A Gestao Compartilhada Na Escola Publica

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A GESTÃO COMPARTILHADA NA ESCOLA PÚBLICA Subsídios para debate 1 Lauro Carlos Wittmann 2 RESUMO Neste artigo o autor explicita os determinantes históricos do compartilhamento da gestão na educação. Ressalta como determinantes contextuais a base material da produção da existência humana, resultante do avanço da ciência e da tecnologia, e a construção da sociedade aprendente, fundando as relações no conhecimento, que é o objeto do trabalho escolar. Ressalta, ainda, como determinantes humanos o adensamento histórico do pensamento, da convivência e do sentido como características humanas. INTRODUÇÃO Escola como espaço social e político implica a reflexão sobre a pertinência e relevância histórica, contextualizada de nossa prática educativa escolar. A função primordial da gestão da escola é garantir a contundência histórica da prática educativa e a integração do conjunto da prática pedagógica na escola. A reflexão sobre a gestão democrática da escola é um exercício constrangedor, de um lado, e gratificante, de outro. De um lado, desafia nossos brios e nos faz ferver em virulenta indignação diante das condições concretas das escolas brasileiras e diante dos resultados reais do trabalho escolar. De outro lado, as conquistas da humanidade em nossos dias, os avanços do conhecimento humano sobre a aprendizagem e inteligência e as experiências concretas na educação brasileira, coordenadas por processos competentes de efetiva democratização, nos enchem de fundadas esperanças. Em decorrência, este texto é um testemunho de indignação e um testemunho de esperança. Na sua primeira parte, através de uma parábola, denuncia a precariedade da educação escolar brasileira e de sua gestão autoritária e/ou democrática, que são duas formas antipedagógicas de irresponsabilidade educativa. Na segunda parte, anuncia o impulso do novo, que está em construção. Este Simpósio constitui um momento importante na qualificação de competência e consecução de parcerias para a produção de uma educação relevante. 1 - A FALÁCIA DA (des)EDUCAÇÃO ESCOLAR E DE SUA (pseudo)DEMOCRATIZAÇÃO Uma parábola denuncia a expressão da indignação planetária contra a peste do autoritarismo e a epidemia da democratite 1 Trabalho apresentado no SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO DA REGIÃO AMAZÔ-NICA, Manaus, 10-13 de junho de 1997 2 Doutor e Pós -Doutor em Educação pela Universidade de Londres; Professor da FURB-Universidade Regional de Blumenau/SC e Professor Aposentado da UFSC.

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A GESTÃO COMPARTILHADA

NA ESCOLA PÚBLICA

 Subsídios para debate1

 Lauro Carlos Wittmann 2

 RESUMO

  Neste artigo o autor explicita os determinantes históricos do compartilhamento da gestão na educação. Ressalta como determinantes contextuais a base material da produção da existência humana, resultante do avanço da ciência e da tecnologia, e a construção da sociedade aprendente, fundando as relações no conhecimento, que é o objeto do trabalho escolar. Ressalta, ainda, como determinantes humanos o adensamento histórico do pensamento, da convivência e do sentido como características humanas.

INTRODUÇÃO

Escola como espaço social e político implica a reflexão sobre a pertinência e relevância histórica, contextualizada de nossa prática educativa escolar. A função primordial da gestão da escola é garantir a contundência histórica da prática educativa e a integração do conjunto da prática pedagógica na escola. A reflexão sobre a gestão democrática da escola é um exercício constrangedor, de um lado, e gratificante, de outro. De um lado, desafia nossos brios e nos faz ferver em virulenta indignação diante das condições concretas das escolas brasileiras e diante dos resultados reais do trabalho escolar. De outro lado, as conquistas da humanidade em nossos dias, os avanços do conhecimento humano sobre a aprendizagem e inteligência e as experiências concretas na educação brasileira, coordenadas por processos competentes de efetiva democratização, nos enchem de fundadas esperanças.

Em decorrência, este texto é um testemunho de indignação e um testemunho de esperança. Na sua primeira parte, através de uma parábola, denuncia a precariedade da educação escolar brasileira e de sua gestão autoritária e/ou democrática, que são duas formas antipedagógicas de irresponsabilidade educativa. Na segunda parte, anuncia o impulso do novo, que está em construção. Este Simpósio constitui um momento importante na qualificação de competência e consecução de parcerias para a produção de uma educação relevante.

1 - A FALÁCIA DA (des)EDUCAÇÃO ESCOLAR E DE SUA (pseudo)DEMOCRATIZAÇÃO

Uma parábola denuncia a expressão da indignação planetária contra a peste do autoritarismo e a epidemia da democratite

Era uma vez...um planeta azul vagando na infinitude do espaço. Neste Planeta havia uma região "tropical, abençoada por Deus e bonita por natureza".

Uma das características mais promissoras desta região tropical é a prioridade que os seus países vem dando para a educação de seu povo. A política e a administração da educação nestes países são democráticas, eficientes, eficazes, efetivas e relevantes. Por exemplo, num destes países, desde tempos imperiais, há mais de 150 anos, a educação é gratuita para todos, e, desde tempos estadonovistas, há mais de 60 anos, esta educação é obrigatória para todos os habitantes, por mandamento constitucional. Em consequência lógica, todos os habitantes deste país têm educação básica, a não ser imigrantes vindos de países e regiões que não priorizam a educação ou alguns sobreviventes idosos, com mais de 70 anos, que nasceram antes de poderem se beneficiar dos resultados desta obrigatoriedade constitucional da educação básica para todos.

Constitui um fato curioso e inexplicável, que, neste país, onde a educação básica obrigatória é de, no mínimo, oito anos, a população oficialmente empregada, com carteira assinada, possa ter menos de três anos de escolaridade na média. Mais curioso ainda é que o índice de conclusão da educação básica, gratuita há mais de 150

1 Trabalho apresentado no SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO DA REGIÃO AMAZÔ-NICA, Manaus, 10-13 de junho de 19972 Doutor e Pós -Doutor em Educação pela Universidade de Londres; Professor da FURB-Universidade Regional de Blumenau/SC e Professor Aposentado da

UFSC.

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anos e obrigatória há mais de 60 anos, é muito reduzido. Neste país, com toda esta prioridade dada à educação, seus habitantes que ousam se formar no ensino fundamental levam em média 12 anos para cursar os oito anos deste nível de ensino. Se forem levados em conta os anos de matrícula dos que não concluem o ensino fundamental, neste país, onde o ensino fundamental é gratuito desde tempos imperiais e obrigatório desde tempos estadonovistas, são gastos mais de 30 anos de matrícula para cada habitante que se forma no ensino fundamental, que é de 8 anos. Mais grave ainda é que aqueles que ousam concluir o ensino fundamental não tiveram a contribuição prevista desta intervenção educativa. Aqueles habitantes que cursaram o ensino fundamental simplesmente não aprenderam o que deveriam aprender. Neste país, onde a educação sempre foi e é prioridade, os dados sobre a educação básica são constrangedores3. Segundo dados oficiais: - Cinco milhões de habitantes, em idade de escolarização obrigatória e gratuita, entre 7 e 14 anos, nem estão na escola; - Nas primeiras séries, onde se visa o domínio básico da leitura e da escrita, de cada dois alunos, um é reprovado; - Nas sétimas séries, sobre 1000 alunos, apenas três aprendem os conteúdos mínimos de matemática e 5 os de ciências naturais; - De cada mil alunos que terminam a oitava série, apenas vinte e quatro não repetiram nenhum ano letivo, nos últimos anos.

Além disto, os programas de recursos humanos deste país só têm lembrado do professor para incluí-lo ou não em programas de demissão ‘voluntária’ ou não, para propostas de racionalização do sis-tema escolar que não são motivadas por razões pedagógicas de ordem alguma. Isto tudo ocorre numa época em que a negação da educação é causa mortis4. Na sociedade que emerge não há mais lugar para pessoas sem educação básica de altíssima qualidade. Caso não se universalize esta educação para todos e para cada um, este país será composto de multidões de excluídos, ou, segundo termo cunhado pelo próprio presidente esclarecido desta ‘pátria amada e idolatrada, salve, salve’, este país terá uma enorme massa de ‘inempregáveis’. Isto significa que nem para mercadoria a ser vendida no ‘Mercado de Trabalho’ os habitantes deste país servirão.

Neste país existe uma rede considerável de meios de comunicação de massa. Um canal de televisão, reconhecido por muitos como comprometido com a burguesia deste país e com o poder, independente de quem o detenha, é renomado pelas novelas que põe no ar. Um fenômeno quase apocalíptico é que as novelas são mais realistas do que os noticiários. Por exemplo, apesar de acompanhar, ver, ouvir e ler os noticiários deste país, o povo só tomou conhecimento da magnitude do problema das crianças desaparecidas na ‘explode coração’ e da reforma agrária com seu movimento dos sem terra no ‘rei do gado’5.

O desenraizamento da esperança e a sôfrega sucção das condições mínimas para o exercício da cidadania, a completa escuridão e a falta de perspectiva para a alegre parceria co-responsável na construção do amanhã melhor, emasculam o histórico da história e ameaçam fazer deste país um cemitério vivo, cujos habitantes seriam reduzidos a meros cadáveres ambulantes sem consciência do próprio óbito.

A situação deste país é denunciada pela música popular, quando, com sua voz maravilhosa, Elis Regina canta:

"O Brasil não conhece o Brasil; o Brasil nunca foi o Brasil;o Brasil não merece o Brasil; o Brasil ‘tá’ matando o Brasil;do Brasil, SOS ao Brasil".

2 - AS BASES FUNDANTES DA GESTÃO DEMOCRÁTICA

Uma reflexão anunciaimpulso para a construção do novo

A evolução da humanidade, os avanços da ciência e da tecnologia e o desenvolvimento, que nos enchiam de esperança, acabara por confirmar que "o que dá para rir, dá para chorar". Entretanto, as razões das lágrimas são as mesmas razões dos sorrisos. A globalização e a tecnologia, que fundam e dão base para a exclusão e para o neoliberalismo, também fundam e dão base para a inclusão e para o estatuto da partilha e da companheirice.

O sol que ofusca no progressivo deserto da sociedade dos excluídos, na construção do suicídio coletivo da humanidade, é o mesmo sol que ilumina, no processo da fotossíntese, no encanto e na magia da floresta e da vida, na construção da sociedade da inclusão universal, fundada na colaboração econômica, na co-responsabilidade política e na solidariedade ideológica.

Em síntese, vivemos uma época explosiva e numa terra minada. De nada adianta brincarmos de ‘democraciazinha’ no interior das escolas. A gestão com par na escola só faz sentido como uma prática social que qualifica o processo educativo na construção da revolução sócio-antropológica emancipadora. Este é o processo

3 A maioria dos dados constam no documento/cartaz recentemente distribuído pela deputada Federal Esther Grossi, PT/RS: A escola reinventada: todos podem aprender: redefinindo a escola.4 Veja em ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba: UNIMEP, 1996.5 Referência a novelas recentes de rede Globo.

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histórico em construção que faz sentido, superando o autoritarismo, fundado na imposição anti-educativa, e evitando a falácia da democratite, fundada na irresponsabilidade coletiva.

Há experiências que constituem avanços significativos tanto no conhecimento quanto na prática da gestão compartilhada, participativa e co-responsável, educação escolar, e, principalmente, na relação mutuamente fecundante entre o repensar teórico e o inovar na prática. Estes avanços já foram demonstrados em muitas experiências inovadoras, como demonstra a pesquisa da ANPAE sobre o tema.

Portanto, a indignação crescente da sociedade civil com o estado da educação brasileira vem acompanhada de uma enorme e fundada esperança. Esta esperança resgata o próprio e real sentido da intervenção educativa escolar. A escola é o espaço historicamente construído para a concretização da prática social da educação. Neste sentido, ela é a intervenção intencional no processo histórico da produção concreta da existência humana. Portanto, o sentido radical e último da escola e de sua prática é a percussão social, o impacto e o significado concreto dessa intervenção. Num momento histórico de mudanças profundas, em que a dimensão efetivamente humana de todos e de cada uma das pessoas está sendo chamada ao palco da história, a intervenção educativa escolar se torna mais decisiva e fundamental. Dois eixos ou dois determinantes fundam e alicerçam uma gestão democrática conseqüente:

a) o sentido social da educação, sua contribuição com o novo que emerge e já está posto, com suas novas demandas para a educação;b) a concepção de aprendizagem e conhecimento, fundada nas recentes e experiências pedagógicas; e c) as características concretas do devir humano.

2.1 - O SENTIDO SOCIAL DA EDUCAÇÃO

a) Demandas do novo

  No atual contexto histórico, vivemos um momento de mus-dança profundas nas relações de produção. No chão da fábrica começam a surgir necessidades e interesses objetivos de participação inteligente, co-responsável e partilhada dos agentes envolvidos com a produção de bens materiais. Isto significa que estão sendo construídas as condições objetivas para a implosão das relações objetivas, para a implosão das relações de dominação e subordinação, porque os novos processos de produção exigem, cada vez mais, a parceria co-responsável e o trabalho em equipe, tornando caduca a ex-necessária divisão entre quem manda e quem obedece, entre quem, de um lado planeja, decide, controla, no exercício do trabalho intelectual, e, de outro lado, quem produz, executa e faz, no trabalho manual, rotineiro, desumanizador da produção em série. As máquinas automáticas substituem com vantagem de tempo e de qualidade o trabalho humano manual. O progressivo descarte do trabalho manual está trazendo o desemprego estrutural, e, com o descarte das pessoas, com sua formação reduzida ao trabalho manual, está criando os chamados ‘inempregáveis’. Cresce a necessidade de pessoas mais ‘qualificadas’ para a nova configuração dos trabalhos no campo, na indústria e nos serviços.

Para se inscrever neste mundo novo do trabalho é indispensável a capacidade de pensar e de trabalhar em equipe. As aptidões cognitivas e atitudinais requeridas neste novo mundo do trabalho rompem com as aptidões de subordinação política e submissão ideológica.

Em decorrência, a dimensão sócio-política da escola torna-se mais exigente e complexa e exige parceria e co-responsabilidade na sua gestão. A tradicional função de esfriar as aspirações da maioria para ser obediente e esquentar as aspirações da minoria para dirigir está superada e não faz mais sentido, num mundo em que todos são conclamados a uma competente participação.

b) A nova base das relações sociais e pessoais

As relações entre as pessoas, grupos e povos se fundavam no músculo ou na força, na capacidade de impor sua vontade, pelo seu poder de punição e castigo. Esta base de relação foi substituída pela riqueza, que além de potencializar e agigantar o poder de impor, podia e pode pelo premiar, pelo poder de recompensa. Estas bases de relação são desgastantes e perigosas porque se esvaem na medida de sua utilização. O uso da força ou da riqueza implica na diminuição de sua posse. Quanto mais alguém as usa, menos as terá. Além disto, ninguém é tão forte que pode impor sua vontade a todos que quiser e pelo tempo que quiser; e ninguém tem tanta riqueza que pode comprar tudo o que quiser.

Com o avanço e evolução da humanidade foi se construindo o conhecimento como nova base da relação. Hoje, as "guerras" são guerras subreptícias e complexas pela informação, pelo "know-how" e pelo conhecimento. Este potencializa a força e a riqueza. A posse da tecnologia mais avança-da é a garantia da qualidade e quantidade da produção. Portanto, o conhecimento é uma base mais avançada e superior de relação das pessoas com o mundo, com os outros e consigo mesmas. Além disto, esta base não se

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desgasta com o uso. Quanto mais o conhecimento for usado, maior e mais denso e consistente ele pode ficar. Pode a humanidade estar construindo uma base material de relação que não implica, pela sua natureza, em seu risco, ao contrário da força e do dinheiro, que não implica, pela sua natureza, em seu risco, ao contrário da força e do dinheiro, cuja utilização implicava no "enfraquecimento" de quem se utilizava ou se utiliza deles.

Entretanto, com o avanço do conhecimento na base da produção material, a humanidade está se construindo a exclusão social de um crescente número de pessoas. Vem crescendo o desemprego, a miséria, a marginalidade, o seqüestro, a droga e a humanidade constrói a barbárie ou seu "suicídio coletivo".

De outro lado, o conhecimento, como base das relações, constitui uma real e objetiva oportunidade para a construção de uma nova sociedade, fundada num estatuto de parceria ou "companheirice", uma vez que não traz consigo o risco de diminuição com seu uso. Esta alternativa, que se opõe à barbárie e ao "suicídio coletivo", implica na transformação estrutural da sociedade e na produção histórica de pessoas humanas não demitidas de si mesmas ou alienadas aos interesses objetivos da acumulação capitalista. Exige pessoas, sujeitos de construção histórica, e não predicados do senhor nosso deus capital.

A escola é o lugar privilegiado para a construção e o exercício da parceria e "companheirice" oportunizados pelo conhecimento, como base das relações humanas. O objetivo específico do trabalho escolar é o próprio conhecimento. Portanto, a função sócio-política da escola está diretamente vinculada ao cerne ou eixo ou base da relação no mundo novo que emerge. A função sócio-política da escola, hoje, é trabalhar competentemente com seu próprio objeto de trabalho. Cabe à administração compartilhada da escola o acompanha-mento, a vigilância e a orquestração desta competência. Como educadores de apoio os responsáveis pela administração devem garantir as condições e os apoios necessários para que, no ato pedagógico, na relação Professor-Aluno, os alunos ampliem seu conhecimento e, ao mesmo tempo, sejam produzidas, em todos e em cada um, as aptidões cognitivas e atitudinais necessárias neste mundo novo, humanamente cada vez mais exigente.

c) o desafio do tempo livre

O avanço da tecnologia, especialmente através da informática, robótica e automação, está garantindo melhor qualidade e maior quantidade na produção de bens materiais. Este avanço vem diminuindo a necessidade de que as pessoas se intoxiquem ou se bestializem nas tarefas rotineiras às quais estavam e continuam estando submetidas no cumprimento de tarefas do trabalho manual. Estes processos de substituição do trabalho humano manual por máquinas estão expulsando ou liberando as pessoas da ocupação desgastante. As pessoas estão tendo cada vez mais desemprego ou mais ‘tempo livre’. São recentes alguns sintomas de liberação das pessoas da rotina do trabalho, como, por exemplo, a implantação da jornada de oito horas de trabalho, a ampliação da folga semanal, a aposentadoria, o retardamento do ingresso no mundo do trabalho pelo aumento do tempo da escolaridade obrigatória, o salário desemprego, formas de redução da jornada de trabalho etc. Está sendo produzida a possibilidade ou a exigência de as pessoas se envolverem sempre mais com aquilo que as máquinas não podem fazer. Entretanto, até pouco tempo atrás, a maioria das pessoas ‘tinha que ser’ reduzida ao trabalho manual, para garantir a produção. Em consequência não desenvolveram as aptidões necessárias para este novo mundo que emerge. Não conseguem se entender sem estarem ocupadas. Esta ‘ocupação’ que consome inexoravelmente todas as horas, minutos e segundos da vida, é um recurso estratégico fundamental para garantir a alie-nação das pessoas. Sem tempo para pensar, para conviver e para curtir, as pessoas estavam ‘condenadas’ a servir o senhor nosso deus capital. Na sofreguidão de se acumular a si mesmo, este nosso deus produziu a eliminação da base da subordinação das pessoas, substituindo-as por máquinas, reunificando o trabalho intelectual e manual na máquina. Na sua lógica, este processo leva à exclusão dos descartáveis. Entretanto esta não é a única lógica viável. Cresce a consciência da possibilidade da lógica oposta, a lógica da inclusão universal de todas as pessoas numa sociedade diferente desta que está aí. Esta sociedade não é eterna e imutável, ela foi historicamente produzida. Portanto, ela pode ser transformada, porque está em construção. Segundo esta lógica, o que seria ‘descarte’ do ponto de vista do capital, é, de fato, uma liberação, do ponto de vista sócio-antropológico ou humano.

Em resumo, com tempo livre as pessoas e a sociedade se defrontam com o desafio da alternativa entre o suicídio e a metamorfose. Ou não tolerarão a vida porque o oceano da miséria crescente invadirá e destruirá as pequenas ilhas de fartura ou as pessoas se transformam em novas pessoas humanas. Está posta a possibilidade de ter tempo para que as pessoas sejam sujeitos e não predicados; sejam gente, devires livres, pensantes, companheiras e com sentido para viver, e não objetos, como instrumentos ou mercadorias do capital. Esta metamorfose exige a ruptura com a mediocridade dos autoritarismos e democratites, porque demanda a competência da gestão compartilhada e co-responsável.

 

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2.2 - O CONHECIMENTO NO TRABALHO ESCOLAR

O conteúdo e a forma da prática social da educação e, em consequência, da sua gestão são determinados pela evolução do mundo do trabalho. Portanto, a administração da educação é deter-minada pela concretude histórica da produção material da existência humana e pelo objeto específico da prática social da educação. Importa, pois, explicitar o sentido, a razão de ser, o caráter fundamental do ato pedagógico, da relação professor-aluno neste novo mundo do trabalho, que emerge. Esta explicitação implica o desvelamento do ‘o quê’, de fato, objeto da aprendizagem na escola.

a) Sentido de Educação

Educação, no sentido amplo, é o processo concreto de produção histórica da existência humana. Neste sentido todas as relações estabelecidas da pessoa com o mundo, com os outros e consigo mesma são parte do processo educativo. No processo histórico de forjamento das pessoas há intervenções educativas, que constituem a prática social educativa.

Educação, no sentido estrito, é uma prática social que tem o objetivo de contribuir, direta e intencionalmente, no processo de construção histórica das pessoas. São intervenções educativas no forjamento histórico e concreto das pessoas. Em nossa época a forma mais conhecida de intervenção educativa é a escola. Nós somos profissionais desta prática. O centro, a razão de ser e o sentido desta educação, como prática social, é a aprendizagem. O ato pedagógico é a relação interpessoal, entre profissionais da educação e educandos, com o objetivo explícito de educar, de intervir no processo de aprendizagem. O objeto específico desta aprendizagem é o conhecimento. Portanto, a compreensão ou o sentido de conhecimento é fundamental e determinante para o ato pedagógico e para a administração da escola.

 b) O conhecimento como objeto específico do ato pedagógico

  O conhecimento pode ser entendido como produto, como informação, ou pode ser entendido como processo, como construção. Estas duas compreensões implicam em formas opostas e antagônicas de administração da educação, nos seus processos de política, planejamento, gestão e avaliação.

 *) O conhecimento como informação

  O conhecimento como informação, como produto, é o chamado ‘saber historicamente acumulado pela humanidade’. Se o objeto do trabalho pedagógico é o conhecimento como informação, a função e o objetivo do ato pedagógico é a socialização deste saber para que ele seja incorporado pelos educandos. O ‘conteúdo’, as informações ou ‘o saber historicamente acumulado pela humanidade’ devem ser ‘transmitidos’ pelos profissionais da educação e devem ser ‘assimilados’ pelos educandos. O importante é que o aluno ‘repita’ o saber existente, memorize, torne-se uma enciclopédia ambulante. Neste sentido um computador e uma enciclopédia ‘saberiam’ muito mais do que as pessoas. Uma educação com esta visão de conhecimento, no máximo, contribui para a produção de pessoas eruditas. Com esta compreensão de ‘conhecimento’ pode ser justificada uma prática pedagógica e uma gestão escolar autoritárias. Nada impede que o ‘conteúdo’ seja imposto e a prática educativa seja autoritariamente gerida. A heterogestão é inerente à relação entre os que sabem e devem transmitir e os que não sabem assimilar.

 *) O conhecimento como construção

  O conhecimento como processo, como produção, é a construção do saber. Se o objeto do trabalho pedagógico é o conhecimento como construção, a função e o objetivo do ato pedagógico é a ampliação do saber dos educandos sobre determinada realidade. O ‘conteúdo’, as informações ou o saber historicamente acumulado pela humanidade’ devem ser trabalhados (e não ‘assimilados’) no ato pedagógico. No confronto entre o saber do educando e o saber da humanidade, o educando amplia o seu saber e constrói aptidões cognitivas. O importante é que o aluno compreenda, construa o seu dizer, a sua própria palavra e desenvolva a sua competência para exercer o direito de se pronunciar. O ato pedagógico centrado no conhecimento como construção é, por exigência intrínseca, interativo, interpessoal, participante e democrático. Ele exige uma gestão compartilhada. A autogestão é inerente à relação entre as pessoas envolvidas na aventura humana de ampliar o saber e construir aptidões cognitivas.

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A prática democrática da gestão da escola na elaboração, execução e avaliação do projeto político-pedagógico decorrem da ‘natureza’ e do caráter fundamental do processo educativo, que é o objeto da relação pedagógica: o conhecimento como processo, como construção, como ampliação do saber e produção de estruturas mentais avançadas, exigidos para a inscrição competente no novo mundo que emerge e para a efetiva emancipação humana.

A ‘objetivação’ ou a fetichização do conhecimento o transforma em mercadoria, em produto a ser guardado em ‘patentes’, privatizado e usado como mecanismo de dominação e de exclusão. As escolas se transformam em mini ou supermercados de ‘venda’ desta mercadoria. A compreensão do conhecimento como processo, como construção, implica a intersubjetividade, a parceria, a partilha e se opõe a toda forma de redução à mercadoria.

 2.3 - CONSTITUTIVOS HISTÓRICOS DO DEVER HUMANO

  A emancipação humana é um processo antropo-social, simultaneamente coletivo e individual, social e antropológico. Neste processo contínuo de forjamento histórico da humanidade e das pessoas, se desenvolvem três características humanas : o pensar, o conviver e o curtir; a reflexão, o amor e o encanto.

A história da humanidade é o processo de eliminação progressiva das condições adversas e ameaçadoras, através da construção das condições objetivas para a prazerosidade fundante e decorrente destas características humanas.

 a) Pensamento

Pensamento quem pode ter é a gente mesmo,ideologia é algo que nos tem6.

 A capacidade de intervir inteligentemente no curso dos acontecimentos ou na ordem natural das coisas

constitui a característica fundamental da condição humana. Esta intervenção só é possível pela capacidade de trabalhar mental-mente o real, elaborando um projeto de mudança do mesmo. Esta elaboração mental exige aptidões cognitivas, que são produzidas historicamente. A grande novidade que está na base do reencantamento da prática educativa é que a inteligência não é um dado inato, mas é uma construção histórica. Isto significa que as modernas descobertas demonstram que todas as pessoas podem ser inteligentes, podem aprender. Estas descobertas situam uma base científica para a democracia. Ninguém é inferior ou superior porque traz, de berço, menor ou maior ‘inteligência’ inata. As pessoas não nascem mais ou menos inteligentes, sua construção histórica é que as produz com inteligência agigantada ou apequenada.

A escola é um espaço social privilegiado de democratização porque nela podemos contribuir para o desenvolvimento das aptidões cognitivas de todos e de cada um. Esta perspectiva reforça a responsabilidade sócio-política da escola, porque não exime seus agentes, nem o governo, nem a sociedade de lutar pela universalização da competência intelectiva e da conseqüente responsabilidade e alegria na construção do futuro.Esta alegria de partilhar a construção do futuro é especial-mente envolvente e gratificante na produção de uma prática educativa relevante em nossas escolas.

b) Convivência 

Gente, quando se encontra com gente,se torna mais gente.

 As pessoas se produzem historicamente no encontro com outras pessoas. É pelo rosto do outro que

construímos nosso próprio rosto. A importância do outro na construção de si mesmo é tão decisiva e fundamental que tem até uma dimensão interiorizada. Cada pessoa, quando pensa, se surpreende falando consigo mesma, com o outro embutido em si mesmo. É o fecundo diálogo entre o desejo e a pessoa histórica em construção, entre a base e o nome, entre quem sou e quem faço. Esta construção concreta da existência humana se produz no permanente confronto entre o desejo e a chance ou condição histórica, entre os impulsos e as possibilidades e limitações de sua concretização. Esta capacidade de nos transformarmos, de nos ultrapassarmos a nós mesmos, de nos tornarmos mais gente faz com que não sejamos seres humanos, mas devires humanos. Seres são os tijolos, as flores e os pássaros. Estes são, simplesmente, com toda riqueza e miséria. Nós não somos, nós existimos, continuamente saímos do que somos. Somos eternos ‘ex.’; peregrinos sem prisão definitiva a coisa nenhuma. Podemos e devemos

6 ASSMAN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba: UNIMEP, 1996: p. 51.

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nos transcender permanentemente. A tragédia e a alegria de ser gente é o fato de que tudo o que somos, por mais maravilhoso que possa parecer, não passa de um tímido esboço de quem nos podemos tornar.

A convivência com o outro é um indispensável processo de construção de si. A escola é o espaço em que, pela intervenção educativa, as pessoas se qualificam para a aventura humana da permanente transcendência, para a riqueza da fraternura7 na convivência. A função sócio-política da escola, no processo pedagógico da alfabetização sócio-cultural, inclui mas não se esgota no conhecimento da sociedade em que se vive, suas contradições, mazelas e chances. Esta alfabetização implica a construção das aptidões atitudinais necessárias para uma fecunda convivência humana. Este exercício concreto da parceria, do encontro, da convivência demanda e se concretiza na gestão democrática da escola. c) Encantamento 

E eu me derramo tranqüilo para dentro das paisagens de timergulhando no verde de todos os campos e bosquese no caleidoscópio festivo de todas as cores e flores8

 A terceira característica própria dos deveres humanos é a possibilidade de encontrarem e construírem

sentido para suas vidas e para o mundo. O encanto da admiração de uma paisagem, de uma flor, de uma obra de arte, dos momentos e dos sonhos constitui um decisivo determinante de nossas existências.

O enlevo da curtição contemplando a história, seus testemunhos e sua arte, a prazerosidade da celebração de aprender e o encanto da alegria do encontro com os outros, constituem uma dimensão muito esquecida nos nossos projetos político-pedagógicos, nos nossos atos. Por exemplo, a avaliação não é um penoso exercício de classificação ou de punição, garantindo a negação da educação para o povo, pelo carimbo da reprovação. A avaliação é o processo de acompanhamento da construção da celebração de aprender, do avanço da construção do conhecimento e, assim, é um processo mediador da melhoria da relação pedagógica. A avaliação é, sobretudo, a suprema alegria da curtição da colheita. CONCLUSÃO 

As conquistas de nosso tempo oportunizam e demandam a competência do prazer de aprender, de pensar, de conviver e de curtir. Estas conquistas da humanidade são o fundamento para tornar a escola um espaço social, um lugar de celebração da aprendizagem, onde se vive o encanto do sempre novo no processo de permanentes reequilibrações majorantes no construção da emancipação humana. Diante desta conquistas, as precariedades da educação brasileira não só não fazem mais sentido, mas se tornaram definitivamente injustificáveis.

Uma competente administração da prática social da educação, no espaço sócio-político escolar, responde às exigências de um novo, já posto na produção material da existência humana. Ela consolida a nova base material das relações, que é o próprio objeto do trabalho escolar. Contribui decisivamente para que a humanidade se qualifique com e para o tempo livre que está conquistando, oportunizando a todos e a cada um a se construir efetivamente como gente, com direito e poder para a celebração do pensar e aprender, para a riqueza do convívio e do encontro de parceiros e para o encantamento da admiração.A gestão democrática da escola é uma contribuição indispensável, é uma garantia e uma prática concreta desta construção emancipadora da existência das pessoas e da humanidade.

PARCERIA PEREGRINA As razões que provocam lágrimasfortuitas e passageirassão as raízes fundantesde todos e eternos sorrisos O sol ofuscante do crescente desertoda sofrida exclusão liberalé o sol vivificante do emergente encantoda fraterna partilha universal  

7 Termo cunhado por Hugo Assmann, usado em diversas obras suas.8 Excerto de uma poesia de Lauro Carlos Wittmann de 27/05/97.

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A CENTRALIDADE DA EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DO FUTURO Terezinha Monteiro dos Santos9

  RESUMO 

Novas exigências de qualificação humana impõem mudanças substanciais na instituição Escola; na atitude e participação dos cidadãos ante essas mudanças que atingem de forma importante e desigual a todas as formações sociais. O exemplo das experiências concretas dos centros hegemônicos do desenvolvimento capitalista não encaminha na direção de uma democratização do conhecimento, pois a lógica da seletividade em que se baseiam as teorias econômicas da Educação se contrapõe a tal propósito. O acesso ao conhecimento científico, técnico, administrativo é fundamental ao desenvolvimento, só que a nenhum mercado é viável a distribuição democrática de seus produtos (incluindo a mercadoria educação), sob pena de deixar de ser mercado. Ainda mais, todo mercado tem de oferecer bens de qualidade e preços diferenciados, para atender a todos que o procuram; o que, na verdade, é indispensável para sua manutenção e expansão. Cada um comprará o que lhe for possível, o que não significa fazer escolhas, pois inexistem outras alternativas para a maioria da população.

Este exercício teórico é fruto de inquietações e incertezas sobre o que está acontecendo hoje, nesse mundo cambiante e desafiador em que vivemos e principalmente no que se avizinha.

Apesar do título, "A centralidade da educação na sociedade do futuro", ser um tanto categórico, não há pretensão de sê-lo nos posicionamentos assumidos ao longo do texto, a considerar a incursão tateante num espaço ainda não suficientemente desvelado para mim, e também porque não ouso, nem posso defender conclusões apressadas e cristalizadas sobre o tema.

Traço breves considerações, ancorada em análises competentes de autores estrangeiros e brasileiros de diferentes tendências, procurando entender como são forjadas as situações que dão origem a novas linguagens, novos comportamentos culturais, a nova estética, enfim, a uma nova realidade econômica, política, social e cultural.

Espero trazer alguma contribuição àqueles que, como eu, perscrutam outros caminhos, dirimindo dúvidas e acreditando na existência de mais de um horizonte possível para a humanidade, sem o qual fica difícil ter esperanças no futuro.

Nestes tempos de modernidade ou pós-modernidade como muitos apregoam, surgem ou ressurgem nas pautas e agendas de debates dos meios acadêmicos, políticos, econômicos, culturais como no ciberespaço, questões que dada a recorrência naturalizam-se como verdades históricas inexoráveis. A educação como categoria econômica central se inscreve nessa direção: é uma infinidade de espaços surgindo: sociedade do conhecimento, sociedade de aprendentes, organizações aprendentes, sistemas com base no conhecimento, engenharia do conhecimento, ecologia cognitiva, cognitariado etc.

Um caminho para examinar a questão pode ser o de tentar compreender a relação educação e sociedade, de vez que as práticas educativas ao longo da história do capitalismo sempre se subordinaram às necessidades do capital, como poder-se-á observar nas análises de Manacorda sobre a educação através dos tempos, na Europa e na América; os discursos revelam que a formação do homem se destinou à adequação à realidade e modos específicos de subordinação ao sistema produtivo, independente do modo dominante de condução da sociedade.Um fato importante para o desenvolvimento das sociedades foi o aparecimento da instituição escola junto com a fábrica e hoje estão surgindo novos espaços de conhecimento, em função das mudanças no processo produtivo, com especial destaque para a Informática, para outras possibilidades de acesso e produção de saber, como as redes computacionais interativas.

No decorrer deste trabalho, destaca-se o que, por enquanto ainda se denomina escola, por acreditar em sua essencialidade para a formação e emancipação humana. Certamente que não se trata dessa escola transmissora de conhecimentos embalados ou estocados e fossilizados, como úteis e os necessários a serem repassados para mentes imaturas, obedecendo a regras e padrões pré-estabelecidos; escola essa desconectada da complexidade de um mundo cambiante e global.

"Não existem outras instâncias sociais que exerçam uma interferência formativa tão longa, constante e profunda quanto a escola. Seu papel certamente se reduziu em confronto com as demais instâncias aculturadoras e socializadoras do ser humano moderno, inserido em sociedades amplas, complexas e prevalentemente urbanas. Mas ainda incumbe principalmente à escola a tarefa de garantir aos seres humanos a descoberta daquela dinâmica básica da vida que lhes permita afirmar-se prazerosamente como vidas possíveis."

9 Doutoranda da Universidade Metodista de Piracicaba e Professora da Universidade Federal do Pará

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A educação escolar como já sugeri anteriormente, de alguma forma sempre se subordinou aos ditames do poder dirigente, entretanto, como assinala Frigotto nem todas as vezes claramente: 

"Na medida, todavia em que o sistema capitalista se solidifica e os sistemas educacionais se estruturam, assume nitidez a defesa da universalização dualista, segmentada: escola disciplinadora e adestradora para os filhos dos trabalhadores e a escola formativa para os filhos das classes dirigentes." Ao particularizar-se a situação brasileira, observa-se que em 1889 foi elaborada uma política educacional a

cargo do Estado, em conjunto com a Igreja. Mas, só com o Estado Novo (1930-45), o sistema educacional é utilizado para adequar a força de trabalho ao capital, tornando obrigatório o ensino primário; em 1937 é instituído o ensino profissionalizante para as classes populares, bem como a obrigatoriedade para as indústrias e sindicatos manterem escolas de aprendizagem, resultando num grande incremento das matrículas no ensino público; tem-se em 1948 a apresentação de nova Lei de Diretrizes e Bases, de cunho bastante populista, aos moldes do Governo, onde propunha a ex-tensão do ensino para as populações rurais e igualava o ensino médio (propedêutico e o técnico), só sendo aprovada em 1961 e consolidando o ensino privado.

A partir do Golpe de 1964, a educação subordina-se mais clara-mente aos ditames capitalistas, em termos de discurso, conforme se pode observar nos Planos Nacionais de Desenvolvimento, onde o ingresso do Brasil no rol dos países desenvolvidos, com liderança entre os integrantes da América Latina exigia uma ação revolucionária na educação, de forma a realizar uma "fecunda aliança entre educação e desenvolvimento". Apesar de toda retórica oficial da importância da educação para o sucesso do projeto econômico do Estado, os resultados concretos das políticas educacionais dos últimos trinta anos são pouco ou nada animadores, haja vista os próprios diagnósticos dos órgãos oficiais brasileiros e internacionais. Para Castroo "milagre brasileiro" foi o de o país ter atingido um razoável nível de desenvolvimento com tão pouca educação. Talvez se possa dizer que para o processo produtivo do tipo padronizado, tipo Taylorista/-Fordista, onde as máquinas rígidas exigem pouca qualificação, para executar tarefas repetitivas ou mesmo uma capacitação mais especializada, a escola com o auxílio do treinamento no próprio local de trabalho permitiu concretizar. Claro que isso não acontece, dessa forma tão simplificada, por envolver outras relações, que no momento não compete aprofundar.

Por outro lado, os recursos humanos de nível superior (e não mão-de-obra) necessários à direção e organização do processo produtivo e administração do País são preparados nas instituições públicas de ensino superior e nas pós-graduações nacionais e internacionais, aliadas a outras formas de qualificação só, em geral, acessíveis aos de melhores condições econômicas. Será que é possível vincular-se diretamente o nível de desenvolvimento dos países capitalistas aos indicadores educacionais elevados?

Mesmo não tendo os dados que permitam responder a questão, algumas indicações de autores como Applee Costa evidenciam a não democratização do acesso ao conhecimento. Ainda para sinalizar a questão, utilizo a análise jornalística de Gilberto Dimenstein da Folha de São Paulo, em sua coluna sobre a América, em 04 de agosto de 1996, onde expressa o pronunciamento de Carole Bellamy, dirigente da UNICEF de "Brasil e EUA têm um traço em comum. Seus indicadores sociais são muito inferiores a seu potencial econômico."

Hoje, com as brutais trans-formações advindas de um inigualável progresso científico e tecnológico, as exigências de educação se intensificam num cenário de maior amplitude, onde o novo cidadão precisa juntar inteligência, conhecimento e capacidade emocional e social para enfrentar e poder atuar rumo às mudanças requeridas.

A qualificação humana, portanto, vai além da aquisição de conhecimentos intelectuais para outros atributos como liderança, versatilidade, flexibilidade, rapidez de decisões, saber trabalhar em equipe, ter equilíbrio emocional e físico, ser comunicativo, solidário, dentre outros. Será que essa pessoa pode existir? Será que na lógica da economia de mercado, onde a competitividade é palavra de ordem, há espaço para solidariedade (que exige um grau elevado de generosidade)?

Embora já haja relativo consenso entre os estudiosos da pós-modernidade sobre a inexorabilidade de mais conhecimento e qualificação, em parte, alguns elencados neste trabalho, considero necessário examinar o que está por trás desse novo padrão econômico-social-cultural e, notadamente que relações sociais o produziram.

Valho-me da análise de David Harvey para localizar no Fordismo a origem dessa nova realidade acima explicitada, caracterizando-o como um período que vai mais ou menos de 1945 a 1973, de regulação, cuja base se assenta na teorização Keynesiana, fundamentada num conjunto de medidas de controle e gerência do trabalho, de tecnologias, de hábitos de consumo e de configurações do poder político-econômico.

O empresário americano Henry Ford começou a inovar em sua fábrica de automóveis, no Michigan implantando a jornada de trabalho com oito horas e um incentivo de produtividade a seus operários. Entretanto, não foi isso que o diferenciou de outros empreendedores, notadamente após a publicação da obra "Os Princípios da Administração Científica" de F. W. Taylor, em 1911, onde este demonstrava como a produtividade poderia ser aumentada através da racionalização do uso do tempo e movimento cronometrados na realização das tarefas. O

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insight de Ford foi descobrir que a produção em massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, novos métodos de organização e controle do processo produtivo - um novo modo de vida total - ancorado no poder corporativo da regulação econômica. O Fordismo-Keynesiano como modo de acumulação capitalista propiciou uma expansão crescente de seu poder na formação de mercados de massas global, na abertura internacional, na globalização da oferta de matéria prima, na implantação e/ou implementação de outros empreendimentos nas áreas de seguros, hotéis, aera-portos, turismo, dentre outros.

O estabelecimento desse modo de acumulação foi desigual nos diversos países em função da correlação de forças políticas, econômicas e sociais internas e externas, gerando, em grande medida, descontentamentos, notadamente no Terceiro Mundo, onde a dita modernização vinha carregada de promessas de desenvolvimento, associado à melhoria das condições gerais de vida, o que não ocorreu, excetuando o caso das elites. Até no seu berço de origem, os Estados Unidos, o Fordismo foi incapaz de conter a crise inerente ao sistema capitalista, apesar de todo o apoio do Estado e do controle exercido na organização e reprodução da força de trabalho, o movimento de luta dos trabalhadores se qualificou e aumentou suas reivindicações.

Francisco de Oliveira faz uma análise interessante e coerente sobre a crise do Estado-Providência, dizendo que "a crescente internacionalização retirou parte dos ganhos fiscais correspondentes ao investimento e à renda que o fundo público articulava e financiava", deixando para o Estado nacional a responsabilidade pela reprodução da força de trabalho e do capital, além de que os incentivos financeiros do fundo público deslancharam uma infinidade de inovações que não têm condições de servir à produção, com a parcela dos lucros auferidos, necessitando cada vez mais de recursos do Estado, sem regulação, numa volta do livre-mercado, segundo os ideais neoliberais. Essa crise estrutural do sistema capitalista tem levado a altas taxas de desemprego, que ajudam fortemente no desmantelamento do sindicalismo, forçando as economias a lutarem por novos mercados, num processo de competição desenfreada: impulsionando a criação de novos setores de produção e serviços, estabelecendo novas relações de trabalho e inovações de toda ordem. Os centros avançados do capitalismo inauguram um novo modo de acumulação, centrado na flexibilidade e altamente tecnologizado numa escala mundial, obrigando as economias periféricas a reposicionarem-se, com altos custos sociais. Para quem, como o Brasil, nem chegara ao verdadeiro Estado do Bem Estar, o problema se agudiza.

Como o objetivo desse texto não é fazer um estudo sobre o processo de desenvolvimento capitalista, nem tampouco ousar analisar as teorias econômicas, a incursão por estas deu-se em função da necessidade de tentar compreender um pouco dos meandros dos fenômenos surgidos, em determinados momentos históricos. A nova base produtiva, centrada na microeletrônica, informática, microbiologia e engenharia genética, capaz de criar novos materiais e fontes de energia (recurso escasso, indispensável ao desenvolvimento), diminui o uso de capital vivo e revoluciona o processo produtivo como um todo, incluindo as relações de trabalho.

Conforme já foi assinalado anteriormente, o conhecimento científico, técnico e administrativo e a informação são peças-chave, nesse novo modo de acumulação flexível global, num mundo transformado num hipermercado onde "todos" poderão entrar e fazer suas escolhas. Fica complicado compreender como todos terão acesso, se a lógica da excludência e competitividade são os pilares desse sistema.

A posse do conhecimento é determinante como vantagem competitiva e imprescindível nesse processo de produção, altamente informatizado, diferente da padronização fordista, que atuava com especializações. A rapidez na tomada de decisões, o trabalho cooperativo grupal, capacidade de inovar, a versatilidade, a mobilidade espacial se impõem como pré-requisitos aos trabalhadores estáveis, notadamente os que desempenham funções de supervisão de máquinas frágeis e vulneráveis, correspondendo a um grupo reduzido de empregados.

Esses indicativos talvez possam ajudar a compreender o porquê da preocupação educativa e humanística do empresariado com o trabalhador, nessa nova realidade, porque além da fragilidade da máquina, a empresa flexível atua na direção do defeito zero, na produção, como se pode ver no exemplo dado por Antunes, de uma fábrica japonesa em que os robôs fazem a maior parte do trabalho, mas que vivem que-brados sendo necessário o auxílio dos operários para prevenir e reparar os danos, ocasionando um incessante serviço, que não elimina o trabalho mas o qualifica.

A análise de Harvey sobre o mercado de trabalho norte-americano é reveladora, ao afirmar que os recursos humanos de alto nível, de direção, em número reduzido, usufruem de alguns generosos benefícios, como salário indireto e necessitam ter uma capacidade cognitiva, emocional e física considerável (aquelas qualidades de que já tratei repetidamente), trabalham em tempo integral, recebem promoção e reciclagem.Outro grupo é formado pelo pessoal facilmente descartável, mais administrativo, como secretária, pessoal do setor financeiro e serviços auxiliares, facilmente disponível no mercado. Geralmente não têm oportunidade de fazer carreira ou usufruir de capacitações.

Há ainda aqueles também periféricos, temporários, casuais que trabalham em tempo parcial, sem segurança no emprego - os chamados trabalhadores flexíveis ou seja, trabalham em qualquer lugar e se encaixam às determinações particulares das empresas. São esses que mais interessam ao processo de acumulação flexível.

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Na medida em que as necessidades de qualificação intensificam e a força de trabalho é tão móvel, além de numerosa, a discriminação e exclusão aumentam, notadamente para as minorias, no sentido sociológico do termo, negros, imigrantes. Ainda mais, a considerar-se a força da imagem e da aparência, os feios, velhos e deficientes também serão excluídos. Como parte desse novo modo produtivo, a terceirização oferece oportunidades para a abertura de pequenos negócios, que servirão às empresas maiores; ressuscitam oficinas artesanais familiares e outras estratégias de sobrevivência.

Quem regulará esse mercado perverso, se os trabalhadores deixam de ser atores com poderes de participar da disputa por seus direitos, já que as entidades sindicais estão sendo solapadas e também porque como poderão se organizar com interesses tão diferentes? Será que o mercado comporta tantos pequenos negócios, na lógica da competitividade? As indagações são muitas, mas preciso mapear a questão da centralidade da educação, objeto deste exercício intelectual.

DA ESCOLA AOS NOVOS ESPAÇOS DO CONHECIMENTO.

Muitos estudiosos da área de Educação, Economia, Ciências Sociais e Filosofia, de diferentes tendências ideológicas, têm-se ocupado do estudo da pós-modernidade. Destaco a análise de Hugo Assmann que evidencia que o mundo está imerso na "economia do conhecimento" (knowledge economy), a qual se caracteriza pelo predomínio das redes de informação e conhecimento, onde desponta um novo tipo de capital - informação - conhecimento; sendo portanto a educação escolar fundamental para "criar as condições para que desabrochem e se entrelacem, na vida concreta das pessoas, os nexos corporais, as linguagens e os comportamentos, de modo a poder constituir uma ecologia cognitiva favorável à auto-organização unificada de processos vitais e processos cognitivos."

Assmann, embora reconheça a importância, relativiza e particulariza o papel da instituição escola, em função de outras instâncias aculturadoras e socializadoras existentes na sociedade ampla, complexa e prevalente-mente urbana, como a mídia e a cibernética. Ressalto como mais relevante no posicionamento acima, o entendimento do autor da necessidade de sinonimizar processos vitais e processos cognitivos, considerando a aquisição de conhecimentos sistematizados como condição de viver.

Outro ponto da abordagem que, para mim, deve ser enfatizado é que o autor, mesmo criticando a crença exacerbada na capacidade do mercado, na lógica da exclusão e insensibilidade das pessoas, não sinaliza para outra alternativa de desenvolvimento da sociedade, fora da economia de livre-mercado.

Ladislau Dowbor defende a necessidade da criação de espaços de consensos entre diferentes atores sociais, como: empresa, escola, igreja, sindicatos, ONGs, diante do sistema vigente guiado pela lógica da competição. Se cada um partícipe da luta se isola nos seus posicionamentos, não há como mudar: "é importante entender que a transformação dos espaços do conhecimento não pode se dar apenas de dentro dos espaços da educação..." Encara a educação como "motor" da modernização.

Já Lemke posiciona-se diferentemente dos autores examinados acerca da educação para a pós-modernidade, rechaçando o papel da escola, tal como a conhecemos hoje; não acredita na sua adaptabilidade e flexibilidade aos futuros possíveis: "as escolas continuarão a existir em retalhos, mas se tornarão cada vez mais esparsas e menos relevantes ao sistema como um todo, em relação aos seus futuros."

A análise de Lemke é instigante e desafiadora, e vem reforçar uma realidade perversa, onde a competição divide o mundo entre vencedores e perdedores, sem lugar para solidariedade, para o prazer do encontro com a autoridade, para o compartilhar do prazer de captar o sentido do inútil, do lúdico. Ele valoriza a educação individual, única e solitária que se efetiva via ciberespaço. Quem terá possibilidade de acesso a esse universo? Não seria cruel, um educador acreditar na auto-regulação das espécies, num darwinismo social ?

Dowbor reconhece a função econômica, social, política e ideológica da escola, entretanto critica o modo dela educar através de livros-texto, por serem muito limitados, em função de uma gama enorme de informações existentes; sobrecarrega o poder das outras fontes, como a mídia, ciberespaço e as realidades virtuais. Enfatiza o papel da educação informal e do autodidatismo como regra da sociedade do futuro.

Há uma corrente representada por intelectuais que mesmo compreendendo a demanda por mais conhecimentos e informações, conseguem identificar outros horizontes possíveis para a humanidade, não se conformando com o determinismo capitalista como única possibilidade civilizatória, de inspiração neoliberal, extremamente excludente socialmente, onde o conhecimento, enquanto mercado-ria só poderá ser adquirido por poucos. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O resultado concreto deste trabalho não é conclusivo, mas com certeza se encaminha muito mais pela identificação de que a questão maior não é, portanto, a vinculação ou não da educação escolar, capacitação

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emocional, física e mental ao novo modo de produção que se inaugura, como condição de existência ou prosperidade desse processo de acumulação, denominado de flexível. Mas, como esses conhecimentos serão apropriados pelo conjunto de segmentos excluídos, que a considerar a lógica do sistema que o determina, será bastante desigual e até desumano. Se o olhar se dirigir para o que está acontecendo hoje nos Estados Unidos e, particularmente no Brasil, verifica-se que as elites dirigentes não estão se encaminhando na direção da sociedade do conhecimento, via escolarização e intelectualização de todos os partícipes sociais e, em especial das classes menos favorecidas.

Veja-se o que está acontecendo, por exemplo, nas escolas elementares e secundárias de Los Angeles, onde estão sendo eliminadas, dos currículos, áreas não consideradas essenciais (o contrário do que está sendo dito e escrito hoje, pelo menos no Brasil) como arte, música, línguas estrangeiras, ao mesmo tempo em que está sendo veiculado nas salas de aulas um programa de notícias de televisão comercial - Canal Um, dividido entre dez minutos de notícias nacionais e internacionais e dois minutos de propaganda.

Ora, exige-se tanto do novo trabalhador e pergunta-se como este alcançará níveis tão altos de exigências intelectuais e operativas, se a educação que lhe é oferecida fica tanto a desejar até nos países mais desenvolvidos como o exemplo dos Estados Unidos, em que a cultura humanística é dispensável em troca da instrumental.

Veja-se o caso do Brasil na profissionalização do ensino médio, preconizada pelo MEC, em que se pretende eliminar do currículo desse ensino as disciplinas consideradas dispensáveis, por não estarem diretamente relacionadas à profissão à qual o estudante se destina, enquanto que para uma minoria se aumenta o nível de exigências para ingresso nos cursos superiores de boa qualidade.

Sabe-se que informações precisam ser processadas, criticadas e selecionadas para cumprirem um papel importante na formação dos homens e que para isso acontecer, há necessidade do domínio de um ferramental intelectual, capaz de fazê-los avançar e não apenas assumir tais informações como verdades absolutas, o que se exerce pelo poder da crítica, que só a cultura humanística é capaz de propiciar. Por outro lado, numa sociedade competitiva, injusta e solitária como humanizar o homem, sem que tenha acesso à cultura "inútil", do ponto de vista capitalista, sem desenvolver ou estimular a sensibilidade, advinda do convívio enriquecedor com as artes.

Além disso, o governo Bill Clinton está reduzindo drasticamente os programas de auxílio aos desempregados, mães solteiras, imigrantes, como produto da visão de que todos têm chances no mercado, bastando apenas esforço pessoal, capacidade de iniciativa, espírito de empreendimento de cada um.

No Brasil, a situação não é diferente, basta ver o que aconteceu com a nova Lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira, produto de amplos debates nacionais, mutilada por forças conservadoras no que havia de maior interesse para a classe trabalhadora: gratuidade do ensino em todos os níveis, autonomia das universidades, melhores condições gerais para os professores, dentre outros.

Ao longo deste trabalho, procurou-se examinar como a educação se situa no espaço da transição do Fordismo-Keynesiano para a acumulação flexível, globalizada. O acesso ao conhecimento científico, técnico, administrativo é fundamental ao desenvolvimento da sociedade, só que a nenhum mercado é viável a distribuição democrática de seus produtos, sob pena de deixar de ser mercado. Ainda mais, todo mercado tem de oferecer mercadorias de qualidade e preços diferenciados, para atender a todos que o procuram, o que, na verdade, é indispensável para sua manutenção e expansão. Cada um comprará o que lhe for possível, o que não significa fazer escolhas. Pois não existe outras alternativas.   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:  ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995.APPLE, Michael W. O que os pós-modernistas esquecem: capital cultural e conhecimento oficial.In GENTILI, Pablo & SILVA, Tomas Tadeu da. (org).Neoliberalismo, Qualidade total e educação: Visões críticas: Petrópolis -RJ:Vozes,1994.ASSMANN, Hugo. Pós-Modernidade e agir pedagógico. Palestra proferida no VIII Encontro nacional de didática e prática de ensino: Florianópolis-SC, 09.05.96.______________. Paradigmas educacionais e corporeidade. Piracicaba-SP: Editora UNIMEP, 1995.______________. Treze colocações sobre a qualidade cognitiva e social da educação. Palestra promovida no V seminário de Pedagogia, na Universidade do Extremo Sul Catarinense, 22.06.96.CAVALCANTI, Fernando Celso Uchoa & Pedro Celso Uchoa.Primeiro Cidadão, depois consumidor. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.CIGNOLLI, Alberto. Estado e força de trabalho.(tradução Julio Assis Simões) São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.DIMENSTEIN, Gilberto. Folha de S.Paulo, caderno Mundo-22, 04.08.96.DOWBOR, Ladislau. O espaço do conhecimento. INTERNET. 11.04.96

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DEMOCRACIA INSTITUCIONAL NA ESCOLA: DISCUSSÃO TEÓRICA  José Camilo dos Santos Filho10

  RESUMO 

Entre a estatolatria dos que condenam o mercado e a privatização das empresas estatais ou das escolas públicas e a glorificação do mercado e a satanização do público, existe a via média ou o caminho da superação destes opostos que é a alternativa da democracia institucional ou o "caminho da autonomia cidadã". Neste novo papel, o Estado assumirá a função de principal articulador das políticas sociais, mas não deterá o direito exclusivo de formulação e execução destas políticas. A utopia de democracia institucional escolar será a resposta adequada aos novos tempos para superar ao mesmo tempo o estatismo desmobilizador e o privatismo conservador. Neste novo modelo, a escola será estatal em seu financiamento, pública em seu destino e comunitária em sua concepção e gestão. Três dimensões relacionadas ao tema da democracia institucional serão tratadas neste trabalho, a saber: (1) alguns marcos históricos relevantes deste processo; (2) alguns obstáculos teóricos e empíricos a esta tendência; e (3) alguns fundamentos teórico-políticos da democracia institucional na escola. 

INTRODUÇÃO 

Literatura sobre descentralização distingue uma dupla forma de descentralização: a descentralização política e a organizacional. Na descentralização política dá-se um controle local semi-autônomo, em geral feito através de conselhos compostos por pessoas eleitas pelos cidadãos ou escolhidas por autoridades oficiais. Na descentralização organizacional ocorre a delegação de autoridade pela cúpula central para determinados tipos de decisões que passarão a ser tomadas em escalões inferiores da hierarquia.

Brown (1990) constata o aparecimento de três tipos de descentralização política: a criação dos sistemas estaduais de educação, a proposta de planos de seguro para garantir aos pais a escolha do tipo de escola que desejarem para seus filhos e a proposta da gestão baseada na escola. Brown, inspirado em escritos de economistas políticos, entende que a propriedade pública das escolas está separada do seu controle público. Em função deste princípio, considera que "alguma forma de participação direta dos pais [e acrescentaríamos, dos estudantes] no governo da escola é logicamente consistente com a necessidade de contrapor a separação da propriedade e controle e o auto-interesse dos educadores" (Brown, 1990, p. 72). Na descentralização organizacional dá-se a descentralização do poder decisório dentro da própria organização a fim de torná-la mais flexível, mais ágil e mais efetiva. A teoria da descentralização organizacional em educação tem como principais efeitos a criação de novas estruturas, a flexibilidade, a responsabilização ("accountability"), a produtividade e a mudança (Santos Filho e Carvalho, 1993).

A delegação de poder para os níveis inferiores da gestão da educação levou, na década de oitenta, à adoção em alguns países como o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, os Estados Unidos e o Reino Unido, do novo enfoque de administração chamado "gestão baseada na escola". Este tipo de gestão pode ser definido como uma estrutura que torna a escola a unidade básica de administração num distrito escolar (Garms, Guthrie e Pierce, 1978). Herman (1990) define a gestão baseada na escola como uma estrutura e processo que permite maior poder de tomada de decisão com relação às áreas de ensino, orçamento, políticas, normas e regula-mentos, corpo docente e todo assunto de governo, é um processo que envolve uma variedade de agentes nas decisões relacionadas a uma escola concreta e individual (p. 2).

Entre os cinco elementos comuns de toda gestão baseada na escola, Herman e Herman (1992) apontam um que implica a existência, no nível da escola, de "um número de atores – administradores, professores, para-profissionais, pais, estudantes, membros da comunidade e empresários locais - [que] tomam decisões que afetam a escola individual" (p. 262). De modo semelhante, Hallak (1992) inclui entre os dez pontos que caracterizam a gestão baseada na escola, a criação de novas estruturas de participação, tais como conselhos, foros, etc., para "abrir espaço efetivo de participação para os diferentes atores no governo da escola. Além do diretor e dos professores, são atores nestes órgãos os pais de alunos, os representantes das comunidades locais e, às vezes, os estudantes e os empresários da localidade" (p. 20).

A perspectiva da teoria de governo estabelece que as mudanças dos arranjos formais do processo de tomada de decisão da gestão baseada na escola alteram as relações de influência passando a atribuir o poder de decisão para os conselhos escolares e tornando as escolas mais bem sucedidas com seus clientes, mais "responsivas" a seus constituintes e mais merecedoras de apoio público (Malen, Ogawa e Krantz, 1990).

10 Faculdade de Educação UNICAMP

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A administração da escola constitui um instrumento de mediação das relações de poder dentro dela. Quando administrada no sistema de co-gestão ou de quase-autonomia escolar, haverá lugar para a autoridade do professor, para a participação do aluno e para o envolvimento dos pais e da comunidade no seu processo de decisão.

A participação na gestão da escola implica no poder real de tomar parte ativa no processo educacional, tanto no nível microssocial como no macrossocial, por parte de todos os envolvidos nesse processo, ou seja, os alunos, pais de alunos, professores, administra-dores do sistema educacional e da escola e inclusive grupos sociais organizados. Esta participação implica em que estes agentes tenham um papel ativo nas decisões sobre a elaboração das políticas educacionais, sua execução e o controle de sua aplicação (Sánchez de Horcajo, 1979).

A participação na gestão da escola pode dar-se numa gama variada de possibilidades, quer no grau de integração dos grupos envolvidos quer no grau de participação de cada um destes grupos (Sánchez de Horcajo, 1979). Pais e professores podem possuir o poder de co-gestão, mas aos alunos pode ser concedido apenas o poder de consulta. A adoção de um estilo participativo de gestão da escola constitui uma forma concreta de contribuir para o desenvolvimento da democracia na escola e na sociedade. Um aprofundamento desta última temática, dos obstáculos para sua implementação e dos benefícios de sua adoção será feito a seguir.

Associados à idéia de democracia institucional na escola estão temas como descentralização, autonomia, participação, gestão democrática e cidadania. A discussão ou o debate teórico subjacente a todos estes temas é o problema da opção entre o Estado máximo e o Estado mínimo. Aquele quer cuidar, ad-ministrar e controlar diretamente todos os serviços que oferece à população que assim se deseduca à participação, ao envolvimento direto e ao controle das políticas e ações dos governantes. Este, ao contrário, quer transferir tudo, inclusive as atribuições típicas dos governos desde o aparecimento do Estado liberal moderno, para a esfera do mercado que tende a reinstalar a prática primitiva do capitalismo selvagem.

Entre a estatolatria dos que condenam o mercado e a privatização das empresas estatais ou das escolas públicas e a glorificação do mercado e a satanização do público existe a via média ou o caminho de superação destes opostos que é a alternativa da democracia institucional ou, na expressão de Romão e Gadotti (1995), "o caminho da autonomia cidadã" (p. 95). Neste novo papel, o Estado assumirá o papel de principal articulador das políticas sociais, mas não deterá o direito exclusivo de formulação e execução destas políticas. A utopia da democracia institucional escolar será a resposta adequada aos novos tempos para superar ao mesmo tempo o estatismo desmobilizador e o privatismo conservador. Neste novo modelo, a escola será estatal em seu financiamento, pública em seu destino e comunitária em sua concepção e gestão. Outra alternativa dentro desta mesma via média, ao mesmo tempo independente do Estado e das leis do mercado é o movimento das escolas comunitárias e das escolas cooperativas sem fins lucrativos e de propriedade coletiva resultantes da iniciativa da sociedade civil organizada. Segundo Robert Kurz, esta será a onda do futuro como resposta alternativa a muitas necessidades humanas.

Quatro dimensões mais diretamente relacionadas ao tema da democracia institucional escolar, pela sua vinculação próxima com o objeto desta pesquisa, serão tratadas a seguir. A primeira resenha alguns marcos históricos relevantes deste processo; a segunda examina alguns obstáculos teóricos e empíricos a esta tendência; a terceira discute alguns fundamentos teórico-políticos da democracia institucional e a quarta explora as possibilidades de implementação desta nova política e os benefícios ou conseqüências pedagógicas resultantes para todos os envolvidos na sua implantação. Antecedentes históricos da Democracia Institucional 

Um estudo bastante detalhado do movimento de autonomia na escola, pelo menos até 1948 foi feito por Piaget e Heller (1968). Na história deste tema, a autonomia sempre esteve associada à liberdade individual e social, à ruptura com a burocracia centralizadora e mais recentemente à transformação social. Ela é valorizada tanto em termos diretamente pedagógicos, como instrumento de socialização progressiva da criança, como no contexto organizacional e administrativo da gestão da escola. Alguns educadores já chegaram a definir a educação como o processo de passagem da anomia, pela heteronomia, para a autonomia. A autonomia é um conceito recorrente na obra de diversos clássicos da educação. Locke concebe-a como "autogoverno", no sentido moral de autodomínio individual. Makarenko e Pistrak a definiram como "auto-organização dos alunos" (Pistrak, 1982). Adolph Ferrière e Piaget consideram-na como importante no processo de socialização gradativa da criança. Alexander Neill organizou a escola de Summerhill e entregou-a ao controle autônomo dos alunos.

Mais recentemente, George Snyders e Cornelius Castoriadis fizeram interessantes reflexões sobre o tema da autonomia. Snyders (1977) diz que a autonomia, embora relativa, deve ser conquistada permanentemente e que a escola deve preparar o indivíduo para a autonomia pessoal, a inserção na comunidade e a transformação social. Castoriadis (1982) concebe a autonomia como "o domínio do consciente sobre o inconsciente que é o discurso do

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outro" (p. 123), ou seja, a alienação. Esta se dá quando o discurso estranho nos invade, nos domina e fala por nós. A educação como processo de conscientização ou desalienação representa a conquista da autonomia.

A tentativa de implantação efetiva da autonomia escolar e da gestão democrática da escola se deu especialmente após o movimento estudantil de 68 no mundo ocidental, como uma forma restrita, mas efetiva de realização da utopia dos jovens daquela década. "Escolas livres" ou alternativas surgiram especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra como instrumento de superação da escola tradicional, tecnicista e burocrática do Estado. Ainda nos Estados Unidos, começaram a florescer as escolas confessionais católicas como instituições mais eficientes que as escolas públicas. No Canadá criaram-se inúmeras escolas comunitárias que até hoje são administradas pela comunidade e mantidas pelo poder público.

No Brasil, sempre existiram experiências isoladas de gestão colegiada de escolas, mas sem repercussão sobre o sistema de ensino (Vianna, 1986). Vinculadas a iniciativas isoladas de alguns educadores, logo eram interrompidas quando estes deixavam a escola (Passos, 1988). A partir dos anos 70, em pleno regime militar, surgiu uma onda de escolas alternativas que buscavam autonomia institucional diante da burocracia e controle estatal. Algumas delas se organizaram como cooperativas, outras como comunitárias e outras ainda como cooperativas e comunitárias. Todas representavam alguma forma de alternativa e resistência da sociedade civil à burocracia do sistema de ensino oficial precário e ineficiente. Precursora deste movimento, embora dentro de outra perspectiva, foi a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC), iniciada em 1943. Ainda na década de 70, mas dentro do próprio sistema, apareceram alguns políticos dissidentes que nos seus mandatos como prefeitos implantaram algumas escolas que se abriram à participação da comunidade. Especial-mente conhecidas ficaram as experiências de Lages, Boa Esperança e Piracicaba (Santos Filho, 1992; Cunha, 1991; Neptune, 1989).

Na década de 80, praticamente no mundo inteiro, começou um forte movimento de descentralização e de busca de autonomia e gestão colegiada das escolas dos sistemas públicos de ensino. Experiência pioneira começou em 1975 em Edmonton, Canadá, onde se implantou uma gestão baseada na escola com crescente expansão da autonomia financeira, pedagógica e administrativa (Caldwell, 1989). Em seguida, alguns Estados americanos e algumas províncias da Austrália começaram a adotar política semelhante (Caldwell, 1989). Na mesma trilha, seguiu a Inglaterra que iniciou seu processo de descentralização e de transferência de autonomia para as escolas públicas em 1980 e o concluiu em 1988.

Nesta mesma década de 80, ocorreram também importantes avanços no Brasil dentro desta mesma tendência mundial. Em 1982, quando ainda no regime militar os governadores dos Estados voltaram a ser eleitos, iniciativas de governadores de alguns Estados trouxeram avanços importantes na direção da gestão democrática e da autonomia das escolas. O Foro de Educação do Estado de São Paulo (1983-84), na gestão do Governador Montoro, estimulou o debate sobre a necessidade de um novo modelo de escola pública. Tendo como lema de campanha o slogan "descentralização e participação", Montoro logo que assumiu o poder descentralizou a merenda escolar para o nível municipal e trans-formou o conselho consultivo das escolas públicas em conselhos deliberativos, mas não conseguiu ampliar a autonomia das escolas. Em Minas Gerais, através do Congresso Mineiro de Educação (1983-84), o governo estimulou a escola pública a reformular suas propostas curriculares e aprovou a implantação do colegiado escolar e o sistema de eleição dos diretores das escolas. O colegiado porém não saiu do papel. Em Santa Catarina, o governador de partido conservador mobilizou o Estado inteiro na elaboração do plano estadual de educação e implantou o sistema de eleição dos diretores das escolas pela própria comunidade (Santos Filho, 1992). Todas estas iniciativas governamentais, de algum modo estancaram ou mesmo sofreram um retrocesso no mandato dos governadores subsequentes. Uma reversão desta tendência conservadora ocorreu em 1988, quando o Brasil promulgou uma nova constituição na qual instituiu explicitamente a "democracia participativa" e a possibilidade de o povo exercer o poder "diretamente" (Art. 1º). No que se refere à educação, a Constituição estabeleceu como princípios básicos o "pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e a "gestão democrática da escola pública" (Art. 206). Como observa Gadotti (1995), "estes princípios podem ser considerados como fundamentos constitucionais da autonomia da escola" (p. 97). Na trilha da Constituição Federal, as constituições estaduais e as leis orgânicas dos Municípios (umas mais, outras menos explicitamente) ratificaram o princípio da gestão democrática da escola pública e muitos governos estaduais e municipais criaram conselhos escolares e implantaram a política de eleição de diretores de escolas. Nesta mesma linha de princípios, o projeto de LDB que, desde 1989 se encontrava no Congresso, também endossou estas diretrizes e buscou explicitá-las um pouco mais.

No início da década de 90, o Governo de São Paulo implantou o projeto de "escolas-padrão" em mais de mil escolas e ampliou a autonomia financeira destas escolas através da criação da "caixa de custeio", gerida pelo colegiado escolar. Em Minas Gerais, o governo do Estado aprofundou o grau de autonomia das escolas da rede repassando os recursos financeiros de forma global para as escolas que, através de seus colegiados, passaram a definir suas prioridades de gastos. Inovações semelhantes, seja na criação do colegiado escolar, seja no aumento da autonomia financeira das escolas, foram introduzidas em inúmeros municípios do país (Romão e Gadotti, 1995).

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Ainda na década de 90, uma nova onda de escolas cooperativas começa a surgir, a partir de grupos de pais, de entidades representativas de categorias profissionais, organizações não governamentais, grupos comunitários etc. Um exemplo típico desta iniciativa é a Associação do Banco do Brasil que vem criando escolas cooperativas em diferentes regiões do país. No lado governamental, aparece em 1991 a iniciativa da Prefeitura de Maringá que tenta transformar suas escolas públicas em escolas cooperativas, mas a experiência foi interrompida no final da administração e sepultada na do prefeito seguinte (Romão e Gadotti, 1995).

Obstáculos teórico-empíricos à democracia institucional 

Antes de apontar os argumentos que fundamentam a necessidade da adoção da democracia institucional na escola, é importante indicar algumas posições e teses que procuram justificar a inevitabilidade da presença de estruturas organizacionais hierárquicas em qualquer organização. Esta visão funcionalista da estrutura escolar é porém empiricamente incorreta e normativamente inadequada à instituição educacional, como será posteriormente demonstrado.

A rejeição da necessidade técnica da hierarquia leva à busca de alternativas democráticas para a organização escolar. Estas alternativas em geral incorporam a necessidade de maior e mais ampla participação no processo de decisão educacional, o que implica na adoção do princípio de devolução de autoridade, poder e responsabilidade para a comunidade escolar e para os processos compartilhados de tomada de decisão. Nesta perspectiva, a democratização das relações sociais é um requisito fundamental da emancipação humana. Foster (1989) defende que a liderança em educação deve se preocupar com a transformação dos valores e que este propósito é melhor alcançado em organizações que estão comprometidas com finalidades sociais como democracia, justiça e liberdade. A defesa da participação no processo de tomada de decisão educacional é feita tanto por adeptos da teoria crítica como por representantes da tradição democrática liberal. A importância da democracia participativa em educação é defendida por Patricia White (1983), inspirada na tradição democrática liberal. Mais recentemente Maxcy (1985) usa os escritos educacionais de Dewey para ilustrar a relação filosófica entre os conceitos "participação" e "educação".

A defesa da democracia organizacional por estes autores implica na eliminação da distinção entre líderes e liderados no sentido estrutural e na negação de sua institucionalização. Sendo a lide-rança um fenômeno de emergência organizacional, torna-se possível justificar a democracia institucional como moralmente desejável e praticamente viável. Mas diante das organizações escolares complexas, cabe indagar se a democracia organizacional é plausível. A resposta de um grande número de teóricos, entre eles cientistas políticos, sociólogos e teóricos de administração, é de que a liderança hierárquica é inevitável nas organizações complexas. A seguir serão examinados especial-mente os dois argumentos do sociólogo Robert Michels (1958) aplicados à organização educacional. Ambos os argumentos relacionam-se à sua "lei de ferro da oligarquia", ainda hoje influente. A estes argumentos serão posterior-mente contrapostos os que defendem o valor e a possibilidade da democracia institucional. A lei de ferro da oligarquia 

Os escritos dos sociólogos Pareto (1935), Mosca (1939) e Michels (1958, originalmente elaborado em 1915) forneceram os argumentos mais contundentes contra a possibilidade da democracia organizacional. No começo deste século, cada um destes autores defendeu em suas obras a inevitabilidade e a necessidade da liderança hierárquica nas sociedades modernas. A crescente complexidade das sociedades tornaria utópico e irrealizável o sonho da democracia organizacional. Donde o surgimento de uma elite de governantes torna-se inevitável, apesar de todos os esforços humanos de resistência ao seu apare-cimento. Deter-nos-emos no exame dos argumentos de Michels porque seus escritos são mais recentes do que os de Pareto e Mosca e porque tentou aplicá-los especificamente às organizações que pretenderam sem sucesso adotar a democracia. Simpático aos ideais democráticos, Michels tentou explicar o seu fracasso na prática. Seus argumentos serão expandidos por alguns teóricos da educação e da administração. Enquanto as teorias políticas do século XIX eram em grande medida normativas e especulativas, Michels tentou fazer uma teorização da natureza e objeto do poder da elite a partir de uma perspectiva empírica. Segundo ele, os teóricos do passado estavam mais preocupados em fazer recomendações sobre a política do que em descobrir os princípios subjacentes à prática política e administrativa dos sistemas políticos. Em sua abordagem positivista do fenômeno político e da liderança, Michels acreditava na neutralidade e objetividade dos fatos sociais, dissociados de qualquer conotação ética.

Para Michels, a pesquisa científica de um fenômeno empírico implica na testagem de hipóteses com fatos. A hipótese que ele desejava testar era sua famosa "lei de ferro da oligarquia" que afirmava que a liderança é um fenômeno necessário em toda forma de vida social e que era necessária à sobrevivência organizacional. Para comprovar sua hipótese Michels procurou estudar organizações que pudessem representar contra-exemplos à sua

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lei de ferro, ou seja, justamente aquelas organizações que buscavam adotar a igualdade e a democracia em sua estrutura interna de tomada de decisão. Nelas buscava-se distribuir o poder de modo igualitário e elegiam-se os líderes que deveriam atuar como representantes dos liderados. Mesmo nestas organizações, Michels encontrou tendências ao controle da organização por uma elite, pois uma pequena minoria tomava as principais decisões e não podia ser controlada pela maioria, apesar do uso de vários mecanismos democráticos. Para assegurar seus interesses, esta minoria manipulava os processos eleitorais, utilizando a coerção e a propaganda habilidosa. Mais ainda, a própria maioria ficava feliz em ser governada, liderada e manipulada. Donde, nenhuma estratégia para assegurar a responsabilização dos líderes à maioria impedia a supremacia da minoria. Esta, por seu poder, organização e habilidades políticas ou pessoais, sempre tinha maior potencial para preservar sua dominação. Na interpretação de Michels, estas observações confirmavam sua lei de ferro da oligarquia.

Em base a este princípio, Michels conclui que as organizações concedem poder a um grupo de líderes que deixam de prestar contas a seus liderados. "A for-mação de oligarquias dentro das várias formas de democracia - escreve Michels (1958, pp. 365-366) - é resultado de uma necessidade orgânica e, consequentemente, afeta toda organização, seja ela socialista ou mesmo anarquista". Para Michels, há dois fatores que causam esta necessidade orgânica - um fator organizacional e um fator psicológico. O primeiro constitui o "argumento da eficiência" e o segundo - o "argumento da apatia das massas".

O argumento da eficiência da organização 

Na ótica de Michels, a oligarquia é um produto inevitável do princípio de organização. Onde há organização há também oligarquia. Ou, na expressão do próprio Michels (1958), "quem diz organização, diz oligarquia" (p. 418). A organização implica a tendência à oligarquia. Em cada organização, seja ela um partido político, um sindicato profissional, ou qualquer outra associação, a tendência aristocrática manifesta-se muito claramente... Como resultado da organização, cada partido ou organização profissional torna-se uma minoria de diretores e uma maioria de dirigidos (Michels, 1958, p. 37). Donde, conclui Michels, a estrutura racional e hierárquica parece ser intrínseca à organização para assegurar sua continuidade. O tamanho e a complexidade das organizações modernas são tais que requerem competência técnica para assegurar a consecução de seus objetivos. Ora, tentar envolver todos os membros da organização na tomada de decisão levará ao amadorismo e confusão neste processo. As organizações para serem eficientes e efetivas em suas ações precisam estabelecer uma política coordenada, um plano de ação e uma estrutura administrativa, mas estas atividades requerem competência que a maioria de seus membros não possui. Donde a idéia de participação das massas numa organização entra em conflito com os princípios de administração profissional e técnica. Este "argumento da eficiência" utilizado por Michels para descartar a viabilidade da participação e da democracia nas organizações é apoiado por alguns recentes filósofos da educação e por algumas teorias de administração, mas criticado por outras.

Wilson e Cowell (1983) afirmam que democracia é um mito, uma questão de estilo, doutrina ou ideologia. Como conceito teórico, ela carece de precisão conceitual. De modo semelhante, Barrow (1981) considera irrelevante o problema da democracia em sua relação com a tomada de decisão educacional. Ele não vê razão para se lamentar se algumas escolas são administradas de modo democrático e outras de forma autocrática. O que importa, na ótica de Barrow, é que a tomada de decisão seja conduzida por aqueles que possuem as qualidades requeridas, entre as quais deve incluir-se a "competência filosófica".

Para Barrow, Wilson e Cowell, a democracia pode ser um modo menos eficiente de desenvolver as políticas educacionais do que os modos de tomada de decisão baseados em competência específica, ou nas qualidades requeridas. Segundo o princípio da eficiência, as decisões educacionais devem ser tomadas pelos que são capazes de tomar decisões racionais, ou seja, pelos que possuem um conjunto especial de habilidades e conhecimentos, entre os quais a "competência filosófica".

O argumento da eficiência também está presente na teoria de administração fundada nos escritos de Michels e especialmente numa interpretação positivista dos escritos de Max Weber (1970). Segundo esta leitura de Weber, a tomada de decisão eficiente e efetiva requer uma hierarquia clara de comando e responsabilidade. Muitas decisões, especialmente aquelas de caráter técnico ou as que requerem uma grande velocidade de resposta, não podem ser tomadas por todos os membros da comunidade de uma maneira democrática. As decisões desta natureza precisam ser tomadas por um corpo de elite de pessoas qualificadas, com habilidades técnicas, conhecimentos e "competência filosófica". A administração eficiente das organizações inviabiliza a forma participativa de tomada de decisão, pois participação e eficiência são dimensões mutua-mente exclusivas. Em suma, em nome do argumento da eficiência, a participação e a democracia nas instituições e organizações são inadmissíveis.

Cabe agora indagar critica-mente e com maior cuidado se de fato eficiência e participação são conceitos incompatíveis. Inicial-mente é importante realçar que a noção de eficiência de Michels e de Weber articula-se a um determinado entendimento de racionalidade. Esta visão de racionalidade centra-se na tese positivista de que proposições de fatos e julgamentos de valor são logicamente distintos e que somente fatos podem ser avaliados

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racionalmente (Rizvi, 1989). Ou seja, a única racionalidade prática possível é a racionalidade de correlacionar eficiente e efetivamente os meios aos fins.

Segundo esta visão técnica e burocrática de racionalidade, a função do administrador é a de formular racionalmente meios para a consecução de determinados meios. A própria burocracia é vista como um instrumento de eficiência, sendo neutra com relação aos fins a que deve servir. A eficiência é considerada moralmente neutra e está preocupada com a realização dos fins, sem colocar em questão a sua moralidade. Serão racionais as decisões administrativas que mais eficientemente levarem à consecução dos fins predeterminados. Ora, esta separação entre fatos e valores no contexto das ações humanas é questionável. Não só os fins como os próprios meios são escolhas e estas, em última instância, são permeadas por valores e opções ideológicas. A ilusão de neutralidade nas ciências sociais e nas ações humanas é insustentável (Santos Filho e Sanchez Gamboa, 1995).

Três outras críticas podem ser feitas ao argumento da eficiência de Michels: primeiro, a própria ambigüidade do conceito de eficiência; segundo, o entendimento equivocado do processo de decisão; e terceiro, o equívoco de que a decisão na democracia organizacional seja necessariamente ineficiente.

O problema conceitual tem a ver com a noção de eficiência que, na teoria de Michels, é extremamente genérica, pois ela não faz referência alguma a critérios mais específicos. Como observa Fay (1975), a eficiência não pode ser julgada sem referência a estes critérios. Quando se fala de eficiência, tem-se que ter um referente mais concreto, tem-se que indagar: eficiência em termos de que - custos? Trabalho humano? Sofrimento? Tempo? Etc. Enquanto estas questões não puderem ser respondidas, não há base de escolha entre alternativas em termos de eficiência. Também MacIntyre (1981) confirma esta crítica ao conceito de eficiência de Michels. Para ele, existe um gap crucial entre o conceito geral de eficiência e sua aplicação prática em situações concretas. Critérios sobre quando e como a eficiência deveria ser julgada não são fornecidos pela tradição positivista de Michels e Weber. Mais ainda, os critérios de eficiência não podem ser puramente técnicos e neutros pois os mais eficientes critérios para alcançar os fins estão eivados de julgamentos de valor. Ou seja, a noção de eficiência está profundamente imbricada com valores. De modo especial em educação, a distinção meio-fim não é estritamente aplicável, pois a educação é uma atividade com preocupações morais, políticas e culturais. A busca da eficiência pela eficiência no processo educacional subverteria outros objetivos educacionais mais importantes.

O argumento de que a participação ou os processos democráticos de tomada de decisão são ineficientes e produzem decisões necessariamente menos eficientes e menos racionais do que os efetivados centralmente por especialistas independentes baseia-se num conceito equivocado de tomada de decisão. O argumento da eficiência parte da suposição de que a tomada de decisão é um ato singular, ou um ato de um tomador de decisão. No entanto, raramente a decisão é tomada apenas por um indivíduo isoladamente. Uma decisão sempre passa por uma série de etapas, tais como, projeto, discussão, deliberação, mobilização do público para apoiá-la. Todas estas etapas se superpõem e a decisão final pode ser vista como o resultado de um processo acumulativo de decisões menores nas quais muitas pessoas podem ter tomado parte. Em suma, a tomada de decisão é um processo e não um ato individual, sendo o resultado da decisão o ato formal que encerra a deliberação sobre o problema. Esta deliberação final pode ter sido tomada por poucas pessoas, possivelmente os chamados experts, os "líderes administrativos" ou os "filosoficamente competentes". Mas este resultado da decisão reflete uma acumulação de passos que podem ter envolvido um conjunto de modificações na proposta original, tais como concessões, acréscimos e sínteses com propostas rivais, etc.

O entendimento da tomada de decisão como um processo dinâmico e historicamente informado permite reconhecer que existe um espaço lógico para a participação de uma série de pessoas no processo de decisão, além simplesmente do envolvimento dos experts. Quanto à decisão educacional, poderia haver um importante espaço de participação para a comunidade mais ampla que inclui os alunos, os professores e os pais. Neste processo participativo continuará havendo lugar para os especialistas que teriam a tarefa de fornecer a informação necessária para ilustrar as pessoas que não podem ter fácil acesso a esta. Como afirma Rizvi (1989), considerando que o processo de decisão é uma atividade não diferenciada, "há sempre estágios que requerem e que podem beneficiar-se da ampla participação de todos aqueles que são afetados, embora remotamente, pelas decisões em questão" (p. 216).

A afirmação de que a democracia organizacional sempre produz decisões ineficientes também não parece correta. Num trabalho recente, Evers (1988) verificou que em geral não é verdadeira a afirmação de que os modos hierárquicos de organização tendem a produzir decisões eficientes. Como o conhecimento dos dirigentes de uma organização é sempre falível, Evers argumenta que uma estrutura democrática de tomada de decisão permite que a decisão seja tomada de modo adaptativo, ou seja, numa base de sucessivas instâncias de aprendizagem e de feedback. E Rizvi (1989) conclui:

Em sistemas democráticos, os erros podem ser mais efetiva e compreensivamente corrigidos, o que claramente asseguraria uma tomada de decisão mais eficiente. Tem sido defendido por um número de recentes cientistas sociais que, em vez de a democracia organizacional ser ineficiente, como um seguidor

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de Michels poderia afirmar, ela pode na verdade, se conduzida dentro de estruturas participativas genuínas, aumentar a 'eficiência' organizacional. Assim a afirmação empírica com relação à ineficiência das organizações democráticas, feita por Michels, pode ser desafiada por esta pesquisa (p. 216).

Muitos teóricos recentes das organizações, como Fischer e Siriaani (1984) e Crouch e Heller (1983), coletaram uma série de evidências empíricas suficientes para negar a tese de Michels e afirmar que a participação é uma condição necessária para se conseguir maior eficiência, quando este termo é entendido no sentido de satisfação de interesses de longo prazo e não objetivos técnicos de curto prazo. Segundo Fischer e Siriaani, a participação encoraja e desperta o compromisso com os objetivos comuns formulados pelos próprios participantes. A participação induz ainda o empreendimento, a iniciativa, a imaginação e a confiança para experimentar numa variedade de direções, revertendo em maior utilidade para toda a organização. Eles afirmam ainda que as pessoas que pertencem a uma determinada comunidade conhecem melhor seus interesses e a decisão será mais eficiente se levar em conta estes interesses que precisam ser expressos para os administradores. Em suma, a participação poderá promover a eficiência, aumentar a produtividade e alcançar os objetivos da organização porque poderá despertar o compromisso com a comunidade e com o ethos organizacional.

O argumento da apatia das massas 

Segundo o argumento da apatia das massas, muitas pessoas são politicamente apáticas e ficam felizes que uma minoria que ambiciona a liderança tome decisões em nome dela. Michels afirma a democracia plena e participativa é impossível porque há existência de certos traços psicológicos permanentes tanto entre a massa de membros de uma organização como entre sua liderança. Na sua ótica, a massa tem grande necessidade de direção e orientação e uns poucos têm as habilidades necessárias e o desejo de assumir o poder.

Os cientistas políticos dos anos 50 e 60, embora não tenham aceito plenamente a lei de ferro da oligarquia, aceitaram a tese de Michels de que a apatia pública geral era inevitável em todas as organizações e este fato era incontestável. Em nome de um certo grau de realismo a respeito da natureza da democracia nas sociedades ocidentais, Dahl (1961) afirmava que as políticas dos estados não são o resultado da articulação dos desejos das grandes massas mas a constante satisfação dos desejos de um número relativamente pequeno de grupos de interesse cujas preferências são negociadas por suas elites. Estes novos realistas se viram como cientistas sociais empíricos interessados nas formas existentes de comportamento e interesse políticos. Constatando desorganização, ignorância e apatia nas massas, concluíram que a democracia organizacional era impossível e negaram qualquer significado efetivo às expressões "interesse público", "bem comum" ou "voz democrática". Rejeitando a teoria de democracia clássico-normativa, procuraram redefinir a democracia em termos de procedimentos. Ou seja, a democracia significa apenas a eleição de líderes que irão agir em nome do público votante. Como conclui Rizvi (1989), "a aceitação da premissa da apatia foi traduzida na crença de que nada mais se poderia esperar das massas do que a deposição de um voto de vez em quando" (p. 219).

O argumento da apatia das massas reapareceu mais recentemente como teoria da elites. Dye (1981) e Zey-Ferrel e Aitken (1981) argumentam que, dada a apatia das massas, a tomada de decisão política e organizacional é vista como uma competição das elites. De modo semelhante, Higley defende que a presença da apatia geral e a ausência de interesses comuns nas sociedades complexas explicam a existência inevitável das elites e das hierarquias de poder comandadas por indivíduos.

A noção de democracia organizacional é, na perspectiva destes teóricos, um sério equívoco pois parte da suposição de que as pessoas desejam participar no processo de tomada de decisão. Na realidade, afirmam, há muito mais evidência empírica de que a massa das pessoas é social e politicamente apática e não quer envolver-se ou participar. Poucas pessoas escolheriam gastar seu tempo em atividades políticas, enquanto as massas optariam por permanecer em seu lazer, sem compromissos. Na ótica destes teóricos, esperar senso de responsabilidade desta maioria silenciosa para participar do processo de tomada de decisão seria privá-la de sua liberdade para continuar desinteressada.

Caberia, porém, agora indagar se a apatia e o desinteresse geral são intrínsecos à natureza humana, como Michels e seus seguidores parecem supor. Não há dúvida que na sociedade contemporânea existe uma certa apatia geral da maioria das pessoas em relação a seu envolvimento nas organizações e nas atividades dos partidos políticos. Mas daí não se deve necessariamente inferir que este estado de ânimo das pessoas seja ínsito ao ser humano. A própria apatia pode ter resultado do processo histórico de exclusão social das maiorias e das formas de organização e burocratização da sociedade moderna. Como observou Walker (1966), além de razões de caráter pessoal, outros fatores sociais explicam o aparecimento da apatia. Fatores como a estrutura institucional da sociedade, a ausência de estímulo ou apoio de grupo, a oposição explícita de membros do sistema político à participação mais ampla, em suma, a ausência de estímulos adequados à ação ou a presença de impedimentos concretos à participação podem explicar o desinteresse e a apatia das massas.

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A apatia não é uma característica intrínseca do ser humano mas um condicionamento produzido pela sociedade paternalista e superorganizada. O engajamento político nas organizações poderá se dar se as pessoas forem encorajadas a participar (Rizvi, 1989). A alienação das estruturas sociais e políticas da sociedade contemporânea em relação às aspirações e desejos das pessoas, seu gigantismo, autoritarismo, centralização, hierarquização rigorosa do poder, distanciamento, burocratização, relação de dominação e dependência entre os diversos agentes e ausência de autonomia são os fatores da apatia das massas e da formação de autênticas comunidades humanas (Sanchez de Horcajo, 1979; Rizvi, 1989; Smith, 1989; Foster, 1989; Pinto, 1995). No caso específico da escola, Sanchez de Horcajo (1979) entende que a participação só será estabelecida de maneira duradoura e autêntica quando forem superadas estas características das atuais organizações da própria sociedade. E acrescenta: "a sociedade democrática não pode viver e desenvolver-se senão pela participação e cooperação de todos seus membros" (Sanchez de Horcajo, 1979, p. 147). Para que isto ocorra, são condições imprescindíveis especialmente a descentralização, a autonomia, a mudança progressiva das estruturas autoritárias, piramidais e estamentárias de poder e controle para estruturas colegiadas de poder e controle, o predomínio de relações horizontais e de paridade e a corresponsabilidade nas decisões.

Como observa Rizvi (1989), é preciso desafiar a pressuposição do argumento da apatia das massas de que certos fatos sobre as características individuais e sobre as formas de organização social são "naturais", fixos e imutáveis. Segundo o ponto de vista de Pateman (1982), a conduta humana longe de ser fixa, está dinamicamente ligada aos processos sociais e culturais mais amplos. Esta forma de modernização é fruto do mesmo tipo de desenvolvimento histórico que gerou a organização burocrática complexa e o tipo e forma de consciência e participação política. Como a apatia das massas não é um "fato" natural imutável, a cidadania democrática com o objetivo de reformar as organizações pode ser buscada e criada, do contrário se estaria negando a própria possibilidade da educação. Do mesmo modo que uma determinada estrutura social pode criar o grupo das pessoas ativas e o das inativas, um outro tipo de estrutura social também poderá estimular a participação de todos e tornar esta tão "natural" quanto a apatia de hoje. E Pateman (1982) acrescenta que, como nem o auto-interesse nem a apatia são intrínsecos à condição humana, nosso propósito deve ser criar estruturas que facilitem o altruísmo e a motivação para o ativismo democrático. Esta mesma linha de argumento é confirmada e aplicada por Weffort (1995) ao contexto da escola quando afirma que a participação não ocorre magicamente. E acrescenta:

A população, por ter sido alijada da escola e do direito de participação social mais ampla, se intimida frente ao conhecimento técnico, administrativo e profissional de professores e especialistas e isto não é normal. É necessário que tenhamos visão de processo para que essa realidade se transforme em muito investimento. (Weffort,1995, p.108).

 Através da socialização e da troca de informações e experiências, esta situação poderá ser transformada. A

parceria com os pais, a abertura da escola à sua participação no processo decisório sobre questões substantivas como política, organização e currículo serão formas efetivas de superação da prática tradicional de administradores e professores de desconfiança e resistência ao envolvimento dos pais na vida da escola. É´ evidente que não se deve ignorar a grande dificuldade que os pais das classes trabalhadoras terão para participar de reuniões nas escolas tanto por razões econômicas como até por cansaço físico, situação constatável até em países do Primeiro Mundo (Popkewitz, 1979).

Em suma, é preciso superar a alegada tensão entre participação e liberdade e enfatizar o valor das instituições participativas. Aos que alegam sua inviabilidade é conveniente lembrar que nas culturas que se orientarem para maximizar a participação, mais pessoas desejarão participar. "As culturas participativas cultivarão mais participação" (Rizvi, 1989, p. 221). Como acertadamente observa Bachrach (1967), em vez de se aceitar a "evidência" da apatia como um fato "natural" inevitável, deve-se desenvolver o potencial humano tentando tornar suas instituições mais participativas e democráticas. E acrescenta Rizvi (1989), "isto deveria ser visto como um objetivo educacional" (p. 221). Para que isto possa acontecer é preciso que, de um lado os administradores das escolas e os professores deixem de considerar a participação de pais e alunos como uma intrusão em seu domínio profissional tornando inefetiva sua representação e, por outro, afirmativamente incorporem o novo objetivo educacional de ensinar e viver os valores da democracia, justiça e liberdade na agenda pedagógica da escola. Fundamentos filosófico-teóricos da democracia institucional 

Mesmo que os argumentos empíricos de Michels e seus seguidores neguem a existência concreta da democracia organizacional, é falacioso daí concluir que o ideal de democracia participativa seja impossível. Os teóricos normativos da democracia institucional tinham plena consciência das dificuldades de se concretizar seus ideais normativos. Rousseau, por exemplo, não estava interessado nos "homens como eles são" mas "nas leis como elas poderiam ser", ou seja, nas potencialidades humanas de ação política. O fato de que as organizações atuais

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fracassaram em implementar os ideais democráticos não é uma demonstração inequívoca de que são inerentemente incapazes de alcançá-los.

Se existem práticas hierárquicas e elitistas é porque encontraram certas condições históricas na sociedade para vicejar. Mas a lei de ferro da oligarquia ou mesmo a lógica interna das organizações burocráticas não precisa ser considerada como necessária. Em condições históricas diferentes as relações entre os homens poderiam ser organizadas de modo diferente. Como observa Rizvi (1989), "os seres humanos têm opções e são as normas que eles subscrevem mais do que alguma realidade social externa que determinam que opções exercem" (p. 222). Ou seja, a realidade social existente representou uma opção, entre outras, da situação Presente e portanto pode ser mudada. Não existe determinismo histórico inexorável na sociedade e nas organizações humanas. As instituições e organizações sempre estarão abertas a possibilidades diferentes de ser e funcionar. A propósito desta postura filosófica aberta à possibilidade, Gouldner (1970) lamenta que os chamados cientistas políticos realistas se tenham tornado "coveiros ansiosos em queimar as esperanças humanas" (p.126), mostrando a inevitabilidade da burocracia em vez de indicar caminhos para mitigá-la e enfatizando as imperfeições da democracia em vez de buscar meios para fortalecê-la e ampliá-la. Se o argumento de Michel não é correto, há então fortes argumentos ético-políticos, psicológicos, sociológicos e pedagógicos para se justificar o aprofundamento da participação no processo decisório das organizações educacionais. Argumento ético da participação  

Kariel (1966) nos adverte que pode ser necessário termos que escolher entre eficiência e outros objetivos humanos tais como "auto-desenvolvimento" através da participação. Ele sugere que na comparação do custo relativo de se buscar o valor da participação ou o valor da eficiência organizacional, deve-se ampliar a noção de custos para incluir os custos dos benefícios individuais e comunitários e os custos monetários. Deve-se estimar não só os custos monetários da participação mas também os custos humanos, em termos de repressão do caráter pela não participação e das oportunidades perdidas de permitir a auto-educação das pessoas (Rizvi, 1989). Donde se pode concluir que a eficiência e o progresso material, qualidade das organizações e das burocracias, são menos importantes do que a educação do caráter, da autonomia e da imaginação política. Radicalizando a opção pelos valores humanos da participação, Norman (1987) escreve:

(...) mesmo que a democracia radical se tornasse menos eficiente na promoção da prosperidade material dos menos desafortunados, deve-ríamos contrapor a esta perda os ganhos distintivos da igualdade de poder - o bem das relações cooperativas entre as pessoas e as oportunidades para as pessoas controlarem suas próprias vidas e empregarem plenamente suas capacidades humanas características para a escolha discriminativa e o julgamento (p. 174).

   Os ganhos pedagógicos da vivência democrática nem sempre são imediatamente evidentes, mas são efetivos. Maxcy (1985) demonstrou recentemente que existe uma relação conceitual próxima entre participação democrática e educação. Para Maxcy, "a democracia é uma concepção normativa, no sentido de que representa um conjunto de condições criteriais que as pessoas devem buscar realizar se quiserem ampliar e aumentar suas capacidades na vida" (p. 34). A participação é um dos instrumentos do desenvolvimento de hábitos de senso crítico e de julgamento.

A idéia de participação como parte de um processo de educação política e moral não é nova na história da educação. Como lembra Pateman (1980), toda a teoria política de Rousseau gira em torno da idéia de participação individual de cada cidadão na tomada de decisão política. E ela acrescenta:

Na sua teoria, a participação é muito mais do que um adendo protetor a um conjunto de arranjos institucionais; ela tem também um efeito psicológico sobre os participantes, assegurando que há um contínuo inter-relacionamento entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes psicológicas dos indivíduos interativos nelas (Pateman, 1970, p. 22).

 Para Rousseau, a participação assegura a proteção dos interesses individuais e o bom governo, promovendo

inclusive a eficiência. Ele nos pede para considerar os efeitos dos arranjos institucionais sobre a estrutura e desenvolvimento da personalidade humana. Rizvi (1989) sintetiza o pensamento de Rousseau sobre este tema nos seguintes termos:

Uma estrutura social centralizada autoritária, tal como a escola moderna, só poderá ensinar as pessoas a serem tímidas, suspeitosas e individualistas. As estruturas participativas são seguramente necessárias se

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valorizamos o reverso destas tendências. Para Rousseau então a função central da participação é educativa, sendo o termo 'educativo' entendido no sentido mais amplo possível (p. 224).

 Assim, existe uma espécie de dialética entre o desenvolvimento de estruturas participativas e o

desenvolvimento psicológico de indivíduos participativos. As estruturas participativas incentivam e motivam os indivíduos a se envolverem política e socialmente e este envolvimento, por sua vez, fortalece, legitima e dá credibilidade às estruturas participativas. Uma vez fortalecidos, os sistemas participativos se tornam auto-sustentados porque o próprio processo de participação estimula e desenvolve nos cidadãos aquelas qualidades que são necessárias ao seu bom funcionamento (Pateman, 1980).

Esta posição de Rousseau pode ser tachada de utópica. As pessoas tendem a não usar as oportunidades de participação que lhes são oferecidas. Então, ampliá-las pareceria inútil. As crianças, por exemplo, como argumenta Barrow, não possuem o senso de responsabilidade, as habilidades de tomada de decisão e o conhecimento necessário para serem participantes informados. Mas será isto argumento suficiente para negar a participação especialmente às crianças?

Na visão de Rousseau, a participação é parte do processo de educação moral e política, é educação na responsabilidade. O desenvolvimento do senso de responsabilidade e das habilidades de tomada de decisão só será possível através do efetivo engajamento na participação. Não será uma autoridade externa que vai decidir quando as habilidades e atitudes requeridas foram obtidas nem quais são exigidas para qualificar um participante informado. A tarefa do educador está em "forçar" a participação a fim de desenvolvê-la e não esperar pela aquisição das habilidades e conhecimentos necessários para exercê-la. De Tocqueville reforça este argumento quando recomenda que os direitos da população devem ser aumentados e não diminuídos, justamente quando as leis parecem fracas e a população, selvagem e quando as paixões parecem excitadas e a virtude, paralisada (Parry, 1970).

Como Rousseau e De Tocqueville, Dewey (1975) considerou que a capacidade social e intelectual do indivíduo é desenvolvida através de processos participativos. Para ele, o desenvolvimento do caráter dos indivíduos é também papel das instituições educacionais. A qualidade das instituições, acredita Dewey, é formada pela qualidade de seus sujeitos. Igualmente, a qualidade dos cidadãos produzidos por uma instituição social é um teste de sua qualidade. A crença nas capacidades humanas, na inteligência humana e no poder da experiência acumulada e cooperativa são os fundamentos da visão de democracia de Dewey. Ele entende que esta crença otimista tem tanto fundamento na realidade quanto a dos que possuem uma visão mais pessimista da natureza humana. O desenvolvimento de democracias restritas não é fruto da incapacidade inata da natureza humana para criar instituições mais perfeitas, mas da aprendizagem social, inclusive da que se dá nas escolas. Portanto, cabe às escolas uma grande responsabilidade no desenvolvimento de atitudes e habilidades apropriadas e necessárias para que as pessoas tomem parte e desenvolvam culturas mais participativas. A promessa e a realização da democracia institucional e direta só será concretizada através do engajamento dos estudantes na experiência prática de tomada de decisão e na trans-formação das escolas em ambientes culturais participativos (Rizvi, 1989).

Os argumentos até aqui analisados fundamentam-se no chamado "modelo moral" de democracia que compreende um conjunto de teorias democráticas que vão da teoria "clássica" da antiga Grécia à "democracia direta" de Rousseau (1968), à democracia "evolutiva" de J. S. Mill (1951) e às teorias mais modernas de democracia participativa, de MacPherson (1973) e Pateman (1980). Neste modelo, a democracia é moral num duplo sentido. Primeiro, ela é um modo de vida moral constituído através de valores humanos fundamentais. Mais que um modelo político, a democracia é uma expressão política dos valores de auto-realização, autodeterminação e igualdade, valores essenciais do tipo de sociedade na qual os indivíduos autônomos podem realizar-se através da determinação livre e igualitária do bem público. Segundo, a democracia é moral no sentido de que ela prescreve os princípios morais aos quais toda sociedade que se diz democrática deve conformar-se (Carr, 1991). Argumento político: a cidadania institucional

Dimensão política essencial de uma democracia é que ela deve ser constituída por cidadãos: cidadãos da sociedade política que, na definição de Aristóteles (1981), são "aqueles que participam dos assuntos públicos", seja como "governantes", seja como "governados"; e "cidadãos institucionais" que, na expressão de Hanna Arendt (1964), são aqueles que exercem o direito de participar do governo ou administração das instituições onde trabalham. Na democracia moral, o status de cidadania só é adquirido através do exercício dos direitos e deveres de cidadania, ou seja, através do exercício da "cidadania participativa positiva". Esta requer uma educação política especial que leve os alunos a uma consciência histórica de como os atuais direitos de cidadania foram conquistados, como se incorporaram às instituições legais, políticas e sociais dos estados democráticos modernos e como estas instituições podem estar funcionando de modo a manter, em vez de prevenir, as desigualdades e injustiças que deveriam eliminar. Na democracia moral, a educação para a participação pública é o único modo de capacitar os

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alunos para o pleno exercício de sua cidadania. O cultivo das habilidades e atitudes necessárias à participação e deliberação democrática deve ser feito através do método da participação (Gutmann, 1987).

Duas são as fontes do conceito atual de cidadania: uma tradição republicana, que tem suas raízes nas práticas de cidadania das repúblicas clássicas da Grécia e de Roma; e uma tradição liberal, que tem suas origens nos primeiros escritos de Locke e Jefferson. A noção de cidadania republicana enfatiza o caráter dos indivíduos como membros de uma sociedade política em relação a alguns princípios: o senso de pertencimento a uma comunidade política, a lealdade à pátria e a predominância das obrigações cívicas sobre os interesses individuais. O conceito de cidadania fundado na tradição liberal enfatiza as liberdades e direitos individuais. É esta tradição que deu origem à noção de direitos humanos e seu princípio básico é de que todos os indivíduos são iguais e são os depositários de direitos inalienáveis.

Deste ponto de vista derivaram três grandes conjuntos de direitos - os direitos civis, políticos e sociais - que são considerados hoje como de valor universal, bem como indivisíveis. O primeiro conjunto, os direitos civis - refere-se à liberdade: a liberdade da pessoa, as liberdades básicas de pensamento e crença, fala, movimento e associação e o direito à justiça. Os direitos políticos referem-se ao direito do indivíduo a pertencer a uma comunidade política e a participar no exercício do poder político, escolhendo os líderes políticos e exercendo o controle político e judicial. Os direitos sociais referem-se aos direitos do indivíduo à segurança pessoal e à propriedade, incluindo o direito à educação e à equidade social e econômica. Em síntese, a tradição liberal enfatiza os direitos dos indivíduos e sua proteção contra o uso arbitrário do poder, ao passo que a tradição republicana privilegia a noção de pertencimento e obrigação coletivos. A educação para a cidadania, no contexto escolar, precisa incorporar a conscientização de direitos e deveres e a prática efetiva da democracia. Para tanto a própria precisa tornar-se cidadã (Bordignon, 1989; Gadotti, 1992), aliás, alternativa que já vem se concretizando em diversos lugares do país (Romão e Gadotti, 1995). Movimento semelhante já ocorreu nos Estados Unidos nos anos 50, com suas "citizenship schools", matrizes importantes do movimento de direitos humanos no país (Horton e Freire, 1990).

Para Hegel (1952) e Arendt (1965), liberdade é a participação nas esferas públicas da vida, nas importantes relações interpessoais onde as decisões cruciais da sociedade são tomadas e confirmadas. Os indivíduos, para assegurarem sua cidadania e liberdade, precisam participar ativa, contínua e diretamente. Os indivíduos devem ser ativos, ou seja, devem entrar na vida pública, seguindo sua vocação particular. Esta atividade deve ser contínua, pois a participação apenas esporádica ou periódica, como o simples votar a cada quatro anos, é insuficiente para estabelecer um diálogo político contínuo (Arendt, 1965) ou para aprimorar a educação política contínua que Hegel vê como necessária (Stillman, 1976). Por último, a atividade do indivíduo deve ser direta, e não simplesmente tácita ou virtual. Enquanto Arendt (1965) opõe-se à representação porque esta corta o indivíduo do debate público, Hegel admite a representação no governo e insiste na participação direta e ampla do indivíduo nas instituições sociais e econômicas (Stillman, 1976).

Como a liberdade requer a participação ativa, contínua e direta na esfera pública da vida, tanto Hegel como Arendt procuram identificar as formas sociais e políticas e as instituições que criam e mantêm os locais para participação. Uma das invenções humanas mais criativas, segundo Hanna Arendt (1965), foi a criação dos conselhos, órgãos de ação e de participação direta de cada cidadão nos assuntos públicos do país. Estes conselhos são uma forma de democracia direta, entes locais de participação pública. Tanto Hegel como Arendt vêem a necessidade de uma constituição que estabeleça o arcabouço para a participação e que dê estrutura, estabilidade e articulação às instituições participativas.

A escola, como uma das mais importantes instituições sociais num Estado democrático, precisa incorporar em sua estrutura e em sua prática pedagógica a educação para a participação cidadã, através da instalação e funcionamento efetivo do seu colegiado deliberativo. Como escreve Weffort (1995), 

(...) a escola que se abre à participação dos cidadãos não educa apenas as crianças que estão na escola. A escola cria comunidade e ajuda a educar o cidadão que participa da escola, a escola passa a ser um agente institucional fundamental do processo da organização da sociedade civil (p. 99).

 Abrindo-se à participação, a escola estará educando para a democracia e para a cidadania, pois, a

participação constitui a "viga-mestra da construção da cidadania" (Pinto, 1995, p. 175).A escola participativa passará com o tempo a tornar-se a casa comum dos residentes de uma comunidade

local. Esta nova realidade terá inclusive implicações para a configuração material do estabelecimento educativo que precisa repensar sua estrutura física para facilitar o desenvolvimento das atividades participativas. Se a escola passa a acolher a presença e a ação de todos os componentes da comunidade local para se transformar numa autêntica comunidade educativa, precisa sediar em seu edifício escolar numerosas e variadas atividades sociais, culturais, recreativas da coletividade local. As escolas participativas oferecerão periodicamente cursos aos pais dos alunos e criarão espaço para a discussão de temas relevantes por pais, professores e alunos. A escola estará aberta ao público

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após as aulas dos alunos e durante os fins de semana para sessões de informação e formação e para múltiplas atividades. Promovendo inúmeras iniciativas na escola abertas à comunidade, esta adquirirá o sentimento de encontrar-se na escola como em sua própria casa e não como cliente, convidado ou visitante mais ou menos tolerado.

Mesmo que a escola seja particular ou comunitária, não deve comportar-se com mentalidade particularista, pois, sendo uma tarefa de todos os cidadãos, todos estão chamados a informar-se, interessar-se e participar de sua vida e atividades. Como afirma Sanchez de Horcajo (1979), "como a ágora ateniense, a escola pode ser o lugar de encontro e animação da comunidade" (p. 93).

A escola participativa trans-forma seu espaço físico em centros de atração e de exercício das atividades da comunidade, onde as mães dos alunos podem praticar diariamente aulas de ginástica, de estética, de línguas estrangeiras etc., e os pais, praticar atividades esportivas, ginástica etc. A escola da comunidade permanece aberta vinte e quatro horas por dia para os residentes do bairro e se torna um centro de encontro, um instrumento de educação continuada e um agente de promoção cultural para jovens e adultos.

A escola cidadã colabora ativamente em promoções sociais e tarefas coletivas, tais como campanhas culturais, serviços à comunidade, feiras culturais, campanhas de saúde etc., de acordo com a idade dos alunos. Em suma, a escola precisa tornar-se um lugar coletivo e familiar para o bairro, um espaço a serviço das atividades culturais, esportivas e de lazer de seus residentes.

Caberia agora indagar quais são os direitos de cidadania de estudantes, pais e professores dentro da escola e em especial em seu conselho deliberativo. Cidadania institucional dos alunos  

Conforme o princípio da cidadania institucional escolar, o aluno é o centro e o elemento principal da instituição escolar. Por isso, a escola deve iniciá-lo na compreensão dos acontecimentos, formá-lo para o reconhecimento dos problemas e para a participação na tomada de decisões nos assuntos que lhe dizem respeito. O aluno deve ter direito à corresponsabilidade proporcional à sua capacidade.

O exercício da democracia interna na escola dá aos alunos o papel de autênticos co-gestores do ensino, atribuindo-lhes o direito de informação em todos os domínios, o de consulta em algumas áreas e o de co-decisão em outros campos na medida de sua competência, em igualdade de condições com as outras categorias de participantes (Sánchez de Horcajo, 1979). O reconhecimento deste direito não é suficiente; é necessária sua efetiva concretização. Como centro e elemento principal da instituição escolar, o aluno vai à escola não só para aprender teoricamente a exercer o direito de participação mas para efetivamente exercê-lo já na escola.

Todas as categorias de alunos precisam estar representadas nos órgãos colegiados da escola. Para que os representantes sejam considerados como autênticos delegados é necessário que mantenham contatos freqüentes com seus representados. Para que isto se torne possível, é preciso que a escola consiga fornecer os meios necessários, tais como tempo, local, meios de divulgação da informação. O aprendizado da representação no colegiado da escola será certamente transferido para as situações da vida adulta como governante ou como governado, como queria Aristóteles.

É fundamental que o aluno, tanto individualmente como na condição de grupo adquira um papel de autêntico co-gestor de sua educação. Para tanto, precisa substituir o papel de executor passivo das ordens dos educa-dores, de submissão a critérios e programas, de escuta e cumprimento de mensagens para o de colaborador ativo em sua educação, participante no diálogo, membro ativo na elaboração e gestão do programa escolar, dos métodos e técnicas de ensino e partícipe da gestão de sua escola. A representação de alunos no colegiado da escola, renovada anualmente, precisa ter, de preferência, presença numérica paritária aos demais componentes a fim de assegurar aos estudantes o direito de serem protagonistas ativos da escola.

Uma segunda modalidade de participação dos estudantes na escola é a promoção de assembléias estudantis das várias séries, seja para afrontar os problemas relacionados à própria classe ou a própria escola, seja para aprofundar temáticas relacionadas a toda a sociedade civil. Para que estas assembléias sejam eficazes, é importante a contribuição das associações estudantis para fornecer informação e colaborar na formação à participação. Também relevantes à formação à participação são o empenho, interesse e promoção dos professores e pais, bem como a inserção nos programas escolares de uma parte dedicada à conscientização do direito-dever de participação escolar como um momento crucial de educação à democracia, à cidadania e ao serviço pelo bem comum. Como observa Girotti (1994), "uma escola sem participação é o espelho e a origem de uma sociedade civil vazia de valores e perspectivas" (p. 170).

Na Itália, recentemente foi elaborado um "estatuto do estudante" - uma espécie de carta dos direitos e deveres do estudante. Sua implementação efetiva tem sido considerada condição essencial e determinante para tornar a autonomia da escola um momento de progresso para a escola. O fundamento desta carta dos direitos e deveres é a aceitação do aluno como pessoa que, como tal, goza de liberdade - os direitos - e é chamado a assumir

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responsabilidades - os deveres. Na pessoa do aluno, responsabilidade e liberdade - deveres e direitos - são sempre correlatos, de tal modo que a cada direito corresponde um dever. Girotti (1994, p. 170) apresenta o decálogo do "estatuto do estudante" da seguinte forma: 

Direito à escola como edifício acolhedor e limpo, instituição eficiente e funcional, ambiente sereno e formativo no plano cultural-cívico-profissional capaz de desenvolver a dimensão corporal-afetiva-cognitiva-ética-espiritual-comunitária de vida juvenil, com o dever de respeitar os ambientes, regras, obrigações e estruturas da escola;

Direito à liberdade de aprender, garantida por um ensino inspirado nos valores constitucionais e proposto nos termos de uma responsável e atualizada competência pedagógica e profissional, exercida no respeito das normas positivas bem como da personalidade dos alunos, sem negar ou impedir a liberdade de ensinar dos docentes e sem deixar de exigir o que for necessário para a aprendizagem e a verificação da mesma em cada matéria;

Direito à continuidade da aprendizagem, empenhando-se cada estudante a não criar condições e situações que a tornem impossível;

Direito ao reconhecimento da própria identidade pessoal com atenções didáticas que levem em conta a diferença e originalidade pessoais para uma plena companhia e uma completa aprendizagem das matérias escolares;

Direito à livre expressão do próprio pensamento, respeitando nos conteúdos e nas formas, os direitos dos outros e as características da instituição escolar;

Direito à livre associação sem que esta se torne ocasião de violência ou de negação das prerrogativas da escola;

Direito à participação ativa na vida da escola na assunção por parte de todos os estudantes de uma responsabilidade formada e competente, respeitosa e dialogante;

Direito a uma avaliação correta e transparente nos critérios, nos períodos e nos modos da sua expressão, empenhando-se em um comportamento por parte de cada estudante marcado pela honestidade intelectual que repudia trucos, favores, favoritismos;

Direito à transparência dos processos relativos aos procedimentos disciplinares na manutenção de uma presença estudantil correta e dignitosa nos ambientes escolares e nas horas de aula;

Direito a recorrer a uma sede institucional para obter o reconhecimento de eventuais direitos nos respeitados, respeitando os deveres ligados a estes em toda situação que o estudante vive.

A vivência destes direitos e deveres de cidadania institucional pelos alunos, dentro da escola, será a forma mais eficaz para educá-los para o pleno exercício da cidadania na sociedade política.

Cidadania institucional dos professores 

Não cabe aqui enfatizar o papel individual do professor enquanto docente isolado, mas o corpo docente enquanto co-gestor do ensino em colaboração com os outros grupos participantes. O professor-gestor organiza as atividades escolares de tal forma que compartilha das responsabilidades. Tem direitos e deveres semelhantes aos dos alunos. As regras estão estabelecidas e aceitas por todos dentro de um paradigma cooperativo, e como os alunos, o professor está obrigado a respeitá-las. Na sala de aula, o professor torna os alunos co-gestores de sua própria educação.

Mas o professorado da escola atua também como um corpo social, como um componente específico da comunidade escolar. Tanto em suas relações com a direção da escola, como com o colegiado, o corpo docente deve buscar através de representantes ou diretamente a instalação de uma prática administrativa participativa e cogestionária na escola. No momento em que os professores se comportarem como profissionais e como cidadãos institucionais da escola, a organização de seu trabalho pedagógico será profundamente modificada.

O profissionalismo do professorado requer maior autonomia da escola e, consequentemente menor interferência externa. Isto terá como efeito uma redução dos controles burocráticos e uma crescente autonomia para os professores. A tendência recente nas reformas educacionais do sistema de educação pública nos Estados Unidos é buscar tornar as escolas melhores lugares para os professores trabalharem e aprenderem. "Isto requererá menos burocracia, mais autonomia profissional e mais liderança para os professores" (Holmes Group, 1986, p. iv). Como consequência, a esta maior autonomia corresponderá maior responsabilidade e a necessidade de prestação de contas do próprio trabalho ao colegiado escolar e aos pais dos alunos. Através de seus representantes no colegiado, o professorado tem espaço e oportunidade para apresentar o ponto de vista docente aos demais membros do conselho escolar.

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A participação de representantes do professorado no colegiado da escola constitui um instrumento de fortalecimento do poder docente. Corresponsáveis pela administração da escola, os professores se sentirão mais compromissados com sua missão educativa e co-partícipes na solução de seus problemas.

A competência dos professores no colegiado da escola será exercida especialmente em três aspectos:

1. Os professores têm direito à informação, consulta ou participação na decisão sobre qualquer problema da escola. Por exemplo, até mesmo as questões financeiras devem ser informadas aos professores. A transparência neste terreno evitará mal entendidos e críticas injustificadas.

2. Os professores devem tomar parte nas decisões, especial-mente nas que se referem a eliminação de emprego, abertura ou fechamento de classes, cursos, aspectos disciplinares, admissão de professores etc.

3. Os professores têm direito à participação nas decisões, na interpretação dos programas, escolha de livros-textos, iniciativas pedagógicas, atribuição de carga de trabalho, horários, aquisição de material didático, divisão do orçamento pedagógico, organização de atividades paraescolares etc. (Sánchez de Horcajo, 1979).

 Cidadania institucional dos pais de alunos 

O direito inalienável dos pais a participar na educação de seus filhos no contexto formal da escola é uma conquista recente, especialmente em democracias retardatárias. Durante muito tempo, a presença dos pais na escola se manteve postergada, quando não rechaçada, combatida e contestada. Ocorreu um longo processo de transição da desconfiança à confiança passiva, desta à participação controlada e do controle à cogestão.

A participação dos pais na vida da escola foi uma das iniciativas mais contestadas. Como observa L. Vanvitti (1974), a presença dos pais na escola foi combatida, por diferentes razões, pela direita, pela esquerda, pelos professores inseguros, pelos professores comprometidos e até pelos estudantes. No entanto, esta contestação, como perturbadora da ordem interna da escola, foi por sua vez refutada pelos defensores da participação. Todos os pro-motores das diversas formas de escola nova, como Cousinet, Dewey, Freinet, Monod, Wallon, insistiram na necessidade de relações regulares entre a família e a escola para fazer desta uma expressão da vida. Mas foi só a partir do movimento estudantil de 68 que os pais foram efetivamente admitidos a participar na gestão escolar, passando a ser considerados como co-educadores.

Como pais e professores são responsáveis pela mesma missão de educar os jovens, os professores precisam convencer-se de que a presença dos pais na escola, se responsavelmente conduzida, será um instrumento de melhoria da qualidade de seu trabalho pedagógico. Nesta interação, há que buscar-se o equilíbrio entre a liberdade de aprender do aluno, a liberdade de ensinar do professor (Const. Fed., art. 206) e a liberdade educativa dos pais. Os professores precisam convencer-se que os pais são os primeiros interessados em buscar a melhor educação possível para seus filhos. Na tarefa de educação das novas gerações, a família se torna, na verdade, "a primeira escola de humanidade e de plena realização da dignidade pessoal e da dimensão social" (Richiedei, 1994, p. 161).Os pais, de sua parte, precisam perder o sentimento de inferioridade como se colocam perante os professores, como profissionais da educação. Como os primeiros educadores naturais e como "os titulares da responsabilidade primária da educação" (Richiedei, 1994, p. 161), precisam adquirir confiança em si mesmos, tomar consciência de seus direitos, buscar mais infor-mações sobre a educação de seus filhos e assumir a corresponsabilidade no confronto dos problemas, nas mudanças necessárias e no controle dos resultados do trabalho pedagógico da escola. Num simpósio sobre La partici-pation dans l'enseignement et l´éducation à la participation, promovido pelo Conselho da Europa em 1973, após o reconhecimento da importância do papel específico dos pais na interação com os professores, o documento registra: 

Importa que os pais estejam informados de todos os aspectos da organização escolar e mais particularmente dos da comunidade educativa a que pertencem. Todos os temas devem ser discutidos, respeitando as responsabilidades de cada grupo. Os pais devem ter fácil acesso à escola, devem ser solicitados para as atividades escolares (Conseil de l'Europe, 1973, p. 11).

 Os pais entram na escola com a consciência de serem titulares do direito de usufruir de serviços

qualificados e do dever de se envolver na gestão na qualidade de cidadãos corresponsáveis por um serviço público essencial a seus filhos e à sociedade como um todo. Para o exercício adequado e eficaz deste direito-dever, é indispensável que os pais sejam informados nas assembléias, nos momentos associativos e nos colóquios individuais com os professores, sobre os aspectos educativos, organizacionais e financeiros da escola. Destes contatos e encontros devem surgir idéias e propostas que serão levadas por seus representantes eleitos para a reunião do colegiado escolar. Nesta condição, estes pais assumirão um papel ativo na gestão da escola, seja no

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momento de definição de seu projeto educativo, seja nas fases de implementação dos planos e de avaliação de seu desempenho geral.

A condição de um número crescente de pais terem passado pela escola, em níveis educacionais cada vez mais elevados, dá-lhes a competência de falar e apresentar reivindicações e sugestões apropriadas à melhoria do ensino. Consciente desta realidade, a escola precisa abrir-se aos pais e auscultar com simpatia suas propostas. Pais e educadores estão buscando o melhor desempenho possível da escola em sua tarefa educativa.

Nesta tarefa de participação e compromisso, os pais tornam-se autênticos cidadãos da instituição escolar, participando das decisões e controlando o cumprimento efetivo das normas estabelecidas. Deste modo, o momento de gestão da escola não se torna mera atividade burocrática mas a prática das regras da democracia, corrigindo velhos autoritarismos.

Aos pais, assim como aos estudantes, é necessário que a instituição escolar preveja modalidades de participação individuais e coletivas. Frequentemente os pais não têm consciência de sua unidade e existência enquanto grupo. Tanto pais como alunos são coletividades que precisam ser ouvidas e participar do processo educacional e decisório da escola como grupos. A escola tende a abrir espaço apenas para a participação individual, ignorando esta segundo dimensão da comunidade escolar.

Os pais, então, podem exercer três modalidades de presença na vida da escola:  

a) Presença individual: dá-se quando os pais entram na escola como responsáveis individuais do próprio filho, com exigências, experiências e aspirações únicas. É uma presença necessária e indispensável para a criança que, do contrário, poderia perceber a família como ausente e indiferente a seu esforço e empenho. Em vista do caráter insuficiente das soluções coletivas, há necessidade de uma relação de ajuda personalizada, a fim de favorecer o melhor desempenho escolar do aluno. A integração com ambiente e com as pessoas pode ser facilitada pelo apoio e mediação dos pais. O instrumento principal para esta ação são os colóquios entre pais e professores que, juntos buscarão a solução do problema mais adequada para cada aluno.

b) Presença associativa: A complexa tarefa de ser pai e educador, dada sua importância educacional e social, não pode ser gerida eficazmente de modo individua-lista. A forma associativa torna-se um instrumento facilitador do exercício competente de seus direitos e aspirações. De modo análogo aos docentes e estudantes, os pais têm pleno direito de criar uma organização e dispor de um sujeito coletivo de representação. No duplo papel de "responsáveis com os docentes pela educação e fruidores com os estudantes de um serviço" (Richiedei, 1994, p. 164), os pais encontrarão na associação o instrumento adequado para o exercício de sua cidadania institucional, sem tutelas nem subserviências. Como acrescenta Richiedei (1994), através da participação em sua associação, os pais tomam consciência de sua missão de pais e educadores, com os consequentes direitos e deveres para com os filhos, a escola e a sociedade. O associativismo torna-se o meio informativo e formativo para viabilizar a participação adequada e responsável.

c) Presença institucional: Através da participação no colegiado deliberativo da escola e em outros conselhos ou assembléias, a presença dos pais assume uma presença institucional. Nesta instância de participação, a atenção e o empenho alargam-se a problemas gerais, pertinentes à classe, à escola, ao contexto local. O membro eleito deste conselho reveste-se da delegação de representar os pais nas deliberações relativas a toda a comunidade educativa. Como pondera Richiedei (1994), trata-se de "uma modalidade mais qualificada de envolvimento que exige maior competência em fazer-se intérprete de exigências e interesses da generalidade dos pais" (p. 164). Com estas características, os conselhos escolares podem tornar-se escolas de democracia para a escola, para os pais e para os alunos.

 A escola, como já vem ocorrendo em alguns países da União Européia, na Austrália, no Canadá e nos

Estados Unidos, passa a deixar de ser um aparelho ideológico ou burocrático do Estado e é devolvida à comunidade com crescentes espaços de autogoverno. Neste novo contexto, ampliam-se os direitos e deveres de cidadania dos pais em relação à educação de seus filhos na instituição escolar.

Ao se apresentar à escola, acompanhado de seu filho, o pai pode ser visto em pelo menos três papéis distintos. Primeiro, é o educador do menor, primeiro tutor de seus direitos formativos, garantia de sua plena explicitação. Segundo, é também o fruidor de um serviço obrigatório oferecido pela autoridade do Estado. E por último, entra com poderes de cidadão e como co-titular da agência escolar e co-responsável pela coisa pública (Richiedei, 994). Buscando tornar mais explícito este tríplice papel dos pais, apresentamos a seguir uma síntese do conjunto de seus direitos e deveres como educadores, como usuários de um serviço educacional e como cidadãos, conforme a determinação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (Lei 176-1991). 

a) Direitos-deveres dos pais na qualidade de educadores:

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1. O primeiro direito do pai reflete o do filho de não ser deixado só na escola, como em qualquer outra estrutura social ou educativa. As competências da família não terminam no portão da escola, enquanto esta deve acompanhar o menor até dentro do edifício para conhecer o que acontece no seu interior e para continuar a dar a ele toda a segurança e aos professores, colaboração construtiva no levar avante o programa.

2. Ao direito de ver reconhecido aos filhos o pleno acesso ao sistema educacional, em base às suas necessidades e capacidades, corres-ponde o dever dos pais de se empenharem individualmente e em grupo em cada uma das fases do processo formativo.

3. O mesmo direito de escolha do tipo de instrução mais respeitoso de suas convicções não pode separar-se da obrigação de não ceder a fáceis delegações às instituições e de não prevaricar sobre exigências autênticas dos filhos.

4. Entre as obrigações mais importantes encontra-se aquela de participar na definição do "projeto educativo da escola". A educação é mais ampla que a instrução e abrange setores de intervenção e escolhas valorativas das quais não se pode excluir a família, seja no momento programático, seja no operativo e avaliativo.

5. A família requer uma escola de qualidade, que equilibre a eficácia da instrução com a atenção à dimensão espiritual, ética, afetiva e corporal. Ou seja, um ambiente acolhedor e sereno que facilite a integração da vida do menor entre os momentos vividos na escola e na família.

6. Em consequência, a continuidade educativa entre a ação familiar e a escolar, antes de ser uma melhoria técnico-didática, é elemento substancial porque se refere à comunalidade de valores de fundo e toca as relações entre as pessoas mais importantes para o aluno.

7. Se pedem para ser informados, consultados e participar das decisões, os pais não devem furtar-se à responsabilidade, quando se trata de dar dos próprios, em tempo, dedicação e recursos necessários ao alcance dos resultados pretendidos.

8. A avaliação, enfim, dos êxitos finais e do serviço na escola precisa compreender os que exercem papéis preponderantes. Enquanto implicados diretamente, a avaliação se transforma inevitavelmente em auto-avaliação para os pais. Mas este fenômeno é peculiar na intervenção educativa, pela qual, enquanto é julgado o aluno, é o mesmo educador que se auto-avalia, enquanto a escola é colocada em observação, também a família está envolvida.

 b) Direitos-deveres dos pais na qualidade de usuários

 Aos pais cabe reivindicar a melhoria contínua da escola. Se o direito pertence ao menor (estatuto do

Estudante), os pais se encarregam de fazê-lo valer na escola como em qualquer outra instituição (Richedei, 1994).

1. Antes de tudo, o direito a não ser mais considerados usuários passivos mas verdadeiros interlocutores, legitimados a intervir no momento de codificar os resultados que a escola se empenha em alcançar. As necessidades e expectativas não são só dados estatísticos para tabular, mas solicitações precisas dos titulares do direito-dever educativo.

2. O direito a padrões qualitativos precisos dos serviços didáticos devem referir-se às competências que produzem e ao bem-estar dos alunos, especialmente se desvantajosos e deficientes. Não bastam mais os cumprimentos formais, nem sua quantificação em termos de horários ou de noções fornecidas.

3. O direito à qualidade inclui o estado estrutural do edifício bem como o tempo de disponibilidade dos locais, de modo que sejam verdadeiros centros culturais e sociais.

4. O direito a um serviço administrativo funcional, que esteja disposto a superar os problemas de lentidão dos procedimentos, a rigidez dos horários.

5. O direito à transparência no caso das avaliações dos alunos e dos procedimentos disciplinares compreende a publicação das modalidades seguidas, dos critérios escolhidos e o acesso aos resultados das provas. Além da correção, é possível em tal caso solicitar indicações para a recuperação e a melhoria.

6. O direito a intervir no sistema de avaliação, quando o serviço inteiro é colocado sob suspeita. Deve ser adquirido com técnicas apropriadas o juízo dos usuários, não enquanto controladores mas como cidadãos na capacidade de avaliar a qualidade do serviço recebido.

7. Há, enfim, o direito de tutela da correta aplicação do direito e de recurso no caso de controvérsia. Modelos de recurso não faltam, como na França onde existem os "tribunais pedagógicos" correspondentes à especificidade educativa do dissenso.

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c) Direitos-deveres dos pais na qualidade de cidadãos: 

1. Direito de acesso às informações, de tomar conhece-mento das atas, de conhecer as normas estabelecidas em seu próprio favor. A transparência se torna efetiva e a relação mais paritária, no respeito do interesse público e privado.

2. Direito de ser consultados nas Assembléias e nos Conselhos com relação a decisões que lhe dizem respeito, seja preventivamente, seja em determinadas épocas, num envolvimento permanente.

3. Direito de apresentar propostas e solicitações para a idônea requalificação do ser-viço. Em consequência, mitiga-se o autoritarismo da administração, tornada mais despe-nível à escuta e à autocrítica.

4. Direito a participar nas deliberações dos órgãos colegiados, com obrigações de colaboração em matéria de competência comum e onde se encontre um interesse para tutelar.

5. Direito a controlar para que seja realizado o que foi planejado e a avaliar o grau de correspondência às legítimas expectativas dos cidadãos.

6. Direito à livre agregação, em associações próprias com funções de representação e de tutela dos interesses particulares e coletivos. A presença de grupos de identificação é decisiva para renovar a participação porque motiva os representantes e lhes oferece os suportes informativos e organizacionais indispensáveis (Apud Richiedei, 1994, pp. 165-166).

 Argumento psicológico da participação 

Além dos argumentos ético-políticos da participação com implicações psicológicas e peda-gógicas para a educação dos jovens, pode-se justificar a participação de alunos, professores e pais na gestão da escola a partir de teorias psicológicas.

A Escola de Psicologia Humanística vê no ambiente de trabalho um conjunto de condições impeditivas do desenvolvimento sadio do indivíduo. Baseada em fundamentos éticos e práticos, esta escola defende o enriquecimento do trabalho e a participação nas decisões.

A participação na gestão também pode ser justificada a partir de fatores psicológicos da educação. É do conhecimento dos psicólogos que a motivação é fator central na educação e no processo de aprendizagem. As pesquisas de Herzberg (1966) mostraram que a presença de fatores "motivadores" asseguram a satisfação no indivíduo e, por sua vez, a eficácia na ação. Entre estes fatores encontra-se a participação na gestão da organização e do trabalho. A imposição autoritária dos objetivos diminui, se não anula, os fatores motivadores. A participação, ao contrário, alimenta e oxigena a imaginação, adestra a habilidade pessoal e impulsiona a experiência e a iniciativa.

March e Simon recomendam a participação para a cura da passivi-dade ou deserção profissional. A concentração oligárquica do poder na escola, com a exclusão dos alunos e dos demais implicados no processo educativo, gera o autoritarismo de uns poucos e a passividade de muitos. "A co-gestão, [ao contrário], prepara um homem consciente de si mesmo e de sua sociedade, um cidadão desenvolvido e equilibrado inte-lectual e psiquicamente" (Sanchez de Horcajo, 1979, p. 47).

A estrutura normativa ou legal da participação é condição necessária, mas não suficiente da própria participação. Mais importantes que a estrutura são as pessoas para torná-la efetiva. Estas são úteis e mesmo indispensáveis para sustentar a participação. Para isso, é preciso que as pessoas tenham desejo e uma atitude de participação. A educação para a liberdade e a autonomia da pessoa e do outro são os fatores da motivação. Dá-se aqui uma espécie de causação mútua: educação pela participação e para a participação.Como exercício de virtude social, tolerância e respeito recíproco, a gestão colegiada requer uma preparação psicológica de seus membros a fim de assegurar os benefícios da prática democrática. Para tanto, será importante utilizar meios de comunicação de massas, sensibilizar a opinião pública e convencer os interessados, fornecendo-lhes informação e mesmo dando-lhes breves cursos sobre os objetivos, os benefícios e a dinâmica de funcionamento da gestão participativa, bem como as habilidades necessárias para o adequado desempenho no colegiado.

Contrariando a tese da "apatia das massas" para participar, mas reconhecendo a influência da "profecia auto-realizadora" (Ro-senthal e Jacobson, 1968), é importante que os educadores tomem consciência de que o modo como tratam as pessoas determina como elas se comportarão. Ou seja, nossas expectativas determinam, em certa medida, as respostas de nossos interlocutores. George Bernard Shaw ilustra esta idéia de uma forma elegante em Pigmalion quando define a diferença entre uma "lady" e uma garota, flor da nobreza, não por sua herança mas por seu tratamento. De modo semelhante, Rosenthal e Jacobson confirmam a influência do tratamento e expectativa do professor sobre o comportamento e desempenho do aluno. Donde, se professores, pais e alunos forem tratados com respeito e alta expectativa, eles responderão consistentemente com esta atitude. Se a escola estimular e esperar a participação de alunos, professores e pais terá uma resposta positiva a este apelo.

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 Argumento sociológico da participação 

Ao lado da fundamentação de natureza mais filosófica e política e do argumento de caráter psicológico, que justificam a participação na gestão da escola, pode-se apontar também um pressuposto de natureza mais sociológica que considera a descentralização e a autonomia como condições estruturais que aumentam consideravelmente o campo de possibilidades da gestão participativa e colegiada da escola. Para Massé (1974), a descentralização constitui um pressuposto da gestão participativa no ensino e um instrumento de humanização do ambiente escolar. Ela possibilita a superação do estado de paralisia e lentidão dos níveis inferiores da organização, a melhor otimização dos recursos e competências das bases e a transferência de poder de decisão e de controle para as esferas próximas da instância de execução.

A participação na gestão da escola será facilitada pela conquista de crescente autonomia pela escola nos domínios da gestão financeira, pedagógica, administrativa e cultural. A descentralização e a autonomia poderão liberar a iniciativa criadora da escola, permitir que ela se insira mais harmoniosamente no contexto sociocultural da comunidade e reduzir os controles burocráticos inúteis que a fazem perder tempo. Para isso, é imprescindível que o poder descentralizado transferido oficialmente à responsabilidade das unidades escolares seja respeitado pelas autoridades dos níveis hierárquicos superiores de decisão.

Com a adoção da política de descentralização, os limites da competência de cada unidade escolar ficam claramente estabelecidos e os mecanismos de intervenção, controle ou tutela das autoridades também podem ser previstos. Neste caso, porém, deve-se ater aos princípios de subsidiariedade do Estado ou dos órgãos centrais que assegurarão a unidade do sistema escolar na diversidade das unidades escolares.

Existe uma descentralização administrativa ou de órgãos descentralizados e uma descentralização política ou do governo. Neste caso, trata-se desta última que cria uma nova relação entre as comunidades e a escola, ou seja, uma relação em que há uma redistribuição básica da autoridade e das responsabilidades e, conseqüentemente, do poder decisório.

A descentralização e a autonomia efetiva das escolas criam a condição facilitadora básica da possibilidade de sua gestão colegiada. Sua prática constitui a garantia de uma inserção dinâmica do sistema escolar no sistema social global, assegurando a supressão das disfunções burocráticas e a prioridade dos fins pedagógicos. Neste novo contexto, as relações burocráticas entre os participantes do ensino irão transformar-se numa relação de colegialidade.

Como escreve Gadotti (1995),  

(...) descentralização e autonomia caminham juntos. A luta pela autonomia da escola insere-se numa luta maior pela autonomia no seio da própria sociedade. Portanto, é uma luta dentro do instituído, contra o instituído, para instituir outra coisa. A eficácia dessa luta depende muito da ousa-dia de cada escola em experimentar o novo caminho de construção da confiança na escola e na capacidade dela resolver seus problemas por ela mesma, confiança na capacidade de autogovernar-se (p. 202).

 Através da autonomia, criam-se novas relações sociais opostas às relações autoritárias pré-existentes. A

autonomia nega a uniformização e celebra a diferença, valorizando a originalidade e o novo e buscando o intercâmbio com outras experiências sociais. Autonomia, democracia e cidadania são conceitos que se implicam mutuamente. Cidadão é aquele que participa do governo e participa do governo aquele que tem poder, liberdade e autonomia para exercê-lo.

A autonomia da escola é um movimento que está ocorrendo em países da Europa, como a Itália, a Espanha, Portugal e Inglaterra, nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Em alguns países, a descentralização tem caminhado para a autonomia regional ou para a autonomia municipal; em outros, para a autonomia das escolas; em outros ainda, para a "escola pública-privada-social" (Gadotti, 1995, p. 201).

A descentralização e a autonomia das escolas abrem espaço para a participação e a democratização num sistema público de ensino. Estas formas práticas de formação para a cidadania se dão de modo privilegiado na participação no processo de tomada de decisão dentro do colegiado da escola. Este conselho é o órgão mais importante de uma escola autônoma e a base da democratização da gestão escolar.

Para não se alegar a "apatia das massas", é preciso que a participação de pais e membros da comunidade no colegiado da escola se constitua numa estratégia explícita da administração. Para facilitar a participação, é preciso conscientizar os pais de seus direitos de participação, programar as reuniões para horários adequados e realizá-las em locais confortáveis.

Segundo Gadotti (1995), quatro grandes princípios devem reger a administração de um sistema único e descentralizado de ensino: a gestão democrática, a comunicação direta com as escolas, a autonomia da escola e a avaliação permanente do desempenho escolar. A gestão democrática supõe a descentralização do poder para a

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instância da unidade escolar, eliminando as incontáveis instâncias de poder intermediário. A comunicação direta com as escolas parte do pressuposto de que a escola é o locus central da educação e, por isso, deve tornar-se o polo irradiador da cultura, para reproduzí-la e para elaborá-la. A autonomia implica em que cada escola tenha poder para escolher e elaborar seu próprio projeto educativo. Finalmente, a avaliação permanente do desempenho escolar precisa tornar-se parte essencial de seu projeto educativo para adquirir um sentido emancipatório.

Finalmente, cabe lembrar que a educação é um processo coletivo. Pais e escolas têm responsabilidade legais em relação à educação das crianças, mas esta ocorre tanto dentro como fora da escola. A coordenação destes elementos da educação é importante. Ora, é no colegiado da escola que pais e educadores profissionais se encontram para definir os rumos do processo educacional (Macbeth, 1981). Implicações pedagógicas da prática participativa na gestão colegiada da escola 

Além das implicações pedagógicas dos argumentos filosófico, político, psicológico e sociológico, já mencionadas ou sugeridas, outras dimensões pedagógicas da prática da participação na gestão colegiada da escola podem ser explicitadas. Merecem destaque especial as que se referem à natureza do próprio processo pedagógico, à comunidade de educadores, à comunidade de pais, à comunidade dos alunos, ao colegiado e à própria escola.

A educação para a conscientização do educando leva-lo-á a participar em sua própria libertação. Como observa Paulo Freire (apud Sánchez de Horcajo,1979, p. 44), para que o homem faça a história e não seja levado por ela e se torne partícipe ativo e criador nos períodos em transição, é preciso que se eduque não para a domesticação ou escravidão, mas para a libertação. Para isso, é necessário revisar os sistemas educacionais, seus programas e métodos pedagógicos. A conscientização é a base da participação que, por sua vez, fundamenta a libertação autêntica. A consciência da realidade e da capacidade para transformá-la é a pré-condição para a participação ativa na história, na sociedade e na transformação da realidade (Freire, apud Sánchez de Horcajo, 1979, p. 44).

Toda ação pedagógica consiste num processo de participação e, por consequência, a gestão do ensino também deve ser participativa. A ação pedagógica não bancária é um processo de interação entre professor e aluno, onde ambos aprendem e ensinam. Neste processo dialético, a educação é denúncia e anúncio (Freire, 1975). Denúncia das estruturas injustas e anúncio da possibilidade de uma sociedade mais justa para todos. A gestão deste processo também precisa tornar-se pedagógica através da abertura à participação para todos os agentes da educação. Ou seja, educa-se para a democracia através da gestão democrática na escola.

A participação educativa é postulada a partir da mesma natureza da pessoa e do ato educativo. Constitui um direito fundamental da pessoa o poder de intervenção e gestão de sua própria vida e atividades. Nada é mais pessoal do que a própria educação. Donde, o direito primordial à participação educativa. Como observa Sánchez de Horcajo (1979), "trata-se de confiar na capacidade de todos os homens de realizar tarefas responsáveis e de tomar parte ativa na gestão de sua própria existência. E isto só é possível se se pratica desde a infância" (p. 46).

A natureza do ato e processo educativo, seja como processo personalizador ou socializador, postula a participação. Como processo personalizador, a participação contribui para desenvolver a criatividade, o espírito crítico e a capacidade de compreensão, acei-tação, análise e valoração da pessoa humana. De um lado, a pessoa humana busca desenvolvimento integral, exercício da liberdade, relação social, responsabilidade e auto-afirmação. De outro, a cogestão promove o humanismo integral democrático, a autodeterminação-responsabilidade, o diálogo-interdependência, a corresponsabilidade e a valoração-crítica (Sánchez de Horcajo, 1979). Ou seja, a gestão colegiada pode colaborar no desenvolvimento da pessoa humana que é, ao mesmo tempo, objeto (cliente) do processo educativo e sujeito ou agente principal deste processo.

Como processo socializador, a participação pode capacitar o indivíduo para sua incorporação na sociedade mediante a tomada de iniciativa e o exercício de poder real sobre o desenvolvimento de sua própria personalidade. A cogestão colabora na educação do cidadão desenvolvido, equilibrado e ativo, consciente de si mesmo e de sua sociedade.

A comunidade de educadores encontra no modelo de gestão colegiada a oportunidade para influenciar a natureza de seu trabalho de forma bastante poderosa. Os professores estão representados no grupo de política da escola o qual é responsável pela aprovação da missão, políticas, plano estratégico e prioridades. Em todas estas definições deverá haver um adequado envolvimento dos professores nas atividades que conduzirão às decisões. Também cabe aos professores encaminharem propostas para a consideração do grupo de política, ou seja, para o colegiado escolar. Como a principal fonte de competência na área de política curricular na escola, os professores municiarão o colegiado em seu processo de política sobre a escolha de estratégias de mudança curricular de longo prazo, a preparação de planos e prioridades para o ano seguinte e a avaliação do programa numa base cíclica.

Por outro lado, a cultura da escola cogestionária abre espaço para a possibilidade de desenvolvimento profissional do professor na própria escola, especial-mente através da "prática reflexiva" (Schön, 1983). A teoria ajuda a organizar a experiência, mas em si mesma é insuficiente para guiar a prática. Schön defende a preparação

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profissional que capacite o prático a enfrentar os problemas complexos e a desenvolver a capacidade da prática reflexiva. Ora, a cultura da gestão colegiada fornece a oportunidade para a prática reflexiva. O funcionamento do próprio colegiado instaura uma instituição reflexiva que cria condições para profes-sores, pais e alunos refletirem sobre suas próprias ações e definirem diretrizes para o funcionamento eficiente da escola e para a eficácia de seu processo pedagógico.

Na condição de co-responsável pela educação dos alunos, a comunidade dos pais precisa exercer uma parceria mais sólida com os educadores nos vários domínios da tomada de decisão, inclusive na área de currículo. Conforme pesquisa de Coleman e Hoffer (1987), o papel dos pais é crucial na consecução de um alto grau de capital social, importante fator da obtenção de benefícios educacionais para os alunos. Para alcançar estes benefícios é importante assegurar uma sinergia de comunidades para garantir que o efeito do todo seja maior do que os efeitos de cada grupo considerado separadamente.

A pesquisa de Coleman e Hoffer em escolas públicas e particulares dos Estados Unidos indica que as escolas onde há fortes relações de apoio entre diretor, professores, estudantes, pais e outros membros da comunidade escolar tendem a ser mais efetivas do que escolas semelhantes mas carentes deste apoio. Estas relações são descritas por Coleman e Hoffer como "capital social". Quando há alto capital social, os estudantes encon-tram o mesmo conjunto de valores reforçadores na comunidade escolar. Neste caso, os valores adotados pela escola são apoiados pelo diretor, pelos professores, pais, alunos e comunidade mais ampla. No colegiado escolar, como sede do grupo de política da escola, os pais devem exercer um importante papel, assegurando sua participação na definição da missão, dos objetivos, políticas, prioridades, plano estratégico e avaliação cíclica dos programas da escola. A interação de pais e professores nesta tarefa ajudará a construir o capital social necessário ao seu eficaz desempenho.

Ao lado das comunidades de educadores e de pais, existe a comunidade de alunos. A contribuição dos alunos no processo de gestão colegiada da escola justifica-se especialmente por seu interesse nas conseqüências de muitas das decisões deste grupo de política e por sua competência em muitos temas tratados neste conselho (Caldwell e Spinks, 1992). Os alunos constituem uma importante fonte de informação sobre os problemas da escola e suas possíveis soluções. Sua representação no colegiado contribuirá para o aumento da sinergia ou capital social deste órgão de decisão. Além disso, a própria participação dos alunos no colegiado se transformará numa escola de formação e desenvolvimento de conhecimentos e habilidades de liderança e de cogestão.

A participação dos alunos no colegiado será mais efetiva e pedagógica se, ao lado de pais e professores, se envolverem em programas de desenvolvimento de liderança. A preparação para o trabalho em grupo e para o exercício da liderança será uma importante escola de formação de futuros líderes sociais e democratas.

O colegiado, composto por estas três comunidades, abrirá espaço para tornar a escola uma instituição reflexiva. Situado na cúpula do poder escolar, este órgão institucionalizará a prática reflexiva e estimulará a sinergia ou capital social destas três comunidades a fim de buscar soluções criativas e pertinentes a seus problemas e oferecer educação de qualidade a seus usuários.

Por último, cabe lembrar que a tarefa educativa essencial da escola é educar os alunos para os valores da democracia. Para isso, ela precisa criar internamente um ambiente democrático. O processo democrático pode assegurar a participação das pessoas envolvidas e seu conseqüente comprometimento com as decisões tomadas. Uma segunda razão para a escola incorporar o espírito democrático é que os valores de inclusão, justiça, participação e diálogo, essenciais à democracia, também são inerentes às escolas efetivas. Uma democracia é uma comunidade inclusiva, ou seja, procura fazer as pessoas tomarem parte do processo, reconhece a diversidade entre seus membros e, em nome do princípio de inclusividade, abre as portas à participação e faz as pessoas se sentirem parte da comunidade. Em nome deste princípio, o colegiado escolar precisa abrir-se ao debate de tópicos importantes para sua comunidade, discutir todos os lados das questões, alocar tempo suficiente para a discussão dos problemas e abrir espaço para a participação de pais e alunos no debate das questões básicas da escola. Excluir estes constituintes é diminuir a democracia e promover a exclusão.

A democracia preocupa-se com a promoção dos valores fundamentais de justiça e eqüidade. O respeito pela dignidade humana é o valor humano básico que deve ser promovido numa democracia. Isto significa o direito de ser tratado com justiça, o direito à justiça, o direito de ser ouvido e respeitado. A busca do poder, da riqueza e de posições a serviço dos próprios interesses compromete o funcionamento adequado e justo da democracia. Mas, o respeito pela dignidade humana força a sociedade a confrontar os abusos à dignidade humana e isto se torna mais viável numa sociedade democrática. A escola, em seu dia a dia, precisa aprender a promover o respeito pela dignidade humana e os valores democráticos.

Numa sociedade democrática, cada pessoa se sente responsável por si e pelos outros. Na democracia há lugar para os interesses individuais, sem exclusão de uma agenda comum para a sociedade. Uma sociedade democrática estabelece elos entre os interesses individuais e os coletivos. Sem interesses coletivos não há sociedade ou comunidade. Neste contexto, cada membro da sociedade ou comunidade precisa perguntar-se o que pode fazer

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para aprimorar seu ambiente ou comunidade. Ensinar a responsabilidade para com a comunidade é tarefa de todos os membros da escola.

A democracia promove o discurso e o debate num ambiente civilizado. Numa democracia todos podem concordar em discordar e debater os problemas até chegar a um certo consenso. Este debate precisa ser conduzido com civilidade, o que não exclui paixão. Mas, uma vez encerrado, deverá haver respeito pelas diferentes opiniões e um envolvimento construtivo. No contexto da escola, a civilidade significa a capacidade de ouvir e promover o "discurso" entre todos os grupos, independentemente de suas posições. A propósito, escrevem Calabrese e Barton (1994): "Quando uma escola não permite o engajamento construtivo e não abre aos estudantes ou professores um espaço para afetar a mudança, dá-se a violência na forma de vandalismo, o antagonismo às autoridades e o repúdio dos princípios democráticos" (p. 10).

Em suma, opor-se ao colegiado como órgão de gestão democrática da escola com poderes decisórios sobre as questões substantivas da escola é opor-se à democracia. E numa democracia, as pessoas exercem o poder diretamente ou através de representantes eleitos. Numa gestão baseada na escola, como numa democracia, deve haver um equilíbrio delicado entre o poder do "povo" e o poder dos representantes eleitos diretamente ou indiretamente. Aristóteles chamou este equilíbrio de combinação de democracia e aristocracia. Para sintetizar estes argumentos em favor do colegiado, convém lembrar que a democracia, como lembrava Russell, apesar de todos os seus defeitos, ainda é a melhor forma de governo inventada pelos homens. E as escolas éticas e democráticas são, como escreve Calabrese (1990),

(...) lugares onde prevalece a justiça; onde se cultiva a equidade; onde a integridade é a força motriz em todos os relacionamentos; onde a plena participação é a expectativa; onde a inclusão é a norma; que distribuem os re-cursos eqüitativamente; e que permitem os recursos dos membros corrigirem as injustiças (p. 12).

Em suma, apesar dos obstáculos teórico-empíricos à democracia institucional representados pela "lei de ferro da oligarquia" que pretende justificar a inviabilidade da democracia nas instituições e organizações através dos argumentos da eficiência e da apatia das massas, há contra-argumentos suficientes para se fundamentar e defender a democracia institucional ou organizacional. Argumentos de natureza filosófica, política, psicológica, sociológica e pedagógica justificam a adoção da democracia institucional nas escolas, operacionalizada através da implantação do conselho deliberativo constituído por representantes de suas três principais comunidades de cidadãos - os estudantes, os professores e os pais.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, H. (1964). Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil. New York: Viking Press.ARENDT, H. (1965). On Revolution. New York: Viking.ARISTÓTELES (1981). Politics. Harmondsworth: Penguin.BACHRACH, P. (1967). The Theory of Democratic Elitism: A Critique. Boston, Mass.: Little, Brown.BARROW, R. (1981). The Philosophy of Schooling. New York: John Wiley and Sons.BORDIGNON, G. e Oliveira, L. S. M. (1989). A escola cidadã: Uma utopia minicipalista. Revista Educação Municipal 4,5-13.BROWN, D. J. (1990). Decentralization and School-based Mana-gement. London: The Falmer Press.CALDWELL, B. J. (1989. Paradox and Uncertainty in the Governance of Education. Paper presented at meeting of the American Educational Research Association. San Francisco, March.CALDWELL, B. J. and Spinks, J. M. (1992). Leading the Self-Managing School London: The Falmer Press.CALABRESE, R. L. (1990). The School as na Ethical and Democratic Community. NASSP Bulletin. October.CALABRESE, R. L. e Barton, A. (1994). Democracy: Back to the Future. NASSP Bulletin, 78 (558), January.CARR, W. (1991). Education for Citizenship. British Journal of Educational Studes 39 (4), 373-385.CASTORIADIS, C. (1982). A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.CASTORIADIS, C. (1991). A criação histórica: O projeto de autonomia. Porto Alegre: Artes e Ofícios.COLEMAN, J. S. e Hoffer, T. (1987). Public and Private High Schools: The Impact of Communities. New York: Basic Books.CONSEIL de l'Europe/Conseil de la Copperation Culturelle (1973). Documentos de trabalho e monografias do simpósio sobre La participation dans l'enseignement et l'éducation à la Partici-pation. Bruxelles.CROUCH, C. e Heller, F. (Eds.) (1983). International Yearbook of Organizational Democracy. Chicester. John Wiley and Sons.CUNHA, L. A. (1991) Educação, estado e Democracia no Brasil. São Paulo: Cortez, Rio de Janeiro: EDUF.DAHL, R. (1961). Who Governs? New Haven, Conn.: Yale University Press.DEWEY, J. (1975). Philosophy of Education: Problems of Man. Totowa, N. J.: Littlefield, Adams.DYE, T. (1981). Understanding Public Policy. 4th ed. Englewwod Cliffs, N. J.: Prentice-Hall.EVERS, C. (1988). Schooling, Organizationl Learning and Efficiency in the Growth of Knowledge. Paper presented at conference on school-based decision-making and management.Woodend, Victoria, April.FAY, B. (1975). Social Theory and Political Practice. London: George Allen and Unwin.FISHER, F. e Seriaani, C. (Eds.) (1984). Critical Studies in Organization and Bureaucracy. Philadelphia, Pa.: Temple University Press.FOSTER, W. (1989). Toward a Critical Practice of Leadership. In J. Smyth (Ed.), Critical Perspectives on Educational Leadership. London: The Falmer Press.

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GESTÃO PARTICIPATIVA NA ESCOLA PÚBLICA: LEGISLAÇÃO E PRÁTICA. Katia Siqueira de Freitas, Ph. D.11

Maildes Fonseca da Silva.12

Mara Schwingel dos Santos.13

  RESUMO 

A legislação nacional e as políticas educacionais, correntemente, prescrevem a organização administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino de forma descentralizada, democrática e participativa. Várias experiências estão sendo implementadas desde o final da década de setenta e início de oitenta. Em março de 1996, a prática cotidiana da gestão escolar e o processo pedagógico de escolas públicas baianas passaram a ser acompanhados por uma equipe de estudantes e professores da Universidade Federal da Bahia. As observações foram dirigidas às escolas onde ocorre o Programa Gestão Participativa por ser uma experiência relativamente nova, datando de 1996. São empregadas técnicas qualitativas e quantitativas. Através do projeto "Acompanhamento, Avaliação e Documentação do Processo de Democratização da Gestão em Escolas Públicas no Estado da Bahia", bolsistas do CNPq acompanham semanalmente as escolas, documentam e avaliam a relação gestão, clima organizacional, prática cotidiana e resultados escolares. A análise dos dados, embora parcial, indica que há uma relação positiva, entre gestão participativa e a elevação da auto-estima das comunidades escolar e local. As observações continuam em andamento. INTRODUÇÃO

Um possível aumento da qualidade educacional brasileira tem sido correlacionado com o engajamento de seus profissionais a partir da descentralização administrativa do sistema de ensino e da democratização da gestão escolar. Há ampla literatura sobre o efeito da democratização da gestão escolar e a modificação da cultura organizacional instalada nas escolas. Alguns teóricos, como Girling e Keith (1996), afirmam que o sucesso da escola pode ser impulsionado através da prática de uma administração participativa, voltada para objetivos claros, definidos coletivamente pela comunidade escolar.

A administração participativa na escola é, então, percebida como sendo um meio capaz de possibilitar maior envolvimento dos profissionais da educação com o planejamento e a tomada de decisões na prática cotidiana. Desse modo, o foco na escola e no aluno e a probabilidade de autonomia e sucesso da escola são aumentados. A esse tipo de administração participativa é creditado o alargamento de espaços para incorporar a capacidade criativa e solidária das comunidades escolar e local. Tal prática favorece o despertar de iniciativas e programas a partir das interlocuções, dos diálogos, da crítica e da reflexão, como resposta aos anseios e às necessidades da escola pública e da sociedade que a financia.

Lopes (1997, p. 40) afirma que a "organização escolar do próximo século... terá que possuir uma postura de responsabilidade, presteza nas decisões, propósitos claros e visão eventualista como forma de pensar em existir... agilidade, maleabilidade e suas proposições bem definidas pelo consenso do coletivo". Por outro lado, Xavier e Amaral Sobrinho (1997) afirmam que alterações da sistemática de gestão do sistema de ensino deve ter, como um dos seus pilares a "... equidade no atendimento aos alunos..." como prescreve a Constituição Federal de 1988.

Segundo Casassus (1995, p. 96), "os processos de descentralização ou centralização são processos de distribuição ou re-ordenamento do poder na sociedade, nos quais há acrescentamento de poder para um e decréscimo para outro, onde se incluem ou reconhecem novos atores e onde surgem outros, ou onde se definem novas áreas de poder na sociedade". Ele afirma que a descentralização aumenta a possibilidade de "maior participação e maiores espaços para a representação da diversidade" e maior "eficácia no serviço educativo" devido a um maior controle social. O deslocamento das decisões do poder central para o locus da escola aumenta a responsabilidade da equipe escolar "... porque do uso correto que a escola faça da sua capacidade de autonomia, tanto melhor serão os resultados para todos os envolvidos nos processos escolares" (Bacelar, 1997, p. 27). Neste contexto, o diretor escolar é um agente de transformação e deve assumir o papel de motivador, incentivador e catalisador de ações que liguem a sua escola à outras escolas e à comunidade.

Paro (1995) credita à atividade "gestão educacional" a mediação do processo de coordenação das ações administrativas e pedagógicas. O pensamento cor-rente é que a ação pedagógica de qualidade constitui a finalidade

11 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – Vice-Coordenadora da Pós-Graduação e Coordenadora do Núcleo Temático Gestão em Educação.12 Pedagoga formada pela FACED/UFBA – Bolsista CNPq – Núcleo Temático Gestão em Educação.13 Pedagoga formada pela FACED/UFBA – Bolsista CNPq – Núcleo Temático Gestão em Educação.

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primeira da escola. Dois dos instrumentos importantes para se conseguir a almejada qualidade são o plano de desenvolvimento da escola e o projeto pedagógico. Ambos são mais representativos quando elaborados e legitimados por planejamento e decisões colegiadas. O plano de desenvolvimento da escola inclui as preocupações da escola com as áreas administrativas, financeira e pedagógica. O projeto pedagógico focaliza a atividade fim da escola que é o processo ensino-aprendizagem para garantir a melhor qualidade possível dos resultados obtidos pelos estudantes (ver Bahia, SEC, Projeto Pedagógico da Escola, 1997).

O número de publicações e de apresentações de experiências práticas em congressos atesta a importância que a sociedade tem dado, correntemente, a este tema. A escola, que parece melhor atender aos sonhos da sociedade brasileira neste final de século, está centrada em três dos pilares básicos que compõem o novo panorama da escola participativa, democrática e transparente. São eles: o administrativo, o pedagógico e o relacional. Todos os três eixos devem estar abertos à avaliação interna - da própria escola e do seu sistema de ensino - e externa - da comunidade onde está inserida e da sociedade como um todo. A avaliação deverá funcionar como termômetro e bússola, indicando a temperatura e o melhor caminho a ser perseguido com a participação e comprometimento da equipe escolar.

Tomando por base Pellegrini e Gschwenter (1997, p. 11), entendemos que o administrativo volta sua atenção para a concretização do plano de desenvolvimento da escola e do projeto pedagógico, construído e implementado coletivamente. Para este fim, são pensados aspetos humanos, financeiros e materiais. O administrativo deve ser catalisador das ações que promovam a integração da escola consigo própria, com seu sistema de ensino e estabeleça parcerias com outras instituições. O pedagógico volta-se para a construção e operacionalização do processo ensino-aprendizagem centrado no aluno e na integração com a comunidade. O relacional é responsável por toda intricada teia de relações necessárias ao bom desenvolvimento dos trabalhos planejados para atender à consecução dos objetivos definidos e à missão da escola.

A comunicação entre a equipe escolar, os pais, os estudantes e seus familiares é uma das estratégias usadas para estabelecer uma prática escolar participativa. A partir de uma visão comum as pessoas definem objetivos, metas, caminhos teóricos e práticos a serem seguidos. Elas constroem o Plano de Desenvolvimento da Escola, os projetos financeiro e pedagógico de forma mais abrangente e realista. As pessoas que convivem na mesma escola raramente comungam de uma mesma "... visão de conjunto bem fundamentada sobre o que precisa cada grupo que a compete" (GAHNEM, 1997). A comunicação aberta e clara, desobstaculizada, pode ser uma estratégia eficiente capaz de promover uma certa visão de conjunto e facilitar a possibilidade de integrar a comunidade escolar consigo própria, dentro de seus próprias muros, e com a comunidade local, o contexto externo que circunda a escola.

Parece haver um certo consenso na literatura atual quanto ao fato de que o foco das preocupações da administração das escolas deve ser a própria escola e seu corpo de alunos a partir da vivência de sua equipe escolar. O termo equipe escolar está sendo empregado no sentido mais amplo, abraçando as comunidades escolar e local que estejam ativamente engajadas no cotidiano escolar. O termo envolve inclusive corpo docente, técnico-administrativo, discente, colegiado escolar, líder e comunitários. Experiências Descentralizadoras e Legislação  

Desde o final da década de setenta e início de 80, reina uma crescente insatisfação com a interferência política em assuntos educacionais, especialmente com relação à indicação política dos diretores de escolas públicas. Varias ações, a princípio vistas com inúmeras restrições pelo poder público, foram empreendidas, em muitos estados brasileiros, para mudar essa prática. Contudo foi o Artigo 206, Inciso IV, da Constituição Federal Brasileira de 1988, que ofereceu o amparo legal à "gestão democrática do ensino público na forma da lei", legitimando o espaço conquistado por muitas ações que, na prática cotidiana das escolas, já ocorriam com a intenção explicita de orientar democraticamente a reorganização das ações educativas e otimizar resultados administrativos e pedagógicos. In-contáveis experiências, cujo princípio básico era implementar a descentralização administrativa dos sistemas de ensino via gestão participativa, já estavam sendo postas em prática como uma das maneiras de aprimorar a qualidade gestora da escola pública brasileira.

Algumas das experiências voltadas para a descentralização administrativa e o gerenciamento democrático da escola pública brasileira, entre os anos de 80 e 90, estão sintetizadas no Quadro1. Essas experiências eram consideradas inovadoras naquela época. Atualmente, elas se tornam cada vez mais difundidas e até mesmo aceitas pelos detentores do poder constituído.

Em 20 de dezembro de 1996 é publicada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) N.º 9394/96, cujo inciso VIII do Artigo 3.º, no título II, trata a questão da "gestão democrática do ensino público", enfatizando o princípio de participação e fortalecendo o espaço para gestão colegiada e avaliação do desempenho. Os artigos 14 e 15 da referida LDB e as políticas de administração da educação brasileira dos anos 90 têm incentivado a descentralização administrativa, a autonomia da escola e participação da equipe escolar na tomada de decisões como forma de revitalizar a eficiência das escolas públicas e torná-las mais eficazes.

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Vejamos que os referidos artigos afirmam: 

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Art.15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público (LDB n.º 9394/96).

 No final da década de 90, as preocupações com a democratização e eficiência da administração de escolas

públicas continuam muito fortes. As inúmeras transformações ocorridas na sociedade e na escola, no final do segundo milênio, requerem uma administração de escolas capaz de abraçar aspetos de coordenação administrativa gerencial e pedagógica. São cada vez mais freqüentes programas, projetos e atividades empreendidos no âmbito dos sistemas de ensino e das escolas, até mesmo, por iniciativa própria das escolas, que incentivam a participação competente das comunidades escolar e local.  

QUADRO 1Experiências Descentralizadoras em Escola Pública Brasileira

Décadas 80/90 Eleição para Diretor

Corpos docente e técnico-administrativo, representantes dos pais e alunos, com no mínimo 16 anos de idade, votam para eleger o diretor. Essa prática ocorreu em vários estados, tendo sido suplantada em alguns estados por não garantir competência administrativa dos eleitos, nem isenção política partidária.

Prova de Conhecimento e Eleição para DiretorCombina critérios como competência profissional, liderança, prova de conhecimentos e eleição. A experiência mais conhecida é a de Minas Gerais.

Colegiado EscolarCorpo deliberativo com poder decisório dentro da escola, composto por representantes de professores, funcionários, pais e alunos. Os Colegiados Escolares foram criados, inicialmente, em escolas estaduais mineiras entre 1983 e 1987 ( Mello e Wey, 1995).

Escola CidadãProjeto do governo do Estado do Paraná, iniciado em 1992, visa aumentar o grau de autonomia da escola. Plano diretor da escola e conselho escolar são dois instrumentos importantes para consolidar a autonomia da escola perante os órgãos hierarquicamente superiores ( Silva e Rodriguez, 1995).

Conselho Municipal de Educação Órgão colegiado, consultivo e deliberativo, responsável por normatizar e fiscalizar o seu sistema de ensino .

Conselho ComunitárioEm Croatá, Ceará, em cada distrito foi constituído um " Conselho Comunitário como forma de garantir e viabilizar a participação popular nas ações educacionais" (Haguette, Olinda Loiola, 1995).

Concurso para DiretorS. Paulo e alguns outros estados, há várias décadas, selecionavam diretores a partir de concurso e provas de títulos. Abandonaram essa prática devido à questão da estabilidade do funcionário público concursado ( Mello e Wey, 1995). Mais recentemente, mudanças na legislação brasileira têm propiciado a prática do concurso para diretores. O Estado de Sergipe realizou concurso para diretores em agosto de 1997.

PROGRAMA GESTÃO PARTICIPATIVA –PGPO PGP é concebido como capaz de desencadear um processo de reestruturação da escola baseado em responsabilidades e liderança participativa. As comunidades escolar e local avaliam e planejam o futuro da escola. Os fundamentos básicos são liderança participativa, comunicação, construção de equipes, planejamento e implementação administrativo-pedagógica ( Girling e Keith, 1995).

PROGRAMA GESTÃO PAR-TICIPATIVA – PGP 

Preparo e competência são elementos chaves para que os que vivem e fazem a escola acontecer possam participar dos planeja-mentos e da sua execução. Pensando assim um grupo de professores e alunos da Universidade Federal da Bahia e professores da Universidade estadual da Califórnia implementam o Programa

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Gestão Participativa – PGP- Ele é voltado para a preparação em serviço das comunidades escolar e local, de tal sorte que sejam capazes de planejar e implementar participativamente decisões e ações que norteiam os rumos da escola na qual estão engajados.

Por ser uma experiência relativamente nova, vamos nos ater a falar mais detalhadamente do PGP. As demais experiências apresentadas no Quadro 2 são bem conhecidas dos que estudam esta área. O INÍCIO DO PGP 

O PGP foi implantado, inicial-mente em 1996, em 6 escolas públicas baianas, e, em 1997, em mais 4 escolas. Ele é viabilizado através do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBa.) e da Universidade da Califórnia, com uma equipe de estudantes e professores da graduação e da pós-graduação ligada ao Núcleo Temático Gestão em Educação - NTGE da FACED/-UFBa. Seu objetivo principal é a democratização da gestão escolar como estratégia para aperfeiçoar a qualidade educacional da escola pública. OBJETIVOS DO PGP  

Destacamos, dentre uma série de outros, os seguintes objetivos do PGP: 

1. Aperfeiçoar diretor/a e demais membros das comunidades escolar e local em técnicas de liderança participativa com objetivo de mobilizar as comunidades escolar e local para a melhoria do processo ensino/aprendizagem.

2. Aprimorar as competências das comunidades escolar e local (incluindo diretores) em técnicas de resolução de problemas e tomada de decisões de modo participativo.

3. Atualizar as competências das comunidades escolar e local em planejamento, PDE, projeto pedagógico avaliação, orçamento financeiro da escola.

4. Consolidar a parceria entre Universidades e a rede pública de ensino, desenvolvendo ações con-juntas para melhorar o ensino público.

5. Estimular a pesquisa na área - gestão participativa, avaliação e planejamento administrativo e pedagógico.  DESENVOLVIMENTO DO PGP 

Utilizando módulos de Estudo (ver Quadro 2), a equipe do PGP/-NTGE desenvolve, no primeiro ano de convivência com a escola, sob forma de oficinas, competências teórico-práticas com equipes escolares nos temas: Gestão Participativa; Construção de Equipes e Liderança Participativa; Colegiado Escolar; Identificação e Resolução de Problemas; Gestão Participativa e Plano de Desenvolvimento Escolar; Projeto Pedagógico; Avaliação do Processo Ensino-Aprendizagem; Finanças Escolares; Planejamento Estratégico; Construção do Plano de Ação; outros.

Com essas idéias, um grupo de professores e estudantes universitários implementam, atualmente, o PGP em dez escolas públicas baianas. Pelo seu escopo, o PGP deverá apoiar as escolas durante cerca de cinco anos, tempo mínimo que acreditamos ser necessário para instalar e consolidar a cultura participativa na escola. No segundo ano do PGP nas escolas, já foi possível observar muitas melhorias com relação ao compromisso da comunidade escolar e local em participar dos planejamentos e da sua execução. O QUADRO 2 - Módulos e Temas do PGP - oferece uma visão geral das principais ações de cada módulo de estudo durante o primeiro ano do PGP em uma escola. No segundo ano, outras atividades, definidas pelas comunidades escolar e local, são implementadas. 

QUADRO 2Módulos e Temas do PGP

Durante o primeiro ano na escola- Ano 1996 Módulo 1: Gestão Participativa para comunidades escolar e local

Conceitos básicos de gestão participativa; estudos de caso; auto-análise da escola; como fazemos a gestão e como gostaríamos de fazê-la? (4 horas) local: a escola

 Módulo 2: Liderança para diretores e comunidades escolar e local

Conceitos básicos de liderança, o diretor como líder pedagógico, exercícios em desenvolvimento de liderança (4 horas) local: a escola

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 Módulo 3: Construção de Equipe

Conceitos básicos, atividades de construção de equipe, auto-análise; Sonhando a nossa escola (4 horas) local: a escola. Período de aplicação: auto-análise da escola e oficinas de currículo

 Etapa 2

Módulo 4: Solução de Problemas e Tomada de Decisões Conceitos básicos, exercício de identificação de problemas; aplicações das técnicas(8 horas) local: a escola

 Módulo 5: Finanças escolar

Conceitos de custos unitários, como preparar um orçamento ligado ao plano pedagógico, como preparar um pedido de fundos, como estabelecer uma conta bancária, como prestar contas; como identificar fontes de dinheiro não governamentais. (8 horas) local: FACED/UFBA

 Módulo 6: Planejamento Participativo:

Conceitos básicos, elaboração do plano/projeto pedagógico, (8 horas) local: a escolaPeríodo de aplicação: implementação do Plano de desenvolvimento da escola e do projeto pedagógico

 Etapa 3:

Módulo 7: Workshop para intercâmbio entre as diversas escolasApresentação e análise de experiências; identificação de fontes de apoio para execução do plano(4 /8 horas) local: FACED/UFBA

  ACOMPANHAMENTO 

Além do desenvolvimento dos módulos indicados, a equipe do PGP oferece acompanhamento semanal às escolas por entender que nenhum trabalho de estudo e aperfeiçoamento se completa ou se esgota em si próprio. O acompanhamento semanal das ações das comunidades escolar e local é necessário para apoiá-las e observar se efetivamente tem havido mudança na prática cotidiana, isto é, se os novos conhecimentos adquiridos podem ser observados como tendo sido incorporados nos climas organizacional e pedagógico da escola.

Desse modo, o impacto no processo administrativo-pedagógico da implementação do PGP em escolas públicas baianas e a gestão de outras escolas públicas baianas estão sendo acompanhados e analisados sistematicamente desde março/96.

A equipe do PGP ouve as necessidades das comunidades escolar e local e faz o possível para atendê-las. Atualmente, além do apoio às escolas, estão sendo realizadas análises de documentos, observações sistemáticas e entrevistas com as comunidades escolar e local, envolvendo docentes, discentes - diretores - corpo técnico administrativo das escolas participantes do P.G.P, pais de aluno, outros. Estão sendo examinados o processo de descentralização da gestão e a relação com o clima organizacional, mudanças no processo ensino-aprendizagem, envolvimento da comunidade local com a escola, desempenho de professores e alunos. Os resultados são comparados com os de duas escolas onde não ocorre o PGP. Para a coleta e a análise dos dados têm sido empregadas técnicas qualitativas e quantitativas.

Compreendemos que através da pesquisa a escola pode e deve assumir uma tarefa de renovação, tornando-se atualizada e trans-formadora para influenciar positivamente as mudanças sociais, no que deve ser impulsionada e sustentada por uma administração escolar participativa, integrada e dinâmica. A qualidade escolar se constrói e se define no seu próprio interior mediante. "... um compromisso claro e inequívoco de desempenho superior, junto à comunidade a que serve" (Xavier e Amaral Sobrinho, 1997).

Através do acompanhamento e observação é possível afirmar que as 6 escolas estão tentando concretizar uma prática mais eficaz com relação ao trabalho pedagógico e administrativo. Há uma grande preocupação para que os trabalhos ocorram de modo participativo. Em muitas das escolas observadas já há a prática das decisões colegiadas. Vários conflitos são também evidentes. Todo processo de mudança não ocorre sempre harmoniosamente: há avanços e retrocessos evidentes no cotidiano das escolas e, por vezes, expressos por seus sujeitos.  

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QUADRO 3ESCOLAS QUE PARTICIPAM DO PGP

Desde o ano de 1996 

ESCOLA ENDEREÇO CIDADE/CEP DIRETORA PORTE TIPO

Nossa Senhora das Graças

Rua Presidente Kennedy, s/n

Candeias/BA 43800-000

Angélica Oton Oliveira

Pequeno Estadual

Brigadeiro Eduardo Gomes

Rua Lauro de Freitas, 01 – São Cristvão

Salvador/BA Marise F. C. Lima

Pequeno Municipal

Batista Neves 2.º Rótula da Cazajeiras 5 Salvador/BA 41330-010

Iraci Edite de Jesus

Pequeno Estadual

Ester Félix da Silva

Colinas das Malvinas, 3.ª Etapa, 59 – Fazenda Coutos

Salvador/BA Cássia Cristina da Silva

Médio Municipal

Julieta Viana Av. Heitor Dias, s/n – Barros Reis

Salvador/BA 40360-000

Maria Lúcia C. L. Aragão

Médio Estadual

Municipal Vale da Federação

Rua Marinalva, 47 – Vasco da Gama

Salvador/BA 40230-540

Eunice Gaspar

Médio Municipal

 QUADRO 4

ESCOLAS QUE INICIARAM COM O PGPNO ANO DE 1997

 

ESCOLA ENDEREÇO CIDADE/CEP

DIRETOR PORTE TIPO

Municipal Fazenda Grande II

Via Local C s/n – Fazenda Grande II 2.ª Etapa Cazajeira

Salvador/BA Ana Cristina C. de Andrade

Médio Municipal

De 1.º Grau Dr. João Pedro dos Santos

Av. Mário Leal Ferreira, s/n Bonocô

Salvador/BACEP 40253-2280

Eraldo Matos Especial Estadual

Estadual Luiz Fernando Macêdo Costa

Salvador/BA Créuza F. Santos

Médio Estadual

Estadual de 1.º Grau Daniel Lisboa

Dr. Artur Gonzalez, 181 – Pau da Lima

Salvador/BA Ednalva Mesquita

Médio Estadual

  

As seis escolas/96 estão iniciando seu 3º ano de experiência com o PGP (Quadro 3). Desde o primeiro ano, elas são acompanhadas semanalmente pela equipe do PGP, que desenvolve palestras, estudos e apóia todas as decisões das comunidades escolar e local. Essas escolas participaram, em 97, de oficinas de finanças escolares, reciclagem de materiais, seminário de integração, oficinas sobre avaliação processual e LDB 9394/96. Todas essas atividades ocorreram de modo integrado na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. As atividades do terceiro ano do PGP estão sendo planejadas conjuntamente pelas escolas e membros do PGP. As quatro escolas, que iniciaram com o PGP em 1997, vão para seu segundo ano de experiência (Quadro 4 ).

Cada uma das escolas indicadas já é considerada escola de referência para as escolas vizinhas. Após a primeira fase de trabalho com as 6 escolas piloto, em 1996, 4 novas escolas foram abraçadas pelo PGP em 1997 e

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já começam a despontar como escolas de referência (Vide Quadro 4). A seleção das novos escolas, a exemplo da seleção inicial, tem sido a partir da inscrição para participar do PGP e de critérios específicos, como por exemplo: existência de um colegiado ou diretor eleito, comprometido com a metodologia participativa, o desejo da escola de trabalhar com a equipe de "facilitadores-" do PGP. Membros das equipes escolares experientes que se destacam nas escolas piloto, se desejam recebem o apoio para formar novas equipes com os facilitadores iniciais e envolverem novas escolas no PGP. Essas deverão inscrever-se para iniciar-se o processo de seleção e desenvolvimento de suas equipes escolares.

Membros das secretarias de Educação do Estado e dos Municípios apóiam a concepção metodológica do PGP e colaboram. Iniciamos um trabalho com estas pessoas a fim de que possam apoiar a concepção metodológica do PGP e colaborarem com as escolas e com o próprio PGP.

Em reuniões científicas semanais, desenvolvidas pelo Núcleo Temático Gestão em Educação, professores, pesquisadores, estudantes de graduação e de pós-graduação e os facilitadores-multiplicadores do PGP estudam a relação teoria-prática, avaliam as condições práticas, os acertos, os desacertos e efetuam os devidos ajustes.  Resultados Preliminares e Recomendações 

O PGP está em andamento desde setembro/95. Durante este período, pudemos observar os seguintes resultados:

A possibilidade da escola poder, voluntariamente, inscrever-se para participar de uma sistemática de aperfeiçoamento não é ainda muito comum. A prática geral é que o Ministério de Educação e Secretarias de Educação apresentem seus projetos às escolas.

A participação voluntária da escola parece ativar o efeito "Hawthorne". As escolas têm demonstrado muito interesse e satisfação. Temos observado um certo renascimento do prazer de ser professor, diretor e estar decidindo caminhos na e para a escola pública. Esse resgate pode trazer resultados positivos ao desempenho geral das comunidades escolar e local. Já podemos notar preocupação com a melhoria de desempenho e dos resultados obtidos com seus alunos. Duas das escolas, por exemplo, solicitaram que lhes fossem oferecidas algumas horas de estudo sobre avaliação do ensino-aprendizagem em matemática, no que já foram atendidas.

As escolas têm demonstrado um alto grau de abertura e grande confiança nos "facilitadores", que estão ligados à Universidade. Eles não são representantes das Secretarias de Educação. O clima de colaboração se instala com mais rapidez.

Normalmente, as escolas identificam seus problemas sem censuras. Como exemplos, uma das escolas solicitou, recente-mente, ajuda para resolver o problema de fracasso escolar, da disciplina de duas turmas de estudantes de 1º grau de uma mesma professora e uma palestra sobre sexo para pais, alunos e professores.

Como foi declarado pela diretora de uma das escolas piloto/96, os professores passaram da acomodação aos problemas à "inquietação", o que os está levando a buscarem soluções alternativas para melhorarem seu desempenho, o de seus alunos e, conseqüentemente, da escola.

É importante ressaltar que as comunidades escolar e local têm declarado grande interesse na continuidade do PGP.

Na década de noventa, as políticas educacionais brasileiras clamam por descentralização, sob a forma de municipalização, e por participação mediante a instalação de Conselhos Escolares, Colegiados Escolares e outras ações. Porém, como participar sem a competência que o ato participativo requer? O PGP tem propiciado a todos os envolvidos, inclusive aos membros dos recém- criados Conselhos, aprimorar suas competências. Uma das escolas piloto pediu ao PGP que os "facilitadores-multiplicadores" orientassem a instalação do Conselho Escolar e oferecessem algum tipo de atividade que fortalecesse a motivação desses conselheiros para assumirem suas funções de forma competente e como verdadeiros representantes dos seus pares.

Sintetizando as solicitações das comunidades escolar e local, afirmamos que elas precisam de muito apoio e motivação, além de aquisição e desenvolvimento de competências compatíveis com os novos papéis que a própria legislação vigente lhes concede. Só assim poderão ser participativamente ativas e eficazes.

Alguns cuidados devem ser tomados ao se estabelecer parcerias semelhantes. Os professores das escolas públicas brasileiras, geralmente, ocupam mais de um emprego ou função. Vivem numa verdadeira luta contra o tempo para poderem dar conta de todas atividades e compromissos assumidos. Sobra-lhes quase nenhum tempo livre para longas leituras e estudos que não lhes sejam úteis. É da maior importância dosar bem todo e qualquer material que lhes seja entregue para estudos.

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É muito comum também atrasos no início das atividades e antecipação de horário em cada sessão de trabalho do PGP. Os motivos apresentados são os mais variados, desde dificuldades com os transportes públicos até problemas familiares.

Ao planejarmos inicialmente o conteúdo programático e as atividades de cada módulo, não antecipamos esses problemas. Tivemos então que replanejar todos os conteúdos para evitar um trabalho "aligeirado", devido ao encolhimento das quatro horas previstas, que terminam tornando-se, aproximadamente três horas.

A experiência acumulada durante esse ano letivo de trabalho com o PGP mostrou-nos também a relevância de: 

a) efetuarmos um Seminário de Integração no meio do ano letivo. Esse Seminário, não previsto inicialmente pelo PGP, teve a função de colocar todas as escolas juntas em um mesmo local, promover a troca de experiência entre todos (coordenadores do PGP, facilitadores-multiplicado-res, comunidades escolar e local), e, ainda , permitir uma avaliação geral mediante depoimento dos participantes;

b) apresentar, em cada escola candidata ao PGP e participante , os fundamentos teóricos e a prática do PGP na integra em pelo menos dois momentos. Primeiro, inicialmente quando discutimos a participação ou não das escolas com seus representantes. Segundo, quando os "facilitadores-multipli-cadores" se apresentam no local da escola para iniciar o primeiro módulo. O motivo prende-se ao fato de termos notado que, apesar dos diretores terem assinado uma Declaração de Interesses na qual afirmavam terem discutido o assunto no interior da escola que eles representavam, nem todos os membros das comunidades escolar e local foram envolvidos nessa discussão. Em consequência, alguns desses membros tinham expectativas aquém dos próprios objetivos do PGP. Acreditavam que poderíamos resolver problemas cruciais, como equipar escolas com material permanente, bibliotecas, outros.

Expectativas que não estejam em consonância com os propósitos do PGP podem ser desmotivadoras. Outro motivo para essa recomendação é devido à grande movimentação de professores nas escolas públicas. São professores que entram de licença prêmio, licença de gestante, licença sem vencimento, alguns são trans-feridos para outras escolas, outros se aposentam, há ainda os professores substitutos temporários e os estagiários. Nesse vai e vem, alguns não têm a oportunidade de conhecer o PGP, podem ficar ressentidos, sentindo-se alijados e oferecer resistência. É conveniente envolvê-los. Os benefícios são múltiplos, vão desde o desenvolvimento pessoal e profissional, até a promoção do seu entrosamento num grupo de trabalho em andamento, cujo resultado acreditamos ser a melhoria da educação oferecida nas escolas públicas.

Embora trabalhando conceitos teóricos, é necessário desenvolver uma série de atividades práticas, que possam ser empregadas no cotidiano da sala de aula pelo professor e no cotidiano do gestor da escola. Esses são alguns dos resultados à luz dos quais estamos re-elaborando o PGP para não só abraçarmos novas escolas, como também para continuarmos apoiando as escolas atendidas até o momento.

Após o seu desenvolvimento inicial, os "facilitadores-multipli-cadores" são responsáveis por ajustar os módulos e seus conteúdos às características próprias de cada escola. Não há um pacote ao qual as escolas devem se ajustar. Embora mantendo os princípios teóricos de participação como a sua espinha dorsal, o PGP se ajusta às necessidades específicas das comunidades escolar e local para entendê-las e ajudá-las na sua caminhada de superação dos seus limites.

Pelo seu escopo, o PGP deu origem a novas disciplinas de estudos oferecidas a alunos de pós-graduação. Em 1997, três cursos foram oferecidos a nível de Extensão e de pós-graduação, na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Em 1996, ocorreu a criação do Núcleo Temático, intitulado Gestão em Educação - NTGE, referido anteriormente. O NTGE vem desenvolvendo pesquisa e extensão sobre o tema em pauta e modificou a linha teórica de condução da disciplina da graduação Princípios e Métodos de Administração Escolar. Essa disciplina passou a enfatizar administração escolar participativa COM ATIVIDADES TEÓRICAS E PRÁTICAS. Por acreditarmos na importância da comunicação no processo de democratização da gestão escolar e para facilitar a comunicação entre as escolas participantes, criamos um Informativo do PGP, intitulado GERIR, com publicações sobre suas atividades. Atualmente, o GERIR, com circulação também interna na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, está no seu ano três, volume sete, sendo um forte elo de ligação entre as escolas, o público em geral e os membros do PGP.

São necessárias mais observações para obtermos resultados mais consistentes e elas continuam ocorrendo. Vale ressaltar que participação no processo decisório, decisões colegiadas, envolvimento das comunidades escolar e local são inegavelmente fatores importantes para obtenção de resultados educacionais positivos e para o

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estabelecimento de um clima organizacional mais produtivo com relações mais horizontais entre as Secretarias de Educação, seus representantes e as escolas. BIBLIOGRAFIA BACELAR, Inalda Vieira. Escola, Descentralização e Autonomia. In Revista de Administração Educacional, Recife, v. 1, n.º 1, p. 1-88 jul./dez., 1997, pp. 27-37).BAHIA, Secretaria de Educação da Bahia. Projeto Pedagógico da Escola: Orientações para Elaboração 2.ª - Edição - Revista e Ampliada - 1995-1998. Salvador, 1997Brasil, Ministério da Educação e Desportos. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9394/96. Brasília, 1997.CASASSUS, Juan. Tarefas da Educação. Campinas, S.P., Autores Associados, 1995.COULON, Alain. Etnometodologia. Petropólis, Editora Vozes, 1995.NISKIER, Arnaldo. LDB – a nova lei da educação. Rio de Janeiro, Consultor, 1996.GIRLING, Robert H.; KEITH, Sherry. Gestão Participativa. Salvador, UFBa, 1996. (Mimeog.).GHANEM, Elice. Gestão Escolar Democrática: Alternativas de Apoio à Melhoria de Educação Pública. Guia para Equipes Técnicas. São Paulo, Ação Educativa. Assessoria, Pesquisa e Informações, 1997. Mimeog.GHANEM, Elice. Como Elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola: Aumentando o Desempenho da Escola por Meio de um Planejamento Produtivo. Brasília, DF; Qualitas – Consultores Associados Ltda. Junho, 1997. (Mimeog.)HAGUETTE, André, OLINDA, Ercília Maria Braga de, LOIOLA, Francisco Antônio. Croatà: O poder Público a Serviço da Cidadania. In In Antônio Carlos da R. Xavier et alli (org.) Gestão Educacional: Experiências Inovadoras. Brasília, IPEA, v. n.º 147,1995. pp. 261-272.LOPES, Jorge. Uma Introdução ao Estudo da Escola do Terceiro Milênio: A escola Contingencial. In Revista de Administração Educacional, Recife, v. 1, n.º 1, pp.1-88 jul./dez., pp.39-45.MELLO, Guiomar Namo de, WEY, Vera Lúcia. Estado de Minas Gerais: Em Busca de um Padrão de Gestão Educacional. In Antônio Carlos da R. Xavier et alli (org.) Gestão Educacional: Experiências Inovadoras. Brasília, IPEA, v. n.º 147,1995. pp. 29-83.PARO, V, H. Por Dentro da Escola Pública. São Paulo, Xamà, 1995.PELLEGRINI, Marlou Z., GSCHWENTER, Eliane da S. A nova escola Pública. IN Gestão em Rede, Setembro 1997, N.º 01, pp. 7-14.SILVA, Katia P., RODRIGUEZ, Vicente. Novos Padrões de Gestão Educacional no Paraná: As Associações de Diretores das Escolas Estaduais. In Antônio Carlos da R. Xavier et alli (org.) Gestão Educacional: Experiências Inovadoras. Brasília: IPEA, v. n.º 147, 1995. pp. 85-128.XAVIER, Antônio Carlos R; SOBRINHO, José. A Gestão da Escola e da Educação . Brasília , maio de 1997. (Mimeog.)   

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SUJEITO, O GRUPO E A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA  Maria Lucia de Abrantes Fortuna14

  RESUMO 

O trabalho procura investigar o lugar ocupado pelos condicionantes subjetivos nos processos de democratização da gestão da escola pública. Para tanto, articula matrizes teóricas da ciência política com os conceitos desenvolvidos pela psicanálise, em especial a matriz freudiana. Apresenta uma das possibilidades para se compreender a dimensão do sujeito nos chamados processos de gestão democrática da escola pública, bem como a dinâmica do sujeito no grupo e o significado que pode ter a democracia nessa dinâmica. Procura entender o encontro entre a escola e o sujeito e identificar a relação entre o sujeito, o grupo e a democracia, na gestão de uma escola pública. Como resultado de um estudo de caso, de cunho etnográfico, sustenta a hipótese da necessidade de se manter a democracia como uma busca permanente e inacaba, uma vez que o homem, por processos subjetivos, busca manter a ilusão como um desejo. A administração, no seu sentido geral, é uma atividade produzida pelo homem, capaz de orientar ações com vistas a fins pré-estabelecidos. Como uma forma particular de trabalho, se ocupa com a organização do esforço coletivo, isto é, com a organização do trabalho na sociedade. Por ser uma ação social e política, gera práticas contraditórias, uma vez que tanto serve para organizar o trabalho de forma autoritária, quanto para fazê-lo de maneira democrática e participativa.

A prática administrativa no Brasil, em especial a administração escolar, apresenta-se continuamente conformada com a situação, fundamentando-se na imposição e na coação legal e burocrática. Essa tradição possui suas raízes no autoritarismo da sociedade política e nos interesses dominantes. Procura enfatizar a dimensão técnica-"neutra" da administração que tem orientado a ação administrativa em direção ao centralismo burocrático, ocultando sua dimensão política intencional, oposta ao trabalho participativo. Neste particular é importante destacar que "o modelo de homem eficaz dentro da sociedade burocrática e planificada é este indivíduo destituído de qualquer qualificativo pessoal, sempre apto a funcionar como uma peça mecanizada na engrenagem econômico-administrativa." (Costa, 1984, p.142)

Entretanto, a partir de 1978, as pressões dos professores organizados e da sociedade civil como um todo, assim como a resistência e contestação dos alunos, exigiram novos rumos às práticas administrativas da educação, interferindo e requerendo do administrador uma revisão de suas posturas, procurando a reavaliação delas e o abandono do autoritarismo burocrático em benefício da representação democrática.

A partir dessas lutas, o provimento dos cargos administrativos de direção nos diferentes níveis de ensino vem-se fazendo em alguns estados e municípios por meio de eleições diretas, exigindo do eleito representatividade e compromisso com o nível de ensino que administra. Do ponto de vista do discurso, geralmente os diretores eleitos pretendem qualificar os fins de sua administração no sentido de uma gestão democrática, o que deveria significar a democratização das relações de poder no interior da área administrada e a ampliação dos espaços participativos de decisão que, saindo de um único centro de poder, culminassem com o exercício de uma administração colegiada. Administração esta que exigisse o envolvimento de todos nos processos de tomada de decisões. Porém, este movimento é engendrado no conjunto da sociedade, no chamado período de "abertura política", recebendo no seu transcurso a influência das práticas políticas do país, freqüentemente marcadas pelo clientelismo político e pelo corporativismo de interesses. Segundo Calligaris (1991), elas se explicam pelo composto colonizador, colono e escravo, presente na formação do povo brasileiro, que, pela ausência da função paterna interditora, carece da organização de um quadro social que lhe forneça a cidadania e a identidade. Segundo ele: 

"na sua busca contínua de uma função paterna, que lhe outorgue a filiação procurada, acaba medindo qualquer função paterna possível, pelo gozo ao qual ela poderia dar acesso (...) Isso abre as portas do clientelismo e da corrupção, pois o cargo que ocupo vale na medida em que posso dar prova patente do meu poder, só podendo sustentá-lo numa indefinida demonstração, onde o exercício do cargo se confunde com o gasto que comprova o seu valor." (Calligaris,1991, p. 61-62)

 Assim, se estabelece uma cadeia onde o poder se sustenta pela sua demonstração ostensiva e, de

preferência, criativa para sua platéia, pois "a função paterna vale pelo gozo que exibe e promete". (Calligaris, 1991, p. 65)

14 Doutora em Educação pela USP; Profa Adjunta da Faculdade de Formação de Profes-sores/UERJ e da Faculdade de Educação/UFF.

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No sentido restrito da administração, seu caráter contraditório é reforço do pelo confronto dos interesses de classe no interior dos processos de trabalho coletivo. O que vai definir o perfil de uma administração, se autoritária ou democrática, se "reiterativa e conservadora ou criativa e progressista" (Paro,1986:28), será a qualificação de seus fins e a escolha dos processos utilizados.

Em princípio, algumas pré-condições sinalizam a prática de uma gestão democrática. São elas: transparência das informações, dos controles e das avaliações; debate e votação das decisões coletivas; normas de gestão regulamentadas e\ou legitimadas por maioria; coerência da gestão com o processo democrático mais amplo da sociedade; e, vigilância e controle da efetividade das ações.

Reconhecemos, entretanto, que a gestão democrática faz parte de um processo coletivo e totalizante, cujo requisito principal é a participação efetiva de todos. É óbvio que somente a prática reiterativamente vivenciada no cotidiano demonstrará o conteúdo de uma gestão dessa natureza.

Assim, reafirma-se que a administração é uma prática social e política, e, por isso, contraditória e parcial, podendo gerar formas autoritárias ou participativas. Por esse motivo, acredita-se em um crescente imbricamento entre a dimensão social e subjetiva, na construção das regras do jogo democrático e no exercício das práticas administrativas. Principal-mente, porque já não se concebe mais a democracia como um produto acabado, mas como um processo em permanente construção, historicamente definido e eternamente inacabado. Assim como também, mantendo a matriz marxista, supera-se a concepção única de Estado como o instrumento de dominação da classe hegemônica, passando a ser visto como o campo de luta dos interesses antagônicos de classe, sendo modelador e produto das relações objetivas de classe. Estado e democracia passam a ser vistos como um pré-requisito necessário à emancipação humana, ficando a autonomia de cada um relativizada pelo papel fundamental que assume a luta dos homens e mulheres no cotidiano de suas vidas na sociedade.

O que parece estar perturbando os processos de democratização, nesse particular das gestões escolares, é exatamente uma certa concepção de democracia, herdada do processo brasileiro, pouco dinâmica, sobre-carregada de um tipo de verdade única, que a contradiz conceitualmente e desde seu nascedouro. Em geral os dirigentes protagonizam uma proposta de gestão, identificando como democrático "um processo de convencimento mútuo que construa um ponto de vista ideal pra escola", conforme declara, em estudo empírico, um dos diretores de uma escola. Talvez, o que não esteja claro, é sobre a relatividade deste "ponto ideal" que, dependendo do novo contexto e da circularidade dos membros do grupo, altera-se.

Observando a presença de uma insatisfação constante com os processos de democratização, principalmente na realidade escolar, arrisco levantar a hipótese de que os sujeitos decepcionam-se com a democracia, porque esperam dela um resultado, um fato acabado, uma conclusão.

Diante disso, a tentativa tem sido de buscar a instrumentalização necessária para compreender, nesse emaranhado de relações, a dimensão do sujeito, que, em geral, fica sucumbida, submersa e, principalmente, negada no jogo dinâmico das relações entre a educação, o Estado e as próprias concepções de democracia. Pelo que se observa, essa dimensão seria uma das variáveis condicionantes da ação de cada um, e, consequentemente, com ressonâncias naquilo que se define como ação coletiva. Isto porque não existem estruturas organizacionais em abstrato. Elas se fazem e se apresentam em sujeitos concretos, que nelas escrevem parte de suas histórias de vida pessoal, e que, em co-autoria, escrevem também a história da instituição. Os acontecimentos que se sucedem e se cruzam, fortemente marcados pelos condicionantes sociais, políticos e econômicos, em tempos e espaços que lhes circundam, integram os referenciais identificatórios dos sujeitos individuais e do sujeito coletivo.

Para Eugène Enriquez(1991), "as estruturas não existem em si, são sempre habitadas, modeladas pelos homens que, na sua ação fazem-nas viver, as esculpem e lhes dão sua significação". (Enriquez, 1991, p. 17) Para ele, assim como para Octavio Souza (1991), Freire Costa (1991) e Calligaris (1991), os sintomas carregam a carga inevitável do social e da sociedade em que se expressam.

Diante deste quadro, não se pode desconsiderar a dimensão subjetiva das práticas desses autores, com seus valores, suas concepções, suas imagens, seus desejos, seus fantasmas, enfim, com toda sua história de vida, que entra como o dote que cada um traz consigo para o intercâmbio entre estas relações. Nesta troca, se inscreve a história coletiva, se constrói, se forma o sujeito coletivo. Por outro lado, o que cada um desses sujeitos traz inscrito sofreu a determinação impressa pela relação parental, que reedita a bagagem cultural e social que lhes são pertinentes. Segundo Pierra Aulagnier(1979) esses referenciais são anteriores ao nascimento desse sujeito individual, uma vez que a criança contém a expectativa do casal parental, inserido no meio que o cerca, sob a influência da condição social que o determina. A criança recebe e reconstrói esse material psíquico, tal como estava no originário dos pais. Por esta ótica, fica estabelecida a ordem dialética de constituição da identidade, onde o encontro do "eu" não pode ser pensado sem um encontro com o meio.

Este conjunto de enunciados, referentes muitas vezes ao passado, muitos deles foram re-calcados em nome mesmo da construção da identidade do sujeito. Isto significa dizer que os desejos provenientes do sistema inconsciente encontram-se em permanente disposição para uma expressão consciente, no que são impedidos pela censura. Esta, no entanto, pode ser burlada na medida em que o desejo in-consciente transfira sua intensidade para

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um impulso do consciente cujo conteúdo ideativo funcione apenas como indicador do desejo original. Assim, uma das características fundamentais do inconsciente, como também de qualquer conteúdo dele, é a indestrutibilidade.

Torna-se, portanto, inegável a marca da história de vida pessoal de cada sujeito na definição de suas opções no presente, esteja ele atuando em qualquer espaço de sua existência. Como também torna-se difícil deixar de reconhecer que, nesse projeto identificatório, é a relação entre o sujeito e o outro que está sempre em causa, em todos os tempos da construção da identidade.

Nesse conjunto sucessivo de vozes identificatórias do meio, no contexto de uma sociedade letrada, a escola muito cedo ocupa um lugar de substituição primeira e imediata dos referenciais parentais. Mas essa substituição não significa eliminação, pois, no inconsciente, o passado conserva-se integralmente e, na realidade, se mantém sempre atuando na construção permanente do sujeito.

Na realidade nos seis primeiros anos, firmam-se as atitudes emocionais do indivíduo para com as outras pessoas. A natureza e a qualidade das relações que estabelece com os pais, os irmãos e irmãs, ou com qualquer outra pessoa que dela tenha cuidado na infância, funcionarão como matriz modeladora de relações subseqüentes, mesmo que de forma inconsciente.

Essas imagens da infância, muitas delas pouco recordadas, estão impregnadas de muita ambivalência, uma vez que despertam alternadamente, sentimentos de ódio e amor. Assim, os pais, por força do seu papel de interdição, de modelo de sabedoria, de poder e de bondade, naquele período inicial da infância, assumem, a partir da segunda metade da infância, a figura de autoridade repressiva.

Coincidentemente, é nessa fase de ambivalência do modelo idealizado dos pais que há o ingresso na escola de 1° grau. Ela se torna o segundo espaço de referência identificatória, onde se busca, por um período significativo de nossas vidas, as vozes substitutas que se começa a questionar. Esse conjunto de conceitos será proferido pelos sujeitos, de acordo com a função e/ou papel desempenhado pelo outro. Esta relação será revestida com base nas vivências primeiras, desejando vir a ocupar a falta interior existente.

Assim, os adultos, em especial os professores, são tratados com a mesma ambivalência da relação parental, uma vez que se transformam em "doublés" das relações familiares. Por isso pondera-se que, na escola, a personalidade dos mestres exerce maior influência sobre nós do que as ciências que eles nos ensinam. Ou, ainda, que as disciplinas de nossas preferências são as mesmas que são lecionadas pelos professores mais queridos.

No caso dos colegas, a disputa pelo amor preferencial do mestre ("pai") é contornada pelo estabelecimento de regras de convivência que garantam a igualdade de tratamento, nos mesmos moldes exigidos na relação fundadora. Em "Psicologia de grupo e a análise do ego" (1921), Freud conclui que este mesmo processo ocorre, de maneira geral, com os grupos, que, para desenvolver o sentimento comunal, "a primeira exigência feita por essa formação reativa1 é a de justiça, de tratamento igual para todos." (Freud, 1976, vol. XVIII, p.152) Como consequência desse processo, o sujeito desloca o sentimento de ciúme e rivalidade por um movimento de aceitação ao grupo como um todo. Provocando um retorno a este investimento libidinal, estabelece um vínculo de cumplicidade com o líder, revestido da figura de poder, criando laços identificatórios com os demais membros do grupo. Segundo ele, os laços intensos que prendem o indivíduo ao grupo constroem em duas direções: ao líder como substituto do ideal de ego, e aos companheiros, por identificação. Assim, cria-se uma relação com as figuras de autoridade (professor - diretor - líder - pai), baseado nas suas vivências anteriores. O sentimento de grupo, presente inicialmente nas relações parentais e depois se reproduzindo nos demais grupos aos quais passamos a pertencer, é a derivação do originário.

Essa lógica, que se aplica, de maneira geral, ao conjunto dos grupos humanos, fica reforçada na escola. Isto porque, ao reconhecer-se o lugar de importância que ela ocupa na construção do projeto identificatório de todos os sujeitos, pela condição de sucessora primeira dos referenciais parentais na história de vida de cada um, implica concluir que, ser um profissional na escola é muito diferente de ser um profissional em qualquer outra instituição. Ocorre que, nesse mesmo espaço, convivem personagens em diferentes estágios dessa construção identificatória, recebendo desse mesmo objeto (a escola) referências identificatórias distintas. Assim, para professores e funcionários, a realidade escolar existe enquanto passado que atua, mesmo que esquecido, sobre o qual se reconstrói o presente e se projeta o futuro. Já para os alunos, existe, no presente, enquanto referencial que fornece o suporte de substituição daqueles originais, mas também como referência em construção para um projeto futuro. Será no cruzamento desses enunciados, expressos através da forma com que cada um atua e pensa, que estará sendo construída, historicamente, na sucessão de seus personagens, a identidade de cada escola.

Os estudos de Freud sobre a estrutura libidinal nos grupos sugeriram-me a hipótese de que também nas escolas públicas, principalmente depois da instalação das chamadas práticas de gestão democrática, cuja marca principal tem sido o processo eletivo para a nomeação dos seus dirigentes, ocorra nos indivíduos a mesma diferença econômica identificada por Freud na Igreja. Isto porque, também na escola, os professores ligam-se ao diretor como representante do pai, da autoridade, na relação de substituto do ideal de ego, mas também são solicitados a identificarem-se com ele, uma vez que é um professor como os demais, sobretudo antes e depois do mandato, tendo, inclusive, ingressado no quadro da categoria pelo mesmo sistema de concurso público, numa declarada

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igualdade de condições. Esta situação também deve estar presente quando se trata da ocupação do cargo por indicação, ou mesmo por concurso, pois, em geral, exige-se do candidato pertencer anteriormente ao quadro de docentes. Porém, nestes últimos casos, devido ao prolongado período em que, geralmente, os ocupantes do cargo ficam em exercício e aos mecanismos usados para sua manutenção nele, parece que acaba por reforçar uma relação de propriedade da função e conseqüente distanciamento da identidade do professor. Acredito que a diferença econômica a que Freud se refere tornou-se mais presente com as eleições, uma vez que elas fixam períodos de mandatos, introduzindo a possibilidade de um rodízio maior entre os professores, na ocupação da função.

Por essa mesma lógica, também é solicitado ao dirigente, após ter sido o foco da escolha objetal do grupo, enquanto representante do ideal de ego de cada um, que desocupe este lugar e volte a ligar-se ao mesmo grupo, como um igual, pelo laço da identificação. Nesse sentido, também o grupo tem que substituir sua escolha objetal para o novo diretor eleito e também o laço de ligação do antigo diretor, pelo da identificação. Do ponto do vista do investimento psíquico, estas alterações não são tão simples como podem, aparentemente parecer, do ponto de vista funcional. Talvez por isso seja mais confortável para todos, o desaparecimento do antigo diretor. Ou, arriscando-me nas hipóteses sobre a formação de grupo e a horda primeva, "o assassinato do pai", que muitas vezes mantém-se vivo em outro grupo.

Na realidade, para Freud, as limitações e as alterações observadas na personalidade do indivíduo num grupo deve-se ao fato de estar ligado por laços emocionais intensos naquelas duas direções, concluindo que "a essência de um grupo reside nos laços libidinais que nele existem". Daí "a falta de liberdade do indivíduo num grupo".(Freud, 1976, vol. XVIII, p. 122) Nesse sentido, continua Freud, a desintegração grupal explica-se pela dissolução dos laços libidinais entre os membros e/ou em relação ao líder. Esta dissolução pode ocorrer provocada por diversos fatores, como, por exemplo, quando há a perda do líder, ou em situação que gere desconfiança, ou, ainda, quando, pela comprovação científica e/ou de realidade, algo de caráter ideológico é questionado. Mas ainda existe outro aspecto das ligações libidinais num grupo, apontado por Freud, que também pode ser identificado em depoimentos de estudo empírico sobre a gestão escolar. Trata-se do componente narcísico destas relações.

Segundo Freud, "há uma catexia libidinal original do ego, parte da qual é posteriomente transmitida a objetos, mas que fundamentalmente persiste e está relacionada com as catexias objetais". (Freud, 1974, vol. XIV, p. 91-92) Freud postula "a existência de um narcisismo primário em todos", uma vez que originalmente o ser humano tem dois objetos sexuais: ele próprio e a pessoa que cuida dele. Em consequência dos processos repressivos a que fica sujeito nas fases de organização da libido, sobretudo pela formação dos complexos de Édipo e de castração, o que o indivíduo "projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal". Assim o ideal do ego surge pela influência crítica dos pais, "aos quais vieram juntar-se, à medida que o tempo passou, aqueles que o educaram e lhe ensinaram, a inumerável e indefinível côrte de todas as outras pessoas de seu ambiente - seus semelhantes - e a opinião pública" . (Freud, 1974, vol. XIV, p. 104 -113)

É nessa direção que também forma-se a idealização, onde o objeto de escolha, engrandecido na mente do indivíduo, "está sendo tratado da mesma maneira que nosso próprio ego, de modo que (...) uma quantidade considerável de libido narcísica transborda para o objeto" Em outras palavras "nós o amamos por causa das perfeições que nos esforçamos por conseguir para nosso próprio ego e que agora gostaríamos de adquirir, dessa maneira indireta, como meio de satisfazer nosso narcisismo". (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 143) Assim, "o narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse novo ego ideal, o qual, como ego infantil, se acha possuído de toda perfeição de valor".(Freud, 1974, vol. XIV, p. 111)

Em relação ao novo diretor, parece que o temor maior está na chegada de alguém que nunca pertenceu ao grupo, alguém de fora. Nesse particular, há uma argumentação coincidente entre Lefort, filósofo político, e Freud. O primeiro, em texto escrito em 1979, sob o título "A imagem do corpo e o totalitarismo", reflete sobre a necessidade, para a constituição do "povo-Uno", da "produção incessante de inimigos", do "Outro" que vem de fora, "o emissário do estrangeiro". (Lefort, 1987, p. 113). Parece que realmente nada ameaça tanto, quanto a possibilidade de vir alguém de fora. No estudo empírico realizado, há quase uma unanimidade entre os entrevistados neste sentido: "nós não podemos deixar chapa de fora, tem que ser uma chapa daqui de dentro", pensam não só professores, como alunos e funcionários.

No entanto, além da imagem do inimigo de fora, que sem dúvida fortalece a possibilidade de união do grupo, reforçando os laços entre eles, não se pode esquecer que esses laços são de identificação, que, segundo Freud, é "a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa", apresentando a característica de ambivalência desde o início, podendo "tornar-se expressão de ternura com tanta facilidade quanto um desejo de afastamento de alguém". Assim ocorre, porque a identificação está na origem do complexo de Édipo, já que a história primitiva é marcada por dois laços distintos: "uma catexia de objeto sexual e direta para com a mãe e uma identificação com o pai que o toma como modelo". (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 133) Esses laços subsistem lado a lado por um tempo, até que, no avanço da organização libidinal, no sentido da unificação da vida mental, a

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identificação assume um colorido hostil, mesclando a figura de modelo com a do censor. Assim a identificação está na origem da formação do ideal do ego, na constituição da figura de autoridade interna de cada um. Neste sentido, percebo inteira-mente justificável que os grupos tenham mais facilidade em colocar no lugar de futuro representante de ideal do ego, alguém com quem já tenham tido um laço de identificação, assim como foi, remotamente, na sua relação parental, quando constituiu-se o protótipo de autoridade.

Entre as fontes de identificação apresentadas, Freud caracteriza o tipo de identificação que se desenvolve nos grupos, como aquela que "pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto do instinto sexual". (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 136) Vale lembrar que, para Freud, as relações grupais são libidinais, isto é, carregadas de energia sexual, mas inibidas em seu objetivo, o que a diferencia do "estar amando", que é "uma catexia de objeto por parte das pulsões sexuais com vistas a uma satisfação diretamente sexual, catexia que, além disso, expira quando se alcançou esse objetivo". (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 141). Na ótica de Freud, são exatamente "esses impulsos sexuais inibidos em seus objetivos que conseguem tais laços permanentes entre as pessoas, (...) facilmente compreendidos pelo fato de não serem capazes de satisfação completa". (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 146)

Para Freud as pulsões diretamente sexuais são desfavoráveis para a formação grupal, porque elas incorrem em perda de energia, enquanto que as pulsões inibidas em seus objetivos conservam seus objetivos sexuais primitivos sublimados em sentimentos afetuosos que lhe sucedem, assim como os vínculos sexuais dos primeiros anos da infância. Essa pulsão permanece como forma e possibilidade, apta a criar vínculos permanentes, em novas catexias, que se colocam em atividade. Assim, conclui Freud, "todos os vínculos de que um grupo depende têm caráter de pulsão inibida em seus objetivos". (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 175)

Segundo ele "o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é da natureza de uma identificação desse tipo, baseada numa importante qualidade emocional comum, e podemos suspeitar que essa qualidade comum reside na natureza do laço com o líder" (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 136), sendo que, tal sugestão também pode ser exercida pelos membros entre si, pois, explica ele, quando, em membros do grupo, ocorre daquele ideal de ego não se corporificar sem alguma correção, terminam por serem arrastados com os demais por meio da identificação, por sugestão. No entanto, há que se fazer uma distinção, da "fascinação" ou "servidão", pois, segundo Freud, na identificação, o ego enriquece-se com as propriedades do objeto que introjeta em si próprio. (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 144) Assim, seguindo a caracterização de Freud, tais grupos, chamados por ele de primários, definem-se por "um certo número de pessoas que colocaram um só e mesmo objeto no lugar de seu ideal de ego e, consequentemente, se identificaram uns com os outros em seu ego". (Freud, 1976, vol. XVIII, p. 147)

Toda esta lógica exposta por Freud reforça, ao meu ver, a hipótese de que o preenchimento do cargo de dirigentes das escolas públicas, pelo critério eleitoral, fortalece essa convergência de escolha objetal em torno do diretor eleito, que na realidade começa a se formar desde o momento da organização da chapa, propagando-se durante a campanha eleitoral e finalmente consagrando-se no grande dia da eleição, da escolha pública do grupo, quando todos os membros projetam nele seu ideal, depositam nele a possibilidade de realizar sua ilusão, no caso, a gestão democrática, que a cada eleição renasce dos limites de realização daquele que o antecedeu.

Assim, penso ser este o ardil pelo qual o grupo se mantém vivo e unido: "é a ilusão de que o líder (que, a cada eleição personifica a esperança, sempre renovável, do ideal democrático) ama todos os indivíduos de modo igual e justo". (Freud, 1976, vol. XVII, p. 158)

Por esse motivo a democracia precisa ser mantida como um produto inacabado, uma utopia em permanente construção, um desejo irrealizável em permanente estado de pulsão, instrumentalizando, pelo seu conteúdo inconcluso, a possibilidade de manutenção do grupo, que sobrevive sustentado pela ilusão do ideal democrático: um desejo em permanente estado de pulsão. Penso ser esta a razão pela qual este ideal não morre, pois como pulsão, para se manter em estado de desejo, não pode realizar-se: a pulsão ao alcançar seu objetivo, perde energia e expira.

Para Freud, assim como na psicologia das neuroses, observa-se nos grupos a predominância da fantasia e da ilusão nascida de um desejo irrealizado. "Nas operações mentais de um grupo a função de verificação da realidade das coisas cai para segundo plano, em comparação com a força dos impulsos plenos de desejo com sua catexia afetiva".(Freud, 1976, vol. XVIII, p. 104)

Tanto para Le Bon, quanto para Freud, os grupos não anseiam pela verdade, mas exigem ilusões e não podem viver sem elas. Confundem o irreal com o real e vice-versa. Le Bon os compara à um rebanho que não vive sem o senhor, mas este tem que possuir vontade forte e imponente, que credibiliza-se pelas idéias, nas quais todos crêem entusiasticamente. O grupo atribui tanto às idéias quanto ao líder um poder misterioso e irresistível, que reduz as faculdades críticas e que desperta admiração e respeito.

Assim o impulso do desejo democrático, carregado de catexia afetiva, projeta-se a cada nova eleição, reabastecendo os laços identificatórios do grupo em direção a um novo ideal de ego, para onde convergem as energias libidinais, em busca do preenchimento daqueles espaços de falta.

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Nesse sentido, resguardando todos os limites de uma possível generalização no campo de estudos das ciências humanas e sociais, penso poder tirar algumas conclusões. Uma delas refere-se à importância do método eleitoral como mecanismo de escolha dos dirigente escolares, em duas direções. Primeiro, porque a cada processo eleitoral, o grupo se reorganiza e reestimula, em cada um, a utopia democrática que os sustenta. Segundo, que os mandatos devem permanecer com tempo definido não reconduzíveis, exatamente pela possibilidade que esta fórmula traz, em direção do ideal de ego não ficar preso à pessoa do diretor e, em conseqüência, poder ser transferido para o ideal democrático. Outra conclusão refere-se à concepção de democracia como um processo inacabado, em permanente construção, assim como o próprio ser humano. Concebê-la como um desejo que se renova a cada dia, como uma pulsão que garante a sobrevivência do grupo, que a cada dia define seu contorno, acredito ser essencial para a própria sobrevivência da democracia, que certamente morrerá se concretizada em uma verdade única. Assim, para a sobrevivência dos grupos e da própria democracia, penso ser essencial concebê-la como um desejo, uma pulsão.

Coerente com toda sua argumentação, ao terminar esse trabalho tive a clara percepção da sua inconclusão. Parece que, ao tentar responder as questões por ele mesmo levantadas, muitas ficaram sem respostas e outras transformaram-se em novas hipóteses de trabalho. Mesmo assim, espero que, ao menos uma porta tenha sido aberta em direção às várias possibilidades de reflexão, sobre os condicionantes subjetivos da chamada gestão democrática. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AULAGNIER, Pierra. A violência da interpretação: do pictorama ao enunciado. Rio de Janeiro, Imago, 1979.CALLIGARIS, Contardo. Hello Brasil! Notas de um psicanalista europeu viajando ao Brasil. São Paulo, Escuta, 1991.COSTA, Jurandir Freire. Narcisismo em tempos sombrios. In: FERNANDES, Heloisa Rodrigues et al. Tempo do desejo: sociologia e psicanálise. São Paulo, Brasiliense, 1991.________. Sobre a geração AI-5: violência e psicanálise. In: _____. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro, Graal, 1984.ENRIQUEZ, Eugène. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro, Zahar, 1991.FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro, Imago,1980.LAPLANCHE, J e J.-B. Pontalis. Vocabulário da psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 1970.LEFORT, Claude. A invenção democrática. Os limites do totalitarismo. São Paulo, Brasiliense, 1987.PARO, Vitor Henrique. Administração Escolar. Introdução crítica. São Paulo, Cortez, 1986.PRZEWORSKI, Adam. Ama a incerteza e serás democrático. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 9, julho/1984.SOUZA, Octavio. Reflexões sobre a extensão dos conceitos e da prática. In: ARAGÃO, Luiz Tarlei de et al. Clínica do social. São Paulo, Escuta, 1991.