A forma cinema - André Parente

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Colecao N-Imagem direC;;ao: Andre Parente e Katia Maciel 1. 0 q ua rt o i co no cl as mo e o ut ro s e ns ai os h er eg es Arlindo Machado 2. Arte contemporanea brasileira: texturas, die<.;:6es,lcc;6es, estrateqlas Ricardo Basbaum (org.) 3. Filme e subjetividade Rogerio Luz 4. Redes sensoriais: arte, clencla, tecnologia Katia Maciel e Andre Parente (org.) 5. Luz e letra: ensalos de arte, literatura e c omun lc ec ao Eduardo Kac 6. Brasil experimental: arte/vlda, proposlcoes e paradoxos Guy Brett 7. Transcinemas Katia Maciel (org.) TRANSCINEMAS Katia Maciel ORGANIZAC;AO ...

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Colecao N- Imagem

d i r e C ; ; a o : Andre Parente e Katia Maciel

1.0 quarto iconoclasmo e outros ensaios hereges

Arlindo Machado

2. Arte contemporanea brasileira: texturas, die<.;:6es,lcc;6es, estrateqlas

Ricardo Basbaum (org.)

3. Filme e subjetividadeRogerio Luz

4. Redes sensoriais: arte, clencla, tecnologia

Katia Maciel e Andre Parente (org.)

5. Luz e letra: ensalos de arte, l iteratura e comunlcecao

Eduardo Kac

6. Brasil experimental: arte/vlda, proposlcoes e paradoxos

Guy Brett

7. Transcinemas

Katia Maciel (org.)

TRANSCINEMAS

Ka tia Macie lORGANIZAC;AO

. . .

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A FORMA CINEMA:

V A RIA < ;;: OE S E R U PT UR A S

Andre Parente

De saida, impoe-se esta questao: de que modo as novas midias transformam 0

dispositivo do cinema em suas dimensoes primordiais, quais sejam, a arquite-

1 6 n l c a (condi<;:oesde proJe<;:aodas imagens), a teCnoR;gica (producao, edicao,

ir~~smissao e distribui<;:aodas imagens) e a ?iscursiva(decupagem, montagem

"etc.)?Como essa~;riencias crhlffi noV-osdesloC";~;~to~ ou'poi1tOSae~ffiga

emrela<;:ao ao modelo de representacao instituido?

No ponto de chegada, a aposta de que a nocao de disposit ivo nos permite

repensar 0cinema, evitando clivagens e determinismos tecnol6gicos, hist6ricos

e esteticos, Ao contrario do cinema dominante, muitas obras cinematograficas

reinventam 0dispositivo cinematografico, seja multiplicando as telas e explo-

rando outras duracoes e intensidades, sejatransformando a arquitetura da sala

de projecao e entretendo outras relacoes com os espectadores.

Quando falamos, hoje, das transformacoes em curso no cinema, somos .s-:

cada vezmais levados a problematizar 0dispositivo no que diz respeito aos seus

aspectos conceituais, hist6ricos e tecnicos, Por outro lado, assistimos claramente \ Q\~

ao processo de transformacao da teoria cinematografica, isto e, de uma teoria d "

que pensa a imagem nao mais como urn objeto, e sim como acontecimento, rP ~

campo de forcas ou sistema de relacoes que poe em jogo diferentes instancias , ,:'(-!,,,,'ic'~

enunciativas, figurativas e perceptivas da imagem.o<,p

A forma cinema

De habito, quando pensamos em cinema, a imagem que nos vern a cabeca e

a de urn espetaculo que envolve ao menos tres elementos dist intos: uma sala

de cinema, a projecao de uma imagem em movimento e urn filme que conta

uma hist6ria em cerca de duas horas. A exemplo do que vern sendo dito sobre

as novas tecnologias de comunicacao, podemos afirmar que, em seu disposi-

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tivo, 0cinema faz tres dimensoes diferentes convergirem: a arquitetura da sala,

herdada do teatro Italiano - os anglo-saxoes usam, ate hoje, 0 termo movie

theatre para designar essa sala; a tecnologia de captacao/projecao, cujo padrao

foi inventado no fim do seculo XIX; e a forma narrativa (estetica ou discurso da

transparencia) adotada pelos fumes no inicio do seculo XX,sobretudo 0 cinema

de Hollywood, sob a influencia da vontade de viajar sem se deslocar; trata-se

de urn desejo que emergiu com forca durante 0 seculo XIX nos dispositivos

de projecao de fantasmagorias enos dispositivos imersivos, em particular ospanoramas e a fotografia estereoscopica, mas sobretudo no romance, entre os

quais osde Honore de Balzac e de Charles Dickens, com suas novas tecnicas de

delineamento dos personagens, das acoes, do espa<;:oe do tempo.

.Quando se diz que osirmaos Lumiere inventaram 0cinema, esquece-se, mui-

to f requentemente , que 6cinema deles socontinha asduas primeiras dimensoes

citadas. Apenas recentementercomecou-se adistinguirocinema dos primei-

res-tempos (1896':"'19Q8),ciIlemade atracoes{NoelBiirch; Andre Gaudreault,

Tom Gunning etc.), do cinema narrativo classico, que surge apos esseperiodo.

V De fato, a historia do cinema primitivo e interessante porque nos permite separar

1 dois momentos absolutamente diferentes: 0da emergencia de urn dispositivo

'~ jtecnico (0 cinema como dispositivo espetacular de producao de fantasmagorias)

.f' e aquele fruto de urn processo de institucionalizacao sociocultural do disposi-

t ivo cinematografico (0 cinema como insti tuicao de uma forma part icular de

espetaculo), isto e,0cinema entendido como formacao discursiva.

Assim, ao se afirmar hoje que as novas tecnologias, de urn lado, e a arte

contemporanea, de outro, estao transformando 0cinema, e preciso perguntar

de que cinema se trata. 0 cinema convencional, que doravante chamaremos

de':forma_sinema", e apenas a forma part icular de cinema que se tornou he-

gemonica, vale dizer, urn modelo estetico determinado historica, economica e

socialmente. Trata-se de urn modelo de representacao: "forma narrativa-repre-

sentativa-industrial" (N.R.I, termo cunhado por Claudine Eizykman), "modelo-

representativo-institucional" (M.R.I, empregado por Noel Burch) ou "estetica

da transparencia" (utilizado por Ismail Xavier).

o cinema, na condicao de sistema de representacao, nao nasce com sua

invencao tecnica, pois leva cerca de uma decada para se cristalizar e se fixar

como modelo. Como 0 livro contemporaneo, ele e urn dispositivo complexo

que envolve aspectos arquitetonicos, tecnicos e discursivos - por siso, cada urn

destes e urn conjunto de tecnicas -, todos elesvoltados para a realizacao de urn

espetaculo que gera no espectador a ilusao de que esta diante dos proprios fatos

e de acontecimentos representados.

o termo disposit ivo

- \C

. d' .. ) _ _ ~ l " ' lomo concerto, 0 lSP~SltlVOurge ~os.anos 1970.entre os teoricos estruturalis- iV J \ v

tas franceses Iean-Louis Baudry, Christian Metz e Thierry Kuntzel, para definir Y " - \ 1 , . ' 1 \

a disposicao part icular que caracteriza a condicao do espectador de cinema, I f ' . JI!'

proxima dos estados do sonho e da alucinacao. Em seus dois ensaios seminais, {

"Efeitos ideologicos produzidos pelo aparelho de base", de 1970.,e "Dispositive:

aproximacoes metapsicologicas da impressao de realidade", de 1975,Baudry

(1978)lanca as bases para discutir a responsabilidade do dispositivo nos efei-

tos especificos produzidos pelo cinema sobre 0 espectador ("efeito cinema").

Esses efeitos dependem nao tanto dos filmes e da organizacao discursiva (ou

linguagem, na otica da semiologia do cinema) quanta do dispositivo do cinema

considerado em seu conjunto (camera, moviola, projetor etc.) e das condicoes

de projecao (sala escura, projecao feita por tras do espectador, imobilidade

deste etc.).

Como 0prisioneiro da caverna de Platao, 0espectador evitima de uma ilusao

(impressao de realidade) ou alucinacao, uma vez que confunde as representa-

coes com a propria realidade. 0 cinema e visto, portanto, como uma maquina

Na_?-devemos, portanto, permitir que a "forma cinema" se imQ2pha como

urn dado natural, uma realidade incontornavel . A prQnria "forma cinema", Li~alias, e uma ~o. Deve-se dizer que nem sempre ha sala; que a sala nem J ( ,

_ . ~ . - - < . . r - '

sernpre e escura; que 0proJetor nem sempre esta~scondldo; que 0RIme nejn .,;;'f'N

sernP!:~seErojeta (muitas ~s, e cada vez mais, ele etransmitido por meio de C J .

irna~~r:seletronicas, seja na sala, seja em espa<;:osoutros); e que este nem semE!! l. cOIlt<l_l1~<l_hlstoriamuitos filmes sao atracionais, abstratos, experimentai~tc).

A historia do cinema tende a reca1car os pequenos e grandes desvios produ- Cr-~/zidos nesse modelo, como seele se constituisse apenas do que quer que tenha . . . . r - P ' . ! ) )

contribuido para 0seu desenvolvimento e 0seu aperfeicoamento, (p,/V..r\f'>.

Em outras palavras, 0cinema sempre foi multiplo, mas essamultiplicidade

se encontra, por assim dizer, encoberta e/ou recalcada por sua forma domi-

nante. Ao Iongoda historia do cinema, hanao apenas experiencias esparsas,

como cinco momentosfortesque senotabilizam porgrandes transformacoes

e experimentacoes quantoao dispositivo cinematografico, sobretudo nopos-

Guerra: cinema do disposit ivo, cinema experimental, arte do video, cinema

expandido e cinema interativo. Antes de aborda-los, todavia, devemos situar

algumas questoes conceituais.

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de simulacao, uma especie de "Matrix". Segundo Baudry, na demonstracao da

metafora da caverna, Platao recorre a descricao de urn dispositivo em que 0

espectador se encontra numa situacao similar a do cinema (imobilidade, sala

escura e projecao feita por t[(1Sdele).

Nesses termos, nao so 0 cinema possui urn dispositivo especifico, cujo

efeito basico consiste na producao da impressao de realidade, como 0disposi-

tivo cinematografico tern aspectos materiais (aparelho de base), psicologicos

(situacao espectatorial) e ideologicos (desejo de ilusao) que contribuem para

conformar essa impressao, Nos termos de Baudry, esse dispositivo e urn aparelho

ideologico, cuja origem reside na vontade de dominacao burguesa criada pela

imagem perspectivada, por meio da qual seproduz uma cegueira ideologica ou

alienacao fetichista, que remete a essa vontade de dominacao,

Importa frisar que os artigos de Jean-Louis Baudry sobre 0dispositivo cine-

matografico surgem no momento em que emerge a cri tica ao cinema da repre-

sentacao, isto e,a urn cinema que pretende criar no espectador 0sentimento de

que 0filme mostra uma realidade cuja significacao preexiste ao filme entendido

como discurso (estetica da transparencia). Para Baudry, mas tambem para osteo-

ricos da "desc()Ilstruyao'~s()bretudo aqueles f i g a d ~ sas revistas Cahjg~a

-e Cinettque, trata-s~~~-p6r-fimaop-ensamenfumetafisico (seja este existencial,fenomenologico~~-_?l.ltrC;2~~g~lliiQ~()g~a linguagem, 0sujeito e a percepcao

- s a . ( ) ()sftiiicra:-mentosda representacao d()il1undo. Para eles, a ideia de urn discurso

Claroe se~ la~u.1.la~~o;:m-1.l.i~d~-;;~serm-;;-sde-1.lmaequivalencia entre a imagem e

oreal, ou de que 0discurso da 0sentido do mundo, e uma idealizacao, A impres-

sao de realidade gerada pelo cinema classico, na otica de Baudry, e fruto de urn

processo de reificacao da imagem, de uma articulacao ideologica, determinada

a ocultar os processos de representacao implicados pelo cinema, como se este

pudesse dizer asverdades do mundo sem intermediacao,

E nesse contexto que entram em cena as influencias da psicanalise (via

Jacques Lacan) e do marxismo (via Louis Althusser) em suas vertentes estrutu-

ralistas. Do marxismo Baudry procura apreender os efeitos ideologicos gerados

pelo dispositivo cinematografico, Para alem de seu conteudo, 0 cinema domi-

nante se consti tui num sistema em que 0principal efeito ideologico se da por

meio da ocultacao do trabalho que transforma a percepcao de uma represen-

tacao numa impressao de realidade. 0 valor ideologico agregado (a impressao

de realidade) e correlato ao que ocorre no sistema de producao capitalista, em

que a ocultacao do processo de producao das mercadorias conduz a urn valor

agregado economicamente. Da psicanalise, por sua vez, Baudry retira a ideia de

que 0cinema reproduz a dinamica de nosso dispositivo psiquico, reatualizando

mecanismos que estao na base de nosso "eu": sonhos, alucinacoes, lapsos etc.

Dessa forma, nao apenas a psicanalise se torna urn instrumento privilegiado

para entender 0 cinema, como este, de certo modo, se torna urn disposit ivo

inconsciente com suas duplicacoes, espelhamentos e disfarces. 0 cinema e uma

IUaC[uinaa criar uma especie de plenitude ilusoria tipica do~enosque

nos~ao uma imagem em troca de urn mundo.

E por ai que, de acordo com Baudry, 0 dispositivo cinematografico - . <0

a projecao, a sala escura, a imobilidade do espectador - reencena 0estadio do e s ' l r 2 S :espelho descrito ~o~Lacan, n~ ~ual uma c:ianya en:re oito e 18meses, ao ver-se lno espelho, constrtui-se em sujeito por meio de sua identificacao com a imagem J P

de seu corpo unificado. Tal si tuacao e analoga aquela vivida pelo espectador v'

de cinema, uma vez que ambos sao vitimas de uma submotricidade e de uma

superpercepcao, 0 dispositivo do cinema tern a ver com 0dispositivo psiquico

porque, neles, 0 sujeito e uma ilusao produzida a partir de urn lugar. Por se

encontrar no centro da cena, "0 espectador se identifica menos com 0 que e

representado no espetaculo do que com que produz 0espetaculo: com 0que

nao e visivel , mas torna visivel" Trata-se, tanto no cinema quanto no estadio

do espelho, de urn sujei to transcendental que seconstitui por seencontrar no

centro, e que, estando no centro, sente-se como condicao de possibil idade doque existe.

Alem disso, essa relacao traz consigo 0 processo genetico das relacoes- es-

truturais , em que oposicao e falta sao determinantes. Como no dispositivo de

representacao conhecido como campo/contra-campo, 0dispositivo cinemato-

grafico e urn conjunto derelacoes em que cada elemento sedefine por oposicao

aos demais (presente/ausente) e em que 0 espaco do ausente (imaginario) se

torna 0 lugar (ele e que torna visivel) onde uma nao-presenca semistura, ou

melhor, se sobrepoe a uma presenca,

A analise de Baudry nos leva a duas observacoes principais. A primeira

d~las diz respeito ao fato de que, para ele,0dispositivo e fruto d~ visada

sincronic a que despreza suas transformayoes historicas. A segunda e que, em

sua critica do cinema dominante, e talvez por certa preocupayio-c-or1.l-;q1.le;~

~ especificidade, ele deixa delado a organizayao discursiva do cinema, que era l'~

urn dos pontos centrais da critica que sevinha tecendo ao modelo de represen-t~OQ() cinema comercial.· " .. -~- . .. . --~~-~~. --..-.--~-

Jean-Louis Comolli, no ensaio inti tulado "Tecnica e ideologia: camera,

perspectiva, profundidade de campo" (Cahiers du Cinema, 1971-2), transfere

para a organizacao discursiva 0que em Baudry parece ser urn efeito espedfico

do aparelho de base pela camera/projeyao. Hoje, esta claro que 0 dispositivo

~c~~

- ; y v } J /r:

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cinematografico apresenta, ao lado de suas dimensoes arquitetonicas e tecnicas,

uma dimensao discursive-formal ou estetico-formal, que e pes:a fundamental

na constituicao de urn modelo de representacao insti tucional, cujas bases se

encontram no cinema classico, em particular no hollywoodiano.

Aolongo da historia oficial do cinema, houve a sua margem varias experien-

cias de variacao e desvio desse modelo ilusionista e da estetica da transparencia,

que existem apenas como projeto ideologico e modelo teorico;

Questao filos6fica

Deixando de lado os efeitos, tambem e1esidealistas, do pensamento da falta e

da ocultacao, interessa no pensamento relacional de Baudry, via estruturalis-

mo, 0 fato de que 0 dispositivo tambem e urn campo de forcas e de relacoes de

elementos heterogeneos, simultaneamente tecnicos, discursivos, arquitetonicos

e afetivos. 0 pensamento estruturalista , urn pensamento do disposit ivo por

excelencia,procura analisar os campos de forca e asrelacoes que constituem os

sujeitos e os signos dos sistemas culturais, para alem de suas particularidades

psicologicas (pessoalidade) e metafisicas (significacao). Em outras palavras,

trata-se de urn pensamento relacional, embora guarde resquicios de idealis-

mo, uma vez que acredita seja em estruturas essenciais e formas a pr io r i (por

exemplo,o incesto e a castracao para a psicanalise e para a antropologia) , seja

na homogeneidade dos elementos que formam a estrutura (pertencentes a uma

mesma natureza).

Segundo Michel Foucault, urn dispositivo possui tres niveis de agenciamento:

1) 0 conjunto heterogeneo de discursos, formas arquitetonicas, proposicoes e

estrategias de saber e de poder, disposicoes subjetivas e inclinacoes culturais

etc.; 2) a natureza da conexao entre esses elementos heterogeneos: 3) a"episteme"

ou formacao discursiva em sentido amplo, resultante das conexoes entre os

elementos. Na verdade, a visada sistematica da concepcao foucaultiana esta ple-namente contemplada nas duas vertentes etimologicas do vocabulo disposit ivo:

enquanto 0 latim disponere descreve a configuracao dos diferentes elementos

de urn conjunto, 0 grego sustema expressa 0 lado sistematico do conjunto, cujo

corpo possui consistencia, ou seja, trata-se de urn conjunto em que 0 todo e

mais que a soma das partes.

Ha dispositivo desde que a relas:ao entre elementos heterogeneos (enUncia-)

tivos, arquitetonicos, tecnologiCos, instituc~ concorra para produZfr •

certQ~~i!2 de subjetivas:ao nocorpo sowil, seja ele d~~ ~ N . --

(Foucault), de territorializacao ou desterritorializas:ao (Deleuze), ou ainda de

a.paz;i~~ameilfoOuTntensidade (Jean- Frans:ois Lyotard).

Nessesentiao, a grande vantagem de sepensar 0 disposit ivo e escapar das

dicotomias que estao na base da representacao, entre as quais sujeito e objeto,

imagem e realidade, e linguagem e percepcao. Por natureza, 0 dispositivo e

rizomatico, 0 que, de certa forma, permite-nos dissolver certas c1ivagens e

oposis:oes que, em muitas situacoes, nao apenas paralisam nossos pensamentos-

linguagem e percepcao, discurso e afeto, sujeito e objeto, arte e tecnologia,

pre epos-cinema etc.- como criam falsasoposicoes, outra maneira dedizer quede deve ser entendido para alem de suas determinacoes tecnicas ou materiais.

Por exemplo, para Foucault, 0 processo de producao da subjetividade-prisao

jamais esteverestrito ao espaco.prisional ou mesmo a sua forma arquitetonica

panoptica, Desde sempre, 0 panoptico foi uma matriz conceitual, urn diagrama,

uma maneira de dizer que estamos na prisao, na fabrica, na escola e na familia,

desde que introjetamos a disposicao disciplinar implicada por tais espas:os;desde

o momenta em que nos apossamos do "muro da prisao" (na verdade, 0 sistema

de controle de siproduzido pelo dispositivo do panoptico), nos 0 carregamos por

onde andamos, vale dizer, por todo 0 campo da sociedade disciplinar. Ocorre 0

mesmo com 0 cinema. Hoje, 0 "efeito cinema'_:_(~~ta por todos os lados,

na s~a e fora dela, em outros espas:oscomo a televisao, a h;ternet , 0 museu e a

galeri<l?~~~i!~~~~~!p~m~ill!Q~~~~~i)TIltu"ra ico~~iSta

.dos(l!!Qs~2Z()e 1980~Q1Qgrafia."~ a historia em quadrinhos.. ~ _ _ ~ _ o _ _ _ . . . . . . _ _. _ _ . .o conceito de dispositivo tern forte historia filosofica na obra dos grandes

filosofos pos-estruturalistas, em particular osja citados Michel Foucault, Gilles

Deleuze e Jean-Francois Lyotard. Para eles,0 efeito produzido pelo dispositivo no

corpo social seinscreve nas palavras, nas imagens, nos corpos, nos pensamentos

enos afetos, motivo pelo qual Foucault fala de dispositivos de poder e de saber;

Deleuze, de dispositivos de producao de subjetividade; e Lyotard, de dispositivos

pulsionais. Cada urn deles fazusa do conceito para analisar uma obra ell l que

a questao do dispositivo e uma sorte. de manifesto de seu pensamento.Para Foucault, 0 panoptico era 0 proprio prototipo da sociedade disciplinar

eo quadro A s me n in a s, de Velasquez, uma obra-prima do problema da repre-

sentacao em geraL Lyotard pensa a pintura como dispositivo pulsional, isto e,a

pintura ja nso pode mais ser vista como representacao, pois transforma a energia

por ele suscitada nos espectadores, que deixam de ser passivos e se tornam 0

vetor da atualizacao sensorial e afetiva da obra. Em materia de arte, a (mica regra

comum a disposit ivos tao distintos e que os efeitos sejam intensos e os afetos,

duraveis. Ja Deleuze se consagrou ao estudo do cinema porque, segundo ele,

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trata-se do unico dispositivo capaz de nos dar uma percepcao direta do tempo.

Quando os cineastas do p6s-Guerra inventaram a imagem - tempo, criou -se urn

curto-circuito de indiscernibil idade entre 0real e 0vir tual , ou seja, ela nos levou

a uma questao simul taneamente art isti ca, fi los6fica e pol it ica .

o virtual se opoe nao ao real, e sim aos ideais de verdade que sao a mais

pura ficcao. ~ na filosofia quanto na ciencia ~_na ~!:!~~tempo e 0 ope-

~:~~~9ue~p6e e~erda(k_e 0mun_d2,_<l:~s5g~~~ao.

A contepporaneidade nasce gg,_cris.e_dar~resenta<;:ao j~tamente ~e

~ a!luestao da producao do no~o qge eSf_~a

a representacao, mas tambem ~ficaa-emerg~ncia da imaginacao no

mundoa:arazaoe,consequenreme~ mund6'que'sel ib~;~u'dos mode-~" - ..• ...• ...• .....•~.~:~• . . . . . . . • . . . • .~~.~~-~~-

los da verdade. A razao dis s o e muito simples: 0tempo da verdade (verdades e

form~~ de que 0mo~eE!1()aiIl_da e tributario) e subs ti tuido . ela ve~;de

do t~l1lP?como processo de producao do novo. "Ou 0 tempo e invencao, ou

ele nao t n a c l a " (H~~riBergs~;:;)~O-tempo e puro processo e, como tal, nao

para de se desdobra r, at ravessando passados nao necessariamente verdadei ros

(Homem: "Eu te encontrei ano passado em Marienbad"; Mulher: "Nao, voce

nao me encontrou") e p resentes "incompossive is" (houve e nao houve encontro

ano pass ado em Marienbad).

Alguns te6ricos do c inema contemporaneo, em grande parte inspi rados pelas

obras de Deleuze, Foucault e Lyotard, problematizam a questao do disposi tive

ao menos por duas razoes. Em primeiro lugar, para mostrar que 0cinema, na

condicao de dispositivo, produz uma imagem que escapa a representacao, aos

esquematismos da figura e do discurso, a linguagem e as suas cadeias signifi-

cantes, a signifi cacao como processo de reifi cacao. Em segundo, para enfa ti zar,

v' por t[(1Sda: a~ian<;:~sestabelecidas pelo cinema com outros di~po~itivos e meios

0" , Le producao imagetica, urn processo de deslocamento do pnmerro em relacao

/ as suas form as de representacao dominantes. Nesse contexto, Raymond Bellour

\ \\t/'\ Ianca 0 conce ito de entre-imagens para comentar 0 vasto campo de encontro

C ~ v entre 0cinema e asimagens eletronicas e digitais (= novas midias) ; PhilippeDubois analisa 0 efeito filme ou 0movimento improvave l , como forma de alu-

dir a hibridizacao entre 0c inema e as artes plast icas, em especial a fotogra fia ;

Serge Daney re fle te sobre os efeitos maneiristas provados pe los encontros entre

o cinema e a imagem eletronica, sobretudo a televisao; Jacques Aumont con-

l[. cebe a ideia de olho interminavel para exprimir as relacoes do olhar do cinema

. l ( v l J " / J y - com 0da pintura; e Noel Burch nomeia de clarab6ia infinita 0espa<;:ovirtual

/j~JV'- criado pelo cinema com sua decupagem e montagem classicas, Entre esses au-

Q ; \ J ' 1 ' \ tores, aos quai s poderiam ser ac rescentados muitos outros, como Anne-Marie

~\ V n/~

Duguet e Jean- Paul Fargier, a ideia comum de que av ideoarte e 0elemento que,

por excelencia, promove 0processo de desterritorializacao do cinema e leva a

uma nova forma de pensar a passagem entre imagens, da Tavoletta aos atuais

dispositivos de realidade vir tual .

o disposi tivo como conceito: estado da arte \ > " " ' )

Nao ,f~ipreciso esperar pelosote6r icos anglo-sax6es de inspiracao ~ognitivista e w~~'anahtlca dos anos 1980 (DavId Bordwell, Noel Caroll, Murray Smith etc.), para .

que se crit icassem a nocao de dispositivo e outras a ela re lacionadas (espec tador,

sutura, narratiyaclass ica e f ic<;:ao,entre outros) ,por implicarem generalizacoes

e abstracoes que nao levam em conta a textualidade filmica. 0 que esta na base

dessas criticas e a suposta passividade do espectador, que subentende uma re-

ducao da narrativa cinematografica, seja ela classica ou nao. De fato, ao ten tar

compreender 0 filme, 0espectador 0 constr6i.

Essa vi sao ecoa urn conjunto de questoes ligadas as teorias do cinema como

midia . Em sua grande maio ria, as teorias das midias sao monopo lizadas por uma

visao moralizadora, em que, de urn lado, estao os sistemas de comunicacao e,

do outro, a sociedade e seus espec tadores, vit imas das mensagens veiculadas por

esses sistemas. Tem-se uma situacao de terror, em que a sociedade e dominada

pelo monstro da midia, quea ela se impoe com mensagens de eficacia pavlo-

viana. De outro vies, as midias e as linguagens sao absolutamente dissecadas e

sua subjet ividade, esvaziada: tudo 0que escapa ao massacre das midias, tudo

o que e e ti co, polit ico, poe tico ou inte rat ivo, e imedia tamente el iminado, a luz

de uma teo r ia da manipulacao absoluta.

Hoje, vemos, cada vez mais, surgir aqui e ali urn novo rumo de pesquisas,

difi ce is de serem nomeadas, porque muito dife rentes ent re si. Essas pesquisas,

contudo, tern em comum a necessidade de reintroduzir, nas teorias da comu-

nicacao, dimensoes nao deterministas, onto16gicas e subjetivas. 0 trabalhode producao de uma nova subjetividade ganha forca com 0horizonte virtual

progress ivamente aberto pelas novas tecnologias da comunicacao,

Sem duvida, podemos dizer que a comunicacao e a mais nova dimensao

da forca social produtiva, e isso nao apenas porque 0 processo de producao

deixa de ser 0 que se realiza nas fabricas, passando a ocorrer em todos os lu-

gares onde 0 sujeito e produzido para dese ja r 0 produto que, socialmente, ele

ajuda a fabricar. E preciso ii- alem e des tacar 0 trabalho de todos aqueles que,

de alguma forma, rep ens am os dispositivos como equipamentos coletivos de

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subjetivacao, reintroduzindo direta ou indiretamente na teoria da comunicacao

dimensoes autopoieticas e criativas, isto e, agenciamentos coletivos que fazem

emergir novas subjetividades no tecido da comunicacao midiatica: a ordem do

discurso (Foucault, Deleuze, Felix Guattari, Michel de Certeau, Roger Char-

tier), a historia das tecnologias cognitivas (Jack Goody, Andre Lehoi-Gouhan,

Elizabeth Eisenstein), e os conceitos de interface, simulacao e rede (Bruno Latour,

Michel Callon, Pierre Levy).

E neste contexto que se situam os trabalhos de pessoas como Raymond

Bellour, Anne-Marie Duguet, Noel Burch, Andre Gaudreault, Tom Gunninge Jacques Aumont, que problematizaram 0 dispositivo por meio de multiplas

perspectivas. Os trabalhos desses autores nos levam a levant<l~~!!treyu!~~~,

estas questoes. emque~edida 0 dispositivo cil}ematogrMicoLtrall~h!~!~~i~()e

~transnlfdio1tic~?Haveria a~~!l~Jl~l!!~~~Y~Ii()~~~~~()~itiY()~~~~l?:~~~t~g!~~fi<:()~.E.<lI:.<l

osql1~isi.:()AY.~~m=~~di~P~0~sitiy'Q~_dit.Q§'12.r~~::c:i!l.e~l!l<l!()gE~Q.c_~~e que modo

~ocinema, entendido como dispositivo, e outros dispositivos que 0 precederam

podem ser reduzidos a urn mesmo desejo de ilusao que remonta a perspectiva

renascentista? Por que razao 0 cinema se confunde com uma midia mais fre-

quentemente do que outros disposit ivos imageticos que 0 precederam ou que

o sucedem (referimo-nos aqui a dispositivos oticos como os panoramas)?

Pesquisas historicas, sobretudo aquelas realizadas em torno do centenario

do cinema, mostram que 0 modo de funcionamento do cinerna-representativo-

institucional, sobre 0 qual 0conceito de dispositivo se forjou, difere muito do

cinema primitivo. Entre elas, destaca-se a analise de Tom Gunning, para quem, -..~..~-~---~--~--~( :::1·-·~)-

\A"}- r : ~ ( )~iIl=J:JJ.~~~osrimeiros temEo~ p:i:rilegia .C>.J).~L~~~:~tE~5~~~Il':':l~!1~0.,rn

detrimento d2.PQ1<:L!ljlJ::I.<!tlYQJslll~!!c:..OJ.m que medida, entao, 0 concerto de

/ disposi~~os permitiria compreender de maneira mais acurada as rupturas

narrativas e a expressividade atrativa dos cinemas experimentais e modernos?

Seria 0 caso de nos perguntarmos ate que ponto os efeitos especiais do atual

cinema americano desempenham papel comparavel ao das atracoes nos pri-

meiros filmes realizados?Muitos autores abordaram a questao do dispositivo numa perspectiva trans-

midiatica, valendo-se da ideia de que 0 desejo de ilusao gerado pelo aparelho

debase do cinema remonta a outros dispositivos desde a criacao da perspectiva

renascentista. Lembremos que, recentemente, alguns estudos indicaram 0 dis-

positivo panoramico como midia autonoma, cuja funcao primordial consistiria,

antes mesmo do cinema, em produzir a entrada do espectador na imagem

(Comment, 1993; Oetermann, 1977). Em que medida e possivel considerar uma Imidia urn disposit ivo como 0 panorama ou 0 cinema?

o conceito de dispositivo, entendido de maneira trans-historica, tern sido

utilizado em relacao a historia da midia por muitos autores. A premiss a geral_e

de CJ.lle disPQ.Sj1iv:o.GiB~matQ~ e ummodelo teorico que funciona como

uma e;t~utura teleolo~e, ao ter passado por certos momentos fortes da

. hist6fi~~mageticas, como os de emergencia dos panoramas. e da

fotografia:e~~a de urn cinem~~tot~omo 0 entendia Andre.

Baiin);cra~E~~~lsto~i~(),~~,::~_!:~o de evol~~os dispositivos ima-

~~ti.c:osinlciados com a per~~ct~:,a renascentiSf<LFIo)e, no entanto, 0 processo

~=rei~terpreta<;:aodo dispo~i~~?,cin=matograticonuma perspectiva pragmatica ,

..Il?st'=~rnit~~hl~torio1rod~aolTIenos~dOls~moJos:

~rn£!I!!i~lr() -ru~ pera-c()mpreensio~de'que u~ unico dis~ti~2de

dar lugar a diferentes 11l0delosde r_~reseIlta<;:aoe visoes de mundo. E 0 caso,

porexemplO,da~arnera escura, que no seculo XVII se torna 0 modelo de per-

cep<;:iiopassiva, desencarnada, objetiva, e no seculo XIX 0 modelo de uma per-

cepcao ativa, encarnada, subjetiva (Jonathan Crary). Em outras palavras, uma

mesma midia pode esconder, por tro1sde uma apa~tidade, diferentes 0- "

dispositivos.

Em-~undo, pelas diferencas, e nao simi~ridades de dispositivo~l1tre o.s

meios.a'panorama pode trazer co;;'sig; algu~s ger'trl~sdo'Cinema~como midiadelransporte ou estetica datransparencia, mas nao contern uma serie de outras

questoes nele existentes, entre as quais as de montagem, extracampo, movimento,

ritmo, duracao e relacao entre imagem e som. Entre varies outros, ostrabalhos

de Noel Burch, Andre Gaudreault, Raymond Bellour e Jacques Aumont sobre

a percepcao, a origem do cinema e a ligacao entre pre e pos-cinema, enfim, 0

fato de que a visao cinematica pode ser encontrada na caverna de Platao, na

Tavoletta, na camera escura, no panorama e na fotografia, estao inseridos nesse

rol depreocupacoes. Cada urn desses dispositivos faz cinema a seu modo e,com

isso, nos faz ver 0cinema de outra maneira, pomue este e urn ti12Qde sela£o - A

~11tr~i~agens, e entre imagens e espectadores, e nao uma realidade imutavel.

Ap~~tamos que, como afirmaram c;;ry~Gau~~~~nti-1 \nuicla.deou descontinuidade na historia, mas apenas na explica<;:aohistorica. .

NesseseritIdo, preferimos a ideia de que 0 dispositivo remete a urn conjunto

i1e1:e~og~neoe elementos que, em certos momentos, podem secristalizar numa, . · . · . · . u• " . _~ ~ _ . ~·~·===-~~M.~.~.~~==-=-~~~~,

forl11a~~oou"eplsteme" dominante, como a do cinema-representative instituido .

.No entall.t~,~tr~ta.1l.do~~ee·a.;-te~ac~editamosque a crise da representacao nasce

com 0modelo de representacao, Ejustamente no momenta em que vemos urn

determinado modelo se instituir, que percebemos a existencia de formas fora

de seu campo gravitacional.

 

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;;(!

A noyao de dispositivo ode contribuir, pois, ara uma renova~a

t~~>J:iado cine~ sobretudo no que diz respeito a ideia de u~ma

-~xpandido sob todas Silas novas modalidades, ou seja, de urn cine.ma_~

-~i~~ga as fronteiras do cinema-rel'resentay~s dispositivos

.aCi.oJ:l.am-vana~6es:transformayoes e posicionamentos queaetermmarri 0

horizonte de uma pratic~~a cinematogrcifica, num

[eiie derela~oes entrea~q~ais se podem dist inguir algumas esferas: as tee-~ .- ~.m~ _.~ . .. ___ .. _ . " .. ,"" .. _ . M _ . ~ _ . _ _ _ • " _ . , . -

nicas utiliz~~as,aesenvolvicras, ~aeslocadas; ? conte~t()_~§.~que

essa prati~a se ~oIlsfr(5i~c()~s~~~~eide~~~~~~~~.iordens ~~sos

que pr()clu1.~lllinfle~?es ..~....ierarq_lliz~yoesn~s "leit:t:l!.<l~:'~~:!:.~~.p.y6eS~das

obras;as cOIlcli~~es d.;;~~p~~~~ciasestetl~as,~i~cl uslve os espa~insti-

tudQIl<lli2:<l<:lQ§~.~~·cli;p·()~iy.~.~.~... .~E~r<lis rre~~tabe!e~i~·~§:IoJ:JnaLd~

subjetivacao, uma vez que os disl 'osit i"o~sio:ante; de tudo, equipamentos

c()ki&~ de suJ:>t~!ivay~~. .

. Dito de outro modo, 0conceito de dispositivo surgiu no cinema para, depois,

contaminar outros campos te6ricos, em particular 0da artemidia, no qual se

generalizou (fotografia, cinema, video, instalacoes, interfaces interativas, video-

game, telepresenca etc.). Isso se deve ao fato de que obras de arte e imagens

deixaram de se apresentar necessariamente sob a forma de objetos, uma vezque se "desmaterializam", ou seja, se "dispersam" em articulacoes conceituais,

ambientais e interativas. Hoje, as imagens se estendem para alem dos espacos

habituais em que eram expostas, como a sala de cinema e a televisao domestic a,

e ocupam galerias, museus e mesmo 0espaco urbano.

o cinema do dispositivo e as instalac;6es panorarnlcas

Nesta secao, damos alguns exemplos de experiencias realizadas ao longo da

hist6ria do cinema que demonstram que este esta longe de se reduzir a "forma

cinema". Privilegiamos aquelas que adotam a "forma panorama", uma vez que,

a nosso ver, a imagem panoramica contem muitas virtualidades.

o panorama e urn gigantesco dispositivo imagetico (muitos panoramas

tinham uma tela com mais de mil metros quadrados) de comunicacao de

massa que dominou a Europa ao longo do seculo XIX. Patenteado por Robert

Barker em 1787, tratava-se de urn tipo depintura mural construida num espayo

circular, em torno de uma plataforma central, de forma a criar a imersao dos

espectadores no universo representado pela pintura, como se eles estivessem

diante dos pr6prios acontecimentos.

E born lembrar quanta a isso que a arte moderna surge de uma transforma-

yao detectada por Denis Diderot na pintura francesa do seculo XVIII, em par-

ticular nas obras de Jean-Baptiste Greuze, Jacques-Louis David e Jean-Baptiste

Simeon Chardin. Segundo Diderot, essapintura esta estreitamente relacionada

a urn esforco para combater a teatralidade da representacao e a racionalizacao

da figurayao, frutos do racionalismo cartesiano que remetiam a uma imagem

desencarnada, fei ta para ser vista pelo olho da razao. Ela, portanto, negaria a

presenca do espectador, problematizada pela arte moderna por meio de dois ca- . \ lv -minhos diferentes: 0da estet ica da opacidade e 0da estetica da transparencia. O < N " , ~ \ l f

No primeiro caso, a pintura se torna cada vez mais opaca - a imagem pic- \) \

torica, de urn lado, se temporaliza, preocupada em captar 0 instante; de outro, ~

assume sua artificialidade (aparicao da pincelada) ate se tornar abstracao.

Apintura impressionista e,mais tarde, a pintura abstrata radicalizam elevam as

ultimas consequencias a estetica da opacidade. No segundo caso, em vez disso,

a pintura faz de tudo para trazer 0espectador para dentro do quadro. 0 pano- I

rama, nesses term os, e 0dispositivo aperfeicoado da estetica da transparencia,

uma vez que seu objetivo primordial e transportar 0espectador no espayOe no

tempo, trazendo-o para dentro da imagem. Essas duas concepcoes, portanto,

problematizam 0 lugar do espectador, que se encarna, ou seja, torna-se urnsujeito sensivel que percebe com 0 corpo como urn todo, e nao apenas com

os olhos do espirito (espectador classico, idealizado, desencarnado, sujeito do

conhecimento). Desse modo, a evolucao do panorama serelaciona a criacao de

urn ambiente, de uma instalacao, em que seapresenta e projeta algo em torno 1

do espectador, para que se gere nele a sensacao de estar diante nao de uma

imagem, e sim da realidade simulada por ela.

Em 1900, na Exposicao Universal de Paris, foram apresentadas duas notaveis

instalacoes panoramicas. No Mareorama, 0espectador viajava pelos mares de

Marselha, de Yokohama, de Napoles, do Ceilao, de Singapura e da China. Sua

plataforma fazia as vezes de urn navio transatlantico, de setenta metros de

comprimento e capacidade para ate seiscentas pessoas, pousado sobre umasuspensao, cujo intuito era simular 0balance das ondas. Os irmaos Lumiere,

por sua vez, apresentaram 0Photorama, sistema de projecao de imagens foto-

graficas de 360°, feitas por elesem todo 0 mundo, em rotundas panoramicas de

vinte metros de diametro por dez metros de altura. 0 espetaculo durava cerca

de meia hora e cada vista, em torno de cinco minutos. Como se vera adiante,

ambos fazem do panorama 0 ponto nodal do desenvolvimento do cinema

imersivo, dos parques tematicos, dos atuais sistemas de realidade virtual e das

instalacoes multimidia.

 

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C in em a d o d is p os it iv o

o primeiro periodo da historia do cinema se da entre a invencao tecnica pro-

priamente dita, em 1896,e a sua institucionalizacao, ocorrida por volta de 1908.

Durante esses anos, ainda nao se sabia 0 que 0 cinema seria, razao pela qual

houve uma experimentacao febril relacionada ao seu dispositivo. Grande parte

dessas tentativas nao tinha a ver com 0 cinema de sala e obteve exito comercial

ate a prevalencia deste: Kinetoscopio (Thomas Edison, 1890), Cineorama (Raul

Grimoin-Sanson, 1889) e Hale's Tour (William Keefe,1903), entre outros.

o Cineorama, patenteado por Raul Grimoin-Sanson em 1897,e urn dispo-

sit ivo formado por urn predio circular de cern metros de circunferencia, Suas

paredes brancas servem de tela continua, na qual imagens saidas de dez projeto-

res compoem uma imagem unica. 0centro da sala e ocupado por uma imensa

cesta de balao, munida de seus acessorios habituais, ancora, cordas, contrapeso

e escada, e 0 teto, coberto por uma cortina que imita urn envelope de aerostato.

Sob a cesta, estao fixados os dez aparelhos que, apos a sala ter sido escurecida,

projetam de maneira sincronizada vistas de decolagens e aterrissagens de baloes,

as ultimas obtidas pela passagem do filme ao contrario.

oHale's Tour,explorado comercialmente por George Hale nos Estados Uni-dos no inicio do seculo XX,era composto desalasde cinema imitando vagoes de

trem. 0 ediftcio principal simulava uma estacao e empregados uniformizados

introduziam os espectadores em salas de sessenta lugares para "viagens" de

meia hora. Nas janelas laterais e traseiras dos vagoes, projetavam-se imagens

cinematograficas da grande paisagem americana, filmadas originalmente em

trens. Embora, segundo Noel Burch, houvesse mais de quinhentas delas em

torno de 1905,esse dispositivo desapareceu pouco depois de 1910.

Asexperimentacoes, todavia, nao pararam nesse momenta de efervescencia

e incerteza. quanto ao futuro do cinema. Houve, no pes-Guerra, varias expe-

riencias interessantes, a reboque das transformacoes produzidas pelo cinema

sonoro, 0 cinema colorido e a televisao, que nao deixa de ser uma especie de

cinema feito com imagens eletronicas.

Em primeiro lugar, e preciso dizer que, nos anos 1950,a largura da tela do-

brou e 0 tamanho triplicou. Stephen Heath, contudo, apesar de sustentar que 0

cinema nasceu quando a posicao dos espectadores a frente da imagem sedefiniu,

adotando-se como padrao a tecnologia do filme de 35mm (atela fixa 0 desejo

quando se torna urn padrao), minimizou essas mudancas na proporcao e no

tamanho da tela, uma vez que, em seu entender, a tela e apenas slmbolo vis tve l do

modo como 0 cinema classico constituiu 0 sujeito da experiencia (Heath, 1982).

Para ele, a forma da tela e menos significativa do que certas constantes, como

os codigos de representacao, entre os quais a perspectiva renascentista que

modela 0 espa~o representado na tela; e do que as operacoes de narrat ivas que

transformam espa~o em lugar, nas quais se destacam as de sutura (cortes ou

mudan~as de plano), que esconderam certas descontinuidades elementares. Se

percebidas, tais descontinuidades impediriam a unidade ilusoria do objeto que

o cinema sepropunha a criar.

No entanto, por serem componentes da dimensao arquitetonica da sala, a

forma e 0 tamanho da tela modificam a dimensao discursiva do dispositivo e

seus codigos de representacao, por exemplo, a perspectiva e 0 corte de certos

dispositivos de representacao como campo e contracampo. Nao por acaso,

uma das maiores dificuldades do cinema imersivo advem do fato de campo e

contracampo se enfraquecerem ou serem, no caso dos cinemas de 3600, com-

pletamente destruidos.

o Cinerama ou 0 cinema panoramico imersivo com som surround, de Fred

Walker (1938), foi criado como simulador no treino de atiradores de baterias

antiaereas. Em 1952,a Paramount 0 lancou para concorrer com 0 CinemaScope

(Henri Chretien, 1953),adotado pela Twentieth Century Fox, mas como exigia

grandesinvestimentos - era realizado com tres projetores numa tela semicircular,implicando grandes transformacoes no formato da sala convencional de cinema,

tradicionalmente estreita -, acabou por perder a disputa.

.»C inema expe rimen ta l V. ,/'

~yrEm "Acinema" (1978),Iean-Francois Lyotard chama a atencao para duas das d \ J ? \_y/

mais radicais tendencias do cinema experimental. A primeira e representada .,,\,to

pelo cinema da imobilidade completa, por exemplo, os filmes deAndy Warhol N \

eMichael Snow, com seus infindaveis planes-sequencia. Os corpos de urn unico

gesto deWarhol (alguem dorme oito horas em Sleep, outro come 45minutos

em Eat e urn casal se beija longamente em Kiss) e os planes-sequencia vazios

Snow (os 45 minutos de zoom de Wavelength e as tres horas de movimen-

panoramicos de La Region Central) sao uma das principais tendencias do

cinema experimental, num processo de radicalizacao dos tempos mortos do

cinema moderno.

Asegunda tendencia e ilustrada por outra corrente, que visa obter 0 maximo

mobilidade possivel, isto e,uma especie de imagem gasosa em que 0 especta-

tem dificuldade de identificar 0 que ve. Os cinemas de Peter Kubelka, Stan

 

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Brakhage, Holis Frampton e Paul Sharits exemplificam 0cinema de velocidade

maxima, no qual muitas vezes 0plano equivale a urn unico fotograma.

~~<2£!p.e~~_~~~eressa nao a impressao de realidade, ponto

nodal do cinema de representa<;:ao,e sim a intensidade e a dura<;:aodas imagens.

Obviamente, urn filme de oito horas que mostra urn homem que dorme nao

e feito para ser passado numa sala de cinema. Hoje, esse tipo de experiencia

ganhou galerias e museus. Trata-se do chamado cinema demuseu, que japossui

seus classicos, como 0 filme de Douglas Gordon que transformou Psicose, de

Alfred Hitchcock (1951) na instalacao intitulada 24 h o ur p s yc ho (1993), de 24

horas de duracao (equivalentes ao tempo diegetico do filme de Hitchcock).

Cinema eletronlco (a videoarte)

Autores como Raymond Bellour eAnne- Marie Duguet mostraram que 0video

desempenhou importante lugar de passagem - "entre-imagem" e 0 campo

conceitual explorado por Bellour - entre 0 audiovisual e as artes plasticas,

De fato, ainda nos anos 1960 0video intensifica 0processo (iniciado pelo cine-

ma experimental) de deslocamento da imagem-movimento para os territoriosda arte. Fenomenos como a multiplicacao das telas, 0 dispositivo do circuito

fechado (tempo real), a coexistencia entre imagem e objeto, asinstalacoes e a

interacao com a imagem sao introduzidos e/ou potencializados pelos disposi-

tivos da videoarte.

Por intermedio do trabalho de seus art istas, mas tambem pela evolucao de

seus dispositivos (do circuito fechado a f ita de video, do monitor ao projetor,

de imagens multiplas ao processo de espacializacao da imagem), 0video intro-

duziu a imagem emmovimento nos templos da arte einaugurou 0fenomeno do

"cinema de museu". Desde entao, 0cinema, na condicao de imagem, de estetica,

mas sobretudo de dispositivo (0 movimento, a luz, a projecao, a imaterialidade,

o tempo etc.), faz parte da arte. Trata-se do que podemos chamar, com Philippe

Dubois e muitos outros, de "efeito cinema" na arte contemporanea.

'y" Entre as principais tendencias da videoarte, destacam-se duas. A primeira,

~' ~ ~iretamente relacionada a questao do disposit ivo, tern a ver com 0uso do cir-

~ " ) I : i V cuito fechado, isto e , 0chamado dispositivo de videovigilancia, em tempo real

o ' - - \ ou ligeiramente diferido. No cinema, ha separacao espacial entre 0 filme e a

imagem projetada, bern como separacao temporal entre a realizacao do filme

e 0 filme acabado, sendo nesses intersticios que 0 espectador se situa. Ja na

imagem de video, sobretudo nos dispositivos em circuito fechado, cria-se uma

simultaneidade espaciotemporal em que 0espectador, a urn so tempo, e teste-munha e personagem, ou seja, alguem que seve venda - como dizia Maurice

Merleau-Ponty, ver e ser visto.Com efeito, a videoarte renovou de modo radical 0 lugar do espectador

e 0 conceito de obra de arte. Autores como Bruce Nauman, Peter Campos,

Steina e Woody Vasulka, e Dan Graham util izaram 0 circuito fechado para

recriar instalacoes em que 0 dispositivo e a propria experiencia da obra sao

vividos como personagens principais. Em T w o v ie ws r oom (1975), uma de suas

instala<;:oesmais interessantes, Dan Graham confronta dois espa<;:osadjacentes

com a ajuda de espelhos e videos em circuito fechado, produzindo uma visao

complexa, uma representacao em que urn espaco sereflete dentro do outro em

tempos minimamente diferidos por urn sistema de delay. Ao articular 0dispo-

sitivo especular ao dispositivo eletronico e arquitetonico, Graham produz uma

cascada de variacoes reflexivas na qual dispositivo e espectador sao elementos

entre outros da instalacao, Em V ideo s u rv e il la n ce p i e ce :pu b li c r oom , p r iva te r oom

(1969-70), Nauman transgride 0 espaco privado, para oferecer aos espectado-

res a imagem de urn espa<;:oem que nao ha nada a ver, no qual nada acontece.

Aofrustrar a expectativa do visitante, ele interroga por meio da surpresa, da de-

cepcao. Segundo Anne- Marie Duguet, 0video deNauman opera por meio deurnquiasma, transformando 0interior em exterior, 0privado em publico, presente

em ausente, ao mesmo tempo que, inversamente, desafia asleis tradicionais da

arquitetura e oslimites impostos por ela.Em Allvision (Steina eVasulka, 1975),

ha urn dispositivo panoramico que gira sem cessar- trata-se de uma plataforma

sobre a qual uma esfera espelhada e colocada diante da camera - e funciona

sem operador humano, explorando 0 conceito de "visao total" do espa<;:o.

"Queriamos criar uma visao que visse 0 espaco inteiro todo 0 tempo", dizem

Steina eVasulka. Tal vigilancia integral do espaco, de acordo com Duguet, deve-

se a vontade de liberar a camara da subjetividade, dissociando-a do ponto de

vista humano e atribuindo as decisoes de selecao exclusivamente ao dispositivo.

o espectador e levado a confrontar 0espa<;:oda galeria com a imagem criada

pelo dispositivo central, uma vez que eles serefletem na esfera e 0conjunto ecaptado na tela do monitor, em tempo real, sendo posteriormente devolvido

ao espa<;:o,num jogo em que urn se reflete e transforma 0outro.

A questao do dispositivo esta entranhada na videoarte porgue nela a o~a

nao seapresenta mais como urn objeto autonomo gue preexiste a rela<;:aoesta-belecida com 0sujeito que 'aexperimenta. Tudo nos leva a crer, portanto, que 0

CInemasofre uma transforma ~al em tais instala<;:oesde video, ha' av ista

que elas permitem ao art ista espacial izar os e ementos constitut ivos da obra.

 

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o proprio termo indica urn tipo de criacao que rechaca a reducao da arte a urn

objeto, com 0intuito de melhor considerar a relacao entre seus elementos, entre

os quais, muitas vezes, esta 0proprio espectador. A experiencia da obra pelo

espectador constitui 0ponto central da obra. Nela, 0espectador seve vend?, e

a obra e urn processo, pois sua percepcao seefetua na dura<;:ao e urn percurso.

Engajado num dispositivo, imerso num ambiente, 0 espectador participa da

mobilidade da obra.

De outro ponto devista, 0dispositivo designa a forma como a apresentacao

material da obra seinscreve numa visada sistemica, estruturaL Desde 0fim dos

anos 1950, a arte, em especial 0 Minimalismo, elabora 0 conceito de obra como

situacao (Robert Morris), ambiente, arquitetura ou dispositivo, ou seja, como

uma instalacao que engaja a part icipacao fisica do espectador como urn dos

elementos da obra.

A segunda tendencia importante da videoarte e a da "imageIl l: ::£:()!l2Q"

(Deleuze), ligada a urn conceito ou atitude critica que visava for~~r0pensamento

a pensar 0 intoleravel da sociedade. Entre 1974 e 1982, urn grupo de pioneiros

da videoarte no Brasil (Anna Bella Geiger, Fernando Cocchiarale, Ivens Ma-

chado, Sonia Andrade, Leticia Parente, Paulo Herkenhoff e Miriam Danowski,

eAna Vitoria Mussi) produziu mais de quarenta videos - metade dos quais deSonia e de Leticia -, que circularam em importantes eventos internacionais de

videoarte no Brasil e no exterior. Trata -se de videos marcados pela precariedade

tecnica, a ponto de importantes cri ticos os terem confundido com 0 simples

registro de per formances dos artistas, em que gestos cotidianos repetidos de

forma ritualistica - subir e descer escadas, assinar 0nome, maquiar-se, enfeitar-

se, comer, brincar de telefone-sem-fio - sao encenados de forma ironica, para

forcar 0 pensamento a pensar 0 intoleravel, Em Passagens (1974), Anna Bella

Geiger sobe e desce lentamente escadas em ritmo constante, como num rito de

passagem; em Dissolucao (1974), Ivens Machado assina seu nome uma centena de

vezes, ate ele se dissolver; em Mar ca r e gi st ra d a (1975), Leticia Parente, seguin do

a brincadeira nordestina que faz de urn gesto banal, cotidiano, urn ritual cruel,

costura na planta do pe, com agulha e linha, as palavras M ad e in B ra sil; em

A p ro cu ra d o re co rte (1975), Miriam Danowski recorta bonequinhos em folhas

dejornal como forma detransmutar pequenos gestos em rituais transgressivos;

em Es tomago emb ru l ha d o , Paulo Herkenhoff transforma 0ato visceral de comer

jornal numa ironica pedagogia de como "digerir a informacao"; e num video

coletivo, Wire le s s t e le phone (1976),0 grupo de artistas dispostos em circulo brin-

ca de telefone-sern-fio, enquanto a camera roda em torno deles e 0espectador

assiste ao processo de transformacao da informacao em ruido, revelando-se,

meio de uma brincadeira popular , uma das principais questoes teoricas

comunica<;:ao,segundo a qual 0 ruido e parte constituinte do processo de

comunica<;:aoe nao apenas interferencia.

A . o])ra~_': lma inflexao, uma dobra, mas a dobra passa pelas ati tudes do

cOrJ?o,pelo "mergulho no corpo" - termo de Oiticica que retomamos como

expressao-da ~ersao estetica, a cura da obsessao formal modernista. Dito

()':l!!9modo, 0corpo deixa de ser tornado numa dicotomia cartesian~e

sepa~~~()J2~nsamento de si mesmo, tornando-se aquilo em que se deve mer-

~lllh<lrp<l~r~~~gar0pe~~amento ao que esta fora eIe,COffiooimpensavel e . oindiziveL 0 que e 0 impensaveli Em primeiro lugar, 0 intoleravelque leva ao

griiosilencioso de A m orte do ho rro r (Sonia Andrade), 0desespero que leva a

artista a enrolar seu rosto num fio denailon ate deforma-lo completamente ou a

cortar ospelos do corpo e do rosto em gestos inuteis, mas sempre recomecados;

o transe produzido pela televisao no video em que ela come feijao com pao e

guarana; a cerimonia estranha que consiste em introduzir 0corpo em gaiolas

de passarinho, como se fosse forcado a ganhar asas; e, sobretudo, a submissao

do corpo a uma cerimonia, teatralizacao ou violencia, como no caso em que sua

mao esquerda tenta prender sua mao direita com pregos e fios, numa posicao

impossivel. Tudo isso para extrair do corpo0

impensavel, isto e,uma razao parasecrer no mundo em que vivemos.

Cinema expandido

~ J v ' 1A diferenca do que pensa Gene Youngblood no ja classico E xp an de d c in em a vl~\",\~

(1970),0 cinema expandido, para nos, caracteriza-se por duas vertentes:....Qs r:

~niIlstal~<;:oesue reinventam ~sala de cinema~m outros espayos e asinstalas:9.es

~uer~dicalizam processos de hibridiza<;:aoentre diferentes midias, Enquanto 0

c_~il1~~~_e~erimentalse restringe a experimenta<;:oescom 0cinem~

se~();~billZa ~elo uso da imagem eletronic~, 0cinema expandi_d!L~ampliado, 0cmema ambiental, 0cinema hibridizado.

OSenson7mli1l . im""protot ipo"a.e realfda.de virtual desenvolvido com ima-

gens de cinema (Morton Heilig, 1955). Foi inventado pela utilizacao de lo op s de

pelicula, visao panoramica e estereoscopica, som estereofonico, cheiros, vibra-

<roese outros efeitos, com 0intuito deproduzir a i lusao de urn passeio de mota

pelo bairro do Brooklyn. Trata-se da primeira tentativa de criar urn cinema

interativo, ainda sem 0 auxflio de computadores. 0 dispositivo se apresenta

como uma pequena cabine em que 0 espectador se senta e "dirige" sua moto.

 

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Em comum com 0que sepassa noMareorama (viajar debarco) e no Cineorama

(voar de balao), 0 espectador se sente participando de uma acao (andar de

moto), numa especie de antecipacao das visitas virtuais realizadas com sistemas

avancados de realidade virtual.

Em Moving movie (1977), Michael Naimark parte deuma questao muito sim-

pIes. Como no cinema, em geral,e a camera, enao 0projetor, que semove, 0que

aconteceria se0projetor girasse em torno de urn tripe, reproduzindo 0mesmo

movimento circular da camera? Dessa questao resulta uma instalacao imersiva

em que a imagem do fume e projetada numa tela circular de 3600, e como 0

projetor mantem a mesma velocidade de movimento da camera, as imagens

mostram 0espa<;:ocircundante, como se ele sempre estivesse estado ali mesmo,

num extracampo virtual iluminado pela luz do projetor. Em Displacements

(1984),por sua vez, Naimark repete a experiencia de projecao circular, mas rea-

lizauma pequena modificacao: desta vez,a imagem e projetada sobre a propria

realidade que representa. Objetos que compoern uma sala de estar tipicamente

americana sao filmados no proprio espa<;:ode projecao/instalacao. Em seguida,

sao pintados de branco, para que asimagens possam ser projetadas sobre eles

com precisao. Tem-se, assim, uma instalacao com movimento panoramico,

em que a imagem, produzida sem nenhum recurso eletronico, cria a ilusao detridimensionalidade. Impressiona a coexistencia da imagem com os objetos

que ela representa, deuma imagem que e urn hibrido da imagem e da realidade

material representada. Asunicas imagens sem materialidade sao as das pessoas,

que flutuam no espaco como sefossem fantasmas.

Cinema Interativo

A principal novidade do digital reside no fato de que ele vale sobretudo por

suas potencialidades. A tecnologia seda nao como urn objeto, e sim como urn

espaco a set vivido, experimentado, explorado, ou seja, trata-se de maquinas

relacionais em que as nocoes de simulacao, cognicao e experiencia ganham

novos contornos.

o primeiro aspecto a ser considerado aqui e a acao do sujeito, que pode ser

percebida por meio da transformacao desencadeada por ele no ambiente virtual.

Este so serevela, ou seatualiza, a partir da acao do espectador ou interator, termo

criado por Brenda Laurel (1991) para dramatizar a interatividade das interfaces

computacionais, a luz da analogia entre a experiencia interativa e0teatro grego,

no qual os espectadores participavam da pe<;:arepresentada. A experiencia do

se torna possivel por urn processo de simulacao sensorial do espa<;:o,

por intermedio do disposit ivo ou interface que responde aos movimentos do

interator. No caso de urn sistema de realidade virtual ou aumentada, ha ruptura

com a utopia moderna da totalidade de uma obra dotada de urn comeco e de

urn fim, do ponto devista de seu significante. 0 espa<;:odigital e potencialmente

infinito, pois e co-gerado pela acao do interator e se reapresenta a cada acesso.

A diferenca do filme e do panorama, a forma final do lugar visitado depende

da acao do interator.

o segundo aspecto importante em jogo e a multidimensionalidade do

clispositivo: os estimulos que envolvem 0visi tante sao intensos e reforcam a

sensacao de presenca e de integracao do seu corpo ao ambiente. A partir dessa

situacao, podemos pensar a equivalencia pratica entre 0 espa<;:odigital e 0 es-

pa<;:oisico: quando 0dispositivo funciona como urn espa<;:ocomplemental' ou

compartilhado, nao faz muita diferenca para 0participante estar num espa<;:o

real ou compartilhado, malgrado as diferencas existentes entre eles.

Essesegundo aspecto evidencia outro problema: a relacao entre representa-

<;:aoe realidade representada, uma vez que a obra digital ja nao e mais a marca

de urn sujeito (0 autor, que da sentido a obra), posto que ela e realizada por

outro:0

leitor-usuario, Nesses termos,0

espa<;:odigital se configuraria comourn campo de possiveis , em que 0 sujeito-enunciador fornece elementos e 0

sujeito-atualizador realiza parte de suas possibilidades, podendo 0usuario .ser

encarado como co-autor deuma obra digital jaque contribui, demaneira efetiva,

para sua formacao, Nesse caso, nao ha urn sentido preexistente a apreensao do

usuario, pois e a propria experiencia que constroi 0sentido.

E. V.E (Extended, Virtual Environment, 1993), de Jeffrey Shaw, e uma ins-

talacao em que a imagem e urn ambiente vir tual panoramico, 0 espectador

entra num domo, coloca urn pequeno sensor na cabeca e, para onde quer

que olhe, ve uma imagem projetada no domo, justamente no lugar para

o qual olha, pOI' urn robo com braco articulado da industria automotiva.

A imagem que ele vee a imagem de urn espa<;:oreal, mostrada por duas came-ras de vigilancia que estao do lado de fora do Museu. 0 espectador visualiza,

por meio da imagem projetada, uma realidade que existe de fato, para alem

do domo, e a imagem projetada se move com os movimentos de cabeca do

espectador e das cameras de vigilancia. Assim, as cameras de vigilancia e 0

braco do robo atualizam suas posicoes em funcao dos movimentos da cabeca

do espectador, uma vez que estes sao enviados pelo sensor ao computador,

que controla as posicoes da camera e do robo, A interacao aqui nao e ape-

nas exterior a relacao entre 0 espectador e a obra. Essa especie de caverna

 

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de Platao digital impressiona, pois nela nao ha nada que possa escapar ao

olhar do espectador, ja que a imagem e "produzida" pelo proprio olhar do

espectador: para onde ele olhar, a imagem sempre estara numa especie de

presen<;:apanoptica desconcertante.

Desse modo, podemos dizer que 0ressurgimento da imagem panoramica

nas instalacoes interativas contemporaneas produz uma complexificacao da

relacao entre a imagem e 0 espectador. Hoje, as interfaces interativas tern

conferido maior amplitude as obras e permitido que 0 espectador as explore

e as transforme com sua acao, Instalacoes panoramicas, portanto, interessam

porque fazem convergir 0cinema, os panoramas e as interfaces computacionais

em obras que unem imersao e interatividade.

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