A geografia na diferenciação entre agrícola e agrário_o (des)encontro de complementariedades no...

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1 A GEOGRAFIA NA DIFERENCIAÇÃO ENTRE AGRÍCOLA E AGRÁRIO: O (DES)ENCONTRO DE COMPLEMENTARIDADES NO DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO RURAL Bruno dos Reis Fonseca – Universidade de Brasília [email protected] Resumo O trabalho busca apresentar diferenciações e complementaridades no desenvolvimento do espaço rural brasileiro. Utiliza de conceitos chaves da geografia para a análise dos (des)encontros entre agrícola e agrário. E propõem a espacialização das intenções de ação do Estado e sociedade brasileira no encontro de uma agricultura humana. Evitando a fragmentação dos aspectos que envolvem as atividades rurais, enfatizando as demais funções da agricultura tendo a integridade das relações do Homem do campo com a terra como foco. Assim sendo, se apropria da ementa geográfica na argumentação. Palavras-chaves: Espaço geográfico; território usado; agrícola e agrário; espaço rural. Abstract This work aims to show differences and complementarities in the rural. It uses key concepts of geography to the analysis of (mis)matches between agricultural and agrarian. It proposes the spatialization of the intentions of state action and the brazilian society at a meeting of human agriculture. Avoiding the fragmentation of issues involving rural activities and emphasizing the other functions of agriculture. The integrity of the human relations field with the earth is the focus of the research. Thus, appropriates the menu on the geographical argument, as the main goal. Key words: Geographyc espace; land used; agricultural and agrarian; rural space.

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    A GEOGRAFIA NA DIFERENCIAO ENTRE AGRCOLA E AGRRIO: O (DES)ENCONTRO DE COMPLEMENTARIDADES NO DESENVOLVIMENTO DO

    ESPAO RURAL

    Bruno dos Reis Fonseca Universidade de Braslia [email protected]

    Resumo

    O trabalho busca apresentar diferenciaes e complementaridades no desenvolvimento do espao rural brasileiro. Utiliza de conceitos chaves da geografia para a anlise dos (des)encontros entre agrcola e agrrio. E propem a espacializao das intenes de ao do Estado e sociedade brasileira no encontro de uma agricultura humana. Evitando a fragmentao dos aspectos que envolvem as atividades rurais, enfatizando as demais funes da agricultura tendo a integridade das relaes do Homem do campo com a terra como foco. Assim sendo, se apropria da ementa geogrfica na argumentao.

    Palavras-chaves: Espao geogrfico; territrio usado; agrcola e agrrio; espao rural.

    Abstract

    This work aims to show differences and complementarities in the rural. It uses key concepts of geography to the analysis of (mis)matches between agricultural and agrarian. It proposes the spatialization of the intentions of state action and the brazilian society at a meeting of human agriculture. Avoiding the fragmentation of issues involving rural activities and emphasizing the other functions of agriculture. The integrity of the human relations field with the earth is the focus of the research. Thus, appropriates the menu on the geographical argument, as the main goal.

    Key words: Geographyc espace; land used; agricultural and agrarian; rural space.

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    Apresentao

    O artigo desenvolve, a partir de conceitos centrais de pensadores da geografia, uma discusso sobre a diferenciao de natureza e de competncia nos rgos mximos das polticas do meio rural nacional. A reflexo est focada nos (des)encontros entre o desenvolvimento do agrcola aqui entendido como a prtica da agricultura exclusivamente comercial e o agrrio sob o significado de outras formas de uso do territrio da ruralidade.

    Nosso objetivo enfatizar a importncia de se considerar a totalidade do meio rural. Caminho este, percorrido a partir da observao das demais relaes existentes nas atividades agricultoras, que no a exclusiva de produo de mercadorias e assistencialismo social. Para alm disso, buscamos enfatizar formas de preservao do contexto sociocultural das famlias agricultoras, o bom uso dos recursos naturais e a justia social e ambiental como condicionantes para um desenvolvimento mais prximo do equilbrio no espao rural. Buscamos nos apropriar de conceitos centrais da geografia e reas afins tais como: espao, territrio usado, multifuncionalidade na agricultura, entre outros, como base para a leitura da realidade rural brasileira. Enfatizamos autores do pensamento geogrfico, com o olhar direcionado para o alcance de um maior raio de contemplao e ao das relaes existentes no campesinato. Tentando, assim, reduzir a fragmentao do entendimento sobre as intenes de ao do Estado e da sociedade. Portanto, o trabalho pretende lanar mo da importncia da melhor utilizao do territrio pela sociabilidade ambiental e econmica, evitando a compartimentao exagerada das relaes entre o agrcola e o agrrio.

    A participao da geografia na possvel compreenso da totalidade da agricultura: Referencial terico e metodolgico

    A agricultura responsvel por grande parte das atividades que sustentam o desenvolvimento da humanidade. As tcnicas para sua apropriao e utilizao devem permitir a maior abrangncia de oportunidades ambientais, sociais e econmicas que constituem tal estrutura. As polticas pblicas dos setores (na nomenclatura usual) agrcola e agrrio, vm reproduzindo os interesses da economia e do social, respectivamente, de maneira fragmentada. Afasta-os um do outro, e ainda, desconsidera a esfera fundamental para a existncia dessa relao: a apropriao sustentada do ambiente natural. Os aspectos sociais e ambientais so lembrados, apenas, pelos impactos que as

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    atividades agrcolas geram, e o econmico pelo incremento no produto interno bruto do pas, exclusivamente.

    Ao analisarmos o pensamento geogrfico, perceberemos que objeto de estudo desta cincia, o espao, representa a dinmica de um conjunto de relaes extremamente complexas entre humanos, animais, recursos naturais e acessrios artificiais. importante que o objetivo da pesquisa cientfica da rea, seja entendido como o entendimento da prtica dessa co-existncia.

    Nesse sentido, so diversos os atores e fatores que dinamizam as movimentaes da humanidade, e a agricultura se apresenta como uma das bases para tanto. No quesito de correlacionar os constituintes espaciais do meio rural, a geografia oferece conceitos que podem apresentar a abrangncia do entendimento sobre as relaes do campo. E com isto, permitir a apresentao e diminuio das falhas encontradas na prtica do desenvolvimento ambiental, social e econmico dessas atividades.

    Para tanto, a estruturao do trabalho flui a partir de uma metodologia que engloba processos de revises bibliogrficas e de desenvolvimento de critrios analticos que tomam a categoria territrio usado, proposta por Milton Santos, como o norte para o estudo espacial do meio rural. Observa, tambm, critrios que permitem a anlise das expresses de poder contidas nos discursos explcitos e implcitos na poltica das atividades agrcolas. Provoca um breve encontro de pensamentos de Hanah Arendt e In Elias de Castro sobre poltica e a participao da geografia no entendimento desse conceito.

    E, por fim, pretende acrescentar ao desenvolvimento agrcola e agrrio o fortalecimento dos aspectos sociais e ambientais presentes nas atividades do meio rural quando acrescidas dessas demais funes. Utiliza, para isto, as idias de Maria Jos Carneiro e Renato Maluf, quando estes discorrem sobre a noo de multifuncionalidade na agricultura.

    O artigo invoca, ento, a ateno necessria totalidade das movimentaes na utilizao do territrio para a melhor compreenso do espao rural. Acreditando no surgimento das atividades agrcolas e agrrias com reduo das desigualdades sociais, e o devido respeito a esfera ambiental. Apresentando, assim, a possibilidade de uma agricultura mais humana, sem fome, como idealizou o gegrafo Josu de Castro.

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    Portanto, diminuir a setorizao entre agrcola e agrrio a partir da compreenso do afastamento existente entre os ministrios rurais, e estimular polticas acrescidas do espao geogrfico pelos rgos mximos do setor agropecurio, so as nossas principais intenes. Sem querer impor o melhor a ser feito, a meta alocar pensamentos geogrficos no entendimento e exerccio do desenvolvimento espacial da ruralidade brasileira.

    Milton Santos: Do Espao ao Territrio Usado

    O objeto de estudo da Geografia como cincia o espao. Todas as vertentes dentro dessa rea de pesquisa, necessariamente, devem e tm potencialidades para tanto, ter um compromisso com o estudo da realidade constituinte de seu objeto. Contemplar a totalidade dos fatores, atores e processos que produzem a espacialidade o primordial no desenvolvimento da pesquisa geogrfica.

    Milton Santos, o mais evidente pensador brasileiro do espao geogrfico, fez a apresentao de seu entendimento sobre tal instncia social, a partir de formulaes e relaes entre alguns conceitos por ele concatenados e distribudos em alguns livros e artigos publicados. Em A natureza do espao (Santos, 2006, 2 ed), apresentou algumas hipteses para esse estudo, aplicando sua anlise espacial a partir da idia dos fixos e fluxos.

    Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem aes que modificam o prprio lugar, fluxos novos ou

    renovados que recriam as condies ambientais e as condies sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos so um

    resultado direto ou indireto das aes e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significao e o seu

    valor, ao mesmo tempo em que, tambm, se modificam (Santos, 1982, p. 53; Santos, 1988, pp. 75-85 apud Santos, 2006, 2 ed).

    O gegrafo seguiu seu raciocnio contemplando, brilhantemente, a dialtica entre configurao territorial e relaes sociais (Santos, 2006, 2 ed). Definiu que o espao o envolvimento da materialidade (conjuntos de sistemas naturais) com o que a anima (influncia antrpica sobre esses sistemas) na elaborao dos processos e produtos scio ambientais.

    medida que a histria vai fazendo-se, a configurao territorial dada pelas obras dos homens: estradas, plantaes, casas, depsitos, portos, fbricas, cidades etc; verdadeiras prteses. Cria-se uma configurao territorial

    que cada vez mais o resultado de uma produo histrica e tende a uma negao da natureza natural, substituindo-a

    por uma natureza inteiramente humanizada (Santos, 2006, 2 ed).

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    Milton chegou relao existente entre sistemas de objetos e sistemas de aes (Santos, 2006, 2 ed) no processo de criao, manuteno e transformao do espao. Os sistemas de objetos, Santos entendeu como conjunto de elementos naturais, que na atualidade est acrescido de outros constituintes artificiais organismos geneticamente modificados so um exemplo da artificializao do natural no meio rural. E os sistemas de aes, que so as movimentaes humanas sobre a configurao territorial, sofrendo influncia direta das transformaes do atual estgio tecnolgico da civilizao. Esses sistemas de aes esto intimamente ligados evoluo da tcnica impulsionados pela abrangncia e acelerao da informao. Ou seja, h uma organicidade entre a diversa rede de constituintes e a mobilidade que retroalimentam a espacialidade.

    Enfim, Milton Santos apresentou o entendimento de que toda a criao do espao acontece a partir do uso do territrio - territrio so formas, o territrio usado so objetos e aes, sinnimos de espao humano, espao habitado (Santos, 2005). Mantm-se pela simbiose entre seus constituintes - a fluidez real do territrio usado se realiza atravs das aes humanas (Idem) e se transforma de acordo com a evoluo tecnolgica dos meios de apropriao da natureza e da informao.

    Assim, o espao resultado da ao dos homens sobre o prprio espao atravs dos objetos, naturais e artificiais no territrio (Santos, 2008, 6 ed). Com isto, o estudo do espao na geografia, a partir de seu maior pensador, nos remete a compreenso de que todo movimento na coexistncia homem-natureza encontrado no uso do territrio.

    Por uma nova territorialidade

    De acordo com Spsito e Saquet (2008), a territorialidade uma expresso do poder social, conformando o territrio. Considerada como um componente de poder significa uma forma de controle do espao(Spsito&Saquet, 2008 p17). Tendo essa conceituao em mente e a corrente de pensamento descrita acima, observamos a necessidade de um mais abrangente entendimento do territrio e uma outra forma de governana do mesmo. Relevando aspectos que enfatizem a totalidade dos condicionantes dessa estrutura social. Segundo pesquisa elaborada pelo convnio IICA OPPA/CPDA/UFRRJ, 2007i, a transformao do entendimento e ao sobre o territrio passa pela:

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    i) emergncia de uma nova esfera de governana territorial; ii) articulao de atores e processos de representao/participao poltica; iii) polticas pblicas, desenvolvimento territorial e articulao institucional; iv) lies aprendidas a partir da experincia do caso brasileiro; e, v) definio de estratgias e recomendaes de propostas polticas.

    O estudo apresentado definiu que sero as questes polticas que dizem respeito s relaes de poder, com o empoderamento dos atores e instituies dos setores envolvidos (IICA OPPA/CPDA/UFRRJ, 2007) que constituiro a base a dar forma para essa necessria transformao no/do desenvolvimento territorial. Tendo entendido conceitos que possibilitam o desenvolvimento territorial abrangente, vamos debater essas questes pelo prisma do meio rural

    Territrio rural

    No territrio rural, as novas polticas para o desenvolvimento territorial devem considerar o desenvolvimento que abranja a totalidade dos constituintes de sua estrutura. Os aspectos social e ambiental, intrnsecos a todo meio humano, precisam ser observados nos mesmos termos do que o econmico, sem distino de prioridades.

    Est na inadequao de nossas estruturas agrrias o fator essencial da mal utilizao de nossos recursos naturais e da

    subocupao do homem do campo. (...) O mnimo essencial para as necessidades bsicas de vida, s ser obtido atravs de profundas alteraes dessas estruturas (Josu de Castro, p284)

    Numa tentativa de remodelamento da democracia, a poltica de desenvolvimento do campo deve possibilitar uma nova forma de utilizao do territrio por seus atores. Forma esta que considere a diversidade de realidades ali existentes. A partir de outro entendimento e um novo desenvolvimento da ruralidade, alcanar o conjunto de sistema territorial como resultado das relaes de poder do Estado, das empresas e outras organizaes e dos indivduos, (Spsito&Saquet, 2008 p18). Para, assim, iniciar o caminho para a transformao do entendimento e a qualificao na ao sobre o ambiente rural.

    Poltica e Geografia: A prtica reduzida de um conceito amplo

    Como dito por uma das mentes mais brilhantes do estudo da poltica: A poltica baseia-se na pluralidade dos homens (...) trata da convivncia entre diferentes (Arendt, 2007). A partir dessa

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    concisa, porm no menos complexa definio, podemos defender que a poltica no pode ser restrita aos ditames da institucionalizao do contrato social. Esse instrumento das relaes humanas vai para alm do partidarismo existente no Estado, tenha ele a ideologia e estrutura que tiver. Focando o conceito no campo, tal instrumento no pode ser limitado a alguns poucos idealizadores-executores que o modelam de acordo com os interesses de uma pequena coletividade. A poltica rural setorizada por uma minoria possibilita o aparecimento da

    poltica antinacional, cultivada com mtodos vampirescos de destruio dos solos, manipulando os produtos de

    exportao, monopolizados por meia dzia de aambarcadores da riqueza do pas. Constroem estradas de ferro

    exclusivamente para ligar os centros de produo com os portos de embarque destes produtos e institui-se uma poltica cambial a servio destas manipulaes econmicas. Por trs dessa estrutura com aparncia de progresso, permanecem

    os latifndios improdutivos, o sistema da grande plantao escravocrata, o atraso, a ignorncia, a fome (Josu de Castro, 2007 7 ed, p. 270).

    Essa maneira de fazer poltica, tal qual ilustrada na referncia a Josu de Castro, reducionista e extremamente individualista. Caractersticas que no devem participar da prtica desse conceito amplo, que visa a mxima participao de agentes em seus processos de formulao e prtica. Vamos considerar, seguindo o raciocnio de In de Castro, os problemas das relaes entre territrio e poltica, como componentes essenciais do processo histrico de formao das sociedades (Elias de Castro, 2005 p.15) para embasar nosso pensamento.

    A relao territrio e poltica tem grande significado na pesquisa sobre um abrangente desenvolvimento territorial. A pensadora em questo define a poltica como expresso e modo de controle dos conflitos sociais e o territrio como base material e simblica da sociedade (Elias de Castro, 2005 p. 79). Ou seja, a relao de poder entre os homens, representada pela poltica, acontece sobre o territrio. Por isto, o estudo da utilizao do territrio precisa embarcar a totalidade de interesses em seu processo.

    Correlacionando a curta e direta definio de poltica de Hannah Arendt citada e a breve leitura sobre o pensamento geogrfico de In de Castro, perceberemos serem complementares as duas idias. Pelo fato daquela ter compreendido que o homem a-poltico e que a poltica surge no entre homens e com isto, surge no intra-espao e se estabelece como relao (Arendt, 2005 p. 23). E esta debruar-se sobre a geografia poltica, ou seja, o estudo das relaes de poder entre os homens no espao. A gegrafa ntendende o espao como mais do que uma dimenso do fato poltico, uma mediao continente e um resultado contedo (Elias de Castro, 2005 p. 90).

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    Conclumos, a partir dessa conversa, que a poltica no meio rural brasileiro, no mnimo, tem suas potencialidades reduzidas. Observao respaldada pelas intenes governamentais fragmentadas a partir da separao entre a prtica agrcola e o desenvolvimento agrrio. Assim, para confirmarmos ou anularmos nosso pressuposto, a anlise da natureza e competncia dos dois maiores rgos rurais no pas ser o direcionamento escolhido.

    Natureza e Competncia do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento e do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio: (Des)Encontros entre Agrcola e Agrrio

    Historicamente, as polticas pblicas no Brasil so formuladas a partir de um ideal setorizado das atividades que visam atender. So restritivas a uma determinada pasta ministerial, na maioria das vezes desconsidera as relaes existentes entre os ministrios que se inter-relacionam. Este distanciamento leva a uma viso fragmentada da realidade.

    A partir de meados do sculo XX, quando o planejamento espacial ganhou fora nos pases capitalistas, muitos pesquisadores da academia e tcnicos governamentais confundiram a possibilidade de enfocar separadamente as

    questes ambientais, territoriais, regionais, urbanas e rurais, para fins analticos, com a teorizao e a interveno

    sobre as mesmas como se fossem autnomas (Steinberger, 2006 p.31).

    No presente captulo, vamos analisar algumas das intenes ministeriais que visam abranger o desenvolvimento agrcola a partir do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA), e o desenvolvimento agrrio atravs do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA). preciso enfatizar que faremos uma anlise genrica e sem inteno de alcanar os planos e programas existentes. Nosso interesse fazer, apenas, uma apreciao das intenes, analisando os possveis aparecimentos, ou no, de algumas categorias conceituais da geografia em seu escopo.

    A acepo restrita do espao tem sido utilizada indistintamente em todas as polticas pblicas nomeadas como

    econmicas, sociais e setoriais. Assim, no se reconhece a espacialidade de um conjunto de polticas, constitudo pela ambiental, territorial, regional, urbana e rural, que so espacialmente fundamentadas, isto , tem em comum o fato de o

    espao ser seu substrato (Steinberger, 2006 p. 31).

    Steinberger encontra eco no pensamento de Josu de Castro:

    Da o desenvolvimento anmalo, setorial, limitado a certos setores mais rendosos, de maior atrativo para o capital

    especulativo, deixando no abandono outros setores bsicos, indispensveis ao verdadeiro progresso social (Josu de Castro, 2007 7 ed, p. 269)

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    Segundo a autora, o Estado de agora no pode ser mais aquele que desconhecia a existncia de poderes plurais. Ela continua: a expectativa que se adote um planejamento compartilhado entre o Estado e a Sociedade cuja finalidade ltima seja promover transformao social (Steinberger, 2006 p30).

    Pelos meios utilizados para o entendimento sobre espao e as relaes existentes na espacialidade; pela apresentao do territrio usado como maior instncia da criao, manuteno e transformao deste espao; de como deve ser apreendida a idia de poltica e a participao da geografia nessa compreenso; e pela inteno de inserir esses conceitos da geografia na anlise, formulao e execuo de polticas pblicas considerando a participao social nos processos, vamos, agora, adentrar nas intenes da natureza e da competncia do MAPA e do MDA. Ressaltamos que esse conjunto de intenes foi retirado do escopo dos prprios ministrios rurais.

    Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento MAPA

    Estimular o aumento da produo agropecuria e o desenvolvimento do agronegcio, com o objetivo de atender o consumo interno e formar excedentes para exportao. Essa a misso institucional do Ministrio da Agricultura,

    Pecuria e Abastecimento (Mapa), que tem como conseqncia a gerao de emprego e renda, a promoo da segurana alimentar, a incluso social e a reduo das desigualdades sociais. Para cumprir sua misso, o Mapa formula

    e executa polticas para o desenvolvimento do agronegcio, integrando aspectos mercadolgicos, tecnolgicos,

    cientficos, organizacionais e ambientais, para atendimento dos consumidores brasileiros e do mercado internacional. A atuao do ministrio baseia-se na busca de sanidade animal e vegetal, da organizao da cadeia produtiva do

    agronegcio, da modernizao da poltica agrcola, do incentivo s exportaes, do uso sustentvel dos recursos

    naturais e do bem-estar social. (fonte: http://www.agricultura.gov.br/ - 09 de agosto de 2009).

    Na primeira sentena do pargrafo que inicia a apresentao da competncia do MAPA, fica claro o carter econmico da pasta. O ministrio tem como objetivo principal o crescimento econmico. Porm, permite que as falhas sejam materializadas quando o assunto so as desigualdades sociais e impactos ambientais, aspectos tambm propostos a serem trabalhado por essa esfera poltica. Sobretudo, no que tange a gerao de emprego e renda e uso sustentvel dos recursos naturais. Vamos nos pautar apenas nesses pontos para desenvolver nosso objetivo de anlise. Partiremos da observao da realidade existente, tendo em mente a inteno de contribuio conceitual da cincia geogrfica para a discusso.

    Visto que a manuteno e o crescimento do agronegcio esto intimamente ligados ao aumento da mecanizao para alta produo, que ocorre em detrimento da utilizao de mo de obra, essa

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    uma dinmica desleal para o aspecto social. Considerando que os pequenos agricultores no acompanham o progresso tecnolgico da agricultura comercial de grande escala, cada vez mais os mesmos tm que abrir mo de suas terras agregando-as aos grandes latifndios. Ficando, por fim, sem terra para produzir, nem mesmo a sobrevivncia..

    A partir da, alguns poucos que tm a sorte de serem contratados em alguma grande fazenda, se mantm no campo. Agora como trabalhador rural, no mais campons (essa diferenciao ser explanada mais a frente). Outros, menos afortunados, tm como nica opo se direcionarem para o meio urbano. Sem a qualificao necessria para sua reproduo econmica, incrementam a diferenciao, ou melhor, a excluso social, caracterstica do inchao urbano.

    Os altos graus de mobilidade social do campo para a cidade, supersaturando os ncleos urbanos com grandes massas

    humanas improdutivas, clulas economicamente mortas, infiltradas dentro da textura social, vm onerar terrivelmente

    o errio pblico com os indispensveis servios sociais, cujo alto custo absorve, necessariamente, uma grande parcela de recursos que deveriam ser aplicados em investimentos reprodutivos (Josu de Castro, 2007 7 ed, p. 278)

    Os que ficaram no campo, acabam recorrendo s atividades que no exclusiva agricultora para terem mais condies de sobrevivncia. Fator que conceituado por Srgio Schneider (2003), como pluriatividade na agricultura. Ou seja, o desenvolvimento de outras formas de incremento do oramento da unidade familiar, deslocando os membros das famlias para diversos setores da economia. Nessa dinmica a famlia perde sua identidade orginalmente rural, deteriorando a relao sociocultural desses homens e mulheres com o campo.

    Percebemos, com isto, que as intenes do MAPA no permitem a verdadeira reproduo social campesina, como intencionada em sua competncia. Est claro que a participao desse ministrio na poltica - considerando a abrangncia conceitual brevemente descrita no presente trabalho - est restrita aos fatores econmicos da atividade. Fica difcil querermos almejar algo diferente, principalmente ao analisarmos os nmeros do agronegcio e sua importncia para o crescimento econmico do pas. Certamente o econmico se manter prioritrio. O importante aqui, apresentar o paradoxo conceitual e prtico desse setor no que tange ao aspecto social.

    Nesse primeiro momento da observao sobre as intenes do MAPA, aparecem falhas no que diz respeito a totalidade do espao geogrfico. O aspecto social no representado com a mesma inteno do que o econmico. Existe o direcionamento da apropriao dos recursos da agricultura para o fomento da economia, e com isto a utilizao do territrio reduzida. Negligncia que possibilita a fragmentao da integridade espacial nas relaes agrcolas.

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    Na esfera ambiental tambm observamos a falta de integrao interna e coerncia na estratgia da pasta: se pretende sustentvel o desenvolvimento da atividade agrcola. Porm, ao analisarmos as grandes propriedades que produzem commodities, exclusivamente, o que encontramos a paisagem ecossistmica violentada. A vegetao natural, na maioria dos casos, completamente retirada em prol da monocultura. E, ainda existe a dificuldade dos rgos de fiscalizao implementar leis e praticar a coero nos infratores da legislao ambiental.

    O uso desregulado de agrotxicos corretivos para o solo, pesticidas, antibiticos potencializando o crescimento vegetal etc; a biotecnologia transgnia e a corrida pelos organismos geneticamente modificados; a mecanizao da lavoura compactao do solo e eroses diversas; o uso desmedido dos recursos hdricos desvio e represamento de rios para irrigao, poluio das bacias hidrogrficas por dejetos dos animais da pecuria, retirada da mata ciliar e o conseqente assoreamento das margens; so fatores que por si s intemperizam, cada vez mais, o abismo entre agronegcio e sustentabilidade ambiental.

    Segundo o Ministrio do Meio Ambiente (2003), as cadeias do agronegcio so uma das seis principais causas dos impactos sobre o bioma amaznico. Essa informao nos permite realizar a idia de que no h uma integrao entre os ministrios. A falta de aproximao distancia mais do que as pastas ministeriais, mas reproduz em progresso geomtrica, o afastamento da abrangncia espacial..

    Em contra partida, so esses processos embutidos na agricultura exclusivamente comercial, que permitem ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro alcanar nmeros satisfatrios para a economia nacional. Atravs da tecnificao da agricultura e da artificializao demasiada do ambiente natural, o pas consolida cada vez mais sua caracterstica de celeiro do mundo. Pois o crescimento como se apresenta, ocorre em detrimento de um desenvolvimento endgeno, que leve em considerao as realidades locais e regionais do territrio nacional na implementao de suas tcnicas.

    Foram os interesses aliengenas que predominaram, orientando a nossa economia para a explorao primria da terra

    e para a exportao das matrias primas assim obtidas. Desenvolveu dessa forma no Brasil, a sua vocao ocenica,

    exportando toda sua riqueza potencial a riqueza de seu solo por preos irrisrios. E no sobrando recursos para atender as necessidades internas do pas: bens de consumo para seu povo e equipamentos para seu progresso (Josu de Castro, 2007 7 ed, p. 267)

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    Em termos geogrficos, essa relao como tal, pode ser compreendida como sendo a tcnica utilizada como um meio para um fim desajustado totalidade espacial. No agronegcio a tcnica um meio para atender a um fim desequilibrado - a reproduo e o acmulo do capital, cuja dinmica degradante da sociabilidade rural e do meio natural.

    Portanto, a partir da observao desse ministrio, percebemos que as intenes de utilizao do territrio pela atividade gerenciada por tal rgo fragmentada, degradante e excludente. Nessa observao, chama ateno a reduo intencionada das possibilidades de utilizao do territrio pelo modelo econmico vigente. As polticas no so favorveis, reduzindo as potencialidades da atividade agrcola. Alm de propiciar um desperdcio de recursos que certamente seriam bem mais aproveitados em outros setores da populao. O pensamento de Josu de Castro acrescenta:

    Em face da fraqueza do poder poltico central, os interesses colonialistas manipularam no sentido de que o processo econmico se limitasse a ampliar os lucros de um pequeno nmero de proprietrios agrcolas, associados em sua

    aventura colonial, sem atingir entretanto, o conjunto da populao (Josu de Castro, 2007 7 ed, p. 268)

    Pelo prisma espacial, a acumulao do capital agrcola visando simplesmente o crescimento dos nmeros da economia, deteriora as demais funes das atividades rurais. Faz com que as desigualdades sociais e os impactos ambientais no campo aumentem proporcionalmente ao sucesso da agropecuria puramente mercadolgica. Conclumos a observao sobre o MAPA fazendo uma referncia a Jos Eli da Veiga. O intelectual diz que no cabe tal fragmentao, e quanto mais conectados esses aspectos mais estabilidade, resilincia e equidade as atividades agropecurias traro para o desenvolvimento do pas (Eli da Veiga, 1979). Certamente, no iremos desenvolver os outros aspectos defendidos pelo autor nesse captulo. Porm, preciso mostrarmos as inconsistncias, que desde a origem da misso do rgo mximo da agricultura e pecuria brasileiras, materializam o carter fragmentrio e exclusivamente monetrio do setor. O MAPA se propem mercantil, e intenciona a espacializao de sua ao quando acrescenta as esferas sociais e ambientais em sua competncia. Mas no preciso muita cincia para descortinar o tamanho de sua incoerncia.

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio MDA

    O Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, rgo integrante da administrao direta, tem como rea de competncia os seguintes assuntos: I - reforma agrria; II - promoo do desenvolvimento sustentvel do segmento rural constitudo

    pelos agricultores familiares; e III - identificao, reconhecimento, delimitao, demarcao e titulao das terras

    ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O Ministrio do Desenvolvimento Agrrio exercer,

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    em carter extraordinrio, as competncias relativas regularizao fundiria na Amaznia Legal de que trata o art. 35 da Medida Provisria n 458, de 10 de fevereiro de 2009. (Fonte: http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/140 - 09 de agosto de 2009).

    Como caracteriza Caio Prado Jnior em sua obra A questo agrria no Brasil, a satisfao das necessidades da natureza humana deve ser o que fundamenta a soluo dos problemas agrrios (Prado Jnior, 1979). Ou seja, o alvo de toda inteno da poltica agrria, seja a reforma na distribuio e utilizao das terras, sejam os planos e programas que possibilitem e estimulem a permanncia do campons em seu meio, o Homem deve ser o alvo principal. No s como quele(a) que precisa ser observada(o) sobre os aspectos das desigualdades sociais provocadas pela fragmentao da atividade agricultora. Ou ainda, aquele(a) classificada(o) por categorias sociais. Mas, sim, o(a) que tem na relao com a terra, a matriz principal de sua existncia ambiental, social, cultural e econmica. E o que temos observado na ao do Estado uma intencionalidade de cunho assistencialista vestido dos acessrios atribudos reforma agrria, como sendo uma conquista da luta de classes.

    Vamos, ento, focar a anlise da competncia do MDA sobre a primeira, e talvez a nica real inteno de ao que pode ter o governo quando cria um rgo direcionado ao desenvolvimento agrrio. Uma reforma no uso da terra, que respeite as esferas sociais, culturais, ambientais e econmicas do desenvolvimento campons. Ou seja, a reforma agrria sem a fragmentao espacial da ruralidade camponesa, nem a distino dos segmentos impostos a estes homens e mulheres.

    Campons(a) x Trabalhador(a) Agrcola Antes de desenvolver o captulo, vamos apresentar o entendimento utilizado sobre o conceito de campons. Para termos claro a diferenciao conceitual entre campons e trabalhador agrcola, utilizaremos um entendimento direto, no por isto simplista, do antroplogo Eric Wolf sobre essa diferenciao:

    Camponeses so cultivadores rurais; ou seja, cultivam e criam gado no seu campo, no em estufas (...) O campons no realiza um empreendimento no sentido puramente econmico, ele sustenta uma famlia e no uma empresa. Em algumas sociedades do mundo, os camponeses so os principais produtores de reservas e riquezas sociais, como

    tambm, h regies que seu peapel foi relegado a segundo plano. (...) Trabalhadores agrcolas so pessoas que

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    manuseiam as tcnicas das novas fbricas do campo; que aplicam a tecnologia da revoluo industrial no cultivo de

    alimentos em grandes fazendas. (Wolf, 1976 p 13-27).

    Acrescentamos ao entendimento de campons proposto por Wolf, a possibilidade deste de ter em sua atividade a responsabilidade pela conservao dos recursos naturais, do patrimnio natural (paisagens) e pela qualidade dos alimentos (Carneiro&Maluf, 2003 p.19). E ainda, a possiblidade da manunteno da reproduo de seus ritos culurais. Com esse intuito, trazemos para a nossa discusso, a importncia de acrescentar s atribuies da reforma agrria a restruturao dos aspectos ambientais e culturais para a reproduo da existncia da(o) campons(a). No limitando, assim, a compreenso da necessidade de implementao da reforma agrria apenas nos termos sociais e econmicos reclamados pela luta de classe no campo.

    Por uma inteno de reforma agrria verdadeira

    Apropriando-nos do pensamento do gegrafo Ariovaldo Umbelino Oliveira, a terra depois do capitalismo colonial se transformou em mercadoria,. E a propriedade da terra se tornou um tipo de renda capitalizada. Esse produto, que pode ser entendido como advindo de uma frao de mais-valia social, portanto, subtrado da sociedade. Assim, o grande proprietrio um personagem de dentro do capitalismo que se converteu em colonizador e vendedor da mercadoria terra(Oliveira, 1986), fazendo do campons simples nesse processo, um vulnervel coadjuvante do Estado.

    Para alm das lutas histricas no campo, a nfase de nosso conflito entre campons e Estado, estruturada sobre a importncia de ser observada a totalidade das relaes existentes no espao rural. Vamos fugir da questo puramente poltica institucional da luta entre classes, e marcar nosso ponto de vista sobre a essncia da ruralidade da qual os camponeses esto inseridos. No que os relaciona com a reforma agrria, pauta principal do MDA, estamos partindo da idia de haver inconsistncia na inteno do ministrio, sobretudo pelo rgo no enfatizar os aspectos culturais dos atingidos pela reforma agrria.

    A principal referncia conceitual para a discusso de uma outra inteno de reforma agrria a noo de multifuncionalidade da agricultura proposta por Maria Jos Carneiro e Renato Maluf (2003). Tal noo traz para o entendimento da atividade agricultora as outras funes existentes no campesinato. Essa possibilidade permite lanar novos olhares sobre as necessidades e potencialidades do(a) campons(a), e consequentemente a apropriao e uso das terras pelos mesmos.

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    A noo de multifuncionalidade pretende realar as demais funes que devem ser desempenhadas pela agricultura,

    alm da sua funo primria de produzir bens materiais (alimentos e fibras), em vista das conseqncias negativas em termos sociais, ambientais e culturais das formas predominantes que realizada a atividade agrcola. (...) H a pretenso dela constituir uma nova sntese das mltiplas dimenses envolvidas nas atividades rurais - agrcolas e no agrcolas e nas formas de ocupao social do espao agrrio (Carneiro & Maluf, 2003 p.18)

    A partir de uma conceituao que represente de maneira mais abrangente as funes que a agricultura pode exercer, o tema reforma agrria ganha novos parmetros para sua reformulao e implementao. As relaes sociais com o desenvolvimento agrrio passam a significar mais do que ao simples atendimento das demanda advindas da articulao poltica no territrio rural.

    Portanto, cabe ao Estado compreender as relaes para alm da produo (Carneiro & Maluf, 2003) e trazer para o conjunto de fatores do desenvolvimento agrrio a totalidade das relaes campesinas. No d mais para manter o afastamento entre social e cultural, econmico e ambiental, e toda rede de acontecimentos que so intrnsecos ao desenvolvimento equilibrado e com justia socioambiental no espao rural.

    Para que haja uma reforma agrria verdadeira, a priorizao do empoderamento campons deve ser pauta primria na poltica governamental. Essa capacitao vai para alm da formao poltica do(a) agricultor(a), distribuio de terras e disponibilizao de crditos rurais. Passa por uma reeducao camponesa que resgate a importncia do sentimento de pertencimento do Homem com relao terra. Aflorando seus ritos culturais de cultivo como eram praticados por seus antepassados, desde a preparao do solo, o plantio e colheita, at a manuteno dos festivais culturais que comemoram a fartura das espcies cultivadas. preciso que as polticas pblicas facilitem esse resgate. Que o Estado potencialize uma reforma agrria que garanta a segurana alimentar, tendo um trato mais sensvel ao ambiente, e que no por isto, seja impossibilitada a comercializao dos produtos excedentes, por conta de uma concorrncia desleal com os grandes mercados.

    Observada essa prioridade, o entendimento de que a reproduo do Homem do campo no depende apenas de novas demarcaes territoriais, a ao do MDA se qualifica no que diz respeito espacializao do desenvolvimento agrrio. Nesses termos, h a insero dos agentes rurais no somente como atores polticos, mas como homens e mulheres que no se reduzem demanda da inteno da poltica institucional. Homens do campo que tm suas relaes com a terra devidamente respeitadas e no intencionalmente fragmentadas.

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    A geografia e o encontro das complementaridades na agricultura: Embasamento para uma

    agricultura humana

    Como podemos perceber, h uma fragmentao das atividades agrcolas e agrrias no espao rural. Porm, no inteno do trabalho se ater apenas s diferenciaes. Mas, tambm, s complementaridades entre esses dois setores da mesma atividade. A recriminao puramente intelectual das intenes dos ministrios em questo, tambm no representa a motivao do presente estudo. A inspirao maior trazer para o desenvolvimento do espao rural, o entendimento de que a totalidade espacial nas intenes do Estado pode ser encontrada. E a sistematizao de alguns conceitos da geografia pode auxiliar tal complementao espacial. Ter uma leitura abrangente da ruralidade requer a apropriao de alguns pontos de vista pouco praticados pelos rgos gestores. preciso que haja um reencontro entre agrcola e agrrio para que a territorialidade rural seja refeita. Agora, sobre o prisma da utilizao do territrio na criao, manuteno e transformao do espao, abrangendo a totalidade de agentes, processos e paisagens. Com uma poltica mais participativa, que considere os constituintes das realidades em questo. Que empodere em termos semelhantes com o Estado, as empresas, a sociedade organizada e o indivduo. Fazendo da poltica uma instncia social no definida, puramente, por formas pr moldadas ou por interesses partidrios. Mas, enfaticamente, como um facilitador para um relacionamento mais equnime entre as pessoas e suas reais necessidades e anseios. Trazendo para o crescimento do pas o envolvimento da populao, como defende o gegrafo Carlos Walter Porto Gonalves (2002). Entender o desenvolvimento do agrcola como grande fonte de renda para o pas, sim. Mas no restringir seus produtos sociais parcelas reduzidas da sociedade. E no permitir a reproduo daquela ultrapassada mxima

    de que s atravs do nosso desenvolvimento econmico real nos libertaremos da opresso e da escravido econmica

    que esmagam a maioria de nossas populaes. (...) Pois concentrar todo esforo apenas num setor estimular um desenvolvimento desequilibrado, (Josu de Castro, 2007 7 ed, p. 280-281).

    E no presente caso, apartado das diversas possibilidades que um territrio nas escalas do brasileiro podem apresentar.

    Ter na distribuio e utilizao da terra, a certeza que no basta demarcaes, ou a oportunidade de se tornar proprietrio simplesmente pelo fato de o ser. Mas ter a segurana que uma reforma

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    agrria verdadeira passa pela reformulao da relao Homem-Terra. A reeducao, o resgate do Homem do campo, no o limitando ao rtulo de trabalhador rural. Dar condies para a manuteno e reproduo de sua sociabilidade, economia e cultura num ambiente naturalmente equilibrado. Capacitando e empoderando no somente na realizao da assistncia social, mas permitindo sua verdadeira autonomia.

    Enfim, o agrcola e o agrrio tm condies de estarem juntos no processo de crescimento e envolvimento populacional no pas. preciso, para isto, que seu olhar poltico seja totalizado, que as disputas de poder no ultrapassem a inteno de integralidade do desenvolvimento do homem e da mulher no campo. E ento, haja a devida representatividade dos diversos atores, segmentos, fatores e mobilizaes atuando no desenvolvimento rural, sem distino de classe no exerccio da espacialidade.

    Pargrafo de fechamento de um ciclo de aprendizado (no intencionado concluso do estudo)

    Finalizando esse ciclo de estudos, entendemos que uma nova governana territorial precisa emergir promovendo com sua estratgia e ao uma reestruturao na base da ruralidade. Que traga para as funes da agricultura a responsabilidade no fragmentada da sustentabilidade humana. Sustentabilidade entendida no s em termos ambientais, mas sociais, culturais e econmicos. A Natureza precisa ser vista como a grande mantenedora da coexistncia harmoniosa entre Homens, animais e recursos naturais. Com isto, ser respeitada em suas dinmicas. Ou seja, que lhe seja permitida a capacidade de gerar matria e absorver resduos naturalmente; que sejam respeitadas suas caractersticas primrias; que seu potencial de oferecer alimentos organicamente seja reverenciado em contraposio s exigncias imediatistas e estupradoras dos ditames mercadolgicos. Que seja uma agricultura intensiva de subsistncia, antes de mais nada (grifo nosso) capaz de matar a fome de nosso povo (Josu de Castro, 2007 7 ed, p. 267). Por fim, que permita a conservao da natureza e potencialize o desenvolvimento humano, mas como liberdade no necessidade.

    Referncia Bibliogrfica

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    CASTRO, Josu de. Geografia da fome. 7 ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007.

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    http://www.agricultura.gov.br/ - acesso: 09 de agosto de 2009

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    http://www.mma.gov.br/ - acesso: 09 de agosto de 2009.

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    Notas

    i Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ; Instituto de Cincias Humanas e Sociais ICHS; Departamento de Desenvolvimento, Agricutura e Sociedade DDAS; Curso de Ps-Graduao em

    Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade CPDA. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL: ARTICULAO DE POLTICAS PBLICAS E ATORES SOCIAIS. Pesquisadores: NELSON GIORDANO DELGADO; PHILIPPE BONNAL; SRGIO PEREIRA LEITE