A formação do Professor Tiflólogo no Brasil_ uma análise de cursos e discursos

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Dissertação de Mestrado da Profª Roberta Moretti da Silveira Padulla

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ROBERTA MORETTI DA SILVEIRA PADULLA

A FORMAO DO PROFESSOR TIFLLOGO NO BRASIL: UMA ANLISE DE CURSOS E DISCURSOS

MOGI DAS CRUZES 2011

ROBERTA MORETTI DA SILVEIRA PADULLA

A FORMAO DO PROFESSOR TIFLLOGO NO BRASIL: UMA ANLISE DE CURSOS E DISCURSOS

Dissertao Mestrado

apresentada em Semitica,

ao

Programa Tecnologias

de de

Informao e Educao, da Universidade Braz Cubas, para obteno de ttulo de Mestre em Semitica, Educao. Orientadora: Prof. Dr. Karina Soledad Tecnologias de Informao e

Maldonado Molina Pagnez.

MOGI DAS CRUZES 2011

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Atender pessoas deficientes no uma questo de boa vontade ou de generosidade. , antes, um trabalho tcnico e cientfico que precisa ser realizado com critrio, porque lidar com vidas humanas uma responsabilidade muito grande. (Dorina de Gouva Nowill)

AGRADECIMENTOS

AGRADEO a Deus, por me amparar nos momentos difceis, me dar fora interior para superar as dificuldades, mostrar-me os caminhos nas horas incertas e suprir todas as minhas necessidades. Aos meus pais, Beto e Neli, meus primeiros mestres, que sempre me deram amor e fora, valorizando meu potencial, principalmente me ensinando a buscar a confiana necessria para realizar os meus sonhos e reconhecer a importncia da construo e coerncia de meus prprios valores. Ao meu marido Valter, companheiro especial, um verdadeiro presente de Deus em minha vida. Principal incentivador nesta poca do Mestrado, tanto como colega de turma quanto como colaborador nas horas de reflexes, decises e revises e responsvel por ter tornado os meus dias mais felizes e essa caminhada mais suave e segura. Aos meus filhos amados, Henrique e Fernando. s professoras Maria Helena Silveira Cardoso e Nilza Aparecida Moretti Ariza, misto de tias e de referncia profissional, por terem me orientado e incentivado a seguir na formao de Pedagoga. minha orientadora, Prof. Dr. Karina Soledad Maldonado Molina Pagnez, pelo compromisso e competncia no trabalho de orientao. Aos Professores Dr.s Elcie Masini e Francisco Franco, que, na etapa da banca de qualificao, muito contriburam para esta forma final do trabalho. Aos meus alunos e ex-alunos da Sala de Recursos para Deficientes Visuais. Ao Prof. M.s Sylas Maciel, pelas valiosas contribuies e apoio constante, mesmo a distncia. Agradeo, enfim, a todas as pessoas cuja presena real, virtual ou espiritual foi inspirao a contribuir para a consecuo desta Dissertao de Mestrado.

Padulla, Roberta Moretti da Silveira. A formao do Professor Tifllogo no Brasil: uma anlise de cursos e discursos. Mogi das Cruzes, f. 105, 2011. [Dissertao de Mestrado em Semitica, Tecnologias de Informao e Educao, Universidade Braz Cubas].

RESUMO Esta dissertao tem como objetivo investigar a formao do professor tifllogo no Brasil a partir de um enfoque histrico, analisando o contexto que deu origem formao desse profissional, para demonstrar como emergem as condies histricas e como se constitui esse profissional da educao especial. A pesquisa pretende, com foco na educao especial, construir um panorama da formao e atuao deste profissional, discutir sua importncia para a educao especial e, sobretudo, para os alunos cegos, com sua formao tcnica e prtica, por via de um olhar multidisciplinar provido do necessrio instrumental oferecido pelas reas da sade, pedagogia, psicologia, filosofia e sociologia. A pesquisa assume um aporte interdisciplinar, buscando na histria, na sociologia e na educao os elementos que nos permitam compreender e analisar as formaes propostas para essa classe de professores. Procura relacionar as necessidades e demandas de alunos cegos s exigncias de capacitao e habilitao na formao do professor tifllogo. Trata-se de uma pesquisa documental, qualitativa, descritiva e utiliza, como corpus de anlise de contedo, documentos relativos Educao Especial, alm de documentos referentes a trs cursos de formao de professor tifllogo no Brasil. Desta forma, o presente trabalho prope uma reflexo cientfica sobre as especificidades necessrias formao dessa categoria de docente para a educao especial, especificamente em relao sua formao. A nfase, neste caso, justifica-se por ser este um educador to importante para uma parcela significativa da populao brasileira e que, atualmente, como mostram os resultados desta pesquisa, tem seu preparo relegado a uma formao genrica, sem capacitao tcnica ou prtica para o desempenho de suas funes.

Palavras-chave: Formao de Professores; Professor Tifllogo; Educao Especial; Alunos Cegos.

ABSTRACT

This research aims to investigate the formation of Thyphlological Teacher in Brazil from a historical approach, examining the context that gave rise to the formation of this professional, emerge upon the historical conditions of special education for the blinds. This work is a construction of scenes from the special education training and performance of this professional of education, discusses the importance of training for special education and especially for the blind students with their training and practice from a multidisciplinary look with elements of humanity reception, education, psychology, philosophy and sociology. The research takes an interdisciplinary contribution, searching the history, sociology and education elements that allow us to understand and analyze the training offered to built teachers. It is intended to show that in establishing the needs and demands of blind students and from this point, this situation relate to the training and qualification requirements for the formation of Thyphlological Teacher, and that confirms the demand for a solid and consistent in different areas of knowledge . This research uses descriptive qualitative documentary as a corpus of content analysis documents relating to Special Education and documents relating to three training courses to Thyphlological Teachers in Brazil. Thus, this paper proposes a scientific reflection on teacher training for special education, specifically on Thyphlological Teacher training in Brazil, a professional so important to a significant portion of the Brazilian population, currently, as shown by the results of this research which is currently experiencing a training relegated to a generic training without technical training or practice for the performance of their duties.

Keywords: Teachers Formation, Thyphlological Teacher, Special Education, Blind Students.

LISTA DE SIGLAS ABEDEV AEE AIPD APEC AVD BIREME BPC CBBEC CEB CAPES CEE CFE CENESP CENP CNAIPD CNE CNEC CONADE CORDE Associao Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais Atendimento Educacional Especializado Ano Internacional das Pessoas Deficientes Associao Pernambucana de Cegos Atividade da Vida Diria Biblioteca Regional de Medicina Benefcio de Prestao Continuada Conselho Brasileiro para o Bem-estar dos Cegos Cmara de Educao Bsica Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior Conselho Estadual de Educao Conselho Federal de Educao Centro Nacional de Educao Especial Conselho Executivo das Normas Padro Comisso Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes Conselho Nacional de Educao Campanha Nacional da Educao dos Cegos Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficincia Coordenadoria Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia CP DESE DOU EAD ECA ENABLE FLCB GAB IBC ICB IDH Inep Conselho Pleno Departamento de Educao Supletiva e Especial Dirio Oficial da Unio Educao Distncia Estatuto da Criana e do Adolescente Organizao das Naes Unidas para Pessoas com Deficincia Fundao para o Livro do Cego no Brasil Gabinete Instituto Benjamin Constant Instituto de Cegos da Bahia ndice de Desenvolvimento Humano Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

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INES LDBEN MEC MPAS OIT ONU PDE PNE PNUD QI SADEVI SCIELO SEESP SENEB SEF UBC UNESCO

Instituto Nacional de Surdos Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional Ministrio da Educao Ministrio da Previdncia e Assistncia Social Organizao Internacional do Trabalho Organizao das Naes Unidas Plano de Desenvolvimento da Educao Plano Nacional de Educao Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento Coeficiente Intelectual Servio de Apoio ao Deficiente Visual Integrado Scientific Electronic Library Online Secretaria da Educao Especial Secretaria Nacional de Educao Bsica Secretaria de Educao Fundamental Unio Brasileira de Cegos Organizao das Naes Unidas para a educao, a cincia e a cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization)

UNESP UNICEF

Universidade Estadual Paulista Fundo das Naes Unidas para a Infncia (The United Nations Children's Fund)

SUMRIO INTRODUO .......................................................................................................... 12 1. HISTRIA DA EDUCAO DO CEGO NO BRASIL ........................................... 19 1.1. 1.2. 1.3. Segregao ................................................................................................. 19 Integrao ................................................................................................... 34 Incluso....................................................................................................... 47

2. FORMAO DO PROFESSOR TIFLLOGO NO BRASIL ................................. 64 2.1. Segregao ................................................................................................... 65 2.2. Integrao...................................................................................................... 68 2.3. Incluso ......................................................................................................... 73 3. PERCURSO METODOLGICO ........................................................................... 81 3.1. Apresentao de resultados ........................................................................ 86 3.2. Conceito de segregao e seus enunciados ............................................. 86 3.3. Conceito de integrao e seus enunciados ............................................... 88 3.4. Conceito de incluso e seus enunciados ................................................... 89 3.5. Os discursos e cursos de formao do Professor Tifllogo no Brasil .... 91 3.5.1. Modalidade dos Cursos............................................................................... 91 3.5.2. Grade Curricular dos Cursos....................................................................... 92 3.5.3. Perfil do Professor a ser formado................................................................ 95 3.5.4. Metodologia dos cursos .............................................................................. 96 3.6. A anlise dos cursos, no corpus da pesquisa, e a aplicao de conceitos (segregao, integrao e incluso) .................................................................. 97 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 98 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 100

INTRODUO No limiar deste trabalho, fazem-se necessrias algumas consideraes. A primeira delas consiste em esclarecer alguns termos aqui utilizados, como o que se entende por deficiente visual cego, que definido como a pessoa portadora de[...] alterao grave ou total de uma ou mais das funes elementares da viso que afeta de modo irremedivel a capacidade de perceber cor, tamanho, distncia, forma, posio ou movimento em um campo mais ou menos abrangente (BRASIL, 2007, p.15).

Quanto ao termo tifllogo, em geral pouco utilizado, significa: indivduo que se ocupa com a instruo dos cegos1. Ainda como introito do assunto, relevante recordar que a tiflologia teve incio na Frana do sculo XVIII, com Valentin Hay, que iniciou seu trabalho com caracteres gravados em relevo, permitindo, desta forma, a escolarizao da pessoa cega, mesmo que em nvel elementar e precrio2. A atuao deste profissional manifesta-se de forma plurifacetada, pois [...] traduzida numa atividade multidisciplinar, em que convergem disciplinas do mbito de diversas cincias oftalmologia e outras especialidades da cincia mdica, psicologia, pedagogia, sociologia, engenharia, arquitetura, ao social, direito, etc, com o objetivo de compreender integralmente o deficit funcional motivado pela deficincia visual em todas as suas implicaes intrnsecas e extrnsecas ao deficiente e procurar, na medida do possvel, reduzir ou eliminar essas implicaes (SILVA, 2005, s.p.).

No Brasil, atualmente, a denominao do profissional responsvel pelo atendimento do aluno cego como tifllogo mais utilizada na regio Nordeste, principalmente em Pernambuco, conforme divulgao de curso de Tiflologia da APEC - Associao Pernambucana de Cegos, em maio de 2010, e desenvolve-se com carga horria de 120 horas. A Coordenadora do curso, Prof. Ana Paula Valeriano, afirma que a Tiflologia a cincia que aborda questes referentes cegueira e instruo das pessoas cegas e com baixa viso. Desta forma, adotamos nesta pesquisa a terminologia professor tifllogo, para nos referir ao professor responsvel pelo atendimento do aluno cego. Nosso interesse por este tema, nesta pesquisa de Mestrado, foi motivado pelas observaes, reflexes e estudos resultantes da atuao por mais de vinte

Disponvel em >, acesso em 16/11/2010. 2 Disponvel em , acesso em 16/11/2010.

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anos na Educao Especial e Formao de Professores, dos quais, treze anos foram dedicados especificamente ao Atendimento Educacional Especializado aos alunos com deficincia visual. Neste texto, a inteno primordial descortinar registros histricos e entender como se desenvolve a formao do professor tifllogo no Brasil, desde os primrdios at os dias atuais, tomando como pano de fundo a educao formal do aluno cego e o contexto histrico, poltico, econmico e social, com base em documentos legais e currculos, ementas e atas de cursos de formao. A grande questo que se apresentou logo de incio foi a necessidade acadmica de encontrar um recorte para esta pesquisa, em razo de que os registros histricos e estudos relativos educao especial no esgotam o tema formao do professor tifllogo. Essa tarefa demandou a busca por publicaes em peridicos e o rastreamento nos bancos de dados de universidades (CAPES, SCIELO, BIREME), para a localizao de teses e dissertaes sobre o assunto. Em pesquisa realizada no banco de teses/dissertaes da CAPES, de 2005 a 2009, utilizando a palavra-chave formao de professor, foram registrados 6.772 trabalhos. Deste universo de dados, realizou-se um recorte de trabalhos que tivessem como tema a deficincia visual, tendo sido identificados apenas catorze (0,21%) textos e nenhum a abordar a formao do professor para o atendimento ao aluno cego. Foi difcil trabalhar com este assunto do ponto de vista cientfico, uma vez que era preciso separar a experincia da autora, atuante na educao especial com alunos cegos, que apontava constantemente demandas para melhor atuao, da formao vigente para o professor tifllogo preocupao decorrente dos anos de experincia em cursos de formao de professores. A soluo ao impasse foi encontrada quando se pde enxergar o tifllogo como o profissional de educao que se constitui em resposta s demandas dos alunos cegos. Tm-se como hiptese que, quanto maiores s possibilidades pessoais, profissionais e, sobretudo, educacionais franqueadas aos cegos, tanto maiores sero as competncias exigveis ao tifllogo. Portanto, nesta pesquisa, a constituio do professor tifllogo se estabelece, principalmente, pela observao do desenvolvimento na educao do aluno cego, em seus aspectos legais e propostas de formao.

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A viso histrica referente educao do aluno cego permeada pelas concepes de quanto e como deve ocorrer o acolhimento e atendimento s pessoas com cegueira, desde o entendimento de que a nica possibilidade que a elas se oferece encerr-las em locais onde no causem problemas ou incmodos s pessoas consideradas normais, at compreenso de que so seres humanos com direitos e deveres que assistem a qualquer um e, portanto, com direito a acesso social, educacional e profissional amplo, geral e irrestrito, de acordo com suas possibilidades fsico-sensoriais. Estes entendimentos, atitudes e possibilidades educacionais, por sua vez, esto agrupados em trs conceitos, a saber: segregao, integrao e incluso (descritos e exemplificados no captulo 1 e analisados no captulo 3). A relao da autora com o trabalho de pesquisa, como j foi dito, decorre de anos de contato profissional com a problemtica da docncia para alunos cegos, alm de sua atuao na formao de professores em cursos de extenso e psgraduao e tambm como capacitadora em cursos organizados por rgos pblicos de educao. A caracterstica marcante deste trabalho no delineamento do processo de construo do texto encontra-se em edificar contextos histrico-filosfico-polticopedaggicos a partir dos registros cronolgicos da educao especial no Brasil, mormente aquela voltada educao de cegos. Tais contextos emergem ao agrupar dados que reflitam semelhanas por suas ideias sobre como acolher e prover a pessoa cega de educao formal, desde a mais completa excluso a mais ampla incluso, procedimento que ser detalhado e demonstrado no Captulo 3 Percurso Metodolgico. Tais contextos emergem por duas vias: o resgate histrico da educao do cego no Brasil e os conceitos de atendimento e acolhimento ao aluno cego. Este caminho adotado em consequncia da percepo de que a razo de existir do professor tifllogo, obviamente, a educao formal do aluno cego e, assim, ao voltar o olhar histrico para a condio do cego como aluno e para a maneira como esta situao se desenvolve ao longo do tempo, ter-se- como resultado a compreenso de como vem sendo feita a formao do professor tifllogo no Brasil. O resgate histrico ocorre por via da narrativa da sucesso de fatos relativos educao do cego no Brasil, vista do prisma da orientao cronolgica. As formas de entender a maneira de atendimento ao aluno cego, filosfica e pedagogicamente,

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transparecem em trs conceitos, a saber: segregao, integrao e incluso. Os autores que abordam o tema, a partir dos conceitos vivenciados na escolarizao dos deficientes, utilizam a diviso: segregao, integrao e incluso, como se l a seguir:[...] A sociedade, em todas as culturas, atravessou diversas fases no que se refere s prticas sociais. [...] Em seguida desenvolveu o atendimento segregado dentro de instituies, passou para a prtica da integrao social e recentemente adotou a filosofia da incluso social para modificar os sistemas sociais gerais (SASSAKI, 1997, p.16).

Assim, o resgate histrico o resultado de uma extensa pesquisa em documentos histricos, literatura e trabalhos acadmicos. Tal pesquisa exposta, neste trabalho, por via de uma narrativa minuciosa e comentada, a retratar fatos, adoo de polticas pblicas, repercusses, sociais e acadmicas, e consequncias de fatos relativos educao do cego no Brasil. A narrativa registra datas de acontecimentos e, sobretudo, os locais onde tais situaes ocorreram, visto que, ao entendimento mais amplo, fazem-se necessrios os devidos detalhes. Durante a pesquisa dos fatos histricos, as divises (segregao, integrao e incluso) desvelavam-se como atores sempre presentes educao especial, pois todas as aes transmitiam os ideais, concepes e entendimento de um desses atores, nem sempre de forma estanque, ou seja, existem atos que podem ser denominados fronteirios e de interseco, j que guardam caractersticas de mais de um conceito de acolhimento/atendimento. Interessa a este trabalho o processo de construo do sujeito que atua como docente especfico ao pblico cego, no sentido de construir esse sujeito, ator profissional, por meio das competncias dele exigidas diante da histria do atendimento ao aluno cego no Brasil e da conceptualizao de acolhimento e atendimento ao aluno com cegueira. Dessa forma, a questo que este trabalho de pesquisa procura elucidar : Como se constitui, ao longo da histria, a formao do professor tifllogo no Brasil?. Nesta pesquisa, a Histria registra e data avanos cientficos, sociais e pedaggicos, os quais propiciam o deslocamento da compreenso e conceituao quanto ao atendimento ao aluno cego no Brasil, caminhando de um paradigma para outro. As trajetrias aqui referidas so importantes, a partir do momento em que tais situaes, no determinadas por um ato em si, mas por um contexto, impem exigncias e determinam a necessidade de capacitao para aqueles que esto

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incumbidos de prover educao formal a alunos cegos. Por conta do fato de que as formas de atendimento no esto atreladas, necessariamente, a determinada poca histrica, no to importante a sucesso de fatos quanto questo de que certos contextos manifestam discursos que apontam a relevncia, tanto da emergncia do professor tifllogo quanto da adequao deste profissional a novas propostas pedaggicas e desafios sociais, seja na filosofia de atendimento ou nos conhecimentos relativos fisiologia, caractersticas de percepo e expectativas do aluno cego, seja em novas percepes da sociedade em relao ao cego, no que se refere aceitao e entendimento de ele um ser humano com caractersticas fsicas e sensoriais diferentes, mas com expectativas e aspiraes legtimas, reconhecveis e encontrveis em qualquer outra pessoa. O tema da formao do professor, especificamente do tifllogo, admite, naturalmente, dois caminhos para o estudo da sua construo, quais sejam: a anlise de currculo de cursos de formao e as polticas pblicas brasileiras para a Educao Especial, sobretudo levando em considerao a importncia da poltica, conforme ensina Tardif (2011):A desvalorizao dos saberes dos professores pelas autoridades educacionais, escolares e universitrias no um problema epistemolgico ou cognitivo, mas poltico. Historicamente, os professores foram, durante muito tempo, associados a um grupo eclesial que agia com base nas virtudes da obedincia e da vocao. No sculo XX, eles se tornaram um corpo estatal e tiveram que se submeter e se colocar a servio das misses que lhes eram confiadas pela autoridade pblica e estatal. Portanto, seja como corpo eclesial ou como corpo estatal, os professores sempre estiveram subordinados a organizaes e a poderes maiores e mais fortes do que eles, que os associava a executores (TARDIF, 2011, p. 243).

Quanto s polticas pblicas na educao especial, h duas inferncias interessantes ao posicionamento para este trabalho; se, por um lado, as polticas pblicas, in tese, criam realidades, garantem direitos e determinam os rumos da educao especial, tambm verdade, com vrios exemplos no Captulo 1 que nem todas as polticas pblicas propostas pelo Estado saem do papel para a prtica, seja por falta de regulamentao adequada, seja por via de documentos no especificados corretamente, ou mesmo pela falta de vontade prtica, visto que uma coisa manifestar intenes em palanque e outra coisa, por vezes diametralmente oposta, colocar as intenes em prtica. Outra considerao sobre polticas pblicas reside em que estas tambm so

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provocadas, normalmente, por presses sociais, o que nos remete ao entendimento de que o fator que leva adoo de determinada poltica, na rea do atendimento ao aluno cego no , necessariamente, a convico do administrador pblico e, sim, o interesse de um grupo ou de alguns grupos de pessoas que reivindicam mudanas. Isso o que transparece, historicamente registrado no Captulo 1 A Histria da Educao do Cego no Brasil, nas atitudes governamentais brasileiras no que se refere ao atendimento ao aluno cego. Quanto relevncia do tema, de considerar que a Educao Especial, especificamente a referente aos cegos, est voltada para um grande pblico, como afirmam os dados estatsticos a seguir:A nova publicao traz o nmero absoluto de cegos e surdos no Pas. Em 2000, existiam 148 mil pessoas cegas e 2,4 milhes com grande dificuldade 3 de enxergar. Do total de cegos, 77.900 eram mulheres e 70.100, homens.

importante destacar que, ainda que determinados conceitos (segregao, integrao e incluso) estejam mais evidenciados dentro de momentos histricos especficos, deve-se levar em considerao que os que se aplicam educao especial so atemporais, isto , encontram-se, historicamente, exemplos da operacionalizao de formas de educao especial diferentes, motivadas por conceitos por vezes antagnicos, em momentos histricos muito prximos, se no concomitantes. Quanto organizao do texto, esta pesquisa se desenvolve em cinco captulos. No primeiro captulo, revela-se a histria da educao do cego no Brasil sob forma de exposio cronolgica, com enfoque principal no relato do que ocorreu e, sobretudo, nos momentos em que ocorreram fatos marcantes para a educao do cego, apresenta-se um enfoque espordico a comentrios de autores e historiadores. O segundo captulo aborda a formao do professor tifllogo no Brasil, tendo como pano de fundo a operacionalizao dos conceitos expostos no Captulo 3, isto , a Histria informa o que ocorreu, a anlise aponta as motivaes e, por seu turno, as motivaes (que revelam conceitos) produziro aes que vo moldar o sujeito Professor Tifllogo. O Captulo 3 presta-se a demonstrar e esclarecer a metodologia adotada

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Texto disponvel em , acesso em 29/10/2011, s 21h30.

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nesta dissertao, em relao tanto ao recorte que se d a este trabalho quanto localizao e seleo do material documental e bibliogrfico utilizado e seu relacionamento com trs currculos de formao de docente em educao especial em anlise. Esse captulo apresenta a construo de contextos, a partir do agrupamento das aes motivadas por conceitos similares quanto aplicao da educao da pessoa com cegueira, admitindo-se, nesta pesquisa, que esta aplicao o resultado da compreenso de como deve ser a educao formal de alunos cegos. Os conceitos so, em essncia, atemporais, em razo de que no h nenhuma restrio cronolgica sua prtica, o que se verifica, pela leitura da sucesso de fatos no Captulo 1. No Percurso Metodolgico, h, ainda, o estudo, por correlao e comparao, de trs cursos de formao de profissionais em educao especial. Tal atividade desvela, na prtica, os conceitos estudados e expostos ao longo desta pesquisa de anlise de contedo.

1. HISTRIA DA EDUCAO DO CEGO NO BRASIL Com o objetivo de prover melhor compreenso, a Histria, enquanto Cincia caracteriza perodos cronolgicos com contexto inalterado, ou pouco alterado, como etapas. Temos, assim, por exemplo, Idade Antiga e Idade Mdia. Tais momentos histricos apresentam um contexto que permanece constante, sem mudanas significativas num determinado intervalo de tempo, cuja extenso relativa continuidade do contexto. A sucesso de uma para outra etapa histrica ocorre por ocasio do surgimento de uma nova situao a substituir a anteriormente estabelecida. Nesta pesquisa, voltada anlise da formao do professor tifllogo, realizouse um resgate histrico com vistas s mudanas e caracterizao de contextos4 na educao especial, particularmente aquela voltada ao aluno cego. Tal mtodo foi utilizado com o propsito de organizar a pesquisa e, sobretudo, indicar, a partir das alteraes contextuais, a necessidade de capacitao dos professores tifllogos perante novos panoramas na educao especial e, fundamentalmente, diante de exigncias determinadas por estes cenrios, a impor a este profissional amealhar competncias para preparar o aluno cego para desenvolver-se academicamente e, consequentemente, melhorar sua qualidade de vida. 1.1. Segregao At 18545, a regra geral era que qualquer pessoa nascida com alguma anomalia que impedisse a viso, fosse essa qual fosse, estaria fadada ao confinamento at sua morte, ou ainda, na melhor das hipteses, sorte de ser objeto da misericrdia de outrem. Para compreender esse contexto, tomamos de emprstimo uma observao de Nogueira (2008, p.09), a informar que at o perodo colonial no existia o conceito sobre a criana e muito menos sobre a assistncia criana com deficincia. poca, entendeu-se o Brasil como um pas em que havia assuntos mais prementes do que discutir a deficincia. Como afirma Pessotti (1984), h um contraste entre o descaso em que se v a pessoa com deficincia, no Brasil e osDiversamente de um estudo puramente histrico (perodos cronolgicos com incio e fim), esta pesquisa analisa contextos para o estabelecimento de conceitos de atendimento que podem ser atemporais em sua aplicao. 5 Ano da fundao do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atual Instituto Benjamin Constant) marco histrico para a educao do cego no Brasil (mais detalhes no decorrer deste captulo).4

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estudos e experincias na Europa sobre essa problemtica. Na Europa, os estudos e experincias sobre essa deficincia se desenvolvem com enfoque na hereditariedade, caracterizao de quadros tpicos, etiologia e anatomia, a revelar um olhar mais biolgico e mdico. Jannuzzi (2004, p.63) explica que todos aqueles que ameaavam a segurana da camada social estabelecida se enquadravam como anormais e, desta forma, inicia-se o perodo da segregao de pessoas com deficincia em instituies especializadas. Sassaki (1997) denomina como segregao o conceito de atendimento pessoa com deficincia visando assistncia mdico-social e institucionalizao, com objetivos meramente caritativos, pois a deficincia era entendida enquanto patologia ou disfuno orgnica que no teria cura e cujo tratamento ainda no era considerado possvel. A anlise das informaes e documentaes referentes ao perodo compreendido entre os sculos XIX e XX regido predominantemente, quanto filosofia de atendimento pessoa cega no Brasil, pelo conceito da segregao, possibilita a subdiviso deste perodo em quatro momentos. O primeiro momento compreende o perodo do descobrimento do Brasil at incio do sculo XIX, caracterizado pela roda dos expostos6 nas Casas de Misericrdia, assunto este abordado mais adiante neste captulo, com destaque exclusivo ao acolhimento de crianas rejeitadas e abandonadas, entre estas as com deficincia. O segundo momento da segregao tem incio em meados do sculo XIX, com a vinda das irms de caridade, cuja funo era desenvolverem atendimento educacional, alm de cuidados bsicos de sobrevivncia para estas crianas. O terceiro inicia-se em 1854, com a fundao de uma instituio especfica para a educao da pessoa com deficincia, neste caso, o cego. O quarto tem incio no perodo da Primeira Repblica, quando so proporcionadas oportunidades de convvio social, poltico e acadmico alm dos limites dos muros da instituio para cegos. Propomos esta viso do perodo histrico com o objetivo de esclarecer e demonstrar a evoluo conceitual no atendimento ao aluno cego em quatro

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Instituda no Brasil em 1726 em Salvador/BA, conforme Marclio (2001).

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Momentos: 1 Momento: a segregao total com objetivo meramente de sobrevida, em que a pessoa deficiente era afastada da sociedade para diminuir a taxa de infanticdios nas cidades. A ela se intencionava, ento, proporcionar a oportunidade de sobrevivncia, livr-la do risco do Limbo7, situao em que a Igreja Catlica acreditava estarem aqueles que morriam e no haviam recebido o sacramento do batismo. Alm disso, durante este Momento, as pessoas no tinham outra perspectiva em relao aos deficientes que no fosse de carter mdico, quando possvel, e esperar o passar dos anos para, enfim, atestar o fim da existncia de mais um deficiente. 2 Momento: ainda caracterizado pela segregao total, porm com a novidade do surgimento de um embrio da educao s pessoas deficientes no Brasil, caracterizado pela ampliao de objetivo de atendimento, alm de assistncia na satisfao de suas necessidades fisiolgicas bsicas de manter a sobrevida e oferta de algum tipo de instruo, mesmo que no fosse de forma adequada e eficiente. 3 Momento: a segregao transitria, com o incio da educao dos cegos. O objetivo, alm do aprendizado acadmico com utilizao de recursos especficos como o Braille, tambm se volta para a ampliao do servio oferecido, que desenvolve atividades de vida autnoma, preparo profissional e social, chegando j a um passo do Perodo de Integrao. 4 Momento: segregao parcial, caracterizada por mais uma mudana no olhar quanto ao atendimento da pessoa cega, no mais de uma forma fechada, isolada, mas vivenciando situaes que possibilitassem, de forma mais ampla, alguns aspectos de realizao pessoal. Jannuzzi (2004) escreve que poucos foram os registros escritos sobre a educao para as crianas deficientes, referentes a esta poca. Uma dessas informaes notifica que crianas com algum tipo de deficincia eram abandonadas em locais de pouco movimento, ficando sujeitas a ataques de animais. Aps a instalao das Casas de Misericrdia no Brasil, estas passaram a atender a essas crianas, que eram colocadas na roda de expostos (Figura 1).7

Limbo: seria um lugar para onde iriam as almas inocentes que, sem terem cometido pecados mortais, estariam para sempre privadas da presena de Deus, pois seu pecado original no teria sido submetido remisso pelo batismo. Disponvel em , acessado em 08/09/2011.

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Segundo Marclio (2001), tratava-se de uma caixa de madeira em formato cilndrico, instalada na parede ou janela do hospital. Girava num pino colocado sobre seu eixo vertical e tinha uma plataforma interna giratria, onde era colocado o beb a ser abandonado e, logo aps, girava-se a roda, que o remetia ao interior da instituio.

Figura 1 Roda dos expostosDescrio de Imagem: vide descrio realizada anteriormente por Marcilio (2001) Fonte: http://maemorial.blogspot.com/2011/06/destinos-ligados-enlaco-roda-dos.html

Diante desse quadro desumano, em meados do sculo XIX, surgiu a preocupao em ampliar a assistncia s crianas deficientes e s rfs. Jannuzzi (2004, p. 09) relata que havia possibilidade de no s serem alimentadas, como tambm de at receberem alguma educao. Sobre esta mudana no olhar quanto ao atendimento da pessoa com deficincia, cita-se a colaborao da teoria do conhecimento e, portanto, da teoria de aprendizagem enunciada por Locke8, comentada por Pessotti (1984), quando aborda a tese da tabula rasa:A viso naturalista do educando, liberta de preconceitos morais ou religiosos, a nfase na ordenao da experincia sensorial como fundamento da didtica, a afirmao da individualidade do processo de aprender, a insistncia sobre a experincia sensorial como condio preliminar dos processos complexos de pensamento, a importncia dos objetos concretos na aquisio de noes (PESSOTTI,1984, p.27).

Desta forma, houve a necessidade da vinda, para o Brasil, de algumas freiras (irms de caridade) de diferentes ordens monsticas, para essa funo. Mesmo

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John Locke (1632-1704), fsico e filsofo ingls que enunciou a tese de que a mente humana como uma folha de papel em branco (tabula rasa) ser preenchida com experincias, isto , as pessoas nascem sem conhecimento, mas com capacidade de aprender. (Russell, B. A histria do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro Publicaes, 2001.)

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assim, contudo, os que apresentavam maior deficincia eram mantidos no setor para doentes e alienados, separados dos demais. Inicia-se neste perodo um embrio da educao s crianas com deficincia, fato caracterizador do 2 Momento da segregao no Brasil. Quanto educao formal, Marclio (2005) informa sobre a importncia da Lei Geral de Ensino de 1827, outorgada pelo imperador Dom Pedro I, que incumbe os governantes das cidades, vilas e lugares populosos de criar escolas de primeiras letras. A maior relevncia deste documento legal, em que pesem as enormes deficincias em implementar a ordenao imperial, foi estabelecer social e culturalmente, principalmente entre as elites, a necessidade de prover aos brasileiros de instruo e educao. Saviani (2007a) narra que a Lei Geral de Ensino de 1827 o resultado da discusso sobre a educao pblica, tema proposto em 1826. Segue-se, da, a apresentao e discusso de propostas de ensino que poderiam ser adotados em nosso pas, pelo Imprio. Os aspectos que mais pesaram na escolha de um modelo foram a instruo e educao ao maior nmero possvel de brasileiros, a viabilidade econmica de implantao de escolas e a dotao de meios para seu funcionamento. Deu-se preferncia a um projeto mais barato. Alm de estar em sintonia com o esprito da poca, de difundir o saber em todos os povoados, a questo econmica foi muito importante para a deciso. Assim, o baixo custo do ensino mtuo, tambm conhecido como ensino monitoral ou lancasteriano9, foi a opo mais adequada a esta proposta. Neste exemplo, a opo estatal por uma forma menos dispendiosa de prover a populao de uma educao formal, o motivador principal no foi a qualidade do ensino e, sim, o dinheiro necessrio para estabelec-la. E isso aponta para quais seriam as opes em relao ao deficiente, ou seja, levando em considerao no haver suficincia de recursos para atender aos chamados normais (inclusos neste universo apenas os meninos10), menos ainda queles que no so normais, o que

Segundo Manacorde (1989, p.260 apud SAVIANI, 2007a, p.128): Proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bel, pastor da Igreja anglicana, e Joseph Lancaster, da seita de Quakers, o mtodo mtuo, tambm chamado de monitoral ou lancasteriano, baseava-se no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares dos professores no auxilio de classes numerosas [...]. 10 O artigo 6 indica a quem se aplica a instruo e educao da seguinte forma: Art. 6o Os professores ensinaro a ler, escrever, as quatro operaes de aritmtica, prtica de quebrados, decimais e propores, as noes mais gerais de geometria prtica, a gramtica de lngua nacional, e os princpios de moral crist e da doutrina da religio catlica e apostlica romana, proporcionados

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se traduz por nenhuma ao educativa, apenas a sobrevida em instituies. Em agosto de 1835, de acordo com Veiga (1983), o conselheiro Cornlio Ferreira Frana, deputado pela provncia da Bahia, apresentou um projeto para a criao de uma Cadeira de Professores de Primeiras Letras para Ensino de Cegos e Surdos-Mudos, nas Escolas da Corte e das Capitais das Provncias. Para que tal projeto de lei entrasse na pauta das votaes, o conselheiro necessitava de vontade poltica maior e mais influente para conseguir que seu projeto fosse discutido e votado, o que, infelizmente, no ocorreu, e Ferreira (2004, s.p.) destaca que outras questes tiveram prioridade:O ato Adicional, leis sobre eleies, sobre a Guarda Nacional, muitas outras administrativas e regulamentares de transcendncia e urgentes, eram decretadas ou se discutiam, absorvendo toda a ateno dos poderes do Estado; pelo que a proposta do benemrito conselheiro Frana nem foi discutida nem surgiu mais, submergia sob o peso e a importncia desses outros trabalhos (FERREIRA, 2004, s.p.).

Agravado pelo fato de o conselheiro no conseguir ser reeleito, este assunto no voltou a ser discutido por alguns anos, em nosso pas. No incio do Segundo Imprio no Brasil, no havia nenhum local que oferecesse educao para cegos, e o menino Jos lvares de Azevedo, que nasceu sem viso em 08 de abril de 1834, na cidade do Rio de Janeiro, foi enviado a Paris aos dez anos de idade, em virtude das boas condies financeiras da famlia, para estudar, em regime de internato, no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, mesma escola onde estudou Louis Braille, criador do sistema de leitura e escrita para cegos, chamado de cdigo braille. Lemos (2003) escreve que o primeiro professor de educao de cegos (tifllogo) no Brasil, do qual se tem referncia, Jos lvares de Azevedo, considerado Patrono da Educao de Cegos em nosso pas. Nessa poca, o modelo de formao educacional adotado foi o mtodo de repetidor, ou seja, quando um aluno atingia o estgio de repetir o contedo aprendido de forma integral, ele era habilitado a atuar como professor repetidor e, assim, podia ensinar outros alunos. Outro fator importante a contextualizar o momento brasileiro pela metade do sculo XIX a presso exercida pela Inglaterra contra o trfico de escravos. O fato em si no altera a condio do aluno cego, todavia a motivao para tal manobracompreenso dos meninos; preferindo para as leituras a Constituio do Imprio e a Histria do Brasil. (Marcilio, 2005, p. 47). Grifo nosso.

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poltica residiu em que as pessoas, indistintamente, devem ser entendidas e acolhidas como iguais, a ecoar o lema da Revoluo Francesa de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O reconhecimento, potencializado pelo movimento abolicionista, do valor de todos os seres humanos aponta, em primeira mo, condio dos negros, discriminados e excludos, todavia h neste momento o incio de uma alterao significativa no contexto social brasileiro que ir influenciar a viso da sociedade em relao s pessoas com deficincias. Pode-se inferir que nessa luta pela igualdade de condies entram tambm as pessoas com deficincia, as quais no tinham respeitados seus direitos e necessidades. Em 1850, aps encerrar seus estudos, Jos lvares de Azevedo retornou ao Brasil. LEMOS (2003, s.p.) escreve que ele retornara com o propsito de difundir o Sistema Braille e com o ideal de poder criar uma escola para cegos, semelhante ao Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris. Indignado com a falta de oportunidades e de servios de atendimento, voltados s pessoas cegas no Brasil, resolveu traduzir e publicar o livro sobre a escola em que estudou em Paris. Ao ler o livro, o Dr. Jos Francisco Xavier Sigaud, mdico francs, responsvel pela sade da famlia imperial de D. Pedro II, contatou o autor e o contratou para ser professor de sua filha cega, Adle Marie Louise. Assim como fez com Adle, Azevedo ensinou a ler e escrever a outras pessoas cegas, tornando-se, assim, o primeiro professor de pessoas cegas. O professor Azevedo, por intermdio do Dr. Sigaud e de Jos Pereira de Faro (Baro do Rio Bonito), poltico brasileiro, conseguiu uma audincia com o imperador D. Pedro II. Na ocasio, apresentou o Sistema Braille, demonstrando a possibilidade da escrita e leitura das pessoas cegas, o que sensibilizou o imperador. Este fato foi registrado da seguinte forma:O Imperador D. Pedro II, vivamente interessado e sensibilizado com tal demonstrao, proferiu a clebre frase histrica: a cegueira j quase no uma desgraa (LEMOS, 2003, s.p.).

Veiga (1983) narra em sua obra a sua verso sobre a empreitada do jovem Azevedo em busca da conquista de seu ideal:Subia e descia as escadas do Pao: ia aos saraus dos poderosos, como animal de circo, exibir o de que era capaz, e mostrar o que queria dar a seus irmos de infortnio no Brasil. No havia como resistir a tamanho idealismo. Aos embates macios das solicitaes instantes, decidiu-se o governo a instalar o sonhado instituto, mesmo com estorno de verbas, antes que o Parlamento decretasse a sua fundao (VEIGA, 1983, p. 32).

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Configura-se um intimismo sombra do poder, que Coutinho, citado por Jannuzzi (2004, p. 11), explica como sendo a cooptao da intelectualidade pelos mecanismos de poder. Paralelo a este movimento poltico de sensibilizao com objetivo de fundao deste Instituto, tambm se observa o fato de o Dr. Sigaud participar como membro da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e de constituir-se nesta poca o incio do envolvimento direto de Associaes Mdicas com movimentos de fundao de instituies voltadas ao atendimento de pessoas com deficincia. O Dr. Sigaud e Azevedo subscreveram e entregaram ao ministro Secretrio de Estado dos Negcios do Imprio, Luiz Pereira do Couto Ferraz, um requerimento, em janeiro de 1853, para que fizesse um projeto para uma escola. Este projeto resultou, depois de passado mais de um ano da data de entrega do documento inicial, no Decreto Imperial n. 1.428, de 12 de setembro de 1854, aprovado por D. Pedro II, criando o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, na cidade da Corte, Rio de Janeiro (BUENO, 2004). Em 17 de maro de 1854, em plenos preparativo para a implantao do Instituto, falece o professor Azevedo, vtima de um abscesso profundo de fossa ilaca11: Um abscesso por congesto, que se abriu na parte superior da coxa esquerda, debaixo do ligamento de Poupart, foi o diagnstico do mdico Sigaud (VEIGA, 1983, p. 33). Mazzotta (2005) relata que a fundao desta instituio representou o incio da Educao Especial no Brasil, por caracterizar o primeiro modelo oficial de atendimento educacional a pessoa com deficincia, evidenciado pelo registro do artigo publicado no Jornal do Comrcio, nmero 2.419, de 20 de setembro de 1854, com o trecho do discurso do Dr. Sigaud no ato de inaugurao, no que se refere finalidade da instituio:O Instituto tem por fim educar meninos cegos e prepar-los segundo sua capacidade individual, para exerccio de uma arte, de um ofcio, de uma profisso liberal. , pois, uma casa de educao e no um asilo, e muito menos um hospcio; uma trplice especialidade, msica, trabalhos, cincia, eis o que constitui sua organizao especial (LEMOS; FERREIRA, 1995, s.p.).

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Estrutura anatmica que compe o abdome inferior, limitada pelo ilaco, limitada por linhas que unem o umbigo ao pbis e outra que se projeta do umbigo, paralela aos flancos; contm projeo de estruturas de importncia como apndice vermicular, clon ascendente, ovrios, trompas, clon sigmide, ureteres. Disponvel em , acesso em 20/10/2010.

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Configura-se, assim, o incio do 3 Momento de segregao no Brasil, por via de instituies especficas para a educao da pessoa com deficincia, neste caso, o cego. No ato da inaugurao, em 17 de setembro de 1854, foram nomeados os seguintes profissionais: diretor do Instituto, o Dr. Jos Francisco Xavier Sigaud, professor de primeiras letras, o Dr. Pedro Jos DAlmeida, mdico, que, segundo o registro de Ferreira (2004, s.p.), se havia com antecedncia habilitado para o ensino dos cegos pelo mtodo dos pontos salientes (sistema braille). Para Professor de Msica Vocal e Instrumental, o Sr. J. J. Lodi e para Repetidor, o Sr. Carlos Henrique Soares, cego de nascena, segundo registro do artigo publicado no Jornal do Comrcio, nmero 2.419, de 20 de setembro de 1854. No que se refere aos critrios de admisso de alunos na instituio, veja-se o Captulo III, artigo 23, inciso II do Regulamento Provisrio, que evidencia a necessidade de atestado mdico de cegueira:A admisso no Instituto depender de autorizao do Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios do Imprio, devendo o pretendente juntar ao requerimento: I Certido de batismo ou justificao de idade; II Atestado do mdico do estabelecimento do qual conste ser total a cegueira; III No caso de ser gratuita a admisso, atestado do proco e de duas autoridades do lugar da residncia do aluno, provando a sua indigncia; nesta hiptese, a certido de batismo poder ser suprida por informao escrita do proco e daquelas autoridades (HILDEBRANDT, 2004, s.p.).

Interessante frisar que, no artigo 25 deste mesmo captulo, os escravos que porventura fossem cegos no tinham o direito de frequentar o recm-fundado Instituto. Os nmeros de atendimentos no Imperial Instituto dos Meninos Cegos eram precrios, pois atendia apenas 35 dos 15.848 alunos cegos existentes no pas, na poca. Porm, o ensino oferecido de nvel primrio e alguns ramos do secundrio, somados ao ensino religioso e da moral, da msica, ofcios fabris e trabalhos manuais eram considerados de alto padro, se comparados ao oferecido nas escolas pblicas da poca, como evidencia o Captulo IV, artigos de 26 a 29, no mesmo material publicado, citado anteriormente:Art. 26. As matrias do ensino nos trs primeiros anos sero: leitura, escrita, clculo at fraes decimais, msica e artes mecnicas adaptadas idade e fora dos meninos. Na leitura se compreende o ensino de catecismo.

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Art. 27. No quarto ano, ensinar-se-: gramtica nacional, lngua francesa, continuao da aritmtica, princpios elementares de geometria, msica e ofcios mecnicos. Art. 28. Do quinto ano em diante, ter lugar, alm das matrias do artigo precedente, o ensino de geometria plana e retilnea, de histria e geografia antiga, mdia e moderna e leitura explicada dos evangelhos. Art. 29. No ltimo ano, o estudo limitar-se- histria e geografia nacional e ao aperfeioamento da msica e dos trabalhos mecnicos para o que maior aptido tiver mostrado os alunos (HILDEBRANDT, 2004, s.p.).

Aos alunos que demonstravam aptido na rea da mecnica concedia-se o direito de aulas complementares de geometria descritiva e princpios gerais de mecnica, garantidos no artigo 32 do Captulo referido acima. Em 1856, com a morte do Dr. Sigaud, o conselheiro Cludio Lus da Costa assume a direo do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, buscando melhorar o funcionamento da instituio com a contratao de profissionais que lhes ensinassem os ofcios de empalhador de cadeiras, tamanqueiro, torneiro e encadernador, alm de uma mestra em costura. A partir de 1869 Benjamin Constant passa a ser o diretor do Instituto. O ministro do imprio Jos Liberato Barroso foi responsvel pelo primeiro estudo sobre a educao do nosso pas, chamado de A instruo pblica no Brasil, de 1867, no qual abordou diversos assuntos, dentre eles a educao das pessoas com deficincia. Este estudo subsidiou diversos trabalhos e projetos: era a primeira sistematizao de dados referentes educao.A obra de Liberato Barroso pode ser considerada o primeiro estudo de conjunto sobre a educao brasileira. Aborda os vrios ramos e nveis de ensino, no apenas os tradicionais, como o primrio, secundrio e superior, mas tambm o profissional, o ensino religioso, normal, militar e de adultos e outros ento no contemplados como o ensino de excepcionais (SAVIANI, s.d., p. 5377).

Na era imperial brasileira, em um pas de economia baseada na agricultura em que a mo de obra era rural, o trabalhador letrado no se fazia necessrio, muito menos investir na educao de pessoas que no poderiam tornar-se mo de obra qualificada. A partir de 1870, entretanto, inicia-se a fase da industrializao no Brasil e segue-se toda a decorrente mutao nas estruturas demogrfica, econmica, cultural e poltica. A partir da, comea-se a empregar assalariados: brasileiros e imigrantes, estes, que aderem ao movimento pela abolio da escravatura. Em 1888, a regente do imprio, princesa Isabel, sancionou a Lei n 3.353, conhecida

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como Lei urea, que extingue a escravido em nosso pas. Em 1879, com o Decreto Imperial n 7.247, chamado de Reforma Lencio de Carvalho, no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem, o mtodo adotado passou a ser o intuitivo ou lies de coisas; nos artigos 4 e 9, propese a adequao deste processo s necessidades e s exigncias sociais decorrentes da revoluo industrial (SAVIANI, 2007a, p.138). Os profissionais das chamadas camadas mdias urbanas, s quais o professor pertencia, no possuam poder poltico algum, portanto estavam impedidos de qualquer possibilidade de reivindicar uma poltica pblica educacional de qualidade. Este poder pertencia nica e exclusivamente aos senhores de engenho, aos produtores de caf, criadores de gado e mineradores, os quais organizavam tambm uma economia que no os prejudicasse, dentro das possibilidades do capitalismo mundial na fase imperialista (JANNUZZI, 2004, p.22). A mesma autora registra que D. Pedro II convocou, em 12 de dezembro de 1882, o I.o Congresso de Instruo Pblica, previsto para 1883, em cujos temas proposto estava o currculo para formao de professores para cegos. A partir da leitura do trabalho de Schelbauer (s.d.), sabe-se que o Congresso no ocorreu devido falta de verba e pela troca dos membros do GabineteConservador. Entre as substituies, cita-se a do ministro do imprio Leo Veloso, pelo liberal Francisco Antunes Maciel. Mas, ao analisar os dados do planejamento do

evento, consta na pauta das discusses previstas, no item da Primeira Sesso: Instruo primria, secundria e profissional, a 25 questo, o tema Educao dos cegos, e o nome do Dr. Feliciano Pinheiro de Bittencourt12 como responsvel por tal debate. O contexto poltico brasileiro alterado drasticamente, em 15 de novembro de 1889, com a Proclamao da Repblica do Brasil, perodo que, at o ano de 1930, ficou conhecido como Repblica Velha. O domnio poltico ficou por conta das elites agrrias mineiras, paulistas e cariocas. Na economia, o Brasil firmou-se como um pas exportador de caf, e a indstria deu um significativo salto. O contexto social marcado por muitos problemas e manifestaes em todo o territrio. Por motivo do fim do Perodo Imperial, o Governo Provisrio resolveu modificar o nome do Imperial Instituto de Meninos Cegos que, por meio do Decreto12

Nascido em 08 de junho de 1854, em Santa Maria RS. Formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1878.

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193, de 30 de janeiro de 1890, passou a ser denominado de Instituto Nacional dos Cegos. Hildebrandt (2003) relata que, nesta poca, ficou determinado pelo novo Regulamento que tal Instituto teria como fim ministrar atendimento de instruo primria e secundria s crianas e, quanto s demais atividades, deveria:[...] atender ao ensino do maior nmero possvel de artes, indstria e ofcios fabris que lhes sejam de reconhecida utilidade e lhes sirvam de ocupao decente e todo auxlio e proteo de que caream para facilitar-lhes os meios de dar livre expanso s suas diversas aptides fsicas, morais e intelectuais, e a todas as suas legtimas aspiraes em proveito seu, de suas famlias e da ptria (HILDEBRANDT, 2003, s.p.).

O Dr. Benjamin Constant, mesmo na posio de ex-diretor, foi quem proporcionou vrias oportunidades de integrao dos alunos do Instituto quanto participao em diversas atividades tanto de cunho poltico, como cultural e social:Alunos internados saindo constantemente a participar de acontecimentos sociais do pas. Alunos constantemente visitados pelas mais altas expresses do pensamento da poca, alunos que prendiam a ateno e a curiosidade alheias, pelo alto adestramento que vinham atingindo (VEIGA, 1983, P. 34).

Nota-se, neste perodo de segregao, mais uma mudana no olhar quanto ao atendimento da pessoa cega, no mais de uma forma fechada, isolada, mas vivenciando situaes que possibilitassem uma ampliao de horizonte, o que configura o 4 Momento na histria de segregao brasileira. O Servio de Higiene e Sade Pblica, criado na poca Imperial de 1889 em algumas provncias, apresentou repercusso na educao da pessoa com deficincia:Em So Paulo, esse setor deu origem a Inspeo Mdico-Escolar, com o projeto do doutor Francisco Sodr, mdico puericultor e socilogo, submetido Cmara dos Deputados que em 1911 foi responsvel pela criao de classes especiais e formao de pessoal para trabalhar com esse alunado (JANUZZI, 2004, p.33-34).

Em 24 de janeiro de 1891, um novo decreto, de n 1.320 modifica novamente o nome do Instituto, passando a ser denominado Instituto Benjamin Constant, em homenagem memria de seu diretor, o Dr. Benjamin Constant Botelho de Magalhes, falecido em 22 de janeiro de 1891. Antnio Pessoa de Queiroz, cego desde os trs anos de idade por motivo de brincadeiras com fogos de artifcio em festa junina, sobrinho do ex-presidente da Repblica Epitcio Pessoa, foi aluno do Instituto Benjamin Constant e, ao se formar,

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ganhou uma viagem para Europa, por mrito. Entretanto, solicitou que a quantia do prmio pudesse ser utilizada para abrir uma casa que apoiasse os deficientes visuais no Recife e, em 12 de maro de 1909, funda o Instituto de Cegos do Recife. At esse ano, o Instituto Benjamin Constant era a nica escola especializada para alunos cegos, no Brasil. Os servios de Inspeo Sanitria Escolar tinham, em 1910, como objetivo, a vigilncia quanto higiene das escolas e inspeo geral de sade, mas, segundo relatrio desse servio, nada consta explicitamente em relao pessoa com deficincia, apenas que dentre os 41.479 dos alunos registrados, detectaram-se dois casos de nervosos, no se referindo explicitamente a algum tipo de deficincia. Santos (1995) adita aos fatos narrados que, na primeira metade do sculo XX, o modelo educacional de atendimento pessoa cega era o segregado e em instituies de regime de internato, panorama modificado pelo movimento de integrao na Europa, que surgiu como decorrncia histrica de trs fatores: duas guerras mundiais, fortalecimento do movimento pelos direitos humanos e avano cientfico. No final do sculo XIX, ocorrem vrios acontecimentos de ordem mundial, tais como a partilha dos continentes frica e sia, que, agravados por outros tantos ocorridos no incio do sculo XX, acabam por desencadear a Primeira Guerra Mundial, que acontece de 1914 a 1918, entre o Imprio Alemo, aliado aos imprios ustro-Hngaro e Turco-Otomano contra o Imprio Britnico, a Frana, a Rssia e os Estados Unidos. Para compensar a ausncia dos homens que foram para a Guerra, as mulheres, anteriormente vistas apenas como reprodutoras e responsveis pela criao dos filhos e cuidados com a casa, assumiram o papel de responsveis pelo sustento da famlia, ingressando no mercado de trabalho. Este fato tambm responde por uma importante alterao no contexto social e econmico. Com o fim da I.a Guerra Mundial, apesar da grande crise financeira, Gugel (s.d., s.p.) cita que era necessrio que os governos se preocupassem com o desenvolvimento de procedimentos de reabilitao dos ex-combatentes, melhorando a reabilitao dos jovens veteranos. Em 1919, criada a OIT Organizao Internacional do Trabalho, que, entre suas funes, se propunha tratar da reabilitao das pessoas portadoras de mutilaes ou leses incapacitadoras, para o trabalho.

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Jannuzzi (2004) registra que, em 1924, o Servio de Sade Escolar e Higiene Mental, por sua ligao com a educao de deficientes, realizou a distribuio de folhetos intitulados Educao de crianas anormais. A autora citada no pargrafo anterior, ao abordar o assunto do amadurecimento de um novo olhar interdisciplinar da sade, no sentido da preocupao em oferecer atendimento mdico-pedaggico, afirma que:J era a percepo da importncia da educao; era j o desafio trazido ao campo pedaggico, em sistematizar conhecimentos que fizessem dessas crianas participantes de alguma forma da vida do grupo social de ento. [...] Elas colocam de forma dramtica o que se vai estabelecendo na educao do deficiente: segregao versus integrao na prtica social mais ampla (JANUZZI, 2004, p.38).

Em So Paulo, no ano de 1922, Amadeu Moretti, Paulo Salvagnini e Joo Salvagnini, ex-alunos do Instituto Benjamin Constant, de origem paulista, procuram apoio de um lder maom para a criao de um instituto de amparo e proteo aos cegos e, em 1924, conseguiram que:[...] o Dr. Pedro Voss, ento Diretor Geral do Ensino, ofereceu uma casa em Jacare para servir de escola e abrigo para cegos, mas, a revoluo que se instaurou naquela poca em nosso Estado no permitiu que a iniciativa se concretizasse (MACIEL, 1960, p.11).

Graas iniciativa de ex-alunos do Instituto Benjamin Constant (Aires da Mata Machado e Joo Gabriel de Almeida), segundo Gabaglia (2003, s.p.), que pleitearam junto ao Governo de Minas Gerais a criao de uma Escola para deficientes visuais, conseguiu-se esse intento. Assim, em virtude da Lei n. 895, de 10 de setembro de 1925, inaugurado em Belo Horizonte o Instituto So Rafael, com a finalidade bsica de educar deficientes visuais. Em 1927, aps 18 anos de funcionamento, o Instituto de Cegos de Recife fechado, sendo reaberto somente em 1935, pelo ento governador de Pernambuco, Barbosa Lima, j no endereo onde se encontra at hoje, na Rua Guilherme Pinto n 146, bairro das Graas, e tendo como mantenedora a Santa Casa de Misericrdia e, como presidente, o arcebispo de Olinda e Recife. Na reunio de comemorao Semana Oftalmo-Neurolgica da Sociedade de Medicina e Cirurgia de So Paulo, realizada em 7 de setembro de 1927, o Dr. Jos Pereira Gomes lanou um apelo para que, em funo do nmero cada vez maior de cegos, que viviam sem assistncia social e completamente desamparados, se tomasse alguma providncia a esse respeito. Desta iniciativa preciosos donativos

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foram obtidos, com apoio de autoridades estaduais, municipais, eclesisticas e do povo paulistano, tais como terrenos e grandes somas em dinheiro para construo do edifcio destinado ao ento nomeado Instituto de Cegos Padre Chico, que foi inaugurado em 29 de novembro de 1929. A direo da entidade foi entregue s filhas da caridade de So Vicente de Paulo desde a sua fundao. No governo Getlio Vargas, em 1930, foi criado o Ministrio dos Negcios da Educao e Sade Pblica, que, em 1937, passou a chamar-se Ministrio da Educao e Sade. Nesta poca, a concepo de deficincia estava ligada ao coeficiente intelectual - QI13, e sendo esse, segundo Jannuzzi (2004), ligado ao rendimento escolar, enquanto a proposta pedaggica se baseava na montagem de classes homogneas; a educao das pessoas com deficincia era realizada em classes especiais ou ficava a cargo de instituies especializadas. No dia 30 de abril de 1933, foi inaugurado, pelo Prof. Alberto de Assis, o Instituto de Cegos da Bahia, com o objetivo de amparar cegos de diversas faixas etrias e de ambos os sexos que viviam abandonados pelas ruas, sem nenhuma assistncia. Por alguns anos, eles viveram num casaro no Barbalho doado pela Prefeitura e, ao serem albergados, trabalhavam na confeco de vassouras, visando garantir sua sobrevivncia. Em 1934, elaborada uma nova Constituio no Brasil, que, em grande parte, estabelecia e assegurava direitos trabalhistas, mas que, em seu artigo 149, tambm afirmava a educao como um direito de todos e, no artigo 150, letra a, que deveria ser gratuita por isso e obrigatria, mas nada mencionado em relao educao das pessoas com deficincia. Igualmente, na Constituio dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 e na Constituio Brasileira de 1946, no h meno educao da pessoa com deficincia. O Instituto Santa Luzia fundado em 1941, no Rio Grande do Sul, formando, segundo Maciel (1960, p. 11), a quinta das instituies de maior prestgio em nossa ptria, juntamente com o Instituto Benjamin Constant do Rio de Janeiro, o Instituto Padre Chico de So Paulo, o Instituto So Rafael de Minas Gerais e o Instituto de13

Quociente de inteligncia (abreviado para QI, de uso geral) uma medida obtida por meio de testes desenvolvidos para avaliar as capacidades cognitivas (inteligncia) de um sujeito, em comparao ao seu grupo etrio. A medida do QI normalizada para que o seu valor mdio seja de 100 e que tenha um determinado desvio padro, como 15. Texto disponvel em , acesso em 06/08/11.

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Cegos da Baa. A II Grande Guerra Mundial encontra seu fim em 1945 e, com a necessidade urgente de uma reorganizao das naes, cria-se a ONU Organizao das Naes Unidas (em substituio Liga das Naes), com objetivo de buscar, com todos os pases membros, solues dos problemas que assolavam o mundo. Uma vez que os temas centrais foram divididos em agncias, o ENABLE tornou-se a Organizao das Naes Unidas para Pessoas com Deficincia. Em 1948 foi publicada a Declarao Universal dos Direitos Humanos, que representa uma recomendao aos pases membros da ONU e proclama trs princpios fundamentais em matria de direitos humanos: a liberdade, a igualdade e a fraternidade, afirmando que toda pessoa tem direito educao. Na dcada de 30, a educao das pessoas com deficincias era realizada em classes especiais, ou a cargo de instituies especializadas. Mas, a partir de 1948, tem incio a valorizao e os investimentos em relao aos atendimentos realizados dentro de escolas do ensino regular, e as escolas residenciais apresentaram dificuldades em se manterem nos moldes da segregao:Acirraram-se contra as escolas residenciais, abandonando sua verdadeira histria, tornando-as esquecidas do governo. Este passou a no melhorar os internatos existentes nem criar novos, no mal pressuposto de que os cegos vo sendo educados nas escolas comuns (VEIGA, 1983, p. 36).

A partir dessa poca, passou-se a pensar na possibilidade de atendimento pessoa cega na escola regular, com base no conceito de que os direitos humanos assistem a todos os cidados indistintamente. 1.2. Integrao A filosofia da Integrao Escolar nasce do Princpio da Normalizao, caracterizado pela aceitao da existncia das diferenas humanas:[...] dentro de um contexto que possa oferecer a cada um dos seus membros as melhores condies para desenvolvimento mximo de suas capacidades, pondo ao seu alcance os mesmos benefcios e oportunidades de vida normal (BOTURA; MANZOLI, 2006, p. 05).

Aranha (1995, p.06) entende a Normalizao como um dos produtos do momento histrico de acolher a pessoa com deficincia, oferecendo suporte filosfico aos movimentos de desinstitucionalizao e de integrao social da pessoa com deficincia. Existem registros da existncia crescente de outras presses e

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questionamentos com origens e motivos dos mais variados, como a mudana quanto aos interesses de natureza poltico-administrativa da poca, em relao movimentao do capital do mundo ocidental, para um modelo de caractersticas comerciais e no mais mercantilistas, transformando-se num capitalismo financeiro. Consequentemente, estes fatores favoreceram a acelerao e o crescimento do movimento de integrao:O interesse do sistema, ao qual custava cada vez mais manter a populao institucionalizada, na improdutividade e na condio crnica de segregao; assim, tornava-se interessante o discurso da autonomia e da produtividade, para a administrao pblica dos pases que se adiantavam no estudo do sistema de ateno ao deficiente (BRASIL, 2000, p. 14-15).

Veiga (1983, p. 36) relata que o Brasil seguiu a tendncia internacional de incumbir s escolas comuns a educao dos alunos cegos, iniciando o chamado perodo de Integrao. Como em toda mudana de concepo, a transio dificilmente realizada de forma tranquila, haja vista as escolas residenciais que apresentaram dificuldades em se manter nos moldes da segregao. Inicialmente, a integrao significou capacitar, habilitar ou reabilitar a pessoa com deficincia para torn-la capaz de participar, de forma mais natural possvel, da sociedade, especialmente da escola. Isso fez com que as instituies passassem a oferecer servios que possibilitassem aos deficientes maior acesso e condies de vivenciar seu cotidiano por meio das atividades oferecidas. Este modelo, segundo publicao do MEC/SEESP, denominado Paradigma de Servios e geralmente se apresentava organizado em trs etapas:a primeira, de avaliao, em que uma equipe de profissionais identificaria tudo o que, em sua opinio, necessitaria ser modificado no sujeito e em sua vida, de forma a torn-lo o mais normal possvel; a segunda, de interveno, na qual a equipe passaria a oferecer (o que ocorreu com diferentes nveis de compromisso e qualidade, em diferentes locais e entidades), pessoa com deficincia, atendimento formal e sistematizado, norteado pelos resultados obtidos na fase anterior; a terceira, de encaminhamento (ou re-encaminhamento) da pessoa com deficincia para a vida na comunidade (BRASIL, 2000, p. 16-17).

De acordo com Sassaki (1997), a integrao tinha o mrito de inserir o aluno com deficincia na sociedade, desde que ele estivesse de alguma forma, capacitado a superar barreiras arquitetnicas, pedaggicas e atitudinais nela existentes; ou seja, era uma via de mo nica, pois a responsabilidade de adequao seria unicamente da parte da pessoa com deficincia, enquanto, para receb-la, no

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caberia nenhuma modificao significativa quanto ao cotidiano da sociedade. Sassaki ainda manifesta seu entendimento e argumenta que houve um erro de interpretao quanto ao princpio de Normalizao: a ideia inicial foi, ento, a de normalizar estilos ou padres de vida, mas isso foi confundido com a noo de tornar normais as pessoas deficientes (SASSAKI, 1997, p. 32). O termo ensino integrado ou integrao passou a ser utilizado como uma referncia ao movimento que tambm ocorria na Europa e nos Estados Unidos, chamado de mainstreaming, o que, traduzido do ingls, significa um movimento de insero (de algum ou de algo) dentro do fluxo principal, por oposio ao termo marginalizao, ento utilizado. (SANTOS, 1995, p.23) Este movimento de integrao acadmica do aluno com deficincia ocorreu em diversos nveis de servios e modalidades de atendimento da Educao Especial, chamado de Sistema de Cascata, ou seja, partia dos mais segregados aos menos segregados, sistematizando o nvel de integrao de acordo com a necessidade de cada aluno, tais como:1. HOSPITAL OU INSTITUIO felizmente, esta opo j quase no existe, em funo da tendncia da desinstitucionalizao; 2. ENSINO DOMICILIAR - atendimento educacional prestado ao portador de necessidades educativas especiais, em sua casa, mediante a impossibilidade de frequentar a escola; 3. ESCOLA RESIDENCIAL - uma escola onde os alunos tambm vivem, podendo sair nos finais de semana. a forma mais antiga de atendimento educacional especializado e os sistemas educacionais praticamente no oferecem mais, por ser muito segregativo: afasta o aluno do convvio com os demais alunos, do convvio familiar e da comunidade; 4. ESCOLA ESPECIAL - uma instituio especializada, destinada a prestar atendimento psicopedaggico a educandos portadores de 14 deficincias e condutas tpicas , onde so desenvolvidos e utilizados, por profissionais qualificados, currculos adaptados, programas e procedimentos metodolgicos diferenciados, exigindo equipamentos e materiais didticos especficos; 5. CLASSE ESPECIAL - sala de aula em escola regular organizada como ambiente prprio e adequado ao processo ensino-aprendizagem dos alunos portadores de necessidades educativas especiais, onde professores capacitados utilizam mtodos, tcnicas e recursos pedaggicos especializados e, quando necessrio, equipamentos e materiais didticos especficos;

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Manifestaes tpicas de sndromes e quadros neurolgicos, psicolgicos ou psiquitricos persistentes que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuzos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado (BRASIL, 1994b)

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6. SALA DE RECURSOS - funciona em escola regular e dispe de equipamentos e recursos pedaggicos especficos e professores especializados para atuar junto ao educando com necessidades educativas especiais; 7. ENSINO COM PROFESSOR ITINERANTE - professor especializado que, periodicamente, vai escola regular onde estuda o educando portador de necessidades educativas especiais para trabalhar com o mesmo e com seu professor, oferecendo ensino, orientao e superviso; 8. CONSULTORIA - o professor especializado no trabalha diretamente com o aluno. Ele apenas orienta o professor da turma comum em sua ao pedaggica (BRASIL, 1998, p. 48-50).

No processo de integrao do aluno cego, as instituies j existentes procuraram se adaptar para atender a nova proposta de atendimento, como o caso do Instituto Benjamin Constant, que providenciou a ampliao do prdio, possibilitando a expanso, tanto no nmero de alunos atendidos como nos servios oferecidos fato que foi significativo e passando a exigir uma reforma em seu Regimento Interno. Em artigo de Hildebrandt (2004, s.p.), o autor observa que os atendimentos do IBC passaram a abranger uma educao que atendia s especificidades de crianas cegas e amblopes (baixa viso) nos nveis da educao pr-escolar e psescolar dos alunos, entre outros servios. Masini (2002) registra um exemplo de integrao de aluno cego no ensino regular do Estado de So Paulo em 1943, com o relato pessoal de Dorina Nowill sobre sua matrcula, cega aos 17 anos vtima de uma enfermidade no diagnosticada, no curso Normal do Instituto Caetano de Campos:A entrada para a Escola Caetano de Campos foi um marco em minha vida. Interessante lembrar que muitos diretores do Departamento de Educao do Estado de So Paulo no acreditavam na possibilidade de minha participao como aluna regular no Curso Normal. [...] Ele afirmava que eu me sentiria muito infeliz e muito frustrada... O cego pode ficar frustrado por situaes ambientais pouco farovveis. Quantos alunos videntes por razes outras no se sentem tambm frustrados? (MASSINI, 2002, p.281).

O Decreto n. 19.256, de 09 de setembro de 1945, que trata da reforma do Regimento Interno do Instituto Benjamim Constant, adaptando-o ao novo modelo de atendimento ao aluno cego, influenciou, segundo Mazzotta (2005, p.33), a edio da Portaria Ministerial n. 385, de 8 de junho de 1946 (no ento Ministrio da Educao e Cultura). Esse instrumento legal foi responsvel pela equiparao do curso ginasial oferecido nesta instituio em relao ao do ensino regular, possibilitando aos alunos cegos, a partir de 1950, o direito a um diploma com validade

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reconhecida. Esse fato considerado o incio da integrao acadmica destes alunos na histria da educao no Brasil, como se pode ler no artigo do autor Hildebrand (2003):Em 1950, os trs primeiros diplomados em nosso Curso Ginasial ingressaram no curso Clssico do Colgio Malet Soares, dando incio ao processo de integrao de estudantes cegos ao segundo ciclo do ensino mdio, e, em 1953, os mesmos alcanaram a Universidade (HILDEBRAND, 2003, s.p.).

Pimentel (1997) narra que a Portaria Ministerial, MEC, n. 385 (1946) foi resultado da luta, principalmente, de uma pessoa com deficincia visual, Jos Espnola Veiga, que, na condio de aluno interno desde os 08 anos de idade no Instituto Benjamin Constant, foi aprovado no vestibular da Universidade do Brasil, hoje chamada de Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse candidato, entretanto, foi impedido de curs-la devido falta de reconhecimento do sistema educacional oferecido na poca pela instituio na qual estudou grande parte de sua vida. H, tambm, registro de outras pessoas com deficincia visual, empenhadas em colaborar quanto questo do acesso educao de qualidade do aluno cego no Brasil, Dorina de Gouva Nowill, que, aos 26 anos, juntamente com outras colegas normalistas, criou, em 11 de maro de 1946, em So Paulo, a Fundao para o Livro do Cego no Brasil - FLCB, com o objetivo de difundir o livro em braille no pas, pois esta tinha sido uma das grandes dificuldades enfrentadas por ela e muitas outras pessoas com deficincia visual ao ingressarem na vida acadmica. A mesma professora Dorina, que, por ocasio de um curso de especializao em educao de cegos no Teachers College da Universidade de Colmbia, nos Estados Unidos, participou de uma reunio, onde exps a temtica. O resultado veio em 1948, com a Fundao do Livro do Cego no Brasil, que recebeu uma imprensa braille completa da Kellogs Foundation e da American Foundation for Overseas Blind, tornando-se a primeira imprensa braille do Brasil15. Esta mesma imprensa passa a garantir, em 1949, por meio da Portaria Ministerial n. 504, a distribuio gratuita de livros em braille para todo o Brasil, iniciativa que colaborou para a efetivao do acesso de alunos cegos na vida acadmica.15

Disponvel em >, acesso em 21/08/2011 as 21h00.

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Em 1947, foi criado o Instituto Nacional de Pedagogia, tornando-se posteriormente o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, utilizando a sigla Inep, e responsvel por centralizar informaes e promover estudos sobre educao. O Conselho Nacional de Educao, em 1953, por via da Portaria Ministerial, MEC, n. 12, ao deliberar sobre a legislao de ensino brasileira, autoriza o acesso aos cegos nos cursos universitrios. Exemplo disso o Parecer n. 50 da Comisso de Legislao do Conselho Nacional de Educao, favorvel ao ingresso de aluno cego no curso de Geografia e Histria da Faculdade Fluminense de Filosofia (BRASIL, 2000, p. 30). Dando continuidade ao processo de integrao, no Estado de So Paulo, houve a necessidade da criao de um atendimento educacional especializado aos alunos cegos, com o objetivo de desenvolver neles habilidades e conhecimentos necessrios para serem integrados em sala de aula comum com os demais alunos; oferecer apoio a esses alunos deficientes visuais, quando se apresentavam prontos para migrar para as salas de aulas regulares, que, de acordo com Masini (1993), teve primeiramente carter experimental e, posteriormente, em 1956, de forma definitiva. Masini (1993) ainda declara que A freqncia em escolas comuns ampliou-se e no deixou dvidas quanto possibilidade de ajustamento social do aluno DV e em nvel satisfatrio de seu desempenho de aprendizagem (MASINI, 1993, p.63). Neste sentido, o ento governador Lucas Nogueira Garcez, do Estado de So Paulo, promulga a Lei n. 2.287, de 03 de setembro de 1953, que dispe sobre a criao de Classes Braille nos cursos pr-primrio, primrio, secundrio e de formao profissional em geral. Em 1954, garantido por Getlio Vargas, ento presidente, o direito de voto pessoa cega, sendo este considerado uma conquista dessa parcela da populao, como cidados. Observe-se que, at a data em questo, o cego ainda no considerado pessoa na ampla concepo do termo, visto no ser capaz de exercer direitos polticos (votar e ser eleito, por exemplo). Neste mesmo ano, como mais uma forma de ateno do Governo do Estado de So Paulo, em prol de entidades voltadas ao atendimento de pessoas com deficincia visual, publicado o Decreto n. 40.269, de 15 de fevereiro de 1954, declarando de utilidade pblica o Instituto Padre Chico e a Fundao para o Livro do Cego no Brasil.

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Em 06 de julho de 1955, Jnio Quadros, governador do Estado de So Paulo, aprovou o Decreto n. 24.714, que dispe sobre a organizao do ensino e adaptao do cego, por considerar que a recuperao social do cego um problema de educao especializada; decreta em seu artigo 1. o convnio com a Fundao para o Livro do Cego do Brasil (atual Fundao Dorina Nowill para cegos), a execuo da Lei 2.287/53, atribuindo a essa entidade o gerenciamento dos servios de atendimento. O presidente Juscelino Kubitschek, motivado pelo trabalho de Jos Espnola Veiga (empresrio brasileiro cego que estudara no IBC), cria, em 1 de agosto de 1958, a Campanha Nacional de Educao e Reabilitao de Deficitrios Visuais, vinculada ao IBC (Decreto n 44.236). Para esta campanha foram designados: quatro auxiliares de servios mdicos, um auxiliar administrativo, quatro auxiliares de enfermagem e um roupeiro, segundo a divulgao do Dirio Oficial de 14 de fevereiro de 1959, o que caracteriza uma campanha tipicamente com objetivo mdico. Depois de um ano e meio, de acordo com o Decreto n. 48.252, de 31 de maio de 1960, essa campanha deixou de ser apoiada pelo IBC, foi para as mos do Gabinete do Ministro da Educao e Cultura e passou a ser denominada Campanha Nacional da Educao dos Cegos - CNEC, sob a direo executiva de Dorina de Gouva Nowill e, em seguida, instalou os Servios de Educao Especial em todas as Secretarias Estaduais de Educao. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional n. 4.024/61 representou o incio da descentralizao educacional e administrativa e foi responsvel pela fundamentao legal do atendimento educacional s pessoas com deficincia, apontando o direito dos excepcionais educao, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino, conforme o ttulo X, Art. 88, da referida lei: A educao de excepcionais, deve, no que for possvel, enquadrar-se no sistema geral de educao, a fim de integr-los na comunidade. No final da dcada de 1960 e durante a dcada de 1970, estruturaram-se leis e programas de atendimento educacional que favoreceram a integrao da pessoa cega na escola regular e no mercado de trabalho. Nesse perodo, devido crise crescente do petrleo, agravada pela estrutura adotada pelo governo da poca de desenvolvimento nacional e modernizao, tambm se instalava no Brasil, como j foi citado anteriormente, a crise econmica

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dos cofres pblicos, que se mostrou um forte fator para reforar a mudana de filosofia nos servios oferecidos s pessoas com deficincia, uma vez que os programas segregacionistas apresentavam elevado custo. O modelo do Paradigma de Servios, iniciado na dcada de 60 e j descrito neste trabalho, encontrou problemas provenientes das mobilizaes reivindicatrias de associaes e outros rgos de representao das pessoas com deficincia e tambm da academia cientfica. Nos anos de 1960 em Karashi, 1961 em Adis Abeba, 1962 em Santiago e 1966 em Trpoli, a UNESCO realizou conferncias com o objetivo de produzir um relatrio dos nveis de educao mundial e estabelecer metas rigorosas no sentido de que, at 1980, todas as crianas em idade escolar deveriam estar matriculadas na escola primria; e, na Amrica Latina, onde as condies j existentes eram mais favorveis, at 1970(UNICEF, 1999, p. 13). Em 1964, com a mudana no regime poltico, uma nova forma de governo foi adotada no pas: os militares assumiram o poder. Nessa linha histrica dos anos sessenta surgem algumas aes concentradas na rea educacional. No mesmo ano, a Campanha Nacional de Educao de Cegos obtm do MEC a destinao de fundos para sua ao, recursos que foram includos no Plano Nacional de Educao elaborado em 1962. Esse Plano traz o objetivo de regulamentar a distribuio das verbas federais para a educao e sofre uma reviso em 1965, no sentido de que fosse includo um repasse de cinco por cento dos recursos do Fundo Nacional de Ensino Primrio para a educao dos excepcionais e bolsas de estudos para assistir crianas deficientes de qualquer natureza (MAZZOTTA, 2005, p. 90). Em 1969, pela primeira vez, h uma emenda Constituio Brasileira de 1967. Ficam, ento, estabelecidos os direitos da pessoa deficiente, constando no Ttulo IV da Famlia, da Educao e da Cultura, artigo 175, 4, onde se l: lei especial dispor sobre a assistncia maternidade, infncia e adolescncia e sobre a educao dos excepcionais. A dcada de 70 destaca-se pela criao do Centro Nacional de Educao Especial CENESP, responsvel, em nvel governamental do poder executivo, pelos assuntos desta rea:[...] a educao especial pblica passou por um processo intenso de ampliao, com a criao de classes e escolas especiais, que culminou, na

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dcada de 70, com a criao de Servios de Educao Especial em todas as Secretarias Estaduais de Educao (BUENO, 2004, p. 96).

A Lei n. 5.692/71, que altera a LDBEN de 1961, prev em seu 9. artigo: tratamento especial para os alunos com deficincias fsicas, mentais, os que se encontram em atraso considervel quanto idade regular de matrcula e os superdotados, o que Mazzotta (2005, p. 69) complementa afirmando que era da alada dos Conselhos Estaduais de Educao a regulamentao do tratamento especial em questo. A solicitao citada anteriormente resulta na Portaria de 25 de maio de 1972, responsvel pela constituio do Grupo-Tarefa de Educao Especial, o qual produziu a proposta de criao de um rgo autnomo para tratar da Educao Especial. Em 03 de julho de 1973, por meio do Decreto Federal n. 72.425/73 e em substituio s Campanhas Nacionais, foi criado o CENESP, responsvel pela institucionalizao da Educao Especial em termos de planejamento de polticas pblicas; o IBC e o Instituto Nacional de Surdos INES - tambm passaram a pertencer a este departamento. Em 1974, o aluno cego tem garantido mais um direito, por fora do Parecer n. 3.763 do Conselho Federal de Educao, que dispe sobre tratamento especial para cegos no exame vestibular. Em 1976, a Resoluo ONU 31/123, da Assembleia Geral das Naes Unidas (ONU), proclama o ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, reforando o panorama quanto ampliao de oportunidades de discusses sobre o assunto. Na dcada de 1970, o entendimento das pessoas com deficincia (organizadas em movimentos) esteve focalizado no reconhecimento de que as palavras so instrumentos de luta poltica e, como tal, deveriam criar uma expresso a substituir a utilizao de termos pejorativos, evitando o sentido de coisificao, em contraposio inferiorizao e desvalorizao. Neste sentido, no final da dcada de 1970 e incio da dcada de 1980, por influncia do Ano Internacional das Pessoas Deficientes - AIPD, adotou-se a expresso pessoas deficientes. Em 1976, o Instituto So Rafael, em Minas Gerais, passa a chamar-se Escola Estadual So Rafael, seguindo uma determinao da Secretaria de Estado de Educao.

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Em 1977, a Portaria Interministerial n. 477 (MEC/MPAS), de 11 de agosto de 1977, estabelece em seu texto, diretrizes bsicas para a ao integrada do MEC e do Ministrio da Previdncia e Assistncia Social, no campo do atendimento a excepcionais. Trata do atendimento integrado, com aes complementares de assistncia mdico-psicossocial e de educao especial. Em 1978, o MEC props o Projeto Prioritrio de Reformulao de Currculos para a Educao Especial para cada rea de deficincia e superdotao. Neste contexto, a oferta do atendimento pessoa deficiente poderia ocorrer em escolas regulares, clnicas ou centros de reabilitao. A Portaria Interministerial n. 186, de 10 de maro de 1978 (MEC/MPAS), regulamenta a Portaria Ministerial n. 477, de 10/08/77, que define e delimita a clientela a ser atendida pela Educao Especial e dispe sobre diagnstico, encaminhamento, superviso e controle. A Emenda Constitucional n. 12 ( Constituio de 196916), de 17 de outubro de 1978, assegura aos deficientes a melhoria de sua condio social e econmica, inclusive com educao especial. Diante das metas estabelecidas pela UNESCO, na dcada de 60, com relao a todas as crianas em idade escolar que deveriam estar matriculadas na escola primria, o resultado alcanado foi:At 1980, na sia e na Amrica Latina as taxas de matrculas nas escolas primrias mais do que dobraram (UNICEF, 1999, p.13).

Um dos fatores considerados para a conquista deste resultado, segundo o relatrio da UNICEF (1999), se deve a que os pases em desenvolvimento deram educao prioridade como estratgia bsica de, entre outras coisas, alimentar os mecanismos de progresso. Mas, na dcada de 80, com a crise da dvida dos pases subdesenvolvidos, houve uma reduo gradativa em investimentos com educao. De acordo com Santos (1995 p.24), at os anos 80 a integrao desenvolveu-se dentro de um contexto histrico em que pesaram questes como igualdade e direito de oportunidades. Durante a dcada de 1980, consolidou-se a integrao da pessoa cega. O Decreto n. 84.819/80 cria no Brasil a Comisso Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes - CNAIPD, com o objetivo de aoNo houve Constituio em 1969, todavia a 1 emenda Constituio de 1967 a alterou tanto que a emenda considerada como uma nova Constituio, em carter outorgado pelos militares.16

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compatibilizado da ONU, sintetizado no lema Igualdade e Participao Plena. Neste sentido, o MEC institui o Plano de Ao da Comisso do AIPD, baseando-se nas novas tendncias de Integrao e Normalizao, visando a sete objetivos: conscientizao; preveno; educao especial; reabilitao; capacitao profissional e acesso ao trabalho; remoo de barreiras arquitetnicas e legislao (MAZZOTTA, 2005, p. 101). Como em outros momentos j vivenciados em nossa histria de polticas pblicas, este Plano de Ao tambm no contemplava a questo referente ao detalhamento dos recursos financeiros para sua aplicabilidade, acabando por recomendar o atendimento direto das instituies particulares pelo CENESP, a caracterizar uma prtica contraditria teoria proposta. A contradio reside no fato de que, para a maioria dos cegos, na prtica, o acesso a salas de aulas de escolas pblicas estava realmente garantido, todavia a condio de permanncia (atendimento educacional especializado) era precria, a refletir a falta de dotao oramentria especfica a este mister, ou seja, a grande maioria desses alunos era levada a procurar condies adequadas de ensino nas poucas instituies especializadas. Devido ao fato de que estas instituies no estavam presentes em todas as cidades na verdade, existiam em pouqussimos municpios do Brasil e outros complicadores, muitos alunos ficaram sem educao formal. Em 1981, o Instituto de Cegos da Bahia17, por iniciativa de sua presidente Sr. Edla Dria de Lima, percebeu que a instituio deveria mudar de rumo e, desta forma, a entidade passou a funcionar como uma casa de educao atendendo somente, em regime de internato, crianas e adolescentes deficientes visuais, tanto cegas como com baixa viso de toda a Bahia e Sergipe, com o objetivo principal de preparar os jovens deficientes para a vida em sociedade, o que ocorreu com a aquiescncia da principal mantenedora do instituto, a Sr. Dorina Nowill. Tambm em 198118, foi regulamentado o ato de criao da Unidade Escolar, por meio de convnio de sesso de salas com a Secretria de Educao e Cultura do Estado no Dirio Oficial do Estado da Bahia, em 06/02/81, com a finalidade de oferecer aos alunos o apoio pedaggico especializado.Segundo informaes obtidas por via de mensagens eletrnicas entre a Sr. Neiva (atual secretria do ICB) e a autora. 18 Segundo informaes obtidas por via de mensagens eletrnicas entre a Sr. Neiva (atual secretria do ICB) e a autora.17

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Atendendo Resoluo da Organizao das Naes Unidas, de 1976, realiza-se em 1981 o Ano Internacional da Pessoa Deficiente - AIPD, em ateno presso da sociedade, que clamava por transformaes significativas nessa rea, para debater, organizar-se e estabelecer metas e objetivos que encaminharam novos desdobramentos importantes. Nessa poca, passou a ser politicamente correto referir-se a pessoa com deficincia utilizando a expresso pessoa deficiente, o que evidencia a mudana de classe do substantivo deficiente que, pelo novo emprego, passa a ser utilizado como adjetivo, enquanto o substantivo da expresso a palavra pessoa. Essa regra caiu em desuso por volta de 1987. Em 1985, realiza-se em Braslia a cerimnia para assinatura do Decreto n. 91.827, que institui o Comit para o Aprimoramento da Educao Especial, o qual sugeriu ao Presidente da Repblica a transformao do CENESP em Secretaria de Educao Especial e a criao de um rgo de coordenao da poltica voltado para pessoa portadora de deficincia. Essa sugesto foi acatada e, por fora do Decreto n. 93.613, de 21 de novembro de 1986, o CENESP transforma-se em Secretaria de Educao Especial SESPE, integrada ao MEC, como rgo central de direo superior. O SESPE manteve a maior parte das competncias da extinta CENESP. Mazzotta (2005, p. 58) declara que tanto o Instituto Benjamin Constant quanto o Instituto Nacional de Educao de Surdos permaneceram autnomos, vinculados SESPE apenas para efeito de superviso ministerial. Ainda como CENESP, em 19