A FILOSOFIA E SUA HISTÓRIA
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A Filosofia e sua História
Ler texto filosófico
Marc Sautet é doutor em filosofia e idealizador dos cafés filosóficos em Paris, encontros que tinham o objetivo de discutir filosoficamente problemas do cotidiano. Esse modelo se espalhou pelo mundo e deu uma grande visibilidade para as discussões filosóficas no meio não acadêmico (fora das universidades). Vejamos como ele define a filosofia a partir de seu caráter questionador:
Todos os temas são passíveis de serem tratados de maneira filosófica. A filosofia não depende de seus assuntos. Não é uma “matéria” a ser ensinada nem um campo a cultivar; é um estado de espírito, um modo de se servir do próprio intelecto. O filósofo não tem um objeto próprio. Parte das ideias aceitas, das opiniões do senso comum, das ideologias dominantes, das revelações religiosas, das respostas dadas pela ciência, para submetê-las a um exame. Tudo, portanto, é objeto de sua reflexão. O neófito não tem nenhuma necessidade de construir para si uma montanha de assuntos apropriados a essa disciplina. Eles não existem. Não há especificidade do objeto da filosofia: filosofar é questionar, no sentido banal do termo, aquilo que já está dado como resposta e que, na verdade, não convém. Verifica-se que as respostas pululam, opõem-se e se contradizem. O filósofo procura enxergar com clareza, pôr ordem nessa confusão, fazer da razão o árbitro.
Sautet, Marc. Um café para Sócrates, Rio De Janeiro: José Olympio, 1997
1) O que o autor quer dizer com a frase “todos os temas são passíveis de serem tratados de maneira filosófica”?
2) Segundo o texto, qual o objeto de estudo da filosofia?
3) Explique qual é o papel principal do filósofo, na visão do autor?
A Filosofia e sua História (Considerações Iniciais)
Por André Luis Pereira dos Santos1
É importante entendermos que todo texto que se propõe a discutir
filosofia, na verdade, é um recorte de sua história. Mas o que isso
quer dizer? quer dizer que os temas, problemas e mesmo os filósofos
de que se tratam neste textos são frutos de uma escolha
metodológica. Conta-se apenas uma parte da história da filosofia,
quando esta, em si, tem um caráter muito mais amplo. Será que a
filosofia trata somente de questões humanas como a ética e a
política? Obviamente não. Todos os assuntos de todas as áreas são
passíveis de serem abordados filosoficamente. A filosofia é uma
forma de lidar com nossa realidade que não coloca limites em seu
campo de investigação e procura realizar essa tarefa de maneira
profunda e rigorosa. É uma forma de se servir do pensamento que
tem como objeto de estudo o próprio pensamento. Sendo assim é
dada a todos a capacidade de questionar os problemas que
enfrentamos em nosso cotidiano e buscarmos soluções mais
profundas e racionais para eles.
Algumas perguntas são fundamentais
A filosofia já carregava uma noção extremamente importante desde
seu surgimento na Grécia Antiga: A noção de que são as perguntas
que colocam as coisas em movimento. As respostas surgem apenas
como soluções para problemas já resolvidos. São as perguntas que
permitem que nos imponhamos novos desafios. Ao procurarmos saber
onde, como ou por que as coisas acontecem de determinadas
maneiras, avançamos em terrenos que desconhecíamos que permitem
ainda o surgimento de novas perguntas, em um processo contínuo.
Se pensarmos nas indagações mais profundas que tem intrigado a
humanidade durante a sua existência, chegaremos a conclusão de que
existem três perguntas que são fundamentais para ela, deixando para
as várias formas de conhecimento a difícil tarefa de solucioná-las.
Estas perguntas são: De onde viemos? Para onde vamos? Por que
1Bacharel e licenciado em filosofia pela FFLCH-USP, especialista em Ética e Saúde (EACH-USP) e mestrando em educação pela FE-USP.
A Filosofia e sua História
O Pensador de Auguste Rodin.
Questionar e refletir são tarefas que a filosofia realiza constantemente.
estamos aqui?
Perguntar de onde viemos é questionar acerca de nossa origem, não só da origem do ser humano, mas de
tudo aquilo que o cerca. O universo apresenta uma regularidade espantosa, as coisas e os seres parecem
partilhar de processos muito semelhantes para serem apenas obra do acaso. Quais seriam as causas desse
ordenamento? O que permitiria que o ciclo da vida se mantenha como é? Ainda mais, o que permitiria as
constantes transformações de todas as coisas?
Perguntar para onde vamos é se lançar nos questionamentos mais profundos da nossa existência. Qual o
futuro da espécie humana? O que acontece quando morrermos e não estivermos mais ligados a essa maneira
de existir?
Perguntar por que estamos aqui é buscar o sentido de estarmos jogados neste mundo sem sabermos
inicialmente com quais objetivos. O ser humano imprime sua marca por onde ele passa, alterando o meio em
que vive por meio das suas ações. Ele constrói,
derruba, transforma. Mas qual seria o porquê e a
finalidade dessas ações?
Assim, de uma maneira muito superficial,
podemos dizer que quatro formas de
conhecimento têm o intuito de compreender
essas perguntas, visto que, no limite, não há
solução definitiva para elas: A religião, a arte, a
ciência e a filosofia.
Podemos considerar a religião como um
conjunto de crenças distintas que, geralmente,
tem por objeto de culto uma, mais divindades ou ainda
alguma força sobrenatural. As religiões se organizam em procedimentos e rituais que visam aproximar o fiel
da(s) divindade(s) que ele venera ou adora. Desse modo, a religião, nas suas mais variadas manifestações, se
baseia em verdades de fé. Mas o que são verdades de fé? São verdades que não precisam ser demonstradas
racionalmente, acredita-se nelas porque se deve acreditar. Essas verdades são legitimadas pela autoridade de
pessoas que supostamente tem contato direto com as divindades: Sacerdotes, líderes espirituais, xamãs,
pastores, rabinos entre outros. No contexto de cada crença essas verdades são inquestionáveis. A religião se
baseia na fé e, para ela, esta estaria acima da razão ao respondermos as questões fundamentais.
A Filosofia e sua História
É uma tarefa muito difícil definir o que é arte. Esta palavra assume
diversas significações ao longo da história e se define de muitas maneiras.
No dicionário Houaiss encontramos o seguinte significado para ela:
“produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a
concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da
subjetividade humana”. A arte tenta dialogar com o mundo em que
vivemos e dar sentido a nossa existência, no entanto, ela não está pautada
por regras racionais. Mesmo aquilo que, em uma determinada época é
considerado belo e artístico, em outra pode não o ser. Ela vai além da
religião porque não se permite limitar por verdades estabelecidas. Além
disso, a arte é um diálogo com seu tempo, com aquilo que está
acontecendo no momento em que a obra é produzida. Ezra Pound dizia que
“os artistas são a antena da raça”, isto é teriam, segundo ele, uma
sensibilidade maior em captar às questões essenciais do ser humano.
Ademais, o fazer artístico é uma maneira de perpetuar-se para além da
morte, deixar algo de significativo para os que vem depois de nós.
Contrariamente ao que acontece com a religião e a arte, a ciência não pode
abandonar a atividade racional para existir. Na verdade, a sua característica
mais primordial é regular suas descobertas por métodos, procedimentos e
testes que são estabelecidos conforme a razão. A ciência racionaliza a
natureza, cria modelos e busca construir hipóteses de como determinado
processo chegou a se consolidar. Atualmente, ela trabalha por
aproximação. A partir dos modelos que cria da realidade, tenta chegar a
explicações cada vez mais próximas sobre ela, testando corrigindo e
aperfeiçoando suas hipóteses e teorias. Relaciona-se diretamente com as
perguntas que formulamos no início: De onde viemos, para onde vamos e
por que estamos aqui? A ciência contínua a buscar nossas origens. Temos
os físicos trabalhando incessante para tentar criar um modelo que explique
a origem de nosso universo, médicos tentando prolongar o tempo que
permanecemos neste mundo. Tudo isso não seria também uma maneira de
dar mais sentido a existência de nossa espécie?
Por último, temos a filosofia que, como vimos, não é o próprio
conhecimento, mas uma maneira de se lidar com ele. Quando dizemos que
tudo pode ser analisado de maneira filosófica, afirmamos que a filosofia é
uma maneira de enxergar o mundo e investigar até onde vão os seus
limites, estabelecendo os parâmetros do que é mitológico, artístico ou
A Religião
O Sufismo pode ser considerado
como a corrente mística do
islamismo. Eles procuram
alcançar a proximidade com
Deus por meio de cantos e
danças, além de outras práticas.
A Arte
A arte tenta dialogar com o mundo em que vivemos e dar sentido a nossa existência, no entanto, ela não está pautada por regras racionais. Mesmo aquilo que, em uma determinada época é considerado belo e artístico, em outra pode não o ser.
A Filosofia e sua História
científico. Ela não é considerada uma ciência em si, mas uma forma de conhecer as coisas e refletir sobre
suas características e seus problemas.
Para auxiliar e orientar estudos futuros, faremos um breve resumo dos períodos da história da filosofia para
que você possa ter parâmetros ao buscar maiores informações sobre a filosofia e suas características.
Os períodos da História da filosofia
Como acontece com a história tradicional, convencionou-se dividir a história da filosofia em quatro períodos
com preocupações e características distintas: a filosofia antiga, a filosofia medieval, a filosofia moderna e a
filosofia contemporânea. Entretanto, é muito importante lembrar que as divisões temporais que vamos
apresentar aqui possuem apenas um caráter didático, visto que o os acontecimentos e estudos filosóficos se
dão de maneira independente. Toda periodização histórica é sempre posterior. Sócrates, por exemplo, sequer
considerava que um dia ele seria tratado como um filósofo da antiguidade. Além disso, o pensamento
filosófico de cada período não está cronologicamente ligado às divisões da história tradicional, algumas
ideias filosóficas atravessam o tempo e se misturam. Assim, geralmente, a filosofia se ocupa dos problemas
que surgem em seu tempo e se relaciona às questões científicas, éticas, artísticas entre outras, que se
apresentam em determinados contextos sociais e históricos.
A Filosofia e sua História
A Filosofia Antiga
Alguns capítulos atrás vimos uma parte do pensamento político de Platão e Aristóteles. Esse pensadores
viveram durante a antiguidade clássica e ajudaram a traçar as bases do conhecimento posterior. Esse período
pode ser considerado como a aurora do pensamento ocidental. A maioria dos historiadores situa o
nascimento da filosofia entre o fim do século VII a.C. e início do século VI a.C., na região que ficou
conhecida como Magna Grécia, compreendendo as províncias gregas da Jônia, a península itálica e parte da
África.
Devido a civilização grega ter florescido em meio ao mar mediterrâneo (veja o mapa acima), as constantes
viagens marítimas permitiram que tivessem contato com culturas diferentes, ampliando sua forma de
conhecer o mundo. Porém, há uma discussão se os gregos criaram mesmo uma forma de pensamento
totalmente inovadora. Muito daquilo que criaram tem suas raízes em culturas do oriente. Será que tudo que
os gregos pensaram é fruto de outras culturas? Certamente não. A resposta a essa questão vem do fato de
que os gregos não somente inovaram no conteúdo daquilo que criaram, mas na forma de abordar esse
conteúdo. Podemos dizer que a cultura grega é a primeira a conceber uma forma de conhecimento desligada
de interesses puramente práticos. O que isso quer dizer? Os povos orientais e as culturas que os precederam
eram dotados de uma sabedoria prática. Os gregos transformam essa sabedoria em uma atividade racional e
puramente teórica. Os egípcios, por exemplo, eram profundos conhecedores no campo da agrimensura e da
A Filosofia e sua História
Os sofistas ensinavam como falar em público de maneira
persuasiva.
arquitetura, entretanto, para os gregos esse conhecimento é tomado como matemática; a astrologia dos
Babilônicos torna-se astronomia quando pensada no contexto da Grécia antiga e assim por diante.
Os gregos inventaram a ideia ocidental da razão: uma faculdade do homem que segue cientificamente regras
e normas universais.
A filosofia antiga também pode ser estudada dividindo-se os seu períodos.
O primeiro período da filosofia grega é conhecido como período pré-socrático ou período cosmológico,
compreende o período que vai do fim do século VII a.C. e vai até o fim do século V a. C., nesse momento o
interesse da filosofia se volta para a origem do universo ordenado (cosmos) e as causas das transformações
ocorridas na natureza. A filosofia pré-socrática se preocupa com a physis, palavra grega que pode ser
traduzida por natureza, mas contrariamente a concepção moderna que entende o homem separado dela, a
physis engloba tudo que está ao nosso redor, incluindo os seres humanos, propiciando uma constante
transformação de todas as coisas que dela participam. Se traduzirmos essa palavra de maneira literal ela
significa “fazer surgir”, “fazer nascer”, “produzir”.
Deste modo, os pré-socráticos se ocupam
com as características dessa “natureza” e
a maneira como ela se transforma.
Todavia, havia entre eles discordâncias
sobre como se davam essas
transformações e o pensamento pode ser
classificado em escolas de pensamento.
Podemos entender como escola de
pensamento como um grupo de filósofos
que pensa de maneira semelhante,
independentemente de uma proximidade
física. Essas escolas são a Jônica, a
Itálica, a Eleata e a da pluralidade.
Podemos destacar, então, como os principais
pensadores desse período: Tales de Mileto, Parmênides de Eléia, Heráclito de Éfeso, Pitágoras de Samos,
Empédocles de Agrigento, Demócrito de Abdera entre outros.
O segundo período da filosofia grega é o período socrático ou antropológico, nele a filosofia se volta para os
problemas humanos: a política, a ética, entre outros e consiste em uma reflexão sobre o papel do homem
nesse mundo. Vai do século V a.C. até o fim do século IV a.C.
Neste período, vive-se o auge da democracia ateniense, e a filosofia, com Sócrates, vem a habitar a praça
pública. Mas antes dele, os sofistas já ensinavam a arte da retórica e da persuasão. Mestres da oratória que
ensinavam a defender ou atacar um mesmo argumento, visando vencer um diálogo ou uma disputa em
assembleia. Os principais sofistas são Górgias de Leontini, Protágoras de Abdera e Isócrates de Atenas.
A Filosofia e sua História
Infelizmente, não temos muitos fragmentos de suas obras, o que nos faz conhecê-los apenas pelas descrições
dadas pelos seus adversários, discípulos de Sócrates, como Platão, Xenofonte ou Aristóteles. O próprio
Sócrates afirmava que eles não poderiam ser considerados filósofos pois não tinham amor à verdade,
defendendo ora uma coisa, ora outra.
Sendo assim, esse período compreende as reflexões dos Sofistas, de Sócrates (que não deixou nada escrito,
apenas conhecemos seu pensamento pela obra de seus discípulos), de Platão e de Aristóteles.
Alguns historiadores colocam Aristóteles em um outro período chamado de Período sistemático, visto que
ele realiza uma compilação de quase todo o conhecimento filosófico anterior a ele, estabelecendo critérios
de análise, criando a lógica, a metafísica e dando a base racional para o surgimento da ciência como
investigação sistemática das coisas da natureza.
O último período da Filosofia grega é o helenístico, que vai do fim do século III a.C. até o século VI d.C.,
compreende a dominação dos gregos pelos macedônios e romanos, passando pelo desaparecimento da pólis
e da democracia ateniense, estendendo-se até o surgimento da filosofia cristã. É um longo período onde
muitas corrente filosóficas se criam. As principais são o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo e o
neoplatonismo.
A Filosofia Patrística e Medieval
Quase toda a filosofia que se produziu durante a idade média sofre uma forte influência do cristianismo. Em
seu início é uma tentativa de conciliar os métodos filosóficos gregos e romanos aos dogmas da fé cristã. São
considerados como os primeiros documentos desse período, o evangelho de João e as cartas de Paulo,
presentes na Bíblia.
A patrística compreende o período que vai do século I ao VII, ou seja,
ela se inicia alguns séculos antes do que historicamente conhecemos
como período medieval, que se inicia em 476 com a queda do Império
Romano do Ocidente.
Entende-se por filosofia patrística, a filosofia dos primeiros padres da
Igreja, aqueles que a dirigiam política e espiritualmente, após a morte
dos apóstolos. Seu objetivo principal era buscar converter os pagãos
por meio de uma linguagem que se assemelhasse a das classes
dominantes e letradas, expandindo a fé cristã, por meio da
evangelização. Soma-se a isso a necessidade de sistematizar os
conceitos do cristianismo sob a forma de uma doutrina a ser aplicada.
O que permitiu a elaboração de uma teologia complexa e o
fortalecimento da religião cristã como um todo.
Os principais nomes da patrística foram Orígenes, Tertuliano, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, Boécio
entre outros.
Dogmas – Em filosofia, é uma
crença ou doutrina que nos é
imposta e que não admite
contestação. No sentido
religioso é uma verdade
revelada, portanto divina.
Geralmente, os dogmas são os
fundamentos primordiais e
inquestionáveis em que se
baseia uma religião.
A Filosofia e sua História
A filosofia medieval, propriamente dita, compreende o período que vai do século VIII ao século XIV. É um
período rico em ideias que abarca tanto os filósofos europeus, como Tomás de Aquino ou Guilherme de
Ockham, quanto pensadores árabes, como Avicena e Averróis, este últimos responsáveis pela tradução e
conservação do pensamento de Aristóteles. A Igreja Católica Apostólica Romana já havia se consolidado e
dominava política e espiritualmente a Europa. É nesse momento que surgem as primeiras escolas e
universidades. Dessa maneira,
a filosofia que se faz a partir do século XII ficou conhecida como Escolástica, por ser ensinada e realizada
no ambiente das escolas medievais. Mas, é preciso destacar que estas eram muito diferentes das escolas
modernas, situavam-se em meio às catedrais e estavam ligadas ao ensino religioso.
Os temas que são discutidos pelos filósofos medievais são os mesmos que os da patrística, ou seja,
contribuir para esclarecer o debate entre os limites possíveis entre a fé e a razão, no entanto, levam essa
discussão a um outro patamar, pois, já sofrem a influência dos trabalhos de Santo Agostinho e da
redescoberta de Aristóteles por meio dos pensadores árabes.
Destacam-se como principais pensadores desse período, além dos já citados, Abelardo, Alberto Magno,
Duns Scot entre outros.
Ler Texto Filosófico
Deus e o mal
Mas eu, mesmo quando afirmava e cria firmemente que és incorruptível, inalterável,
absolutamente imutável, Senhor meu, Deus verdadeiro que não só criaste nossas almas e
nossos corpos, e não somente nossas almas e corpos, mas todas as criaturas e todas as
coisas. Todavia, faltava-me ainda uma explicação, a solução do problema da causa do
mal. Qualquer que ela fosse, estava certo de que deveria buscá-la onde não me visse
obrigado, por sua causa, a julgar mutável a um Deus imutável, porque isso seria
transformar-me no mal que procurava.
(...) Mas de novo refletia: “Quem me criou? Não foi o bom Deus, que não só é bom, mas
a própria bondade? De onde, então, me vem essa vontade de querer o mal e de não querer
o bem? Seria talvez para que eu sofra as penas merecidas? Quem depositou em mim, e
semeou minha alma esta semente de amargura, sendo eu totalmente obra de meu
dulcíssimo Deus? Se foi o demônio que me criou, de onde procede ele? E se este, de anjo
bom se fez demônio, por decisão de sua vontade perversa, de onde lhe veio essa vontade
má que o transformou em diabo, tendo ele sido criado anjo por um Criador boníssimo?”
Tais pensamentos de novo me deprimiam e sufocavam, mas não me arrastavam até aquele
abismo de erro, onde ninguém te confessa, e onde se antepõe a tese que tu és sujeito ao
mal a considerar o homem capaz de o cometer.
Onde está o mal Entendi por experiência que não é de admirar que o pão seja enjoativo ao paladar
enfermo, mesmo tão agradável para o paladar sadio, e que olhos enfermos considerem
odiosa a luz, que para os límpidos é tão cara. Se tua justiça desagrada aos maus, muito
mais desagradam a víbora e o caruncho, que criaste bons e adaptados à parte inferior da
tua criação, com a qual também os maus se assemelham, tanto mais quanto mais diferem
de ti, assim como os justos se assemelham às partes superiores do mundo na medida em
que se assemelham a ti.
Indaguei o que era a iniqüidade, e não achei substância, mas a perversão de uma vontade
que se afasta da suprema substância, de ti, meu Deus – e se inclina para as coisas baixas, e
que derrama suas entranhas, e se intumesce exteriormente.
(Santo Agostinho. As confissões, São Paulo, Paulus, 2008.)
A Filosofia e sua História
Após a leitura do texto, responda as questões a seguir:
1) Explique como Agostinho vê a relação entre Deus e o Mal.
2) A partir da leitura descreva qual é a origem do mal para o autor?
A Filosofia Moderna
Abrange o período que vai do renascimento,
no século XVI, até o início do século XIX.
Podemos entender esse período como um
momento fortemente influenciado pelo
racionalismo científico. Mas se analisarmos a
filosofia moderna apenas por esse lado,
cometeremos um erro ao reduzirmos o
pensamento, nela produzido, somente ao seu
aspecto mais característico.
Se assumirmos o renascimento como o
prelúdio da filosofia moderna veremos que o
pensamento produzido ali é bastante
diversificado e compreende tanto os trabalhos
ligados a magia natural de Marsílio Ficino e
Cornélio Agrippa, quanto os escritos políticos
de Maquiavel, passando pelo empirismo de
Francis Bacon. Há, nesse momento, uma
preocupação em retomar os ideais da cultura
clássica (greco-romana). Algumas obras de
Platão e Arístóteles, lidas em grego, são
redescobertas e recebem novas traduções para
o latim, mais fiéis ao texto original. Muitos
artistas e autores gregos têm suas obras
recuperadas e busca-se imitar a arte e o
pensamento produzidos naquela época. É
importante lembrar que o termo “imitação”
não aparece aqui no sentido de cópia ou mera
repetição. Imitar é recriar os ideais clássicos
por meio de procedimentos semelhantes aos
A Magia natural
Durante o renascimento, vários pensadores se dedicaram a estudar o ocultismo, por meio da astrologia, alquimia entre outras práticas. Além disso, Marsilio Ficino havia feito uma tradução do Corpus Hermeticus , texto egípcio, supostamente escrito pela figura mitológica de Hermes Trismegisto que tornou-se um dos livros mais procurados daquela época. As práticas mágicas, nesse momento, acabam assumindo o papel de uma espécie de modo pré-científico de tentar controlar a natureza. Podemos observar isto mais claramente no modo em que alquimia influenciou a química e a astrologia a astronomia.
Empirismo
doutrina filosófica que afirma que todos os nossos conhecimentos são fruto da experiência sensível. Para o empirismo a observação e a experimentação são os melhores critérios para decidirmos o que é verdadeiro.
Sandro Boticceli, A primavera, 1482
Ficino encomendou esse quadro de Boticceli para seu jovem discípulo Lorenzo de Medici como um talismã contra a melancolia. Segundo a historiadora Frances Yates, ele é carregado de símbologias que transmitiriam apenas influências saudáveis e rejuvenescedoras. O uso de talismãs e objetos para fortalecer a concentração era comum na magia natural. (cf. Yates, F. Giordano Bruno e a tradição hermética, São Paulo: Cultrix. 1995. pg 90.).
A Filosofia e sua História
que os antigos utilizavam. Além disso, há uma valorização intensa da capacidade racional do ser humano.
Por meio da razão ele é capaz de conhecer e transformar o meio ao seu redor. Francis Bacon, por exemplo,
cria o conceito de Natura Vexata (natureza atormentada). Ele acreditava que a intervenção racional do ser
humano na natureza, por meio de hipóteses e experimentações, poderia alterá-la e até mesmo aperfeiçoa-la,
produzindo resultados inimagináveis. No renascimento se declara a primazia da ciência ativa sobre o saber
contemplativo.
O século XVII estabelece um marco na maneira em que se encara a filosofia. A obra de filósofos como
Descartes, Pascal, Galileu e Newton influencia profundamente o pensamento científico, que virá a se
dissociar da filosofia no século XIX. Mas, nesse momento, não há muitas diferenciações entre fazer ciência
e fazer filosofia. Os filósofos desse período quando discutem a política, as artes, a metafísica e a ciência,
acreditam que todos esse saberes são campos próprios da filosofia. Ser filósofo é, então, estar envolvido com
todos esse saberes, mesmo que se dedique mais a uns do que a outros.
O momento final da filosofia moderna é conhecido como iluminismo ou ilustração. É na filosofia moderna
que primeiramente se reconhece que todo ser humano tem direito ao livre pensamento pois todos são
conscientes e racionais. Como vimos, ao discutirmos a filosofia de Rousseau e Montesquieu, a razão é a luz
natural que permite que nos relacionemos com a realidade, por meio da política e da investigação científica,
por exemplo. E ela que lança luz sobre um mundo que deve ser interpretado e compreendido, chegando
mesmo a possibilidade de transformá-lo por meio dos instrumentos fornecidos por meio dela.
Porém, essa autossuficiência da razão defendida pelo iluminismo e por quase todo o pensamento moderno é
colocada em cheque pelo pensamento contemporâneo como veremos.
A Filosofia Contemporânea
A filosofia contemporânea abarca o trabalho
de filósofos que se produziu em meados do
século XIX, até o daqueles que ainda hoje se
dedicam a pensar sobre a filosofia. Deste
modo, falar da contemporaneidade em
filosofia é uma tarefa complexa, pois é difícil
estabelecer uma unidade entre os temas que a
compõem. Neste período, surgem teorias das
mais diversas e conflitantes, visto que elas, de
certa forma, dialogam com toda a tradição
filosófica anterior. Temos correntes filosóficas
como o marxismo, que prega uma
transformação radical da estrutura econômica,
A Filosofia e sua História
e o positivismo de Comte, que defendia, mais conservadoramente, a sistematização dos conhecimentos, o
progresso por meio da ordem e uma ciência das leis sociais. Os trabalhos de Husserl e Kierkegaard,
fundamentais no estabelecimento do pensamento existencialista, que vão influenciar as teorias de Sartre.
Mas também temos os escritos de Nietzsche, Schopenhauer e Heidegger. Toda a teoria crítica defendida pela
escola de Frankfurt, de nomes como Max Horkheimer, Walter Benjamim e Theodor Adorno, até o pós-
modernismo de Jacques Derrida e Felix Guattari.
Debater
Convicção é a crença de estar, em algum ponto do conhecimento, de
posse da verdade absoluta. Esta crença pressupõe, então, que existam
verdades absolutas; e, igualmente, que tenham sido achados os métodos
perfeitos para alcançá-las; por fim, que todo aquele que tem convicções se
utilize desses métodos perfeitos. Todas as três asserções demonstram de
imediato que o homem das convicções não é o do pensamento científico;
ele se encontra na idade da inocência teórica e é uma criança, por mais
adulto que seja em outros aspectos. Milênios inteiros, no entanto, viveram
com essas pressuposições pueris, e delas brotaram as mais poderosas
fontes de energia da humanidade. Os homens inumeráveis que se
sacrificaram por suas convicções acreditavam fazê-lo pela verdade
absoluta. Nisso estavam todos errados: provavelmente nenhum homem se
sacrificou jamais pela verdade; ao menos a expressão dogmática de sua
crença terá sido não científica ou semicientífica. Mas realmente queriam
ter razão, porque achavam que deviam ter razão. Permitir que lhes fosse
arrancada a sua crença talvez significasse pôr em dúvida a sua própria
beatitude eterna. Num assunto de tal extrema importância, a "vontade" era perceptivelmente a instigadora do intelecto. A
pressuposição de todo crente de qualquer tendência era não poder ser refutado; se os contra-argumentos se mostrassem muito
fortes, sempre lhe restava ainda a possibilidade de difamar a razão e até mesmo levantar o credo quia absurdum est [creio porque
é absurdo] como bandeira do extremado fanatismo. Não foi o conflito de opiniões que tornou a história tão violenta, mas o
conflito da fé nas opiniões, ou seja, das convicções. Se todos aqueles que tiveram em conta a sua convicção, que lhe fizeram
sacrifícios de toda não pouparam honra, corpo e vida para servi-la, tivessem dedicado apenas metade de sua energia a investigar
com que direito se apegavam a esta ou àquela convicção, por que caminho tinham a ela chegado: como se mostraria pacífica a
história da humanidade! Quanto mais conhecimento não haveria! Todas as cruéis cenas, na perseguição aos hereges de toda
espécie, nos teriam sido poupadas por duas razões: primeiro, porque os inquisidores teriam inquirido antes de tudo dentro de si
mesmos superando a pretensão de defender a verdade absoluta; porque os próprios hereges não teriam demonstrado maior
interesse por teses tão mal fundamentadas como as dos sectários e "ortodoxos" religiosos, após tê-las examinado.
( Nietzsche, F. Humano, demasiado humano, São Paulo: Cia das Letras, 2001, pg. 301.)
Após a leitura do texto de Friedrich Nietzsche, discuta com seus colegas sobre a certeza de nossas
convicções. Será que existem verdades absolutas?
* * *
A Filosofia e sua História
Deste modo, agora é com você. A filosofia é um campo instigante do pensamento, um terreno fértil a ser
explorado incessantemente. Busque se aprofundar em seus temas, leia mais sobre ela. Não há questão que
seja levantada que não possa ser discutida de maneira filosófica. Questione as obviedades que você encontra
em seu cotidiano, nem sempre aquilo que parece óbvio realmente o é. Há uma série de perguntas a serem
feitas sobre nossa política, nossa arte, nossa ciência, nosso dia-a-dia. Como as descobertas científicas nos
afetam? Como a desigualdade social impede que cresçamos politicamente? Como a arte pode nos levar a
sermos pessoas melhores? Você vai descobrir e formular as suas próprias perguntas. Este processo talvez
seja o mais precioso.
Gramsci dizia que “todo os homens são filósofos”. Já nascemos com o veio dos questionamentos abertos.
Paulo Freire afirmava que o ser humano é por natureza um ser inacabado, justamente por isso, estamos
sempre em formação. Podemos nos aperfeiçoar a cada dia. Se a filosofia puder contribuir para que você
tenha uma visão mais crítica do mundo em que vivemos, já estamos começando a filosofar.
Ler poema
Fernando Pessoa escreveu esse belo poema, usando um de seu heterônimos (personalidades paralelas
inventadas por ele, com história e características próprias), Leia-o e responda as perguntas a seguir.
DA MINHA ALDEIA vejo quando da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos".
1) O que o autor quer dizer com o verso “tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar, e tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver”?
2) Como podemos expandir nosso olhar sobre o mundo? Como essa mudança pode auxiliar a nos
tornarmos seres humanos melhores? Justifique sua resposta.
A Filosofia e sua História
Indicação de Site
http://www.cpflcultura.com.br/cafe-filosofico/
Indicação de Livro
Gaarder, J. O mundo de Sofia, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Sautet, Marc. Um café para Sócrates, Rio De Janeiro: José Olympio, 1997.
Nora K.; Hösle, V. O café dos filósofos mortos, São Paulo, Formatto, 2003.