A GEOGRAFIA HISTÓRICA DO ASSENTAMENTO PRIMAVERA … · mas para Bernardo M. Fernandes na verdade:...

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22 CAPÍTULO 2 A GEOGRAFIA HISTÓRICA DO ASSENTAMENTO PRIMAVERA O primeiro capítulo apresentou o processo do caráter concentrador da terra. Nosso intuito nesse capítulo é revelar o processo contraditório de luta e resistência do Assentamento Timboré, mas para isso, temos que levar em conta o surgimento da luta pela terra e o nascimento do Movimento Sem Terra na região, que iniciou- se na década de 1970 com a luta dos posseiros do Assentamento Primavera. Trata- se, pois, de transcrever e reviver o período de modo que possamos entender que as lutas antecedentes foram imprescindíveis para a atualidade. Este Assentamento é parte das contradições da época, em especial do regime militar. Para José de Souza Martins (1995), “Entre o final dos anos 40 e o golpe de Estado de 1964 foram os vários os movimentos camponeses que surgiram nas diferentes regiões do país.” (p. 67) Para este autor, durante este período teve um acentuado movimento de lutas, no campo, tal como se refere: ...a partir dos anos 50,camponeses de várias regiões do país começaram a manifestar uma vontade política própria, rebelando- se de vários modos contra seus opressores, quebrando velhas cadeias, levando os proprietários de terras aos tribunais para exigir reparo de uma injustiça ou o pagamento de uma indenização; organizando- se em ligas e sindicatos; exigindo do Estado uma política de reforma agrária; resistindo vários modos de expulsões e despejo; erguendo bandeiras e fechando estradas par obter melhores preços para seus produtos. (MARTINS; 1995: 10) Encontramos aqui no interior paulista uma das mais peculiares formas de organização social do campesinato. A luta por território dos posseiros da Primavera no final da década de 70. Para Martins, “A multiplicação destes conflitos pela terra fez com que o posseiro se tornasse a principal, embora não a única, personagem das lutas camponesas atuais”. (1995:11) A territorialização deste assentamento marca a origem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado de São Paulo e a espacialização da luta pela

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CAPÍTULO 2

A GEOGRAFIA HISTÓRICA DO ASSENTAMENTO PRIMAVERA

O primeiro capítulo apresentou o processo do caráter concentrador da terra.

Nosso intuito nesse capítulo é revelar o processo contraditório de luta e resistência do

Assentamento Timboré, mas para isso, temos que levar em conta o surgimento da luta

pela terra e o nascimento do Movimento Sem Terra na região, que iniciou- se na década

de 1970 com a luta dos posseiros do Assentamento Primavera. Trata- se, pois, de

transcrever e reviver o período de modo que possamos entender que as lutas

antecedentes foram imprescindíveis para a atualidade.

Este Assentamento é parte das contradições da época, em especial do regime

militar. Para José de Souza Martins (1995), “Entre o final dos anos 40 e o golpe de

Estado de 1964 foram os vários os movimentos camponeses que surgiram nas diferentes

regiões do país.” (p. 67)

Para este autor, durante este período teve um acentuado movimento de lutas, no

campo, tal como se refere:

...a partir dos anos 50,camponeses de várias regiões do país

começaram a manifestar uma vontade política própria, rebelando- se de

vários modos contra seus opressores, quebrando velhas cadeias, levando os

proprietários de terras aos tribunais para exigir reparo de uma injustiça ou o

pagamento de uma indenização; organizando- se em ligas e sindicatos;

exigindo do Estado uma política de reforma agrária; resistindo vários modos

de expulsões e despejo; erguendo bandeiras e fechando estradas par obter

melhores preços para seus produtos. (MARTINS; 1995: 10)

Encontramos aqui no interior paulista uma das mais peculiares formas de

organização social do campesinato. A luta por território dos posseiros da Primavera no

final da década de 70. Para Martins, “A multiplicação destes conflitos pela terra fez com

que o posseiro se tornasse a principal, embora não a única, personagem das lutas

camponesas atuais”. (1995:11)

A territorialização deste assentamento marca a origem do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado de São Paulo e a espacialização da luta pela

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terra. Que configurou novas relações socioespaciais nos municípios na qual ele está

inserido.

Para estes trabalhadores se tratou de fugir da sujeição em seus estados de origem

e abrir novos caminhos para sua recriação e condição camponesa. Buscam superar a

expropriação refazendo o caminho seja de parceiro, meeiro, arrendatário. Assim,

estabelecendo novas formas de vida nestes espaços.

A história deste assentamento é caracterizada por lutas e conflitualidades, onde

os camponeses resistiam na esperança de que pudessem construir vida e dignidade

naquele local, nas palavras de Bernardo Mançano “as lutas dos posseiros da fazenda

Primavera começa com a sua chegada na região de Andradina no final da década de

vinte. Migrantes nordestinos e mineiros, além de migrantes italianos, chegaram na

região pelo processo de expropriação em seus lugares de origem e ali se fixaram com a

esperança de adquirir a posse da terra”.( FERNANDES, 1999: 89)

Como já foi dito vários elementos internos e externos contribuíram com vinda de

migrantes para região, principalmente a construção da ferrovia e das usinas hidrelétricas

na década de 1930 favoreceram ainda mais a vinda de tais migrantes para o interior

paulista desta microrregião. No mais, a propaganda do interior paulista era muito

frequente. Aumentando o número de posseiros, consequentemente a mão de obra

disponível dando origem, a povoamentos, colônias, resultando em aglomerados

urbanos.

Para muitos que vieram de vários estados do norte do país, foi uma forma de

conseguir melhores condições de vida saindo de seus lugares de origem, o casal Izabel e

João, moradores do Assentamento Primavera, lembra que saíram do estado da Paraíba e

chegaram em 1961:

“A notícia é que era muito bom. Vamos criar nossa família no estado de São

Paulo? Vamo!...tinha um rapaz que trabalhava aqui e foi embora para lá, e

chegou lá e deu notícia que São Paulo era bom, ajuntava dinheiro com

rastelo, e não sei o que tinha mais lá. Então agente resolveu vim pra cá”.

(Izabel da Conceição Souza e João Francisco de Souza, entrevista 18/

06/2011)

Para estas famílias, a saída de seus estados possibilitaria melhores formas de

sobrevivência na terra. Uma forma de continuarem se reproduzindo enquanto

camponeses. Como vimos o casal veio com a perspectiva de “ganhar muito dinheiro” no

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interior paulista. Muitos vieram ainda pequenos, tentar a vida.

Maria menciona que vieram do Ceará em 1951 juntamente com a família,

quando ainda menina. Para a família a vinda para São Paulo trazia a ideia que aqui

teriam melhores condições de vida. Aqui era bom, a terra do “dinheiro”, como descreve

a chegada:

“ quando nóis chegamo aqui. Aí, nóis foi mora numa casa de pau a

pique e tudo, né, de barro, e lá é..., aquele tempo o povo tinha medo o povo

tinha medo, o povo daqui do estado de São Paulo tinha medo de Ciarense,

né, pensava que era jagunço, sabe. Então caçava serviço e povo não dava

falava assim que era jagunço” ( Assentada Maria de Souza, entrevista 19/ 06/

2011) .

Percebemos que não se tratava de simplesmente medo das pessoas, mas uma

forma de relacionar as manifestações ocorridas no norte do país em relação as lutas

populares, assim as elites do período controlava quem de fato poderia entrar e trabalhar

em suas propriedades. Uma forma de garantir a proteção em “suas fazendas” era melhor

se prevenir do descontentamento social como ocorrera em Canudos.

Por outro lado, percebe- se que essa idéia em relação ao estado de São Paulo se

torna um empecilho, que esconde as verdadeiras faces do desenvolvimento do

capitalismo. As condições de vida nos estados do nordeste também eram ruins, pois

tratava- se de um processo de expropriação estrutural da economia regional, forçando a

migração constante de muitas famílias. Esse processo de expulsão constante faz parte de

um quadro de desigualdades regionais de cunho histórico no Brasil, pois está ligado ao

desenvolvimento desigual da economia brasileira.

Vimos que estas famílias continuaram tendo que enfrentar a pobreza durante

um grande período. Aí o germe onde as pessoas supera esse mundo expropriatório e

passam a questionar seu modo de vida a fim de construir outra forma organizativa de

enfrentamento e luta pela terra. A resistência camponesa à expropriação capitalista, a

luta pela propriedade da terra e a manutenção da posse, estabelecem a problemática

camponesa em confronto com o capital. Para Ariovaldo U. Oliveira, este mecanismo faz

parte de um processo onde

Esta frente de luta pela terra movida pelos posseiros é mais uma forma de

luta contra a expropriação a que os lavradores do campo estão submetidos. A

luta pela liberdade e pelo acesso a terra tem feito trabalhadores sem- terra

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migrarem. Procuram buscar no espaço distante um lugar para o trabalho

livre, liberto. Trabalho liberto, para eles, só tem sido possível em terra

liberta.

A migração histórica em busca da terra livre tem feito dos

trabalhadores/ posseiros verdadeiros retirantes. Retirantes em busca da

liberdade. (OLIVEIRA; 1996: 63)

Essa terra “liberta” é a terra camponessa, na qual são buscados novos caminhos

no sentido dda recrição. A Fazenda Primavera era de posse do empresário J J Abdala,

mas para Bernardo M. Fernandes na verdade: “o grileiro apresentava- se como dono das

terras dizendo que tinha um documento e cobrava dos posseiros a renda da terra”. (

FERNANDES; 1999: 89) .

Este assentamento geograficamente está localizado na região noroeste do estado

de São Paulo, microrregião de Andradina entre os municípios de Andradina, Castilho e

Nova Independência. Possui uma área de 9.385 hectares de extensão.

Figura 1 – Localização da microregião de Andradina.

As famílias que para lá se dirigiram tinham notícia sobre a fazenda:

“a fazenda Primavera ia, tinha um arrendamento, que esse Abdala

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era muito bom patrão, e nois foi. Quando pensa que noís tamos aqui. “ Nós

passamos quinze anos de arrendatário com o Abdala... O que a pessoa

quisesse plantar ele aceitava podia ser o milho o algodão, o negócio dele era

a renda. (Assentada Izabel da Conceição Souza e João Francisco de Souza,

entrevista 18/ 06/2011)

A exploração era de tal forma que os posseiros se endividavam aumentando a

dependência com o proprietário. O grileiro instalava exploração aos camponeses:

...o alto porcentual da renda da terra que era paga em produtos e a compra em armazém da fazenda que fornecia diversas mercadorias e empréstimos de dinheiro. Os posseiros só podiam vender os seus produtos ao proprietário que roubava no momento da pesagem e fazia os pagamentos com cheques pré- datados de outra praça. Os cheques eram trocados com agiotas que descontavam 50% do valor real. Com relação a algumas culturas como por exemplo o algodão, o pagamento da parte dos posseiros era feito em espécies retiradas no armazém da fazenda. (FERNANDES; 1999:89) .

Nesse período, de reordenamento no campo do golpe militar a situação dos

camponeses no campo se altera. Para Martins, “A burguesia com o Estatuto e o

concentracionismo fundiário definiu a questão agrária não como questão política, mas

como questão acessória do desenvolvimento econômico.” (MARTINS; 1995:98)

A situação se agravava quando as transformações no sistema produtivo vem

provocar reordenamento no campo, no sentido de dinamizar a estrutura física,

econômica e social deste espaço. Dessa forma, os posseiros são forçados a sair da

Fazenda Primavera para deixar espaço a nova configuração que se instala no meio rural,

o aumento na “expansão da pecuária de corte em detrimento das lavouras, sobretudo nas

áreas anteriores ocupadas por posseiros”.(BOMBARD; 2007: 96). O gado chegou muito

forte nesta região, segundo Pierre, estes produtores de gado se sentiram mais confiantes,

pois o gado dava mais garantia de lucro do que as lavouras.

A partir de 1942, a opinião corrente entre fazendeiros era de que a criação

“protegia- os melhor do que o café contra eventuais prejuízos” e,

consequentemente, valeria mais a pena transformar o cafezal em pastagem

do que desperdiçar dinheiro. Seria melhor formar uma invernada, do que

desflorestar para plantar café. (MONBEIG; 1984: 303)

Esta opinião foi recorrente no interior paulista. Antônio Joaquim de Moura

Andrade, (apelidado de “Rei do Gado”), “fundador” da cidade de Andradina possuía em

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uma de suas fazendas: “... a fazenda Guanabara, em Andradina, que abriga 45.000

bois;” (MONBEIG; 1984: 307).

Dessa forma, muitos fazendeiros- grileiros da região, como na Fazenda

Primavera, iniciaram a pecuária, expulsando posseiros, apropriando-se das terras para a

exploração capitalista.

Martins (1995) comenta que: “Tanto o deslocamento do posseiro quanto o

deslocamento do pequeno proprietário são determinados fundamentalmente pelo avanço

do capital sobre a terra”. (p. 17)

Isso significa que a saída para outros lugares está vinculado a um processo de

necessidades do capitalismo. Que os camponeses foram sendo submetidos. Isso explica

o que Martins (1995) diz: “... o nosso camponês não é um enraizado, ao contrário, o

camponês brasileiro é desenraizado, é um migrante, é itinerante”. (p. 17)

A expansão do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra atingia o estado

de São Paulo na década de 80, tendo origem no Rio Grande do Sul, onde nasceram as

primeiras sementes, vieram para o Paraná, chegaram em São Paulo, em Andradina. O

Sr. Renier nos relata como se organizou o Movimento Sem Terra e a Comissão Pastoral

da Terra (CPT) na região, tendo a luta posseira parte desta história.

Então, assim, é. Aqui a luta pela terra a construção do MST aqui já

começou antes da fundação oficial do MST, né, todos nós sabemos que foi

em janeiro de 1984 (1884) em Cascavel no Paraná. Agora aqui nesta região a

luta já começou bem antes, foi mesmo no tempo da ditadura militar. É foi

nos anos 70 (setenta) no final dos anos 70 (setenta), é que na Fazenda

Primavera, é como lá tinha muitas famílias, aí né, que tava trabalhando

naquelas terras e que lá tinha grande empresário J J Abdala, é que grilou

aquelas terras aí, que fazia pressão sobre aquelas famílias, né, tinha centenas

de famílias naquele lugar, é antes ainda chegou a ter seiscentas famílias

naquelas terras e depois foi diminuindo, a pressão de J J Abdala foi muito

grande em 1977 é que nós começamos aquela luta lá. (Renier Emanuel

Antoinetta Gertrudes Parrem, Dirigente do Movimento Sem Terra, entrevista

23/ 06/ 2011)

Este acontecimento não é só um simples fato do século passado, é o

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ressurgimento das camadas camponesas na procura de seus direitos, contrapondo- se ao

latifúndio. A representação da luta pela terra é a busca a legitimação do camponês

enquanto classe sendo verificada dentro do estabelecimento das lutas sociais no campo.

Rene comenta que “Aqui em Andradina, tá o berço, nesse sentido, do MST no

estado de São Paulo” ( ibidem)

Outro elemento que ocorreu no período segundo Renier foi, “A fundação da CPT que não existia e depois também a CPT foi contribuindo com a

fundação do MST no estado de São Paulo, e as lutas foram continuando nesta

região, foram continuando até o dia de hoje, é depois desta luta da Primavera no

começo dos anos oitenta nós, assim né fomos lutando por terras públicas nesta

região, é terras públicas, sobras de barragem, é, aqui em Três Irmãos, lá em

Promissão... depois, assim mais tarde, né em oitenta, final dos anos oitenta também

começa a luta da Timboré e aí nos começamos a lutar pelas terras privadas terras de

particulares” (Ibidem)

Os posseiros da Primavera iniciaram uma luta para permanecerem na terra, terra

que garante a sua sobrevivência cotidiana. Para Ariovaldo U. Oliveira:

É nessa luta pela manutenção da condição de lavrador autônomo, pela

conquista da posse que os posseiros, na luta contra o capital, vão construindo

seu próprio regime de propriedade anticapitalista: a posse, a terra de

trabalho. (OLIVEIRA; 2001: 71)

Nesse sentido entendemos que esse processo imprime uma nova característica na

região, onde a situação se torna mais intensa, pois trata- se de projetos de vida

(interesses) diferente do capitalismo.

Para retirar os posseiros da área, o gado do Abdala era solto nas plantações dos

posseiros, afim de destruir as roças. Eram cinco mil cabeças de gado que destruíam as

lavouras dos posseiros. João e Izabel se lembram deste período onde:

... depois eles ficavam com os bois aí enchendo o saco, e comiam a

roça da gente... os “capangas”... tinha veis que ia cortar o arame da roça pro

gado entra prá dentro, que era pro povo ir embora sair da fazenda”. .

(Assentada Izabel da Conceição Souza e João Francisco de Souza, entrevista

18/ 06/2011).

No mais, o proprietário para pressionar o pagamento da renda da terra

contratava jagunços para sondar os posseiros que eram muitas vezes vítimas de

violência física.

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O interesse em retirar as famílias da Primavera dava- se principalmente pelo fato

de que, parafraseando Martins,(1995):

...onde existe o posseiro não há possibilidade de extrair a renda da terra... o

posseiro é definido do ponto de vista do capital: ele deve ser expulso porque

deprime ou elimina, ou seja, destrói a renda fundiária. A posse é a negação

da propriedade. (p. 116)

Por isso que a resistência à expropriação por parte dos camponeses, a luta pela

propriedade da terra e a manutenção da posse para continuarem na terra, estabelecem a

problemática camponesa em confronto com o capital .

Durante as lutas dos posseiros, o interlocutor do Momento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra na região Renier E. A. Gertrude Parrem era muito pressionado por

parte do fazendeiro, segundo os assentados Izabel e João: “... os capangas da fazenda e

queria enfrentar, Pr. Rene veio fazer uma celebração aqui quiseram, disse que iam

encontrar ele (que ia matar ele) na estrada”. (Assentada Izabel da Conceição Souza e

João Francisco de Souza, entrevista 18/ 06/2011)

Este processo de pressão contra os posseiros reforçou a resistência e a luta destes

sujeitos. Na medida em que a situação se agravou, a organização dos posseiros se

estabeleceu, os mesmos passaram a lutar por um sonho em comum: a posse da terra. As

mobilizações começaram a surgir e dar sentido as lutas coletivas:

“o apoio veio da Igreja e da Federação dos Trabalhadores na

Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp):

(...) em setembro de 1979,cansados de esperar em vão um acordo com

ao administradores da Fazenda Primavera, 120 agricultores foram ao Fórum

da comarca de Andradina, solicitar a intervenção judicial para impedir que 5

mil cabeças de gado continuasse destruindo as lavouras” (FERNANDES, B

M apud FERNANDES; 1999: 90)

A luta e resistência destes posseiros foram se consolidando. A causa foi

destinada ao advogado Luís Eduardo Greenhalgh. A Fazenda foi destinada para fins de

Reforma Agrária em 8 de Julho de 1980:

“ Em Dezembro de 1981, os primeiros títulos são entregues as duzentas e sessenta e quatro famílias de posseiros. A partir dessa desapropriação surge um grupo de treze famílias de trabalhadores bóias- frias, que passaram e se denominar trabalhadores sem- terra. Esse grupo de famílias contava com o apoio da CPT reivindicava, ao

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Incra, uma área de 1.200 hectares que havia sobrado durante a elaboração do projeto de assentamento. No início de 1982, eles foram incluídos no assentamento. Das experiências dessas lutas começa, na região de Andradina, o processo de formação do Movimento dos Sem- Terra do Oeste do Estado de São Paulo. Ainda na elaboração do projeto, o Incra destinou uma área de 370 há à Associação dos Moradores da Fazenda Primavera, mas a área foi considerada grande pela diretoria da Associação e ficou praticamente abandonada. Em abril de 1984, cerca de cinquenta famílias de trabalhadores organizados pelo Movimento Sem Terra do Oeste do Estado de São Paulo ocuparam a área. Foram despejadas e acamparam nas margens da Rodovia SP- 563. Essa ocupação levou o Incra a realizar um processo de seleção e assentar outra 37 famílias (Diocese de Lins apud FERNANDES; 1999:94)

A luta por Reforma Agrária na Fazenda Primavera veio a partir da necessidade

de cada posseiro; uma luta contra e expropriação; uma luta dura, com indignação, mas,

sobretudo com esperança de ver a terra ser dividida. De se recriarem na condição de

camponeses. Nesse sentido,

...os posseiros estão construindo sua própria concepção de propriedade, o

seu próprio regime de propriedade anticapitalista: a posse, a terra de

trabalho. É assim que os próprios posseiros estão construindo sua concepção

de posse: “terra não deve ter dono, ela é dos verdadeiros agricultores, dos

que nela trabalham. No começo a terra era de Deus, que não deu documento,

nem vendeu para ninguém, nem botou cercas. Agora o governo e os grandes

pensam que são os donos” (Lavradores brasileiros- in Camerman apud

OLIVEIRA; 2001:114-5)

A conquista dessa área trouxe um importante trunfo de luta pela terra na região

deixando brecha para sua continuidade, imprimindo à terra seu caráter de a terra de

trabalho. João F. de Souza comenta que a conquista da terra “melhorou cem por cento,

mil por cento” as condições de vida na terra. (João Francisco de Souza, entrevista 18/

06/2011)

Mesmo com a assistência do Governo Federal através Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), ficou caracterizada uma distribuição de áreas

para amenizar os conflitos. Vemos que para os assentados a visão é otimista sobre esse

processo pelo fato de que o mais importante é ter onde morar e trabalhar para si

mesmos. Por mais difícil que seja a sua permanência e garantias sobre o lote, eles

usufruem da terra e isso é fundamental para incentivar as famílias. Martins (1995) nos

relata este sentido para estes sujeitos,

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...o posseiro não valoriza a terra como terra. Ser proprietário da terra para ele

não tem o menor sentido. O que tem sentido para ele, isto sim, é ser o dono

do trabalho. (...) a noção de posse é uma noção que privilegia não a terra mas

o trabalho: a terra entra com instrumento de trabalho, como mediador do

trabalho. (...) trata- se, portanto, como já foi dito, de um problema de uso da

terra, esta forma de usar a terra, esta forma livre de ocupar a terra. (...)

posseiros que é o problema da sua liberdade, a sua liberdade de trabalho

familiar, a sua liberdade de trabalho autônomo, a sua liberdade de

locomoção, a sua liberdade de decisão. (MARTINS;1995:131)

Deparamo-nos com um processo típico onde estes sujeitos tem uma afinidade

peculiar: “eu gosto da terra e gosto de trabalhar na terra, fazer alimento né”. (João

Francisco de Souza, entrevista 18/ 06/2011)

Izabel, esposa de João Francisco, menciona que o marido:

“ nasceu e se criou dentro da terra trabalhando, ... nasceu dentro da

roça pode dizer por que no sítio é dentro da roça né, nasceu na roça e tá com

esse oitenta e quatro anos (84) ...e nóis não quis sair daqui não”. (Assentada

Izabel da Conceição Souza, entrevista 18/06/ 2011)

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Figura 2: Foto de João Francisco de Souza e Izabel da Conceição Souza, Assentados do Primavera- BEZERRA; 18/06/2011.

O casal de posseiros veio para a Fazenda Primavera e residem até o momento no

assentamento na casa que foi construída desde sua vinda ainda quando eram arrendatários do

grileiro Abdala.

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Figura 3: Foto da casa de João Francisco de Sou

za e Izabel da Conceição Souza, Assentados do Primavera - BEZERRA; 18/06/2011.

Para Maria o assentamento “Foi mais por conta das pessoas... era só com a

“cara” mesmo...” (Assentada Maria de Souza, entrevista 19/ 06/ 2011). A falta de

melhor infra-estrutura dificultava a permanência de muitas famílias na propriedade. O

título de propriedade, uma espécie de “alforria”, onde tudo se deixava por conta das

famílias. Antônio comenta que:

..aqui foi porque, uma que o governo não deu muita sistência pra aqui, né. O

INCRA não deu sistência, ... não tem um fi que trabalhe dentro do sítio, ué.

Modo da dificuldade de trabalhar, nada do trabalho não tem valor, ué. Isso

todo mundo sabe. Não tem valor. Se você plantar uma roça de mi, o mi no

tempo de você prantar é um preço, pra você vender é lá embaixo”.

(Assentado Antônio de Souza, entrevista 19/ 06/ 2011)

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Figura 4: o casal de Assentados Maria de Souza e Antônio de Souza - BEZERRA; 19/ 06/ 2011.

Muitos dos assentados foram endividados com empréstimos nos bancos. Foram

desprovidos das políticas do governo. Impossibilitando uma verdadeira reforma agrária

na região Nesse sentido, a situação é uma armadilha do próprio capitalismo. A condição

de vida do produtor é muito difícil perante as barreiras do capital. Martins(1995)

salienta que:

O posseiro é um lavrador pobre, que vende no mercado os excedentes

agrícolas do trabalho familiar, depois de ter reservado uma parte da sua

produção para o sustento da sua família. .. o posseiro não é um invasor da

propriedade de outrem. Invasores são os grileiros, fazendeiros e empresários

que o expulsam da sua posse. (p. 104)

Ainda salienta Martins(1995):

O posseiro, entretanto, é produto das próprias contradições do capital. A

funcionalidade da sua existência se desenvolve porque está inserido em

relações dominadas pelo capital e não porque esteja nos cálculos dos

capitalistas. (Ibidem, p. 116)

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.

É esse diferencial dos assentados que torna particular a resistência do camponês

na terra. Brevemente voltaremos a este território conquistado para apresentar algumas

questões que devem ser consideradas a fim de entendermos o sentido do

desenvolvimento desigual do capitalismo no campo. Prosseguiremos a análise dando

ênfase em uma nova dinâmica socioespacial ocorrida na década seguinte.

2.1- A conquista do território: a trajetória do Assentamento Timboré

“não, não, na cidade não”!

Na cidade é lugar de escravidão,

Eu morava na cidade na maior judiação,

Levantava muito cedo,

Pra ajudar o meu patrão,

O meu patrão só de mim ele explorava,

Nem salário ele pagava,

Na maior judiação.

Um dia bem cedinho

Fizemos a reunião.

Aqui na nossa assembleia

Quem decide é o povão...

Vamos arrebentar a cerca e passar dentro do chão

Não temos medo de jagunço empregados de patrão,

Na hora se for preciso enfrentamos até leão.

Na hora do tiroteio nós rolamos pelo chão.

Defendemos as crianças e também o povão.

Senhores seus fazendeiros sentem aí prestem atenção!

E tenha na consciência e guarde no coração.

Foi Deus que fez a terra não ponhou nas suas mãos.

E por isso nós precisa de um pedacinho de chão.

Esses versos que escrevi,

Retirei da palma da mão

A tinta tirei dos olhos,

E a pena do coração,

Esses versos deixo para ti, deixo pra recordação.

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(Assentada Mirtes de Paula oliveira, entrevista 17/ 06/ 2011)

Posteriormente a luta do Assentamento Primavera, já nos anos finais da década

de 80, retoma nova forma de resistência contra a expropriação e exploração. Não se

trata da luta de posseiros para continuar na terra. Trata- se de trabalhadores que foram

marginalizados do processo de produção capitalista e que retornaram para a terra,

montaram acampamentos, e persistiram na conquista do território em disputa. A luta dos

Assentados da Fazenda Timboré é mais um traço marcante da estrutura fundiária do

Brasil que precisa ser questionada.

Com o fim do Golpe Militar, as lutas em massa retornaram com grande êxito,

consolidando as lutas camponesas em todo o Brasil, uma forma de dar resposta ao

desenvolvimento do capitalismo no campo. Foi neste contexto que nasceu a

espacialização e territorialização da luta pela terra na Fazenda Timboré, caracterizando

um segundo momento da luta por terra, não se trata mais de posseiros e/ ou

arrendatários, mas uma especificidade que veremos mais adiante.

Figura 5 – Localização dos municípios de Andradina e Castilho - SP

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O grupo de Sem Terra foi formado com características particulares, formou- se

em Sumaré. Sendo oriundo do quinto grupo organizado em Sumaré. As famílias eram

de origem urbana, proletariados em sua maioria, que no período da urbanização foram

expulsas do campo e atraídas (sem saída) para as cidades, na perspectiva de melhores

condições de vida. Porém, com as contradições do capitalismo, uma grande massa foi

segregada, restando- lhe os bairros de alto risco para viverem em condições de vida

penosas. Esse processo de submissão e exploração sobre si permite que os trabalhadores

se organizem em movimentos sociais. Nascendo a necessidade de sua organização

politica, resultando no grupo V de Sumaré – SP onde já havia se consolidado

assentamentos do MST.

Em entrevista colhida em 2011, Renier Parrem, dirigente do MST, afirma:

Nos anos oitenta (80), como eu estava dizendo, assim, várias

fazendas foram colocadas também, foram destinadas para Reforma Agrária

no tempo do José Sarnei e a Fazenda Timboré também foi uma delas, uma

fazenda ao lado do rio Tiete... aqui, assim, nos juntamos um grupo de

famílias novamente das cidades daqui da região grupos de Castilho,

Andradina, de mais alguns lugares, e uma outra parte que veio lá de Sumaré,

lá também já tinha, naquele tempo um trabalho, que tinha ido para lá

também, a luta pela terra, e aí então, tinha um grupo de famílias urbanas, aí

que tava interessados na terra lá na região de Sumaré. (Renier Emanuel

Antoinetta Gertrudes Parrem, Dirigente do Movimento Sem Terra, entrevista

23/ 06/ 2011)

A origem deste grupo demonstra a existência de uma forte luta

camponesa que se expande dentro do capitalismo apontando no sentido da recriação,

visão que se contrapõe entre estudiosos da questão agrária. Essas famílias se

organizaram politicamente e vieram para a região de Andradina para conquistarem um

pedaço de terra. Para Jesus F. da Costa:

“Eu sobe, teve um colega meu, Seu Augusto que trabalhava na Cegecao,

Jesus o pessoa tá se organizando perto da igreja no sindicato ali, e, vão

formar um grupo para ir para a terra lá pra Andradina... eu ganhava mais de

um salário mínino, um salário e meio mais pagava aluguel e tratando da

família os menino tudo pequeno... aí eu comecei a assisti as reunião a

muié também começou a assisti e eu disse que ia entrar nesse grupo” (Jesus

38

Francisco da Costa, entrevista, 20/ 06/ 2011)

Este grupo foi preparado em Sumaré e compreendemos que se tratava de um

processo político onde as famílias tinham formação. As famílias tinham consciência da

exploração que estavam sendo submetidos, o dinheiro que adquiriam não dava conta de

suprir suas necessidades, a saída foi se organizarem e reconstruírem seu modo de vida

no campo. Como afirma Mirian L. Simonetti (1999):

O MST se organizou no estado de São Paulo a partir das experiências de

resistência dos posseiros de Andradina, dos sem terra do Pontal do

Paranapanema (onde também verificaram-se conflitos e luta pela terra desde de

1960, envolvendo grileiros, posseiros e o Estado, devido à implantação da Usina

Hidrelétrica de Porto Primavera), e dos sem terra da região de Sumaré.

(SIMONETTI; 1999:83)

A assentada Mirtes comenta que era um grupo bem formado com trabalhadores

urbanos e que as reuniões duraram alguns anos:

“ porque tinha que ser um povo bem organizado, tinha que ter consciência

do que estava fazendo que quando chegasse na terra, era um povo que vinha

para ocupar uma terra e para produzir.”(2011).

No dia 27 de Janeiro de 1989, esse grupo de Sumaré juntamente com as famílias

do município de Castilho, Andradina, Campinas, Valinhos, Limeira, e outros. Ocuparam

a Fazenda Pendengo no município de Castilho, eram aproximadamente 130 famílias. A

ocupação da Fazenda Pendengo de 4160 hectares trazia de volta os conflitos que

marcaram anteriormente essa área. Na década de 50 a Fazenda Pendengo havia sido

disputada por posseiros e grileiros. A Fazenda estava, atualmente, sobre o domínio de

um conhecido grileiro da região: Serafim Rodrigues de Moraes que alem da Pendengo

possuía mais três fazendas na Alta Noroeste e mais vinte e uma propriedades na região

centro- oeste e norte (A Pastoral apud FERNANDES;1999:145)

Depois de 19 dias de ocupação as famílias foram despejadas pela polícia militar

e civil. Em protesto contra o ato violento do despejo, as famílias recusaram os

transportes que havia disponibilizados para elas, e marcharam a pé até a Praça Matriz

em Nova Independência. Em acampamento improvisado as famílias receberam o apoio

da Igreja e da população. Neste período várias reuniões estavam sendo feitas, no sentido

39

de pensar estratégias de garantir acesso a terra para as famílias acampadas. Depois de

um mês de acampadas na Praça Matriz os trabalhadores tomaram a iniciativa de ocupar

a Fazenda Timboré do mesmo proprietário.

(...) No dia quinze de Março de 1989 resolveram ocupar a Fazenda Timboré

de 3393 hectares, localizada no município de Andradina e Castilho. Esta

Fazenda que também estava sob domínio do mesmo grileiro da Fazenda

Pendengo., havia sido classificada pelo INCRA como latifúndio por

exploração em 27 de Julho de 1986, e foi declarada de interesse social para

fins de Reforma Agrária (Decreto n° 93021). Em 12/08/86, os grileiro entrou

com uma medida cautelar pretendendo suspender a ação desapropriatória.

No dia 31 de Março de 1989 a ação proposta pelo grileiro foi julgada

improcedente facultando ao INCRA a execução da desapropriação.

( FERNANDES;1999: 145- 6)

A luta camponesa na Timboré foi marcada pela conflitualidade e pela resistência

das famílias. A violência contra os sem terra iniciou- se antes mesmo da sua chegada no

Timboré. O objetivo do grupo era acampar na primeira entrada de acesso a Fazenda ( no

Km 14), mas, quando chegaram ao local, a estrada vicinal José Rodrigues Celestino

estava ocupada por jagunços e policiais militares armados. Na tentativa de inibir as

famílias e fazerem- nas desistirem do ato, os jagunços atiraram nos pneus dos

caminhões que carregavam seus pertences. A solução foi as famílias, homens, mulheres

e crianças andarem vários quilômetros a pé com seus pertences, com fome, sede, ao

calor do sol.

As famílias improvisaram acampamento na estrada vicinal em frente a Fazenda (

no Km 21) que ficou conhecida como “buracão”. O “buracão era um local onde foi

retirada terra para soerguer o asfalto formando um buraco fundo entre o asfalto e a cerca

da Fazenda Timborezinho que ficava em frente a Timboré.

Para inibir as famílias acampadas os jagunços acamparam dentro da fazenda em

frente ao acampamento montado pelos sem terra. Faziam vigília diariamente e exibiam

suas armas nas palavras de Bernardo Mançano: vinte e sete metralhadoras, três

escopetas, duas cartucheiras calibre doze e nove revólveres calibre trinta e oito

(FERNANDES; 1999:146). Além disso, varias pessoas inclusive as crianças foram

vítimas de violência física e moral.

O proprietário, temendo perder o direito a fazenda tentou acordo com o INCRA,

40

tal como transcreveu Bernardo M. Fernandes:

(...) Como havia outra fazenda do Sr. Serafim Rodrigues de Moraes em processo de despropriação- a Fazenda Itassul, no estado do Mato Grosso do Sul, o grileiro elaborou um acordo em que uma das clausulas determinava o seguinte: O INCRA realizaria novas vistorias nas Fazendas Pendengo e Timboré. Caso estas vistorias classificassem as fazendas como empresas rurais, o INCRA se comprometeria a se abster de promover a desapropriação das fazendas Pendengo e Timboré. Na reunião com INCRA os trabalhadores receberam, a proposta de assentamento na Fazenda Itassul. Percebendo a maracutaia os trabalhadores recusaram a proposta e começaram a pressionarINCRA pra que não realizasse a vistoria. ( FERNANDES;1999:146- 7)

As pressões e o medo faziam aumentar a unidade deste grupo. Várias

mobilizações, ocupações, marchas, passeatas, reuniões foram feitas no município, em

São Paulo e em Brasília para pressionar os órgãos públicos no sentido de agilizarem o

processo desapropriatório da área.

As famílias permaneceram acampadas durante meses sob vigília constante dos

jagunços e ameaças. O Buracão era um lugar movido com duplo sentido: por um lado

exprimia a pobreza, o descaso do poder público, a indignação, ou simplesmente o Vale

das Lágrimas. Mas, por outro lado, representava a organização, a luta, a resistência –

ações que contribuíram para nomear o futuro assentamento: Projeto Liberdade.

Liberdade para os acampados que havia sido negado pelos patrões quando ainda

eram operários. Liberdade de ter acesso aos diretores: a terra, ao trabalho, a vida, ter

dignidade. O Projeto Liberdade era voltado a escritura única da área, trabalho coletivo e

cooperado:

“A formação deste grupo ocorreu no momento em que se desenvolvia

diversas experiências de relações de trabalho e produção nos assentamentos

conquistados pelo MST em vários estados. Assim, estes objetivos dos

projetos representavam a intenção de se experimentar novas relações, como

forma de resistência” (FERNANDES;1999:144).

Cansados da demora do processo de desapropriação, os acampados resolveram

ocupar a área, bem como nos mostra Bernardo M. Fernandes:

Para ocupar a fazenda os trabalhadores tiveram de burlar a vigilância intensiva dos jagunços. Por quatro dias as famílias promoveram forrós no acampamento. Os forrós sempre duravam até de madrugada e a festa estava sendo observada pelos jagunços. Após o terceiro forró , os jagunços relaxam a vigilância. Na madrugada do dia 19

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de agosto, no quarto forró as famílias ocuparam a Timboré (...) em silêncio, homens, mulheres e crianças começaram a ocupação enquanto outras pessoas dançavam e os jagunços dormiam (...) quando os chefes dos jagunços percebeu a estratégia dos trabalhadores. Os jagunços tomaram a estrada onde ainda havia alguns barracos e começaram a disparar a esmo. As pessoas que ainda estavam desmontando seus barracos jogaram-se no chão. No tumulto, um trabalhador se feriu-(...) Atacaram em duas frentes atirando, contra os barracos, de cima de um caminhão e de um pick-up (...) vários trabalhadores foram feridos (...) (FERNANDES;1999:148).

O ato de violência por parte dos jagunços, com os sem terra representou a gota

d'água dos acontecimentos vigente desde a primeira ocupação da Fazenda Pendengo.

Para Ariovaldo U. de Oliveira:

Estes atos de barbarismo praticado os conflitos de terra no campo brasileiro

são antigos e, segundo seus autores, tem a “função pedagógica de ensinar

aos que se salvaram e a todos os demais, o que pode acontecer com eles se

insistirem nas ocupações”. (OLIVEIRA; 1996:113)

A luta pela terra se torna uma luta contra o latifúndio e se intensifica no

momento em que se generaliza o movimento pela reforma agrária. Também Ariovaldo

U. Oliveira afirma:

Como consequência deste estado de tensão social no campo, as lutas dos

trabalhadores rurais disseminaram- se na década de 80 e 90, e várias têm

sido suas frentes. Os posseiros continuam a luta pela terra de trabalho. As

nações indígenas também continuam ecoando o grito secular pela

demarcação de seus territórios. Os bóias- frias fazem greves por melhores

salários e condições de trabalho. Os seringueiros através das reservas

extrativistas, levantam a bandeira da reforma agrária na floresta. Os sem-

terra acampam e ocupam terras numa luta cotidiana também pela reforma

agrária. Enfim, o Estado brasileiro tem mostrado à sociedade a sua cara

latifundista, pois o Plano Nacional de Reforma Agrária não saiu do papel, e

os governos que sucederam Sarney trataram de “esquece- la”... Enquanto

isso o campo brasileiro continua em “pé de guerra”. (OLIVEIRA;1996:53)

Muitas lutas foram desenvolvidas tais como: a ocupação da fazenda, ocupação

da prefeitura de Andradina, paralisação da rodovia Marechal Rondon inclusive a

ocupação do Instituto de Colonização e Reforma Agrária - INCRA de São Paulo, sem

42

que, no entanto o INCRA assentasse as famílias. Por isto em 1991 as famílias decidiram

realizar o assentamento por conta própria, parcelando a área e distribuindo entre as

famílias.

“... Essa reforma agrária do cotidiano vem permeada pelas contradições e

dificuldades próprias de sua gênese. Afinal, ela nasce do contestado, do

proibido. Feita” na marra “como dizem os protagonistas desse processo não

poderia vir sem dificuldade. Ela remete ao Estado, da sua fragilidade o seu

direito de existir e ser outra reforma não aquela acordada pelos meandros das

negociatas das elites e do capital como no passado, mas outra feita no chão,

a partir desses novos personagens que não se podem mais omitir, ou suprimir

da historia”. (MICHELETO;2003:116).

Diante da situação de conflito e ameaças, houve um agravamento veloz da

situação. Porém, para amenizar a situação das famílias, agora acampadas na Fazenda

Timboré, a área da Fazenda Timboré foi sequestrada na segunda quinzena de agosto de

1989 por tempo indeterminado até a decisão do processo judicial pelo juiz da Vigésima

Primeira Vara Federal.

Com o sequestro da fazenda as famílias permaneceram acampadas dentro da

área. Durante alguns anos as famílias viveram através da sua própria organização:

plantavam lavouras coletivamente para adquirir renda para o grupo. Mas, tudo era

difícil, inclusive a relação com a sociedade. Alguns meios de comunicação

principalmente, os jornais espalhavam a idéia de desordem no interior paulista. A

discriminação por parte das escolas eram as mais decorrentes.

A situação das famílias regularizam-se com a imissão de posse em 22/03/95,

onde o INCRA realizou o Projeto de Assentamento. Por ocasião as partes vieram se

manifestando, onde o fazendeiro visava a decretação de nulidade do ato

desapropriatório. No entanto para o INCRA:

“a incorporação do imóvel ao patrimônio do INCRA reveste-se de caráter

irreversível, sendo a área regularmente afetada ao fim publico, qual seja, o regular

assentamento de trabalhadores rurais”(INCRA; 2002)

A luta acirrada do Timboré representa a luta contra exploração e a expropriação.

Assim se constituem com a ousadia de construir o novo movimento social politico que

produzem, organizam e articulam seu próprio espaço, assim controlando frações do

43

território para a recriação do campesinato.

Nos deparamos com estes dois exemplo da história dos assentamentos para

questionar o otimismo de autores que argumentam que o campesinato vai acabar. Ora,

como pode se ver, a história só acontece se porque estes são os verdadeiros

protagonistas que fazem a verdadeira história do cotidiano da história. Será que

Andradina é reconhecida pelos méritos de seus fundadores ou pelo triunfo de disputa

entre o camponês expropriado que lutou pela sua reprodução?

A conquista do assentamento Timboré deu animo fornecendo abertura para a

espacialização e territorialização da luta pela terra em outros municípios.

Deparamo-nos com estes dois exemplos da história dos assentamentos para

questionar o otimismo de autores que argumentam que o campesinato vai acabar. Ora,

como pode se ver, a história só acontece se porque estes são os verdadeiros

protagonistas que fazem a verdadeira história do cotidiano da história. Será que

Andradina é reconhecida pelos méritos de seus fundadores ou pelo trunfo de disputa

entre o camponês expropriado que lutou pela sua reprodução?

.É evidente lembrar, que a luta pela terra foi feita, agora resta a luta na terra,

pois, como diria Ariovaldo “é na luta cotidiana pela terra e na terra que o camponês tem

garantido sua permanência no modo de produção capitalista”. (apud Almeida;2007:357

In : Geografia Agrária Teoria e Poder ).

2.2- Geografando o território: a espacialidade do assentamento

Neste ítem, procuraremos focalizar na importância de uma zona climática para a

reprodução de determinadas características do camponês. Entender sua forma física-

social organizativa, além do espaço que está submetido no sentido de visualizar a

dimensão de luta que se deu a partir deste território. Utilizaremos Pierre Monbeig(1984)

para algumas contribuições mais amplas em relação ao clima no ocidente do estado de

São Paulo:

Os climas do planalto ocidental paulista e do norte do Paraná enquadram- se

no grande grupo dos climas tropicais. A média anual é de ordem de 21°C,

ultrapassando um pouco 23° C na área de confluência do Tiete- Paraná e

oscilando de 5 a 8 graus entre o mês mais frio (geralmente julho) e o mais

44

quente (geralmente janeiro). A pluviosidade média anual situa- se entre

1.000 e 1800m, concentrando- se em alguns meses e sempre com oposições

bem definida entre uma estação seca e uma estação das chuvas.(MONBEIG;

1984: 43)

Monbeig cita ainda que esta região do estado está submetida a ação de três

mecanismos:

A característica de zona climática marginal que reconhecemos nos planaltos

ocidentais, deve ser atribuída ao mecanismo dos grandes centros de ação da

atmosfera.(...) Três massas de ar desempenham aqui um papel essencial: a

tropical atlântica (Ta), a equatorial- continental (Ec ) e a massa polar-

atlântida(Pa). As três são relativamente estáveis, mas seus avanços e recuos

sazonais asseguram características diferentes aos períodos do ano. E é

precisamente nas latitudesvizinhas ao trópico que se realiza o encontro das

correntes provenientes desses três centro de ação. (MONBEIG; 1984:44)

No entanto,

(...) quanto mais se caminha para oeste, reduz- se a atuação da massa Ta e o

domínio da massa Ec está mais próximo. É na atmosfera dos planaltos

ocidentais que a passagem de um para outro regime pode melhor ser

percebida. (Ibidem; 1984:45)

Como já foi mencionado, o assentamento esta localizado na região Noroeste do

Estado de São Paulo situando-se entre os municípios de Andradina e Castilho, a

primeira com aproximadamente 57.195 mil habitantes e a segunda com

aproximadamente com 16mil habitantes. Geograficamente sua localização, a 400m de

altitude, está a 20º 31 m de latitude Sul e de 51º 13 m de longitude oeste, a uma

distância de aproximadamente de 641 km da capital do estado de SP. “Área do

município de Andradina é de 1010 Km2 A cidade de Andradina- SP, faz limites com os

seguintes municípios: norte: Pereira Barreto, Ilha Solteira, Itapura; Sul: Nova

Independência; Leste: Murutinga do Sul; Oeste: Castilho” ( ALCANTARA; 2001:61).

O solo é caracterizado pelo latossolo vermelho e em suas declividades

apresentam pequenas partes de neo-solo, possui temperaturas que oscila entre 32º C no

verão e 12,7 º C no inverno. As precipitações atingem 1.181,6 mm por ano, porém, elas

se concentram de outubro a março quando chove em média 152 mm ao mês, no período

de abril a setembro chovem apenas 44 mm ao mês. Este período de estiagem traz grande

45

dificuldade para a produção. Este é um fator que leva a pecuária a ser umas das

alternativas. O assentamento possui uma área de 3.393 hectares, onde se localizam 176

famílias assentadas e aproximadamente 501 famílias agregadas ou ocupantes das áreas

de reserva legal.

Figura 6 – Assentamento Timboré na região de Andradina – SP

1 Esse número é aproximado pelo fato de que as áreas de reserva são vulneráveis. Ora cresce o número, ora diminui;

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Uma região de solos férteis, onde a agricultura apresenta bons resultados, a

temperatura é elevada quase o ano todo. A topografia apresenta pouco aclive e declive,

o que facilita o manejo do rebanho.

De modo geral as dificuldades se elevam com a estiagem. Onde as plantações e a

criação de gado se tornam vulneráveis. O Assentamento Timboré possui uma rica bacia

hidrográfica. É banhado pelo rio Tietê numa extensão de quatro quilômetros no sentido

Leste/ Oeste, na margem esquerda desaguando no Rio Paraná. É ainda cortada pelo

córrego Anhumas, sua nascente se localiza entre a reserva do assentamento Timboré e o

Assentamento Anhumas no município de Castilho, o córrego Anhumas percorre por

alguns lotes, é este que faz a delimitação dos municípios de Andradina e Castilho,

desaguando no rio Tietê na margem esquerda, o córrego Timboré nasce na cabeceira do

assentamento, e corta a Vicinal Jose Rodrigues Celestino, na altura do km 23, do

município de Andradina.

A cidade de Andradina que usou do título “Andradina a cidade na selva” (

ALCANTARA; 2001:57) para jornais e revistas nacionais e internacionais. Foi ao nosso

ver ganhando espaço não pelo “heroísmo” de sua construção, mas pela formação de um

processo que desencadeou lutas no interior paulista.

Posteriormente a luta pela manutenção da posse dos posseiros surgiu a luta do

Timboré. A territorialização dos assentamentos se efetivou principalmente pela luta

cotidiana na ocupação de terras improdutivas, ou seja, terras que não cumprem sua

função social. Esses fatores foram suficientes para estimular a organização dos

trabalhadores e a luta pelo acesso à terra.

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Figura 7 – Assentamentos rurais na região de Andradina – SP (1980-1990)

Fonte: INCRA - Adaptação, BEZERRA, Viviane dos Santos, 2011

Figura 8 – Assentamentos rurais na região de Andradina – SP (1991-2000)

Fonte: INCRA - Adaptação, BEZERRA, Viviane dos Santos, 2011

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

PRIMAVERA AROEIRA ESMERALDA SANTA RITA SÃO JOSÉ II

ESPACIALIZAÇÃO DOS ASSENTAMENTO RURAIS NA REGIÃO DE ANDRADINA- SP 1980 A 1990

ANOS DE INPLEMENTAÇÃO

48

O Assentamento Timboré tornou- se o marco do enfrentamento da luta por terra

na região. O confronto direto das famílias contra a expropriação e a exploração

capitalista garantindo a espacialização do Movimento Sem Terra na região.

Figura 9 – Assentamentos rurais na região de Andradina – SP (2001 - 2011)

Fonte: INCRA - Adaptação, BEZERRA, Viviane dos Santos, 2011

É importante mencionar que esse aumento na ocupação da terra e a criação de

assentamentos provocou a reação do agronegócio nesses últimos anos, período em que

as usinas de cana de açúcar e alcool se instalaram na região como a Cosam, Vira-álcool,

Ipê e outras.

Pode- se compreender que a luta pela terra e o aumento do número dos

assentamentos se acentuaram a partir do ano 20002. Pode- se notar ainda que a partir da

2 Esses assentamentos do gráfico fazem parte da abrangência regional da Unidade Avançada do INCRA de Andradina. Ao todo são 46 assentamentos. A região de Andradina, na divisão de trabalho da Superintendência Regional do Incra em São Paulo, abrange os municípios de Andradina, Castilho, Nova Independência, Murutinga do Sul, Guaraçaí, Mirandópolis, Lavinia, Pereira Barreto, Suzanápolis, Ilha Solteira, Itapura, Turmalina, Paulicéia e Araçatuba;

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

2010

ESPACIALIZAÇAÕ DOS ASSENTAMENTOS RURAIS NA REGIÃO DE ANDRADINA-SP 2001- 2011

ANO DE CRIAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS

49

luta do Timboré e sua consolidação, houve também significativa expansão do

Movimento Sem Terra no Pontal, assim como as ocupações tornaram-se mais intensas.