A Fotografia Digital Como Fonte Histórica No Limiar Do Século Xxi
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB)
COORDENAO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL (UAB)
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTRIA
VALDIR DA CRUZ BARBOSA
A FOTOGRAFIA DIGITAL COMO FONTE HISTRICA NO LIMIAR DO SCULO XXI
BRUMADO-BA
2014
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VALDIR DA CRUZ BARBOSA
A FOTOGRAFIA DIGITAL COMO FONTE HISTRICA NO LIMIAR DO SCULO XXI
Monografia, apresentada como requisito parcial para obteno do grau de licenciado em Histria, na modalidade de Educao a Distncia, pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) com Coordenao da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Orientador: Sidney de Arajo Oliveira
BRUMADO BA
2014
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FICHA CATALOGRFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB Bibliotecria: Joclia Salmeiro Gomes CRB:5/1111
Barbosa, Valdir da Cruz
A fotografia digital como fonte histrica no limiar do sculo XXI / Valdir da Cruz Barbosa. Brumado, 2014.
25 f.
Orientador: Sidney de Arajo Oliveira
Trabalho de concluso de curso (Graduao) Universidade do Estado da Bahia. Universidade Aberta do
Brasil.
Contm referncias.
1. Fotografia. 2. Historiografia. I. Oliveira, Sidney de Arajo. II. Universidade do Estado da Bahia. III.
Universidade Aberta do Brasil.
CDD 770.981
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AGRADECIMENTOS
Ao nosso orientador Professor Sidney de Arajo Oliveira pelo incentivo, simpatia e presteza no auxlio s atividades e discusses sobre o andamento e normatizao desta monografia de Concluso de Curso.
A tutora Luciana Senna pela sua dedicao e ateno na orientao da disciplina em si.
A nossa tutora presencial Professora Selma Oliveira pelo seu carinho, dedicao e pacincia desde o incio do nosso curso.
A todos os professores formadores e tutores da UNEB/UAB que passaram ao longo deste curso, especialmente a nossa ex-tutora a distncia Professora Daiane Santos pelo seu empenho e crticas para construo de um conceituado curso a distncia pela nossa instituio.
A minha famlia pela pacincia em tolerar a minha ausncia.
E por fim, ao nosso divino DEUS pela oportunidade e pelo privilgio em que me foi concedido para frequentar este curso, para que eu esteja apto a passar os conhecimentos adquiridos para outras pessoas.
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RESUMO
A fotografia como conhecemos hoje, foi fruto da ambio do homem em poder
fixar e eternizar as suas memrias atravs de uma representao mimtica em
um plano bidimensional, em que muitas vezes a pintura, a sua antecessora, era
concebida conforme a imaginao do artista que a representava. A fotografia
firmou-se como uma guardi da memria humana atravs dos tempos, sendo
um importante aliado na construo da histria do homem. Em seu advento no
sculo XIX, a fotografia foi alvo de criticismo e negao como fonte de histria
pela historiografia elaborada pela Escola Metdica, liderada por Leopoldo Von
Ranke at a sua consolidao no incio do sculo XX pela Escola de Annales.
Com o advento da fotografia digital, este meio como fonte histrica est
ameaada por falta de padronizao de arquivos digitais, mdias eletrnicas de
duraes incertas, banalizao de exposies fotogrficas e o seu reduzido
nmero de fotos impressas. A presente monografia analisa a imagem
fotogrfica como fonte histrica no sculo XIX e sua consolidao no sculo
XX. Apresenta uma sntese da histria da criao do que chamamos de
fotografia e reflete as possveis consequncias de como faremos uma
historiografia baseada em imagens fotogrficas nos tempos vindouros, ante as
ameaas dos arquivos digitais gerados na atualidade, evidentemente passveis
de obsolescncias e incompatibilidades entre hardware e software para o
resgate destas imagens no futuro.
PALAVRAS-CHAVE
Fotografia analgica. Fotografia digital. Historiografia. Mdias digitais. Arquivos digitais.
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ABSTRACT
Photography as we know it today was the result of man's ambition for be able and perpetuate fix up your memories through a mimetic representation in a two-dimensional plane, which often painting, its predecessor, designed according to the artist's imagination represented. The photograph has established itself as a guardian of human memory over time, as an important ally in the construction of human history. In its advent in the nineteenth century, photography has been the target of criticism and denial as a source of history by historiography prepared by the Methodical School, led by Leopold Von Ranke until its consolidation in the early twentieth century by the Annales School. With the advent of digital photography, this medium as a historical source threatened by the lack of standardization of digital files, electronic media of uncertain durations, trivialization of photographic exposures and its reduced number of printed photos. This monograph examines the photographic image as a historical source in the nineteenth century and its consolidation in the twentieth century. Summarizes the history of the creation of what we call photography and reflects the possible consequences of how we will historiography based on images in the coming days, before the threats of the digital files generated today, evidently liable to obsolescence and incompatibilities between hardware and software to the rescue of these images in the future.
KEY-WORDS
Analogue photography. Digital Photography. Historiography. Digital medias. Digital files.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 01................................................................................................Pgina 15
Figura 02................................................................................................Pgina 19
Figura 03................................................................................................Pgina 20
Figura 04................................................................................................Pgina 21
Figura 05................................................................................................Pgina 22
Figura 06................................................................................................Pgina 24
Figura 07................................................................................................Pgina 27
Figura 08................................................................................................Pgina 30
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LISTA DE GRFICOS
GRFICO 01.........................................................................................Pgina 35
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SUMRIO
1 INTRODUO .......................................................................................... 09
2 IMAGENS COMO FONTE DE HISTRIA ................................................ 11
2.1 A iconografia na historiografia do sculo XIX ........................................... 12
2.2 A integrao da fotografia na historiografia ............................................ 17
3 A TRANSIO DA IMAGEM CONCEITUAL PARA A IMAGEM REAL. 18
3.1 A cmera escura: uma nova concepo visual ........................................ 21
3.2 A inveno da fotografia ......................................................................... 25
3.3 A fotografia: do perptuo ao efmero........................................................ 28
4 A FOTOGRAFIA NO SEGMENTO TEMPORAL DA HISTRIA ............. 30
4.1 A fotografia uma mdia em transio ..................................................... 34
4.2 Desafios para a preservao da imagem digital ...................................... 36
4.3 Fotografias no sculo XXI: transio, ruptura ou retrocesso? .................. 37
5 CONSIDERAES FINAIS ..................................................................... 39
REFERNCIAS ........................................................................................ 41
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1 INTRODUO
A fotografia desde o seu advento, foi alvo de crticas, anlises tericas e
filosficas. Surgiu em uma sociedade que estava inserida em grandes
mudanas, como o advento da Revoluo Industrial e est prestes a um
renascimento conceitual inserida em outra revoluo, a chamada: Revoluo
Digital, que desde o final do sculo passado est mudando a forma de
existncia da sociedade contempornea.
A fotografia e a organizao do estudo histrico moderno nasceram na
mesma poca, no sculo XIX. De um lado a Histria estava sendo organizada
para o resgate da memria de uma forma fiel, enquanto a fotografia em seu
advento tornava-se um dos principais artefatos para o auxlio dos historiadores
nas construes historiogrficas.
O presente trabalho est dividido em trs captulos distintos: Imagens
como fonte de histria; A transio da imagem conceitual para a imagem real
e A fotografia no segmento temporal da histria, em que procura levar o leitor
a um consenso acerca da importncia em refletir na efemeridade da fotografia
digital como artefato para a historiografia em tempos posteriores.
O primeiro captulo deste trabalho foca na importncia da imagem
como artefato histrico e na marginalizao da fotografia como fonte de
histria, pelo movimento historiogrfico denominado de Escola Metdica no
sculo XIX e o seu paradoxo em usar pinturas para ilustrar a escrita da
Histria, onde argumentado como exemplo: um conhecido quadro da histria
brasileira, para fins de comparao entre o uso da imagem pictrica ante a
fotogrfica.
O segundo captulo mostra ao leitor uma sntese embrionria de como
surgiu o conceito fotogrfico, comparando como era a imagem na Idade Mdia
e a nova forma de representao visual no perodo do renascimento. Com esta
nova forma de representar e o desenvolvimento de dispositivos, os caminhos
foram abertos para que a fixao da imagem real - tal como um espelho - fosse
uma realidade para o surgimento da fotografia no sculo XIX.
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No terceiro e ltimo captulo deste trabalho, so apresentados dois
fatos histricos em que apresenta a importncia do artefato fotogrfico para
escrever e reescrever a histria, seguido pela problemtica no qual o alvo
principal deste trabalho: a obsolescncia e as incompatibilidades futuras de
hardware e software na fotografia digital.
O intuito deste trabalho a reflexo na obteno da imagem fotogrfica
digital como fonte histrica no futuro, diante da no consolidao de
arquivamento da mesma. H um dito popular que diz: O futuro a Deus
pertence. Portanto, seja demasiado em abordar o assunto no presente, mas
sabido que em todo processo evolutivo, consideraes so examinadas, onde
providncias sejam elaboradas, para que no futuro no venha a ser um
imbrglio na historiografia.
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2 IMAGENS COMO FONTE DE HISTRIA
Desde os primrdios da humanidade o homem primitivo usou de
imagens para sua comunicao, para testemunhar a sua existncia e seus
hbitos, quando a escrita e a comunicao oral eram inexistentes. Mas para a
Histria houve um grande entendimento destes homens primitivos, quando em
12 de setembro de 1940, quatro adolescentes franceses descobriram um
complexo de cavernas na regio de Lascaux, na Frana, o que viria a ser a
revelao das pinturas mais antigas at ento descoberta pelo homem
moderno. Estas pinturas rupestres com dataes estimadas entre 17.000 a
10.000 a.C. vieram a representar o mais antigo relato de comunicao da
forma primitiva de vida que se perpetuaram at os nossos dias, transmitindo
conhecimentos histricos atravs de simbologias e signos.
Desconhece-se em sua plenitude o motivo destas pinturas rupestres
encontradas nas cavernas de Lascaux, mas este legado histrico,
mostrou como a imagem pode escrever a histria atravs da representao1
visual, para que historiadores e antroplogos pudessem dispor de meios
cognitivos do passado da humanidade.
Ao longo da Histria da humanidade, os povos primitivos criaram vrios
tipos de imagens para que estes pudessem perpetuar seu estilo de vida e sua
cultura. Imagens como: escrita pictogrfica, hierglifos egpcios, esculturas e
pinturas foram oportunos para que investigssemos e produzssemos
conhecimentos das heranas passadas e nos afirmssemos como produtores
da Histria e do saber.
No sculo XIX em plena Revoluo Industrial2 surgiu a fotografia que
viria a ser o maior aliado dos historiadores, por ser uma imagem concebida de
mimese, objetividade e realismo, vindo a ser conhecida como espelho do
mundo, s que um espelho dotado de memria. (MACHADO, 1984, p. 11). A
1 Vocbulo de origem medieval que indica imagem ou ideia, ou ambas as coisas. O uso desse termo foi sugerido aos escolsticos pelo conceito de conhecimento como semelhana do objeto. Representar algo dizia Toms de Aquino significa conter a semelhana da coisa. (ABBAGNANO, 2012, p. 1007) 2 Conjunto das transformaes tecnolgicas, econmicas e sociais ocorridas na Europa nos sculos XVIII e XIX, e que resultaram na instalao do sistema fabril e na difuso do modo de produo capitalista.
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fotografia passou a ser a autentica forma de representao da realidade desde
ento. No idos do sculo XIX era um produto novo e para poucos, como toda
recente tecnologia que aparece em todas as sociedades.
No mesmo sculo a Histria passou a ser feita de forma profissional.
Influenciada pelo positivismo, foi criada a Escola Metdica3 que teria por
princpio fazer a Histria de forma cientifica como ela deveria ser de fato, a
partir de documentos escritos, que levassem a uma profunda objetividade. A
fotografia, ento, neste contexto histrico, foi considerada como um documento
subjetivo, portanto no aceita como uma fonte de cognio histrica.
2.1 A ICONOGRAFIA NA HISTORIOGRAFIA DO SCULO XIX
A Escola Metdica estava estreitamente ligada ao nome de Leopoldo
Von Ranke (1795-1886). A base historiogrfica da Escola Metdica segundo
concepo de Ranke, era conceber a histria daquilo que acontecera, ou seja,
de uma forma cientfica e positiva. A histria deveria preocupar-se com aquilo
que realmente aconteceu, sendo o trabalho embasado a partir de documentos
que deveriam ser analisados por meio crtico e metdico. Da vindo
concepo de sua prpria nomenclatura: Escola Metdica.
A perspectiva de trabalhar com os pressupostos tericos no existe para Ranke, que inclusive salientou que a reflexo terica era nociva ao trabalho do historiador, pois esta estaria caminhando para uma total subjetividade da histria, e sua histria cientfica seria construda apenas com a aplicao de um mtodo. (CANABARRO, 2008, p. 45)
Com a afirmao de Canabarro, logo conclumos que um dos principais
fatores para a fotografia ser marginalizada, estaria no fato que ao us-la como
fonte histrica, a imagem necessitaria de uma anlise reflexiva para atestar a
veracidade da sua representao histrica, levando assim a sua subjeo, no
qual era expressamente contrrio aos princpios de Leopoldo Von Ranke na
formulao dos estudos histricos, fato este que seria impossvel a sua
concepo segundo afirmao de Philippe Dubois:
3 Foi uma corrente historiogrfica do sculo XIX concebida por de Leopoldo Von Ranke (1795-1886) em que a histria era colocada na forma do que realmente aconteceu, colocando o historiador como sujeito neutro sem interferncia no objeto de pesquisa.
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Logo se manifestou uma reao contra esse ilusionismo do espelho fotogrfico. O princpio de realidade foi ento designado como pura impresso, um simples efeito. Com esforo tentou-se demonstrar que a imagem fotogrfica no um espelho neutro, mas um instrumento de transposio, de anlise, de interpretao e at de transformao do real, como a lngua, por exemplo, e assim, tambm, culturalmente codificada. (DUBOIS, 2012, p.26)
Consideraremos outro fator de negao da fotografia como fonte
histrica, foi a contemporaneidade da sua concepo com a organizao da
Escola Metdica. Mesmo a fotografia sendo concebida nos idos de 1830, a
mesma no foi logo um produto pronto para o consumo de massa e sim um
produto que sofreu evolues atravs dos anos at a sua massificao em
1888, com a introduo da mquina fotogrfica Kodak por George Eastman.
Roland Barthes (1984, p.139) em sua obra de reflexo acerca da fotografia A
Cmara Clara j nos indica este paradoxo: o mesmo sculo inventou a Histria
e a Fotografia.
E para complementar esta ambivalncia, os antigos historiadores
reconstituram a histria desde a sua gnese sem lacunas, em um processo de
sucesso temporal, que ora chamamos de linha do tempo, excludo assim a
sua concepo de espao:
Em resumo, os seus representantes pensam poder esclarecer de modo puro qualquer fenmeno a partir de sua gnese e acreditam apreender tambm a realidade histrica ao reconstituir sem lacunas a srie de acontecimentos na sua sucesso temporal. A fotografia oferece uma continuidade espacial, o historismo quer preencher a continuidade temporal. (KRACAUER, 2009, p.66).
de total conhecimento que os sculos XVIII e XIX foram marcados
por revolues e movimentos nacionalistas. Assim como a Escola Metdica
concebia uma histria de cunho diplomtico e nacionalista onde estava o
interesse em mostrar questes mais originais de um povo e principalmente dos
grandes homens polticos, Canabarro (2008, p. 44) diz: por isto temos uma
herana na histria ainda no sculo XX de cultuar as imagens dos grandes
heris.
Em face desta cultura de cultuar os grandes heris, a Escola Metdica
se valia de pinturas para a ilustrao de sua historiografia. Segundo Maria Eliza
Linhares Borges (2011, p.18):
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Lembremo-nos de que eles negaram o estatuto de documento histrico s imagens fotogrficas, muito embora tenham iconografias contidas tanto na emblemtica quanto nas pinturas de histria, j que ilustravam exatamente o que estava posto nos documentos escritos.
Assim sendo, surge uma grande contradio entre o que conhecemos
a respeito do uso de imagens pela Escola Metdica e a negao da fotografia
como fonte histrica, pois estes permitiam imagens pictricas em detrimento da
fotografia, em que os mesmos alegavam serem subjetivas. Mas uma pintura
no contm um grande ndice de subjetividade? Simplesmente eles negavam o
real para o fantasioso. Corroborando com este contexto, a passagem de
Roland Barthes pode servir como sntese:
Chamo de referente fotogrfico, no a coisa facultativamente real a que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa necessariamente real que foi colocada diante da objetiva, sem a qual no haveria fotografia. A pintura pode simular a realidade sem t-la visto. (BARTHES, 1984, p. 115)
No final do sculo XIX foi feito uma mimese de um evento histrico no
Brasil, assim como outros foram feitos ao redor do mundo, para elevao de
atos nacionalistas que se perpetuariam para a histria da nao: O Grito do
Ipiranga de Pedro Amrico4.
O quadro Independncia ou Morte (1888) de Pedro Amrico, tambm
conhecido como Grito do Ipiranga, obra que representa a proclamao da
Independncia do Brasil, muito usada em livros didticos e manifestando-se
figurativamente em nossas mentes quando somos expostos ao assunto, vem a
se tornar a autntica abreviao da imagem-fantasia nacionalista que
porventura a Escola Metdica ilustrava nos feitos heroicos e nacionalistas na
sua historiografia, como bem explicado por Maria Eliza Borges (2011, p.28):
Dos artistas, esperava-se a produo de pinturas que pudessem produzir exprimir e transmitir a seu pblico-alvo os sditos reais a glria dos feitos de seus dirigentes. Cria-se, assim, o ofcio do pintor de histria, responsvel pela produo de uma arte essencialmente pragmtica e funcional que exalta, celebra e comemora os feitos dos heris, apesar de ser tida como essencialmente realista e verdadeira.
4 Pedro Amrico (1843-1905) foi arqutipo do ofcio de pintor de histria. Depois de se formar em Belas Artes no Rio de Janeiro, o mesmo obteve uma bolsa de estudos dada pelo Imperador D. Pedro II e foi para a Escola de Belas Artes de Paris, na Frana. Obteve tambm doutorado em cincias fsicas em Bruxelas, na Blgica. Ao retornar ao Brasil tornou-se professor de desenho da Academia Imperial de Belas Artes e assim ganhando a ctedra de histria da arte, esttica e arqueologia. Em 14 de julho de 1886 assinou um contrato com o Governo do Estado de So Paulo para pintar a Proclamao da Independncia sendo entregue em 14 de julho, tela esta conhecida como o Grito do Ipiranga.
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Ainda segundo Maria Eliza Linhares Borges (2011, p.23), ora,
constatar que as imagens visuais, aceitas pela historiografia metdica,
desempenharam as funes de ilustrar o texto escrito e de despertar
sentimentos patriticos nos leitores, ajudam-nos a entender apenas parte do
que estamos buscando responder.
Fig. 01 - O Grito do Ipiranga (1888) de Pedro Amrico
Fonte: http://portfoliodahistoriagritante.blogspot.com.br/2013/08/processo-de-independencia-do-brasil_12.html
O quadro ilustrava e ainda ilustra toda e qualquer histria acerca da
Independncia do Brasil, principalmente nos livros didticos de histria. Mas
diferente da fotografia, esta pintura ao invs de autenticar o fato histrico, foi
uma inveno da imaginao do pintor. Em detrimento da imagem pictrica,
Roland Barthes (1984, p. 129) bem categrico em afirmar que toda fotografia
um certificado de presena.
Como se pode ver, Pedro Amrico estabeleceu neste quadro uma
narrativa dos acontecimentos ao dia da Declarao da Independncia. Existem
vrias evidncias da sua pomposa fantasia com o evento adicionado ao
quadro, e o mesmo ainda foi acusado de plagiar a obra do pintor Jean-Louis
Ernest Meissonier, com o quadro 1807, Friedland, pintado em 1875 que
retrata a vitria de Napoleo Bonaparte em batalha homnima.
A obra de Pedro Amrico usada como ilustrao histrica para a
concepo da historiografia da Independncia do Brasil nos moldes da
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Escola Metdica visto como um grande paradoxo. Segundo Philippe Dubois
(2012, P. 29-30) nos diz que: Para Baudelaire5, uma obra no pode ser ao
mesmo tempo artstica e documental, pois a arte definida como aquilo
mesmo que permite escapar do real. Seguindo na mesma linha de
pensamento, Philippe Dubois acrescenta mais uma citao de Baudelaire que
estabelece com vigor entre a fotografia como simples instrumento de uma
memria documental do real e a arte como pura criao imaginria.
Consideramos que todo o sculo XIX foi marcado pela esteira do
Romantismo, movimento este que buscou um nacionalismo que viria a
consolidar os estados nacionais na Europa. Em detrimento a este, surgiu o
Realismo, movimento reacionrio ao Romantismo. Este movimento que seria a
necessidade da compreenso do mundo moderno, do recente sistema
capitalista, da sociedade burguesa atual, da arte e da literatura existente, em
sntese: do nosso mundo contemporneo sem ligaes com o passado. Estes
movimentos esto inseridos na mesma temporalidade e espacialidade da
ascenso da Escola Metdica e do advento da fotografia. Conclui-se que o
sculo XIX foi marcado por diversas ambivalncias no que se concerne
metodologia histrica: o surgimento da fotografia e os movimentos artsticos.
Maria Eliza Linhares Borges (2011, p.34) observa:
Sob essa perspectiva, a finalidade do processo cognitivo deixa de ser a expresso da verdade dos fatos tal como teriam acontecido para se transformar em um processo de compreenso e interpretao dos significados que os homens atriburam s suas condutas sociais, sempre motivadas e/ou orientadas por expectativas em relao ao dos outros. De acordo com essa lgica de raciocnio, a dimenso objetiva e racional do processo de conhecimento tambm implicar a aceitao de uma certa dose de subjetividade.
Diante destas novas concepes a fotografia passou a ser vista com
mais nfase pelos historiadores do sculo XX, iniciando assim tambm uma
nova Histria escrita por meio de imagens fotogrficas.
5 Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867) Terico de arte francesa e grande ctico da fotografia no advento desta.
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2.2 A INTEGRAO DA FOTOGRAFIA NA HISTORIOGRAFIA
A fotografia como documento histrico teve o seu apogeu quando os
historiadores perceberam as inquietaes e as dvidas que os atingiram com a
constatao que nem sempre possvel recuperar o passado atravs de
testemunhos escritos e logo assim se davam conta que era possvel recuperar
o passado por outros meios, ou seja, pelas marcas que o homem deixou por
onde passou. Esse problema conduziu a uma questo: como preencher as
lacunas, recuperar a presena dos seres humanos quando eles no deixaram
rastros escritos no passado? (MEIRELLES, 2002, p.145) e para responder
esta questo, Boris Kossoy (2001, p.31) nos explica a insero da fotografia
neste contexto:
Com a revoluo documental das ltimas dcadas e, com o alargamento do conceito que o termo documento passou a ter, a fotografia comeou a ser tratada de forma diferenciada. No h histria sem documentos assinalou Samaran. H que tornar a palavra documento no sentindo mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, ou de qualquer outra maneira.
Um novo panorama comeou a ser escrito no ambiente da fotografia
para a sua incluso no hall das fontes histricas. A concepo de Histria
formulada pela Escola Metdica entrou em processo de declnio com a criao
da Escola de Annales, por Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre no final
dos anos 40 do sculo passado, onde novos objetos e novas fontes passaram
a ser includas para fornecer uma nova viso aos estudos histricos em
detrimento do modo de fazer Histria pela antiga Escola Metdica, incluindo-se
a fotografia.
No prximo captulo faremos uma pequena retrospectiva da Histria da
fotografia e seus futuros problemas como fonte histrica no limiar do sculo
XXI.
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3 A TRANSIO DA IMAGEM CONCEITUAL PARA A IMAGEM REAL
A inveno da fotografia no foi como um mero passe de mgica, que
foi criada de um dia para o outro. A mesma veio da nsia da humanidade em
fixar e reproduzir aquela realidade que os olhos sempre enxergaram. Nesta
necessidade de fixao e reproduo da imagem, a fotografia teve a sua
evoluo advinda de uma srie de fatores e conhecimentos adquiridos atravs
dos sculos que antecederam a sua concepo, tais como: fsicos, qumicos,
matemticos, filosficos e artsticos.
A inveno da fotografia no pode ser confundida com a descoberta das placas sensveis luz e por isso a data de 1826 (quando Nipce registra ou fixa a imagem na chapa fotogrfica pela primeira vez) arbitrria para designar o nascimento do processo. (MACHADO, 1984, p. 30)
O Renascimento foi o verdadeiro ponto de partida do nascimento da
fotografia como conhecemos hoje. A necessidade de representar o realismo
imagtico, os artistas desta poca procuraram imitar a realidade com uma nova
tcnica que a chamaram de perspectiva. A melhor definio deste processo
est na prpria escrita de Alindo Machado:
A perspectiva central e unilocular inventada no Renascimento introduziu nos sistemas pictricos ocidentais a estratgia de um efeito de realidade e fez com que os seus artfices mobilizassem todos os recursos disponveis para produzir um cdigo de representao que se aproximasse cada vez mais do real visvel, que fosse o seu analogon mais perfeito e exato. (MACHADO, 1984, p.27)
A perspectiva ou tambm conhecida como a cincia da arte tornou-se
uma moderna tcnica de representao pictrica com uso de coordenadas
matemticas, onde se pode perceber a representao de uma situao
tridimensional (o que os olhos enxergam) no plano bidimensional (a figura
plana) onde as linhas de fuga6 convergem com um ponto distante ou no infinito,
tambm chamada de ponto de fuga, como se pode observar na figura 02.
Jacques Aumont (1993, p.213) corrobora este esclarecimento: "Este mtodo
transformou o que representado de maneira certificada por parte de quem
6 So as linhas imaginrias que descrevem o efeito da perspectiva convergindo para o ponto de fuga. o afunilamento dessas linhas em direo ao ponto que geram a sensao visual de profundidade das faces em delineamento dos objetos em perspectiva.
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observa, criando assim a sensao de profundidade, forma e essncia da
imagem, ou seja, consiste em projetar o espao tridimensional sobre um
espao bidimensional."
Fig. 02 Perspectiva de cidade ideal obra atribuda a Piero dela Francesca, 1460.
Fonte: http://www.robinurton.com/history/Renaissance/early_ren.htm
Anteriormente a perspectiva renascentista, os pintores medievais
pintavam seus quadros sem o uso desta tcnica, surgindo assim imagens sem
iluso de espao, desproporcionais e sem traos de realidade, conforme o
exemplificado na figura 03, onde se v a total falta de perspectivas,
alinhamentos e propores entre as pessoas e as construes figuradas. A
organizao pictrica no visava a realidade em si, somente a sua
representao visual, onde o que mais importava era o conceito de seus
personagens e da sua importncia na obra. Na Idade Mdia, a escrita era a
melhor expresso de memria, portanto, a poesia reinava nesta poca como
um mtodo de oralidade da Histria, ficando as imagens em segundo plano.
Conforme Huizinga afirma: "A misso da arte era enfeitar as formas nas quais
se vivia a vida com beleza." (HUIZINGA, 2010, p.416)
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Fig. 03 - Reconstruo do templo de Jerusalm de Guillaume de Tyr, sculo XIII.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Medieval_art
Este conceito vem a mudar, a pintura comea a se elevar ao primeiro
plano, pois grande parte dos medievos eram analfabetos, portanto a arte
passaria a ocupar o lugar que ora pertencia ao ouvido: "enquanto no medievo
Deus falava ao homem pelo ouvido, agora Deus falaria por meio de imagens."
(BRANDO, 2009. p.04) Nesta poca passou-se a olhar mais do que ler e
nossa percepo histrica tornou-se cada vez mais visual, onde o ato de ver
tornava-se individual, e cada indivduo podia em si mesmo interpretar a sua
percepo dos fatos, no da oralidade de outrem e sim da sua viso:
Mas o lamento acerca de todo o sofrimento do mundo, expresso na palavra, mantm sempre o seu tom de imediato sofrimento e insatisfao, sempre nos inunda com tristeza e compaixo, enquanto o sofrimento, da forma como expresso pelas artes plsticas, instantaneamente passa para a esfera da paz elegaca e serena. (HUIZINGA, 2010, p.415)
A partir de ento a imagem teve o seu grande apogeu. Com o advento
do perodo renascentista, os artistas da poca comearam a se preocupar com
o realismo da imagem em si. Neste perodo houve a distino entre a arte e a
tcnica, onde a arte visava o belo e a tcnica visava utilidade. "Desde ento,
a arte pictrica estaria liberada para trilhar outros caminhos, como a quebra do
perspectivismo, do realismo e da linearidade da luz." (BRANDO, 2009, p, 05).
Em suma, todos estes fatores foram embrionrios para o advento da fotografia
nos sculos posteriores.
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3.1 A CMERA ESCURA: UMA NOVA CONCEPO VISUAL
A fotografia sempre foi ligada a arte, principalmente no Renascimento,
quando os pintores deste perodo comearam a conceber suas obras atravs
de um dispositivo conhecido como camara obscura (Fig. 04). Este aparelho no
era nenhuma inovao da poca, pois os seus princpios eram conhecidos
desde o sculo IV a.C. por Aristteles, conforme a breve sntese da Histria da
Fotografia extrado na pgina web da Kodak:
Sentado sob uma rvore, Aristteles observou a imagem do sol, durante um eclipse parcial, projetando-se no solo em forma de meia lua quando seus raios passarem por um pequeno orifcio entre as folhas. Observou tambm que quanto menor fosse o orifcio, mais ntida era a imagem. (KODAK, [200?])
O princpio deste dispositivo consistia em uma caixa escura da a sua
nomenclatura em que a luz penetra atravs de um pequeno orifcio na parede
dianteira da caixa, projetando uma imagem inversa no outro lado da parede,
conforme mostrada na imagem abaixo em que demonstra um pintor dentro da
caixa e o feixe de luz que entra projetando a imagem do lado exterior
inversamente, onde o pintor faz o decalque desta projeo:
Fig. 04 - Exemplo de funcionamento da cmera escura
Fonte: http://garatujafotografia.blogspot.com.br/2013/07/cmara-escura-o-inicio-de-tudo.html
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Este mtodo ainda no resolveria por completo a formao da imagem
no interior da caixa. O artista ainda precisava completar e corrigir a imagem
formada para a sua total formao. Arlindo Machado j nos explica o porqu
desta correo:
Dissemos completa e corrige porque a imagem projetada no interior da camera obscura era desfocada e praticamente sem definio: faltava um princpio organizador, um cdigo de base que arranjasse a imagem de modo a torn-la inteligvel (segundo os parmetros de inteligibilidade predominante na poca). Essa funo de cdigo de base no demorou a ser ocupada pela perspectiva artificialis. (MACHADO, 1984, p.32)
A portabilidade (Fig. 05) chegou logo aps este processo de reproduo
de pinturas na cmera escura. Como prenncio das cmeras reflex
comercializadas atualmente, aperfeioaram o aparelho em dimenses menores
com o uso de lentes. Graas a Daniele Barbaro que no sculo XVI, inventou
um sistema de lentes cncavas e convexas destinadas a refratar a informao
luminosa que deveria penetrar na cmera. (MACHADO, 1984, P.32).
Fig. 05 - Cmera escura porttil para decalque
Fonte: http://chestofbooks.com/reference/American-Cyclopaedia-2/images/Camera-Obscura.jpg
A figura 05 representa uma cmera escura destinada o seu uso em
decalques. constituda por uma caixa retangular, feita de duas partes, uma
das quais desliza para dentro da outra, de modo que pode ser alongada ou
encurtada, de acordo com a distncia do objeto. Os raios de luz do objeto
passam atravs de uma lente convexa (a), e logo refletida a partir de um
espelho (m), colocada em um ngulo de 45, sobre de uma placa horizontal de
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vidro (n), onde forma uma imagem invertida, o que pode ser facilmente traado
com um lpis. Isto levou alguns pintores do sculo XVII criao de alguma de
suas obras atravs deste processo, como mencionado por Philip Steadman
(2011, p.02) na pgina dedicada Histria da BBC inglesa:
Por mais de uma centena de anos, tem sido sugerido que o grande mestre holands do sculo 17 Johannes Vermeer fez uso da cmara escura como auxlio pintura. A cmara escura era o antecessor da cmera fotogrfica, mas sem o filme sensvel luz ou placas. Est bem estabelecido que no sculo 18 alguns outros pintores famosos utilizaram o dispositivo, o mais conhecido Canaletto, cuja cmera obscura prpria sobrevive no Museu Correr em Veneza. O pintor ingls de retratos Sir Joshua Reynolds era dono de uma cmera; e o dispositivo foi amplamente utilizado por paisagistas, profissionais e amadores, at a inveno da fotografia qumica em 1830. Com Vermeer a questo de saber se ele usou mtodos pticos mais controverso.
Entre controvrsias ou no, os crticos de arte at ento duvidam se as
obras de Vermeer foram ou no feitas com o uso da cmera escura. Existem
basicamente cinco caractersticas das pinturas que sugerem o uso de uma
cmera escura: perspectiva, prestao tonal, composio, manipulao de luz
e alguns efeitos visuais peculiares produzidos exclusivamente pela lente
imperfeita da cmera escura do sculo 17. A pintura que mais se destaca neste
contexto o quadro denominado View of Delft (1660-61) conforme mostrada
na figura 06, pintura esta que de extrema exatido na topografia da cidade,
atravs de sua perspectiva, da luminosidade da obra e dos detalhes reflexivos
na gua. Para a poca em voga, tais detalhes seriam inconcebveis somente
com a imaginao e observao do artista, conceitos estes que seriam mais
difundidos posteriormente no Impressionismo7. Arlindo Machado (1984, p. 31)
tambm corrobora acerca desta obra:
[...] pois algumas anomalias da composio deste quadro, impensveis numa reproduo baseada apenas no olho nu do pintor, denunciam a interveno de um mediador tico. A coroa de luz evanescente (bloom) em volta dos aparelhos do barco no primeiro quadro [...] so fenmenos gerados pela refrao de luz nas lentes colocadas na abertura da cmera e no poderiam jamais ter sido imaginadas pelo artista.
7 Impressionismo o termo usado para designar uma corrente pictrica que tem origem na Frana, entre as dcadas de 1860 e 1880, e constitui um momento inaugural da arte moderna, sendo uma forma de arte, principalmente pictrica, que procura transmitir a impresso como foi materialmente recebida da natureza.
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Fig. 06 - View of Delft" (1660-61) Johannes Vermeer, supostamente feita com a cmera escura.
Fonte: http://www2.uncp.edu/home/rwb/vermeer_delft.jpg
Do Renascimento at o incio do sculo XIX, as cmeras escuras foram
aperfeioadas como equipamentos. Este dispositivo, a concepo dos
conceitos ticos e a introduo da perspectiva na formao da imagem, foram
os primeiros passos para o advento da fotografia. Mas ainda havia uma
questo: como fixar a imagem refletida? Como passar da reprodutibilidade
manual para a tcnica? Estas questes foram respondidas a partir do ano de
1830, quando realmente a fotografia comea o seu advento.
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3.2 A INVENO DA FOTOGRAFIA
Enquanto que da observao de numerosas substncias sensveis
luz e a evoluo da cmera escura pr-data de 1800, a inveno da fotografia
como conhecemos um fenmeno exclusivo do sculo XIX. Obtido literalmente
das palavras gregas photos e grafos, juntas que significa desenhar com luz, a
fotografia veio a enternecer a sociedade dos idos do sculo XIX pela sua
extrema representao realista dos assuntos enquadrados.
O termo fotografia foi usado pela primeira vez por um francs radicado
no Brasil em 1833. Antoine Hercules Romuald Florence (1804-1879). Este
trabalhou de forma isolada no Brasil sem influncia da comunidade cientfica
europeia. Porm, John Herschel (1792-1871), que estava inserido no meio
desta comunidade, e de sua importante contribuio para a fotografia com a
descoberta da propriedade do hipossulfito de sdio (hoje, tiossulfato de sdio)
como solvente dos haletos de prata. (GIORGI, 2009, p.01) Creditou-se a ele o
uso das palavras fotografia e foto em 1839, por quem procurava palavras para
descrever o processo e o produto.
A primeira pessoa que tentou fixar uma imagem de cmera foi Thomas
Wedgwood (1771-1805), filho de um famoso oleiro ingls. Este dedicou boa
parte de sua vida no intuito de fixar imagens como decorao nas cermicas
feitos por sua famlia. Atravs do conhecimento de Johann Heinrich Schulze
(1687-1744) que descobriu que cloreto e nitrato de prata escureciam na
presena de luz, este comeou experimentos em sensibilizar papel e couro, e
ento sobrepondo e expondo luz objetos planos e pinturas transparentes.
Este mtodo mostrou-se no vivel, pois o nitrato de prata continuava
sensibilizado e Wedgwood desanimou-se por no ter encontrado meios para
dessensibilizar as reas no expostas no papel e couro outrora preparado. O
processo de inveno da fotografia foi concebido de vrios fatores distintos,
que tiveram de serem fundamentados sucessivamente:
Em particular, no se deve esquecer que a formao de uma imagem sobre um suporte coberto de sais de prata sensveis luz uma coisa, mas que a conservao das impresses luminosas que surgem outra. H nesse ponto uma clivagem fundamental, que constitui, por
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exemplo, toda a diferena entre os fracassos de uma Charles e de um Wedgwood e os sucessos dos Niepces, Daguerre e Talbot. (DUBOIS, 2012, p.138)
Joseph Nicphore Nipce obteve mais sucesso na fixao da imagem
atravs de processos qumicos. Quando a litografia foi introduzida na Frana
em 1815, Nicphore props substituir a pesada pedra calcria usada pelo seu
inventor Aloys Senefelder (1771-1834) por placas revestidas de metal por
no ter habilidades para o desenho manual, assim como William Henry Fox-
Talbot (1800-1877) com a cmera lucida por um processo ao invs do uso de
desenhos manuais, o mesmo usaria a concepo dos desenhos feitos atravs
da luz.
Ele revestiu as pedras litogrficas com placas de cobre, estanho, zinco e vidro com asfalto dissolvido no leo de lavanda. Quando o asfalto secou, as placas foram cobertas com um objeto e expostos luz. As reas no expostas foram em seguida, dissolvidas com um solvente, tal como o leo de Dippel, leo de lavanda ou terebintina, enquanto as reas expostas endurecidas permaneceram intactas, criando uma imagem negativa. (OSTERMAN, 2007. p.27)
Nipce eventualmente colocou esta gravura encerada, em contato com
estas placas sensveis. Depois que as reas no expostas foram removidas
com um solvente, a placa negativa da gravura era visvel. A placa foi, em
seguida, tratada com cido e, subsequentemente, utilizado como uma chapa
de gravao convencional para a impresso numa prensa. Nipce chamou
essas placas de heliografias, que vem das palavras gregas helios e graphos,
que significa "desenho do sol". O processo se tornou a pedra fundamental da
indstria de fotogravura.
De todo processo heliogrfico feito por Nipce, uma imagem
sobreviveu como exemplo, para ser o cone da histria fotogrfica: View from
the Window at Le Gras (1826-27) (Fig. 07). Provavelmente feita em dois dias
de exposio para mostrar o horizonte dos elementos arquitetnicos de vrios
imveis atravs da janela da casa de Nipce.
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Fig. 07 - A primeira fotografia da histria, esq. foto original e dir. foto editada para uma melhor visualizao.
Fonte:
http://www.hrc.utexas.edu/exhibitions/permanent/windows/southeast/joseph_nicephore_niepce.html
A partir deste momento nasceu o que chamamos de imagem fixa, que
ao longo dos anos posteriores foram aperfeioadas. A luz e a prata foram os
ingredientes principais para o corte temporal e espacial da humanidade, para
que esta pudesse contar a sua histria, em um realismo como antes nunca
visto. A fotografia nos fornece evidncias do nosso passado, ao momento que
apertamos o boto da cmera ou nos deixamos fotografar, isto j se torna
histria a partir deste momento, pois congelamos o tempo.
A fotografia tem se prestado, desde sua inveno, ao registro amplo e convulsivo da experincia humana. A memria do homem e de suas realizaes tem se mantido sob as mais diferentes formas e meios graas a um sem nmero de aplicaes da imagem fotogrfica ao longo dos 160 anos. (KOSSOY, 2007, p.132)
Passados mais de um sculo e meio da concepo da fotografia, a
Histria pde ser escrita com o auxlio das imagens fotogrficas. Mas com o
advento da fotografia digital, a escrita da Histria atravs das imagens
fotogrficas, est a um passo de uma ruptura e logo tambm de uma transio.
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3.3 A FOTOGRAFIA: DO PERPTUO AO EFMERO
No livro de Peter Burke, Testemunha Ocular, o autor logo no primeiro
captulo narra o conceito da histria contada atravs da fotografia, acerca da
sua autenticidade e veracidade. O mesmo comenta uma passagem do escritor
francs Paul Valry (1871-1945), onde os critrios de veracidade histrica
passaram a incluir a pergunta: Poderia tal e tal fato, como foi narrado, ter sido
fotografado? (BURKE, 2004, p.26).
Por quase 150 anos essa questo foi respondida de forma
imprescindvel, pois nem todos os fatos narrados foram fotografados, como em
oposio muito do que se contou a histria foi documentada pelos sais de prata
da fotografia que hoje chamamos de analgica. Dentro de mais alguns anos, a
fotografia chegar ao seu bicentenrio, e em nosso presente comeamos a
entend-la novamente. Arlindo Machado em seu artigo A Fotografia como
Expresso do Conceito, j nos adianta o que est por vir: De tempos em
tempos, a discusso sobre a natureza mais profunda da fotografia volta tona
com insistncia. Nessas ocasies, tudo o que parecia slido se desmancha no
ar segue ainda o autor: Cada vez que um meio novo introduzido, ele sacode
as crenas anteriormente estabelecidas e nos obriga a voltar s origens para
rever as bases a partir das quais edificamos a sociedade das mdias.
(MACHADO, 2000, P.01)
Com o advento da fotografia digital no fim do sculo passado, a
fotografia logo deixou de existir como matria para se tornar algo no palpvel.
Estamos assistindo a desmaterializao da fotografia de uma forma irrefrevel,
onde o filme fotoqumico e o papel esto dando lugar ao nmero 0 e 1, ou
seja, o pixel, que em termos de matria no existe, ento passamos logo a
entender que a fotografia tambm no existe. A fotografia como j mencionada
anteriormente, dita analgica, conta somente com um tipo de mdia para o seu
arquivamento: o negativo, produto este que mesmo inerte atravs dos tempos,
permite a visualizao da imagem colocando-o contra a luz e tambm
permitindo a posterior confeco de cpias. Em suma: uma autenticidade da
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existncia do objeto fotografado, em detrimento da fotografia digital em que
Joan Fontcuberta (2012, p. 14-15) nos cita:
[...] Em compensao, a superfcie de inscrio da fotografia digital a tela: a impresso da imagem sobre um suporte fsico j no imprescindvel para que a imagem exista; a foto digital, portanto, uma imagem sem lugar e sem origem, desterritorializada, no tem lugar porque est em toda parte.
Na era da imagem digital, a fotografia chegou a uma ruptura do seu
modelo tradicional e caminha para uma transio, ou seja, para o seu
renascimento. Em relao ao negativo, ainda no se chegou a um consenso
qual ser o negativo padro. Em meio de arquivos TIFF, JPEG e RAW (cada
fabricante tem o seu tipo proprietrio) ainda no foi criado um que seja
universal e escrito e lido por cmeras e computadores. A Adobe, criadora do
programa Photoshop, tenta de forma infrutfera at o momento adotar o arquivo
de extenso .dng para este propsito.
Alm da problemtica acima, nos deparamos com outro: as diversas
mdias para arquivamento destas imagens eletrnicas. Temos disquetes
magnticos, CDs, DVDs e as mais recentes memrias de estado slido, como
os pen-drives e cartes de diversos modelos (CompactFlash, SanDisk e
outros). O problema : como a histria ser contada atravs da fotografia em
um futuro prximo? Pois no temos garantia nenhuma do acesso destes
arquivos e mdias, em detrimento a imagem consistente arquivada na pelcula
fotogrfica, que com certeza podero nos mostrar a nossa histria por vrias
geraes vindouras, se esta no for alvo de destruio ou de perda por parte
do seu guardio. Na era da fotografia digital a pergunta feita por Paul Valry
voltar tona e se consolidar as menes de Arlindo Machado feitas no incio
deste sculo acerca desta nova fase da fotografia. O prximo e ltimo captulo
deste trabalho ter o propsito de uma melhor anlise destes questionamentos.
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4 A FOTOGRAFIA NO SEGMENTO TEMPORAL DA HISTRIA
To pequeno como seu caderno e conta a histria melhor, assim era
o mote de lanamento da Kodak, para a cmera Vest Pocket Kodak de 1912,
demonstrada aqui em um recorte publicitrio da poca (Fig. 08). Este
equipamento viria a ser o maior sucesso de vendas da Kodak poca, com
vendas que alcanaram quase 2 milhes de unidades manufaturadas at o ano
de 1926. Sendo uma das primeiras cmeras compactas concebidas, esta pelo
seu sucesso de vendas, ficou mitificada por realizar fotografias por amadores,
que logo contariam a Histria atravs da imagem fotogrfica, de forma
espontnea sem a necessidade de profissionais ou estdios para este fim.
Fig. 08 Recorte de publicidade da cmera: Vest Pocket Kodak
Fonte: http://www.apogeephoto.com/nov2010/jaustin112010.shtml
Na maioria das vezes, uma fotografia que concebida para contar a
Histria, esta previamente preparada para tal fim apesar de que nenhuma
imagem dure para sempre onde os profissionais fotogrficos se certificam da
melhor maneira de arquivamento e preservao da imagem, tanto como em
negativo, como tambm no impresso. E quando falamos em fotografias
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amadoras? Ou at mesmo em fotografias realizadas e esquecidas ao
decorrer do tempo? Esta a problemtica da ltima parte deste trabalho: como
a fotografia contar a histria no limiar do sculo XXI?
Para um melhor entendimento desta assimilao, narraremos dois
casos em que foi envolvida a cmera, ora citada: a Vest Pocket Kodak que em
um dos casos foi a protagonista de contar a histria de forma intencional e a
outra ainda ou talvez - ir contar e mudar a histria como conhecemos hoje:
No primeiro caso, em uma primavera de 1913, um grupo de fiis da
Primeira Igreja Luterana de Oklahoma City, nos Estados Unidos da Amrica,
acondicionaram e enterraram diversos objetos em um cofre que estes
chamaram de o cofre do sculo, pois o mesmo deveria ser aberto em 22 de
abril de 2013. Os idealizadores almejavam criar esta capsula do tempo, para
que a pessoas no futuro soubessem e o que pensariam sobre os artefatos
desta poca. Entre os diversos objetos estava uma recm-lanada e adquirida
numa drogaria prxima, a Vest Pocket Kodak, que cuidadosamente foi retirada
da caixa e tirada oito fotos da redondeza. O filme foi revelado e
cuidadosamente retornado para a cmera e essa da mesma maneira de volta
para a sua caixa de origem.
E assim conforme instrues, o cofre foi desenterrado e aberto 100
anos depois. Para surpresa de todos, todos os objetos estavam preservados
em perfeitas condies, inclusive a cmera. O filme logo foi levado para o seu
processamento - apesar do ceticismo de todos e perfeitamente o mesmo
pode ser logo transformado em uma imagem ntida e clara, que para o uso
histrico mostrou a fachada de uma importante biblioteca Carnegie Library -
que existiu no lugar, o qual foi demolido em 1951, dando lugar a outro
empreendimento de apartamentos. Para o Histria ficou um fato importante que
assim considera os historiadores desta cidade: a nica foto conhecida em
que mostra uma fonte na frente deste antigo prdio demolido, e assim
confirmando a autenticidade deste objeto que por ento era afirmado somente
atravs da histria oral e escrita, demonstrando assim a fotografia como fonte
auxiliar na construo historiogrfica.
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No segundo caso, o mistrio envolve a histria na chegada dos
primeiros alpinistas ao cume do Monte Everest. Historicamente aceito que
Edmund Hillary e o xerpa Tenzing Norgay conquistaram o cume do teto do
mundo como conhecido o Monte Everest em 1953. No entanto persiste
uma dvida at este momento: Ser que foram eles? Ou George Mallory e
Andrew Irvine que em 1924 estavam a poucos passos desta conquista?
Em 06 de junho de 1924 s 12h50, estes dois alpinistas foram vistos
pela ltima vez antes de desaparecerem e ningum mais soube de nada deles.
Ficaram vrias perguntas sem respostas: morreram na tentativa de alcanar o
cume? Morreram na descida? Ou a mais proeminente de todas as questes:
alcanaram eles o cume do Monte Everest? Estas perguntas poderiam ser
respondidas caso fosse encontrada a cmera que eles levaram para
documentar a proeza. E novamente nos vemos diante da cmera compacta da
Kodak mencionada aqui. Eles estavam de posse de uma Vest Pocket para
documentar a expedio e o sucesso deste feito em que seriam os primeiros a
alcanarem o cume da montanha, feito este que por duas tentativas Edward
Norton no tivera xito em 1922 e incio de 1924.
Aps inmeras tentativas de expedies procura destes alpinistas, em
1999 foram encontrados os restos mortais congelados de George Mallory, a
500 metros do cume da montanha. Mas infelizmente no foi encontrada a
cmera no local, acreditando-se que a mesma esteja na posse de Andrew
Irvine, no qual os seus restos mortais ainda no foram localizados.
Por 90 anos este mistrio ainda encontra-se indecifrvel. A cmera
encontra-se ainda sepultada no gelo em algum lugar prximo ao cume do
Everest, e por mais que o tempo passe, historiadores e tcnicos qualificados
em fotografia, principalmente da George Eastman House, acreditam na
recuperao destas imagens assim que forem encontradas, apesar das
extremas condies que se encontra tal equipamento. A fotografia argntica,
ou seja, a fotografia analgica devido as suas propriedades qumicas pode ser
obtida de modo manual e artesanal, pois no envolve decodificao de sinais
digitais como hoje em dia. Diante deste fato vem uma pergunta: se daqui a 100
anos um fato importante fora registrado atravs de uma cmera fotogrfica
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digital, que veio a se perder, no entanto encontrada, como o resgaste da
Histria poder ser feito?
Assim como a fotografia analgica que foi concebida quatro sculos
depois do uso da perspectiva na imagem para tornar-se uma imagem quase
real, depois foram precisos mais 150 anos para a consolidao da fotografia
argntica, a cmera digital como conhecemos hoje, foi concebida pela Kodak
em 1975, mas s chegando ao consumo de massa em 1997 com o lanamento
da Sony Mavica. Esta era uma mquina compacta que usava disquetes de 3.5
polegadas. Apesar da resoluo da imagem ser inferior a 1 megapixel, a
mesma j usava o formato de arquivo que usamos atualmente, o JPEG.
Passados 17 anos do seu lanamento e de sua massificao, atualmente j
teremos problemas em resgatar imagens deste equipamento, pois leitores de
disquetes j se encontram numa fase de obsolescncia. Como o tempo e a
evoluo tecnolgica no param, desde j est plausvel os problemas que ora
poderemos ter para escrever a Histria atravs de imagens fotogrficas.
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4.1 A FOTOGRAFIA UMA MDIA EM TRANSIO
A fotografia desde o seu advento em 1839 tem sido utilizada para
preservar e resgatar a memria, que tomada todas as medidas cautelares,
poder ser perpetuada atravs dos anos. Todos os fotgrafos so unnimes
em afirmarem que a pelcula fotogrfica a mdia mais segura para esta
preservao em detrimento das mdias digitais, pelo seu alto grau de
efemeridade e obsolescncia.
Na mesma velocidade que se pode enviar uma imagem para qualquer
canto do mundo e sua instantnea visualizao da fotografia digital, assim
tambm de extrema velocidade a mudana de mdias para arquivamento.
Muito destes problemas reside ao fato da no padronizao de arquivamento.
O arquivo comumente usado por quase todas as cmeras o JPEG, que
permite uma alta compresso de imagem e praticamente quase padronizada o
seu uso no mundo virtual. Pela sua compresso suscetvel a perda de dados
e at nfimos detalhes na imagem, como tambm a sua facilidade em se
corromper, levando a perda total da imagem.
Ainda segundo Howard Besser no seu artigo Longevidade Digital
ainda no sabemos verdadeiramente quais os efeitos em longo prazo
causados pela compresso. E ainda afirma que: O uso da compresso com
perda de dados hoje pode obstar certos usos dessas imagens no futuro.
(BESSER, 2010, p.61) Existe tambm o arquivo TIFF e os formatos RAW que
querem dizer dados puros, sendo que cada fabricante de equipamento
desenvolve seu prprio padro e modifica-os a cada atualizao de seus
equipamentos, sem mencionar tambm que estes arquivos somente so lidos
por softwares desenvolvidos para este fim.
Para resolver esta questo ou quase a Adobe tenta universalizar o
arquivo de extenso .dng chamado de negativo digital de padro aberto para
ser adaptada por todos os fabricantes de equipamentos fotogrficos. A
utilizao deste tipo de arquivo garantiria o acesso de fotografias arquivadas ou
mesmo perdidas no futuro. Mas este tipo de arquivo ainda sofre relutncia por
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parte dos fabricantes, como a Canon e a Nikon, talvez para que essas
mantenham as suas respectivas independncias de terceiros. Hoje em dia a
melhor soluo seria a converso dos arquivos fotogrficos para este padro
que, entretanto no temos garantia nenhuma de sua perpetuao.
Outro imbrglio so as chamadas mdias de armazenamento. No
advento da fotografia digital, inicialmente foi usado o disquete de 3.5 polegadas
para a obteno da imagem, logo sendo substitudas por memrias chamadas
de estado slido onde as informaes ficam armazenadas dentro de chips
(cartes de memria). Para o devido arquivamento so usadas mdias ticas
(CD, DVD e atualmente Blu-Ray) e os discos rgidos (interno ou externo). Logo
se pergunta: qual a durabilidade destas mdias? Tanto em integridade dos
dados contidos como na sua obsolescncia. A tabela abaixo nos mostra a
possvel durao de cada mdia:
Grfico 01 Estimativa de durabilidade de mdias digitais
Fonte: http://www.code42.com/img/crashplan/infographic/storage-media-lifespan-3e396b15.jpg
Estas expectativas so um tanto fantasiosas, seus fabricantes alegam
terem feito testes em laboratrios, expondo seus produtos em condies
extremas para chegarem de alguma forma a uma suposio de durabilidade.
0 20 40 60 80 100 120 140 160
HD Externo
HD Interno
Carto de Memria
Pendrive
DVD-R
CD-RW
Disquete 3.5"
Uso Regular/anos Sem Uso/anos
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Mesmo que estas mdias durem tanto quanto esperado, isto no vem a resolver
o problema, e sim a recuperao destes dados futuramente. Haver problemas
na compatibilidade de hardware e software para a devida codificao destas
imagens. Neste contexto temos um grande paradoxo: no que condiz ao
analgico tal como papel e negativo, iro existir at que algo ou algum o
destruam. No digital para que os dados possam sobreviver, algum ter que
agir conscientemente para faz-la perdurar.
4.2 DESAFIOS PARA A PRESERVAO DA IMAGEM DIGITAL
O advento da fotografia digital como assistimos hoje, trouxe algumas
vantagens para a arte de fotografar, tal como: a quebra da limitao em
exposies, ante as 12, 24 e 36 fotos na era das pelculas; a sua instantnea
visualizao; cada vez mais e mais pessoas aderem ao interesse em aprender
a fotografar de uma forma mais didtica e a total independncia na
manipulao de fotos em laboratrios. Mas com ela vm tambm os
problemas: a banalidade em registros fotogrficos, a excessiva manipulao
das imagens, vindo a deixar dvidas na sua total autenticidade e o principal
como j descrevemos, a sua perpetuao com os perigos de perda de dados
eletrnicos e o banimento das cpias impressas.
Especialistas afirmam que a melhor maneira de se preservar a imagem
fotogrfica ou os diversos dados digitais, com a migrao constante para as
novas mdias que iro surgir ou a converso das mesmas para formato de
arquivos vindouros. Mas para este trabalho, o que escreve a histria so
justamente aquelas imagens perdidas, esquecidas no tempo, assim como fez
muito bem a fotografia analgica no passado. Arlindo Machado no final do
sculo passado foi categrico em afirmar:
A nova situao criada pelo advento dos meios eletrnicos e digitais oferece uma boa ocasio para se repensar a fotografia e o seu destino, para colocar em questo boa parte de seus mitos ou de seus pressupostos e, sobretudo, para redefinir estratgias de interveno capazes de fazer desabrochar na fotografia uma fertilidade nova, de modo a recolocar o seu papel no milnio que se aproxima. (MACHADO, 1993, p.14-15)
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37
Arlindo Machado talvez seja o nico pensador na atualidade a ser
ctico em relao ao futuro da fotografia como evidncia histrica no futuro.
Para ele a fotografia est perdendo o valor como documento e como atestado
da veracidade da imagem fotografada, tal ante a manipulao caseira em que a
fotografia digital facilmente acessada e a banalidade de exposies sem
cpias impressas, pois com a visualizao automtica das fotos clicadas,
perde-se automaticamente o interesse de sua visualizao impressa. Segundo
ele: No tempo da manipulao digital das imagens, a fotografia no difere mais
da pintura, no est mais isenta de subjetividade e no pode atestar mais a
existncia de coisa alguma. (MACHADO, 2005, p. 312)
4.3 FOTOGRAFIAS NO SCULO XXI: TRANSIO, RUPTURA OU
RETROCESSO?
No comeo dos anos de 1980, as indstrias eletrnicas Phillips e Sony
em conjunto anunciaram uma nova revoluo em ouvir msica: o advento do
formato eletrnico da msica no formato de um pequeno disco que foi chamado
de CD (Compact Disc), iniciando assim a era digital no mundo musical e
relegando margem o antigo disco de vinil. Junto a este processo, mais tarde
vieram a msica virtual com o seu arquivo de nome .mp3, e toda a sua
evoluo e intrigas como j conhecidas. Em certos aspectos a msica digital
no difere em nada para a imagem digital, pois estas tambm padecem da
banalizao e da no perpetuao. Mas algo mudou no comeo da segunda
dcada do sculo XXI para a msica: o retorno tmido do disco de vinil que
segundo dados recentes, suas vendas j alcanam a cifra de um digito de
milho. Mas o porqu disto:
A explicao corrente entre aficionados, especialistas e msicos diz que o som digital achata a msica: graves e agudos somem. Os tons mdios ganham destaque. Falta a impreciso caracterstica dos discos analgicos, acredita Sean Magge, engenheiro da Apple (a gravadora). justamente esta impreciso que torna o vinil to especial; eles podem reproduzir com mais fidelidade a experincia auditiva de um concerto (sinfnico ou outro, como o rock) com mais realismo que o pasteurizado digital. (ALBUQUERQUE, 2012, p. 01)
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38
Apesar de no haver nenhuma movimentao por enquanto em
relao fotografia, acredita-se que ela acompanhar o mesmo processo, em
decorrncia em que nenhuma mquina digital at o momento - ainda no foi
capaz de chegar a um nvel em qualidade de sensibilidade cromtica ante a
exposio de sais de prata; pela vontade de aperfeioar as habilidades
fotogrficas de cada indivduo ou mesmo por puro saudosismo.
A fotografia no limiar do sculo XXI est sofrendo um verdadeiro
renascimento, seja por seus imbrglios tecnolgicos, sua ameaa de perda de
identidade documental e outros fatores supracitados aqui. A verdade que a
fotografia ter que se reinventar neste novo sculo do seu quase bicentenrio
de inveno como a conhecemos hoje. A fotografia digital est somente no
seu preldio e o tempo vindouro consolidar esta nova fase de representao
visual, porque at as nossas concepes mudam com o tempo, segundo Fred
Ritchin em seu livro After Photography (2010) A nova fotografia ser lida e
entendida de forma diferente como as pessoas compreendem, que no
descendem de uma mesma lgica de representao ou da fotografia analgica
ou da pintura que as precedeu. (RITCHIN, 2010, p.144) e neste futuro
proposto em que os vestgios de nossas imagens possam ou no ser
recuperadas, poderemos tambm ter um novo tipo de historiografia. Portanto, o
resultado deste renascimento, somente a Histria poder nos contar a partir de
agora.
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5 CONSIDERAES FINAIS
A pretenso deste trabalho foi levantar uma reflexo em torno da
fotografia digital e suas dvidas em relao construo historiogrfica a partir
das fontes imagticas. A fotografia digital que nasceu junto com a tecnologia da
informao, traz imensos benefcios na atualidade, principalmente no campo
cientifico onde certas aplicaes eram impossveis com a fotografia analgica,
como: imagens internas do nosso prprio corpo e de nano imagens que
auxiliam a cincia como um todo. Junto com estes benefcios veio tambm
banalizao da fotografia, ou seja, o uso e abuso do ato do clique, levando se a
produzir inmeras fotografias, que na maioria so descartadas ou mesmo
esquecidas em suas mdias, relegando a sua impresso no papel a segundo
plano como antes era prioritrio na fotografia analgica.
Entendemos por banalizao a transformao do que antes era tido
como algo de valor para ser tornar comum, ou seja, algo sem importncia. A
fotografia comea a entrar nesta relao, e quanto mais o tempo passa, esta
banalizao se acentua para todos os campos no que diz respeito fotografia.
A disseminao de arquivos de imagem no padronizadas, mdias digitais com
estimativa de durao incerta e as constantes atualizaes de hardware e
software, configuram como elementos deste processo.
Focando neste processo, levantamos a hiptese de uma provvel
perda da fotografia como fonte de histria para construes historiogrficas em
tempos remotos de nossa prpria contemporaneidade, com as incertezas do
resgaste destas imagens, sejam elas por suas obsolescncias e suas
incompatibilidades em dispositivos e programas para leitura destas mdias e
arquivos.
Entende-se que a fotografia na sua transio do analgico para o
processo digital, a mesma dever ser repensada como a si mesmo, como
tambm pela historiografia. O cenrio atual leva-nos a cr que a imagem
digital, sem o seu uso racional, poder vir a sofrer um apago da memria
histrica. Precisamos mais do que nunca levar em considerao o que Arlindo
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Machado - com a transio da fotografia analgica para a digital - nos lega em
sua citao na pg. 28 deste trabalho.
A fotografia como fonte histrica est por ora consolidada como tal,
mas chegamos na hora de uma profunda reflexo e redefinies para que
possamos intervir com bastante estratgia, para que a mesma continue nos
trazendo a histria da forma mais memorvel possvel e no enxergando esta
situao como um processo apocaltico, pois em todo processo tecnolgico, o
mesmo feito de aperfeioamentos, levando assim a uma evoluo processual
e como historiadores precisaremos mais do nunca deliberar a nossa parte.
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