A fundagao sob a galeria foi impermeabilizada vedagao RECONSTRUCAO DA BARRAGEM DE... · geotecnicas...
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XIII SEMINARIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS
RIO DE JANEIRO
ABRIL 1980
A RECONSTRU (;AO DA BARRAGEM DE EUCLIDES DA CUNHA:
PRINCIPAIS ASPECTOS GEOTECNICOS
TEMA IV
RICARDO I. BICUDOEngenheiro Civil - Dept9 de GeoteaziaIESA - Internacional de Engenharia S.A.
GLOMS R. M. LENSEngenheiro Civil - Divisao de GeotecniaCESP - C=panhia Energetica de Sao Paulo
GUY H. R. M. BOURCEAUXEhgenheiro Civil - Consultor
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1. INTRODUcAO
A Usina Hidroeletrica de Euclides da Cunha , no municipio de Sao
Jose do Rio Pardo, Estado de Sao Paulo , a parte do sistema da
CESP (Companhia Energetica de Sao Paulo ) e juntamente corn as
Usinas Armando de Salles Oliveira e Caconce (Graminha ) totalizam
o potencial energetico ja explorado no Rio Pardo.
Em janeiro de 1977, durante cheia excepcional ocorreu a ruptura
por extravasamento das barragens de terra de Euclides da Cunha
e Armando de Salles Oliveira , fato este relatado por Siqueira
( 1978 ) no XII Seminario Nacional de Grandes Barragens.
No presente trabalho , os autores discutem as condigoes geologico-
geotecnicas derivadas da ruptura em Euclides da Cunha e suas
implicagoes no projeto de reconstrugao da barragem . Expoem-se
os criterios gerais adotados para emenda do aterro de reconsti-
tuigao da barragem com a ombreira direita e o macigo remanes-
cente e uma analise do comportamento do novo aterro nos primeiros
meses apos o enchimento do reservatorio , cerca de 2 anos apos o
acidente.
2. A BARRAGEM DE EUCLIDES DA CUNHA ANTES DA RUPTURA
No seu projeto original elaborado nos anos 58 - 59, a Barragem de
Euclides da Cunha era constitulda por um aterro de segao homo-
genea de argila compactada , com 63 m de altura, 315 m de compri-
mento de crista , taludes de 1:3,3 e 1:2,5 a montante e jusante
respectivamente e coroamento na cota 670 m.
Na margem direita do rio foram construldas a Tomada D'Agua,
Casa de Forga ( subterrinea ) e Casa de Comando ; na margem esquerda,
um vertedor de superficie e o tunel de desvio.
Os solos utilizados na construgio desta barragem eram argilas
arenosas pouco siltosas a siltes arenosos pouco argilosos, de
cor avermelhada , e origem coluvionar (LL: 22 a 75%, LP : 22 a 40%,
fragao argila: 5 a 25 %, fragao passando pela peneira 200: 40 a
75%, umidade otima: 11 a 28%, peso especifico seco maximo: 1.47
a 1.91 t/m3). Na ombreira direita, a barragem foi apoiada sobre
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um espesso horizonte de materiais provenientes de antigos escor-
regamentos (" talus" ), os quais representaram um dos principais
problemas no projeto original da barragem face as suas caracte-
r1sticas granulometricas (materials de graduagao muito erratica
com matacoes de grandes dimens0eS ), geom8tricaS (espessura
variivel ate 25 m ), permeiveis (permeabilidade de 10 - 4 a 10-'
cm/s) e compressiveis (fenomeno de colapso sob efeito de satu-
ragao).
0 problema de percolacao pela fundagao da talus foi resolvido
com a construgao de uma trincheira de vedagao e de uma galeria
de concreto executada na base desta trincheira ; esta galeria
foi fundada sobre tubul6es espagados de 6 m no trecho do antigo
leito do rio e apoiados sobre o embasamento rochoso sao no
trecho restante . A fundagao sob a galeria foi impermeabilizada
atraves de estacas de concreto justapostas moldadas " in loco"
entre os tubules de suporte da galeria e de injeg oes de cimento.
Estes trabalhos de impermeabilizagao foram executados por dentro
da galeria , sem interferencia com os servigos de terraplenagem
de construgao do macigo da barragem. Esta trincheira de vedagao
foi complementada por uma trincheira adicional posicionada a
montante da galeria (ver Figura 1).
Para se reduzir os riscos de fissuramento do macigo compactado,
o eixo da barragem foi projetado em arco de modo a se aproveitar
os esforgos de compressao causados pelo reservatorio, favoraveis
ao fechamento de fissuras transversais ; como defesa adicional
contra percolagao preferencial atraves de eventuais fissuras,
foi projetado um dreno vertical de areia conforme ja concebido
por K. Terzaghi na barragem do Vigario (LIGHT).
Os recalques diferenciais , associados a compressibilidade dos
talus, foram considerados prejudiciais a integridade do macigo
compactado tendo em vista o cariter pouco plastico dos solos
compactados a serem utilizados (umidade otima media de 17%
sensivelmente menor que o limite plastico medio de 32%). Cabe
mencionar que, 2 meses apos o primeiro enchimento do reserva-
torio foi observada uma surgencia d'agua a meia altura do
talude de jusante, proveniente de percolagao pela ombreira
esquerda (contornando o dreno vertical) e por uma fissura
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oriunda de recalque diferencial em zona do aterro proxima a uma
irregularidade superficial na interface aterro-ombreira, consta-
tando o comportamento "friavel" deste tipo de argila no estado
compactado (Vargas, 1970; Sherard, 1973).
No leito do rio e na ombreira esquerda a fundagao era constituida
por rocha gnaissica intensamente fissurada e altamente permeavel
e por solo de alteragao de rocha relativamente pouco permeavel
(10 - 5 cm/s). A galeria de concreto, projetada na base da trin-
cheira de vedagao aberta no talus, foi prolongada ate um pogo
vertical de acesso , adjacente ao muro direito do vertedor na
ombreira esquerda. 0 macico rochoso permeavel foi tratado por
injecoes de cimento realizadas a partir da galeria; esta permitiu
ainda a execugao de um sistema de drenagem profunda da fundagao
atraves de drenos de 3" de diametro com inclinagao de 150 para
jusante, espagados de 8,0 m e perfurados ate a cota 590 aproxi-
madamente , bem como a instalagio de piezometros posicionados a
montante e jusante da cortina de vedagao visando observar a efi-
ciencia da trincheira de vedacao (Vargas, 1971).
0 escoamento das aquas afluentes ao dreno vertical do macigo
compactado construido na vertical da corda do eixo arqueado da
barragem , foi proporcionado por tres tubos de concreto de 8" de
diametro , conduzindo as aquas de percolagao ate o pe de jusante
da barragem ; este sistema foi reforgado pelo prolongamento do
dreno vertical ao longo do talude de jusante da trincheira de
vedagao principal , ate atingir a base da galeria de concreto;
esta ligagao do dreno vertical com a galeria de concreto foi
realizada atraves de dreno inclinado e horizontal de areia e
furos de 1" de diametro , espagados de 3,0 m atraves da parede
de jusante da galeria , chamados "Drenos de Filtro".
As aquas coletadas dentro da galeria provenientes do sistema
de drenagem interna da barragem e do sistema de drenagem profunda
da fundagao , foram canalizadas ate um pogo de bombeamento.
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3. MECANISMO E CONSEQQENCIA DA RUPTURA
A ruptura da barragem de terra por transbordamento ocorreu no
trecho da barragem sobre a margem direita do rio , cabendo
reiterar que o macho compactado resistiu durante virias horas
as solicitacoes extremamente severas de extravasamento cuja
lamina d'agua media ao longo da crista atingiu 1 , 20 m de espes-
sura . A ruptura pela margem direita foi causada pela alta
erodibilidade dos materiais naturais da ombreira direita e pela
maior espessura da lamina d'agua neste trecho (1,38 m ) devido ao
fato da crista da barragem ser 0,18 m mais baixa que a cota
nominal do projeto. A erosao regressiva do terreno na ombreira
instabilizou o macico compactado da barragem atraves de rupturas
sucessivas ate a abertura de um canal estreito que permitiu o
esvaziamento do reservatorio . A acao erosiva das aquas removeu
a camada de macho compactado, praticamente todo o horizonte de
talus da ombreira direita e parte do manto da rocha decomposta
subjacente. Apos a ruptura , o rio voltou a utilizar o seu leito
original , obstruido por materiais ( talus) provenientes de escor-
regamentos antigos. Ao longo do trecho rompido, a galeria de
concreto foi totalmente descoberta sendo que as aquas que
verteram sobre a mesma provocaram um canal profundo a jusante
da galeria , tornando visiveis, inclusive , as fundaroes de susten-
tarao desta.
Ap6s a ruptura , a ombreira direita ficou constituida apenas por
rocha em diversos graus de alteragao , cam uma inclinagao bastante
Ingreme, atingindo uma declividade de 1:1 no trecho situado a
jusante da galeria. As dimensoes do canal de ruptura atingiram
uma extensao igual a 2/3 de comprimento da crista da barragem,
alcangando a cota 620 m a montante da galeria e 610 m a jusante
da mesma. A superficie de fundagao da barragem no trecho situado
a montante da galeria ficou constituida por uma camada de
matacoes de grandes dimensoes que nao foram arrastados pelas
aquas durante a ruptura devido ao bloqueio da galeria de concreto.
Parte destes matacoes era proveniente de pequenos deslizamentos
ocorridos na ombreira direita imediatamente apos a ruptura da
barragem devido ao efeito de rebaixamento instantaneo do reser-
vatorio.
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A fundacao da tomada d'agua foi parcialmente erodida durante o
esvaziamento do reservatorio, sendo que suas colunas ficaram
apoiadas sobre blocos individuais do macigo rochoso original,
tornando sua estabilidade visivelmente precaria.
4. FATORES CONDICIONANTES PRINCIPAIS DO PROJETODE RECONSTRUQAO
Os principais fatores que condicionaram o projeto de reconstru-
cao da barragem de terra foram:
• presenga de encosta ingreme na margem direita em condicoes
precarias de equilibrio. Apesar de parecer evidente que a fase
critica de estabilidade desta encosta tenha ocorrido imediata-
mente apos a ruptura sob as Sqyq^aj S0110itac0e5 decorrentQS dorebaixamento instantaneo do reservatorio, sua condicao de equi-
librio foi questionada tendo em vista: o historico desta
ombreira (deslizamentos antigos de grande volume que originaram
o talus e o deslOcamento do leito do rio e deslizamentos recentes
menores acima da cota 670 m ocorridos em 1970 ), a presenga de
zonas de cisalhamento preenchidas por materiais siltosos micaceos
com mergulhos desfavoraveis, o alivio de tensoes causado pela
remogao de materiais durante a ruptura que poderia dar inicio
ao fenomeno de rastejo ao longo das superficies menos resis-
tentes do macigo e, afinal , os riscos de chuvas intensas capazes
de elevar o navel do lengol freatico da ombreira criando pressoes
hidrostaticas adicionais desfavoraveis a sua estabilidade. Tal
situagao era agravada ainda pela presenga da Casa de Comando da
Usina engastada dentro da ombreira direita, acima da cota 670 m.
A1.em dos problemas de estabilidade, a ombreira trouxe preocupa-
coes adicionais quanto a recalques diferenciais do novo aterro,
uma vez que nao foi possivel o abatimento de sua superficie de
contato ombreira-aterro.
• localizacao das estruturas existentes da ombreira direita,
impossibilitando um abatimento da interface aterro-ombreira, de
inclinagao media lv: 1h apos a ruptura.
• precariedade do estado das fundacoes da tomada d'agua.
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• remogao quase total do muro de arrimo no pe01de jusante da
barragem durante a ruptura.
• macigo remanescente de solo compactado junto ao vertedor
com talude transversal de ruptura ingreme e muito irregular.
0 talude de jusante deste macigo apresentava inumeros sinais de
erosio, constituidos principalmente por um sulco longitudinal
situado logo a jusante da crista da barragem e um sulco profundo
transversal ao eixo . 0 sulco longitudinal posicionado exata-
mente ao longo do dreno vertical da barragem foi facilmente
cavado pelas aquas de extravazamento, que, apos remover o
pequeno capeamento de argila compactada acima do topo do dreno
vertical , erodiu com facilidade a areia deste dreno.
• disponibilidade de materiais para a reconstrugao da barragem
de terra ; uma vez que como as jazidas de solos argilosos mais
proximos ja tinham sido exploradas na primeira construgao,
tornava - se necessario decidir pela exploradao de jazidas mais
afastadas para se obter o mesmo tipo de solo, ou pela utilizagao
de outros tipos de materiais, convencionalmente considerados
como "menos nobres".
• presenca da galeria de concreto com as suas fundacoes parci-
almente erodidas no trecho do canal de ruptura.
• prazo construtivo curto devido a necessidade urgente de
recomposigao da barragem , visto que haviam riscos de transbor-
damento durante a construgao , de deslizamentos catastroficos
na ombreira direita, e necessidade de compatibilizar o crono-
grama das obras de terra com o de recuperagao dos orgaos respon-
saveis pela geragao da Usina.
5. GEOLOGIA LOCAL
A geologia do vale do Rio Pardo no trecho da Usina de Euclides
da Cunha a caracterizada por um embasamento rochoso constituido
por microclina -granito -gnaisse, roseo, com intercalagoes de
anfibolio-gnaisse de coloragao escura, ambos cortados por
pequenas intrusoes pegmatiticas . Varias zonas cisalhadas cata-
clasticas e filonitizadas ocorrem no embasamento rochoso eviden-
190
ciando a ocorrencia de movimentos tectonicos. De um modo geral ,
a area apresenta pr edominancia de estrutura monoclinal, com ati-
tudes N60°W-N60°E/30°-60°S.
Sobrejacente ao macigo rochoso, ocorre uma zona de transigao
formada por matac6es e blocos residuais resultantes da agdo
intemperica ao longo das fraturas , com espessura variando de
5 a 30 m. Esta zona de transigao a coberta por um solo consti-
tuldo por um horizonte de 9010 saprolitico, silto-arenoso, e
por uma camada de solo coluvionar argilo-arenoso . Em algumas
areas a camada superficial a constituida por solos originarios
de deslizamentos (talus).
6. DESVIO DO RIO
A utilizagao do tunel de desvio existente na ombreira esquerda
foi a opgao encontrada para desvio do Rio Pardo ap6s a ruptura
da barragem, cujo condicionante basico era a realizagio do
desvio antes da epoca chuvosa 77/78, a fim de evitar maiores
danos ao macigo remanescente e a ombreira direita . Uma vez que
a capacidade de descarga do tunel existente compatibilizava com
a enchente de projeto fixada para a epoca do desvio, os estudos
de alternativa referiram- se basicamente ao aproveitamento ou nao
da entrada do tunel existente, obstruida por detritos ate a
comporta de fundo.
A alternativa escolhida implicou em delicado servigo de desobs-
trugao da entrada do tunel e na construgao de um vertedor em
pogo de soleira elevada. Leyen (1978) descreve as providencias
adotadas para o desvio.
7. APROVEITAMENTO DO MACIQO REMANESCENTE
Constatado o bom estado do macigo remanescente atraves de inves-
tigagoes "in situ" e de laboratorio, e considerando o excelente
desempenho da barragem •por quase 20 anos, optou- se por aproveitar
a parte remanescente do macigo.
0 projeto de escavagao visou fundamentalmente a eliminagao dos
sulcos de erosio , materiais soltos e massas de solos compactados
19 1
provenientes de deslizamentos ocorridos imediatamente apps a
ruptura. A junta de construgao decorrente destas escavacoes
promoveu um talude brando de inclinagao 1v:3H, suficiente para
isentar o novo aterro de recalques diferenciais significativos.
A escavagao dos taludes do macigo remanescente foi executada em
2 (duas) etapas, sendo que a primeira consistiu em uma escavagaogrosseira, mantendo-se sobre a superficie final de escavagao uma
camada do proprio aterro para protegao contra trincas por resse-
camento. Na segunda fase , esta camada de protecao foi removida,
simultaneamente com o progresso do aterro compactado. Em alguns
trechos, determinados pelos desenhos do projeto original, a esca-
vagao foi cuidadosa de forma a localizar os tubos de concreto da
drenagem interna, posteriormente recuperados.
8. TRATAMENTO DE FUNDAcOES
No que se ref ere ao tratamento superficial da fundagao da barra-
gem, o trecho do canal da montante da galeria exigiu grande
concentracao de esforcos em virtude da necessidade de remocao
dos matacoes all existentes para assentamento do aterro em rocha
decomposta e "talus". Junto a base da Tomada d'Agua, no sope
da ombreira direita, foram necessarias concretagem de reforgo
das suas fundagoes e injegoes de cimento de consolidagao. A
passagem do rio sobre a Galeria do "Cutoff", formando uma queda
d'agua de aproximadamente 10 m de altura, ocasionou erosoes na
rocha alterada junto a base de jusante da Galeria, tornando
necessaria a construgao de um muro de reforgo.
A impossibilidade de abatimento do talude da ombreira direita
em virtude da localizagao desfavorivel da Casa de Comando, Banco
de Transformadores e Subestagao, implicou em cuidados na elimi-
nagao das irregularidades superficiais da ombreira, de forma a
minimizar o risco de recalques diferenciais do aterro no trecho
proximo a ombreira.
Sondagens rotativas com ensaios de perda d' agua feitas na funda-
gao, comprovaram um bom estado da cortina de injegao executada
durante a primeira construgao, tornando desnecessarios servigos
complementares de impermeabilizagio da fundagao.
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19. A RECONSTRUQAO DA BARRAGEM DE TERRA
9.1 Geometria Externa da Barragem
A barragem tem sua crista com 10 m de largura na El, 671,30,
compreendendo o seu eixo um arco de circulo de 89000' e um raio
de 310 m. Aterros laterais a barragem foram projetados com o
objetivo de restabelecer a geometria da ombreira direita.
A montante, o aterro tem fundamentalmente fins impermeabili-
zantes e, a jusante, proporciona a estabilizagao da ombreira.
A barragem reconstituida (Figura 3) tam um talude de jusante
medio de 1v:2,4h e de montante mantido em 1v:3,3h ate a El.
665,00 sendo 1V:2,4h a partir dessa cota. A montante, houve a
incorporagao de ensecadeira a barragem atraves de um plato na
El. 646,50.
A crista sofreu um alteamento da El. 670,00 para El. 671,30 em
fungao de reavaliagao dos niveis do reservatorio para as novas
condigoes hidrologicas de projeto.
9.2 Drenagem Interna
A drenagem interna da barragem de terra de Euclides da Cunha
foi condicionada fundamentalmente pelo aproveitamento do macigo
remanescente. Desta forma, tornou-se um macigo "sui generis"
apresentando duas filosofias de drenagem que espelham mudangas
radicais na Engenharia de Barragens em apenas 20 anos. 0 ponto
comum a resumido a presenga de um dreno vertical, adaptado na
regiao do macigo remanescente, onde foram executados alguns
recortes, sendo levado ate a cota do NA maximo normal. Cabe
registrar que no macigo exposto apos a ruptura, haviam sinais
de percolagao d'agua acima do dreno vertical, o que vem a
reforgar o criterio atual de se elevar o topo do sistema de
drenagem a equivalente ao NA maximo normal do reservatorio.
As tres tubulagoes de concreto no macigo remanescente de diametro
interno de 0,20 m transversais ao eixo da barragem e conectadas
a uma outra longitudinal localizada na base do dreno vertical
do macigo remanescente , foram recuperadas e continuam a exercer
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a mesma fungao de escoamento da vazao captada pelo dreno vertical
neste trecho. Tambem foi recuperado o sistema de drenagem loca-
lizado dentro da galeria (drenos de filtro e drenos de fundagao).
Um tapete drenante de brita e areia, tipo "sanduiche", sobre a
superficie de fundagao no trecho a jusante da Galeria com largura
variavel de 15 a 30 m, constitui-se no elemento principal de
drenagem interna no trecho de reaterro da barragem. Este tapete
comunica- se com os "drenos de filtro" e com o dreno vertical,
estendendo-se ate o pi do talude de jusante da barragem.
Com a abertura do canal de ruptura, as condigoes de percolagao
pela fundagao e ombreira direita tornaram-se melhores em compa-
ragao com as do projeta original tendo em vista a substituigao
dos materiais permeaveis do talus erodido por solos argilosos
compactados. Por outro lado, a remogao do talus expos o sistema
de juntas e zonas de cisalhamento da ombreira a jusante e
montante da area de implantagio da barragem , o que propiciaria
apos o enchimento do reservatorio um "by-passing" da percolagao
pela ombreira contornando o dreno vertical que atingindo provaveis
fissuras do macho compactado no trecho de jusante acarretariam
problemas semelhantes ao da ombreira esquerda apos a primeira
construgao. Em vista disso, foram projetados um tapete imper-
meavel a montante , tambem com finalidade de estabilizagao da
ombreira e um tapete drenante de areia a jusante do dreno vertical,
ao longo de toda extensio do contato aterro-ombreira . Drenos
de 4" de diametro foram perfurados sob a forma de leque a partir
da extremidade direita da Galeria; estes drenos foram projetados
com o objetivo de interceptar os fluxos de percolagao ao longo
das fraturas e zonas de cisalhamento permeiveis presentes no
macigo rochoso da ombreira.
0 sisterna de drenagem interna da barragem de terra constitui-se
atualmente em 2 partes : o sistema antigo, recuperado corn o apro-
veitamento do macigo remanescente , e o complementar , projetado
de forma a harmonizar corn o antigo , atender as novas condigoes
de fundagao , e a manter o nivel piezometrico do aterro, fundagao
e ombreira direita dentro dos limites definidos pelas anilises
de estabilidade.
194
9.3 Solos de Einprestimo
No transcorrer da construgao da barragem, foram utilizados solos
coluvionares argilosos, vermelhos , sendo as areas de emprestimo
exploradas ate o topo da camada de solo saprolitico, utilizando
a classificacao apresentada por Vargas (1970). Para a reconstrucao
do macigo compactado , eram necessarios cerca de 1,5 x 106 m3 de
solos compactados . As novas areas de emprestimo necessarias eram
situadas em locals altamente produtiveis e de elevado valor, dadaa fertilidade da regiao e sua proximidade de centros consumidores.
Por outro lado, deparava - se com a antiga area de emprestimo que
nao havia sido recuperada para fins agricolas. Tal o contrasts
entre as regi6es cafeeiras vizinhas que esta foi denominada
11area exaurida".
Aliado a este fato , as investigagoes mostraram camada de solo
coluvionar semelhante ao da construgao em espessura relativa-
mente pequena . Desta forma, caso a decisao sobre a exploragao
de emprestimos fosse pela exclusiva utilizagao de solos consi-
derados convencionalmente "nobres" , notavel area de desapro-
priagao seria necessaria.
Uma vez que de antemao havia a consciencia que seriam enfren-
tados problemas de cronograma rigido, onde as obras de terra
enquadravam-se no "caminho critico" para a geragao em data
compativel com a recuperagao dos outros elementos da barragem,
era inegavel a necessidade da compactagao de solos em umidade
superior a otima para se cumprir o cronograma . Em vista disso,
procedeu - se a um programs de investigagoes dos solos saproll-
ticos visando viabilizar sua utilizagao na barragem.
Aterros experimentais vieram mostrar a trabalhabilidade destes
solos e ensaios de laborat6rio revelaram as suas caracteristicas
geotecnicas como adequadas aos trabalhos de reconstrugao dos
aterros. Durante os servigos de reconstrugao, os saprolitos
revelaram-se de vital importancia, pois os solos coluvionares
que ocorriam em umidade ligeiramente superior a otima, sofriam
um aumento de umidade no perlodo noturno devido a agao do sereno
nos coluvios essencialmente argilosos o que os tornava imprati-
195
caveis por cerca de dez horas por dia.
Uma caracteristica muito importante constatada nos saprolitos
de Euclides da Cunha 6 a baixa tendencia a gerar pressoes neu-
tras de construgao mesmo compactado em faixa de umidade acima
da otima, o que vem a confirmar as conclusoes de Mori e outros
(1978). Este fato foi confirmado tanto em laboratorio como
"in situ", atraves de piezometros instalados no macigo. As
caracteristicas de resistencia, permeabilidade e compressibili-
dade dos saprolitos habilitaram-no a utilizagio na barragem,
porem a erodibilidade destes solos foi fator preocupante. Porisso, o aterro foi projetado com um confinamento de argilas
coluvionares compactadas.
Realmente, a possivel afirmar que o cronograma foi cumprido
gragas a trabalhabilidade do saprolito na faixa umida e ao seu
rapido enquadramento a faixa de umidade mesmo nao se contando
com insolagao.
10. COMPORTAMENTO DA BARRAGEM
A instrumentagao para observagao do comportamento do macigo
compactado e fundagoes da barragem consiste de instrumentosdurante a reconstrugao e da recuperagio de grande parte dos
anteriormente instalados . Tais instrumentos sao: piezometros
(tipo Casagrande , Maihak e Bishop ), medidores de deformagao
(medidores de recalque tipo Caixa Sueca, IPT e marcos super-
ficiais ) e medidores de vazao.
Nos primeiros 100 dias de observagao da barragem com o reser-
vatorio cheio pode - se constatar uma rede de fluxo no macigo
compactado ainda no estado transiente e niveis piezometricos
no tapete " sanduiche" abaixo dos previstos no projeto. Os
recalques ocorridos no aterro situaram-se dentro dos valores
esperados, cerca de 70% do recalque total calculado. No trecho
da barragem proximo a ombreira direita o recalque diferencial
maximo ocorrido foi da ordem de 1 / 180, sem que fosse observada
nenhuma anormalidade no macigo da barragem . Este fato a rele-
vante quando analisados o tempo de construgao ( 10 meses), o
tipo de material empregado ( solos saproliticos de gnaisse) e
196
suas condipoes de langamento (certa de 2 % acima da otima).
Os piezometros da ombreira direita, em sua maioria com bulbos
instalados nas zonas de cisalhamento do macigo apresentaram
leituras abaixo dos niveis estabelecidos nas analises de esta-
bilidade , e uma eficiencia de 80 % ( segundo criterio Marsal, 1971)
do tapete impermeavel de montante. 0 controle de movimentos
da ombreira direita iniciado apos a ruptura nao revelou sinais
de movimentos durante o periodo construtivo e nestes primeiros
meses apos o enchimento do reservatorio.
Pela fundagao, o conjunto injeroes-drenos apresentou uma reduc aode subpressoes entre 25 e 35%, valores estes superiores ao ante-
riormente registrado. Para fins comparativos, a Figura 4 apre-
senta as situagoes de subpressoes , apos o primeiro e segundo
enchimentos do reservatorio.
11. CONCLUSOES
0 projeto de reconstrugao da barragem de Euclides da Cunha teve
como diretriz basica reconstituir a barragem nos moldes do
projeto original a menos de adaptagoes impostas pela ruptura e
das conveniencias construtivas tais como a utilizagao de mate-
riais com caracteristicas favoraveis ao ritmo intenso das obras
civis. Uma analise do desempenho da barragem reconstrulda, nos
primeiros meses de operagao , constata de certa forma a tendencia
a um comportamento similar ao da barragem antes da ruptura.
A Galeria de concreto que se estende longitudinalmente ao longo
da interface aterro-fundagao constituiu -se num elemento valioso
para o projeto de reconstrugao , visto que possibilitou o acesso
a toda extensao da fundagao da barragem . Atraves dela pode-se
controlar as subpressoes na ombreira direita ( leque de drenagem),
ou mesmo no caso de ineficiencia do sistema de drenagem interna
ou do tapete impermeivel de montante.
Nio foi constatada nenhuma anormalidade no macigo compactado da
barragem no trecho da ombreira direita com inclinagio media
1v:1H, apesar das condigoes de langamento do macigo (tipo de
material , umidades de langamento e velocidade de construgao).
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Este fato confirma a conclusao freg1entemente citada de que a
declividade da junta de construgao a menos relevante que a exis-
tencia de irregularidades superficiais e as condicoes de umidade
de compactagao (Sherard, 1973).
0 cumprimento do cronograma de construgao foi facilitado pela
utilizacao dos solos saproliticos de gnaisse no macico da bar-
ragem, que apresentaram boa trabalhabilidade, rapido enquadra-
mento a faixa de umidade de compactacao , baixa tendencia a
pressoes neutras (apesar da velocidade de construcao e da umi-
dade de compactacao cerca de 2% acima da otima) e caracteris-
ticas de resistencia, permeabilidade e compressibilidade adequa-
das ao desempenho da barragem.
12, RESUMO
Neste trabalho sao apresentados os principais aspectos geotec-
nicos do projeto de reconstrurao da Barragem de Euclides da
Cunha, Rio Pardo, SP. Descreve-se inicialmente as caracteris-
ticas do projeto original, a ruptura e suas implicacoes na
concepgio do projeto de reconstrugao . Sao analisados os fatores
condicionantes principais de projeto, em geral derivados da
ruptura , e o comportamento da barragem nos primeiros meses apos
o enchimento do reservatorio.
13. AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a CESP - Companhia Energetica de Sao Paulo
pela autorizagao da publicagio dos dados, a IESA - Internacional
de Engenharia S.A. pelo patrocinio na elaboracao e aos colegas
que participaram direta ou indiretamente na discussao e elaboragio
deste trabalho , em especial os Eng9s Joaquim Pimenta de Avila,
Antonio Vieira Cavalcanti e Gilberto Carvalho Molina.
14. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
14.1 CAVALCANTI, A. V.; MOLINA, G. C. e DE AVILA, J. P. ( 1980) -
"A Ombreira Direita e sua Interferencia na Reconstrugao da
Barragem de Euclides da Cunha - XIII SNGB - Rio de Janeiro.
198
14.2 CESP - INTERNACIONAL (1978 ) - " Usina Euclides da Cunha -
Obras de Reconstrucao - Relatorio do Projeto Basico".
14.3 CESP - INTERNACIONAL (1979 ) - " Usina Euclides da Cunha -
Instrumentacao - Comportamento da Barragem e suas Fundaroes
durante e Apos o Enchimento - Relatorio Intern".
14.4 JORGE , F. N. e CASTRO , A. C. L. (1978) - "Estudos Geotec-
nicos e Acompanhamento das Condiroes de Estabilidade da Ombreira
Direita da Barragem de Euclides da Cunha - SP - II CBGE - Rio
de Janeiro.
14.5 LEYEN , G. (1978) - "0 Segundo Desvio do Rio Pardo" -
XII SNGB - Sao Paulo.
14.6 MARSAL , R. J. e RESENDIZ , D. (1971 ) - " Effectiveness of
Cut-Offs in Earth Foundations and Abutments of Dams" - State
of the Art - IV COPAMSEF - Porto Rico.
14.7 MORI , R.; LEME , C. R. M.; ABREU , F. L. R.; PAN, Y. F.
(1978 ) - " Saprolitos de Basalto - Um Estudo de Seu Comporta-
mento Geotecnico em Macicos Compactados " - VI COBRAMSEF -
Rio de Janeiro.
14.8 SHERARD , J. L. (1973) - " Embankment Dam Cracking" -
Embankment - Dam Engineering - Casagrande Volume.
14.9 SIQUEIRA , G. Q. (1978) - "As Licoes do Rio Pardo" -
XII SNGB - Sao Paulo.
14.10 VARGAS , M. (1963 ) - " Projeto e Comportamento da Barragem
Euclides da Cunha - II COPAMSEF - Brasil.
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of Sao Paulo, Brasil " - 6th ICSMFE - Canada.
14.12 VARGAS, M. e HSU, S. J. C. (1970) - " The Use of Vertical
Core Drains in Brazilian Earth Dams" - X ICOLD - Canada.
14.13 VARGAS, M. (1971) - " Effectiveness of Cut-Offs Under
Three Earth Dams" - IV COPAMSEF - Porto Rico.
199
Foto 1 - Vista do Macico Remanescente daBarragem
Foto 2 - Vista do Macigo Remanescente da
Barragem, Canal de Ruptura e
Ombreira Direita
200
ENSECADEIRA N
PRINCIPAL
EIXO DA TRINCHEIVEDAt40 SECUN
LIMITE DA \ZONA DE TALUS
TOMADA DI+DUA\
(APUD VARGAS,1963)
FIG. I - BARRAGEM DE EUCLIDES DA CUNHA
ANTES DA RUPTURA
201
4 400
0 0 0 0
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o EIXO DA BARRA GEM
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TONADA i^660 1^.CASA DE OAGUA ?1 1
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000630
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SUbESTAcAOI l
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2 40 60 80 100m
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FIG.2-A BARRAGEM APOS A RUPTURA
202
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4 206
A- EL 646,50
TOMAOA '^• p^D'AGUA u'
0'
O
4 100
1A0 y0
14.2µ l
114 ''. 2 H^ Z1
Soo
/ 0 20 40 60 100mO
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O
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N
Oj N° N 0 N0N
1
FIG.3 - BARRAGEM DE EUCLIDES DA CUNHA RECONSTRUIDA
ARGILA VERMELHA SOLO SAPROLIThOO
GC= 100 % h=hot GC=97%h=hot+2%
6=1,7+Gtg18° Z5 =1,5+0-tg19°0
6=1,7 + 1't918° t, - 1,2 + etg25°
G =L,7 + G ' tg 13° =0 ,8 + Ctg 14°H sat
t, =0,4 + Ctg27° =0,4 + Gtg29°
S =0 , 1 + Gtg32° v=0,2+Gtg30°
TAB. I- VALORES DE RESIST ENCIA AO CISALHAMENTO DA ARGILAVERMELHA E DO SOLO SAPROLITICO
203
EIXO DA BARRAGEM
C N A MAX 664,00I 7-
E 1 660,00
I.
^. I c n n'J 2 II TA
r1- EI
^42.po FUNDAq,1C0
1 El 630 00,63011 -- 35
CU620 TALUS IN IiM1L \ E I 1 6I6t,00-
rALUS -tom
CONCRETO
FIG.4A- PROJETO ORIGINAL (SEcAO Y-Y DA FIG_ I )(APUD VARGAS, 1963)
0 20
630
620
610
600
40 60 80 100 m
El 671,30
EI 652 ,00LINHA PIEZOMETRICANA FUNDAl;A0
COMPACTADO::ri -
2 43
GALERIA EI-621,00 E1.620002,3
A q YT I ll -
- ROCHAMACICO RE MANESCENTE
FIG.4B -PROJETO DE RECONSTRUCAO ( SE9A0 Y' Y' DA FIG.3 )
SE96ES DA BARRAGEM DE EUCLIDES DA CUNHA
ANTES DA RUPTURA (o) E DEPOTS DA RECONSTRUc ( b)