A formação das redes de sociabilidade no oitocentos
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ANAIS DO II COLQUIO DO LAHES: MICRO HISTRIA E OS CAMINHOS DA
HISTRIA SOCIAL
Comisso Organizadora: Prof Dr Carla Maria Carvalho de Almeida (UFJF) Prof Dr Cssio Fernandes (UFJF) Prof Dr Mnica Ribeiro de Oliveira (UFJF) Prof Dr Snia Maria de Souza (UFJF) Promoo: Laboratrio de Histria Econmica e Social Programa de Ps-graduao em Histria da UFJF Apoio: Pr-Reitoria de Pesquisa Instituto de Cincias Humanas FAPEMIG CAPES Editorao: Bianca Portes de Castro Ficha Catalogrfica:
II Colquio do Laboratrio de Histria Econmica e Social (2008: Juiz de Fora, MG). Micro Histria e os caminhos da Histria Social: Anais / II Colquio do LAHES; Carla Maria Carvalho de Almeida, Mnica Ribeiro de Oliveira, Snia Maria de Souza, Cssio Fernandes, organizadores. Juiz de Fora: Clio Edies, 2008, http://www.lahes.ufjf.br.
ISBN: 978-85-88532-29-8
1. Histria 2. Histria Econmica e Social. I. Carla Maria Carvalho de Almeida. II. Mnica Ribeiro de Oliveira. III. Snia Maria de Souza. IV. Cssio Fernandes.
ISBN: 978-85-88532-29-8 Clio Edies 2008 1
A FORMAO DAS REDES DE SOCIABILIDADE NO OITOCENTOS: UMA INVESTIGAO DAS ELITES SANJOANENSES
Maria Elisa Ribeiro Delfim*
Introduo
Este trabalho tem a inteno de verificar a formao de redes de sociabilidade atravs
de um membro da elite de So Joo Del Rei, durante a primeira metade do sculo XIX; dando
ateno as alianas formadas nas esferas poltica, social e econmica.
O foco principal consiste em analisar possveis redes clientelares formadas a partir de
apadrinhamentos e casamentos, bem como, conferir se tais alianas ultrapassam os laos
familiares e atingem a poltica, com possveis redes formadas na Cmara Municipal.
A leitura de textos contidos na bibliografia consultada me possibilitou um
conhecimento sobre o tema do clientelismo na historiografia e no pensamento social
brasileiro. A pesquisa em bancos de dados e fontes primrias, tais como registros de batismos,
inventrios, testamentos, casamentos, listas nominativas, atas da Cmara de So Joo Del Rei,
bem como a utilizao de instrumentos de pesquisa como as Efemrides de So Joo Del Rei,
e Mineira1, tem me possibilitado reconstituir as redes de sociabilidade e investigar a dinmica
das alianas e a construo das redes sociais na regio.
Clientelismo: uma investigao bibliogrfica
O presente trabalho se fundamenta em estudos sobre redes clientelares e sua atuao
no espao pblico, sendo o termo clientelismo utilizado para definir redes de aliana que se
formam no perodo estudado.
* Graduao- UFSJ. E-mail: [email protected] 1 CINTRA, Sebastio de Oliveira. Efemrides de So Joo Del-Rei.Belo Horizonte. Imprensa Oficial. 1982 e VEIGA, Jos Pedro Xavier da. Efemrides mineiras (1664-1897). Belo Horizonte: Fundao Joo Pinheiro, 1998.
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Para tanto, faz-se necessrio uma apresentao e discusso conceitual sobre o
clientelismo e suas implicaes nas esferas pblica e privada.
Antnio Manuel Hespanha e ngela Barreto Xavier2, analisando o fenmeno das
redes clientelares em Portugal, acreditam que o sistema de Dom contra Dom, uma prtica
existente durante o perodo do Antigo Regime que regia a distribuio e trocas de bens,
cargos e benefcios, produzia e sustentava a existncia das redes clientelares.
Segundo os autores no sistema de Dom contra Dom, o dom era algo destitudo de
interesses materiais; na sua lgica o valor econmico da troca no era o seu mvel, quando
algum recebia algum benefcio sabia que teria que retribuir, independente do valor material.
O possvel desequilbrio das trocas de benefcios se sustenta por laos afetivos, uma
amizade baseada na reciprocidade da troca, tanto pelo lado do benfeitor como do credor, o
que confirma que as relaes no se reduziam unicamente a jogos de interesse, nem eram
baseadas apenas nos laos afetivos. Como afirma Hespanha, so
Relaes que obedeciam a uma lgica clientelar, como a obrigatoriedade de conceder mercs aos mais amigos, eram situaes sociais quotidianas e corporizavam a natureza mesma das estruturas sociais, sendo, portanto, vistas como a norma.3
Norbert Elias em seu livro A Sociedade de Corte4, tambm trabalha com o tema das
relaes pessoais, mais especificamente o modo de convvio entre os homens que sustentam o
sistema de interdependncia que regeu o Antigo Regime; exemplificado por ele na sociedade
de corte francesa poca de Lus XIV.
O sistema de interdependncia estudado por Elias pode ser relacionado com o
fenmeno das redes clientelares. Ambos os autores convergem, portanto, na anlise da
sociedade do Antigo Regime como alicerada num sistema de trocas baseado nos laos
afetivos atravs dos quais se expressava o jogo de interesses entre as partes envolvidas e que
produzia um sistema de interdependncia, na denominao de Elias - redes clientelares na
denominao de Hespanha e Xavier - que no se limitava corte e a ambientes polticos, mas
vinculava todas as relaes sociais.
A conceituao de redes clientelares trabalhada por Xavier e Hespanha, torna-se
necessria para compreenso das interpretaes sobre a formao do clientelismo no Brasil
relacionada vertente proposta por Gilberto Freyre e Srgio Buarque de Holanda.
2 HESPANHA, Antnio Manoel & Xavier, ngela Barreto. As redes clientelares, in MATTOSO, Jos (Org.). Histria de Portugal. Lisboa. Editora Estampa 1998. 3 Idem. p. 339 4 ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001
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Em seu artigo Ivan Vellasco apresenta trs vertentes para a explicao do clientelismo
no Brasil, dessa forma enquadra tais autores na terceira vertente, que v na formao social
brasileira uma herana ibrica, tendo como caracterstica central a cultura patriarcal, baseada
em relaes pessoais, vnculos familiares e afetivos5 .
A famlia patriarcal fornece, assim, o grande modelo por onde se ho de calcar, na vida poltica, as relaes entre governantes e governados, entre monarcas e sditos. 6
Srgio Buarque de Holanda em Razes do Brasil, atribui ao portugus algumas
caractersticas absorvidas pelos brasileiros, como o caso da plasticidade social7.
Tal caracterstica dar ao brasileiro a capacidade de se relacionar com raas diferentes,
o que aproxima o patriarca de seus sditos, numa relao familial e cordial8, segundo o
autor.
Identificando na Literatura, caractersticas da vida real, a cordialidade neste sentido
pode ser observada em Memrias Pstumas de Brs Cubas de Machado de Assis, obra que
se passa na primeira metade do sculo XIX. Logo no primeiro captulo, quando o protagonista
conta sobre seu enterro e quem est presente, relata um grupo pequeno de onze, chamados por
ele de amigos; aps um discurso belssimo de um desses amigos ele afirma: Bom e fiel
amigo. No me arrependo das vinte aplices que lhe deixei.9 No decorrer do livro nos
deparamos com um personagem irnico e podemos observar que neste trecho tal caracterstica
est presente em sua fala; O amigo que em seu enterro proclamou um belo discurso obteve
antes aplices deixadas pelo defunto Brs Cubas, o que demonstra uma relao de amizade
que no se restringe afetividade.
Caio Prado Jr. corrobora a viso de Gilberto Freyre no tocante a nossa herana
patriarcal, no entanto, enxerga a aristocratizao dos proprietrios rurais como mrito de uma
classe privilegiada, no apenas no que diz respeito tradio do sangue que corre nas veias,
mas conseqncia do acmulo de riqueza e poder na formao do cl patriarcal. O chefe
5 O texto Clientelismo, ordem privada e Estado no Brasil Oitocentista: a trajetria sinuosa de um debate trata-se de uma verso reelaborada do projeto que norteia essa pesquisa, nele Ivan Vellasco apresenta trs vertentes para a explicao do clientelismo no Brasil, dessa forma enquadra tais autores na terceira vertente, que acredita num pas marcado por uma cultura patriarcal, baseada em relaes pessoais. 6 HOLANDA, Srgio Buarque. Razes do Brasil. 5 edio. Rio de Janeiro, Livraria Jos Olimpio Livraria, 1956.p. 53. 7 Srgio Buarque coloca como plasticidade social a capacidade do portugus de se misturar com as diferentes raas e a ausncia praticamente completa de orgulho de raa; esse seria um dos fatores que contriburam para a miscigenao no Brasil. 8 No capitulo V do livro Razes do Brasil, Srgio Buarque fala sobre o homem cordial, aquele que faz de suas relaes pessoais algo familial. 9 ASSIS, Machado de. Memrias Pstumas de Brs Cubas. Rio de Janeiro, Expresso e Cultura, 2001.p.10.
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familiar adquire o poder sobre toda a estrutura clnica, incluindo a famlia, escravos,
agregados e aliados atravs dos apadrinhamentos e casamentos. No caso dos homens livres
que se tornam agregados pode-se entender como relaes de interesse definidas entre
indivduos de condies sociais diferentes, sendo as alianas com outros aristocratas
garantidas atravs de casamentos arranjados pelo patriarca:
Colocado assim no centro da vida social da colnia, o grande proprietrio se aristocratiza. Rene para isto os elementos que constituem a base e origem de todas as aristocracias: riquezas, poder, autoridade. A que se unir tradio, que a famlia patriarcal, com a autoridade absoluta do chefe, dirigindo e escolhendo os casamentos, assegura. Esta aristocratizao