A Formação Da Crítica Brasileira Moderna - Releitura de Papéis Colados

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    ABSTRACT^

    PALAVRAS-CHAVE^

    KEywORdS^

    RESUMO^

    Maria Cludia Araujo ^

    A formao da critica brasileira

    moderna, a partir de uma releitura

    de Papis Colados, de Flora Sssekind

    Este artigo, elaborado a partir das constataes de Flora Sssekind (1993) em Papis Colados, fundamenta-se em evidenciar os as-pectos de transformaes da crtica literria no Brasil, a partir do ano de 1920, poca em que a classe mdia brasileira comeou a reivindicar a criao de universidades, em So Paulo e no Rio de Janeiro, graas conscientizao da coletividade. A abordagem de Flora Sssekind abre-nos uma referncia histrica sobre o processo de transformao da crtica literria no Brasil, a partir da criao das universidades de filosofia do pas, e leva-nos a questionar a postura da crtica contempornea na mdia.

    This article, drawn from the findings of Flora Sssekind (1993) Ro-les Wedded, is based on highlighting the aspects of transformation of literary criticism in Brazil, from the year 1920, time when the Brazilian middle class began to claim the creation of universities, in Sao Paulo and Rio de Janeiro, thanks to the collective cons-ciousness. The approach of Flora Sssekind opens us a historical reference about the process of transformation of literary criticism in Brazil, from the creation of universities of the philosophy in the country, and leads us to question the position of the contemporary criticism in the media.

    Papis colados; crtico-jornalista; crtico-scholar; crtico-terico.

    Wedded; critical journalist, scholar critic, theoretical critic.

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    A FORMAO DA CRTICA BRASILEIRA

    As primeiras instituies acadmicas do pas surgiram entre os anos de 1934 e 1938. Nos anos 40, a mdia brasileira estava em plena efervecncia e at os anos 50 triunfou absoluta a crtica de rodap, que promoveu duelos acirrados entre o homem de letras, rese-nhista e cronista, e o especialista acadmico, crtico-universitrio.

    Nota-se que no foi o homem comum o primeiro questionador da produo literria brasileira, mas sim os pensadores, filsofos, bem como os aventureiros apaixonados pelas letras, pela linguagem ou romances. Resta-nos flexibilizar o saber, no para instigar disputas sobre quem tem maior mrito, mas sim sobre como podem ser teis sociedade estas trs frentes de articulao: o crtico-jornalista; o critico-scholar e o critico-terico.

    A segunda metade do sculo XX foi marcada pela tenso metodol-gica entre os crticos eruditos, uma vez que, nos anos 60, a discusso voltou-se ainda mais aos interesses formais. Os anos 60 e 70 regis-traram a glria das universidades, com suas produes, aplicaes e difuses de metodologias literrias ainda que nos anos 70 os jornalistas teimassem em questionar os procedimentos da erudio. Neste interim, surgiu um terceiro tipo de crtico, o terico, j no atuante na mdia, visto que o cerco lhe havia sido fechado na im-prensa, em razo da linguagem estranha ao leitor mdio ou comum. Os anos 80 foram marcados pelo crescimento editorial e comercial.

    Muitas so as transformaes que ocorreram no processo de construo da crtica literria brasileira, principalmente, a partir da dcada de 40, na qual houve uma tenso evidente entre dois modelos de crtico. O primeiro pautado na imagem do homem de letras, bacharel, cuja reflexo era feita sob a forma de resenhas em jornais; e o segundo refere-se especializao acadmica, o crtico universitrio, cujas formas de expresso dominantes eram o livro e a ctedra. Um embate emblemtico ocorreu entre o jorna-lista Oswald de Andrade, homem de letras, e Antonio Candido, especialista universitrio; bem como, posteriormente, adensaria-se o duelo entre o crtico impressionista lvaro Lins e o acadmico Afrnio Coutinho.

    Nos anos 40 e 50, o jornal brasileiro marcado pelo triunfo da crtica de rodap, ligada a no especializao da maior parte dos bacharis que a ela se dedicaram. Neste veculo, trs caracters-ticas formais imperavam absolutas: a oscilao entre a crnica e o noticirio puro e simples, pelo cultivo da eloqncia, a fim de angariar leitores ao entretenimento de leitura fcil, redundante, e ao ritmo industrial da imprensa; a publicidade; e, por fim, um dilogo estreito com o mercado editorial.

    Nas colunas exclusivas ou rodaps da crtica literria havia nomes diversos: Antonio Candido, Tristo de Atade, Srgio Milliet, Otto Maria Carpeaux, Mrio de Andrade, Srgio Buarque de Holan-da, Wilson Martins, Nelson Werneck Sodr, Olvio Montenegro, Agripino Grieco, alm de lvaro Lins, este, segundo Carlos Drummond de Andrade, era o imperador da crtica brasileira, nas dcadas de 40 e 50.

    Colunas, rodaps e suplementos literrios abrigavam, contudo, posturas conflitantes a respeito do exerco da crtica. E uma po-lmica, ora surda, ora em alto e bom som, foi se delineando. De um lado, os oponentes homens de letras, defensores da crtica impressionista e autodidata, do outro, uma gerao de crticos formados pelas faculdades de Filosofia do Rio de Janeiro e de So Paulo, criadas em 1938 e 1934, e interessadas na especializao, na pesquisa acadmica e na crtica do personalismo em oposio exibio do estilo e aventura da personalidade impressionista.

    Houve uma mudana de critrios de validao por parte daque-les que exerciam a crtica literria. Na disputa do crtico-cronista com o crtico-scholar, destacou-se um terceiro elemento: a univer-sidade, pois foi no final dos anos 40 que os resultados do labor universitrio tornaram-se mais evidentes. Destaca-se entre eles, na opinio de Candido, a formao de um pensamento radical de classe mdia registrada pela gerao de 44, qual pertence o prprio crtico , pois foi a prpria classe mdia quem havia lutado pela criao de universidades, nos anos 20 e 30.

    O resultado desta reivindicao, segundo o crtico, viria a reunir grandes e pequenas faculdades, abrindo canais para novos setores da classe mdia. Esta benfeitoria social foi admitida, inclusive,

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    pelo crtico literrio antiacademicista lvaro Lins, que saudou entusiasticamente o aparecimento da revista Clima, fundada por estudantes universitrios, sem perceber, porm, que esta mesma gerao viria a ser responsvel pelo aniquilamento do poder lite-rrio impressionista, como o dele.

    A partir da, a gerao de crticos-scholars passou a ser mais cri-teriosa com relao ao modelo tradicional do homem de letras, e ao tratamento anedtico-biogrfico da literatura, veiculado na imprensa at os anos 40. Em razo deste processo de mundanas, surgiram embates emblemticos na histria da literatura brasileira, entre figuras memorveis como: Antonio Candido e Oswald de Andrade, na dcada de 40; e Afrnio Coutinho e lvaro Lins, na dcada de 50.

    Segundo Candido, nos anos 40 e 50, a crtica universitria passou a atuar sobre o jornalismo literrio graas prpria evoluo cul-tural do pas, independente das diferenas pessoais de cada crtico; pois, para ele, a medida em que vai se enriquecendo uma cultura, as suas produes vo se diferenciando, de modo a refletir nas atividades crticas, por sua vez, tambm diferenciadas. Na pers-pectiva de Candido, a especializao do crtico teria menos a ver com seu aparelhamento univesitrio do que com uma maior com-plexidade e diferenciao do trabalho cultural de uma sociedade. Ao contrrio de Afrnio Coutinho, para quem o importante seria a habilitao especfica em universidades e faculdades de Letras.

    Entre os crticos-scolars e os jornalistas, instalou-se uma polmica que durou cerca de duas dcadas. E se nos anos 50 o combate de Afrnio Coutinho crtica de rodap tinha por alvo predileto o crtico impressionista lvaro Lins, a escolha do alvo no era gratuita, pois tratava-se de um dos crticos mais poderosos da poca. Atingi-lo era ento acertar nos prprios mecanismos de qualificao intelectual vigentes. Era o mesmo que abalar o sistema literrio que fizera dele o imperador. E, com isso, abriria-se espao para um outro tipo de critrio de avaliao profissional, para uma substituio do jornal pela universidade como templo da cultura literria; deixando de lado o crtico enciclopdico e impressionista, com habilidades para a crnica, pela do professor universitrio, com seu instrumental terico e acadmico.

    A substituio do rodap pela ctedra equivale, pois, derrocada dos no-especialistas, a fim de valorizar os profissionais dotados de aprendizado tcnico, isto , os crticos literrios docentes. A caa aos amadores desqualificou, portanto, o crtico de aventura, comparado ao charlato termo que surgiu em 1832, para de-nominar os profissionais da medicina que exerciam a profisso ilegalmente e sem diplomas. Foi assim que o crtico-scholar ganhou mais autonomia, em detrimento dos tradicionais crticos de rodap no especializados.

    Se no fim dos anos 50, as incompatibilidades entre Afrnio Couti-nho e lvaro Lins se tornaram evidentes com relao a profissio-nais de dois polos distintos jornais e universidades , nos anos 60 surge um novo duelo no mbito da prpria crtica universitria, mas desta vez entre Afrnio Coutinho e Antonio Candido, cuja tenso metodolgica se fundamentou na crtica esttica de um, em oposio crtica dialtica do outro. Nesse embate, ampliou-se o prestgio da crtica universitria, que buscou atualizao meto-dolgica para a constituio de uma perspectiva crtico-dialtica de anlise literria. As dcadas de 60 e 70 sofreram plenas tenses metodolgicas.

    Se Afrnio Coutinho pregou a autonomia do literrio, em opo-sio aos fatores extrnsecos ou externos que condicionavam a gnese do fenmeno literrio; outra figura emblemtica no panorama da crtica brasileira Slvio Romero, vinculado ainda a um sociologismo, embora delineasse para a histria literria um desenvolvimento imanente, interno, no condicionado por influncias extraliterrias.

    Para o crtico Joo Alexandre Barbosa, o maior valor da obra e da esttica de Afrnio Coutinho reside na tentativa de elucidar problemas fundamentais da Historiografia Literria, sobressaindo o problema da periodizao que, na obra, obedeceu a critrios estilsticos-sociolgicos. Haroldo de Campos tambm elogiava tal opo pela periodizao estilstica, pelo fato de, assim, ter sido possvel resgatar o barroco brasileiro. Para Afrnio, a constituio de um sistema literrio refere-se a registrar as diferentes manifes-taes literrias que se sucederam no Brasil. Esta uma das trilhas

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    em que mais se afastam Candido e Afranio, pois o interesse do primeiro no pela literatura que circula no Brasil, mas sim pelo momento em que ela passaria a constituir um sistema no pas. Para ele, a literatura no nasce, mas se configura no decorrer do sculo XVIII, encorpando o processo formativo que vinha antes e continuou depois. A genealogia do sistema literrio brasileiro , portanto, um dos trabalhos historiogrficos mais importantes da crtica brasileira moderna.

    Antonio Candido no um crtico historicista mas, em Litera-tura e Sociedade, procurou discutir fatores externos e internos ao texto. Segundo Candido, deve-se levar o elemento social no exteriormente como referncia ou enquadramento, mas como fator da prpria construo artstica. A questo seria trabalhar com um paradoxo: o externo se torna interno e a crtica deixa de ser sociolgica, para ser apenas crtica.

    Afrnio Coutinho marcou a histria da literatura pelo aspecto estils-tico e pela forma sincrnica. A crtica dialtica de Antonio Candido, porm, no pode ser tida meramente como sociolgica ou esttica, pois coloca contrrios em dilogo. A metodologia dos contrrios a capacidade de pensar via paradoxo, o externo como interno na an-lise literria. Em Dialtica da Malandragem, destaca-se uma vertente marcada pela comicidade, que foge s esferas da norma burguesa e vai encontrar irreverncia de certas expresses populares.

    Se nos anos 40 e 50 eram os crticos-docentes que olhavam com desconfiana para os rodaps, as dcadas de 60 e 70 so os anos universitrios para estudos literrios. No ncio dos anos 70, po-rm, foram os jornalistas que passaram a questionar a produo acadmica. O fato se explica devido ao rpido processo de espe-tacularizao da sociedade, acostumada com crnicas e textos digerveis, de modo que o texto estranho era incompreensvel ao leitor mdio. Por essa razo, os jornais tornaram-se menos freqentados pelos crticos-scholars, j que os tratados e ensamos eram preferncias formais da produo universitria cuja rede institucional teve expanso absoluta nos fins da dcada de 60, devido ao ingresso acadmico em asceno, que conferiu maior prestgio formao profissional.

    Antonio Candido observou, entretanto, que o descaso pela cola-borao universitria seria incentivado por parte do prprio meio jornalstico, pois nem mesmo os proprietrios de jornal teriam atentado para a sua importncia, uma vez que os quadros internos nunca aceitaram o suplemento universitrio.

    Nos anos 60 e 70, os mtodos em moda eram: new criticism, for-malismo, estilstica, estruturalismo e lukacsianismo. A questo costumava ser o uso de um ou outro termo, um ou outro mtodo, para dar a impresso que se superara o atraso, com relao as correntes contemporneas de crtica.

    Da tenso entre o crtico-jornalista e o crtico-scholar originou-se o perfil do crtico moderno no Brasil. A partir do momento em que foi dificultado o acesso da crtica erudita e academicista Impren-sa, a pesquisa universitria viu-se restrita sua prpria produo autnoma, e foi aberto o caminho para um terceiro tipo de crtico, o terico, a exemplo de Costa Lima (teoria da fico) e Haroldo de Campos (teoria da traduo e estudos da potica sincrnica).

    O crtico-terico, ao se voltar sobre a prpria linguagem, desdobra--se agora num quase duplo do ensasta, pois mesmo nos anos universitrios muitos crticos especialistas buscaram textos de interveno mais imediata na vida cultural e jamais abandona-ram uma dico ensastica. Exemplos de dentro da universidade: Antonio Candido, Walnice Nogueira Galvo, Silviano Santiago, Helosa Buarque de Holanda, Joo Alexandre Barbosa, Davi Arri-gucci Jr. De fora: intelectuais como Jos Paulo Paes, Jos Guilherme Melquior, Sebastio Uchoa Leite e Augusto de Campos. Esses crticos, ainda que contemporneos, depararam-se tambm com os representantes tardios do impressionismo crtico, sob pretexto do estruturalismo, cuja questo ainda descobrir quem tem mais autoridade para falar de literatura.

    Ser especialista em literatura soa agradvel, teorizar, porm, difcil em um pas onde, para muitos, importa mais a atualizao acelerada, visto que a reflexo terica temida. Temor que, fora da universidade, disseminou-se desde os fins da dcada de 70 sob a forma de criticofobia generalizada, exercida por alguns crticos, e cujas marcas mais evidentes seria a desvalorizao da

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    cultura estrangeira, a desqualificao da erudio e uma opo pela no-teoria.

    Perceptvel na dcada de 80 o crescimento editorial, que desesti-mula a reflexo crtica mais atenta, j que o interesse primordial vender livros e no analis-los. O tratamento comercial da litera-tura confere maior poder ao crtico-jornalista, em detrimento do especialista, e possvel prefigurar ento um outro duelo, entre scholars e jornalistas. Vale observar, porm, que na atualidade o embate pela conquista intelectual no mais entre o homem de letras dos folhetins e o erudito universitrio, mas sim entre im-prensa e universidade. No caso, entre duas mscaras da indstria da conscincia. Na terceira margem da disputa, caberia talvez ao crtico-terico o papel de multiplicar dimenses e fortalecer um contradiscurso duplamente orientado -- sob ameaas irraciona-listas ao fundo -- que impusesse a reflexo como mtodo crtico.

    A CRTICA CONTEMPORNEA NO BRASIL

    As consideraes feitas em Papis Colados, de Flora Sssekind (1993), levam-nos a constatar que entre os anos 40 e 70, a imprensa brasileira foi afrontada pela presso dos crtico-scholars e tericos, cujo objetivo se difere do ideal de velocidade acelerada, giro de mercadorias e reproduo em massa. E se o crtico-scholar de hoje incentiva e promove o papel do crtico-terico, ganhando juntos a disputa contra profissionais no especializados, ressalva-se que o duelo antes institucional e a vantagem de carter qualita-tivo; a considerar que a indstria grfica nunca prosperou tanto em quantidade como na era vigente, graas disseminao da tecnologia e ao crescimento do mercado editorial, que no tem compromisso com uma literatura rara.

    A sociedade de massa se caracteriza pela multiplicao mecnica de cada modelo que elabora: um jornal, um automvel, um mant so reproduzidos em milhes de exemplares; [...] no porque um fenmeno raro que significa menos; pois aquilo que significa, no o fenme-

    no em si, a sua relao com outros fenmenos [...] a boa literatura um fenmeno de consumo raro. (BARTHES, 2001, p. 184-5)

    Se tnhamos trs frentes de articulao crtica em ebulio, no scu-lo passado, hoje elas se resumem em duas: a amlgama strictu sensu dos docentes-scholars e tericos versus resenhistas mercadolgicos -- estes ltimos podem ser exemplificados como: bachareis em Letras, jornalistas diplomados ou escritores amadores. Pergunta-se ento o que ter acontecido com o prestgio das universidades de Letras ou Jornalismo, e a respostas est na prpria forma literria. Quantos bachareis ingressam no lato sensu sem a menor noo de conceitos estruturais? Materializao da mensagem, dialogia, polifonia, estranhamento e sincronia so teorias preciosas, porm antigas, elaboradas h quase um sculo pelos formalistas russos e por incrvel que parea - ainda indisponveis nas disciplinas tradicionais das escolas pblicas e particulares, que se contentam com o historicismo crtico e reflexes biogrfico-psicolgicas.

    Poderamos citar as revistas e os jornais especializados como um bom exemplo de profissionalismo articulado em prol da Litera-tura, mas isso equivale a girar em torno do prprio eixo, pois tais veculos no so acessveis s massas e apresentam um repertrio exclusivamente tcnico.

    A cultura brasileira inicia o sculo XXI amordaada por duas frentes separatistas de interesse: a academia e o mercado edito-rial - enquanto o resto do pas se afunda no abismo da igno-rncia coletiva de massa, como marionete mudo, nas mos do capitalismo selvagem que se mascara por trs de eufemismos como globalizao, livre-empresa, livre-concorrncia. Os senhores feudais da contemporaneidade nada mais fazem seno defender seus prprios interesses, por meio da mdia, que prega uma monologia violenta e silenciosa, via revistas baratas que circulam em milhes de exemplares no pas, a fim de promover extensos debates sobre a morte do vilo da novela das oito, sem nenhum critrio literrio de discusso sobre forma e contedo, linguagem ou responsabilidade social. verdade que a lingua-

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    gem da TV difere-se da Literatura, a qual no conta com efeitos audiovisuais, mas os princpios de diegese so semelhantes. O fato que na TV os interesses esto voltados para uma fico vazia que vai sendo digerida por crianas e adolescentes como uma droga sem antdoto, embora lucrativa aos que se julgam embaixadores culturais da nao.

    No podemos negar que o docente strictu sensu em Literatura e Crtica Literria scholar da contemporaneidade exera com desenvoltura e competncia, quase sempre, o seu papel de difundir a literatura aos professores de escolas ou universidades. Por outro lado, se no podemos fazer juz ao ensino mdio ou ao bacharelado, como os promotores da conscincia literria, deve-se ao instrumental metodolgico que lhes escasso, pois este est restrito s mos dos scholars e tericos da rea de Literatura, dis-ciplina hoje to desprezada pelo Estado. A verdade que muito pouco se conhece sobre literatura no pas, pois com exceo das bienais e de algumas tmidas feiras literrias que organizam palestras para a promoo de suas prprias editoras no existe militncia crtico-literria em massa na sociedade. O resultado o conformismo com a baixa qualidade editorial das publicaes brasileiras e a deglutio do kitsch que circula na mdia, pois a massa no pode defender o que no lhe familiar, tampouco combater o mal que desconhece.

    A escassez das teorias literrias no ensino geral do pas no o nico entrave na difuso da literatura, pois o prprio processo de construo terica tambm duvidoso e no existe nenhuma certeza de que os tericos desempenhem o seu papel com a mesma eficcia e didtica de um scholer, j que este no um crtrio evi-dente nas construes tericas. Resta-nos averiguar se no seria o momento de questionar ou simplificar a (re)produo em srie em cima das prprias terminologias acadmicas, reconhecidas como um tabu to intocvel que as torna estticas, prontas, conclusas, acabadas, imunes e impassveis ao progresso. Em contradio ao triunfo terminolgico, um reconhecimento atravessa vez ou outra o discurso dos prprios tericos, que at se desculpam pelo evidente truncamento:

    Chamamos ateno para as inconsistncias terminolgicas [...] a denominao de conceitos idnticos por meio de termos distintos e a denominao de conceitos distintos por meio de termos idnticos. Sem dvida alguma, a multiplicidade de sinnimos que, muitas vezes, confunde o leitor resulta de um esforo constante do autor. (LIMA, 2002, p. 1003)

    No nos cabe insurgir contra o ecletismo terminolgico das obras tericas, mas sim levantar uma discusso sobre a lineariedade, a diacronia e de outros valores talvez mais importantes e inerentes didtica, que freqentemente so esquecidos ou ignorados pelos tericos. Sem entrar no mrito do louvor que fazem aos corpus estrangeiros, colocando em segundo plano o referencial metalin-gstico de prolas da lngua portuguesa como: Fernando Pessoa, Guimares Rosa, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Machado de Assis, etc.

    Falta um pouco mais de patriotismo aos nossos tericos, alm de uma leveza terminolgica e/ou simplificao lexical. Evidente que um teorista pode ser considerado um segundo poeta, mas no o seu papel primeiro a difuso de informaes complexas ou obscuras e, em alguns casos, similares at aos fragmentos ou microdilogos dos poetas contemporneos. Vale elucidar que o papel do terico , entre outros, zelar pela aliana didtica e no se divorciar dos docentes aos quais abastece, pois no h interesse que resista a um ensasmo terico truncado e empolado - por mais til que se nos oferea. O terico tem um compromisso didtico que o poeta no tem, visto que o discurso do segundo galgado na esttica. Ainda assim, este pode servir de inspirao ao terico se for visto pela perspectiva de Eliot:

    Os poetas importantes so aqueles que ensinaram as pes-soas a falar; e, em todas as geraes as pessoas precisam ser ensinadas a falar: a funo do poeta em cada momento fazer o povo inarticulado articular. (Apud PERRONE--MOISS, 2003, p. 155)

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    PONTUAES HISTRICAS E

    CONSIDERAES FINAIS

    A partir de uma releitura de Papis Colados, de Flora Sssekind (1993), discorremos sobre a indstria grfico-mercadolgica; a precariedade da cultura literria no Brasil, em detrimento do baixo instrumental terico e pragmtico das escolas e universidades; entramos no mrito da academia strictu sensu, com seus docentes--scholars e tericos; e caminhamos para a concluso abordando sobre um dos personagens mais importantes da conscincia crtica, que o jornalista, pois nas mos deste agente cultural - que exerce tambm outras funes polticas e sociais - est o poder de fomentar opinies e difundir mensagens em massa populao brasileira.

    Sabe-se que o jornalista que atinge um grande pblico, dirigido mdia impressa, no tem autonomia absoluta para discursar prpria merc, pois ainda que seja um ncora, sempre ser submis-so s limitaes do veculo regulamentador, mas reconheamos que exclusivamente de sua alada compor as resenhas literrias que circulam nos milhares de jornais e revistas do pas. A reside a importncia do seu papel literrio e social.

    O diploma obrigatrio de jornalista j colaborou para elevar a qualificao dos profissionais que elaboram artigos crticos em jornais, revistas ou editoras, entretanto, seja qual for o critrio de exigncia dos grandes veculos de comunicao, no seria justo atribuir a um simples bacharel o mesmo mrito de um scholar ou terico, salvo se estes articuladores leigos se especializarem no instrumental formal, estrutural e potico, indispensveis para uma crtica literria eficaz. S assim restar alguma esperana para o futuro intelectual do pas. Caso contrrio, o que esperar de um povo que se diz alfabetizado, mas que ainda nem aprendeu a ler criticamente?

    As terminologias verborrgicas no devem ser o cerne da qualifi-cao do crtico, mas sim o seu compromisso de envolver e atrair o leitor para a engenhosidade esttica da obra, de modo que no seja necessrio ao pblico ter status universitrio para que se encante

    e desenvolva o gosto pela leitura. As nomenclaturas acadmicas cumprem o papel de direcionar o crtico, mas o que determina o seu valor, enquanto profissional erudito e versado nas letras, o compromisso de identificar e transmitir o valor da humanizao do ser humano no texto literrio, requisito imprescindvel em toda obra de arte. O crtico eficiente seja ele um jornalista, um professor universitrio ou um escritor que tambm desenvolve teorias literrias deve ter por fundamento uma escrita fluda, Inteligvel, didtica e, sobretudo, galgada em uma tica universal. Com efeito, sua crtica tem de ser mais que persuasiva, a fim de ser capaz de influenciar multides prtica da leitura e a cultivar o respeito pela Literatura.

    BARTHES, Roland. A Aventura Semiolgica. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

    LIMA, Luis Costa. Teoria da Literatura em Suas Fontes - Volume 2. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002.

    PERRONE-MOISS, Leyla. Altas Literaturas. So Paulo: Cia da Letras, 2005.

    SSSEKIND, Flora. Papis Colados. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993.1

    Doutoranda em Cincias da Religio na Pontifcia Universidade Cat-lica de So Paulo, Mestre em Literatura e Crtica Literria e especialista em Literatura pela mesma instituio. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Mogi das Cruzes. Pesquisadora da CAPES e membro dos grupos de pesquisa Categorias da Narrativa e Religare, da PUC/SP.

    REfERnCiAS^

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