A Fundação Do Rio de Janeiro Na Ocupação Régia do Espaço Vicentino
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7/23/2019 A Fundao Do Rio de Janeiro Na Ocupao Rgia do Espao Vicentino
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ACERVO, RI ODE JA NEI RO , V. 28 , N.1, P. 159 -172 , JA N./JU N. 2015 P.159
AFUNDAODORIODEJANEIRONAOCUPAORGIADOESPAOVICENTINOTHEFOUNDATIONOFRIODEJANEIROINTHEROYALOCCUPATIONOFTHEVICENTINOSPACE
RENATOPEREIRABRANDO| Bacharel em Arqueologia pela Unesa. Mestre em Histria da Arte pela UFRJ. Doutorem Histria pela UFF. Pesquisador colaborador e vice-coordenador do Laboratrio de Estudos Socioantropolgicossobre o Conhecimento e a Natureza (Lesco) da Universidade Federal Fluminense (UFF).
RESUMO
Objetivamos demonstrar que a fundao da vila de So Sebastio do Rio de Janeiro por Es-
tcio de S expressa uma anomalia s normas administrativas da Coroa referentes aos direitos
donatrios e caracterizao dos espaos urbanos. Discutimos, luz do contexto de construo
da rede ultramarina, as razes de tais transgresses s normas impostas pela Coroa na Amrica
portuguesa.
Palavras-chaves: Rio de Janeiro (cidade) fundao; vila; cidade; So Vicente.
ABSTRACT
The paper aims to demonstrate that the foundation of the village of So Sebastio do Rio
de Janeiro by Estcio de S represents an anomaly within the context of the administrative
rules of the Portuguese Crown in respect to the rights of occupation of urban areas. In light of
the construction of an overseas network by Portugal, the paper discusses the reasons for such
transgressions of the rules of geographical occupation.
Keywords: Rio de Janeiro (city) foundation; village; city; So Vicente.
RESUMEN
Objectivamos demostrar que la fundacin de la vila de So Sebastio de Ro de Janeiro por Es-
tcio de S expresa una anomala a las normas administrativas de la Corona, en lo que s e refiere
a los derechos de los donatrios de las capitanias y la caracterizacin de los espacios urbanos
coloniales. Discutimos las razones de tales infracciones a las normas impuestas por la Corona
Portuguesa en Amrica.
Palabras clave: Rio de Janeiro (ciudad) fundacin; villa; ciudad; So Vicente.
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INTRODUO
At o presente permanece a polmica a respeito da categorizao do ncleo urbano
fundado por Estcio de S no sop do morro Cara de Co em 1 de maro de 1565. Seria este
identificvel como arraial, vila ou j como cidade? Roberto Maurcio, em obra publicada no
bojo das comemoraes do IV Centenrio da Cidade do Rio de Janeiro, afirma que a cidadede So Sebastio do Rio de Janeiro foi fundada quando Estcio de S mandou construir uma
forte cerca em torno do arraial (Maurcio, 1966, p. 16).
Morales de Los Rios, ao informar que o local onde foi estabelecido o povoado por Estcio
de S logo veio a ser posteriormente conhecido por Vila Velha, vem reforar a verso de que
inicialmente foi fundada uma vila, que s ganharia a categorizao de cidade quando de sua
transferncia para o morro do Castelo, em 1567 (Los Rios, 1915, p. 1.085).
A questo aqui proposta no se resume a mera identificao da categoria urbana do
ncleo populacional fundado por Estcio de S. Por entender que a questo diz respeito no
apenas ao processo de ocupao dos espaos donatrios e implantao da rede urbana naAmrica portuguesa, julgamos que o histrico da implantao da cidade do Rio de Janeiro
extrapola em importncia o mero estudo de ocupao urbano colonial.
AIMPLANTAODASDIFERENCIADASESTRUTURASURBANASQUINHENTISTAS
Para melhor entendimento, julgamos procedente iniciar por uma abordagem sumria da
categorizao das estruturas urbanas nos domnios da Coroa de Portugal e sua normatiza-
o de implantao na Amrica portuguesa.
Partindo do mais simples, arraial, ao mais complexo, cidade, o primeiro est referidoa uma ocupao de carter provisrio, como um acampamento militar, ou a um local de
aglomerao por conta de atividades festivas. Como, neste ltimo caso, o arraial poderia ser
reconstrudo periodicamente, algumas vezes resultava em uma ocupao definitiva.
Um ncleo populacional de carter definitivo costumava ser identificado como povoado
ou, mais comumente, vilarejo. Originado de um arraial ou pela atrao exercida por algum
elemento agregador moinho, capela, pousada de tropeiros etc., para estes agrupamentos
populacionais no havia uma norma organizacional estabelecida pelo poder rgio.
Esta norma se faz efetivamente presente no caso das vilas. Para estas eram necessrios
os estabelecimentos de instituies oficiais, representados materialmente pelo prdio daCmara e pelo pelourinho. Uma caracterstica marcante da colonizao da Amrica portu-
guesa est no fato de, ao contrrio do ocorrido na Amrica hispnica, no ter sido criada uma
legislao especfica, sendo considerada extenso do Reino. Contudo, havia particularidades
coloniais que resultavam em diferenciaes, mesmo na obedincia da mesma ordenao.
Uma delas estava no fato de no Reino caber Coroa elevar um povoado condio de vila
por concesso de um foral, onde esto normatizados os direitos e deveres da administrao:
a cerca da polcia, juzo, imposto, privilgios e condio civil de cada uma delas (Franklin,
1816, p. 10).
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Na Amrica portuguesa, este poder foi delegado, como direito exclusivo, aos donatrios
de capitanias. Na ausncia deste, ficava com o encargo seu representante legal, designado
locotenente, ou o capito-mor em exerccio. A ausncia de um foral especfico era suprida
pelo expresso no foral da capitania e no Regimento do Governador.
Contudo, independente se na colnia ou metrpole, era a Cmara a instituio central
da vila.
Como representante do Estado portugus e da administrao colonial, a Cmara as-
sumiu o papel de agente organizador do espao urbano em constituio, como repre-
sentante dos interesses dos habitantes, atuou como porta-voz das queixas e splicas
dos moradores, muitas vezes, contestando as normas governamentais e ultramarinas
(Borrego, 2004, p. 168-169).
Os cargos camaristas, inclusive de juiz, eram funes eletivas no remuneradas, ou seja,
isenta de custos para os cofres da Coroa. Cabiam tambm Cmara funes tributrias,como responsvel pelos recolhimentos de rendas, tributos e donativos.
As prerrogativas das vilas no se encerravam na conjuntura jurdica administrativa exer-
cida pela Cmara, mas estendia-se esfera militar e religiosa.
Assim como no Reino, a vila tinha por funo sediar um corpo da tropa de ordenan-
a, organizao militar auxiliar, de carter defensivo e de preservao da ordem interna
do termo da vila. Formado por convocao temporria, porm compulsria, de moradores
fisicamente aptos na faixa etria de 18 a 60 anos, excluindo alguns, como religiosos e auto-
ridades judicirias. Apesar de sua relao com a Cmara ser mais bem conhecida no estabe-
lecido pelo Regimento das Companhias de Ordenanas, promulgado por d. Sebastio em1570 (Mendona, 1972, p. 157-178), este um aperfeioamento do regimento original feito
ainda no reinado de Afonso V, por sua vez posteriormente aperfeioado por d. Manuel, em
1508, (Castro, 1763, p. 371) e por d. Joo III, em 1549. No Brasil, o donatrio, alm dos ou-
tros direitos previstos, ocupava o cargo de capito-mor das tropas de ordenanas das vilas
situadas em seus domnios donatrios, razo de ser denominada capitania. Na ausncia do
donatrio, seu substituto como capito-mor do corpo de ordenana da capitania era por
ele, ou pela Coroa, designado, enquanto que os oficiais de patentes menores eram desig-
nados pela Cmara.
No aspecto religioso, as vilas contavam necessariamente com uma s paroquial e seurespectivo sacerdote, responsvel por atender freguesia referente. Ainda quanto ao reli-
gioso, h de se fazer destaque para uma diferenciao marcante em relao ao Reino, em
respeito questo do padroado da Ordem de Cristo. Apesar de este poder real sob a ins-
titucionalidade catlica no Brasil no encontrar expresso na constituio das vilas, se far
marcantemente presente, como veremos, na constituio das cidades.
O padroado, a priori, no era atribudo ao rei de Portugal, mas ao mestre da Ordem de
Cristo, sediada em Tomar. Passou a ser atribuio real quando d. Manuel assumiu de forma
hereditria este mestrado.
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Nota-se, assim, que, por ter sido a Amrica portuguesa integralmente dividida em capi-
tanias hereditrias, no se previu inicialmente a possibilidade de existncia de cidades, mas
somente de vilas coloniais.
A primeira vila a existir no Brasil, a de So Vicente, foi fundada em 1532, ou seja, antes
do estabelecimento do regime de capitanias hereditrias. Martim Afonso de Sousa, seu fun-
dador, obedecendo legislao, providenciou o estabelecimento da Cmara e a ereo dopelourinho, dando ainda curso ao primeiro processo eletivo dos cargos municipais. Com a
criao do sistema de capitanias, esta vila deveria estar situada no espao da capitania que
veio a ser doada a Martim Afonso de Sousa em 1534. 1Por ser a cabea da capitania, esta
veio receber o mesmo nome da vila, So Vicente.
No Reino, as vilas que ganhavam importncia maior, tanto em termos populacionais
como econmicos, eram aladas categoria de cidades.
A cidade era, portanto, um centro urbano diferenciado, possuidor de privilgios inexis-
tentes nas vilas. Tanto no Reino como na colnia americana, unicamente a autoridade real
poderia elevar uma vila condio de cidade.Uma das diferenciaes mais importantes entre vila e cidade est no fato que nesta,
alm dos cargos camaristas eletivos, havia um corpo de funcionrios rgios nomeados dire-
tamente pela Coroa, que exerciam suas funes de forma remunerada.
Quanto relao intestina Igreja/Estado, h de se destacar que cabia cidade sediar no
somente uma, ou diversas, s paroquial, mas tambm uma s episcopal, materializada no
templo designado por catedral, por abrigar a ctedra do bispo. Nesse ltimo aspecto, a ques-
to do Padroado da Ordem de Cristo trar uma diferenciao marcante entre o Reino e a Am-
rica portuguesa. Por deter este mestrado o poder soberano institucional da Igreja no Brasil,
no cabia ao papa o direito da nomeao episcopal, mas sim referendar a indicao do rei,como mestre da Ordem de Cristo. Com a instituio do governo geral na Amrica portuguesa,
se fez necessrio que o representante da Coroa estivesse estabelecido no mais em uma vila,
onde o poder maior era exercido pelo capito-mor donatrio, mas sim em uma cidade, onde a
Coroa seria soberana. Como o Brasil foi todo dividido em capitanias hereditrias, seria preciso,
inicialmente, que a Coroa retomasse o poder sobre uma das capitanias doadas.
Essa oportunidade veio com o falecimento do donatrio da capitania da Bahia de Todos
os Santos, Francisco Pereira Coutinho, quando a Coroa recuperou o domnio pleno desta
capitania por negociao e indenizao de seu herdeiro.
Ao desembarcar no Brasil em 1549, Tom de Sousa trazia em seu Regimento as instru-es para o estabelecimento do governo geral. importante observar que a implantao
deste novo regime administrativo no tinha como objeto a substituio do regime das capi-
tanias hereditrias, pois os direitos donatrios estabelecidos nos forais das capitanias foram
1 A maior parte dos autores considera haver dvida se a vila de So Vicente foi estabelecida no espao da capita-nia de Martim Afonso de Sousa ou da de seu irmo, Pero Lopes de Sousa. Constatamos, contudo, que, indubi-tavelmente, estava situada no espao que fazia parte da capitania deste ltimo, ou seja, na capitania de SantoAmaro.
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na maior parte preservados, assim como a autonomia das Cmaras. O governo real surgiu,
pois, no para substituir, mas para corrigir o sistema j instalado [...]. A grande falta, que as-
sim se supria, era a de um centro de unidade, a carncia de unidade administrativa (Avelar,
1976, p. 71). Desse modo, como representante dos interesses da Coroa, ao governador-geral
foram atribudos encargos de cunho tanto administrativo, quanto militar.
Como o poder de comando militar do donatrio, como capito-mor, estava restrito stropas estabelecidas em sua capitania, ao governador-geral foi atribuda a funo de dar
organicidade ao sistema defensivo. Assim, ao governador-geral era facultado o poder de
socorrer uma determinada capitania deslocando no s tropas sob seu comando direto, mas
tambm por convocao das estacionadas em outras capitanias.
No Regimento de Tom de Sousa (Mendona, 1972, p. 33-51), em seu captulo 32, cons-
tam determinaes sobre os tipos e quantidades das armas e artilharias que os capites das
capitanias e senhorio dos engenhos e moradores da dita terra eram obrigados a ter. O cap-
tulo 36 trata especificamente do combate aos corsrios, determinando que ao saber que h
corsrios em alguma parte da dita costa, ireis a ele com os navios e gente que vos parecer.Especial ateno dada, ainda, questo indgena onde se encontra expressa nos ca-
ptulos 5, 31 e 45 a poltica de guerra inclemente s naes indgenas hostis, procurando
desloc-las da costa para o serto, a fim de preservar o espao litorneo sob o controle das
naes aliadas, cooptadas ao projeto colonial pela converso religiosa (Brando, 1993, p.
156-157).
Dentre as atribuies de Tom de Sousa, estava a fundao da primeira cidade a ser
estabelecida no Brasil, o que ocorreu no ano seguinte, o mesmo ano em que o papa Jlio
III confirmou institucionalmente a Companhia de Jesus. Tendo por nome So Salvador, foi
implantada prxima a onde j existia uma vila fundada pelo falecido donatrio, a vila do Pe-reira. J no ano seguinte, em 25 de fevereiro de 1551, o papa Jlio III, pela bula Super Specula
Militantis Ecclesiae, cria para esta cidade o primeiro bispado na Amrica portuguesa, que
veio a ser ocupado em 22 de junho de 1552 por Pero Fernandes Sardinha.
importante observar que tanto as primeiras vilas como a primeira cidade na Amrica
portuguesa surgem por fundao, e no por constituio processual e orgnica, conforme
ocorria no Reino, por consequncia do adensamento populacional e expanso econmica.
AFUNDAODAVILADESOSEBASTIONOESTRATGICOESPAOVICENTINO
A invaso francesa, iniciada em 1555, foi de pronto denunciada por Brs Cuba, capito-
mor em exerccio da capitania de So Vicente. Impotente para fazer frente fora expedi-
cionria francesa, Brs Cuba requisitou reforos ao governador-geral Duarte da Costa, no
sendo por este atendido. Somente em 1560, j na regncia de d. Catarina em nome de seu
neto d. Sebastio, o novo governador-geral, Mem de S, incumbido da responsabilidade
de expulsar os franceses da baa da Guanabara. Afinal,como vimos, no caso de uma invaso
corsria, tal como a ocorrida na Guanabara, o governador-geral se via obrigado a dar com-
bate, independentemente de qual fosse a capitania.
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Apesar de vitorioso no embate, arrasando a fortaleza erguida na entrada da baa por
Villegaignon, comandante da fora francesa, Mem de S se viu obrigado a deixar a Guana-
bara por exigncia dos encargos como governador-geral, o que possibilitou o retorno dos
franceses refugiados no interior e a retomada do controle da baa.
Providenciada uma segunda expedio, agora sob o comando de Estcio de S, aps
uma primeira tentativa frustrada em fevereiro de 1564, no mesmo ms do ano seguinte con-segue ele se instalar na entrada da baa da Guanabara, no local hoje conhecido como Urca.
Em conformidade com o relato de Anchieta em 1 de maro, teve incio o desbastamento
do mato, roado da terra e edificao da cerca de proteo ao povoado, indo Estcio dormir
em terra e dando nimo aos outros para fazer o mesmo (Anchieta, 1988, p. 259). Esta data
foi ento adotada como de fundao do ncleo urbano ali instalado. pequena cerca deu
Estcio de S o nome de S. Sebastio, em lembrana do patrono do rei de Portugal sob cujo
signo se erguia a nova cidade (Serro, 1965a, p. 109).
Apesar de questionvel a referncia a este ncleo como cidade, como faz Serro, consi-
derando que experincia anterior demonstrou a necessidade de no se restringir a expulsaros franceses, mas originar uma ocupao definitiva, nos parece lcito considerar que seu
fundador teria a incumbncia de estabelecer no um simples e temporrio arraial, mas um
novo povoado. Contudo, deve-se observar que Estcio de S, apesar de comandante da for-
a expedicionria, ao no portar a patente de capito-mor de So Vicente, j que no se tem
conhecimento de qualquer fonte documental, ou mesmo sua referncia, atribuindo a ele
esta patente, estaria impossibilitado de elevar este povoado condio de vila.
No entanto, Varnhagen informa que logo instalado, Estcio de S nomeia Pero Martins
Namorado para o cargo de juiz. Em setembro deste mesmo ano de 1565 nomeia ainda
Francisco Dias Pinto para o cargo de alcaide-mor com as formalidades usadas em taisocasies (Varnhagen, 1854, p. 252). Segundo Joaquim Serro, aps instalada a Cmara,
Estcio de S passou a conceder cartas de sesmarias para a regio do entorno da baa da
Guanabara. Somente de setembro de 1565 a novembro do ano seguinte foram concedidas
45 cartas de sesmarias para esta regio, atribudas por este autor a Estcio de S (Serro,
1965a, p. 110-111).
O referido historiador estranha o fato de que entre as cartas de sesmarias doadas em
1565 consta a recebida por Antnio Rodrigues de Almeida, concedida por Pedro Ferra To-
bias, capito e ouvidor-geral em S. Vicente (Serro, 1965a, p. 111). Em nota, assim expressa
sua estranheza em relao ao fato: Que direito assistia a Pedro Tobias para dar essas cartas?Haver engano na data? deixemos o problema em suspenso, visto no nos ter sido possvel
analisar o documento.
Voltando ao problema, observa-se, inicialmente, um engano em relao ao nome do ca-
pito de So Vicente, j que, quando da chegada de Estcio de S, este cargo estava ocupado
por Pedro Ferraz Barreto. Assim a ele se refere o controvertido autor da Continuao das
memrias de fr. Gaspar da Madre de Deusao tratar do Rio de Janeiro, onde temos informa-
o de diversas doaes de sesmarias ali situadas, por capites-mores da capitania de So
Vicente, inclusive no sculo XVII.
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A cidade do Rio de Janeiro est em altura de 23 graus, e ainda antes de ser fundada em
1567 por Estcio de S, e depois por seu tio Mem de S, 3 governador-geral do estado
do Brasil, os capites-mores governadores da capitania de S. Vicente, concediam terras
de sesmaria no Rio de Janeiro. E habitando s os ndios tamoyos, aos que quiseram ir
povoar esta terra, como foram Jorge Pires, e seu filho Simo Machado em tempo que era
donatrio Martim Afonso de Sousa, e seu loco tenente Pedro Ferraz Barreto, em 1554,
como se v dos registros destas s esmarias no cartrio da provedoria da fazenda real de
S. Vicente liv. tit. 152, p. 29 v. et seguintibus at 1565, etc., esto as sesmarias de terras,
que concedeu no Rio de Janeiro desde 1623, at 1634, Francisco da Rocha capito-mor,
governador, locotenente da donatria condessa de Vimieiro [...]. No liv. 9 tit. 1.638, p.
52 est a sesmaria de terras dadas no Rio de Janeiro pelo governador daquela cidade
Salvador Corra de S e Benevides no ano de 1638, como procurador da dita condessa.
Todas estas sesmarias provam que o Rio de Janeiro da doao do primeiro donatrio
Martim Afonso de Sousa, por se achar dentro das 55 lguas de costa de sua doao, que
como est declarado, principiam em 13 lguas ao norte do cabo Frio at o rio Curupac(Madre de Deus, 1861, p. 541-542).
Em trabalho anterior, ao tratar no da cidade, mas da capitania do Rio de Janeiro, tnhamos
j observado o inusitado fato de Salvador de S e Benevides, quando governador do Rio de Ja-
neiro em 1638, ter concedido sesmarias no respaldado no cargo que ocupava, mas como pro-
curador da condessa de Vimieiro, donatria da capitania de So Vicente (Brando, 2011, p. 7).
Invertendo o direcionamento do problema apontado por Serro, por constatar que o
capito-mor de So Vicente, ao conceder sesmaria no Rio de Janeiro em 1565, agiu dentro de
suas prerrogativas legais, consideramos mais procedente questionar, caso realmente assimo tenha feito, sobre o direito que assistiria a Estcio de S para dar cartas de sesmarias na
regio da baa da Guanabara e fazer nomeaes de cargos camaristas. Acreditamos ser este
o verdadeiro problema que at o presente permanece em suspenso.
AVILASOBEOMORROEVIRACIDADE
Com a chegada dos reforos, trazidos pelo governador-geral Mem de S em 1567, se deu
o embate final com os franceses, resultando na expulso destes e na morte de Estcio de S.
Neste embate, teve participao decisiva os indgenas da nao temimin liderados porArariboia. E vale notar que, em consonncia com a poltica expressa no referido Regimento
do governo-geral, esta tropa indgena fora deslocada do aldeamento jesutico de So Joo,
estabelecido na capitania do Esprito Santo (Brando, 1993, p. 160).
Ao recuperar o controle da baa da Guanabara, Mem de S transfere a sede da adminis-
trao municipal para o alto do morro do Castelo, passando a dar continuidade s nomea-
es dos cargos camaristas e concesses de sesmarias.
O governador-geral justifica a legalidade dessas aes administrativas com base nos po-
deres concedidos em seu Regimento. Contudo, em uma carta de sesmaria, datada de outu-
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bro de 1567, reconhece que neste seu Regimento no se diga nem fale em esta dita cidade
de so sebastio deste rio de janeiro (Serro, 1965b, p. 56).
Logo aps esses fatos, em 20 de janeiro de 1568, d. Sebastio, no dia em que completava
catorze anos, era aclamado rei de Portugal. Era este jovem rei fruto de sucessivas relaes
consanguneas, j que no s seu av paterno, d. Joo III de Portugal, era primo de seu av
materno, Carlos I de Espanha e V do Sacro Imprio, como seu pai, o prncipe d. Joo de Por-tugal, era igualmente primo de sua me d. Joana, infanta de Espanha. Nasceu em 20 de ja-
neiro de 1554, poucos dias aps a morte de seu pai, recebendo como nome de batismo no
o de algum monarca que o antecedeu, conforme era usual, mas, como exceo por seguir
a tradio popular, o do santo consagrado no dia de seu nascimento, So Sebastio. Em 15
de maio de 1554, d. Joana abandonou Lisboa para nunca mais voltar, deixando seu filho d.
Sebastio entregue aos cuidados dos sogros. Quando este tinha apenas trs anos de idade,
seu av paterno veio a falecer, ficando como regente do reino sua av materna, d. Catarina,
irm de seu av materno, Carlos V.
Enquanto d. Catarina tinha particular afeio pela Ordem Dominicana, o tio paterno ded. Sebastio, cardeal d. Henrique, era fervoroso adepto da Companhia de Jesus. Por inter-
veno direta de d. Henrique, aps longa controvrsia no Conselho do Reino, foi escolhido
como mestre de d. Sebastio o padre jesuta Lus Gonalves da Cmara, que iniciou as lies
ao fazer o prncipe seis anos de idade. Proclamado regente em substituio a d. Catarina
em dezembro de 1562, d. Henrique permaneceu na regncia at o prncipe tomar conta do
poder, como rei e mestre da Ordem de Cristo (Veloso, 1938, p. 15-48).
Ainda em 1568, d. Sebastio encaminhou proviso como gouernador e perpetuo ad-
ministrador que sam da ordem e cauallaria do mestrado de nosso Sor Jesu X ao reitor do
Colgio da Companhia de Jesus da Bahia com determinaes sobre o collegio dos padres dacpanhia de Jesu que se haa de fundar e fazer na capitania de S. Vicente das partes do Brasil
(Carta rgia mandando fundar colgio etc., Serro, 1965b, p. 61-64).
Para entender o alcance desta determinao rgia, preciso diferenciar o Colgio fun-
dado a mando do rei, como mestre da Ordem de Cristo, das escolas de catequeses e alfabeti-
zao. Nos Colgios eram ministrados ensinos complementares voltados para a formao de
novios, mas tambm abertos a leigos. Seus cursos abrangiam as reas de letras, filosofia e
teologia. O primeiro Colgio fundado em Portugal foi o de Coimbra, em 1542. Com a funda-
o da Universidade de vora, em 1559, por intermdio do cardeal d. Henrique, apesar dos
protestos da Universidade de Coimbra, os jesutas passaram a ter uma universidade prpria.Os ensinos nos Colgios nos domnios da Coroa foram direcionados ento a preparatrios
para o ingresso nesta universidade.
Na Bahia, os jesutas fundaram em 1551 o Colgio dos Meninos de Jesus, com a finalida-
de de ministrar o ensino bsico. O Colgio da Bahia, nos moldes citados, veio a ser fundado
em 1553.
Em 1554, os jesutas tinham j fundado uma escola missionria na capitania de So Vi-
cente, o Colgio de So Paulo. Assim seria de esperar, conforme ocorrido na Bahia, que o Co-
lgio fosse estabelecido junto escola que j funcionava nesta capitania. Contudo, o reitor
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do Colgio da Bahia determinou a sua instalao no no planalto vicentino ou na vila de So
Vicente, cabea da capitania indicada por d. Sebastio, mas sim no Rio de Janeiro. preciso
observar que, a princpio, no haveria nenhuma desobedincia determinao do rei, no
caso como mestre da Ordem de Cristo, j que o Rio de Janeiro fazia parte da capitania de
So Vicente. Por outro lado, assim sendo, ao fazer parte da capitania de So Vicente, o Rio de
Janeiro s poderia ser vila, e no cidade autnoma e independente da capitania.A questo que fica em suspenso diz respeito razo do reitor do Colgio da Bahia ter
preterido o planalto vicentino, onde a Companhia de Jesus j exercia o ensino, em favor de
um pequeno ncleo urbano recm-instalado, principalmente ao considerar que a instalao
de um Colgio era obra complexa, exigindo grande alocao de recursos e professores bem
preparados. Observa-se ainda que neste mesmo ano de 1568 foi tambm instalado o Col-
gio de Olinda, quando este ncleo urbano j estava densamente ocupado, por sediar o mais
rico polo aucareiro da Amrica portuguesa.
AINTERVENORGIANALEGITIMAODACIDADEDORIODEJANEIRO
Apesar de Mem de S usar distorcidamente seu Regimento para categorizar o ncleo
urbano estabelecido no alto do morro do Castelo como cidade, a nosso ver somente a partir
da interveno direta do rei d. Sebastio, em 1570, o Rio de Janeiro pde ser incontestavel-
mente assim considerado. Isso se deu, no por emisso de foral, mas por fazer nomeaes
rgias de cargos administrativos, alguns inexistentes nas vilas.
A primeira conhecida datada de 7 de maro de 1570, nomeando Aires Fernandes Vitria
para o cargo de almoxarife da cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro. No ano seguinte,
d. Sebastio nomeou Cristvo de Barros por quatro anos capito e governador da capitaniae cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro nas partes do Brasil, em substituio a Salvador
Correia de S, se referindo, assim, no somente cidade, mas tambm a uma nova capitania.
Em 11 de maio de 1576, d. Sebastio fez ainda diversas nomeaes, inclusive de tabelio
das notas e do pblico e judicial. Em de agosto de 1577, meses antes de seu falecimento em
Alccer Quibir, nomeou Salvador Correia de S para novamente ocupar o cargo de capito e
governador da dita capitania e cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro por tempo de trs
anos (Cf. Alvars rgios e traslados de provises, Serro, 1965b, p. 66, 82, 84, 86, 114-115, 119).
No respeito questo institucional religiosa, quando da transferncia para o morro do
Castelo, a cidade no contava nem mesmo com um nico proco, necessariamente presenteem uma vila. A primeira freguesia no Rio de Janeiro, a de So Sebastio, s veio a ser criada
em 1569 por proviso rgia datada de 20 de fevereiro, sendo o padre Mateus Nunes seu
primeiro vigrio. Em 1576, o Rio de Janeiro foi elevado condio de prelazia, situao pr-
diocesana. Contudo, a segunda freguesia, a da Candelria, s veio a ser estabelecida no final
da Unio Ibrica, em 1634 (Santos, 1965, p. 7, 25).
Finalmente, a prelazia foi elevada a s episcopal em 1676, ou seja, o Rio de Janeiro per-
maneceu mais de um sculo j com status de cidade sem nunca ter tido um bispo. Muito
provavelmente, caso nico no universo do catolicismo no tempo moderno.
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Ainda em 1676, Francisco Lus Carneiro de Sousa, conde da ilha do Prncipe, ao enca-
minhar processo de reconhecimento de seus direitos donatrios sobre So Vicente junto
ao Conselho Ultramarino, teve reconhecido estes direitos sobre a integridade territorial da
capitania herdada, incluindo, portanto, o Rio de Janeiro.
Lembrando que a capitania comprada pela Coroa, em 1709, para formar a capitania de
So Paulo e Minas era originalmente a capitania de Santo Amaro, esta questo veio se des-dobrando em diversos outros processos em que, de um lado, so reconhecidos os direitos
donatrios e, de outro, a Coroa usa do artifcio de protelar as outorgas destes direitos. Em
1731 veio a falecer jovem, sem deixar herdeiro direto, Francisco Carneiro de Sousa, ltimo
donatrio da capitania de So Vicente e conde da ilha do Prncipe, possibilitando a Coroa
encerrar a questo. Para alguns, Carlos Carneiro de Sousa, tio do ltimo donatrio e seu
herdeiro, teria negociado em 1735 a renncia dos direitos sobre a capitania de So Vicente
em favor da Coroa. Porm, constatamos que esta negociao se encerrou na troca do ttulo
de conde da ilha do Prncipe para conde de Lumiares, no havendo qualquer referncia
capitania me da cidade do Rio de Janeiro e nem capitania de mesmo nome dela derivada,apesar de nominalmente referida nos documentos reivindicatrios encaminhados ao Conse-
lho Ultramarino (Brando, 2011, p. 9).
DISCUSSESECONSIDERAESCOMPLEMENTARES
Vimos que, em obedincia s normas ento vigentes, para que fosse estabelecida uma
vila na baa da Guanabara, se fazia necessrio que Estcio de S nela chegasse com poderes
concedidos por Martim Afonso de Sousa para tal. Somente aps estabelecida a Cmara, e na
condio de capito da nova vila, iniciaria as concesses de sesmarias, restritas ao espaodo termo da vila. Estabelecida, consolidada e engrandecida, a sua passagem categoria de
cidade deveria ser feita por uma ordem rgia, nos moldes da expedida por d. Joo V para
So Paulo, em 1711, ou ainda indiretamente, quando elevada ao foro de bispado, conforme
ocorrido com Olinda, em 1676.
Desse modo, o ncleo estabelecido por Estcio de S no sop do morro Cara de Co no
poderia passar de um vilarejo. Contudo, apesar de no ter poderes para tal, fez ele, segundo
consta, nomeaes de cargos camaristas e concesses de sesmarias. Mm de S, ao trans-
ferir a sede do ncleo para o morro do Castelo, prosseguiu nas nomeaes e concesses, j
se referindo ao ncleo urbano como cidade, apesar de seu Regimento s fazer referncia auma nica cidade, a de Salvador. Finalmente, o rei d. Sebastio legitimou a categorizao de
cidade para o Rio de Janeiro, no por concesso de foral, mas ao fazer nomeaes de oficiais
rgios. Pouco aps, a incipiente cidade elevada condio de prelazia, apesar de haver
nela to somente uma nica parquia. Contudo, somente na segunda metade do sculo
seguinte passou a abrigar uma sede diocesana.
Pouco antes das nomeaes rgias, quando o Rio de Janeiro era ainda um pequeno n-
cleo encimado no morro do Castelo, o reitor do Colgio de Salvador da Companhia de Jesus
no Brasil, ao receber determinao de estabelecer um Colgio em So Vicente, toma a de-
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ciso de estabelec-lo na distante e pobre cidade da Guanabara, na verdade ainda um pe-
queno povoado. A instalao deste Colgio se deu de forma concomitante ao estabelecido
na rica e prspera vila de Olinda.
Frente s questes expostas, e ainda em suspenso, no temos aqui a pretenso de trazer
respostas definitivas, que expliquem as razes de tamanhos atropelos s normas estabeleci-
das. Por outro lado, no significa desconsider-las, ou ocult-las por explicaes precipitadasou improcedentes, mas abord-las de modo a procurar novas perspectivas interpretativas
no estudo da formao histrica do Rio de Janeiro.
Para tal, julgamos melhor olhar este histrico no exclusivamente pela perspectiva eco-
nomicista, que encontra inicialmente na explorao do pau-brasil e, aps consolidado o n-
cleo povoador, na concesso de sesmarias para a implantao de engenho como interesses
maiores que impulsionariam o processo de ocupao definitiva e adensamento populacio-
nal da baa da Guanabara.
Consideramos como razo maior para o surgimento desta furtiva cidade a importncia
estratgica que a baa da Guanabara tinha, no somente em relao ao domnio da costabrasileira, mas, e principalmente, em relao manuteno da rede asitica do imprio ul-
tramarino portugus.
Para este entendimento, necessrio destacar um aspecto desse processo de expanso
pouco conhecido. Para a estruturao desta rede, no era suficiente descobrir o caminho
para as ndias, mas ainda impedir a conexo do complexo mercantil mediterrneo com o
fluxo mercantil oriental pelo bloqueio dos acessos do golfo Prsico e mar Vermelho (Bran-
do, 1993, p. 716).
Um dos poucos estudiosos a dar relevo ao assunto, diz que a ideia do bloqueio ao Egito
pela tomada de dem e Socotor, como feito pelos portugueses, j antecedia em dois s-culos a d. Manuel (Thomaz, 2008, p. 58). Contudo, ao rei de Portugal, j na Renascena eu-
ropeia, no cabia somente atingir militarmente o poderio islmico, mas tambm, em decor-
rncia, substituir Veneza no abastecimento do mercado europeu de especiarias. Portanto,
para viabilizar a rota do Cabo seria necessrio compensar o expressivo aumento na distncia
martima a ser percorrida com o aumento do volume transportado. Para tal, se fez necessrio
desenvolver a tecnologia de construo naval de modo a permitir a construo de embar-
caes vlicas com grande capacidade de carga e estabilidade necessria para navegar nas
extenses ocenicas do Atlntico Sul. Este feito foi conseguido pelos portugueses somente
no final do sculo XV, com o advento das naus. Por outro lado, em consequncia do grandecalado e peso, para serem impulsionadas, dependiam no somente dos regimes de vento,
mas, e principalmente, do empuxo das corretes marinhas (Brando, 2012, p. 61-65).
Como a navegao das naus no Atlntico Sul se dava, na maior parte, no bojo da corren-
te do Brasil, as naus se viam obrigadas a navegar prximo costa brasileira, do cabo de Santo
Agostinho ao cabo Frio. Nesse contexto, a baa da Guanabara representava um ancoradouro
natural que poderia abrigar uma esquadra capaz de interceptar o fluxo naval para o Oriente,
via Atlntico Sul. Consideramos que a tomada desta estratgica baa, fundamental para o
controle naval do Atlntico Sul, foi a motivao principal que teria levado o frei da Ordem
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de Malta, Villegaignon, a se colocar frente da misso conquistadora (Brando, 2005, p. 3;
2006, p. 22-23).
Como o capito-mor de So Vicente no tinha como fazer frente ao vulto do empreen-
dimento francs, este contexto nos permite entender a necessidade da Coroa de se colocar
frente do embate militar e promover a ocupao permanente da baa da Guanabara. Por
outro lado, a ocupao por implantao de um ncleo urbano exigiria transgredir s normasestabelecidas pela prpria Coroa, o que foi feito, no de forma expressa e frontal, mas sub-
repticiamente.
Por outro lado, por ter o donatrio de So Vicente, Martim Afonso de Sousa, seus interes-
ses maiores na ndia, onde chegou a vice-rei, certamente no criaria nenhum obstculo em
abrir mo da regio da baa da Guanabara, para que a Coroa pudesse garantir o fluxo mer-
cantil com o Oriente. Restou a seus sucessores questionar a validade desta no legitimada
concesso.
Quanto aos jesutas, antes mesmo de fundarem o primeiro colgio no Brasil, o de Salva-
dor, tinham j estabelecido na ndia, em 1548, o Colgio So Paulo de Goa, que foi um dosprincipais centros de divulgao da cultura europeia na sia. Instalados e com grandes in-
teresses no Oriente, cremos que os jesutas perceberam a importncia que necessariamente
viria ganhar o ncleo populacional situado em um ponto vital para a manuteno da rede
ultramarina oriental. Sabedores da no oficializao do desmembramento do Rio de Janeiro
da capitania de So Vicente, os jesutas optaram por investir na instalao de um novo Co-
lgio, no no isolado planalto vicentino, mas na Guanabara, onde ficaria conectado rede
ultramarina.
No possuindo as terras fluminenses fertilidade prxima s ubrrimas zonas canaviei-
ras de Pernambuco e Bahia, de modo a fazer a mera distribuio de sesmarias seu atrativomaior, a possibilidade de ser agraciado pela Coroa por nomeao para cargos rgios, por
trazer projeo social e retorno monetrio, representava grande atrativo para os reinis que
estavam a se instalar na Amrica portuguesa. Tanto para aqueles que visavam ocupao
dos cargos rgios, no caso dos mais afortunados, como para servir e suprir este privilegiado
segmento social.
O processo de instalao de um Colgio da Companhia de Jesus no ainda incipiente
povoado certamente tambm representou um importante atrativo, no s por exigir um
conjunto de mo de obra especializada na construo e decorao do imponente prdio e
igreja, infelizmente demolidos, como tambm por movimentar atividades econmicas para-lelas. Tendo o Colgio como centro administrativo, a Companhia de Jesus participou ativa-
mente no segmento produtor e mercantil aucareiro.
Surgida em funo de uma rota mercantil, o Rio de Janeiro incorporou a prtica comer-
cial como esteio econmico. No sem razo, a diocese do Rio de Janeiro, quando criada,
abrangia o territrio meridional at o rio da Prata, em consonncia com j ativas prticas
mercantis com a Amrica hispnica.
Consideramos, assim, que o contexto geopoltico de implantao da rede ultramarina,
associado s condicionantes ambientais, forjou uma anmala cidade, onde foi moldada uma
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conjuntura sociocultural de influncias diversas. No negamos neste processo a importncia
da influncia da nobreza da terra agrria, mas destacamos que a esta foi sobreposta outras
fortes influncias. Dentre estas, a de carter mercantil universalista, dada a insero na rede
ultramarina que, ultrapassando os limites da relao triangular Portugal-Brasil-frica, se es-
tendia s vertentes asiticas e platinas. Destaca-se tambm a importncia da instalao nes-
te, ainda pequeno, ncleo urbano de um corpo de oficiais administrativos da Coroa, assim
como de um centro de formao intelectual de reconhecido mrito, o Colgio da Companhia
de Jesus. Consideramos estes como suportes essenciais para que o Rio de Janeiro pudesse
vir a centralizar administrativamente no somente a Amrica portuguesa, mas tambm o
prprio Imprio Ultramarino, permanecendo como capital do Brasil Imprio e da maior parte
do tempo da Repblica.
Uma verso resumida deste artigo foi apresentada sob o ttulo A enigmtica fundao do Rio de
Janeiro: de arraial vicentino cidade desprovida de foral e poder episcopal, no XVI Simpsio
Regional de Histria ANPUH/RJ, em julho de 2014.
R e f e r n c i a s b i b l i o g r f i ca s
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Recebido em 30/11/2014Aprovado em 14/1/2015