esta frase, sem dvida,pode ser considerada como o sintoma estereotipado mais eloqente da ce-

    gueira histrica que legitimou os regimes de terror latino-americanos. Legiti-mando a morte da realidade, ocorre a supresso do poltico pela supresso darealidade: a determinao de nossa prpria ausncia.

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    A cegueira histrica uma defesa psicolgica contra o sofrimento queo desamparo provoca. Se no houvesse negado a realidade demente de nossahistria recente, cada homem e o conjunto social haveriam tido que enfrentar

    o desamparo, uma mxima angstia por sentir que no tinham nenhuma defe-sa para proteger-se do terror imposto desde os aparatos do Estado at osubmundo de seus annimos lugar-tenientes. Assim, negou-se que a funoprimria dos aparatos do Estado foi a de administrar a morte. E a maioria dapopulao argentina, por exemplo, no se deu conta de que por essa negaoestavam ainda muito mais expostos.

    A negao da realidade determinada pelos dispositivos da cegueira his-

    trica proveio, em grande parte, da negao da significao que os fatos apre-sentavam. Identificado o regime de terror com a lei, os homens no necessi-tam interrogar-se sobre o significado das operaes que militarizaram o coti-diano da sociedade argentina, nem sobre os atos de guerra que logo foramproduzidos pela ltima junta terrorista.

    Desta maneira, a negao da realidade traz como corolrio outra formade morte do poltico: a morte do pensamento, ou seja, a morte das significa-

    es pelas explicaes alienadas dos acontecimentos. preciso dizer aqui que os dispositivos de alienao transcendem o nvel

    das explicaes. Como reforo, os projetos autoritrios e os totalitrios constro-em climas alienados, que contribuem indiretamente para a negao da histriacotidiana e permitem uma fuga coletiva da realidade: o tricampeonato de futebolbrasileiro de 1970 --incluindo a figura de Pel no momento de maior repres-so do regime militar brasileiro; o xito da equipe de Menotti em 1978, em situ-ao bastante parecida; a recuperao ideolgica da guerra das Malvinas e osfictcios milagres econmicos, todos estes exemplos serviram de vlvula de es-cape para que argentinos e brasileiros pudessem abolir, no plano imaginrio,

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    todo estado de conflito entre seus ideais e desejos e a realidade cotidiana queestavam vivendo. Um estado de alienao que conduz morte do pensamentoe do poltico.

    Estudar as dimenses simblicas da poltica , em grande medida, umesforo para entender que a produo de bens e poderes conta com um cam-po imaginrio que o completa. Este campo necessariamente determina, emforma alienada, a subjetividade dos homens que integram os sistemas de bense poderes, a fim de que os mesmos possam funcionar adequadamente

    O que foi dito exige tambm redimensionar nossa compreenso sobre oEstado, o Direito e o poder.

    Este ltimo uma dimenso estratgica dentro da sociedade, uma situ-ao relacional de dominao e resistncia.

    A partir dessa caracterizao do poder, o Estado deve perder seu perfilhipostasiado para se revelar como um discurso constituinte, na medida em queassinala significaes aos acontecimentos e s palavras. Um grande operadortotmico, que, junto com a lei e seus saberes, determina as culpas, organiza aalienao e as relaes de poder, premiando, castigando, deslindando o ilcito,

    produzindo o modelo normal e normatizando a subjetividade.