A FORMAÇÃO DA INFÂNCIA PARA O CONSUMO NA PUBLICIDADE DA

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A FORMAÇÃO DA INFÂNCIA PARA O CONSUMO NA PUBLICIDADE DA REVISTA VEJA Paula Deporte de Andrade – ULBRA ITRODUÇÃO “Envolta em cor-de-rosa, com tênis da Xuxa, legging e camiseta da Lilica Ripilica, prendedores da Hello Kitty nos cabelos e uma Barbie Princesa nas mãos, Carolina, 4 anos, acompanhava sua mãe na aula de Pilates. Indagada sobre onde aprendera a vestir-se assim tão na moda, respondeu imediatamente e com certo orgulho: − na TV e nas revistas da mamãe!” 1 A cena acima descrita pode ser considerada um clipe sobre como sujeitos infantis se constituem no interior dos aparatos culturais de seu tempo. No caso de Carolina, como ela mesma explica, a mídia impressa e televisiva são os sítios onde recolhe elementos para compor sua imagem de menina alinhada aos ditames e tendências da sociedade de consumidores. Seu fascínio por tais aparatos é ilustrativo do lugar privilegiado que ocupam na constituição dos repertórios identitários de milhões de crianças e jovens pelo mundo afora. Especialmente as imagens da publicidade, conforme argumenta Kellner (2008), assumiram a posição de discurso público dominante, difundindo estilos, modelos de conduta, valores e modos de vida. Partindo disto, neste texto apresento recortes de minha pesquisa de Mestrado que investiga a publicidade em revistas para mostrar a produtividade da articulação entre estes dois territórios da mídia na constituição de uma infância para o consumo. Como sítio de análises, trago aqui anúncios publicitários veiculados nas páginas de Veja entre os anos 2000 a 2009. Nas páginas da Veja, a partir do critério de análise estabelecido 2 , foram localizados os anúncios que permitiram problematizar os usos de jovens crianças na publicidade de revistas, e que colaboram para a formação de uma infância para o consumo. Uma infância que desde a mais tenra idade cresce associando felicidade e sucesso com bens de consumo. Optei por trabalhar com crianças em anúncios publicitários de revistas porque, de acordo com Scalzo (2008), revistas carregam “as verdades” de seu tempo e, por serem impressas, levam vantagem em relação a outros artefatos, já que “o impresso, 1 Retirado de registros do diário de campo da pesquisa, local de anotações de fatos e acontecimentos relacionados ao tema de pesquisa percebidos durante a realização da mesma. 2 Caso o trabalho seja aprovado, por questão de espaço, descreverei mais detalhadamente o critério de análise na apresentação do mesmo.

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A FORMAÇÃO DA INFÂNCIA PARA O CONSUMO NA PUBLICIDADE DA REVISTA VEJA Paula Deporte de Andrade – ULBRA

ITRODUÇÃO

“Envolta em cor-de-rosa, com tênis da Xuxa, legging e camiseta da Lilica

Ripilica, prendedores da Hello Kitty nos cabelos e uma Barbie Princesa nas

mãos, Carolina, 4 anos, acompanhava sua mãe na aula de Pilates. Indagada

sobre onde aprendera a vestir-se assim tão na moda, respondeu

imediatamente e com certo orgulho: − na TV e nas revistas da mamãe!”1

A cena acima descrita pode ser considerada um clipe sobre como sujeitos

infantis se constituem no interior dos aparatos culturais de seu tempo. No caso de

Carolina, como ela mesma explica, a mídia impressa e televisiva são os sítios onde

recolhe elementos para compor sua imagem de menina alinhada aos ditames e

tendências da sociedade de consumidores. Seu fascínio por tais aparatos é ilustrativo do

lugar privilegiado que ocupam na constituição dos repertórios identitários de milhões de

crianças e jovens pelo mundo afora. Especialmente as imagens da publicidade,

conforme argumenta Kellner (2008), assumiram a posição de discurso público

dominante, difundindo estilos, modelos de conduta, valores e modos de vida.

Partindo disto, neste texto apresento recortes de minha pesquisa de Mestrado que

investiga a publicidade em revistas para mostrar a produtividade da articulação entre

estes dois territórios da mídia na constituição de uma infância para o consumo. Como

sítio de análises, trago aqui anúncios publicitários veiculados nas páginas de Veja entre

os anos 2000 a 2009. Nas páginas da Veja, a partir do critério de análise estabelecido2,

foram localizados os anúncios que permitiram problematizar os usos de jovens crianças

na publicidade de revistas, e que colaboram para a formação de uma infância para o

consumo. Uma infância que desde a mais tenra idade cresce associando felicidade e

sucesso com bens de consumo.

Optei por trabalhar com crianças em anúncios publicitários de revistas porque,

de acordo com Scalzo (2008), revistas carregam “as verdades” de seu tempo e, por

serem impressas, levam vantagem em relação a outros artefatos, já que “o impresso,

1 Retirado de registros do diário de campo da pesquisa, local de anotações de fatos e acontecimentos relacionados ao tema de pesquisa percebidos durante a realização da mesma. 2 Caso o trabalho seja aprovado, por questão de espaço, descreverei mais detalhadamente o critério de análise na apresentação do mesmo.

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historicamente, parece mais verdadeiro do que aquilo que não é” (p.12). Revistas

também têm uma relativa durabilidade e grande circulação. Uma mesma revista pode

ser lida por muitas e diferentes pessoas no transcorrer de uma semana, mês ou até por

um tempo maior. É comum encontrar revistas de meses atrás em lugares públicos como

salas de espera de todo o tipo ou mesmo em escolas. Assim, com certa durabilidade (em

meio à descartabilidade), circulação considerável e incremento de recursos visuais de

boa qualidade, as revistas constituem excelente lócus de produção e disseminação de

ideias, valores, modelos, conceitos, etc. Eis alguns dos motivos porque anunciar em

revistas é uma estratégia publicitária muito efetiva e rentável, mesmo nos tempos da

cibercultura.

A publicidade em revistas nos remete a uma ação de marketing amplamente

implementada em anos recentes, que é o uso de crianças em campanhas publicitárias.

Vários autores (LINN, 2009; SCHOR, 2009) destacam, por exemplo, o grande poder de

influência das crianças nas compras de seus pais. Conforme aponta Schor (2009), hoje

as crianças escolhem não só o que elas irão vestir, mas também o que a família irá

comer, onde passará as férias, influenciando inclusive na cor, modelo e marca do carro a

ser adquirido. Outra explicação para o uso crescente de crianças em campanhas

publicitárias é que − além do poder de influência que elas detêm na família e de elas

próprias começarem a se comportar como pequenas consumidoras − as crianças de hoje

serão os jovens e adultos consumidores de amanhã. A atual aliança entre publicitários e

público infantil demonstra que transformar crianças em consumidores, especialmente

consumidores fiéis às marcas, é um objetivo produtivo e conveniente para a atual

sociedade, denominada por Bauman de “sociedade de consumidores” (BAUMAN,

2008).

Para Bauman (2008), nesta sociedade há um segredo muito bem guardado - a

transformação das próprias pessoas em mercadorias. O consumo de bens materiais pode

ser visto como um recurso para que o sujeito se sinta melhor consigo: mais belo, mais

agradável aos olhos dos outros, enfim, que seja também ele uma mercadoria vendável.

Na sociedade de consumidores desaparecem as distinções entre coisas a serem

escolhidas e os que as escolhem, entre mercadorias e consumidores. O autor

complementa sublinhando que em tal sociedade, “o que a separa de outras espécies de

sociedade é exatamente o embaçamento e, em última instância, a eliminação das

divisões acima citadas”. (p.20, grifos do autor)

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Na sociedade de consumidores, o consumo desenfreado, marcado pela

efemeridade e pela descartabilidade, torna-se uma das práticas centrais a regular a vida

dos sujeitos. Conforme Bauman (2008):

Numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação (ou seja, ver e tratar o consumo como vocação). Nessa sociedade, o consumo visto e tratado como vocação é ao mesmo tempo um direito e um dever humano universal que não conhece exceção. (p.73 - grifos do autor)

Nem mesmo as crianças escapam a esta nova ordem social pautada pelo

consumo, sendo a publicidade uma das importantes ferramentas que as enredam e

convocam para algo ainda mais assustador – o consumismo. É em boa parte por meio de

anúncios impressos e televisivos que crianças alimentam o desejo de obter itens “da

moda” como sandálias da Hello Kitty, mochilas do Ben 10 e o polêmico laptop da Xuxa.

É também neles que elas se enxergam como consumidores, além de se depararem com a

possibilidade de incrementar sua própria imagem para circular no supermercado das

identidades.

Pesquisando sobre os primeiros indícios da aliança entre infância e consumo,

Schor (2009) comenta que esta adquire proeminência na segunda metade do século XX,

em especial nas décadas de 1980 e 1990. A produtividade das crianças para o consumo

e para o mercado começa a ganhar relevância e espaço por meio das campanhas

publicitárias onde o objetivo é fazer das crianças consumidoras. Ainda de acordo com a

autora “a nova regra é que crianças e marqueteiros unam as forças para convencer os

pais a gastarem dinheiro” (SCHOR, 2009, p.10).

A publicidade, assim, tem contribuído produtivamente para o delineamento de

uma das características mais marcantes da infância contemporânea e que podemos ver

representada nos artefatos de nossa cultura: a emergência de uma infância para o

consumo. Uma infância que é apresentada à sociedade como interessada em consumir,

em ter, em aparecer, uma infância cuja felicidade está circunscrita, demarcada, pode-se

dizer sitiada, por sua capacidade para se movimentar em meio à mercantilização tanto

de bens como de afetos.

Neste contexto, a publicidade e seus anúncios, que produzem e fazem circular

modos de ser criança na contemporaneidade, expressam esta “tendência” ao consumo e

ainda ensinam as características e os comportamentos apropriados a esta ordem. A

publicidade emprega suas ferramentas estéticas e persuasivas no uso da imagem das

crianças para a convocação ao consumo. Ela explora, vende e dissemina sensações de

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poder, status e notoriedade. A imagem, poderosa ferramenta da publicidade, é

provavelmente a aliada mais produtiva nos apelos midiáticos ao consumo. Segundo

Kellner (2008),

Embora os apologistas da indústria da publicidade argumentem que a publicidade é predominantemente informativa, um exame cuidadoso das revistas, da televisão e de outros anúncios imagéticos indicam que ela é avassaladoramente persuasiva e simbólica e que suas imagens não apenas tentam vender o produto, ao associá-lo com certas qualidades socialmente desejáveis, mas que elas vendem também uma visão de mundo, um estilo de vida e um sistema de valor congruentes com os imperativos do consumo.(p.113)

Bauman (2010), em uma de suas recentes obras traduzidas e publicadas no

Brasil, ao discorrer sobre a produtividade dos anúncios na sociedade contemporânea,

complementa que “tanto as mercadorias quanto os anúncios publicitários são pensados

para suscitar desejos e fisgar vontades” (p.36). Usar crianças na publicidade parece

enquadrar-se nesta lógica de modo até perigoso, pois assim como a criança pode desejar

o produto anunciado, o adulto pode desejar a criança do anúncio, como indica a

sugestiva imagem da campanha publicitária da Natan, a seguir (fig.1)

Figura 1 – Publicidade “4atan” – Fonte: Revista Caras nº 829 de 24/09/2009, s/p

Neste sentido, interessada em observar e analisar os diferentes e possíveis modos

como crianças vêm sendo incorporadas aos anúncios publicitários de revistas, optei por

trabalhar com as peças da Revista Veja3. Pelo recorte selecionado em minha pesquisa,

foi possível evidenciar o crescente uso de crianças. A tabela a seguir (tab.1) demonstra

3 Optei pela Veja por ser a revista informativa semanal de maior circulação e por a mesma dispor de acervo digital, o que facilita a observação nos modos como a infância vem sendo usada nos anúncios publicitário da revista.

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essa associação entre crianças e consumo nos anúncios publicitários distribuídos por

décadas.

Tabela 1 – Crianças em anúncios publicitários da Veja

Publicidades por décadas Total

De 1968 a 1978 47

De 1979 a 1989 56

De 1990 a 2000 70

De 2000 a 2009 82

Foi percorrendo os anúncios publicitários da Veja que pude identificar as várias

transformações ocorridas nos modos de representar as crianças. Foi folheando as

revistas e examinando as peças publicitárias coletadas a partir do critério já

mencionado, que constatei o significativo incremento, nos limiares dos anos 2000, da

presença das crianças na publicidade desta revista, seja para anunciar produtos

destinados ao público adulto, seja para anunciar produtos destinados às próprias

crianças. Foi também folheando a revista que pude perceber a conformação da infância

como mercadoria, fenômeno a que Bauman denomina comodificação.

Mas como as crianças vêm sendo acionadas/usadas nos anúncios publicitários da

revistas? Que indícios apontam para a comodificação da infância?

Procurar responder a tais questões é o propósito do presente artigo, no qual busco,

a partir da discussão sobre a produtividade das crianças na sociedade pautada pelo

consumo, evidenciar o quanto as revistas e seus anúncios constituem um fértil campo de

análise. Busco também evidências para fortalecer o argumento de que no período

selecionado para o recorte que apresento neste artigo − 2000 a 2009 − e no artefato

escolhido − peças publicitárias com crianças na Veja − fica visível uma infância para o

consumo. Infância que ao mesmo tempo em que vende e é seduzida para comprar,

também é comodificada, já que a publicidade das revistas vende não apenas os produtos

anunciados, mas também as próprias crianças.

Representadas como portadoras de um determinado conjunto de saberes e

atributos, estas crianças são, de vários modos, estrategicamente úteis ao mercado

capitalista e aos objetivos mercantilistas da sociedade de consumidores. Nas análises

que seguem, aponto e problematizo, em seções distintas, três diferentes maneiras de

usar crianças em anúncios publicitários da Veja: quando são acionadas para vender;

quando são endereçadas pela publicidade; quando são comodificadas. Alerto que tais

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modos não expressam exclusividade ou circunscrição de intenções de marketing, isto é,

que cada peça corresponderia a uma única finalidade. De fato, elas podem corresponder

a mais de uma intenção, podem se entrecruzar e se sobrepor. Tal organização foi

adotada unicamente como artifício para demarcar algumas diferenças e esmiuçar

questões para discussão.

Crianças acionadas para vender

Conforme comentei na seção anterior, crianças são usadas na publicidade para

os mais diferentes fins. Todavia, folheando digitalmente as edições selecionadas da

revista, observou-se que a preferência por crianças em estratégias de marketing acontece

especialmente em áreas como as bancárias, farmacêuticas e alimentícias.

Empresas e instituições que apostam na infância sabem tanto sobre o poder de

influência das crianças na hora da compra dos pais, quanto sabem que usar crianças em

anúncios é uma estratégia que pode causar comoção entre sujeitos das diferentes idades,

pois em nossa cultura crianças ainda são percebidas e representadas predominantemente

como sujeitos dóceis, desprotegidos e necessitados de amor e carinho. Uma vez

sensibilizados pela mensagem e pelo apelo do anúncio, a probabilidade do consumidor

tornar-se leal à marca é maior. O anúncio da FIAT (fig. 2) expressa esta acepção.

Figura 2 – Publicidade “FIAT” – Fonte: Revista Veja nº 2140 de 25/11/2009, p.42-43

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O anúncio dirige-se aos pais que possuem carro desta marca, já que a redação do

mesmo afirma “o Gino cuida tão bem de seu carro quanto de sua família”. Para mostrar

este cuidado, um carismático ursinho, denominado Gino, dá a mamadeira para a doce

menininha que, no banco de trás e com cadeirinha – conforme as normas de trânsito

vigentes −, dirige um olhar encantado para Gino. No peito do ursinho está a palavra

“paixão”, uma clara alusão ao slogan da marca “FIAT – Movidos pela paixão”.

Esta associação, com fins publicitários, de marcas, ícones do momento e bens

materiais, conforme apontaram Prates (2008) e Flor (2007), é uma estratégia recorrente

e bem sucedida no marketing contemporâneo. Cria-se um “complexo” de artefatos

associados a uma marca ou produto, de forma que se realimentem mutuamente e

estimulem o desejo em várias direções. Ao desejar o ursinho, obtê-lo e expor-se com

ele, as crianças tornam-se duplamente promotoras da marca. Neste caso, para a

campanha de revisão de carros criou-se O ursinho da Fiat; a partir dele, vão surgir

mochilas, camisetas, bonés, etc.. Segundo Prates e Flor, tal complexo mercantil serve

para instigar e convocar ainda mais as crianças ao consumo, já que carregar artefatos de

personagens em evidencia gera poder e notoriedade em seus grupos sociais. Desde

pequeninas elas aprendem isso em suas variadas experiências do dia-a-dia.

A campanha veiculada em 2009 foi retomada no ano de 2010 com o mesmo

Gino, só que agora Gino Paixão foi rebatizado como Gino Passione, e a campanha

inserida nos intervalos comerciais da novela Passione da Rede Globo. Valendo-se da

doçura da menininha, da empatia do ursinho, de uma novela de sucesso em horário

nobre de uma emissora de TV, a comercialização do urso logo virou sucesso, aliada aos

serviços da concessionária. Tanto clientes FIAT quanto espectadores, adultos ou

crianças, passaram a desejar o charmoso ursinho, acessível após uma revisão na

concessionária.

O anúncio a seguir, do Banco Itaú (fig.3), também usa crianças, no caso uma

menina, para vender.

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Figura 3- Publicidade Itaú – Revista Veja nº 1708 de 11/07/2001, p. 22-23

Como se pode observar nesta campanha, a menina Nina é usada mais para

vender a marca do banco do que serviços, já que a redação do anúncio não faz menção a

nenhum serviço específico ofertado pelo banco. Este foco na marca, conforme Klein

(2004), é uma das principais estratégias contemporâneas para conquistar consumidores.

Conforme a autora, “as corporações de sucesso devem produzir principalmente marcas,

e não produtos” (p. 27). Para isso, ainda de acordo com Klein (2004), a publicidade

sofreu algumas transformações em seu papel nas últimas décadas: passou “do

fornecimento de informações sobre os produtos para a construção de uma imagem em

torno de uma variedade identificada de produtos” (p. 30).

Segundo informa o site da Editora Abril5, 63% dos leitores da revista Veja têm

de 20 anos a 49 anos de idade, mas isso não significa que crianças – que, assim como

Carolina, folheiam as revistas de seus pais – não tenham acesso aos anúncios

veiculados. Todavia, o incremento de peças publicitárias com crianças evidencia o

poder de sensibilização das crianças junto aos adultos. Que pai preocupado com a

segurança ou a saúde de seu filho e de sua família não se comoveria com a campanha da

FIAT ou com o anúncio do Itaú?

Tais anúncios demonstram que a estratégia publicitária de usar crianças para

vender é eficaz na convocação ao consumo − especialmente pelas construções sociais

que, conforme já exposto, caracterizam tais sujeitos como frágeis e vulneráveis,

4 Redação do anúncio: “A gente investe em soluções para você conjugar os melhores verbos no seu futuro: estudar, trabalhar, sorrir, amar...” 5 Dados obtidos no site de publicidade da Editora Abril. Disponível em http://publicidade.abril.com.br. Acesso em 25 de set. 2009.

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necessitando assim da atenção dos adultos −. Além disso, tais anúncios reforçam que

crianças em anúncios – dos mais diferentes serviços, das mais diferentes marcas –

quando acionadas para vender, garantem sucesso e lucros aos anunciantes, pois, a

estratégia de sensibilizar adultos a partir do uso das crianças, mostra-se clara.

Crianças endereçadas pela publicidade

Quando crianças são utilizadas em anúncios, além de incrementarem os negócios

do anunciante, elas estão ensinando tanto às crianças como aos adultos que folheiam as

revistas quais são os modos de ser criança na contemporaneidade. Numa sociedade de

consumidores, obviamente, tais modos estão fortemente imbricados com o potencial de

consumo de cada sujeito.

Dentre as lições aos leitores/consumidores está a de que ter condições de

consumir este ou aquele produto torna a pessoa mais interessante, mais “cool6”. A

publicidade das revistas ensina também que preocupar-se com a própria imagem, com o

jeito de portar-se e vestir-se é fundamental. Conforme aponta Schor (2009) “o mundo

infantil é cada vez mais construído em torno do consumo, (...) marcas e produtos

determinam quem está ‘por dentro’ e quem está por ‘fora’, quem é ‘quente’ e quem não

é, quem terá amigos e quem não os terá [...]” (p.4).

As crianças que compõem essa infância pautada pelo consumo aprendem tais

lições desde que nascem, vivendo em meio à cultura do consumo, seja no convívio

familiar ou escolar, seja em sua exposição a artefatos culturais como os midiáticos. É

especialmente por intermédio da publicidade veiculada em televisão, jornais e revistas

que elas são apresentadas aos lançamentos do mercado e convocadas a consumi-los com

variadas finalidades. O desejo por obter determinados artefatos ultrapassa amplamente o

de seu uso com a finalidade de diversão ou com a necessidade de vestir-se e alimentar-

se. Tais anúncios operam especialmente com o significado. Suas pedagogias culturais7

disseminam e promovem a valorização de determinados modos de ser criança.

Ao discorrer sobre a importância da publicidade como pedagogia cultural na

sociedade de consumo, Sabat (2001) destaca:

6 Expressão norte-americana usada por Naomi Klein (2004) que significa ser legal, divertido. 7 Conforme Silva (2000), pedagogia cultural é “qualquer instituição ou dispositivo cultural que, tal como a escola, esteja envolvido – em conexão com relações de poder – no processo de transmissão de atitudes e valores” (p.89).

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A publicidade é um dos artefatos que estão inseridos em um conjunto de instâncias culturais e como tal funciona como mecanismo de representação, ao mesmo tempo em que opera como constituidora de identidades. Muito mais do que seduzir o/a consumidor/a ou induzi-lo/a a obter determinado produto, a publicidade comporta um tipo de pedagogia e de currículo culturais. Estes, entre outras coisas, produzem valores e saberes; regulam condutas e modos de ser; re-produzem identidades e representações; constituem certas relações de poder [...] (p.01)

O anúncio da C&A, a seguir (fig.4), expressa a produtividade da publicidade na

produção de valores e identidades:

Figura 4 – Publicidade “C&A” – Fonte: Revista Veja nº2132 de 30/09/2009, p.105

Como podemos ver neste anúncio veiculado na Veja em data próxima ao Dia da

Criança, a imagem da menina vestida com roupas vendidas na loja sugere uma top

model desfilando. Com olhar firme e look fashion, sua imagem está longe de ser

infantil, nos termos tradicionalmente considerados. Com exceção da blusa, as demais

peças que compõem seu visual (da marca Barbie), associadas ao lugar em que se

movimenta (um pub ou lanchonete), compõem uma representação da infância em que a

maneira de vestir-se e comportar-se sugere novos modos de ser criança e de viver a

infância. Tanto as meninas que folheiam a revista quanto suas mães, ficam fascinadas

por esses emergentes significados na publicidade que usa a infância acenando para

“sucesso, poder e dinheiro” (COSTA, 2009b, p.23).

Esta peça publicitária remete ao relato sobre a Carolina, da epígrafe deste artigo.

Anúncios como este, encontrados nas páginas de revistas endereçadas a adultos,

fornecem inspiração para crianças como Carolina comporem seu visual de menina,

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ensinando-as a vestir-se de acordo com as tendências contemporâneas da imagem da

infância. Além disso, revistas como a Veja estão disponíveis também em bibliotecas

escolares e clínicas infantis, expandindo o alcance da produtividade de sua pedagogia

cultural na conformação de sujeitos contemporâneos. A infância do consumo pode ser

considerada um dos produtos de tais pedagogias.

Outra marca que, assim como anúncio da FIAT (fig.2) exposto na seção anterior,

envolve as crianças com um complexo de artefatos é a McDonald’s. Familiarizada com

as críticas de vários autores às estratégias publicitárias do McDonald’s, dediquei

especial atenção aos anúncios desta marca na Veja. Isso porque análises presentes em

obras que são referência ao tratar de questões relativas à infância e consumo (SCHOR

2009; LINN 2006, FONTENELLE, 2002) salientam fortemente o prejuízo que as

campanhas da McDonald’s acarretam às crianças, bem como chamam a atenção para os

problemas éticos da publicidade que, além de promover a venda de produtos que

comprovadamente fazem mal à saúde, dirigem as campanhas a um segmento da

população considerado vulnerável, lançando mão da irrecusável oferta de brinquedos e

jogos acoplados aos alimentos.

Selecionei o anúncio que segue (fig. 5) também para mostrar o quanto a relação

infância e consumo está presente e é forte em países de economia emergente como o

nosso. Ela se verifica tanto no caso de multinacionais como a 4estlé e a McDonald’s,

que operam com “padrões” de publicidade usados em outros países, como em relação a

empresas e marcas brasileiras. Vivemos em um mundo globalizado e tanto a

publicidade como os publicitários viajam o mundo (real ou virtual), buscando,

compondo e conjugando estratégias de persuasão para convocar e educar novos

consumidores.

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8 Figura 5 - Publicidade McDonald´s – Fonte: Revista Veja nº 2001 de 28/03/2007, p.28-29

Neste anúncio, cuja extensão do texto escrito é algo incomum nos dias de hoje −

já que na publicidade contemporânea as imagens ocuparam o espaço das palavras −

vemos um menino com olhar sapeca e rosto saudável comendo batatas fritas do

McDonald’s. O extenso texto dedica-se a explicar que as batatas fritas do McDonald’s

estão isentas de gordura trans. Além disso, ao final, o texto justifica que a empresa,

buscando “evolução constante”, incorporou saladas, sucos e chás ao seu cardápio.

Contudo, como podemos observar, não é salada que o menino do anúncio está comendo

e também não é ao comprar salada com chá que as crianças que vão ao McDonald’s

ganham brinquedos.

Tal anúncio ainda nos mostra o quanto esta rede de fast-food tem sido eficaz na

convocação ao consumo já que, ainda segundo o anúncio, “1,6 milhões de pessoas todos

os dias” vão aos McDonald’s brasileiros. Isso elucida o poder de persuasão que a marca

detem (FONTENELLE, 2002).

É em meio às pedagogias culturais exercidas em diferentes artefatos de nossa

cultura que as crianças de hoje vão compondo a infância do consumo. Usar roupas de

um ícone infantil como a Barbie ou comer no McDonald’s carrega um conjunto de

significados relacionados aos imperativos de uma cultura global consumista. Costa e

Momo (2009) ao discorrerem sobre crianças desta infância moldada pelo consumo que

encontraram nas escolas pobres das periferias, afirmam:

8 Não foi colocada a legenda do texto publicitário na integra pela extensão do mesmo. Em síntese, o texto trata de explicar aos consumidores que o McDonald’s, em atenção a estudos que mostram que a gordura trans faz mal à saúde, está usando “um novo óleo, à base de sementes de algodão, soja e palma”.

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Visibilidade, efemeridade, ambivalência, fugacidade, descartabilidade, individualismo, superficialidade, instabilidade, fazem parte de suas vidas. Vislumbramos nas escolas estudadas crianças que buscam infatigavelmente a fruição e o prazer e, nessa busca, borram fronteiras de classe, gênero e geração. São crianças que procuram incansavelmente inscrever-se na cultura globalmente reconhecida e fazer parte de uma comunidade de consumidores de artefatos em voga na mídia do momento; que produzem seu corpo de forma espetacular para que ele esteja em harmonia com o mundo das visibilidades; que se caracterizam por constantes e ininterruptos movimentos e mutações. São crianças que vão se tornando o que são, vivendo sob a condição pós-moderna. (p.02)

Anunciar produtos infantis numa revista que tem como público sujeitos adultos é

mais um modo de se usar a infância na publicidade contemporânea, pois como já

exposto, crianças têm acesso seja em suas casas, seja na escola a estas revistas e até seus

pais acabam desejando que seus filhos possuam tais produtos. Porém, o espectro de usos

de crianças na publicidade aponta para mais uma característica desta infância do

consumo: a sua comodificação.

Crianças transformadas em mercadorias

A crescente presença de crianças na publicidade colabora para a visibilização de

uma das características mais marcantes desta sociedade e que podemos ver representada

nos artefatos culturais contemporâneos: a comodificação dos consumidores e, no caso

que interessa ao presente estudo, a comodificação da infância. O termo comodificação,

derivado do conhecido substantivo usado entre nós em sua versão em inglês −

commodity −, é empregado por Bauman (2008) para se referir ao processo pelo qual as

pessoas, na sociedade denominada pelo autor de “sociedade de consumidores”,

transformam-se em mercadorias, em bens a serem consumidos, processo este que afeta

igualmente jovens, adultos e crianças. A comodificação das crianças pode ser observada

em diferentes artefatos de nossa cultura, entre eles, na publicidade de revistas.

Contudo, crianças não se tornam mercadorias apenas porque a publicidade as

retrata deste modo. Crianças são comodificadas também porque aprendem, nas

pedagogias culturais exercidas pelos artefatos de nossa cultura, que devem ser

mercadorias vendáveis; aprendem desde cedo – como Carolina– que usar roupas de

grife e portar objetos em voga no momento faz com que sejam apreciadas e atraentes

aos olhares dos outros. Assim, as próprias crianças investem sobre si mesmas para

tornarem-se comoditties. Como afirmam Camozzato e Momo (2009, p. 40), na

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sociedade pautada pelo consumo “estamos, irremediavelmente, enredados nas tramas

que nos ‘habilitam’ ao consumo de tudo, inclusive de nós mesmos”.

Essa exacerbação do consumo traz consigo também as estratégias de

comodificação do “outro”. Conforme explica Costa (2009a):

As redes de mercantilização e consumo investem maciçamente no discurso da responsabilidade social e das políticas de inclusão. A compra de mercadorias é revestida de uma aura de ato político, em que o consumo acontece não apenas para mostrar o que se tem e o que se pode, mas também para ajudar o próximo. (...) Em cada uma destas campanhas, de certa forma, também se consome o “outro” (p.31).

Esta é outra nuance do processo de comodificação, no qual as crianças também

têm sido conveniente e constantemente acionadas. Crianças de diversos tipos étnicos

são convocadas para dirigir a atenção para empresas ou marcas que estão preocupadas

em se mostrar como “politicamente corretas”.

Ao serem utilizadas nesses anúncios publicitários, estas próprias crianças junto

com uma construção conveniente acerca do politicamente correto são consumidas.

Assim, acabamos adquirindo produtos de determinada marca porque, como

consumidores, ao escolher os produtos anunciados, compramos a ilusão de que com isso

somos tão comprometidos com o campo social quanto a marca que vende esta ideia. Um

exemplo disso é a peça publicitária da Unilever (fig. 6), a seguir.

9

Figura 6 - Publicidade Unilever – Fonte: Revista Veja nº 1903 de 04/05/2005, p. 126-127

9 Texto do anúncio: “Vitalidade é vida. É alegria de nascer a cada momento. Homenagem da Unilever no Dia das Mães. Onde existe alguém feliz, existe uma mãe. Afinal, de onde mais poderia nascer a alegria de viver? É uma maravilha criada por quem nem percebe que está deixando marcas, com sabores, perfumes e cores. E que serão para sempre a melhor referência de felicidade. Conte com a gente em todos os momentos e, no Dia das Mães, aceite mais do que uma homenagem. Um agradecimento. Obrigado.”

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Neste anúncio, como podemos ler no texto publicitário, a Unilever faz uma

homenagem ao Dia das Mães. Para isso, crianças de diversas etnias são acionadas na

peça, afim de que as mães, independente de suas raças ou etnias, sintam-se

homenageadas. Mas, para além de salientar e vender a marca da empresa, esse anúncio

opera produtivamente na comodificação do “outro”, evidente na composição

“politicamente correta” da foto publicitária, onde sujeitos de várias etnias são acionados

para vender a imagem e os produtos Unilever. Dito de outro modo, neste processo de

comodificação da infância não há exclusão, todas as crianças – brancas, negras,

mestiças, asiáticas, etc. – tornam-se commodities e, por isso a mensagem que o anúncio

transmite é que todas as crianças e, todas as mães, devem usar produtos da marca

Unilever.

Outro modo de usar crianças nas campanhas publicitárias e que também aponta

para a comodificação da infância diz respeito a erotização das mesmas. Dentro do

recorte feito para este texto, também foram encontrados anúncios onde tal questão

surge. Olhemos para o anúncio da pomada Dermodex (fig. 6) a seguir.

10

Figura 7 - Publicidade “Dermodex” – Fonte: Revista Veja nº 2105 de 25/03/2009, p. 45

10 Redação do anúncio: “Contra assaduras, passe mais carinho. Dermodex prevent protege contra assaduras e é muito mais fácil de espalhar. Passe mais carinho.”

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Tal peça chama a atenção por representar dois aspectos interessantes para

análise: o amor e o cuidado dispensados à infância − representados pelo coração

desenhado com a pomada exatamente na região do corpo em que bebês frequentemente

apresentam assaduras, e o sutil apelo à sexualidade pedófila. Esta imagem remete-nos à

origem do termo pedofilia. Segundo Felipe e Guizzo (2003),

(...) apesar de ser concebida nos dias atuais como uma forma de doença por parte de quem exercita tais práticas, na sua origem grega, a pedofilia remetia à idéia de amor às crianças (composta pelo substantivo grego pais = criança e pelo verbo phiJeo = amar. Paidophilos = aquele que ama as crianças; paidophiJes = aquele que ama os meninos). (p. 122, grifos das autoras)

O inquietante neste anúncio é justamente sua ambiguidade. Muitas pessoas

podem olhar para ele considerando-o apenas bonito, divertido, fofo. Todavia, quando

nos deparamos com os incontáveis casos de pedofilia expostos pela mídia, tal anúncio

pode parecer demasiadamente provocativo e arriscado, já que expõe a criança como

mercadoria disponível a todo o tipo de consumo. Ou seja, esta peça publicitária, assim

como o anúncio da 4atan apresentado no início deste artigo (fig. 1), nos mostram

crianças transformadas commodities, com seus corpos e sua sexualidade suscitando

muito mais do que exclusivamente o desejo de adquirir o produto anunciado. Eis um

outro modo de usar a infância nos anúncios contemporâneos, complexo e perigoso

demais.

Para finalizar...

Há registros de que as revistas chegaram ao Brasil trazidas pela corte portuguesa

no começo do século XIX. Teria sido na década de 1930, porém, com a revista O

Cruzeiro, que o gênero revista difundiu-se em nossa sociedade, pois esta foi a primeira

revista a firmar-se no mercado editorial nacional, conforme aponta Scalzo (2008).

Atualmente, apesar do fantástico avanço das formas digitais de informação e

comunicação, tal artefato ainda se mostra com muita vitalidade. A revista Veja é a mais

vendida em nosso país e a quarta revista semanal mais vendida no mundo (SCALZO,

2008).

Estudiosos do gênero revista (MIRA, 2001; SCALZO, 2008; CARVALHO,

2010) apontam que, presentemente, é a venda dos espaços publicitários nas revistas –

prática difundida na década de 1960 − que garante o lucro das editoras e a continuidade

Page 17: A FORMAÇÃO DA INFÂNCIA PARA O CONSUMO NA PUBLICIDADE DA

de alguns títulos. A aliança entre revistas e anúncios publicitários vêm dando certo

pelos resultados significativos na convocação ao consumo, o que evidencia como as

revistas e os anúncios são competentes em transformar sujeitos em consumidores.

Ao analisar anúncios contemporâneos veiculados na Revista Veja, procurei

mostrar o quanto a infância vêm sendo útil a estratégias corporativas em que empresas

de todo o tipo e conglomerados midiáticos unem-se na formação de novos

consumidores. Particularmente, procurei demonstrar a eficácia da publicidade em

revistas na construção de uma infância conveniente aos interesses da sociedade de

consumidores: a infância do consumo. Mesmo não sendo endereçada ao público

infantil, a revista Veja constitui-se como um campo poderoso de circulação de discursos

estrategicamente persuasivos que, de diferentes modos, convocam ao consumo.

Todavia, considero importante ressaltar que a publicidade da Veja não está criando uma

nova prática, apenas está colocando em circulação práticas, saberes, discursos e

representações que estão em voga em nossa sociedade. Assim, a emergência de uma

infância para o consumo não se dá de um único modo, resultando de distintos e

incontáveis agenciamentos disseminados no interior da cultura. As táticas e estratégias

em ação nas sociedades do presente para constituir uma infância do consumo tem na

publicidade das páginas das revistas apenas um de seus nichos de operação.

Além disso, não é apenas porque crianças são usadas em campanhas

publicitárias para sensibilizar adultos e levá-los ao consumo que dizemos que a infância

está adquirindo novas características. Afirmamos que os anúncios contribuem para a

emergência de uma infância do consumo porque, para além de sensibilizar adultos, as

crianças usadas pela publicidade estão ensinando à nossa sociedade modos de ser

criança, modos que estão atrelados de forma muito forte aos pressupostos de uma

sociedade de consumidores. Sociedade onde todos devem ser consumidores e onde cada

um deve fazer de si mesmo uma “mercadoria vendável”, já que os sujeitos são, “ao

mesmo tempo, os promotores das mercadorias e as mercadorias que promovem. São,

simultaneamente, o produto e seus agentes de marketing” (BAUMAN, 2008, p.13).

Assim, as crianças aprendem desde cedo que o seu “eu” também é uma

mercadoria de consumo, pois, nessa sociedade, não importa o que elas são, mas o que os

outros pensam que elas são (FONTENELLE, 2002). É nesse contexto que a publicidade

aliada à cultura do consumo produz uma infância do consumo ao educar as crianças

contemporâneas para subjetivarem seus “eus” segundo pressupostos do capitalismo

tardio.

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Nessa perspectiva, negar a importância da mídia e particularmente da

publicidade nesta sociedade é fechar os olhos para os modos como as crianças

contemporâneas se constituem, já que, conforme Linn (2006) “A longo prazo, essa

imersão de nossos filhos na cultura comercial traz consequências que vão muito além do

que eles compram ou não”, pois, ainda de acordo com a autora, o marketing “procura

afetar os valores essenciais como as escolhas de vida: como definimos a felicidade e

como medimos nosso valor próprio. (p.29).

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