A filosofia da educação de Rubem Alves

2
A filosofia da educação de Rubem Alves Gabriel Perissé Disponível em: http://www2.correiocidadania.com.br/ed410/perisse.htm Acesso em: 25 mai 2011 Já ouvi professores (sobretudo professoras) declararem seu amor incondicional pelos livros, artigos e palestras de Rubem Alves. E já ouvi também (embora em menor número) profissionais do mundo da educação fazerem sérias restrições ao que Rubem Alves escreve. Alegam estes que o autor não possui aquela cientificidade... Rubem Alves não está nem um pouco preocupado com a cientificidade. Defende a magia do ato de educar, infensa à fria e precisa linguagem das ciências da educação. Talvez, em outros tempos, Rubem Alves caísse nas mãos da Inquisição. Seria queimado em praça pública, sorrindo, enigmático, sua alma subindo aos céus, e uma frase nos lábios: “santa erudição...”. Inimaginável, porém, será um dia ler em site ou estampado em camisa negra com letras brancas frases como “Eu odeio Rubem Alves”. Odeia-se Bush, odeia-se o Papa, odeia-se Madonna, odiamos até aquelas pessoas simpáticas que, quando alguém se queixa da falta de tempo, gostam de perguntar — “O que você faz de meia-noite às seis da manhã?”. De fato, odiar Rubem Alves é ontologicamente impossível. Se eu também não consigo odiar Rubem Alves, sinto dificuldade em considerá-lo (como alguns exageram, e têm razões para exagerar) um dos maiores intelectuais da educação brasileira. O próprio Rubem está do meu lado e negará queimar incenso diante dessa imagem. Rubem Alves é simplesmente um escritor. Sua filosofia da educação é não possuir uma filosofia da educação. Como escritor, tem o dom de provocar. E o seu alvo predileto é o educador, a escola, o sistema de ensino. Recentemente, em texto publicado pela Folha, lançou terríveis perguntas: “os saberes que se ensinam em nossas escolas tornam os alunos mais competentes para executar as tarefas práticas do cotidiano? E eles, alunos, aprendem a ver os objetos do mundo como se fossem brinquedos? Têm mais alegria?”. Três perguntas cuja resposta pode ser uma só: não. (Vejam: eu não afirmei que a resposta só pode ser uma.) Eis aqui a não-filosofia da educação do profeta Rubem Alves. Os profetas denunciam, alertam, dramatizam, e nisso está sua condenação e redenção. Já aqueles que, depois de lerem mais um artigo de Rubem, voltam para o

Transcript of A filosofia da educação de Rubem Alves

Page 1: A filosofia da educação de Rubem Alves

A filosofia da educação de Rubem AlvesGabriel Perissé

Disponível em: http://www2.correiocidadania.com.br/ed410/perisse.htm Acesso em: 25 mai 2011

Já ouvi professores (sobretudo professoras) declararem seu amor incondicional pelos livros, artigos e palestras de Rubem Alves. E já ouvi também (embora em menor número) profissionais do mundo da educação fazerem sérias restrições ao que Rubem Alves escreve. Alegam estes que o autor não possui aquela cientificidade...

Rubem Alves não está nem um pouco preocupado com a cientificidade. Defende a magia do ato de educar, infensa à fria e precisa linguagem das ciências da educação. Talvez, em outros tempos, Rubem Alves caísse nas mãos da Inquisição. Seria queimado em praça pública, sorrindo, enigmático, sua alma subindo aos céus, e uma frase nos lábios: “santa erudição...”.

Inimaginável, porém, será um dia ler em site ou estampado em camisa negra com letras brancas frases como “Eu odeio Rubem Alves”. Odeia-se Bush, odeia-se o Papa, odeia-se Madonna, odiamos até aquelas pessoas simpáticas que, quando alguém se queixa da falta de tempo, gostam de perguntar — “O que você faz de meia-noite às seis da manhã?”.

De fato, odiar Rubem Alves é ontologicamente impossível.

Se eu também não consigo odiar Rubem Alves, sinto dificuldade em considerá-lo (como alguns exageram, e têm razões para exagerar) um dos maiores intelectuais da educação brasileira. O próprio Rubem está do meu lado e negará queimar incenso diante dessa imagem. Rubem Alves é simplesmente um escritor. Sua filosofia da educação é não possuir uma filosofia da educação.

Como escritor, tem o dom de provocar. E o seu alvo predileto é o educador, a escola, o sistema de ensino. Recentemente, em texto publicado pela Folha, lançou terríveis perguntas: “os saberes que se ensinam em nossas escolas tornam os alunos mais competentes para executar as tarefas práticas do cotidiano? E eles, alunos, aprendem a ver os objetos do mundo como se fossem brinquedos? Têm mais alegria?”.

Três perguntas cuja resposta pode ser uma só: não. (Vejam: eu não afirmei que a resposta só pode ser uma.) Eis aqui a não-filosofia da educação do profeta Rubem Alves. Os profetas denunciam, alertam, dramatizam, e nisso está sua condenação e redenção.

Já aqueles que, depois de lerem mais um artigo de Rubem, voltam para o campo onde semeiam aulas e outras sementes, precisam encontrar respostas diversas, recriar verdades. Sim, com erros e acertos, há professores capazes de realizar grandes milagres. Só que praticamente ninguém sabe onde eles se encontram. 

Gabriel Perissé é coordenador pedagógico do Ipep (Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa) e autor do livro recém-lançado A arte de ensinar, pela Editora Montiei.