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  • A FORMAO DA CLASSE OPERRIA EM SOROCABA E A LUTA PELA EDUCAO NO CONTEXTO DA

    INDUSTRIALIZAO NO INCIO DO SCULO XX 1

    Jefferson Carriello do Carmo Pesquisador Colaborador Voluntrio - UNICAMP

    Universidade de Sorocaba

    Consideraes iniciais

    Nos estudos historiogrficos2 sobre as primeiras indstrias de tecido no Estado

    de So Paulo h registros de vrias tentativas desse ramo industrial. Nos registros

    histricos e da imprensa local em que a instalao da primeira indstria txtil em

    Sorocaba, ocorre no ano 1852 com Manoel Lopes de Oliveira, que fez funcionar os

    primitivos teares mecnicos vindos da provncia de So Paulo para a Chcara Amarela

    onde era tecido algodo arbreo e tinha como meio de produo a mo-de-obra escrava.

    A fbrica destinava-se a descaroar, cordar, fiar e tecer algodo, que deveria constituir-

    se em tecidos grossos empregados nas roupas dos escravos. Nessa primeira experincia

    as dificuldades enfrentadas por Manoel Lopes de Oliveira, foram a mo-de-obra

    especializada e a alta do preo do algodo, que condicionaram ao fracasso essa primeira

    tentativa. 3

    A retomada dessa experincia veio acorrer em 1873 com a recuperao das

    exportaes norte-americanas para a Europa em que criou uma situao favorvel ao

    estabelecimento de fbricas nacionais nos centros produtores de algodo o que facilitou

    o recrutamento de trabalhadores especializados que, na contingncia de se verem

    1 Neste texto apresento alguns dos resultados de pesquisa, em andamento, cujo tema geral A industrializao Sorocabana e a formao e organizao da classe operria (1882 1920), que desenvolvo como Pesquisador Colaborador Voluntrio da Universidade de Campinas UNICAMP - e como integrante do grupo de pesquisa da Universidade de Sorocaba UNISO - Formao da educao escolar em Sorocaba: fontes, industrializao, movimentos sociais e memria. Fundamentalmente, a investigao tem como ponto norteador a relao entre capital, trabalho e educao atravs do processo de industrializao em Sorocaba. 2 RIBEIRO, Maria Rosa Alice. Condies de trabalho na indstria txtil paulista (1870-1930). So Paulo: Hucitec, Ed. da UNICAMP, 1988; DEAN, Warren. A industrializao de So Paulo (1880-1945). 4. ed. So Paulo: Difel, 1991; CANO, Wilson. Razes da concentrao industrial em So Paulo. 4. ed. Campinas, SP: UNICAMP. IE, 1998; STEIN, Stanley J. Origens e evoluo da indstria txtil no Brasil 1850/1950. Rio de Janeiro: Campus, 1979; PENTADO, Jacob. Belenzinho, 1910 (retrato de uma poca). 2. ed. So Paulo: Carrenho Editorial; Narrativa Um, 2003. 3 RIBEIRO, Maria Rosa Alice. Condies de trabalho na indstria txtil paulista (1870-1930). So Paulo: Hucitec, Ed. da UNICAMP, 1988. p. 24.

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    desempregados, eram obrigados a emigrar fortalecendo a formao da classe operria

    em Sorocaba.

    No caso de Sorocaba verifica que o processo de industrializao txtil, cuja

    gnese encontra-se no incio do sculo XIX, em que a cidade passa do comrcio de

    muares para uma cidade-vanguarda de produo industrial. Em 1850, em Sorocaba,

    registra-se a decadncia das feiras de muares4 devido criao das linhas frreas, no

    Estado de So Paulo 5 o que propicia para a regio o incio de outra atividade econmica

    o das indstrias txteis, que j estavam dentro da lgica capitalista de produo. Vale

    lembrar que esse processo de industrializao, em Sorocaba, est articulado com os

    vrios ramos produtivos, principalmente o da cidade de So Paulo 6 e de outras regies7.

    Nesse contexto est formando a classe trabalhadora entendida, em nosso texto,

    como o resultado de experincias comuns herdadas, partilhadas ou sentidas entre os

    homens, que articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens

    cujos interesses diferem (e geralmente se opem) dos seus.8 Nessa articulao de

    interesses de classe nasce na cidade de Sorocaba o jornal O Operrio Orgam de Defesa

    da Classe Operria (1909-1913). Inerente ao seu nascimento fundada em 18 de

    setembro de 1911 mediante uma reunio que contou com mais de 700 pessoas a Liga

    dos Operrios de Sorocaba,9 que logo em seguida deliberou dentre as vrias coisas a

    constituio de uma forte rede de comunicaes dentre essas uma escola noturna, sob a

    direo do professor Joseph Juber Revier.

    O que se prope nesse texto, de forma sucinta, verificar atravs do

    acontecimento da industrializao no Estado de So Paulo, quais foram as principais

    reivindicaes que estavam presentes na formao da classe trabalhadora quanto a

    educao e qual importncia que dada por essa classe nesse incio de formao.

    4 BADDINI, Cssia Maria. Sorocaba no imprio: comrcio de animais e desenvolvimento urbano. So Paulo: Annablume Fapesp, 2002.

    5 SAES, Flvio Azevedo Marques de. As ferrovias de So Paulo 1870 1940. So Paulo: Hucitec, 1981. 6 CANO, Wilson. Razes da concentrao industrial em So Paulo. 4. ed. Campinas, SP: UNICAMP. IE, 1998. 7 FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. So Paulo: Difel, 1976. 8 THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. So Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 18. 9 O Operrio18/09/1911.

  • 3

    A formao da classe operria

    Nos anos posteriores a 1870 com a falta de braos na lavoura, em especial a

    cafeeira, provoca a crescente imigrao europia para So Paulo e Rio de Janeiro,

    embora fosse lenta a substituio do brao escravo para servios comerciais e

    manufatureiros, por empregados livres brasileiros e imigrantes, lembra Fausto, quanto

    aos imigrantes h dois fatores relevantes:

    O papel desempenhado por estes no primeiro surto de industrializao foi crucial, sob vrios aspectos: pela ampliao do mercado de trabalho e de consumo; pela preferncia em inverter a poupana no setor comercial e industrial, tendo-se em conta as dificuldades impostas ao acesso propriedade da terra; pelo impulso dado ao crescimento da Cidade de So Paulo. (...) tambm que a fora de trabalho estrangeira no veio substituir simplesmente a mo-de-obra escrava, mas representou um grande aumento do potencial de trabalho, destinado a atender aos requisitos de uma economia em plena expanso. 10

    Essa nova situao trs novos extratos sociais emergentes que se avultam nas

    ruas de algumas cidades criando e concretizando novas relaes de produo entre o

    capital e trabalho. Essa relao cede lugar para as velhas relaes entre proprietrios e

    escravos e vem consolidar uma nova situao social.

    Em Sorocaba essa nova situao j se reporta ao incio da construo da ferrovia

    em 1872 e depois das fbricas N. S. da Ponte (1882) e de outras. Essa nova situao

    pode ser constatada nos locais de moradia desse operariado imigrante as chamadas vilas

    operrias, que era geralmente prximo ao local de trabalho. A fbrica de Votorantin

    localizada a 6 quilmetros de Sorocaba construiu praticamente uma cidade operria,

    que nos anos de 1913 acomodava 3.000 operrios e tinha no seu mbito jardins

    pblicos, clubes, escolas, lojas e iluminao eltrica. 11

    A construo das vilas operrias podia ser feita por qualquer capitalista que

    adquirisse uma rea de terreno, junto ou afastado do permetro da cidade e nela

    levantasse a seu bel-prazer, no s um estabelecimento de indstria, como tambm um

    agrupamento de casas que podia ser alugado aos seus operrios. 12 Esse procedimento

    no tinha nenhuma fiscalizao, por parte do governo, embora sendo construdas em

    10 FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. So Paulo: Difel, 1976, p. 17 11 DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fbricas: cotidiano operrio em So Paulo 1920-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 60. 12 O Operrio 09/01/1910.

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    territrios municipais, cuja finalidade era de moradia para homens livres. As ruas

    (dessas vilas) no so vias pblicas, so circundadas por cerca, valas ou muros, dando

    passagem um nico porto e tem o competente porteiro. 13

    Fato marcante dessas moradias a diferena entre as casas dos chefes que

    tinham alguns privilgios de morarem nas melhores casas, enquanto os operrios

    moravam em casinhas. 14

    A contratao desses trabalhadores na indstria txtil no estava limitada aos

    homens na fase adulta de trabalho, mas as mulheres e aos rapazes entre 12 a 15 anos de

    idade, 15 sendo essa uma prtica comum nas gneses da industrializao brasileira, como

    tambm, na Europa.16 No caso de Sorocaba enfatiza Ferreira (1960), neta do sr. Manoel

    Jos da Fonseca:

    Os operrios, na maioria mulheres, organizaram um tero e ladainha s 8 horas da noite na capela de Santo Antonio tomando parte nesta les, os operrios, e grande nmero de pessoas estranhas.17

    Um outro aspecto central nesse processo de formao da classe trabalhadora era

    como percebiam, em Sorocaba, a presena dos fundares das indstrias, que em sua

    grande maioria eram emigrantes e eram descritos da seguinte forma: humanitrios,

    porque ensinavam a verdadeira religio a religio do trabalho pessoas que no

    tinham o po nosso de cada dia, que na sua maioria aos que ficarem velhos, estariam

    garantidos para o futuro, e as crianas, atravs do trabalho estariam cobertas para

    resistirem aos insultos do tempo. 18

    Um outro aspecto que identificamos, no inicio da formao da classe operria

    em Sorocaba foi a diviso entre esses grupos, no aspecto moradia quanto em relao ao

    comportamento. 19 A maior diviso se deu mesmo entre operrios de origem nacional e

    os estrangeiros, em especial espanhis e italiano