A FRAGILIDADE DOS LAÇOS AFETIVOS NA SOCIEDADE...

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FACULDADE DE ESTUDOS ADMINISTRATIVOS DE MINAS GERAIS Curso de Especialização em Psicologia Clínica: Existencial e Gestáltica Odilon Luiz Nogueira A FRAGILIDADE DOS LAÇOS AFETIVOS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS IMPACTOS NA VIDA DAS PESSOAS Belo Horizonte 2013

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FACULDADE DE ESTUDOS ADMINISTRATIVOS DE MINAS GERAIS

Curso de Especialização em Psicologia Clínica: Existencial e Gestáltica

Odilon Luiz Nogueira

A FRAGILIDADE DOS LAÇOS AFETIVOS NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA E SEUS IMPACTOS NA VIDA DAS PESSOAS

Belo Horizonte

2013

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Odilon Luiz Nogueira

A FRAGILIDADE DOS LAÇOS AFETIVOS NA SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA E SEUS IMPACTOS NA VIDA DAS PESSOAS

Monografia apresentada ao curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica: Existencial e Gestáltica da FEAD, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Psicologia Clínica: Existencial e Gestáltica. Orientadora: Profa. Lizandre Lopes

Belo Horizonte

2013

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Agradecimentos

Deixando um pouco de lado a forma tradicional de agradecer quero, em primeiro

lugar, expressar o meu orgulho e contentamento pela conclusão, após seis décadas

de existência, de mais uma etapa de minha formação educacional e profissional.

Entretanto, não posso deixar de agradecer a todos os seres-no-mundo que estão

mais próximos de mim dentro desta rede de entrelaçamento homem-mundo que,

mesmo sem saber, me afetaram, foram afetados por mim, colaboraram e continuam

colaborando para que a minha existência seja mais amena, agradável, harmoniosa e

mais produtiva.

Agora, não posso cometer a injustiça de não registrar aqui o meu agradecimento

todo especial a um ser-no-mundo que, com sua gentil e carinhosa forma de criticar,

questionar e orientar possibilitou-me construir este trabalho com maior qualidade e,

principalmente, considerando as minhas limitações, me manter o mais dentro

possível da metodologia fenomenológica existencial. Muito obrigado Professora

Lizandre Lopes.

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RESUMO

No período contemporâneo vem ocorrendo mudanças sociais significativas e

relevantes tais como a acumulação de capital flexível, a globalização em suas

dimensões socioeconômicas, culturais e tecnológicas que, por sua vez vem

provocando mudanças avassaladoras e profundas de valores, de comportamentos e

de identidades nas pessoas e grupos sociais levando ao desencadeamento de

novos tipos de relacionamentos muito mais efêmeros, frágeis e superficiais e

interferindo de forma inquestionável no modo de interação entre os membros da

sociedade. Com tudo isto, o amor, o afeto, enfim, os sentimentos tornam-se

fragilizados e passam a ser um desafio tendo em vista que aprender a respeitar e a

entender as diferenças é algo que exige um esforço cada vez maior por parte de

todos os membros da sociedade contemporânea. Mesmo assim, os laços afetivos

ainda se constituem elementos importantes para a relação humana. A partir desse

contexto, este estudo visa proporcionar uma breve reflexão acerca do impacto das

transformações socioeconômicas e culturais sobre a sociedade de forma geral,

sobre a família, sobre as relações afetivas e sobre o sujeito contemporâneo com

base nas mudanças proporcionadas principalmente pelo fortalecimento desta

Sociedade de consumo.

Palavras-chave: Sociedade Contemporânea. Fragilidade. Laços afetivos.

Consumismo.

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ABSTRACT

Keywords:

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 6 2 A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA.................................................................. 8 2.1 As características da sociedade contemporânea............................................. 10 2.1.1 O consumismo............................................................................................... 10 2.1.2 O modo de ser contemporâneo..................................................................... 13 3 OS LAÇOS AFETIVOS....................................................................................... 16 3.1 O que são laços afetivos................................................................................... 16 3.2 A importância dos laços afetivos...................................................................... 18 3.3 Laços afetivos frágeis....................................................................................... 19 4 IMPACTOS DA VIDA CONTEMPORÂNEA........................................................ 22 4.1 Impactos na família........................................................................................... 23 4.2 Impactos no amor............................................................................................. 24 4.3 Impactos nas emoções e na sensibilidade....................................................... 26 4.4 Impactos no sujeito........................................................................................... 28 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 31 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 35

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem a intenção de levar a pensar e buscar a compreensão das

transformações e implicações no modo de vida das pessoas, advindas desta época

contemporânea marcada por um sistema capitalista baseado no consumismo e no

culto ao individualismo.

Desde as últimas décadas do século passado e neste início do século atual

vem acontecendo mudanças sociais de grande relevância e importância nos

diversos contextos sociais: o regime de acumulação de capital flexível; o processo

de globalização em suas dimensões socioeconômicas, culturais e tecnológicos.

Tudo isso atrelado à fluidez, à novidade, ao efêmero e ao fugido1, passam a ser

valorizados e a fazer parte das práticas que se constituem na contemporaneidade.

Tendo como base o mundo de hoje é possível dizer que mudanças

avassaladoras e profundas de valores, de comportamentos e de identidades vêm

acontecendo. Desta forma, as modificações ocorridas ao longo do tempo

possibilitaram o desencadeamento, na contemporaneidade, de novos tipos de

relacionamentos muito mais efêmeros, frágeis e superficiais.

Nessa perspectiva, a complexidade da dinâmica social traduz-se de forma

inquestionável na maneira com que seus membros interagem. Com todo esse

aparato de diversidade, o amor, o afeto, enfim, os sentimentos passam a ser

também um desafio tendo em vista que aprender a respeitar e a entender as

diferenças, aprender a educar os filhos, dentro de suas limitações e dificuldades é

algo que exige um esforço cada vez maior por parte de todos os membros da

sociedade contemporânea. Por tudo isso, os novos arranjos sociais trazem consigo

a necessidade de desenvolvimento de novos processos de adaptação.

Verifica-se, com isso, que no âmbito dessa sociedade e consequentemente

dentro dos núcleos sociais formadores de personalidades e comportamentos, como

é o caso do principal deles que é a família, estão se constituindo novas relações,

1 O termo “fugido”, neste caso significa algo que se procura, mas que não se encontra, que não se sabe exatamente o que é, que nos escapa, uma coisa meio que obscura

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com o relaxamento do comportamento dos cônjuges,2 o deslocamento da

importância do grupo familiar para a importância de seus membros, a ideia de que o

“amor” constitui uma condição para a permanência da conjugalidade e a substituição

de uma educação conservadora, modeladora e corretiva das crianças, por uma

prática pedagógica de negociação. Vê-se, com tudo isso, a “plasticidade” ou

flexibilidade que incide nestas novas relações que permeiam esta nova realidade

socioeconômica e cultural.

Partindo desse conteúdo analítico, o presente estudo tem como objetivo

proporcionar uma breve reflexão, acerca do impacto destas transformações sobre a

sociedade de forma geral, sobre a família, sobre as relações afetivas e sobre o

sujeito contemporâneo, tendo como base as mudanças proporcionadas

principalmente pelo fortalecimento desta Sociedade de consumo, transformações

estas que já são uma consequência natural do processo de construir e ser

construído constante de eu-mundo.

Para isto, faremos inicialmente uma incursão sobre o modelo desta sociedade

contemporânea, com as suas características principais, o fenômeno do consumismo

desenfreado e o modo de ser do homem contemporâneo. Em seguida,

discorreremos um pouco sobre os Laços afetivos, seu conceito e importância nas

relações, para então entrarmos na questão dos impactos que este modelo de viver

vem causando na vida de cada um, na família e nas relações de amor, e em seguida

faremos algumas considerações finais.

2 Significa um estilo de relação onde o comportamento e os atos individuais prevalecem em detrimento de um comportamento atrelado ao compromisso do casal para uma vida a dois onde cada um respeite a individualidade do outro, entretanto sempre levando em consideração o compromisso e respeito de um para com o outro.

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2 A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Quando nos referimos à sociedade contemporânea estamos, na verdade,

querendo falar sobre o homem contemporâneo, ou seja, este homem que é

personagem central das últimas décadas do século XX e início do século XXI, que

também pode ser chamada, como o é, por alguns autores, de “sociedade

hipermoderna”, sociedade esta organizada a partir das grandes transformações

ocorridas no século passado e início do século atual. Na Filosofia existencial

Heidegeriana, o homem é um ser-no-mundo, não significando, porém, que este

homem seja simplesmente um ser contido neste mundo, como um elemento dentro

de outro, pois assim homem e mundo já teriam, cada qual, uma constituição

independente.

Para Heideger, é a relação que constitui tanto o homem quanto o mundo,

portanto, ser-no-mundo indica inerência, uma relação constitutiva, a própria situação

ontológica do homem. O homem faz parte do sistema das relações constitutivas da

mundaneidade, eles se inter-envolvem. Não há o homem sem o mundo, e nem

mundo sem o homem.

Deste modo, o homem se encontra inserido numa realidade da qual ele

também a constitui, ou seja, a realidade homem e mundo só existem num

envolvimento recíproco, eles coexistem entre si. Não há possibilidade de ser sem o

outro, ser e mundo estão entrelaçados e como tal, só assim se compreendem. Nesta

lógica, o homem, enquanto ser-no-mundo-com-o-outro faz parte desse

entrelaçamento eu-mundo e, por outro lado tem ao mesmo tempo, as suas

características individuais e a sua dinâmica própria e assim vai construindo o seu

percurso, sem deixar de lado a sua singularidade e subjetividade.

Esta característica do homem, na concepção existencial, de ser-no-mundo, ou

seja, um ser humano que está em permanente interação com o mundo, sendo

homem e mundo uma unidade, influenciando e sendo influenciado, recebendo e

imprimindo as suas próprias marcas, por vezes é geradora de conflitos, pois nem

sempre o ambiente no qual está inserido e o mundo social estão em harmonia com o

seu mundo próprio. Desta maneira, podemos dizer que a formação do modo de ser

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ou do modo de existir do homem, só e possível em consonância com o

entendimento e compreensão da forma de como esta sociedade funciona e se

comporta, na compreensão de como ela se concebe, baseada na sua cultura, na

sua política, na sua economia e organização social.

Assim, podemos afirmar que o modo de existir, as características e as

peculiaridades da existência do ser humano são, definitivamente, influenciadas e

caracterizadas naturalmente pelo modo de funcionar de cada época. E como

consequência, as formas de adoecimento e sofrimento do ser humano são

diretamente ligadas ao modelo de vida e a dinâmica da sociedade em cada época

específica. Uma das formas de enfermidade do nosso momento contemporâneo é

caracterizada pelo tédio, pelo vazio e pela apatia provocada no homem que, em

virtude da massificação imposta pela sociedade, se sente sem estímulos e mesmo

impossibilitado de ter atitudes próprias e diferenciadas, o que o conduz a uma vida

enfadonha e cheia de rotina, que lhe retira o ânimo, a criatividade e o leva a um

sentimento de tristeza.

Como método de fuga e procurando se desvencilhar deste impasse

existencial, o homem tem buscado a saída através de meios e comportamentos que

lhe provoquem emoções, que o faça se sentir vivo. Esta busca pode ser através do

jogo, das drogas lícitas ou ilícitas, do sexo desenfreado e da prática de esportes

radicais. O que importa neste momento é ter algo que o retire da rotina enfadonha e

o livre do sentimento de tristeza por não poder sentir-se dono de suas próprias

ações e de sua própria vida.

Neste trabalho o que pretendemos é tentar refletir um pouco sobre as

questões emocionais e sentimentais do homem desta época e seus reflexos nos

laços afetivos. Para isto propomos analisar, inicialmente, as características do

homem contemporâneo, em seguida discorrer um pouco sobre os laços afetivos e

então falarmos sobre os impactos do modo de vida contemporânea nas relações

sociais e afetivas.

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2.1 As características da sociedade contemporânea

2.1.1 O consumismo

Um dos mais fortes e populares fenômenos que caracterizam a nossa

sociedade contemporânea é o fenômeno do consumismo. Ir às compras atualmente

é uma forma de se obter prazer e satisfação, o que, além de proporcionar conquistas

emocionais, proporciona status, poder e notoriedade social. Bauman (2001) chama

estes detentores deste poder dos “senhores da arte de escolher”. Por outro lado,

embora a todo o momento se ouça críticas ao consumismo, este se tornou quase

uma necessidade ou um modo específico de se viver, tanto é que a nossa sociedade

até já está devidamente nomeada como a “sociedade de consumo”. Não se compra

um objeto ou utensílio simplesmente pela utilidade prática do mesmo, ou pelo que

este objeto pode nos proporcionar em termos de necessidade real, mas sim pelo

simples fato de que ele nos agrada, satisfaz nosso desejo e nos coloca em posição

de igualdade ou de destaque em relação aos outros. Desta forma, temos sempre de

estar trocando, substituindo determinado objeto por outro mais novo, de modelo

mais atual, mesmo que ele venha carregado de funções desnecessárias ou inúteis

para o dia a dia. O consumismo difere do consumo na medida em que o consumo

pode ser traduzido como a aquisição de bens ou serviços que sejam necessários

para a sobrevivência ou bem estar de quem os está adquirindo, já o consumismo

pode ser considerado como o hábito de se adquirir aquilo que não seja necessário,

ou seja, algo considerado supérfluo, um objeto de desejo e não de necessidade.

Por outro lado, toda a nossa vida contemporânea está baseada no consumo.

Se não há consumo, não há indústrias produzindo, não há comércio, não há

pesquisas e consequentemente não há empregos, não há geração de riqueza.

Então, sob este aspecto, não se vê outra saída, uma vez que o modelo de toda a

nossa vida está baseada neste sistema econômico sustentado pelas leis de

consumo. Diariamente pode se ver nos meios de comunicação, os quais são parte

integrante e fundamental para a manutenção deste modo de vida, as informações

sobre a queda nas vendas de determinados produtos com as suas consequentes

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causas catastróficas na economia das nações, no nível de emprego e em seguida, o

apelo para que os governantes criem mecanismos para alavancar o mercado,

criando condições para que o nível de consumo volte a crescer e assim possa

acontecer a retomada normal da vida.

Estes mesmos meios de comunicação que incitam ao consumismo com seus

métodos cada vez mais convincentes, também se arvoram em tentativas de educar

ou conscientizar a população para que aprenda a controlar os seus impulsos

consumistas, economizarem e fazer suas reservas financeiras, criando-se assim

uma trama cheia de contradições. Esta trama contraditória deixa o homem

contemporâneo atrelado a um modo de vida que, ao mesmo tempo em que lhe dá

infinitas opções, o escraviza e sufoca na medida em que se vê obrigado a pertencer

a um ritmo de vida que nem sempre lhe é totalmente possível ou favorável.

Até agora falamos apenas do consumismo visto do ponto de vista de bens e

serviços. Entretanto, creio que podemos estender nosso raciocínio a respeito do

mundo consumista, também para o nível das relações interpessoais, que traduz o

modo de ser e o ritmo de vida do homem contemporâneo.

O nível das relações construídas com as pessoas atualmente, muito se

parece com o nível das relações com os objetos. Isto pode ser observado tanto nas

relações profissionais, nas relações de amizade e até mesmo nas relações

amorosas.

Esta forma de relacionamento é consequência de um modo de se viver numa

sociedade onde tudo é tratado como mercadoria e assim, também as pessoas se

transformam em objetos de consumo e, se podem nos ser úteis, valerá então a pena

nos aproximarmos e desenvolvermos uma relação quer seja do ponto de vista

profissional, de amizade ou numa relação amorosa.

Embora o discurso seja contraditório, e isto pode ser visto muito claramente

nas organizações onde se diz que as pessoas são importantes e que elas são a

razão de ser da instituição, ao menor sinal de que os resultados esperados não são

ou não serão obtidos, as pessoas tornam-se descartáveis. De maneira parecida, as

relações afetivas também se tornaram objeto de atendimento às necessidades, com

a diferença de que aqui as necessidades são de afeto, de aceitação, de

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compreensão, de prazer e, muito frequentemente, são necessidades unilaterais, ou

seja, o indivíduo se aproxima do outro, pensando apenas em si próprio, nas suas

necessidades, desejos e bem estar. Não há espaço para um relacionamento

maduro, gratuito, onde não se coloque interesses pessoais em primeiro lugar. Uma

frase inserida no Facebook e atribuída à Publicitária e escritora paulistana Tati

Bernardi (2012) traduz este tipo de comportamento: “Eu não me contento com pouco

(Não mais). Eu tenho muito dentro de mim e não estou a fim de dar sem receber

nada em troca”.

Sob este ponto de vista, podemos afirmar que as relações humanas também

passaram a ser objeto de consumo. Os relacionamentos são muito mais medidos em

termos quantitativos do que qualitativos. Basta observar os números das redes

sociais. As pessoas são tão mais consideradas bem relacionadas quanto maior for o

número de seus seguidores no Twiter ou quanto maior for o seu número de amigos

no Facebook, no Linkedin e assim por diante.

Outra característica que vem reforçar esta linha de pensamento é a facilidade

com que tais relacionamentos podem se iniciar ou terminar. Com apenas um simples

convite através da rede e o apertar de uma tecla que se ganha um “amigo” ou um

colega nas suas redes sociais. Por outro lado, basta também, apenas um click, para

que se descarte determinada pessoa de sua rede de relacionamentos ou de

convívio. Tudo é muito fácil, rápido e passageiro. As relações são etéreas e movidas

a interesse, não se perde tempo com quem não nos possa ser útil.

Esta cultura do consumismo veio como que alterar profundamente o modo de

ser do homem contemporâneo. Como diz o Prof. José Paulo Giovanetti (2010, p.

238):

Consumir passa a ser um ato de sentido de vida, e a felicidade, a ser substituída pela satisfação dos desejos. Na sociedade do consumo, vivemos para ser felizes, por meio dos objetos que vamos adquirindo ao longo da vida, mesmo que eles não sejam necessários.

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2.1.2 O modo de ser contemporâneo

Envolvido nesta trama consumista da sociedade contemporânea ou

hipermoderna, o homem atual se viu forçado a reorganizar a sua vida. Deixou de ser

livre, para ser escravo do consumismo, das sensações. Vive preocupado em

conquistar espaço social e profissional, cursar boas escolas, cultuar o corpo para se

manter em boa e bonita forma física, pois o que importa é a imagem apresentada e

não mais o conteúdo. Não vive cada dia como um novo ciclo nem sabe ou lhe

interessa obter prazer com os pequenos e simples acontecimentos da vida

quotidiana. Tudo tem que ser grandioso, hiper. Estamos na era dos hipermercados,

hiperluxo, hiperespetáculos, hiperemoções.

Aqui vale dizer que estamos em uma época onde o importante é provocar

uma hiperemotividade coletiva. Todos os acontecimentos têm que ser transformados

em algo grandioso, em um espetáculo que envolva toda a coletividade, seja que

evento for, um crime, um evento esportivo, um escândalo social, uma catástrofe da

natureza ou um simples acidente. A emoção foi transformada em objeto de

marketing cujo impacto é calculado e trabalhado cuidadosamente pelos meios de

comunicação com o objetivo de provocar horror, surpresa, tristeza, indignação,

alívio, compaixão, lágrimas ou sorriso, tudo orquestrado de tal maneira que

mantenha o homem em constante estado de suspense.

Com toda esta carga de informações e “exigências” midiáticas, o homem já

não mais vive a sua vida segundo o próprio sentido, mas sim pelo que sente, ou

seja, pela sensação que lhe é imposta. Ele não mais critica aquilo que vê ou sente,

apenas segue o que lhe é apresentado insistentemente através de imagens. Como

exemplo desta intensa carga de informações, podemos citar os telejornais, que

repetem insistentemente durante as suas várias edições diárias as mesmas

informações, os jornais e revistas periódicas, onde o conteúdo de informações é

baseado muito mais em imagens do que em forma de texto. Em todas estas

veiculações o que está sempre em evidência é o sensacionalismo que substitui a

informação precisa e imparcial.

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A realidade é criada pela sociedade através de imagens, através do que é

insistentemente mostrado e oferecido, criando um estado de excitação geral e,

perante esta “realidade”, os indivíduos respondem freneticamente.

A criação de uma identidade só é possível através do reconhecimento do

outro, portanto o indivíduo tem necessidade de se apresentar bem, vestido de

acordo com a moda, possuindo o que de melhor está à venda, conectado às redes

sociais e tecnologicamente atualizado. Ele não precisa mais pensar e ter atitude

própria, criar o seu próprio sentido para a vida, o que importa agora é seguir a

tendência e curtir a vida.

O homem atual é um indivíduo centrado em si mesmo. A sua prioridade é,

em primeiro lugar atender às suas necessidades e inclinações pessoais. Primeiro se

preocupar com ele mesmo para depois pensar, se possível, no outro. Só se deve

gastar tempo e se interessar por determinado objeto ou determinada pessoa, se isto

nos for útil, se nos servir para algo. A visão do homem contemporâneo é a de que

ele não necessita do outro para ser feliz. A felicidade pode ser obtida através dos

artifícios tecnológicos disponíveis.

Os computadores e as redes sociais estão aí para nos atender. O que se vê

entre as pessoas na contemporaneidade é uma “ligação” ou “conexão” e não uma

“relação” entre pessoas. Uma “ligação” ou “conexão” significa apenas um modo de

convivência onde predomina a individualidade e a satisfação de desejos ou

interesses particulares dos elementos que se conectam. Se estiver bom para mim,

permaneço nesta conexão, se não está suficientemente confortável, prazerosa ou

produtiva a situação, simplesmente me desconecto dela, não perco tempo, não

busco identificar as causas ou motivos do empobrecimento da convivência nem

muito menos tomar atitudes que possam fortalecer a convivência, revertendo o

quadro. Já no Relacionamento, o modo de convivência é diferente. Trata-se de um

modo de convivência onde existe um compartilhamento de vida, uma intenção e

desejo mútuo de convivência harmoniosa, prazerosa, de construir uma vida ou

seguir um projeto onde valores, desejos e interesses são compartilhados com o fim

de desenvolvimento e crescimento em conjunto.

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Esta mudança de comportamento ou do “modo de ser” do homem produz

grande impacto na vida do indivíduo e o leva, inexoravelmente, a formas próprias de

adoecimento, uma vez que os sentimentos e emoções deste homem contemporâneo

estão sendo fortemente influenciados e alterados. Observa-se uma busca incessante

pelas emoções e sensações fortes e, em contrapartida um empobrecimento dos

sentimentos. É como diz Michel Lacroix (2006, p 11), em O culto da emoção:

“Emocionamo-nos muito, mas já não sabemos realmente sentir”.

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3 OS LAÇOS AFETIVOS

Os afetos permeiam a vida de todas as pessoas bem como todo o espaço

social. Os episódios da vida dos indivíduos levam sempre a marca da emoção; o

primeiro amor, o primeiro emprego, as iniciativas de sucesso e até mesmo os

fracassos. As festas, celebrações, encontros especiais e datas decisivas, todos, são

eventos envolvidos de sentimentos que nos toca profundamente, sentimentos estes

que são os responsáveis pela criação, manutenção e fortalecimento dos nossos

laços afetivos (ROMERO, 2011).

3.1 O que são laços afetivos

É preciso entendermos o que chamamos de afetividade. Segundo Romero

(2011), de uma maneira formal e abstrata, podemos dizer que a afetividade é uma

das dimensões da existência humana que abrange todas as formas que possam

afetar o ser humano em sua relação com o mundo. Ela pode ser entendida como o

conjunto de todos os afetos, negativos ou positivos a que estão sujeitos o homem.

Já fenomenológica e existencialmente falando, sabemos que o homem é-no-mundo,

e nesta condição, objetos, eventos e pessoas, figuras deste relacionamento,

possuem determinado grau de ressonância na existência do sujeito, o que irá, por

certo, fazer parte na construção de cada um em diferentes graus de intensidade. A

capacidade particular de cada um em sentir ou de ser afetado por estes eventos e o

tipo de relação que ele mantem com os objetos e seres de seu ambiente, é o que se

chama de sensibilidade.

Esta capacidade demonstra que o homem é um Ser sensível e aberto ao que

acontece ao seu redor e em si mesmo. A sensibilidade humana está presente em

dois planos, segundo Romero (2011): um deles é o plano orgânico, cuja

sensibilidade é oriunda dos órgãos sensoriais, os quais permitem ao homem

reconhecer as informações senso-perceptivas que lhe permite receber e transmitir

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informações, ou seja, interagir com o mundo externo e que são os chamados cinco

sentidos, quais sejam; a audição, a visão, o olfato, o tato e o paladar.

O outro plano da sensibilidade, e o qual nos interessa neste trabalho, é o

plano dos afetos, cuja importância é crucial para a existência do homem uma vez

que, compreendido do ponto de vista da fenomenologia existencial de Heidegger,

quando ouvimos ou vemos algo por exemplo, isso já acontece em uma tonalidade

afetiva ou emocional. Os afetos são entendidos como sinônimos de sentimentos,

entretanto, eles correspondem às unidades específicas e próprias, que se

configuram no plano da afetividade e, portanto, no homem como um todo, afetando

toda a sua vida e levando-o a experimentar um modo próprio e único de se

relacionar com o mundo. Este modo peculiar pode ser identificado por uma emoção

(como o medo ou raiva), um sentimento (como a admiração, amor ou ódio), um

estado de ânimo (como a angústia ou cordialidade) ou uma paixão, esta última

podendo ser uma paixão amorosa ou paixão de outro tipo como, por exemplo, uma

paixão pelo jogo, etc..

É interessante observar que quando se quer falar sobre a afetividade das

pessoas, o que mais se leva em consideração são as emoções e os sentimentos,

sendo que muitas vezes se confunde o entendimento do que sejam as emoções e

os sentimentos. Procurando se definir o que seja um e outro, têm-se que as

emoções são consideradas as reações afetivas intensas e de curta duração e, por

serem intensas tendem a provocar uma desorganização na conduta da pessoa

provocando alterações somáticas diversas no sistema fisiológico. Já os sentimentos

são menos intensos, entretanto, duradouros. Os sentimentos são adquiridos pelo

contato interpessoal e esta é uma das diferenças com as emoções, as quais formam

parte do patrimônio genético. Aqui é sempre importante lembrar que, como ser-no-

mundo, o homem é o tempo todo afetado e sempre que algo o afeta também

desperta no mesmo alguma emoção. Desta forma e por serem adquiridos, os

sentimentos são fortemente influenciados pelo fator social.

Uma vez dito isto, creio podermos dizer que os laços afetivos seriam os

níveis de relacionamento, os elos ou vínculos criados no campo afetivo que as

pessoas mantêm em seu meio de convivência, quer seja com outras pessoas,

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eventos ou objetos. Estes laços serão tão mais fortes quanto maior for a importância

e o grau de ressonância que determinado evento provocará no sentimento da

pessoa em relação ao outro. O nível de afetividade e a força dos laços afetivos

sentidos pelo homem são os responsáveis pela qualidade e riqueza da sua vida.

3.2 A importância dos laços afetivos

Como ressaltado anteriormente, a força e a intensidade dos laços afetivos

que envolvem o ser humano poderão determinar a riqueza e o nível de qualidade de

vida do sujeito. De todas as dimensões que caracterizam a existência humana, a

dimensão afetiva se destaca. Duas razões se destacam em importância para este

entendimento. Primeiro é que nela se inscreve de maneira sensível, sentida e vivida,

tanto a história do sujeito como a visão de si e do mundo. Em segundo lugar, é pela

afetividade que a vida adquire uma feição dramática e cromática, pois, se os eventos

do mundo não tivessem a ressonância que adquirem graças a esta dimensão

humana, a vida humana seria semelhante à vida de um autômato. O sentimento de

dor do fracasso ou a alegria oriunda do sucesso pelo objetivo alcançado é que

imprimem o selo da subjetividade humana. Os projetos e compromissos assumidos

pelo homem são impregnados de afetos.

Uma das Verdades existenciais da dinâmica existencial da pessoa e do seu

modo de viver é que a sua existência, só é possível na coexistência. Isto significa

que o homem somente poderá viver mais plenamente e mais integralmente se tiver

uma coexistência, se estiver em um mundo onde possa dividir, compartilhar a sua

existência com o outro e só se divide e compartilha, com aqueles que nos

compreendem, nos aceitam, aqueles com os quais mantemos laços afetivos fortes e

verdadeiros. Outro ponto onde a importância dos laços afetivos é fundamental está

localizado no que chamamos de questões existenciais. As questões existenciais são

questões próprias da condição humana e tratam dos desafios do existir e das

respostas que temos que dar ao longo da nossa vida. Duas questões existenciais, a

meu ver, podem ser fortemente afetadas pelo nível dos laços afetivos existentes: a

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questão da Solidão e a questão da Historicidade. Na questão da solidão, passamos

pela experiência de solidão, que se trata da experiência existencial, ou seja, uma

experiência consigo mesmo.

Além da experiência de solidão, que pode ser entendida como uma

experiência onde o outro não está presente existe também o sentimento de solidão,

este sim, um sentimento que decorre do isolamento, do afastamento do outro, então,

creio tornar-se desnecessário discorrer sobre a importância dos laços afetivos neste

quesito. Nestes dois casos, para que possamos vivenciar estas experiências com

segurança é necessário sentir-se confiante, possuir forte sentimento de confiança.

Este sentimento de confiança, embora se dê interiormente, depende de uma

experiência de confiança, experiência esta que requer reciprocidade com o outro,

onde mais uma vez a presença deste outro é de fundamental importância. O

homem, sem laços afetivos que lhe transmitam segurança, aceitação, compreensão

e confiança, torna-se inseguro, sente-se impotente ou mal preparado para enfrentar

as dificuldades corriqueiras, desmotivado e sem fôlego para enfrentar os desafios da

vida. Ao contrário, aquele que mantém laços fortes, sente-se seguro, forte e capaz

de levar adiante os seus projetos profissionais ou pessoais e desta forma deixar a

sua própria marca, a sua história.

3.3 Laços afetivos frágeis

Com todas as características da nossa sociedade contemporânea e com o

modo de ser do homem contemporâneo, conforme visto anteriormente e ainda mais,

com o extraordinário avanço tecnológico, notadamente nos meios de comunicação e

principalmente com o advento da internet e com ela as redes sociais, o que se pode

observar é cada vez mais a individualização e o “isolamento” do ser humano. Todas

estas facilidades de comunicação possibilitaram a formação de uma sociedade

virtual, onde o contato face a face perdeu espaço para outros modos de se

comunicar. É muito mais fácil se comunicar através de telefones celulares, torpedos,

emails, Twitter ou outras redes sociais do que uma conversa direta, onde se é

necessário enfrentar as reações naturais do nosso interlocutor, com todas as

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consequências que isto pode proporcionar. Dentro deste contexto, torna-se cada vez

mais difícil a criação e fortalecimento de laços afetivos, tão importantes na

estruturação da vida do ser humano.

No livro Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, Zygmunt

Bauman (2004) diz que na sociedade atual os laços afetivos e a convivência

sofreram uma degradação pelo fato de que hoje não mais existem elos ou vínculos

afetivos que, verdadeiramente, mantenham e fortaleçam as relações entre as

pessoas. Vivemos hoje, segundo o autor, uma modernidade líquida. Em oposição a

um relacionamento firme e seguro, estruturado através da consolidação de laços

afetivos verdadeiramente fortes, difíceis de se desfazer, o amor líquido é resultante

de uma modernidade também líquida a qual foi construída em meio a destruição de

valores tais como confiança, solidariedade, tolerância, etc.

Bauman (2004) denuncia que nessa sociedade que liquefaz o ser humano

não mais existe a preocupação com a construção de parcerias e o que importa é a

montagem de redes nas quais se pode e deve adicionar amigos às centenas,

mesmo que desconhecidos. Nestas redes não há vínculos ou barreiras, nem liame

nem interferência. Aliás, estas são as principais características e formas que

permitem a obtenção de tão grande sucesso destas redes, deste modo de

relacionamento ou conexão. Se alguém ou alguma coisa o desagrada basta excluí-lo

ou bloquear o acesso dele à sua rede.

Neste mundo de alta tecnologia uma rede pode nos conectar ou desconectar

desse mesmo mundo que nos causa insegurança. Aqui há um grande paradoxo: a

mesma rede da qual necessitamos para nos sentir em conexão com o mundo, ao

mesmo tempo nos enfraquece, pois ela não nos permite nos apresentarmos

conforme realmente somos e mais ainda, não é bom que assim o façamos, pois para

os outros componentes desta rede isto não interessa. O que interessa é que nos

comportemos de forma homogênea. Caso isto não aconteça, a conexão pode ser

desfeita com um simples apertar de botão. Os relacionamentos reais, que nem

sempre são passíveis de nossa escolha e de nossos desejos, perdem espaço para

os relacionamentos virtuais, uma vez que neste último podemos escolher, selecionar

e mudar livremente e por isto mesmo nos oferecem uma grande proteção.

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O ser humano, componente desta sociedade moderna vive perturbado com

os conceitos de amor, paixão, sociabilidade e convívio. Um aspecto de relevante

importância nos nossos dias é o da vulnerabilidade. Nesta sociedade

contemporânea não é permitida a demonstração de insegurança, de vulnerabilidade.

Por isso mesmo, todos aqueles sentimentos que exigem uma incondicionalidade,

assusta e inviabiliza o compromisso. Neste caso está o amor, este sentimento onde

uma de suas principais características é a fragilidade, pois sugere entrega, escolha,

afinidade, compreensão. Entretanto, o mundo contemporâneo é um mundo de livre

mercado e tem como fundamento principal o consumismo e, como vimos

anteriormente quando falamos de consumismo não estamos apenas falando do

consumismo comercial, consumismo de coisas e objetos, mas também do

consumismo estendido para as relações entre as pessoas.

O homem deve se manter aberto a todas as possibilidades. Nossa civilização

é voltada para a propaganda, para o consumo e para os conselhos dos

especialistas. Desta forma as relações pessoais, incluindo-se o amor, tornaram-se

um processo de experiências contínuas, não significando, porém, que sejam

ininterruptas. Isto faz com que relações sejam dissolvidas ao menor sinal de

desgaste, enfraquecendo ainda mais os já fragilizados laços afetivos humanos,

trazendo enormes dificuldades de relacionamento tanto nas relações com o próximo

quanto consigo mesmo e com o que lhe é estranho.

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4 IMPACTOS DA VIDA CONTEMPORÂNEA

Na nossa sociedade contemporânea, as várias mudanças ocorridas nos

planos socioeconômico, cultural e tecnológico, pautadas no processo de

globalização, vêm interferindo na dinâmica, na organização e na estrutura de toda a

vida e, consequentemente, nos planos social e familiar contemporâneos, além de

profundas modificações no modo de ser do sujeito, enquanto indivíduo. Nesse

sentido e tendo como base o contexto sócio-histórico em que as relações sociais e

familiares foram concebidas é possível dizer que no mundo contemporâneo, tanto as

relações familiares como as demais relacões sociais e interpessoais passaram a se

constituir sob a ótica do ‘mercado’ e do ‘consumo’.

Nas últimas décadas vivencia-se mudanças importantes nos diversos

contextos sociais, econômicos, tecnológicos e culturais: vive-se o regime de

acumulação de capital flexível; vive-se a globalização em suas dimensões

socioeconômicas, culturais e tecnológicas, tudo atrelado à fluidez, à novidade e ao

efêmero que passam a ser valorizados e a fazer parte das práticas que se

constituem na contemporaneidade.

Assim, tendo como base esse modelo de mundo é possível dizer que

mudanças avassaladoras e profundas de valores, de comportamentos e de

identidades vêm acontecendo e, como consequência, estas mudanças ocorridas

levaram ao desencadeamento, na contemporaneidade, de outros tipos de

relacionamentos muito mais efêmeros, frágeis e superficiais.

Sob esta perspectiva a complexidade da dinâmica social traduz-se de forma

inquestionável no modo de interação de seus membros. Com todo esse aparato de

diversidade, o amor, o afeto, enfim, os sentimentos e os laços afetivos passam a ser

também um desafio tendo em vista que aprender a respeitar e a entender as

diferenças individuais, aprender a educar os filhos, impor limites e preparar para

enfrentar as dificuldades é algo que exige um esforço cada vez maior do homem

contemporâneo.

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Verifica-se, com isso, que no âmbito dessa sociedade estão se constituindo

novas relações, com o relaxamento do comportamento conjugal, o deslocamento da

importância do grupo familiar para a importância de seus membros, a ideia de que o

“amor” constitui uma condição para a permanência da conjugalidade e a substituição

de uma educação conservadora, modeladora e corretiva de seus membros, por uma

prática pedagógica de negociação. Observa-se, com tudo isso, a “plasticidade” que

incide nestas novas relações sociais e familiares e que permeiam a nova realidade

humana.

4.1 Impactos na família

É muito importante compreender que todas as transformações implicam

necessariamente em uma desorganização ou reorganização dos modelos então

existentes dentro dos núcleos ou células sociais, aí incluída a célula familiar. Já em

séculos anteriores, com o advento da burguesia, o núcleo familiar, que antes era

visto como responsável por garantir a seus membros um ambiente de ordem e

estabilidade e também por assegurar a transmissão da vida, dos bens e dos nomes,

também se fortaleceu como uma instituição responsável pelos afetos, sentimentos e

amor. Esta nova concepção torna-a responsável pela socialização e pela

transmissão de valores, crenças e costumes aos seus integrantes.

Com relação à família, Costa (2005) diz que a fim de cumprir todas estas

exigências sociais a família passou a operar duplamente como formadora de

cidadãos iguais, mas por meio de pessoas desiguais e formar sujeitos realizados,

porém por meio de consciências infelizes. Seguindo-se o conceito de “Sociedade do

espetáculo”, definido por Debord (1967), observa-se uma diminuição do espaço para

reflexão sobre si, sobre os outros e sobre o mundo, pois o que rege a cultura do

nosso tempo é o consumo desenfreado, o individualismo e a busca pelo prazer

imediato.

Já segundo Sarti (1995), no mundo contemporâneo, a família deixou de ser

uma “unidade de produção” e passou a assumir o papel de “unidade de consumo”

proveniente, principalmente, pela perda do sentido da tradição. Por conta disso, o

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amor, o casamento, a família, a sexualidade e o trabalho antes possuidores de

papéis pré-estabelecidos passam a ser concebidos como parte de um projeto onde

prevalece a individualidade e adquire cada vez mais importância social e implicações

nas relações familiares.

Desta maneira, o que se vê é que a célula familiar vem reforçar esta

contemporaneidade marcada pela cultura exacerbada do efêmero, da

individualidade e do narcisismo. Dentro desse contexto de exacerbação de si e de

uma forte desvalorização do “outro” é que se torna possível melhor compreender a

liquidez e a fragilidade dos laços afetivos. Podemos então observar um dos grandes

paradoxos existentes nesta cultura contemporânea, tendo em vista que para se

desenvolver, o ser humano, enquanto um ser relacional, necessariamente precisa do

“outro”.

Imersos nestas profundas transformações e vivendo a cultura do “espetáculo”

caracterizada pela atuação performática do sujeito frente ao “outro” e, ainda, sendo

esta uma sociedade narcísica é que se torna possível dizer que se vive hoje a

cultura do fugaz, do efêmero, dos valores superficiais e não mais numa existência

baseada nas normas sociais sendo que estas mudanças vêm justificar as novas

relações dentro da família, a qual pode ser vista como marco fundamental das

relações sociais primárias, como uma célula de fundamental importância na

formação e desenvolvimento do ser humano, bem como também se torna

responsável pela disseminação do modo de vida contemporâneo e de suas

consequentes formas de incertezas, angústias, sofrimentos e neuroses.

4.2 Impactos no amor

Não se pode negar a importância da história para a concepção do amor.

Pode-se dizer que a experiência amorosa, na antiguidade, ocupava um lugar

marginal na vida das pessoas. Mas, com a valorização do homem e do prazer, veio

uma mudança na maneira de conceber o amor e afeto, podendo-se mesmo dizer

que o amor moderno é fruto da integração entre o desejo e o prazer humano.

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Entretanto, com a necessidade de acompanhar o modo de viver

contemporâneo, o amor físico passou a ter uma proporção significativa. Passou a

ser característica desta sociedade, os comportamentos e soluções impessoais que

não suscitam paixões intensas. Considerando que a sexualidade é uma coisa que

pode ser desvendada, pode ser descoberta, mas seguramente não pode ser

dominada, os sentimentos foram deixados de lado, sendo dada prioridade às

relações simplesmente corporais.

Tendo em vista todas estas transformações, observa-se que o amor, nesta

época contemporânea está caracterizado por relações cada vez menos rígidas e de

curta duração, ficando evidenciada a cada vez maior fragilidade da afetividade, dos

sentimentos e a prevalência da sexualidade e superficialidade das relações.

Como diz Bauman (2004), na época atual, grande número de pessoas chama

de amor mais de uma de suas experiências de vida, não garantindo que o amor

atualmente vivido será o último de suas vidas. Mas isto significa apenas a facilitação

dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de “amor”.

Alguns até acreditam que as habilidades em amar tendem a crescer com o acúmulo

de experiências e que o próximo amor será ainda mais estimulante do que o atual.

Esta é outra ilusão. O conhecimento adquirido nesta série de eventos amorosos é o

conhecimento do “amor”, como episódios de curta duração, desencadeados pela

consciência a priori de sua fragilidade e curta duração. Assim a habilidade adquirida

trata-se, na verdade, de uma habilidade de “terminar rápido e recomeçar do início”.

Pode se arriscar a dizer que esta habilidade poderia ser traduzida como um

“desaprendizado” do amor, uma “exercitada incapacidade” para amar.

Com base nessas conceituações e também nas mudanças que ocorreram

nos relacionamentos amorosos pode-se dizer que o ser humano está cada vez mais

à procura “de”, alterando, por vezes, a maneira de lidar, não somente com sua forma

de se relacionar, mas também com o modo de conceber a felicidade, o prazer e a si

mesmo.

Desta forma e dentro da concepção de que homem e mundo constituem uma

unidade, que este envolvimento recíproco é que é o responsável pela realidade do

mundo e de si não há como desfazer esse entrelaçamento homem-mundo e, assim,

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este homem ao mesmo tempo modifica e se modifica, num processo contínuo e

irreversível, tendo que se adaptar automaticamente às novas situações e à dinâmica

da vida e assim vai construindo o seu percurso. O reflexo de tudo isto está

demonstrado nos dias atuais, na diminuição da durabilidade dos casamentos e das

famílias numerosas, no aumento do número de divórcios e de recasamentos, na

regularização das uniões estáveis e no surgimento dos mais variados modelos de

famílias.

4.3 Impactos nas emoções e na sensibilidade

Observa-se também nos dias atuais uma sensibilidade exacerbada nas

pessoas, sensibilidade esta que pode ser traduzida como a capacidade que a

pessoa tem de sentir os efeitos de determinado evento. Muito se fala que o ser

humano está se tornando insensível, diante de tantos acontecimentos, violência,

banalização da vida, competição e consumismo generalizado. Entretanto, o que se

observa é que esta insensibilidade é uma característica das pessoas, quando se

refere a um acontecimento ou condição voltada para o outro, já que o que importa é

somente aquilo que diz respeito a si mesmo. Por isto quando este acontecimento ou

condição o toca, diz respeito a si mesmo, o homem está cada vez mais expressando

uma afetação de cunho emocional, que o imobiliza. Esta afetação está diretamente

ligada ao seu nível de ressonância, ou seja, ao grau de afetação subjetiva do

mesmo, que por sua vez depende do significado configurado naquele

acontecimento, da característica própria deste evento e também do nível de

sensibilidade do sujeito.

O homem, este ser-no-mundo, que está entrelaçado com o mundo

naturalmente, influencia e é influenciado pelo seu modo de interação com o mundo e

o grau de afetação individual varia ao longo de sua vida. É esperado que o grau de

emotividade do sujeito varie de acordo com cada uma das suas etapas de vida, ou

seja, na infância, na adolescência, na vida adulta e na velhice. Em cada uma destas

fases, há possibilidades de que os eventos e situações provoquem diferentes modos

de afetação nos indivíduos, tanto na intensidade como em sua duração e assim

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como na ressonância e na expressão. Ressonância é o modo como o sujeito

processa o sentimento que lhe foi causado pelo evento ocorrido, já a expressão

pode ser vista como o modo que o sujeito foi afetado por tal evento, o que o evento

provocou em si, ou seja, como ele reagiu após o evento, visto através de seu

comportamento.

É esperado que na fase adulta, os sujeitos, ao contrário da infância, sejam

sub-emotivos, não implicando, entretanto, que sejam apáticos ou frios. Porém, tem-

se observado que mesmo nessa fase adulta, o nível de sensibilidade das pessoas,

com relação aos eventos que lhes tocam pessoalmente, tem se apresentado de

certa forma, exacerbado, o que provoca então uma afetação emocional também

exacerbada.

Augusto Cury (2006), em seu livro O cárcere da emoção, chama de

“Síndrome trihiper”, uma síndrome psíquica que representa uma “hipersensibilidade

emocional”, uma “hiperprodução de pensamentos” e uma “hiperpreocupação com a

imagem social”. A “hipersensibilidade emocional” faz com que uma pessoa viva a dor

dos outros e sofra intensamente quando ofendida e tenha imensos impactos diante

de pequenos problemas. Já a hiperpreocupação com a imagem social faz com que a

pessoa espere muito dos outros, gravite em torno do que dizem e são extremamente

sensíveis ao que pensam dela. Uma pequena rejeição, crítica, um gesto ou até

mesmo uma expressão facial que a desagrade é capaz de estragar o seu dia a dia.

Este tipo de comportamento pode ser observado constantemente nas redes sociais,

onde as pessoas expõem diariamente seus estados de tristeza ou depressão, na

maioria das vezes provocada por acontecimentos, vistos de fora, com olhares

imparciais, como banais.

Esta “hipersensibilidade emocional” leva as pessoas a uma fragilização

emocional tal que as fazem estar sempre interpretando o que lhes foi dito, colocando

uma segunda intenção onde a mesma não existe ou, mesmo quando o objetivo de

quem diz é o de se fazer uma crítica construtiva e o outro o interpreta como sendo

algo discriminatório, preconceituoso ou ofensivo acaba retroalimentando outra

característica bastante evidente nesta fase contemporânea, que são as exigências

de comportamentos sempre politicamente e eticamente corretos.

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Esta exigência para que as pessoas se apresentem e comportem sempre

politicamente e eticamente corretas, os levam a uma preocupação de maneira

exagerada com o modo como falam ou como interpretam o que lhes é dito. Não se

pode utilizar termos que, socialmente, estão sujeitos a ser interpretados como

politicamente ou eticamente incorretos ou discriminatórios.

Uma das hipóteses para este modo de compreensão é que as pessoas estão,

considerando o individualismo reinante e o fato de que as relações são baseadas no

interesse, acostumadas a observar apenas aquilo que lhes interessa, sob uma ótica

pré-determinada. As pessoas estão sempre projetando os seus desejos ou aversões

nas questões sociais e em seus relacionamentos intra e interpessoais, o que as

levam sempre a atribuir ao comportamento ou fala do outro, intenções e desejos que

nem sempre correspondem à verdade. Isto faz com que elas sejam impedidas de

buscar o entendimento simples e objetivo daquilo que viram ou ouviram. Aqui faltaria

então, a capacidade de pensar e agir fenomenologicamente, tentando buscar a

compreensão e aceitar a fala ou comportamento do outro sem ideias preconcebidas

nem preconceituosas, ou seja, colocando de lado o pseudo conhecimento sobre a

situação ou fato, não fazer uma interpretação baseada num possível conhecimento

prévio e sim buscar a compreensão do que foi dito ou feito de forma clara, buscar

compreender o significado da fala ou do ato a partir do ponto de vista do outro.

4.4 Impactos no sujeito

O constante movimento da sociedade traz consigo, consequentemente, uma

alteração da realidade dos sujeitos, nas suas relações de troca, na formação de

grupos e nos relacionamentos sociais, tanto os amorosos quanto aqueles de

interesse.

Bauman (2007), diz que o sujeito pós-moderno ou, usando nossa

terminologia, o sujeito contemporâneo, está sempre insatisfeito consigo mesmo,

buscando sempre a superação, condição necessária para conseguir viver nesta

sociedade que pode ser considerada fragmentada e rigorosa. Sendo esta época

marcada pelo capitalismo e consumismo, as pessoas não estão interessadas no

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aprofundamento das relações, mas sim, na produção e consumo de bens. Elas

estão voltadas para o presente, para as novidades, atentas às tecnologias que

incentivam o consumo exacerbado de futilidades que lhes proporcionem a aceitação

na sociedade. As compras funcionam como um antídoto para o tédio e um meio de

proporcionar prazer e satisfação que, além de conquistas emocionais, proporcionam

status, luxo, poder e notoriedade social.

Além disso, como nesta sociedade contemporânea, evidencia-se uma

“sociedade do espetáculo”, onde a afirmação de toda a vida social é pautada pela

aparência, o “ter” ou o “parecer ter”, a ostentação e o luxo são extremamente

valorizados e priorizados. Isto não somente para provocar a admiração e repeito

pelos outros, mas também, e principalmente em determinados casos, propiciar a

admiração a si próprio, pois somente assim este sujeito se sente parte integrante e

atual dentro do seu meio social.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que o sujeito tem a necessidade de

pertencimento, de ser aceito pela sociedade, ele tem receio de tornar-se refém de

suas emoções ou sentimentos, de se sentir preso e reprimido. Por isto este mesmo

sujeito procura evitar que as emoções se aflorem, que seus reais sentimentos se

apresentem de forma clara e transparente, pois teme que isso possa impedir que

continue a viver a sua realidade de fantasia e de satisfação imediata.

Outra questão interessante é que, como não é possível ao homem, existir

sem se relacionar, as pessoas estão sempre procurando se relacionar, porém , ao

mesmo tempo tentando evitar criar laços que possam trazer responsabilidades e

tensões que não estejam dispostos a enfrentar, uma vez que estas situações podem

limitar a sua liberdade (BAUMAN, 2004). A forma de se obter êxito neste plano é a

de se manter as relações através dos meios virtuais, onde, ao menor sinal de

“perigo”, simplesmente se desfaz o relacionamento com um simples apertar de uma

tecla e busca-se outro mais apropriado para a situação. As relações são muito mais

quantitativas do que qualitativas. É importante ter muitos relacionamentos virtuais

para que se possa trocar sempre que necessário. São os “relacionamentos de bolso”

(BAUMAN, 2004), os quais são tão descartáveis que podem ser utilizados sempre

que necessário e depois dispensados ou guardados para outra ocasião.

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Frente a tudo isto, verifica-se que os sujeitos contemporâneos se tornaram

superficiais, inautênticos, sem espontaneidade. As pessoas são astutas,

dissimuladas e usam constantemente uma máscara para cada uma das

determinadas situações a que está submetido. Todas estas características desta

sociedade levam o sujeito ao isolamento e enfraquecimento dos laços afetivos e,

consequentemente, das relações que tanto são importantes para o seu bem-estar,

bem como a criação de traços de personalidade irreais, pois nessa época

contemporânea líquida, a fantasia e a teatralidade estão em alta.

Com isto, o que se observa é uma exacerbação do individualismo, o

sentimento de insegurança, a solidão, o enfraquecimento dos laços familiares,

sociais e amorosos e como consequência, cada vez mais estão presentes os

estados de tristeza, depressão, ansiedade e todas as demais alterações causadas

pelo desmoronamento de valores, crenças, verdades e princípios existenciais,3

causando ao sujeito todo tipo de sofrimento. Todos estes impactos trazem consigo

outras consequências como, por exemplo, o uso de drogas quer sejam elas lícitas ou

ilícitas.

3 Princípios existenciais são aqueles princípios próprios do homem que, uma vez firmemente internalizados, propiciarão ao mesmo ter uma vida mais pautada na autenticidade e, consequentemente, levando-o a ser mais seguro em seu modo de ser. Estes princípios são: 1º - ninguém deve viver a vida do outro, ou seja, cada um deve viver a própria vida; 2º - cada um é dono da própria vida (autor, ator e juiz); 3º - cada um constrói o seu próprio sentido; 4º - o homem deve ser fiel ao seu próprio talento; 5º - construir um projeto existencial.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, procuramos fazer uma reflexão acerca das características

desta época contemporânea e sua contribuição na formação do comportamento e

atitudes das pessoas bem como em suas formas de se relacionar com o mundo em

que estão inseridos. A constatação é a de que a época atual é um momento onde as

relações entre as pessoas e instituições são cada dia mais superficiais, baseadas

em interesses e, portanto, cada dia mais fragilizadas, onde o comprometimento com

o outro e a doação são cada vez menos valorizados. Não há espaço nem tempo

para preocupações com o semelhante.

Numa época em que o que prevalece é o individualismo, o consumismo, a

obtenção do prazer imediato e onde a rapidez e facilidade na consecução e

atingimento dos objetivos individuais é o que é importante, o homem procura,

freneticamente, tornar-se o “senhor” das situações, não se importando que para isto

tenha também que controlar pessoas. Esta forma de existir é um dos fatores para o

enfraquecimento das relações afetivas, pobreza dos relacionamentos e sofrimento

humano.

Para acompanhar as exigências da sociedade, além de cultuar o corpo

perfeito e a individualidade, para poder se manter “vivos”, notados e reconhecidos

nesta sociedade, as pessoas necessitam “ter” ou pelo menos de “parecer ter” ao

invés de “ser” e para que isto seja possível, precisam obrigatoriamente integrar-se às

redes sociais, possuir os bens de consumo da atualidade tais como os celulares de

última geração, roupas de marca, carros, etc., não se importando de que para isto

tenham que fazer sacrifícios e endividarem-se. Assistem-se diariamente nos meios

de comunicação notícias sobre os índices de endividamento da população, mas ao

mesmo tempo estas pessoas são convidadas a sanarem as suas dívidas para, em

seguida, poderem voltar a consumir e assim manter o consumismo do ciclo

capitalista, fator imperativo para a manutenção do sistema.

No mundo capitalista e consumista, tudo tem que apresentar resultados

imediatos e, neste caso, a economia de tempo é fator preponderante, por isso a

obsolescência é muito rápida e faz com que tudo, as pessoas assim como as coisas,

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se transformem em mercadorias de consumo e troca, com prazo de vida útil cada

vez mais curto. Isto pode ser constatado ao se analisar as relações entre as

pessoas.

Como falamos anteriormente, sendo o homem um ser relacional ele não

consegue ter uma existência satisfatória sem cultivar bons relacionamentos e laços

afetivos de qualidade. A diferença, entretanto, está no modo como são vivenciadas

estas relações. Cada vez mais elas se tornam frágeis, efêmeras e são constituídas

baseadas nos interesses, ou seja, se vai produzir alguma vantagem ela é mantida,

mas se começa a trazer alguma dificuldade, ameaça ou sentimento de

compromisso, a mesma é desfeita simplesmente. E para facilitar ainda mais este tipo

de relacionamento estão aí, disponíveis e acessíveis a qualquer um as diversas

redes virtuais onde se pode obter qualquer tipo de oportunidade para se relacionar.

Na verdade, esta busca frenética de relacionamentos virtuais tem como objetivo o

preenchimento do vazio que está presente nas pessoas, justamente devido à

superficialidade de seus relacionamentos e da falta de perspectivas de uma vida

pautada em sentimentos e relacionamentos fortalecidos, confiáveis, prazerosos e

verdadeiramente compromissados tanto com o bem estar e crescimento de si quanto

com o bem estar e crescimento do outro.

Por outro lado, analisando o sujeito como um membro integrante da

sociedade e, portanto parte do processo formador do modelo desta sociedade, neste

nosso mundo contemporâneo, o que se observa é que as pessoas, em sua maioria,

são pessoas que não se posicionam frente aos fatos e acontecimentos. Eles,

embora às vezes façam críticas ao sistema e ao que lhes é apresentado, na

realidade ficam apenas neste estágio. Não se posicionam, não assumem uma

atitude real de mudança de comportamento, de crença ou de valores. Criticam certos

programas televisivos, mas continuam a assisti-los, criticam políticos antiéticos, mas

continuam os elegendo. É como se estivessem fazendo a sua parte, fazendo as

críticas, mas daí a assumir o ônus de alguma ação mais objetiva há uma distância

muito grande, pois isto implicaria em comprometimento, em ter que despender um

tempo considerado precioso, pois não pode dedicar nem um pouco de seu tempo

para as questões coletivas em detrimento de seus interesses individuais, não pode

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abdicar-se de frequentar as academias para moldar o seu corpo ou divertir-se de

alguma forma, coisas que a sociedade contemporânea lhes impõe como uma

necessidade para se manter reconhecido dentro dela.

Entretanto, é preciso considerar que muitas das soluções para uma virada e

transformação que possa proporcionar um contexto para se viver melhor dependem

das atitudes pessoais. Em qualquer época e em qualquer tempo, a qualidade de

vida individual e, por conseguinte das instituições onde esta esteja inserida,

dependem, em grande escala, do envolvimento e comprometimento de cada um

com as suas crenças e valores a fim de buscar atingir os seus próprios anseios e do

entendimento de que os vínculos e as relações afetivas são fatores inerentes ao

bem estar do homem.

Outra questão de extrema importância a ser considerada neste contexto de

vida contemporânea é a relativa ao papel da família neste processo. Sabemos que é

na família que se dão os fatos básicos da vida humana e nesse sentido nela é que

se dará a concretização de uma forma de se viver. Considerada como estrutura

universal, uma vez que está presente em todas as sociedades, a família é traduzida

como um grupo social responsável pelo desenvolvimento, pela socialização, pela

transmissão de valores, crenças, costumes e pela criação e manutenção dos

vínculos afetivos. Portanto, no mundo contemporâneo a família também passa pelas

mudanças ocorridas e se altera com o processo de fragilização dos laços afetivos.

A família contemporânea é considerada como uma micro unidade de

consumo e de subsistência e reflete, portanto, o sentimento de se estar vivendo em

um mundo de incertezas, descontrolado e assustador, muito diferente da condição

de segurança projetada em torno de uma vida mais estável, uma situação onde a

vida possa seguir com um pouco mais de controle sobre o que possa acontecer.

Diante disto, fica evidente que a lógica da satisfação instantânea dos desejos,

do consumismo desenfreado, do culto da individualidade irá, sem dúvida alguma,

repercutir diretamente sobre a família fazendo com que ela sinta objetivamente o

impacto de todas estas imposições. Desta forma torna-se necessário e plausível crer

que a modificação no “pensar” e no “olhar” de forma singular as famílias poderá levar

a uma mudança na forma de se considerar as práticas que permeiam as suas

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relações e as relações entre seus membros. O reconhecimento das mudanças

provocadas pela contemporaneidade e o seu impacto sobre as pessoas e as

famílias se torna necessário no sentido de poder melhor acolher sua demanda e

contribuir para que as suas potencialidades sejam visualizadas e exploradas,

objetivando fazer com que esta família possa desempenhar mais positivamente o

seu papel de célula responsável pela primeira inserção do sujeito na vida em

sociedade. Fenomenologicamente, dizemos que o homem nasce como um não-ser e

caminha para um ser e para isto existe uma tendência inicial individual, sendo

também de fundamental importância a existência de um ambiente favorável. Este

ambiente é aquele constituído pelo seio familiar, que para facilitar uma boa e

favorável inserção deste ser-no-mundo deve estar preparado para possibilitar um

bom acolhimento, reconhecer e aceitar a individualidade e singularidades deste ser.

Neste trabalho tivemos a intenção de estudar a condição das delicadas

relações afetivas tão fragilizadas nesta época contemporânea. A intenção é a de

tentar compreender este modo de vida atual, focando as relações humanas dentro

do contexto de uma época onde o consumismo e a individualidade estão cada vez

mais intensos apesar dos discursos muitas vezes contraditórios. O propósito foi o de

se buscar compreender como este modo de viver é incorporado pelas pessoas e

como isto o impacta em seu dia a dia. Não tivemos a intenção, portanto, de propor

alternativas ou tentar sugerir mudanças de posicionamento ou comportamentos com

o intuito de se modificar esta realidade.

Entendemos que a compreensão destas questões é de suma importância

para o bom desempenho profissional do psicólogo clínico, notadamente quando se

trata da abordagem Fenomenológica existencial, onde se trabalha com o homem

como um ser-no-mundo e onde se procura descobrir como este homem experiencia

a sua vivência.

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REFERÊNCIAS

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