A fofoca na história

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A fofoca na histria: Voc sabe da ltima? Um dos fenmenos sociais mais populares h sculos, a fofoca j interferiu nos rumos da histria e, bem contada e devidamente espalhada, chegou at a (quase) se transformar em verdade absoluta por rica Montenegro e Cludia de Castro Lima Ei, preciso contar uma coisa. Voc soube que a rainha Elizabeth I tem um amante? T oda a corte est dizendo... Difcil no prestar ateno no que vai ser dito quando a conversa comea assim. A fofoca s empre fez parte da histria da humanidade. E nunca poupou ningum, muito menos os fam osos se hoje so artistas de cinema e TV, antes eram guerreiros, polticos, explorado res, monarcas. A rainha inglesa Elizabeth I, por exemplo, foi intenso alvo de fof ocas entre 1560 e 1570 , afirma o historiador Bernard Capp, da Universidade de War wick, no Reino Unido. Ela tem um caso? Est grvida? Teve um filho ilegtimo? Boatos as sim eram muito comuns entre os ingleses. Fofocas j correram tanto de boca em boca que mesmo as mentirosas acabaram convenc endo tanta gente que at hoje so conhecidas. O fato de Michelangelo, o genial pinto r renascentista, ter matado um sujeito para estudar a anatomia de seu corpo um d esses casos. Ou de o alemo Johannes Brahms estrangular gatos para reproduzir seus gritos em trechos de sinfonia. Falar da vida alheia um hbito do tempo das cavernas. Segundo Frank McAndrew, espe cialista em fofoca da universidade norte-americana Knox College, ela ajudou na e voluo humana. Para obter sucesso nos grupos sociais, os homens pr-histricos tinham de saber sobre a vida das outras pessoas e o que elas sabiam fazer , afirma. Para el e, quem tinha mais informao conhecia as fraquezas dos adversrios e sabia tirar vant agem disso. Se espalhar boatos sobre os outros hbito antigo, foi s h cerca de 30 anos que espec ialistas como historiadores e antroplogos resolveram estudar o que pode haver por trs da fofoca. Para muitos deles, histrias inventadas ou meias-verdades dizem bas tante sobre os medos, desejos e preconceitos de quem os espalha. Outros defendem que as histrias difamadoras funcionam como uma fora conservadora, esclarecendo qu e tipo de estrutura social e que normas de conduta devem ser seguidos para no cai r na boca do povo. Mas os boatos tambm interferiram na histria e tiveram papel poltico em vrias ocasies. No sculo 1, por exemplo, um deles foi fundamental para o destino da rainha egpcia Clepatra e seu amante romano Marco Antnio. A prpria rainha, acuada pelo Senado rom ano, que declarara guerra a ela e a Antnio (que devolvia terras sob domnio de Roma para a amada), fez circular a fofoca de que tinha se matado. Antnio acreditou e enfiou uma faca na prpria barriga. Clepatra, mais tarde, acabou realmente se matan do. Sculos depois, na Europa medieval, a fofoca adquiriu carter de vlvula de escape. Na Idade Mdia, a fofoca sobre gente importante, como senhorios e reis, era vista com o uma forma de resistncia escondida , diz Bernard Capp. No era permitido protestar ab ertamente contra essas pessoas, mas, por trs delas, contavam-se histrias sobre sua s vidas, ria-se de suas caras, diminua-se sua importncia. No sculo 18, surgiu o bisav das revistas de fofoca de hoje, o La Chronique Scandal euse. Impressas em territrio suo e contrabandeadas para a Frana, as crnicas reproduzi am histrias picantes sobre o cotidiano da corte. Numa poca bem anterior a assessor es de imagem, contratos publicitrios milionrios e processos judiciais por danos mo rais, os textos pegavam pesado na maledicncia. Sexo e monarquia

Histrias picantes sobre a vida amorosa de reis e rainhas j prejudicaram muito a im agem da monarquia. s vsperas da Revoluo Francesa, corriam boatos de que a rainha Mar ia Antonieta, da Frana, por exemplo, deitava-se com outros homens, como o cardeal Edouard e o soldado e diplomata sueco Axel Fender. A fofoca ia alm: o marido trad o, o rei Lus XVI, seria impotente, teria levado anos para consumar o casamento e no era o pai verdadeiro do prncipe herdeiro. As histrias, aos olhos da populao, compr ovavam a decadncia da monarquia. E foi a luta pelo fim dela um dos motivos da rev oluo que eclodiu na poca e que acabou com o rei e a rainha guilhotinados. O mesmo aconteceu mais de um sculo depois, quando os russos comearam a ouvir boato s sobre a vida sexual do czar Nicolau II e de sua esposa Alexandra. A verso mais maliciosa insinuava orgias entre o czar, a esposa, sua dama de companhia e seu c onselheiro Rasputin. Mesmo sem ter a veracidade comprovada, as fofocas ajudaram a desmoralizar os monarcas, que seriam destitudos do poder em fevereiro de 1917. Oito meses depois, estouraria a Revoluo Bolchevique e a Rssia nunca mais teria czar es. Fofocas sobre quem est no poder sempre foram populares. uma maneira de ver os pode rosos despidos , diz o psiquiatra Jos ngelo Gaiarsa, autor de Tratado Geral sobre a Fofoca. A fofoca um importante veculo de controle social, por isso no pode ser desp rezada , afirma.

A histria mostra que so comuns tambm os casos de mentiras que no so desmentidas ao c ntrrio, so muitas vezes reforadas por motivos polticos. Na Itlia de Mussolini, por e emplo, simpatizantes e adversrios do ditador concordavam pelo menos em uma coisa: ele havia recuperado o sistema de transporte ferrovirio do pas. Alm de smbolo da ef iccia do fascismo, a pontualidade dos trens virou orgulho nacional. S que, na verd ade, os trens comearam a ser recuperados antes de Mussolini chegar ao poder, em 1 922. E ele pegou carona em uma realizao que no era dele. O nascimento do colunismo social nos moldes atuais pode ser entendido como uma e spcie de institucionalizao da fofoca, a aceitao (e escancarao) dela pela sociedade. o ocorreu em meados dos anos 20. A revolucionria coluna do jornalista americano W alter Winchell no The New York Times revelava segredos de pessoas que pulavam a c erca , namoros at ento escondidos, nomes de quem estava em dificuldades financeiras. Como as histrias de Winchell eram publicadas em vrios outros jornais, 50 milhes de pessoas tinham acesso a elas. Hoje, as colunas de jornais no contam apenas fofoc as de festas e bastidores. Elas trazem tambm furos de reportagem e informaes exclus ivas, inclusive polticas. Alis, voc leu na semana passada...? Michelngelo assassino Sabia que, para produzir uma escultura de Cristo no sculo 16, Michelngelo teria ma tado a facadas um rapaz que lhe servia de modelo? O crime teria sido cometido pa ra que o artista pudesse dissecar o cadver e estudar os msculos. Os bigrafos do art ista dizem que ele tinha gnio difcil e era egocntrico caractersticas, no entanto, qu e no so suficientes para motivar um crime. Mas h quem acredite nisso at hoje. Brahms e os gatos Soube do Brahms? Um dos msicos mais importantes do romantismo europeu do sculo 19 estrangulava gatos para usar seus gritos em sinfonias! Essa histria circulou por mais de um sculo, at que um pesquisador desmentiu a fama de assassino de felinos, em 2001. Depois de ler mais de 20 biografias, ele concluiu que o boato nasceu do rival Richard Wagner. A morte de Mozart E o compositor italiano Antonio Salieri, que, com inveja da fama de Mozart, enve nenou o msico prodgio? A fofoca correu a Europa depois que Mozart morreu prematura

mente, em 1791. O povo logo espalhou que Salieri, que havia dado aulas para Beet hoven, Schubert e Liszt, tinha feito isso. O italiano, com raiva, alimentou o bo ato ao assinar uma confisso falsa. Mozart, na verdade, sucumbiu a uma febre reumti ca. Salieri no teve nada a ver com isso, mas ganhou a fama de ser um baita invejo so. Telefone sem fio Derrota na guerra virou piada Durante a Primeira Guerra, um exemplo de quem-conta-um-conto-aumenta-um-ponto, tp ico das fofocas, ficou famoso. O jornal alemo Kolnische Zeitung noticiou a derrot a da cidade belga de Anvers para a Alemanha: Depois do anncio da queda de Anvers, tocaram-se os sinos . O jornal se referia aos sinos germnicos que comemoraram o fei to. O francs Le Matin deu: De acordo com o Kolnische Zeitung, o clero de Anvers fo i obrigado a tocar os sinos quando a fortaleza foi tomada . O The Times, de Londre s, acrescentou: Segundo o Le Matin, os padres belgas que se recusaram a tocar os sinos por ocasio da derrota de Anvers foram destitudos de suas funes . O italiano Corr iere della Sera aumentou: Segundo o Times, os infortunados padres que se recusara m a tocar os sinos por ocasio da queda de Anvers foram condenados a trabalhos fora dos . No Le Matin, nova verso: Segundo o Corriere della Sera, est confirmado que os br baros conquistadores de Anvers puniram os infelizes padres que se recusaram a to car os sinos dependurando-os de cabea para baixo, como badalos vivos .